CLASSES DOMINANTES E HEGEMONIA NA REPÚBLICA VELHA

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Descrição do Produto

RENATO M. PERISSINOTTO

CLASSES DOMINANTES E HEGEMONIA NA REPÚBLICA VELHA

FICHA CATALOGRÁFICA ELABORADA PELA BIBLIOTECA CENTRAL - UNICAMP

P 4 l9 c

Perissinotto, R enato M. Classes dom inantes e hegem onia na República Velha / Renato M. Perissinotto. - Campinas, SP : Editora da UNI­ CAMP, 1994. (Série Pesquisas) 1. Brasil - Indústrias - 1889-1930. 2. Brasil-Política eco­ nôm ica - 1889-1930. I. Título.

ISBN 85-268-0291-7

20.CDD -338.098 105 -338.981 05 índices para Catálogo Sistemático:

1. Brasil - Indústrias 1889-1930. 2. Brasil - Política econôm ica 1889-1930. Série Pesquisas C opyright © by Renato M. Perissinotto Coordenação Editorial Carmen Silvia P. Teixeira Produção Editorial Adriana L opes M oysés Editoração Nivia Maria Fernandes Preparação de originais Vania Aparecida da Silva Revisão Vilma Aparecida Albino Juliana Bôa Fotocomposição, paginação e filmes Helvética Editorial Ltda. Capa A na Carla M . Perissinotto 022

CD

a p artir de fo to d a residência de A lexandre Siciliano do acervo pertencente ao Serviço de Biblioteca e Inform ação d a FA U U SP.

1994 Editora da Unicamp Rua Cecílio Feltrin, 253 Cidade Universitária - Barão Geraldo CEP 13084-110 - Campinas - SP - Brasil Tel.: (0192) 39.3720 Fax: (0192) 39.3157

P ara m in h a mãe, m in h a irm ã e m inha mulher. A o m eu pa i, in m em orian.

AGRADECIMENTOS

O livro que o leitor tem em m ãos é um a versão ligeiram ente m o­ dificada da tese de m estrado defendida no Instituto de Filosofia e Ciências Humanas (IFCH) da Unicamp em o u tu b ro de 1991. C ontu­ do, as m odificações realizadas não alteraram as idéias e hipóteses cen­ trais do trabalho inicial. Por essa razão, gostaria de agradecer às pes­ soas que contribuíram para a feitura do trabalho original. Ao m eu orientador, professor Décio Saes, do D epartam ento de Ciência Política do IFCH/Unicamp, que m e deu, ao m esm o tem po, a atenção e a liberdade necessárias para a sua realização. Agradeço tam bém à banca julgadora, com posta pelos professores Jorge Miglioli, do D epartam ento de Sociologia do IFCH/Unicamp, e Lígia Maria O só­ rio Silva, do Instituto de Econom ia da Unicamp. Várias observações feitas p o r esses professores foram aproveitadas n o livro. Aos profes­ sores Arm ando Boito Junior e Sérgio Silva agradeço p o r terem c o n ­ tribuído com valiosas sugestões, ainda no projeto original, que faci­ litaram a realização deste trabalho. Não poderia deixar de lem brar aqui o m eu amigo Adriano Nervo C odato que corrigiu o trabalho ini­ cial e o to rn o u m inim am ente legível. Finalm ente, agradeço à Fapesp (Fundação de Am paro à Pesquisa do Estado de São Paulo), à Funcam p (Fundação para o D esenvolvim ento da Unicamp), à Capes (C oordenação de A perfeiçoam ento do Pessoal de Ensino Superior) e ao CNPq (Conselho Nacional de Política Científica e Tecnológica) pela ajuda financeira.

SUMÁRIO

A p r e s e n ta ç ã o ............................................................................ I n tr o d u ç ã o ..................................................................................

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L avoura e g ra n d e cap ital cafeeiro : fraçõ es a u tô n o m a s e h e g e m o n ia n o in te rio r d o b lo c o n o p o d e r d a e c o ­ n o m ia a g r o e x p o r ta d o r a ........................................................

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1. O grande capital cafeeiro e a lavoura........................................ 1.1 Origem, desenvolvim ento e consolidação do grande ca­ pital cafeeiro .............................................................................. 1.2 O conflito en tre a lavoura e o grande capital: a diferen­ ciação da classe d o m in a n te na ec o n o m ia a g ro ­ exportadora ................................................................................ 2. A política e c o n ô m ic a ...................................................................... 2.1 A política m onetária e cam bial............................................. 2.1.1 O “ E ncilham ento”e a burguesia b an c ária 2.1.2 O fu n d in g lo a n ............................................................. 2.1.3 O m ovim ento geral da taxa de câm bio e a tese tradicional........................................................................ 2.2 A prim eira valorização do c a f é .......................................... 2.3 A segunda valorização do ca fé........................................... 2.4 A terceira valorização do c a fé............................................. 2.5 A defesa p e rm a n e n te ............................................................. 2.6 A questão do crédito agrícola............................................

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37 38

45 54 55 55 62

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3. O grande capital cafeeiro e a lavoura com o frações au tô n o ­ mas de classe..................................................................................... 91 3 . 1 0 grande capital cafeeiro com o fração autônom a: o apa­ recim ento do Estado federativo e sua consolidação... 92 3.1.1 O avanço paulista e a F ederação ........................... 92 3.1.2 O apoio do grande capital à República federati­ va: a conquista e a consolidação ........................... 96 3.2 A lavoura com o fração autônom a de classe................. 103 3.3 O “ com prom isso coronelista” com o efeito pertinente do dom ínio do grande capital cafeeiro sobre a lavoura 107

A b u rg u e sia in d u stria l c o m o fração a u tô n o m a d e c la s s e ............................................................................................ 127 1. A relação entre o avanço da indústria e a dinâm ica da eco n o ­ m ia ag ro ex p o rtad o ra....................................................................... 1 . 1 0 co n flito ................................................................................... 1.1.1 A organização da burguesia in d u strial.................... 1.1.2 A burguesia industrial e a luta tarifária................... 1.1.3 A burguesia industrial em luta com a sociedade a g ro e x p o rta d o ra ............................................................ 1.1.3-1 O conflito entre burguesia industrial e la­ voura e x p o rta d o ra ......................................... 1.1.3.2 O conflito entre burguesia industrial e c o ­ m ércio im p o rtad o r......................................... 1.1.3.3 O conflito entre burguesia industrial e ca­ pital e stra n g e iro .............................................. 2.

129 130 134 138 146 147 148 150

A presença ideológica da burguesia industrial.................. 153

3. A origem social da burguesia industrial: im igrantes ou gran­ de capital cafeeiro?......................................................................... 158

O capital e stra n g e iro c o m o fração h e g e m ô n ic a n o in ­ te rio r d o b lo c o n o p o d e r n a c io n a l................................. 167 1.

O capital estrangeiro na econom ia cafeeira.................... 168

2.

A dependência financeira estrutural do Brasil e a força políti­ ca do capital estran g eiro ................................................................ 179

3.

A relação en tre o capital estrangeiro e as classes dom inantes da econom ia a g ro e x p o rta d o ra ..................................................... 190

O s co n flito s reg io n a is c o m o c o n flito s n o in te rio r d o b lo c o n o p o d e r ................................................................................ 203 1. Os conflitos regionais com o conflitos entre as frações dom i­ nantes da econom ia agroexportadora e as frações dom inan­ tes voltadas para o m ercado in te rn o ........................................... 206 2. Os principais conflitos políticos com o expressão da oposi­ ção entre interesses de m ercado interno e interesses ex p o r­ tad o res................................................................................................. 2.1 As sucessões p re sid e n ciais.................................................... 2.2 A Aliança Liberal e a Revolução de 1930 ....................... 2.3 O m ovim ento salvacionista em São P a u lo ......................

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3. As bases da legitim idade da hegem onia agroexportadora... 227 3.1 O caráter agrom ercantil da econom ia n ac io n a l............. 227 3.2 O café com o problem a nacio n al........................................ 233

C o n c lu s ã o ...............................................

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B ib lio g ra fia ......................................................................................... 247

APRESENTAÇÃO

Este livro faz um exam e cuidadoso de um período da história brasileira — e particularm ente paulista — , a Prim eira República. Pa­ ra entender a história de um a sociedade dividida em classes, em qual­ qu er m om ento específico, é preciso observar não só as lutas e os antagonismos entre as classes dom inantes e as classes dominadas, mas tam bém os conflitos no interior dessas classes. Em certas circuns­ tâncias, os conflitos d en tro da classe dom inante assum em um cará­ ter proem inente na determ inação do processo histórico, o que o co r­ re, p o r exem plo, quando as diversas frações dessa classe lutam entre si pela conquista de vantagens econôm icas ou pela reform ulação das posições de poder. Isto é m ostrado com clareza p o r Renato M. Perissinotto ao estu­ dar a classe dom inante no estado de São Paulo no período da Pri­ meira República. No setor agroexportador (fundamentalmente de p ro ­ dução e exportação de café), que constitui a principal atividade eco­ nôm ica do estado, ele distingue duas frações da classe dom inante: a proprietária dos meios de produção agrícola (os “fazendeiros” , tam ­ bém identificados com o “ a lavoura”) e a burguesia com ercial u rb a­ na, que é a fração hegem ônica. A essas duas frações acrescenta-se a burguesia industrial, em expansão, ainda subordinada econôm ica e politicam ente ao setor agroexportador, mas já portadora de inte­ resses diferenciados e de um a ideologia própria. Por fim, atuando junto a essas frações “ internas” da classe dom inante em São Paulo, e às vezes até m esm o opondo-se a elas, e tendo um a influência deci­ siva na econom ia e na política, tanto deste estado com o de to d o o país, encontra-se o capital estrangeiro.

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No Capítulo 1, o autor defende a tese de que não havia, contra­ riam ente à interpretação de outros historiadores, um a única classe dom inante na econom ia cafeeira, mas sim duas frações autônom as — as já referidas “ lavoura” e “burguesia com ercial urbana” —, e que grande parte da história de São Paulo e do Brasil, durante a Repúbli­ ca Velha, se explica pelo conflito entre essas duas frações e pela atua­ ção da burguesia com ercial (“ o grande capital cafeeiro”), que era a fração hegem ônica. A lavoura cafeeira sem pre o cupou um a posição subordinada, prim eiram ente aos “ com issários” (interm ediários en ­ tre a p ro dução e a exportação de café e agentes financeiros da p ro ­ dução) e depois, com a decadência destes, ao “ grande capital cafeei­ ro ” , form ado p o r um sistem a com plexo que incluía o com ércio, a rede bancária, as ferrovias, os serviços urbanos, e que dispunha de enorm e penetração na adm inistração pública. O autor dá diversos exem plos da divergência entre essas duas frações, inclusive na área política, e dem onstra o caráter hegem ônico do “ grande capital ca­ feeiro” , reco rren d o principalm ente à análise da política econôm ica desse período. O Capítulo 2 trata da burguesia industrial. Perissinotto procura m ostrar que a indústria paulista, apesar de ter se expandido dentro da dinâmica da econom ia cafeeira, “não foi um m ero apêndice” dessa econom ia, e a burguesia industrial, apesar de num ericam ente peq u e­ na, era um a fração autônom a, com interesses definidos, com um a ideologia própria (freqüentem ente representada pela defesa do industrialismo, do protecionism o e do nacionalismo econômico) e com atuação política relevante; concluindo o capítulo, o autor discute a controvertida questão da origem social dessa burguesia, e pergunta: a burguesia foi form ada p o r imigrantes ou p o r indivíduos provenien­ tes do grande capital cafeeiro? O Capítulo 3 estuda os conflitos regionais da época e recusa a difundida interpretação de que estes seriam conflitos entre “ oligar­ quias regionais” , com o se cada região tivesse um a oligarquia h o m o ­ gênea e coesa, com interesses diferentes dos das outras regiões. Para ele, trata-se de conflitos entre classes ou frações de classes dom inan­ tes, com interesses econôm icos ou políticos divergentes, assim co ­ m o os interesses com uns explicam as alianças regionais. É nesses ter­ m os que se p rocura en ten d er a união entre São Paulo e Minas Gerais e os conflitos com outros estados ou regiões, principalm ente com o Rio G rande do Sul. Esses conflitos seriam m anifestações políticas

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da oposição entre os interesses das frações de classes dependentes do m ercado in terno (dom inantes no Rio G rande do Sul) e os interes­ ses das frações voltadas para o com ércio exterior (com o em São Pau­ lo), que aparecem ao longo de toda a Primeira República, inclusive com o m ovim ento militar: a Revolução de 1930, que liquidou com a República Velha. No último capítulo, o autor estuda o capital estrangeiro: um breve histórico de sua atuação no Brasil até as prim eiras décadas do século XX, sua presença na econom ia cafeeira, sua força financeira e políti­ ca no país, suas relações (de harm onia ou de conflito) com as dife­ rentes frações “ internas” da classe dom inante. C oncluindo, é preciso acrescentar que, para co rroborar suas in­ terpretações, Renato M. Perissinotto é pródigo na apresentação de fatos históricos e de testem unhos de personagens da época, o que torna este livro, além de interessante e original, ainda mais convin­ cente e mais agradável de ler. Jorge M iglioli *

* Professor titular do D epartam ento de Sociologia da Unicam p.

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INTRODUÇÃO

O presente trabalho, sobre as classes dom inantes na econom ia agroexportadora durante o prim eiro período republicano brasileiro (1889/1930), sofreu, ao longo de sua elaboração, algumas m odifica­ ções. A principal delas se deu com relação à am plitude do objeto de estudo que o p rojeto inicial enfocava: as classes dom inantes n o Bra­ sil. Ou m elhor dizendo, o estudo da hegem onia que levasse em co n ­ ta, de forma detalhada, todas as classes dom inantes do país, ultra­ passando as fronteiras da econom ia agroexportadora. Após um c o n ­ tato mais aprofundado com a bibliografia pertinente, vimos claramen­ te a im possibilidade de se analisar, no espaço reservado a um a dis­ sertação de m estrado, as classes dom inantes em to d o o país. A bi­ bliografia a ser lida, um a vez m antida a posição inicial, tornaria a pes­ quisa inviável. Tal dificuldade nos levou a concentrar a análise so­ b retu d o em São Paulo, centro inquestionável da econom ia agro­ exportadora. Porém , não foi apenas esta dificuldade que nos forçou a reorientar a pesquisa. Uma de nossas hipóteses iniciais — a de que o grande capital cafeeiro m ercantil-exportador constitui-se com o fra­ ção hegem ônica no período em questão — tam bém nos obrigou a repensar o cam inho inicial. A constatação de que essa classe não lo­ gra ter um a existência nacional na Prim eira República foi um im por­ tante fator que nos levou a esta decisão. A inexistência dessa fração de classe em nível nacional era uma conseqüência natural do processo de concentração da econom ia agroexportadora na região Sudeste do país, sobretudo no estado de

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São Paulo, em função da alta especialização dessa econom ia na p ro ­ dução de café e do alijam ento de outros p ro d u to s nacionais do m er­ cado externo, com o o açúcar e o algodão, antes da República, e a borracha a partir de 1910 .1 No entanto, m esm o com essa reorientação, tentam os não nos limitar exclusivam ente à análise das classes dom inantes no estado de São Paulo, p ro curando com preender a natureza e o significado da sua relação com as classes e frações dom inantes dos outros estados. O prim eiro capítulo deste livro dedica-se à análise das frações dom inantes n o âm bito da sociedade agroexportadora. O interesse principal consiste em apontar a diferenciação do bloco n o p o d er no interior desta sociedade, id en tifican d o /raçõ es a u tô n o m a s de classe que m antêm entre si um a relação de subordinação. Procurarem os provar a existência de um a fração agrária ligada exclusivamente à p ro ­ priedade da terra — a “ lavoura” ou “ fazendeiros” ou “p rodutores de café” —, p o r um lado, e, p o r outro, a existência de um a burgue­ sia com ercial urbana que subordina a atividade exclusivam ente p ro ­ dutiva e é politicam ente hegem ônica. O segundo capítulo dedica-se inteiram ente à indústria. Nele p ro ­ curam os m ostrar que ela não é, no perío d o em estudo, um m ero apêndice da econom ia agroexportadora, nem um simples investim en­ to alternativo para o capital excedente dos grandes fazendeiros. Ao contrário, a atividade industrial dá origem a um a burguesia indus­ trial consciente da especificidade dos seus interesses. Esta classe, ape­ sar de sua subordinação econôm ica e política ao setor agroexportador, m ostra-se capaz de elaborar um a ideologia própria e de estabe­ lecer formas de luta que m elhor correspondam aos seus objetivos. O terceiro capítulo é dedicado à presença econôm ica e à força política do capital estrangeiro. Procuram os m ostrar onde o capital estrangeiro se aloja, preferencialm ente, no interior da econom ia na­ cional e com o ele retira, a partir das posições estratégicas que passa a ocupar, força política e capacidade de intervenção nas decisões centrais acerca da nossa política econôm ica. O objetivo é afirmar a im portância da análise desse capital para com preenderm os as d e­ cisões dos governos federal e estadual. Ainda neste capítulo nos referim os à relação do capital estrangeiro com as frações internas da classe dom inante e às im posições feitas a elas por este m esm o capital.

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No quarto capítulo farem os um a discussão sobre o regionalis­ m o na Primeira República e, ao m esm o tem po, criticarem os o uso de term os generalizadores com o “ oligarquias regionais” e “ burgue­ sia cafeeira” . P ropom os, com o Nelson W erneck Sodré (1967), e n ­ tender o regionalism o, sobretudo, com o a expressão de conflitos no interior do bloco no poder. Além disso, em bora co n cordando com a existência m eram ente regional da fração que consideram os hegem ônica, observam os a p re­ sença de um discurso hegem ônico universal, capaz de transform ar, den tro de certos limites, os interesses dessa fração em interesse geral de to d o o bloco no poder, fornecendo-lhe a base consensual para o exercício da dom inação. Insistim os na hegem onia de um a fração d o ­ m inante, criticando, portanto, a idéia de hegem onia de um a região. A pertinência do estudo do bloco no poder da econom ia agroex­ po rtad o ra durante a República Velha não nos parece difícil de expli­ car. E isso p o r duas razões. A prim eira delas consiste no fato de a tensão no interior da clas­ se dom inante ter um a expressão política privilegiada e ocupar um a posição tam bém privilegiada na determ inação do processo históri­ co do período. Com o exem plo clássico tem os as conturbadas elei­ ções de Hermes da Fonseca (1910) e de Artur Bernardes (1922), além da p rópria Revolução de 1930, ocasiões em que a im portância dessa tensão ficou bastante evidente, em bora não seja, aí, a única co m p o ­ n ente do conflito. C om o afirm ou Boris Fausto, em bora se referisse apenas à década de 1920: O co n fro n to d o final dos anos 20 é um c o n fro n to intra-elites, tradicional na his­ tória brasileira. O jogo se decide no âm bito das forças dom inantes envolvidas e a vitória dos novos grupos não co rresp o n d e à pura e sim ples liquidação dos derrotados e de sua fonte de p o d e r (1988: 21).

A segunda razão reside na tentativa de se o p o r à tese ou ao pres­ suposto, bastante recorrente na historiografia do período, da h o m o ­ geneidade e da coesão do bloco n o p o d er da econom ia agroexpor­ tadora em São Paulo. Trabalhos com o o de Sérgio Silva (1976), Jo ­ seph Love (1982), Boris Fausto (1972), entre outros, vão nessa dire­ ção. O m esm o Boris Fausto é quem diz: É bastante con h ecid a a capacidade de articulação da burguesia do café que não foi sim plesm ente beneficiária da ação do Estado, mas forjou as instituições esta­

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tais e transform ou-as no instrum ento de seus interesses. Esta capacidade integradora se deve em grande parte à relativa indiferenciação de funções n o interior da classe e o fato de que em São Paulo, outros setores — especificam ente os in­ dustriais — se constituíram adaptados ao centro agrário-exportador. Provavel­ m ente, a escassa a rticulação das diferenças in tern a s d a burguesia do ca fé se deve a d u a s razões essenciais: p rim e ira , a fre q ü e n te concentração de fu n ç õ e s nos m esm os agentes econôm icos que são a u m tem po grandes fazendeiros, b a n ­ queiros e com issários. Segunda, a inexistência de u m a pressão efetiva d a m a s­ sa de pequenos fa zen d eiro s e meeiros, que poderia levar à form ação de u m grupo de p rodutores, oposto aos dem a is setores (1972: 05-06, grifo nosso).

O uso do term o “ burguesia cafeeira” ou “ burguesia do café” , que não nos revela nenhum a oposição, nenhum a diferenciação no interior dessa classe — na verdade, quando este term o é usado rara­ m ente se sabe de quem se está falando, se do grande capital cafeeiro, se da lavoura ou dos com issários — é característico dessas teses “ holísticas” (Font, 1987, passim ). O nosso esforço vai, portanto, no sentido de m ostrar as dife­ renciações existentes no interior do bloco n o p o d er da sociedade agroexportadora, apontando, com o prova dessa diferenciação, os conflitos políticos e econôm icos entre as frações dom inantes. Em suma, pretende-se cham ar a atenção para a com plexidade do bloco n o po d er da econom ia agroexportadora e contribuir para o estudo da política no prim eiro período republicano.

ESCLARECIMENTOS TEÓ R IC O S

Frações autônomas de classe Antes de entrarm os na análise concreta das classes dom inantes em São Paulo, elucidaremos o instrum ental teórico do qual partimos. A própria preocupação de nossa pesquisa, isto é, entender as relações que se estabelecem n o interior da classe dom inante, já indi­ ca que não a consideram os com o uma entidade hom ogênea, m o n o ­ lítica e, conseqüentem ente, livre de conflitos e oposições internas. Ao contrário, identificam os dentro do term o geral “ classe dom inan­ te ” a existência de várias frações que a com põem . Do p o n to de vista do objetivo deste trabalho, interessa-nos sa­ b er com o identificar n o interior da classe dom inante a existência de fra çõ es a u tô n o m a s de classe.

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O prim eiro passo, mas não o definitivo, seria tentar identificar a existência dessas frações de classe a partir da análise do processo social de pro d u ção (produção e circulação). A um a fração de classe corresponderia um a posição específica nesse processo: frações que se concentram na p rodução propriam ente dita (industriais, lavrado­ res), frações que se concentram no financiam ento da produção (ban­ cos) e frações que se concentram na com ercialização da produção (capital comercial). As diferentes form as que assum e o capital em seu ciclo — capi­ tal dinheiro, capital produtivo e capital m ercadoria — correspondem a um conjunto de funções do capital. Apenas pelo desem penho co n ­ jugado delas o capital garante a sua reprodução. É som ente sob esta condição que ele existe com o tal. A diferenciação do capital em fra­ ções implica na presença autônom a dessas formas, com suas respec­ tivas funções específicas' portan to não mais com o meras etapas de um capital individual. Assim, as simples formas produtiva, dinheiro e m ercadoria do capital não nos revelam frações desse m esm o capital. Essas formas, assumidas sucessivamente p o r um capital individual no seu m ovim en­ to cíclico, só se transform am em frações do capital quando encara­ m os este últim o a partir de um n o v o prism a, isto é, com o um todo, com o capital social total. Deste p o n to de vista, essas formas não são mais fases sucessivas de um capital individual, mas funções específi­ cas de um grupo de capitalistas perm anentem ente dedicado a elas. Temos, então, p o r efeito da divisão social do trabalho, essas funções substantivadas, confiadas, perm anentem ente, a um a categoria parti­ cular de capitalistas. A form a produtiva se transform a em capital p ro ­ dutivo, a form a m ercadoria em capital com ercial e a form a dinheiro em capital bancário, funções específicas do processo social de p ro ­ dução. Mas esta identificação de um a fração autônom a de classe exclu­ sivam ente do p o n to de vista do processo social de produção não é suficiente, visto que um a m esm a fração de classe p o d e ter um a ativi­ dade econôm ica bastante diversificada. Isto quer dizer que um a d e­ term inada atividade dentro do processo social de produção pode não configurar um a fração de classe, mas apenas mais um a atividade de um a fração que ocupa múltiplas posições nesse processo. Por exem ­ plo, a existência do grande capital cafeeiro na econom ia agroexportadora leva a esse tipo de confusão na m edida em que os seus m em ­

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bros se dedicam tanto à produção com o ao financiam ento e à c o ­ mercialização do produto. Mas nem por isso essa fração de classe en ­ cerra em si todas as frações da sociedade agroexportadora.2 É certo que as classes se definem pelo lugar ocupado na divisão social do trabalho. Mas é certo tam bém que o processo social de p ro ­ dução significa divisão em classes, e, p o r conseguinte, dom inação e luta de classes. Desse m odo, a análise da posição política e ideoló­ gica dos diferentes grupos sociais nessa luta é, efetivam ente, requisi­ to indispensável para a identificação e caracterização concreta das classes sociais. Para detectarm os a existência dessas frações autônom as, as c o n ­ tribuições teóricas de Nicos Poulantzas (1986: 74 e ss.) são funda­ mentais. A despeito das críticas que se possa fazer ao formalism o ou “ superdeterm inism o estrutural” das considerações de Poulantzas a respeito das classes sociais, é inegável que ele contribuiu en o rm e­ m ente para tirar esse conceito do cam po econom icista, apontando para os aspectos políticos e ideológicos com o sendo fundam entais para a caracterização e o estudo das classes sociais. Para esse autor só é possível perceber a presença dessas fra­ ções na m edida em que observam os se a existência econôm ica des­ sas classes ou frações se reflete em outros níveis — político e/ou ideológico — de um a form ação social de m aneira específica, isto é, através de efeitos p ertinentes. Tais efeitos revelam que a existên­ cia de um a classe ou fração de classe se m anifesta n o nível político (representação de classe, partidos, organização do regime político etc.) ou ideológico (luta ideológica de classe) de fo r m a específica, p o d en d o então ser considerada com o ten d o um a existência autô­ nom a, com o sendo parte im portante e determ inante da luta políti­ ca e ideológica, em suma, com o um a força social.3 Nesse sentido, o conceito de fração autônom a de classe é fundam entalm ente polí­ tico, não p o d en d o ser en tendido exclusivam ente do po n to de vista das relações econôm icas. Façamos duas observações sobre o que foi dito acima. A primeira é que, ao identificarm os um a determ inada fração com o fração autô­ nom a de classe, não estam os im ediatam ente exigindo a presença, no nível político, de um a organização política própria dessa fração. Ou seja, os partidos políticos não são a única form a pela qual a especifi­ cidade e a autonom ia de um a fração se manifestam. O bonapartism o, p o r exem plo, deixa evidente que o efeito pertinente da existên­

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cia dos cam poneses parcelares n o nível político não é nenhum p ar­ tido político, mas sim o p ró p rio bonapartism o (Poulantzas, 1986: 77). A segunda observaçao reside n o fato de que as classes não exis­ tem senão na luta de classes e que esse “ elem ento histórico e dinâ­ m ico ” (Cardoso, 1973:) da análise poulantziana im pede que o c o n ­ ceito de fração au tônom a seja estático e atribuído a p r io ri sem um a análise do processo histórico e da luta concreta entre as classes. Nes­ se processo, as frações que não são autônom as são suscetíveis de sêlo e vice-versa. A condição de fração autônom a se dá de acordo com as conjunturas concretas, de acordo com o desenrolar da luta políti­ ca entre as classes, com o desenvolvim ento e o aprofundam ento das contradições entre elas, e de acordo com o m odo pelo qual essas contradições são atenuadas, resolvidas, reprim idas etc, De fato, as classes sociais só existem na luta de classes, em dim ensão histórica e dinâm ica. A constituição e m esm o a delim itação das classes, das frações, das cam adas, das categorias só p o d e ser feita considerando-se essa perspectiva his­ tórica da luta das classes (Poulantzas, 1978: 29).

Por exem plo, a constatação, na Primeira República, de um a bur­ guesia industrial com o fração autônom a de classe, na m edida em que se faz presente no nível ideológico através de um a ideologia própria — o “p ro tecio n ism o ” — só é possível através da análise concreta da luta de classes, no desenrolar histórico. Não podem os afirmar ser a indústria a base de um a fração autônom a apenas pelo fato de existir um a atividade econôm ica m anufatureira. É na luta dessa fração com as outras, na sua oposição ao predom ínio absolu­ to do setor ex p o rtador, na sua oposição ao im perialism o desenfrea­ do que se perceb e com o ela se constitui, no decorrer do período, num a fração autônom a, consciente de seus interesses e com um a ideologia própria. O conceito d e fra ç ã o a u tô n o m a de classe é, ao nosso ver, m ui­ to im portante, exatam ente p o rq u e cham a a atenção para as dim en­ sões políticas e ideológicas da luta de classes. A desatenção de al­ guns em relação a esse respeito, centrando a análise sobre as co n d i­ ções econôm icas, é, no nosso entender, responsável p o r um a série de equívocos com relação à análise sobre a classe dom inante da sociedade agroexportadora na Prim eira República. Pensam os que, so b retu d o nesse período, é estando atento às dim ensões políticas e

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ideológicas que se p o d e captar e analisar mais profundam ente a luta e os conflitos internos ao bloco no poder dessa sociedade e sua com ­ plexidade.

Burguesia nacional, interior e compradora O estudo da presença do capital estrangeiro no Brasil — de ine­ gável im portância — durante o prim eiro perío d o republicano, que será feito p o r nós no Capítulo 4, m ostra-nos a necessidade de tam ­ bém definirm os as diversas frações da classe dom inante em função das suas relações com esse capital. Utilizando a relação com o capital estrangeiro com o critério, p o ­ dem os usar as definições fornecidas pelo m esm o autor acima citado {Idem, 1978: 76-77), designando as frações da burguesia de um país com o “ burguesia nacional” , “ burguesia com p rad o ra” e “burguesia in terio r” . Em bora o autor form ule esses conceitos para a análise das m etrópoles im perialistas em m eados dos anos 70, os critérios utili­ zados p o r ele, isto é, a existência ou não de um a base própria de acu­ m ulação e a relação de dependência ou não com o capital estrangei­ ro, nos perm item aplicá-los ao período em questão. Por “burguesia nacional” entendem os, a partir de Poulantzas, a fração nativa, autóctone da burguesia, que tem um a base própria de acumulação, independente do capital estrangeiro. Na verdade, essa burguesia, em função dessa independência, estabelece um certo grau de oposição frente ao capital estrangeiro e se manifesta política e ideo­ logicam ente de form a autônom a em relação a este últim o. Essa o p o ­ sição perm ite, em determ inadas situações, posições antiimperialistas p o r parte da burguesia nacional. A “ burguesia co m p rad o ra” se encontra num a posição oposta. É aquela fração da classe dom inante cujos interesses estão inteira­ m ente subordinados aos interesses do capital estrangeiro. Para acu­ mular, ela necessita associar-se a este últim o. Em função disso, ela se en co n tra econôm ica, política e ideologicam ente ligada ao capital estrangeiro. Ela é o suporte, o agente interm ediário desse capital. É ela que confere ao bloco n o p o d er um caráter supranacional na m e­ dida em que garante, através de si, a presença e a influência política do capital estrangeiro nas decisões do Estado. Tradicionalmente, para a análise das econom ias colonizadas, o term o “ burguesia com pra-

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d o ra” é em pregado para identificar a burguesia ligada às atividades com erciais de im portação e exportação, vindo daí o term o “ comp rad o ra” . O conceito de “burguesia in terio r” ocupa um espaço interm e­ diário entre os dois conceitos expostos acima. Ela possui um a base p rópria de acum ulação que não é nem totalm ente d ep endente nem totalm ente independente do capital estrangeiro. Mantém com ele uma relação de dependência e de conflito, assum indo posições políticas e ideológicas dúbias. A industrialização retardatária e periférica nos dá um exem plo de burguesia interior. Dela surge um a burguesia in­ dustrial sob o p redom ínio do capital estrangeiro, mas que tenta se p roteger e se afirmar frente a esse capital. Essas definições não identificam , a princípio, nenhum a fração de classe (industrial, bancária e comercial). O critério fundam ental, repetim os, é a relação com o capital imperialista, relação esta que não é estática e previam ente dada. Ao contrário, depende da form a­ ção social em questão, da posição que o país ocupa na econom ia m un­ dial, isto é, na divisão internacional do trabalho; e, conseqüentem en­ te, da natureza da presença do capital estrangeiro em tal form ação social (investim entos diretos, exportação de m ercadorias ou ex p o r­ tação de capitais).

Bloco no poder e hegem onia A nossa preocupação até o m om ento foi m ostrar que a classe d om inante não é um a entidade hom ogênea, livre de conflitos in ter­ nos. No entanto, é preciso dizer que a classe dom inante não é um a ficção, ou seja, a sua unidade existe de fato. Para com preendê-la é preciso que nos rem etam os a sua relação com o Estado capitalista. É nessa relação que se constitui a unidade das classes e frações d o ­ m inantes, isto é, do bloco no poder. Para esclarecer o que significa o conceito de bloco no p o d er é preciso explicitar que num a formação social capitalista as classes d o ­ m inantes apresentam -se, com o vim os, de form a bastante fragm enta­ da. Seja p o rq u e é fragm entado o processo social de pro d u ção ,4 seja p o rq u e existe, d en tro de um a form ação social concreta, a presença de classes dom inantes de outros m odos de produção. O conceito de bloco no p o d er — que d iz respeito exclusiva­ m ente ao conjunto das classes d o m in a n tes de u m a fo rm a ç ã o so-

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ciai — refere-se à unidade dessas diversas frações de classe que têm en tre si um a relação conflituosa. É a unidade resultante da ação do Estado capitalista que, através de seus aparelhos, através do jogo in­ terno de suas instituições, confere organização às classes dom inantes. O Estado capitalista está, assim, eivado de conflitos internos que são reflexos da luta no interior do bloco no p o d er no interior de seus aparelhos. C ontudo, o bloco no p o d er não po d e ser entendido com o um a fusão das classes e frações dom inantes. A idéia de fusão indica, na ver­ dade, um a totalidade com posta de elem entos equivalentes, o que, co ­ m o vimos, não é o caso. A classe dom inante se com põe de elem entos que se opõem , que lutam entre si. O bloco no p o d er representa um a unidade, mas não um a unidade m onolítica e hom ogênea. Ao contrá­ rio, um a unidade com plexa e conflituosa, todavia com um elem ento dom inante. É este últim o que, p o r ser dom inante, assegura a unidade d o bloco no poder, através do controle do aparelho estatal que c o n ­ centra o po d er de Estado, e se constitui na fração hegem ônica. No que se refere à prática política das classes dom inantes, o c o n ­ ceito de hegem onia tem dois significados. O prim eiro, originalm en­ te elaborado p o r Gramsci, refere-se à relação das classes dom inantes com as classes dom inadas. Ou seja, é o m odo pelo qual os interesses particulares das classes dom inantes se tornam representativos do in­ teresse geral, do interesse de toda a nação. Nesse sentido, a relação de dom inação não é entendida apenas com o dom inação pela força. Nessa prim eira acepção, o conceito de hegem onia atribui à dom ina­ ção de classe um a função de direção que im plica num consentim en­ to p o r parte das classes dom inadas. O processo de constituição da hegem onia é o processo de adesão das classes dom inadas a um siste­ m a de dom inação. A nossa investigação, com o parece claro, não vai nessa direção. Uma pesquisa com essa preocupação ultrapassaria de longe as intenções deste livro. O segundo significado do conceito de hegem onia, que é o que nos interessa, não elaborado p o r Gramsci, refere-se ' a um “ bloco n o p o d e r” , co m p o sto de várias classes e frações politicam ente d o ­ m inantes. Entre essas classes e frações dom inantes, um a delas detém um papel dom inante particular, o qual pode ser caracterizado com o papel hegem ônico. Neste segundo sentido, o conceito de hegem onia exprim e a dom inação particular de um a das classes ou frações dom inantes em relação às outras classes ou frações dom inantes de um a form ação social capitalista (Poulantzas, 1986: 137).

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Ou seja, o co nceito de bloco no p o d e r refere-se estritam ente à lu ta po lítica entre as classes d o m in a n tes e o conceito de hegem o­ nia, tal qual elaborado p o r Poulantzas, à relação de subordinação q ue se estabelece entre elas.5 Dito isto, qual é o critério que devem os utilizar para que possa­ m os descobrir qual fração den tro do bloco n o p o d er é hegemônica? No interior deste é hegem ônica aquela fração que prep o n d era politi­ cam ente sobre as demais, vale dizer, é aquela que consegue que seus interesses econôm icos, em bora não só eles, sejam satisfeitos em cará­ ter prioritário pela política econôm ica do Estado. Como diz Décio Saes.no seio do bloco das classes dom inantes um a classe ou fração p rep o n d era poli­ ticam ente sobre as dem ais, na m edida em que seus interesses econôm icos são satisfeitos em caráter prioritário. Essa p rep o n d erân cia política de um a classe ou fração no seio do bloco n o p o d e r é designada p o r Poulantzas através do term o hegem onia (Saes, 1989: 4).

O indicador da hegem onia não é, portanto, a preponderância eco­ nôm ica de um a fração sobre as demais, ou p o r outra, não é a m aior participação na mais-valia global que a determ ina6. É preciso expli­ car p o rque esse critério — a política econôm ica — deve ser privile­ giado para detectar a hegem onia no interior do bloco n o poder. A for­ m ulação de um a política econôm ica significa que interesses fu n d a ­ m en ta is de u m a fra ç ã o d a classe d o m in a n te são atendidos e inte­ resses tam bém fu n d a m e n ta is de outras fra çõ es não são. Assim, percebe-se que a form ulação da política econôm ica de Estado é um cam po de lu ta onde se decide questões centrais relativas aos interes­ ses de classe, e a sua resultante reflete a relação de fo rça s entre as fra çõ es do m in a n tes. O Estado na Prim eira República, tanto no nível federal com o n o estadual, sobretudo em São Paulo, participava de for­ m a ativa na gestão da econom ia, e, sem dúvida, a sua política eco n ô ­ mica, ao m esm o tem po, contem plava e deixava de contem plar inte­ resses fundamentais da classe dom inante, revelando que fração de clas­ se ocupava n o interior do bloco n o p o d er um a posição hegem ônica e que fração ou frações ocupavam um a posição subordinada. Conclui-se, então, que o conceito de hegem onia se refere ao ní­ vel do político, isto é, à luta política entre as classes, vale dizer, àp r e ­ p o n d erâ n c ia p o lítica n a fo rm u la ç ã o da p o lítica econôm ica do Es­ ta do.7 Assim, pensam os que som ente através do estudo desse ou tp u t estatal é que pod em os constatar que fração é a hegem ônica.

Neste p o n to da exposição torna-se necessário um esclarecim en­ to im portante com relação ao nosso trabalho. Referim o-nos ao conceito de bloco no p o d er para que num se­ gundo m om ento pudéssem os explicar o conceito de hegem onia no sentido que aqui nos interessa. Dissemos que o bloco no p o d er é a unidade da classe dom inante realizada através e no interior dos apa­ relhos de Estado, sob a égide da fração hegem ônica. Seria p o r d e­ mais interessante a análise do processo de constituição da hegem o­ nia, ou seja, o processo de fo rm u la ç ã o da p o lítica econôm ica esta­ tal, do co m portam ento dos aparelhos estatais, dos conflitos e pres­ sões exercidas pela classe dom inante n o interior do Estado durante esse processo. O estudo do processo de fo rm u la ç ã o d a p o lítica eco­ nôm ica, isto é, de constituição da hegem onia, é im portante inclusi­ ve do p o n to de vista teórico-m etodológico, pois contribui para p ro ­ var que a correspondência entre um o u tp u t estatal, n o caso a políti­ ca econôm ica, e os interesses de um a classe ou fração não é m era­ m ente acidental. Só ele revela as lutas, as disputas, os deslocam en­ tos de poder, pressões, enfim, os m ecanism os que m ovim entam um processo com o esse. Só esse estudo nos perm ite identificar algo fun­ dam ental para o exercício da hegem onia, isto é, os centros de p o d e r d en tro do Estado, ou seja, aqueles aparelhos que concentram , em função da luta política de classes e do seu lugar na estrutura de um a form ação social, a capacidade decisória e, p o r isso, condensam de form a privilegiada a luta política.8 No entanto, um trabalho desse tipo não poderia ser feito num a dissertação de m estrado, sobretudo tendo em vista a exaustiva pes­ quisa em pírica que seria necessária para realizá-lo. Portanto, neste livro o nosso objetivo é mais m odesto. Procurarem os, fundam ental­ m ente, em bora não só, constatar qual é, na Prim eira República, a fração hegem ônica. Não analisarem os a constituição da hegem onia, o desenrolar da luta política n o interior do bloco no poder, mas p re ­ ferencialm ente a resultante dessa luta, isto é, a política econôm ica, pro cu ran d o inferir, a partir da análise do seu conteúdo, a fração que ocupa a condição de fração hegem ônica, isto é, que consegue fazer com que seus interesses fu n d a m e n ta is sejam atendidos de form a prioritária pela política econôm ica. C ontudo, pensam os que o p re ­ sente livro perm anece válido e útil. Útil na m edida em que procura jogar luz sobre a relação entre política econôm ica e interesses de clas­ se. Pode, assim, se constituir no ponto de partida, isto é, numa hipóte­

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se a ser testada, de um trabalho futuro que procure revelar o m eca­ nism o, ou seja, explicar o processo de constituição e enraizam ento da hegem onia. Uma pesquisa desse tipo serviria inclusive para testar mais efetivam ente os conceitos poulantzianos de “ bloco no p o d e r” e “ hegem onia” . Válido m etodologicam ente falando porque a nossa constatação da hegem onia não surge da análise de um a única políti­ ca estatal, mas sim da análise de um a am pla série de outputs, o que nos perm ite identificar um a regularidade quanto aos interesses p rio ­ ritariam ente contem plados, regularidade essa que, p o r sua vez, au­ toriza a constatação acima m encionada.9 É im portante dizer ainda, no que se refere à hegem onia, que es­ se conceito não se esgota na dim ensão da luta política, ou seja, na luta para que um a fração sobreponha os seus interesses aos de o u ­ tras frações. Esta sobreposição precisa ser legitim ada e isso ocorre de duas maneiras. A prim eira é garantindo os interesses mais gerais do bloco no po d er, quais sejam, a reiteração da exploração eco n ô ­ m ica e da dom inação política sobre as classes dom inadas. A segunda m aneira é a capacidade que a fração hegem ônica tem de transform ar os seus interesses específicos em interesse geral das classes e frações dom inantes, isto é, do bloco no poder. O co n teú d o dessa “ trans­ m utação” d ep enderá sem pre da form ação social concreta em que a luta de classes se realiza. D ependerá, p o r exem plo, do que signifi­ ca, para o resto do bloco no poder, as atividades da fração que se p reten d e hegem ônica. No Brasil da Prim eira República, a transfor­ m ação do problem a cafeeiro num problem a nacional é, sem dúvida nenhum a, um exem plo dessa “ transm utação” , sobre a qual nos deterem os n o Capítulo 3, capaz de legitim ar a hegem onia do grande capital cafeeiro. Além disso, a hegem onia pressupõe, indubitavelm ente, que se deva levar em conta os interesses e as tendências das frações sobre as quais a hegem onia será exercida. O u p o r outra, que a fração h e ­ gem ônica faça sacrifícios de ordem econôm ico-corporativa. Esta di­ m ensão im portante da hegem onia p o d e nos fazer entender os co n ­ flitos mais sérios no interior do bloco no poder no período em ques­ tão. No que se refere ao Brasil, a Revolução de 1930 não po d e ser entendida se não se apreender a im portância desse aspecto da h e ­ gem onia.

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O capital cafeeiro Para o estudo da diferenciação do bloco n o p o d er da sociedade agroexportadora, o conceito de “capital cafeeiro” , elaborado por Sér­ gio Silva (1976), é fundam ental, pois nos perm ite ver as diferenças en tre as frações que com põem esse bloco, além de nos perm itir en ­ ten d er os conflitos entre elas. O capital cafeeiro encontrado na econom ia cafeeira paulista se divide, segundo o autor, em duas categorias: a do grande capital cafeeiro e a do m édio capital. O prim eiro se refere a um capital com base na pro d u ção de café, porém diversificado, agindo em outros setores da econom ia, ligados entre si e dependentes da econom ia cafeeira. Esse grande capital, em bora diversificado, tem um caráter pred o m inantem ente m ercantil e p o d e ser definido com o um a b u r­ guesia comercial. É a cam ada superior da burguesia cafeeira. Já o m é­ dio capital define, sobretudo, um a fração de classe ligada ao capital pro d u tiv o agrário, isto é, constitui-se de indivíduos que são apenas proprietários de terra. É a camada inferior da burguesia cafeeira. Essa divisão, no entanto, ainda segundo o autor, não significa a separação entre capital com ercial, de um lado, e o capital agrário, de outro, com o frações autônom as. Esta seria mais um a divisão ana­ lítica do que real. Isso porque na econom ia cafeeira da época, os maio­ res “ p ro d u to re s” de café, os m aiores fazendeiros, faziam parte da cam ada superior da burguesia cafeeira. As grandes plantações eram propriedades do grande capital. Assim, no interior da econom ia ca­ feeira, caracterizada p o r um grau ainda fraco de desenvolvim ento ca­ pitalista, essas diferentes funções são reunidas pelo capital cafeeiro e não diferem (pelo m enos diretam ente) frações de classe relativam ente autônom as: não havia um a burguesia agrária cafeeira, um a burguesia com ercial etc., mas um a burguesia ca­ feeira exercen d o m últiplas funções (Silva, S., 19 7 6 : 60).

A definição e a caracterização do que é o grande capital cafeeiro é bastante elucidativa e im portante para nós na m edida em que nos perm ite detectar aquilo que o autor nega, vale dizer, a existência de frações autônom as de classe fora do âm bito do grande capital ca­ feeiro. Para Sérgio Silva a única diversificação existente é a de funções no interior do grande capital. Não há, com o vimos, frações autôno-

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mas, mas um a burguesia cafeeira exercendo múltiplas funções. A d e­ finição de grande capital nos perm ite ver a existência de frações de classe que não se encaixam nessa definição. Dizer que essa classe de­ tém a propriedade de grandes plantações não im plica dizer que to ­ das as plantações estejam nas m ãos do grande capital. Foi entre a última década do século XIX e a Primeira Guerra Mun­ dial que o grande capital cafeeiro se consolidou. D urante esse p erío­ do, a expansão das estradas de ferro, o prim eiro grande investim en­ to dessa classe, se m ostra p o u co atrativa, o que levou os grandes fa­ zendeiros a aprofundarem a sua participação em outros setores da econom ia com o, p o r exem plo, o com ércio de im portação e ex p o r­ tação, os bancos, serviços urbanos etc., ou seja, a buscarem a valori­ zação de seu capital em investim entos cada vez mais diversos. A acum ulação vai, assim, dep en d er cada vez mais diretam ente das tarifas ferroviárias, taxas de juros, tarifas de energia, lucros co ­ merciais e outros que, p o r sua vez, representam parte im portante dos custos da lavoura, isto é, dos custos daqueles ligados exclusivam en­ te à produção agrária. É através dos conflitos gerados p o r esse fato, e tam bém pela política econôm ica cafeeira, que podem os perceber a existência de frações de classe que têm um a existência exterior ao grande capital cafeeiro. Por exem plo, sabemos de grandes proprietários ligados ex­ clusivam ente à p ro dução (m édio capital) em conflito com as diver­ sas facetas do grande capital durante to d o o período em questão. Reclamavam das tarifas, da especulação com ercial, da falta de cré­ dito etc. Nesses conflitos, a lavoura não se com porta de form a pas­ siva. Luta através de suas associações e tenta até criar um partido que represente exclusivam ente os interesses dos “ p ro d u to re s” , co ­ m o foi o caso do Partido da Lavoura na década de 1890. Através da análise dos esquem as valorizadores, das tarifas ferroviárias, da política de crédito, do PRP etc., pretendem os com provar essa dife­ renciação. Finalmente, resta explicar, ainda segundo Sérgio Silva, p orque prevalece no grande capital um caráter predom inantem ente m ercan­ til. Dois fatores explicam essa predom inância. O prim eiro é o fraco desenvolvim ento das relações capitalistas n o Brasil; o segundo, inti­ m am ente relacionado ao prim eiro, é o lugar que o Brasil ocupava na divisão internacional do trabalho com o m ero exportador de bens prim ários.

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Com o m ero exportador de bens prim ários, a dinâm ica da co ­ m ercialização do excedente econôm ico extraído internam ente, e, p ortanto, a dinâm ica da nossa acum ulação de capital, residia e d e­ pendia do m ercado externo. Isso fez com que o país se tornasse ex­ trem am ente d ependente daqueles que dom inavam esse m ercado e a com ercialização do café. Assim, se o centro dinâm ico da acum ula­ ção nacional estava na com ercialização da sua produção agrícola no m ercado m undial, é certo que isso garantia e reforçava o pred o m í­ nio do caráter m ercantil do capital cafeeiro. Numa sociedade que não exporta p o rq u e produz, mas produz com o intuito exclusivo de ex ­ portar, a necessidade de um setor com ercial que viabilize o cami­ n h o a ser p ercorrido pelo produto, da produção ao com ércio exter­ no, é fundam ental.10 Passemos, então, ao co rp o do trabalho em que procurarem os dar substância às afirm ações e hipóteses feitas nesta breve in tro d u ­ ção.

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NOTAS

1 A existência de “ fo co s” de econom ia a g roexportadora com o, p o r exem plo, o cacau na Bahia, não invalida nossa afirm ação. Se a p rodução de cacau representava 2/3 da econom ia local, para a econom ia nacional ela representava apenas 2,5% da pauta de exportação. A crescente especialização da econom ia nacional na p rodução de café, à qual correspondia um a crescente m onopolização pela econom ia agroexportadora cafeeira das atenções do governo, explica p o rq u e m uitas vezes a Bahia, isto é, as classes dom inantes ligadas à p ro d u ção e exportação de cacau, abandonadas pela política e co ­ nôm ica do governo, entravam em conflito com São Paulo, apoiando outros candidatos à sucessão presidencial, com o foi o caso da “ Reação R epublicana” em 1922. 2 Ao contrário, um a form a específica do capital p o d e dar lugar a diferentes fra­ ções de classe. Por exem plo, na form a d o capital pro d u tiv o podem os encontrar um a burguesia industrial e um a burguesia rural; na form a do capital com ercial podem os ter um a fração de com erciantes associada à p ro d u ção interna e outra fração ligada às atividades de im portação e exportação, com interesses diferentes. Vários autores (cf. Liana da Silva, 1976 e João Manoel C ardoso de Mello, 1982) que estudaram o p e ríodo em questão, e q ue utilizaram exclusivam ente o critério econôm i­ co para analisar a relação entre as classes, ao constatarem a existência de um a classe com atividade econôm ica tão diversificada, com o é o caso do grande capital cafeeiro, logo concluíram que essa era a única existente no âm bito das classes dom inantes. Tivessem esses autores p reocupados com os aspectos políticos e ideológicos da luta de classes, com certeza não se deixariam enganar pelas aparências do processo produtivo. 3 Poulantzas estabelece um a distinção en tre classe ou fração distinta e classe ou fração autônom a. C ontudo, diz ele, os critérios para definir classes distintas servem tam bém para definir frações autônom as. Na verdade, as frações autônom as são o subs­ trato de eventuais forças sociais ou classes distintas. Cf. Poulantzas, 1986, p. 75, nota 28. Ver tam bém pp. 76 e 82. 4 É preciso reiterar o que dissem os há pouco: não basta que seja fragm entado o processo social de produção, mas é preciso que tam bém o capital total seja fragm en­ tado. Com o vim os, n o caso d o exem plo sobre o grande capital cafeeiro, um m esm o bloco de capital p o d e estar presente em todas as fases do p rocesso social de produção.

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5 E videntem ente, a classe ou fração que se pre te n d e hegem ônica precisa sê-lo nos dois sentidos. Tal separação é puram ente analítica. 6 Em bora a hegem onia seja um co nceito referente à luta política de classes, não podem os, de m odo algum, m enosprezar os seus “ condicionantes objetivos” . No ca­ so em questão, é inegável que a posição da econom ia agroexportadora cafeeira na sociedade brasileira do perío d o , do p o n to de vista da acum ulação, p o r si só, um ele­ m en to im portante na definição da classe ou fração hegem ônica. O que pensam os é que essa posição objetiva não se traduz m ecanicam ente em hegem onia política. A lu­ ta política é de fundam ental im portância a c onquista da hegem onia. 7 Não ignoram os o fato de que o exercício da hegem onia implica não apenas em p reponderância de um a fração dom inante sobre as outras, mas tam bém em c o n ­ tem plação de interesses das frações não hegem ônicas. H egem onia não é apenas ex­ clusão, mas tam bém integração. E ntretanto, não focalizarem os a nossa análise sobre este últim o aspecto, em bora ele esteja presente n o decorrer d o trabalho (cf., p o r exem ­ plo, Capítulo 1, item 3 e C apítulo 3, item 3), devido ao fato de um a das nossas p re o ­ cupações centrais ser m ostrar com o o grande capital cafeeiro tem os seus interesses fu n d a m e n ta is atendidos pela política econôm ica e com o, ao contrário, a lavoura e a burguesia industrial têm esses m esm os interesses rechaçados, em bora alguns de seus interesses secundários sejam contem plados. Procurarem os revelar, por um lado, a ca­ p a c id a d e do grande capital cafeeiro, associado ao capital estrangeiro, em fazer com que seus interesses fundam entais sejam atendidos de form a prioritária pela política econôm ica e, p o r o u tro lado, a incapacidade da lavoura e da burguesia industrial de fazerem o m esm o. O foco da análise reside, p ortanto, na capacidade que tem a fração hegem ônica de e xcluir os interesses fundam entais de outras classes e frações dom i­ nantes, na m edida em que esses interesses são contraditórios com seus objetivos pri­ m ordiais, e, ao m esm o tem po, na capacidade que tem essa m esm a fração de fazer com que seus próprios interesses fundam entais sejam contem plados. 8 Para a relação entre cen tro s de poder, luta política de classes e hegem onia, ver Poulantzas, 1986, pp. 112 e 133. 9 Para a defesa desse tipo de explicação, cf. G. A. C ohen, 1982, p. 490. Para esse autor é possível dem onstrar que o fenôm eno A oc o rre devido a sua funcionali­ d ade para B se, através de um a cadeia v a ria d a d e exem p lo s, conseguirm os m ostrar que sem pre que A é funcional para B, A ocorre. O que procuram os fazer aqui é m ostrar com o, sistematicamente, as políticas econôm icas no período contem plam determ inados interesses de classes e frações e, p ortanto, explicar a o corrência dessas políticas a p ar­ tir de sua funcionalidade para esses interesses. Com o se percebe, tal explicação não nos perm ite revelar m ecanism os — o que não significa que seja incom patível com esse p rocedim ento — , mas sim estabelecer, pela regularidade, relações funcionais. Não nos perm ite revelar os m ecanism os de constituição da hegem onia, mas constatá-la. 10 Sobre as inform ações a respeito do capital cafeeiro, cf. Silva, S., 1976, pp. 60-62; Vilardo, 1986, pp. 5-6 e Saes, 1986, p. 98. Para ver o grande capital cafeeiro com o um capital diversificado m as d e p en d en te do café, ver Levi, 1974, o n d e se lê: “ Não era (Antonio Prado) um fazendeiro ordinário unicam ente preo cu p ad o com a o b ten ção de um bom preço em Santos. Antes disso, adm inistrava um grande conglo­ m erado, fornecendo crédito, dirigindo fazendas, adm inistrando um a estrada de ferro cujos lucros dependiam em alto grau da p rodução cafeeira, e dep en d en d o de im p o r­ tação de equipam entos para aparelhar suas indústrias recém -form adas.” (p. 264).

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LAVOURA E GRANDE CAPITAL CAFEEIRO: FRAÇÕES AUTÔNOMAS E HEGEMONIA NO INTERIOR DO BLOCO NO PODER DA ECONOMIA AGROEXPORTADORA

O objetivo deste capítulo é, com o já dissem os na Introdução, m ostrar a existência da “ lavoura” 1 e do grande capital cafeeiro c o ­ m o frações de classe diferentes e autônom as. Além disso, p re te n d e­ m os dem onstrar a posição subordinada que a “ lavoura” ocupa, tan­ to nas relações econôm icas com o nas questões políticas. Porém , antes de iniciarm os o capítulo faz-se necessário um es­ clarecim ento. Pensam os que a divisão entre grande lavoura e m édia lavoura, bastante freqüente na literatura sobre o tema, e que será tam ­ bém neste livro um tem a recorrente, não se refere ao tam anho da propriedade, n o sentido de que a grande lavoura ou os grandes fa­ zendeiros fossem os latifundiários e a m édia lavoura representasse o p eq u en o ou m édio proprietário. Tal divisão parece referir-se, so­ b retudo, à diversificação do capital (com o Silva, S., 1976: 6 l). Na bibliografia sobre o período, grandes fazendeiros são aqueles liga­ dos ao grande capital diversificado. Por sua vez, a m édia lavoura es­ taria identificada exclusivam ente com a produção. Verena Stolcke (1989: 137-138), num a resposta a um texto de Maurício Font (1987), em que este afirma serem significativas a exis­ tência e a pro d u ção cafeeira dos p equenos proprietários na eco n o ­ m ia agroexportadora da década de 1920, diz que, ao contrário do que Font pensa, o esquem a do colonato não propiciava um exce­ dente tão significativo a p o n to de possibilitar ao im igrante tornar-se um smallholder, sobretudo porque a extensão de suas plantações de­ pendia do nível do preço do café. Para a autora, a grande maioria do café produzido no período era em grandes propriedades. Para Flá-

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vio Saes, a econom ia agroexportadora dividia-se entre os fazendei­ ros ligados às atividades urbanas e os fazendeiros, inclusive de gran­ de porte, que limitavam a sua atividade à lavoura cafeeira (Saes, 1986: 283). O utro autor (Basbaum, 1981: 56) nos inform a que a partir do fortalecim ento da econom ia cafeeira, inicia-se um processo de c o n ­ centração da propriedade justamente em função do desenvolvim ento da cafeicultura, que dem andava grandes propriedades. Carone (1972: 15) nos revela que a partir da segunda m etade do século XIX o café, com o as outras culturas coloniais, tam bém vai se identificar com o latifúndio. E isso ocorreu p o rq u e tam bém o café era destinado ao m ercado externo, o que exigia grandes capitais e imensas extensões cultivadas. Além disso, a pequena propriedad e não poderia en fren ­ tar as oscilações dos preços n o m ercado m undial, nem com pensar os grandes gastos para custeio da lavoura, com o sustento de traba­ lhadores, habitação, instalações técnicas etc. Com o exem plo, C aro­ ne cita o m unicípio de Ribeirão Preto onde, no com eço do século, encontravam -se 30 m ilhões de pés de café distribuídos entre 108 p ro ­ priedades, dando um a m édia de 277.777 pés p o r unidade. Joseph Love (1989: 129), p o r sua vez, contesta a definição de Font de p e ­ quena propriedade, segundo o qual esta se definiria p o r unidades co n ten d o até 50 mil pés de café. Com o lem bra Love, um adulto p o ­ deria, na época, cuidar de apenas dois mil e quinhentos pés, o que exigiria vinte trabalhadores. Tal núm ero não cabe, segundo Love, na definição com um ente aceita de pequena propriedade. Em bora tais dados não nos esclareçam sobre a relação entre p ro ­ priedades e proprietários, podem os concluir que a produção cafeei­ ra no p eríodo em questão era, na sua grande maioria, feita em gran­ des propriedades. E, a partir dessa conclusão, e com base no que será analisado mais adiante, podem os adiantar que o conflito entre grande capital cafeeiro e lavoura cafeeira, ou entre grande e m édio capital cafeeiro, era um conflito entre o grande capital diversificado, predom inantem ente mercantil, e os grandes fazendeiros (grandes p ro ­ prietários) ligados exclusivam ente à esfera da produção cafeeira, is­ to é, era um conflito n o interior das frações dom inantes. Este prévio esclaréCimento é pertinente na m edida em que, se entenderm os a m édia lavoura ou m édio capital com o m édio p ro p rie­ tário, não teria sentido atribuir ao conflito entre ela e o grande capi­ tal o caráter de conflito n o interior da classe dom inante da ec o n o ­ mia agroexportadora.

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1. O GRANDE CAPITAL CAFEEIRO E A LAVOURA O desenvolvim ento da econom ia cafeeira, já antes da R epúbli­ ca,2 exigiu o crescim ento de um setor de infra-estrutura que p udes­ se viabilizá-la. Aliás, sem o desenvolvim ento paralelo desse setor a econom ia cafeeira não teria chegado onde chegou. É na esteira desse processo de crescente com plexidade da eco­ nom ia do café que surgirá o grande capital cafeeiro. “ O desenvolvi­ m ento da econom ia cafeeira é o desenvolvim ento do capital cafeei­ ro ” (Silva, S., 1976: 59). Para com ercializar e financiar um a p ro d u ­ ção em constante crescim ento, tornava-se necessária a existência de um sistema com ercial relativamente avançado, form ado por casas co­ merciais e rede bancária relativam ente sólidas. Paralelam ente, a for­ m ação de um setor de serviços urbanos vai se aprofundando na m e­ dida em que as cidades vão ocupando um a posição central na eco­ nom ia cafeeira. Além disso, a expansão das plantações de café chega a um p o n to que só p o d e prosseguir se acom panhada da expansão das ferrovias. A expansão das estradas de ferro e das plantações são fatores intim am ente interligados. Será nesses diversos novos ramos abertos pelo desenvolvim ento cafeeiro que o grande capital se d e­ senvolverá. C om o vim os na Introdução, essa nova classe tem a sua base na p ro d u ção de café, mas, assim com o a econom ia cafeeira, ela ultrapassa de longe os limites da produção. Os seus líderes são aque­ les que dirigem a m archa para o oeste paulista e que, no entanto, não se limitam a organizar e dirigir as plantações. Aos poucos, isto é, na m edida em que sua atividade se diversifica, vão se afastando das tarefas ligadas à gestão direta das fazendas, vão se estabelecendo n os grandes centros, so b retu d o na capital, visto que, com o com er­ ciantes, banqueiros e diretores de com panhias ferroviárias, não p o ­ diam ausentar-se dem oradam ente dos centros dos negócios cafeeiros. O grande capital cafeeiro se resum e a um núm ero m uito limita­ do de famílias.3 A análise dos principais m em bros de algumas com ­ panhias ou bancos revela, com um a repetição m onótona, quase sem ­ pre os mesm os nom es: os Silva Prado, Souza Queirós, Vergueiro, Sou­ za Aranha, Pais deB arros, Melo de Oliveira, Pacheco Jordão, Q ueirós Telles, Dias da Silva, Diedrichsen, T oledo Piza, Ulhôa Cintra e outros. R epresentante p o r excelência do grande capital cafeeiro é o fa­ m osíssim o conselheiro A ntonio Prado, cuja atividade individual, e

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tam bém de sua família, será usada p o r nós com o exem plo paradig­ m ático dessa classe. É claro que o grande capital cafeeiro, resultado e causa do avan­ ço da econom ia de exportação, não surgiu do nada. O seu desenvol­ vim ento e a sua diversificação têm um a história que, na verdade, co ­ m eça m esm o antes do café adquirir toda a sua im portância. A histó­ ria de sua origem , desenvolvim ento e consolidação será b rev em en ­ te narrada a seguir.

1.1 Origem, desenvolvim ento e consolidação do grande capital cafeeiro O seu desenvolvim ento se explica p o r um processo de acum u­ lação de capital que ocorreu previam ente ao predom ínio da lavoura exportadora cafeeira. Esse processo de origem nos remete a São Paulo do início do século XIX que, com a recuperação de sua autonom ia adm inistrativa, com o increm ento da lavoura açucareira, com o es­ coam ento dos p ro d u to s pelo p o rto de Santos p o r força da lei e com o com ércio de animais bastante ativo, se firmava com o cidade m er­ cantil, com o grande centro comercial. D esde a época colonial até esse perío d o o que prevaleceu em São Paulo foi a riqueza dos hom ens de negócio e m ercadores de ani­ mais e escravos. Foram eles os responsáveis pelo processo de acu­ m ulação de riqueza anterior ao propiciado pela lavoura cafeeira de exportação, foram eles que deram origem ao grande fazendeiro com capital suficiente para diversificar seus investim entos na m edida em que a econom ia cafeeira se tornava mais com plexa. Como diz Sér­ gio Buarque de Holanda, “ o tropeiro é o sucessor direto do sertanista e precursor, em muitos pontos, do grande fazendeiro” (apud Mello, 1985: 48). Assim, os autores4 que analisam esse processo de origem do grande capital cafeeiro ou, com o é mais com um ente cham ado, dos “grandes fazendeiros” , concordam com relação ao fato de que eles extraíram suas forças e sua capacidade de investim ento de sua dupla origem: rural e m ercantil. A origem m ercantil não se pauta apenas na com ercialização de animais de carga, de gado e de escravos, mas tam bém na com erciali­ zação do açúcar. Aliás, a origem rural dessa classe social se encontra

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na lavoura canavieira. Vários grandes fazendeiros tiveram sem elhan­ tes processos de form ação de riqueza. Antes de cafeicultores, os Sil­ va Prado, Q ueirós Telles, Pereira Queirós, Vergueiro e outros eram proprietários de terras na região N oroeste da Capital (Campinas e Jundiaí), e expandiram suas propriedades na fase de exportação de açú­ car da econom ia paulista. As atividades rural e m ercantil já eram operadas conjuntam en­ te. Tanto a com ercialização de a n im a is com o a com ercialização do açúcar propiciaram rentabilidade suficiente p a ra que m ais tarde fo sse possível p a tro c in a r a expansão cafeeira. O rural e o m ercantil estão, pois, presentes no em brião do grande capital cafeeiro, isto é, a lavoura açucareira e o com ércio de açúcar, animais e escravos es­ tão na origem da trajetória social da m aioria dos indivíduos que se tornaram , mais tarde, m em bros dessa classe social. Entre 1880 e 1910, quando o café já se encontra plenam ente em solo paulista, o grande capital cafeeiro já está consolidado com o um a classe de grandes fazendeiros com investim entos ultrapassan­ do os limites das fazendas, dirigindo-se para im portantes sociedades bancárias e ferroviárias, além de deter altos postos na adm inistração pública. Avançava a cham ada “ grande burguesia paulista” . O gran­ de capital cafeeiro era tam bém o elem ento pioneiro do avanço geo­ gráfico da econom ia agroexportadora. Foi ele quem desbravou n o ­ vas terras necessárias à sua expansão, ocupando e civilizando as fron­ teiras de São Paulo.5 Esse processo de diversificação se revela, com o dem onstrou Zélia Cardoso de Mello (1985: 93 e ss.), através da m odificação na form a­ ção dos ativos que com punham as fortunas dos m em bros do grande capital cafeeiro. Da predom inância da form a tradicional de riqueza, isto é, os escravos, o po rtfo lio dos m em bros dessa classe passa a ser dom inado p o r formas mais m odernas, com o valores m obiliários, em especial ações e terra. Até 1850 os ativos que constituíam o grosso da riqueza dos fa­ zendeiros são, sem dúvida, em ordem decrescente, escravos, dívi­ das ativas (dinheiro em haver) e imóveis. Em 1871, ocorre a prim ei­ ra m udança im portante nessa com posição. O predom ínio de dívi­ das ativas e dos im óveis se dá junto com um declínio acentuado da participação dos escravos — de 27,55% para 18,94% . E mais: a par­ ticipação dos escravos é decrescente conform e vai passando dos m e­ nos ricos para os mais ricos, m ostrando o avanço de novas relações

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de trabalho nas grandes fazendas e a im portância dos novos investi­ m entos para os grandes fazendeiros. Nos anos 70 os valores m obiliários passaram a se destacar com o parcela de riqueza dessa classe. Aliás, entre os m enos ricos prevale­ ciam im óveis e dívidas ativas, enquanto entre os mais ricos as ações passavam a se destacar. Já entre 1861/1870 as ações prevalecem no item “ valores m obiliários” , tendência que se acentua nos anos 70 e tam bém nos anos 80. Esse processo de transform ação na com posição dos ativos mais im portantes revela a ascensão de formas de riquezas mais m odernas na m edida em que se torna mais diversificada e com plexa a ec o n o ­ mia cafeeira. O fim do tráfico de escravos, a expansão das plantações, a imi­ gração, a superação do transporte por animais pelas ferrovias, o cres­ cim ento de cidades com o Santos e São Paulo na qualidade de ce n ­ tros comerciais, tudo isso aponta para um a nova sociedade, mais di­ nâm ica e mais com plexa. O grande capital cafeeiro é, ao m esm o tem ­ po, resultado e causa desse processo. Resultado, no sentido de ter crescido e se diversificado graças às condições e possibilidades (in­ ternas e externas) oferecidas p o r essa econom ia. A diversificação dos investim entos é inseparável da diversificação da econom ia e da sua natureza cada vez mais com plexa. E é tam bém a causa, no sentido de que essa nova sociedade en co n tro u no grande capital cafeeiro o realizador, aquele que tinha condições de levar a cabo as tarefas n e ­ cessárias a essas transform ações. A acum ulação de capital prévia, co ­ m o com erciante de animais, plantador e m ercador de açúcar, possi­ bilitou ao grande capital cum prir o seu papel. Do com ércio de animais e escravos, da lavoura e com ércio açucareiros à lavoura e com ércio cafeeiros, os m em bros da fração de classe que se consolida com o o grande capital cafeeiro realizaram um investim ento que é, sem dúvida, um dos acontecim entos mais im ­ portantes do século XIX, qual seja, as ferrovias. No início da década de 1870, as condições favoráveis do m er­ cado externo incentivaram a expansão das plantações de café. Esta expansão colocou de form a dram ática o problem a do transporte do café até o p o rto de Santos. Na m edida em que ela ocorria, os centros produtores iam se in­ teriorizando e, conseqüentem ente, afastando-se do litoral e do p o n ­ to de em barque, O aum ento da distância dificultava e encarecia cada

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vez mais o transporte da carga até o porto. O encarecim ento se dava não apenas pelo preço da viagem do interior a Santos, mas tam bém pelas condições extrem am ente precárias em que o transporte se da­ va. Transportando em lom bo de animais, perdia-se m uito café pela dem ora da chegada e pela exposição do produto à chuva e ao sol. Tu­ do isso onerava em dem asia a saca de café, am eaçando o avanço da econom ia cafeeira. Já em 1855, um a autoridade calculava em 500 mil arrobas a quantidade de gêneros exportáveis que perm aneciam no lu­ gar da produção devido ao alto custo do transporte (Saes, 1981a: 39). Percebe-se, então, a interação entre ferrovias e expansão cafeei­ ra: o avanço do café em direção ao O este paulista dem anda a ferro­ via que, p o r sua vez, só se viabiliza, isto é, só se torna lucrativa em face da expansão cafeeira, visto que esta p ro p o rcio n a a m ercadoria a ser transportada. A prim eira ferrovia a ocupar um lugar central na econom ia ca­ feeira foi a Santos-Jundiaí. Ela teve as sua obras iniciadas em 1856 e foi concluída em 1867. Superou o obstáculo natural constituído pela serra do Mar, facilitando enorm em ente a ligação com o porto de Santos. Perm aneceu durante to d o o período com o propriedade inglesa (São Paulo Railway). As outras estradas de ferro que surgiram e se desenvolveram em função do avanço da econom ia cafeeira, ou seja, cujo desenvolvi­ m ento obed eceu às necessidades dessa econom ia, foram a Paulista, inaugurada em 1872, a Mojiana e a Sorocabana, am bas inauguradas em 1875. O desenvolvim ento e o traçado dessas ferrovias não o b e­ deceram a um plano sistem ático. Ao contrário, foram decididos se­ gundo os interesses dos adm inistradores, p rodutores e com ercian­ tes de café. C oncessões eram dadas ou negadas em função desses interesses.6 Essas três ferrovias foram iniciativas do capital inglês, contudo foram incorporadas pelo capital nacional e perm aneceram , durante to d o o período, sobre controle nacional, público ou privado. Sem dúvida alguma, um investim ento desse p orte exigiu um a quantidade de capital que os grandes fazendeiros paulistas foram capazes de m o ­ bilizar para dar continuidade a um investim ento desse porte, Com o foi possível ao capital nacional investir e dar continuida­ de a elas? Antes de tudo, não podem os esquecer o sistema de garan­ tia de juros que possibilitou a sua im plantação. Esse sistem a vigorou até o início do século XX e foi ele que garantiu, durante esse perío-

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do, a im plantação e expansão das ferrovias paulistas. A garantia de juros assegurava a isenção de im postos sobre os produtos im porta­ dos necessários para a construção de estradas de ferro, zonas de cin­ co léguas (30 Km) nas laterais dos trilhos para uso exclusivo das fer­ rovias e garantia governam ental de 5 a 7% de juros sobre o capital investido, assegurando a rentabilidade da em presa. Ou seja, caso a renda líquida da ferrovia não fosse o suficiente para distribuir divi­ dendos de 7% ao ano, o governo com pletaria o faltante. Mas, além disso, com o foi possível aos brasileiros reunirem ca­ pital suficiente para m ovim entar um investim ento dessa envergadu­ ra? É certo que o capital para essas em presas veio dos grandes fazendeiros-com erciantes, cujo enriquecim ento crescente derivava das condições excepcionais do m ercado cafeeiro nos anos 70 do sé­ culo XIX. É certo tam bém que essa década vivenciou um forte sobressal­ to que foi a grande depressão internacional de 1873- Porém , dois fatores am orteceram bastante seus efeitos sobre os produtores e co ­ m erciantes de café brasileiros. O prim eiro deles foi a quebra da p ro ­ dução de Java, que possibilitou ao Brasil am pliar o seu m ercado. As­ sim, a lucratividade do café aum entou na m edida em que ampliamos o nosso m ercado. O segundo deles foi o declínio da taxa de câm bio perm itindo um a com pensação parcial da queda dos preços externos aos p ro d u to res de café. Desse m o d o podem os p erceber que, no seu conjunto, a década de 1870 reuniu condições favoráveis à p rodução c com ercialização do café, o que perm itiu, p o r sua vez, um acúm ulo de capital no se­ to r cafeeiro passível de ser transferido para as ferrovias. A década de 1870 nos revela, portanto, o avanço da diversificação do capital originário da produção cafeeira em direção às ferrovias ou, mais p re­ cisam ente, o desenvolvim ento daquela fração de classe que cham a­ m os de grande capital cafeeiro. Outra conseqüência das ferrovias, além da viabilização da ex­ pansão da econom ia cafeeira, foi fazer com que a capital de São Pau­ lo se transform asse no centro residencial de vários fazendeiros de café. Esses elem entos da vida econôm ica e social do interior aban­ donavam as suas localidades e elegiam a capital com o residência e centro de negócios. Assim, São Paulo não era apenas a cidade onde se morava, mas era o centro urbano que, em decorrência da vinda dos m em bros do grande capital, transform ava-se em centro de ativi­

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dades com erciais e financeiras, com a existência, além do com ércio a varejo, de grandes casas de im portação e exportação e bancos, n a­ cionais e estrangeiros. É preciso dizer que tam bém essas atividades com erciais e finan­ ceiras se concentraram nas m ãos de um reduzido núm ero de indiví­ duos que eram, na verdade, os m em bros que controlavam as ferro­ vias. As casas de exportação e os bancos revelam tam bém o avanço da diversificação do grande capital cafeeiro. A ferrovia foi, com o vim os, o prim eiro grande investim ento do grande capital. Um investim ento natural diante das necessidades de expansão da econom ia cafeeira. Porém , o período conhecido com o “ E ncilham ento” (1890-1892) vem forçar novos investim entos, um a vez que a política inflacionista da época onerou dem asiadam ente o setor ferroviário. A inflação e a desvalorização cam bial provocaram o encarecim ento das im portações de onde o sistema ferroviário adquiria os seus m eios de produção; im plicaram tam bém um aum ento im ediato das despesas com com bustíveis e lubrificantes trazidos do exterior. En­ tre 1889 e 1893, os custos dos p ro d u to s im portados usados nas fer­ rovias aum entaram em 136%. Além disso, o aum ento em mil-réis dos juros e am ortizações dos em préstim os externos contraídos pelas fer­ rovias e o aum ento dos salários tam bém inibiram a atividade ferro­ viária. Devido a essa conjuntura pouco favorável à expansão das es­ tradas de ferro, o capital cafeeiro m igrou com intensidade para o u ­ tras atividades, diversificando-se ainda mais. A diversificação dos in­ vestim entos funcionou, assim, com o um a garantia contra a queda do lucro num setor particular (Love, 1989: 129). Isso não q u er dizer que antes o grande capital não tivesse inves­ tido em bancos, casas com erciais e setores de serviço público. Mas, sem dúvida, foi na década de 1890 que se acentuou o investim ento nesses setores. Além dessa situação pouco propícia para o investim ento ferro­ viário, é preciso lem brar que no com eço da República a nova legis­ lação sobre sociedades anôninas — que perm itia, entre outras coi­ sas, organizar sociedades sem autorização do governo — estim ulou a form ação de novas associações. Somou-se a isso a reform a bancá­ ria do início dos anos 90 que estim ulou a emissão regional, criando um a situação de crédito fácil que representou grande estím ulo aos negócios da época.

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Entre 1892 e 1893, um a grande quantidade de bancos apareceu no estado de São Paulo. Em bora grande parte deles não sobrevives­ se até 1895 e à crise de 1901, alguns perm aneceram . Os dois bancos mais im portantes do estado de São Paulo — o Banco do Com ércio e da Indústria e o Banco de São Paulo —, am bos fundados em 1889, eram claram ente controlados pelo grande capital cafeeiro. O início da década de 1890 presenciou tam bém o avanço dessa classe sobre o com ércio im portador. Nesse caso, a característica p re­ dom inante era a constituição de sociedades m arcadas pela união de um indivíduo, já ligado ao com ércio im portador, geralm ente estran­ geiro, com o grande capital cafeeiro. Exem plos nessa área são: a Cia. Mecânica e Im portadora, Cia. Arens, Cia. M achardy, Cia. Lupton e Cia. Im portadora Paulista. Na Cia. Mecânica e Im portadora, Augusto Souza Queirós era p re­ sidente e Alexandre Siciliano gerente. Os herdeiros de M artinho da Silva Prado, pessoas da família Souza Queirós, Elias Pacheco Chaves e Carlos Pais de Barros eram acionistas em 1892. Todos ligados às ferrovias e sabidam ente m em bros do grande capital. Na Cia. Arens aparecem A. Pádua Sales, José Paulino Nogueira, Pedro Souza Ara­ n ha e F. A. Q ueirós Telles. Na Cia. Machardy, o grande capital é re­ presentado pelo Barão de Ataliba Nogueira e Gabriel Dias da Silva; na Cia. Lupton, A ntonio Rodovalho e outros; na Cia. Paulista, J. B. Mello de Oliveira se associava a H. R obertson e Josepf W. Mee. O grande capital cafeeiro investiu tam bém , já antes da década de 1890, no com ércio de exportação de café. Na década de 1880, com o vimos, foi fundada a Cia. Central Paulista que, em 1887, deu origem à bastante conhecida Cia. Prado Chaves. Ainda antes de 1890, o grande capital investiu no setor de servi­ ços urbanos. A Cia. Carris de Ferro de São Paulo era, em 1882, diri­ gida p o r Francisco de Paula Mayrink, ligado à Sorocabana, e pelo in­ defectível A ntonio Prado; a Cia. Cantareira e Esgotos, em São Paulo, era dirigida p o r Rafael Pais de Barros e A ntonio Rodovalho; além de m uitas outras com panhias no interior do estado associadas ao gran­ de capital cafeeiro. Tam bém no setor industrial, em bora em núm ero bem mais re d u ­ zido, encontra-se a presença do grande capital cafeeiro. Com o exem ­ plos nessa área tem os a Vidraria Santa Maria de A ntonio Prado e Elias P ach ecojordão; a Fábrica de Tecidos V otorantim , a Fábrica de Calça­ dos União, ligadas ao Banco União de São Paulo, cujo presidente era

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Antonio de Lacerda Franco; a Fábrica de Cim ento Rodovalho e a Cia. M elhoram entos (cal, cerâm ica e papel) de A ntonio Rodovalho. A nossa intenção aqui não é abordar tal diversificação exausti­ vam ente, mas tão-som ente apontar a sua existência,7 e com isso m ostrar um a fração de classe distinta dos com issários — um capital exclusivam ente com ercial (Saes, 1986: 87) — e da lavoura — um ca­ pital exclusivam ente produtivo.

1.2 O conflito entre a lavoura e o grande capital: a diferen­ ciação da classe dominante na economia agroexportadora O conflito entre o grande capital cafeeiro urbano e a lavoura, isto é, os fazendeiros do interior, revela-se através de um dos princi­ pais investim entos do grande capital: a atividade ferroviária. Havia, ainda, entre 1850 e 1890, um a relação harm oniosa entre esses dois setores que residia num a dependência recíproca: a lavoura só p o d e ­ ria avançar servindo-se das estradas de ferro e estas só seriam rentá­ veis na m edida em que a lavoura expandisse e fornecesse às ferro­ vias as m ercadorias a serem transportadas. P ortanto, a única p reo cu ­ pação inicial das ferrovias era relativa à p rodução da lavoura, pois o volum e de café transportado era a variável definidora da rentabili­ dade da em presa. Porém , a década de 1890 m arcará o rom pim ento dessa relação. Antes de tudo, é preciso lem brar que as ferrovias, sendo um investi­ m ento do grande capital, procuravam , com o é natural, tornar-se o mais rentável possível. Ou seja, na m edida em que elas passaram a delinear claramente os seus próprios interesses, elas entraram em con­ flito com a lavoura. E isso se deu p o rq u e o transporte ferroviário se constituiu em custo crescente para a lavoura cafeeira. Para se ter um a idéia, basta lem brar que, se em 1890 o frete ferroviário representava 10,39% do valor do café entrado em Santos, em 1905, passou a re­ presentar 34,93% desse valor. O aum ento do custo do café causado pelo frete ferroviário nos leva ao cerne da questão: o conflito em to rn o da tarifa ferroviária, aprofundado pelo problem a da taxa cambial. O início da década de 1890 m arcou o aparecim ento desse co n ­ flito, cuja essência da discordância residiu na violenta queda da taxa de câm bio verificada a partir dos prim eiros anos da República.

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O declínio do valor da m oeda nacional, em função da política inflacionária n o período do Encilham ento, im plicou, com o vimos, o aum ento violento do custo dos im portados. Com a dependência que as ferrovias tinham desses p ro d u to s (equipam entos e com bustí­ veis), elas viram o seu custo operacional elevar-se bruscam ente. E não apenas isso. O m ovim ento da taxa de câm bio relacionava-se com o processo inflacionário interno, fazendo com que outro elem ento básico do custo operacional das ferrovias — o total dos salários p a­ go ao pessoal — tam bém se elevasse. Somava-se a isso o encarecim ento dos em préstim os em m oeda estrangeira feitos pelas ferrovias. Percebe-se, então, a estreita relação existente entre o declínio cam ­ bial e o aum ento das despesas das ferrovias. Para piorar a situação, a sua receita não cresceu corresp o n d en ­ tem ente, visto que as tarifas eram m antidas em term os m onetários e fixos. Surgiu daí o p o n to central do conflito. Para as ferrovias, a elevação das tarifas apresentava-se com o condição básica para manterse a rentabilidade das em presas em níveis com pensadores. Para a la­ voura, a situação era confortável, pois a queda cambial nesse p erío­ do aum entava ainda mais a renda dos fazendeiros em mil-réis, so­ b retu d o num p eríodo em que os preços externos do café estavam em alta. A elevação tarifária significaria queda nos seus lucros. Para tentar resolver esse problem a, instituiu-se, em 1893, sob pressão do declínio cambial, a tarifa m óvel, isto é, o reajuste auto­ m ático das tarifas de acordo com a taxa de câm bio vigente. A tarifa m óvel tinha com o base o câm bio de 20 dinheiros p o r mil-réis. A ca­ da 1 dinheiro a m enos na taxa de câm bio as ferrovias estavam auto­ rizadas a aum entar as suas tarifas em 5 %. O aum ento m áxim o p er­ m itido era de 40% , ou seja, até o limite do câm bio de 12 dinheiros. Segundo Flávio Saes (1981a: 123), a adoção da tarifa m óvel veio de fato atender às reais necessidades das ferrovias, cujos lucros não se­ riam m antidos em época de desvalorização do câm bio sem que h o u ­ vesse um aum ento das tarifas. A difícil situação das ferrovias no início dos anos 90 m udou no governo Cam pos Sales (1898/1902). Esse governo, com sua política contencionista e deflacionista, elevou a taxa de câmbio, deixando as ferrovias num a situação mais confortável.8 Para a lavoura, porém , a situação beirava o desespero. Segundo Franceschina Vilardo (1986: 59), a crise cafeeira do período 1895/1906 levou o preço da saca de café de 100$, em 1893, para 25$, em 1903,

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en q uanto as ferrovias cobravam os m esm os preços pelos fretes. A queda dos preços internacionais, a valorização cam bial e a m anuten­ ção das tarifas, tu d o som ado, nos perm ite im aginar a difícil situação em que se encontravam aqueles ligados exclusivam ente à produção agrário-exportadora. Ao que tu d o indica, esse problem a deve ter perm anecido p o r to d o o prim eiro perío d o republicano. Ainda em 1915, Alfredo Ellis, representante dos interesses da lavoura, continuava apontando co ­ m o sendo um a das grandes dificuldades enfrentadas pela lavoura a alta percentagem ocupada pelo frete ferroviário no valor da arroba de café. No p reço de 6 mil-réis a arroba, dizia ele, só o frete ferroviá­ rio absorvia 1 mil-réis (Carone, 1973: 146).9 O que esse conflito nos revela é, na verdade, o conflito entre a lavoura e os interesses do grande capital cafeeiro. Este últim o, em bora tivesse um a dim ensão produtiva n o setor agrário ex p o rta­ dor, ocupava posições privilegiadas em outros investim entos. Essa diversificação fazia com que a valorização cambial não o prejudi­ casse tanto, pois outras inversões, com o as ferrovias, garantiam sua rentabilidade. Nem m esm o a queda dos preços internacionais do café deixava os m em bros do grande capital em apuros, pois, com o vimos, na qualidade de proprietários de bancos eles garantiam acesso ao crédito em term os pessoais, tendo, p o r isso, m aior resistência à queda dos preços e p o d en d o esperar m elhores condições para a venda do p ro d u to . A partir daí entende-se porque, apesar de tam ­ bém serem fazendeiros, os m em bros do grande capital apregoas­ sem claram ente a adoção de m edidas tarifárias que ignoravam a cri­ se da lavoura, visando m anter alta a rentabilidade n o setor ferroviá­ rio (Saes, 1986: 163). O problem a do crédito, acima citado, que será mais detalhada­ m ente analisado no item seguinte, estava intim am ente ligado ao p ro ­ blem a da especulação com ercial. Se esta perm aneceu durante to d o o período, foi p o rq u e não houve jamais um a política de crédito agrí­ cola eficaz que livrasse a lavoura da tutela com ercial. Em bora não exaustivam ente, será esse conflito que verem os a seguir. Na leitura da bibliografia sobre o período fica bastante claro que a razão do aum ento da fragilidade dos fazendeiros face ao jogo espe­ culativo era, sem dúvida, a precária organização bancária nacional, que os deixava com reduzida capacidade para sustentar a produção e a com ercialização do café.

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Dois fatores interligados subm etiam a lavoura a um a situação su­ bordinada: a falta de crédito de longo prazo e o m onopólio da co ­ m ercialização e dos estoques de café pelas grandes casas ex p o rtad o ­ ras nacionais e estrangeiras. Muitas vezes, o lavrador se via encurralado, sem recursos finan­ ceiros devido à falta de crédito de longo prazo. Nessa situação, ele era forçado a vender a sua safra im ediatam ente após a colheita. Sem crédito e, p o rtan to, sem condições de estocar o café, os fazendeiros não podiam m anter o p ro d u to longe do m ercado p o r m uito tem po, a fim de forçar um a alta das cotações. Além da necessidade de vender a safra im ediatam ente para não correr o risco de perdê-la, os fazendeiros se viam tam bém pressio­ nados pelos enorm es estoques em m ãos dos exportadores, cujo m o ­ n o p ó lio e m anipulação dava a eles o p o d er de pressionar para baixo o p reço do café. A ausência de crédito reforçava e garantia a atuação dos oligop­ sonies com erciais diante da oferta fragm entada do café. Houvesse um a política de crédito agrícola, que garantisse a arm azenagem do café, sob co n tro le dos fazendeiros, estes últim os não seriam tão in­ defesos diante da especulação com ercial. Isto quer dizer que a a u ­ sência de u m a p o lítica de crédito agrícola efica z g a ra n tia o d o m í­ nio do capital com ercial sobre os fa zen d eiro s. Na im possibilidade de arm azenarem o café, em época de colheita, o p ro d u to ia im edia­ tam ente para o porto, fato que, junto com o estoque já existente, em purrava o p reço para baixo. Os exportadores com pravam o café nessa época (a colheita se dava entre m arço e agosto) e o vendiam durante o p erío d o de carência do p ro d u to , n o qual o café atingia altos preços, auferindo, assim, enorm es lucros em detrim ento dos p ro d u to re s.10 É inegável, p ortanto, que esse desam paro no qual vivia o fazen­ deiro deixava-o à m ercê do capital com ercial, dando a este últim o p o d eres para determ inar o preço do café no nível mais baixo possí­ vel, apropriando-se da m aior parte do excedente produzido pelos fazendeiros. É inegável tam bém que o problem a do crédito não re­ cebeu nenhum a solução final durante o período, o que não deve ser visto como mero descuido p o r p a rte dos governantes, mas como um a indicação d a fo rç a p o lítica do capital comercial. O grande capital cafeeiro, com o vimos, tinha um a rentabilidade m uito m aior que a lavoura. Os seus lucros originavam-se, sobretu-

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do, da m onopolização do com ércio e do transporte, operando co ­ m o oligopsônios e im pondo preços aos produtores. Não eram tão sensíveis às variações dos preços, visto que esses variavam princi­ palm ente em detrim ento dos fazendeiros. Além disso, sabem os que os m em bros do grande capital eram igualm ente banqueiros e ex p o r­ tadores. Com o exportadores, não raro aliados ao capital estrangei­ ro, tam bém participavam dos lucros advindos da especulação com er­ cial. Com o banqueiros, tinham um a grande capacidade financeira, ten d o acesso pessoal ao crédito. Não estavam, pois, subm etidos à especulação comercial. Não havia, portanto, razões para o grande ca­ pital pleitear um a séria política de crédito agrícola. Ao contrário, interessava-lhe m anter sob dom ínio a esfera da produção agrícola e o controle da com ercialização do café.11 Com o exem plo clássico dessa luta constante da lavoura, e fre­ qüentem ente inglória, contra a ausência de crédito e a política o rto ­ doxa do governo Campos Sales, tem os a tentativa de form ação da­ quele que ficou conhecido com o o “ Partido da Lavoura” . O partido deveria ter a função de representar politicam ente os fazendeiros e lutar co n tra os fretes ferroviários abusivos, a ausência de crédito e a especulação com ercial. Entre 1895 e 1903, p o r exem plo, foi constante n o Congresso a presença de projetos de criação de bancos para auxílio à lavoura. Não conseguindo aprovar tais leis, os lavradores se uniram , em m ar­ ço de 1899, para reforçar a sua representação política, tida com o ine­ ficaz, n o C entro da Lavoura do Estado. O m ovim ento que levou à p roposta da criação do Partido da Lavoura originara-se n o p erío d o do governo Cam pos Sales (1898/1902), cuja política econôm ica, adicionada a um a queda inter­ nacional dos p reços do café, deixou a lavoura num a situação desesperadora. P ercebendo que a crise da lavoura era um a das m aiores am ea­ ças ao dom ínio do PRP, pois esta constituía-se no grande contingen­ te eleitoral do p artid o ,12 Campos Sales, a partir de um a proposta ini­ cial de Alberto Sarm ento (deputado estadual e lavrador), agilizou a criação de um m ovim ento associativista, a partir do Clube da Lavou­ ra de Campinas. Faziam parte dele A ntonio Prado, Francisco de Pau­ la Q ueirós e Moraes Sales, todos escolhidos p o r Cam pos Sales. C on­ tava, p o rtanto, com a presença de m em bros do grande capital ca­ feeiro. A partir daí, organizou-se, em junho de 1896, a Sociedade dos Agricultores Paulistas (SAP).

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Em bora a SAP tenha nascido denunciando a falta de crédito agrí­ cola e p ro m eten d o pro m o v er p o r todos os m eios a sua organização, logo se perceb e que suas posições não repercutiam junto aos inte­ resses da lavoura. As suas opiniões estavam, na verdade, mais p ró x i­ mas das m edidas contencionistas tom adas p o r Cam pos Sales, ex tre­ m am ente prejudiciais aos lavradores. Estes percebiam que o m ovi­ m ento associativista não estava dando frutos. A SAP aparecia clara­ m ente, e o era de fato, com o um a associação criada de cim a para baixo, p o r Cam pos Sales, com a sua direção escolhida tam bém pelo presidente da República. A finalidade real da associação era apenas angariar apoio político ao presidente. Com vistas a im pedir a predom inância das idéias de Joaquim Murtinho, m inistro da Fazenda, os lavradores se uniram para reforçar a sua representação política n o C entro da Lavoura do Estado. A p ro ­ posta central desse encontro, que se deu em m arço de 1899, era a form ação de um Partido da Lavoura form ado a partir dos Clubes da Lavoura que vinham surgindo em to d o o interior do estado de São Paulo. Os Clubes da Lavoura, dom inados pelos fazendeiros do inte­ rior, pleiteavam a direção do Centro da Lavoura que, p o r sua vez, era dirigido pelo grande capital. A reunião pautou-se pela discussão se o C entro deveria ou não ter representação política e foi p roposto que apenas aos associados dos clubes das cidades do interior fosse perm itido associar-se ao C entro e eleger diretores. A proposta de cria­ ção do “ Partido da Lavoura” era, assim, um a atitude que visava cla­ ram ente defender os interesses dos fazendeiros do interior contra aqueles que, além da própria fazenda, tinham interesses urbanos: o grande capital cafeeiro. P ortanto, o Partido da Lavoura revela clara­ m ente um a cisão entre a lavoura, o Estado (leia-se o PRP — Partido R epublicano Paulista) e os interesses urbanos do grande capital. Além da questão da representação política mais eficaz dos lavra­ dores, o Partido da Lavoura colocava com o questão tam bém priori­ tária a recuperação da autonom ia municipal, constituindo-se, p o r esta reivindicação, num a das mais graves ameaças ao dom ínio do PRP.13 A idéia era buscar a livre m anifestação dos m unicípios, sem pre sub­ jugados pelos diretórios governistas. Frente a essa ameaça, o PRP fez violenta crítica à form ação do Partido da Lavoura, am eaçando com o abandono e retaliações aos seus participantes por parte do poder regional. M artinho'Prado, m em ­ b ro do grande capital, pediu o fim im ediato da cisão e o apoio às

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m edidas oficiais diante da crise do café (retração do crédito, recolhi­ m ento do papel-m oeda, im posto-ouro etc.). O desfecho da crise representou a saída tradicional das cisões internas à classe dom inante na econom ia agroexportadora: os fazen­ deiros preferiram “ confiar” n o governo a se o p o r a ele. Eles sabiam do perigo de um a posição oposicionista intransigente. Apesar da cri­ se, os fazendeiros, solváveis e não solváveis, não abandonaram o go­ verno, isto é, o PRP, e não aderiram ao Partido da Lavoura. Este esvaziou-se e não conseguiu ir adiante. Essa crise deixou claro o descontentam ento da lavoura com re­ lação ao PRP. Ficava evidente que este últim o não era o represen­ tante ideal dos seus interesses m aiores. Ao contrário, as suas posi­ ções parecem trazer aflição aos lavradores do interior. Por outro la­ do, parece que o PRP representava de m odo privilegiado os interes­ ses do grande capital cafeeiro. Parece possível apontar a diferenciação existente entre a lavou­ ra e o grande capital tam bém através das inúm eras associações de classe surgidas n o prim eiro perío d o republicano. Em bora não raro com objetivos formais sem elhantes, elas estavam sem pre em confli­ to. A causa principal, senão única, desse conflito parece ter sido jus­ tam ente a divisão entre aqueles cuja única atividade era a lavoura e aqueles que tinham investim entos diversificados, na exportação, na agricultura, em bancos etc. (Love, 1982: 307). Podem os afirmar que a diversidade de associações de classe era, na verdade, um efeito p e rtin e n te 14 das diferentes posições ocupa­ das no processo social de p rodução pela lavoura e pelo grande capi­ tal.15 Assim com o o Partido da Lavoura não existiria se não houves­ se um a fração da classe dom inante ligada exclusivam ente à ativida­ de agrária, consciente da especificidade de seus interesses, não exis­ tiria tam bém essa diversidade de associações com objetivos co n cre­ tos tão díspares. A Sociedade dos Agricultores Paulistas (SAP), criada em junho de 1896, já citada, foi, com o se viu, um a associação criada de cima para baixo, im posta aos fazendeiros, com vistas a angariar apoio p o ­ lítico às m edidas im populares do governo Campos Sales. Tinha na sua direção m em bros do grande capital com o A ntonio Prado e Fran­ cisco de Paula Queirós. A lavoura não tardou em perceber que esta associação não representava seus interesses e dela afastou-se, tentando form ar o Partido da Lavoura.

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Em 1902, a continuação da crise cafeeira levou à criação da So­ ciedade Paulista de Agricultura (SPA). A SPA foi organizada dentro da própria Secretaria Estadual de Agricultura, sob liderança de alguns dos mais prestigiados plantadores e comissários de café. Segundo Lo­ ve (1982: 308), a participação desses dois grupos na SPA nos leva a pensar que possivelm ente a sua criação tenha sido um a reação co n ­ tra o controle pelas casas exportadoras estrangeiras do com ércio in­ ternacional do café e co n tra a m anipulação dos preços p o r parte dos exportadores. As principais reivindicações dos líderes da SPA eram a conces­ são de crédito e o fim do im posto de exportação, além da concessão de peq u en o s lotes aos im igrantes de m o d o a fixá-los nas vizinhanças das grandes plantações, garantindo, assim, força de trabalho perm a­ n en tem en te disponível. No início de 1903, o Congresso Nacional e o presidente R odri­ gues Alves, em resposta ao pedido da SNA (Sociedade Nacional de Agricultura, criada em 1897), autorizaram a criação dos sindicatos agrícolas. A partir deles foi organizada a União dos Lavradores (UL). A UL não se limitava a dem andar ajuda governam ental. Ela ia além da SPA, solicitando a revogação da lei estadual de 1902 que im ­ pedia o plantio de mais pés de café. Essa posição da UL sugere, se­ gundo Love (1982: 308-309), que esta entidade representava os fa­ zendeiros m enos poderosos. Porém , e isso é significativo da fraque­ za da lavoura, a UL não sobreviveu, em parte devido à falta de apoio dos fazendeiros mais im portantes, vinculados à SPA, Aliás, é im por­ tante salientar a ligação da SPA com alguns m em bros do grande ca­ pital. Foi a esta associação que Alexandre Siciliano, grande fazendei­ ro e com erciante, apresentou, em 1903, seu plano de valorização do café, no qual, com o verem os, prevalecia os interesses m ercantis. No governo de Jorge Tibiriçá, ou tro m em bro do grande capital, a SPA passou a ter o controle virtual da política cafeeira. Em 1908, a asso­ ciação com eçou a receber um subsídio estatal e em 1909 conseguiu a restauração do M inistério da Agricultura, n o ócio desde o início da República, cujo dirigente foi C ândido Mendes, cafeicultor paulis­ ta e m em bro da m esm a SPA. Q uem o sucedeu foi Rodolfo Miranda, tam bém m em bro do grande capital cafeeiro. O utra entidade claram ente vinculada ao grande capital foi a So­ ciedade Rural Brasileira (SRB). A crise do com ércio internacional cau­ sada pela Primeira G uerra Mundial assim com o as m udanças na p au ­

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ta de im portações dos aliados deram origem a SRB, em 1919- Um dos seus fundadores foi Artur D iedrichsen, da firma T eodor Wille, m em bro do grande capital cafeeiro ligado aos em preendim entos es­ trangeiros. D iedrichsen era fazendeiro, construto r de estradas, inves­ tidor e tinha negócios com O lavo Egídio de Souza Aranha, Elói Cha­ ves, Cardoso de Melo N eto e M artiniano Rodrigues Alves. Os princi­ pais presidentes da SRB foram Paulo de Morais de Barros e H. de Sou­ za Queirós, cujas famílias já descrevem os com o representantes do grande capital.16 A Liga Agrícola Brasileira (LAB), fundada em 1921, era bastante diferente, tanto da SPA com o da SRB. Lutava p o r reivindicações que se identificavam claram ente com os interesses da lavoura. Reivindi­ cava a instauração de um im posto territorial razoável, porém exigia a extinção do im posto de exportação, pois sabia que este pesava so­ b retu d o sobre os fazendeiros. Nessa luta para transform ar o im posto de exportação em im posto territorial, um dos grandes “ barões do café” , Carlos Leôncio Maga­ lhães, atacou seus defensores através da SRB, afirm ando que, em úl­ tima análise, era o consum idor do café que pagava o im posto sobre exportação p o r via do aum ento do preço no varejo. Com o resulta­ do dessa pressão, o presidente do Estado, W ashington Luís, aban­ d o n o u o projeto de transform ar o im posto territorial em fonte signi­ ficativa de recursos. Das três associações (LAB, SRB e SPA), a LAB era a que se m os­ trava m enos satisfeita com as políticas do governo e mais ligada à lavoura. Foi ela que, no final de 1929, assum iu a luta p o r um m aior com bate do Instituto do Café em favor dos lavradores, então afasta­ dos das funções deliberativas do instituto (Love, 1982: 307-312). Podem os perceber, portanto, que o conflito em torno das tari­ fas ferroviárias e da questão do crédito, que a tentativa de form ar o Partido da Lavoura e a existência de diversas associações de classe revelam um a diversificação no interior das classes e frações dom i­ nantes diretam ente ligadas à econom ia agroexportadora cafeeira. Uma vez constatada essa diversificação podem os questionar o uso de term os generalizadores com o, p o r exem plo, “ burguesia ca­ feeira” (Fausto, 1972 e 1985; Cano, 1983; e outros) que não levam em consideração, ou pelo m enos desprezam , a diferenciação exis­ tente no interior do bloco n o p o d er ligado à econom ia agroexpor­ tadora. Na verdade, quando tais term os são utilizados não tem os

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certeza sobre quem se está falando, se dos fazendeiros ligados e x ­ clusivam ente à p rodução ou daqueles ligados ao grande capital. Pelo que pudem os observar até aqui, fica claro que o grande ca­ pital não é a única classe dom inante da econom ia agroexportadora, o que eqüivale a dizer que nem todos aqueles que estavam ligados à pro d u ção de café eram, ao m esm o tem po, diretores de ferrovias, ex p o rtadores e banqueiros. Ao contrário, o grande capital cafeeiro limitava-se a um círculo m uito reduzido de famílias. É claro que os autores acima citados não ignoram essa diferen­ ciação. C ontudo, ao nosso ver, não são rigorosos quando utilizam expressões com o “ burguesia cafeeira” , m isturando nesse term o to ­ dos aqueles ligados ao café e que m antêm diferenças fundam entais entre si. Como tentam os m ostrar rapidamente, a lavoura ocupou nos con­ flitos aqui descritos um a posição subordinada, no sentido de jamais conseguir revertê-los em seu favor. Tal fato gerou, durante o p erío ­ do, reclam ações interm ináveis. A lavoura tentou enfrentar as casas exportadoras através da criação da LAB em 1921; tentou enfrentar a questão do crédito com o Partido da Lavoura; incentivou o apare­ cim ento de defensores das suas causas — com o Américo W erneck que, em 1907, revoltou-se contra o esquecim ento do hom em do cam ­ po, reivindicando a sua p roteção —; tudo isso funcionando com o resistência ao predom ínio dos interesses urbanos na política re p u ­ blicana. A nós interessa perceber que esses conflitos e reivindicações da lavoura revelam não só a diferenciação existente no interior da eco ­ nom ia agroexportadora, mas tam bém a posição privilegiada ou, m e­ lh o r dizendo, hegem ônica do grande capital cafeeiro, o que ficará co m provado pela análise da política econôm ica do período.

2. A POLÍTICA ECONÔM ICA Com o dissem os na Introdução, a análise da política econôm ica é, do nosso p o n to de vista, o instrum ento privilegiado para detec­ tarm os a hegem onia de um a fração de classe. É o que farem os a se­ guir, analisando alguns dos seus aspectos fundam entais.

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2.1 A política monetária e cambial 2.1.1 O “E n cilh a m en to ”17 e a burguesia bancária A taxa cambial no prim eiro período republicano constituiu-se no foco principal das preocupações da lavoura exportadora. As rei­ vindicações dessa classe com relação ao câm bio eram constantes e baseavam-se n o seguinte: exigia-se a desvalorização cambial quando houvesse queda nos preços internacionais do café, visando m anter o nível de sua renda interna em mil-réis. É o co n hecido m ecanism o da “ socialização dos prejuízos” (Furtado, 1972: 165), que fazia com que as perdas, que se concentrariam , a princípio, nos lucros da la­ voura exportadora, fossem repassadas para toda a sociedade através do encarecim ento dos im portados. Além disso, a lavoura pleiteava a estabilidade cambial a um nível baixo, m esm o nas ocasiões em que o café não sofresse um a queda internacional nos seus preços. Objetivava-se com isso evitar que um a alta internacional dos preços do café fosse anulada p o r um a eventual valorização cambial. Essas reivindicações da lavoura exportadora se explicam pelo fato de o café ser vendido ao exterior em ouro, que era a m oeda inter­ nacional da época. O valor m etálico da safra, porém , ficava retido com o governo para as suas necessidades internacionais. Este cedia ao vendedor nacional o dinheiro-papel correspondente ao valor-ouro, na cotação do dia. A um câm bio baixo, com o é evidente, o agricul­ to r recebia mais mil-réis p o r libra-ouro do que a um câm bio alto. No entanto, não parece ter sido essa a tônica da política cambial no p erío d o em questão. Sem dúvida, a desvalorização cambial o co r­ reu, contudo, na grande maioria das vezes, deu-se independentem en­ te da lavoura, isto é, não foi um a im posição política desta últim a e nem foi ela a única beneficiada. O Encilham ento com prova essas afir­ m ações. Na verdade, as m edidas econôm icas que deram origem ao p e ­ río d o do Encilham ento surgiram ainda durante o Im pério. Elas fo­ ram pensadas com vistas a resolver três problem as fundam entais da época. Prim eiro, a necessidade de aum entar o crédito à agricultura, pois a libertação dos escravos to rn o u indispensável a criação de n o ­ vos recursos líquidos para financiar a contratação de trabalhadores livres. Segundo, havia escassez de dinheiro devido à rígida política governam ental de controle da oferta de dinheiro. A libertação dos

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escravos serviu para agravar a insuficiência do m eio circulante. E, finalm ente, os déficits orçam entários que estavam sendo financiados p o r um crescente endividam ento externo e interno, cuja redução o governo exigia (Villela e Suzigan, 1973: 103). As origens do delirante inflacionism o da época estão nas m edi­ das tom adas para enfrentar esses problem as. Em especial, a lei b an ­ cária que criou os bancos de emissão e inundou o m ercado de di­ nheiro. O aum ento da dem anda p o r num erários fez com que, em 1888, O uro Preto, presidente do últim o C onselho de Ministros do Im pé­ rio, rom pesse com as instituições creditícias do passado e desse iní­ cio à reform a do sistem a financeiro para agilizar o crédito, ou p o r outra, para resolver o problem a da “ inelasticidade d o m eio cir­ culante” . Nesse m esm o ano, o m esm o O uro P reto forneceu ativos m o n e­ tários aos bancos nacionais, sem juros e pelo prazo de sete a 22 anos, repassáveis em d o b ro aos fazendeiros, a juros de 6% ao ano, n o p ra­ zo de até 25 anos. Tal m edida beneficiou os bancos e incentivou a aplicação nas suas ações, valorizando-as e elevando a sua procura. Na segunda m etade de 1889, foi dado aos bancos de fundo m e­ tálico a emissão de notas até o triplo de seu capital. O grande banco em issor dessa época foi o Banco Nacional do Brasil, do visconde de Figueiredo. O m esm o foi feito com o Banco de São Paulo e o Banco do C om ércio do Rio de Janeiro. Com a Proclam ação da República, em 15 de novem bro de 1889, Rui Barbosa assumiu o cargo de m inistro da Fazenda do G overno Provisório, chefiado pelo m arechal D eodoro da Fonseca. O novo mi­ nistro, para resolver de vez o problem a da liquidez, resolveu, em reu­ nião com banqueiros, com a ajuda do conselheiro Francisco de Pau­ la Mayrink e sem a participação de fazendeiros e industriais, realizar nova reform a em 17 de janeiro de 1890. Nessa nova reform a, ce d en ­ do às pressões da burguesia bancária do Rio de Janeiro, o m inistro foi além das propostas de O uro Preto com relação às em issões com lastro metálico, autorizando a organização de bancos de emissão com base nos títulos da dívida pública. A pro p o sta inicial de Rui Barbosa era a criação de três bancos em issores para três regiões em que seria dividido o país: a N orte (da Bahia ao Amazonas), a C entro (do Espírito Santo a Santa Catarina) e a Sul (de Goiás ao Rio G rande do Sul). No C entro, sediado n o Rio

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de Janeiro, ficaria o m aior deles, o Banco dos Estados Unidos do Bra­ sil, perten cen te ao conselheiro Francisco de Paula Mayrink, que pas­ sou a ser o sustentáculo financeiro do governo. Os bancos, ainda segundo a p ro p o sta inicial, deveriam com prar apólices do governo, só p o d en d o em itir o correspondente a esse lastro, sem p o d er ven­ dê-las. O que ocorreu de fato foi que, sob pressão de Campos Sales, Rui Barbosa criou mais um banco específico para São Paulo, e sob pressão de interesses regionais o núm ero de regiões aum entou de quatro para seis, subdividindo-se a região Norte. Além disso, e mais im portante, os bancos nacionais exigiram operar com emissão inconversível em lastro m etálico. Assim, Rui Barbosa abandonou de vez a em issão com lastro m etálico e a inconversibilidade foi generaliza­ da para todos os bancos que foram criados em 17 de janeiro de 1890 e que operavam apenas com apólices (Vilardo, 1986: 26-30). As conseqüências dessas medidas são bastante conhecidas. Foi um período de dinheiro fácil, com o m eio circulante inchado. Mais do que isso, foi um p eríodo de intensa especulação, com o aparecim ento, na Bolsa do Rio de Janeiro, de em presas com pletam ente fictícias, o que foi facilitado pela lei de n o vem bro de 1892 que perm itia o estabeleci­ m ento de sociedades anônim as sem a autorização do governo. Tal lei colocou mais ações no m ercado à disposição dos bancos. H ouve um aum ento de 3,5 vezes do papel-m oeda em itido, m uito acima das n e ­ cessidades do p eríodo. Isso teve com o resultado o aum ento m édio anual dos preços em 20% . A taxa inflacionária, que foi de 1,1 % em 1889, atingiu 89,9% em 1891. Além disso, a taxa cam bial que se enco n tra v aem 2 6 7 /l6 n o ano de 1889, caiu para 12 1/32 em 1892, che­ gando a 7 7/10 em 1899, em decorrência da política emissionista. Para nós im porta saber que frações da classe dom inante foram beneficiadas p o r essa política em issionista18 do início da República e, d en tro do possível, qual a fração de classe responsável pela efeti­ vação dessas m edidas. Do p o n to de vista do grande capital cafeeiro, com seus investi­ m entos bastante diversificados, a política m onetária e o seu resulta­ do cam bial no p erío d o do E ncilham ento tiveram um significado n e ­ gativo. O caráter negativo dessa política inflacionista para o grande ca­ pital residia nas dificuldades que surgiram para o setor ferroviário com a desvalorização cambial. Com o já vimos, essa política econô-

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m ica encareceu as im portações de onde o sistem a ferroviário obti­ nha seus principais m eios de produção, encareceu tam bém os juros e as am ortizações dos em préstim os externos contraídos pelas ferro­ vias, além da inflação gerar pressões para o aum ento dos salários. Com o dissem os, foi essa situação que levou o grande capital a lutar pela tarifa m óvel. No que se refere à lavoura cafeeira, é inegável que ela foi am pla­ m ente beneficiada. Sobretudo se levarm os em conta que no p erío­ do em análise conjugaram -se preços internacionais favoráveis com um a crescente desvalorização cambial. Tal situação configurou não um a “ socialização dos prejuízos” , mas “ um a m aximização dos lu,, cro s” (Kugelmas, 1986: 108-109). T anto é que, em São Paulo, o n ú ­ m ero de pés de café passou de 200 m ilhões, em 1890, para 526 m i­ lhões em 1901, enquanto a produção triplicou, passando de 2,9 m i­ lhões de sacas para 8,9 milhões, no m esm o período (Kugelmas, 1986: ' '

106). No entanto, dizer que a lavoura foi beneficiada pela política eco­ nôm ica do E ncilham ento não significa dizer que tais m edidas foram um a im posição política dessa classe às outras frações dom inantes. Vimos anteriorm ente que as m edidas econôm icas do início da Re­ pública tiveram com o principal objetivo sanear o problem a de es­ cassez do m eio circulante, causada pela instauração do trabalho li­ vre, pela rígida política de controle das em issões no governo im pe­ rial e pela necessidade de reduzir os déficits orçam entários financia­ dos com em préstim os externos, e não atender às exigências da la­ voura exportadora. Se é certo que essas m edidas e suas conseqüências beneficiaram essa classe, é certo tam bém que elas foram positivas para outras fra­ ções da classe dom inante. É o caso, p o r exem plo, da burguesia in­ dustrial, visto que a desvalorização do câm bio lhe conferia com peti­ tividade diante dos produtos im portados, crédito fácil, liquidez e dis­ ponibilidade de recursos. Aliás, não são desconhecidas as intenções industrializantes, pelo m enos n o nível da retórica, do m inistro da Fa­ zenda da ép o ca.19 Na verdade, tanto as m edidas de O uro Preto com o as de Rui Bar­ bosa beneficiaram de form a prioritária a burguesia bancária. Essas m edidas não apenas favoreceram essa fração econom icam ente, co ­ m o tam bém perm itiram que se concentrasse em suas m ãos um a im ­ portante força política. O Encilham ento centralizou a atividade emis-

sionista nas m ãos da burguesia bancária (Ouro Preto favorecendo o visconde de Figueiredo e Rui o conselheiro Paula Mayrink), ou p o r outra, concedeu a ela o p o d er de controlar a oferta de dinheiro. Em setem bro de 1890, os três bancos — o Banco dos Estados Unidos do Brasil, o Banco Nacional e o Banco do Brasil — controlavam , p o r m eio de privilégios, 95% das em issões de m oeda.20 Toda essa perm issividade teve com o conseqüência o estím ulo das emissões e a expansão das atividades econômicas. Ao m esmo tem ­ p o, a especulação na bolsa se expandiu com o surgim ento de várias sociedades p o r ações da noite para o dia. T udo isso levou a um au­ m ento da dem anda p o r dinheiro que, ao deparar-se com o limite le­ gal para a em issão bancária, conduziu a um a taxa de juros elevadíssi­ m a e a um surto inflacionário. Além disso, é preciso lem brar que os em préstim os cedidos pelo governo aos bancos para que estes os repassassem à lavoura benefi­ ciaram mais a burguesia bancária do que a própria lavoura. E isso se dava p o rq u e os bancos, em vez de repassarem os em préstim os, com pravam as suas próprias ações, elevando os seus preços e vendendo-as, depois, a um preço mais alto. Pura especulação bursátil. A força dessa burguesia bancária revelava-se, sobretudo, pela in­ fluência na definição das políticas econôm icas. Com o vimos, foi ela que, a despeito da vontade inicial de Rui Barbosa, forçou as opera­ ções com em issões inconversíveis. Com a renúncia de Rui Barbosa, em função das lutas políticas e da crise econôm ica, vários políticos paulistas, com o Cam pos Sa­ les, P rudente de Morais, B ernardino de Campos, Rodrigues Alves e A ntonio Prado, tentaram revogar os atos que consolidaram a políti­ ca do Encilham ento, mas não conseguiram em função da oposição da burguesia bancária. Após a saída de Rui Barbosa, essa m esm a fração da classe dom i­ n ante conseguiu im por ao governo de D eodoro o nom e do barão de Lucena com o m inistro da Fazenda, figura claram ente vinculada aos grupos financeiros e especuladores do Rio de Janeiro. Um dos prim eiros atos do novo m inistro foi o lançam ento, em julho de 1891, devido à pressão dos grupos financeiros, de 25 mil contos para em préstim os à praça, através do Banco dos Estados Uni­ dos do Brasil, a serem realizados p o r interm édio dos demais bancos. O seu últim o ato foi a tentativa de em itir 600 mil contos através do m esm o banco. O Congresso, que há m uito já vinha fazendo ferre­

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n h a oposição a D eodoro, não aceitou a nova emissão, ao que o p re ­ sidente, num ato de força, respondeu com o fecham ento daquela Ca­ sa, em 3 de novem bro de 1891, num fato que ficou significativamente con h ecid o com o o “ golpe da bolsa” (Vilardo, 1986: 31-33). No dia 23 do m esm o mês, D eodoro ren unciou e seu vice, Floriano Peixoto, assumiu. Para m inistro da Fazenda o novo presidente conv o co u o “ o rto d o x o ” Rodrigues Alves. O novo m inistro propôsse a realizar o saneam ento m onetário, o equilíbrio financeiro e a va­ lorização da m oeda nacional. T odos esses objetivos eram condições para se ter acesso a em préstim os externos. As suas intenções eram um a clara contraposição às políticas de Rui Barbosa, em especial, às emissões. Rodrigues Alves visava encampá-las através do Tesouro Na­ cional para que o Estado pudesse controlá-las, controlando tam bém o m ercado de m oeda e dim inuindo o p o d er em issionista da b urgue­ sia bancária. Porém , mais um a vez revelou-se a força política dessa burguesia. Floriano foi pressionado e term inou p o r se o p o r à o rien­ tação de Rodrigues Alves, levando-o à renúncia, em agosto de 1892. Contudo, a partir desse período, sobretudo devido à pressão dos banqueiros internacionais, preocupados com o pagam ento dos em ­ préstim os externos, o sistem a financeiro do Encilham ento e, conse­ qüentem ente, a burguesia bancária receberão vários golpes que os levarão até a decadência. Mas está fora de dúvida que durante esse p erío d o não houve fração da classe dom inante que pudesse fazer pá­ reo com a força da burguesia bancária. É fato que essa fração deteve a condição de fração hegem ônica durante esse período de transição da M onarquia à República. Essa condição surgiu, com o vim os, das políticas efetivadas n o início da República. Mas a burguesia bancária soube p erceb er o p o d er que elas lhe conferiam e soube aproveitar sua influência, decidindo os rum os da política econôm ica e pressio­ n an d o para p erpetuar o sistem a de em issões sem limite de lastro. O E ncilham ento foi um p erío d o em que grandes hom ens de negócios, à m aneira dos lobbysts norte-am ericanos, procuraram intervir, de for­ m a lícita ou não, nos negócios públicos, em especial através do C on­ gresso Nacional (Vilardo, 1986: 128). Porém , alguma coisa com eçou a ser feita já na gestão de Floria­ no Peixoto (1891/1894), com Rodrigues Alves na pasta da Fazenda. Antes de renunciar, o m inistro conseguiu im pedir as em issões atra­ vés dos bancos particulares. No entanto, não conseguiu im pedir as do T esouro, através do B anco da República dos Estados Unidos do Brasil, do Banco do Brasil e nem dos bancos regionais.

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Q uando Sezerdelo Corrêa, o n o v o m inistro, assumiu, a dificul­ dade em se refrear as em issões perm aneceu, e elas retom aram um rit­ m o acelerado. Sezerdelo se defro n to u com com prom issos externos cada vez m aiores, principalm ente em função da guerra civil que se desenrolava no Sul, e com a taxa cambial cada vez mais desvalorizada. Em 1893, o m inistro fundiu os principais bancos em issores — o Banco dos Estados Unidos do Brasil e o Banco da República do Brasil — gerando o Banco da República. Segundo Topik (1987: 46), o presidente do n o vo banco passou a ser nom eado pelo presidente da República, e a nova instituição passou a ser o agente oficial do governo para o pagam ento da dívida externa. Com estas m edidas o Banco da República transform ou-se, n a prática, num a instituição p ú ­ blica. Ainda segundo o autor, a fusão executada pelo governo de Floriano significou a tom ada do p o d er financeiro pelo Estado, tirandoo das m ãos de alguns poucos banqueiros que o detinham . Com a eleição de P rudente de Morais, em junho de 1894, Ro­ drigues Alves tornou-se novam ente m inistro da Fazenda. Apesar de vários problem as — a elevação dos gastos internos devido às lutas travadas no interior do país (Revolução Federalísta e Canudos), a es­ calada dos com prom issos externos, o encarecim ento do ouro m o ­ nopolizado pelos bancos estrangeiros e a oposição da Câmara à im ­ plem entação da taxa-ouro sobre os im portados — conseguiu-se ini­ ciar o recolhim ento do papel-m oeda e uniform izar as emissões. Ape­ nas em 1896 Rodrigues Alves logrou realizar o resgate do papel-moeda através do controle pelo T esouro das em issões bancárias, concreti­ zando o controle estatal da m oeda e extinguindo a faculdade em is­ sora do Banco da República do Brasil e outros, transferindo esse p o ­ der diretam ente à União. Todas essas transform ações, de Floriano a Prudente, não visa­ vam, prioritariam ente, o controle do m ercado de capitais. A p reo cu ­ pação principal era com o crédito externo do país e, p o r conseqüên­ cia, com a taxa cambial. Em função da inflação acentuada e do câm ­ bio em queda livre, o Brasil vinha sendo cada vez mais desacredita­ do n o exterior, ficando, conseqüentem ente, m uito difícil ter acesso a em préstim os e, p o r isso, dificultando a solução dos nossos p ro b le­ mas financeiros, já que as finanças públicas encontravam -se estraça­ lhadas pela escalada em issionista e inflacionária. O governo de P rudente de Morais tam bém não conseguiu frear a desvalorização cambial nem a ascensão do endividam ento exter­

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no. Foi a partir do seu final que o capital financeiro internacional, preo cu p ad o com a condição de bo m pagador d o Brasil, exigiu que as finanças públicas fossem saneadas. Caso contrário, o país não te­ ria, definitivam ente, mais crédito no exterior. Com a eleição de Cam­ pos Sales foi feito um acordo com os banqueiros internacionais, em 1898, co nhecido com o fu n d in g loan, em que se deu início a um a nova política econôm ica que m arcou época na econom ia e na políti­ ca brasileiras pelo grau de ingerência nas finanças públicas nacionais perm itido ao capital estrangeiro. 2 .1 .2 O funding loan O fu n d in g loan foi, parece não haver dúvidas, um a im posição dos banqueiros internacionais. Mas é fato tam bém que, além disso, ele representou um golpe fatal no sistema financeiro e na burguesia bancária do período do Encilhamento. Inaugurou também um a época de alívio para o grande capital cafeeiro e de desespero para a lavoura. Em 1898, com Cam pos Sales com o presidente e Joaquim Murtin h o com o m inistro da Fazenda, a ortodoxia assum iu o p o d er e, sob a vigilância do capital financeiro internacional, dispôs-se a tom ar as rédeas das finanças nacionais. No ano de 1897, o câm bio havia chegado ao m ínim o de 7 p e n ­ ce p o r mil-réis e, desde 1895, os preços internacionais do café vi­ nham caindo. A redução do saldo da balança com ercial acentuavase e, devido à desvalorização cambial, as im portações tam bém dim i­ nuíam . O governo federal, cuja estrutura tributária residia nas tarifas aduaneiras, via-se cada vez mais em pobrecido. A par disso, os gastos militares haviam sido, até então, extraordinários, assim com o o e n ­ dividam ento externo, agravado pela desvalorização cambial. Os gas­ tos públicos atingiam 100% acima da receita. A dívida pública re­ presentou, em fins de 1898, 53,2% da despesa. A crise de su p erp ro ­ dução cafeeira, em função da expansão do plantio nos anos p re ce­ dentes, acentuava a queda dos preços do café. Em suma, o país encontrava-se sem divisas, com gastos crescentes e cada vez mais dis­ pendiosos devido à desvalorização cambial. Diante do perigo da bancarrota financeira, ao governo coube o ptar entre acudir a lavoura, que reclam ava da queda dos preços in­ ternacionais do café, ou sanear as suas contas. Não teve dúvidas. An­ tevendo a situação desastrosa caso abandonasse as finanças públicas,

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o g o v erno negociou com a casa R othschild a im plantação do f u n ­ d in g loan. As medidas tom adas pelo fu n d in g loan visavam, sobretudo, p ro ­ m over a valorização cambial, desafogando o m ercado de cambiais e reduzindo o papel-m oeda em circulação. O seu co n teú d o era o se­ guinte: realizar um acordo m oratório da dívida externa, com a sus­ pensão de todos os pagam entos p o r um período de 13 anos; retirar de circulação quantia de papel-m oeda equivalente á si m u do em prés­ tim o, ao câm bio de 18 dinheiros p o r mil-réis; restaurar, por fim, a cobrança em o u ro dos direitos alfandegários (10% em 1898, 15% em 1899 e 25% em 1900), visando pro p o rcio n ar recursos em m oe­ da estrangeira ao governo (Villela e Suzigan, 1973: 38). Foi com ple­ tam ente extinto o direito de em issão dado ao T esouro pela lei de 18 de ju n h o de 1895, que previa o auxílio do governo aos bancos em caso de necessidade. As despesas públicas foram drasticam ente reduzidas e vários im postos foram criados, entre eles o im posto so­ bre consum o. Em com pensação, o governo oferecia aos credores ex­ ternos, com o garantia, a renda da alfândega do Rio de Janeiro e com prom etia-se a deflacionar o m eio circulante. D o p o n to de vista dos objetivos a serem atingidos, o fu n d in g loan foi, sem dúvida nenhum a, bem -sucedido. De Cam pos Sales ao final do governo de Rodrigues Alves, que deu continuidade à políti­ ca iniciada p o r aquele, a valorização cambial foi constante. Se em 1897 a taxa estava a 8 e 7 dinheiros p o r mil-réis, atingiu, em 1902, 12 dinheiros e, em 1906, 16 dinheiros. D urante o p eríodo, com o era previsto pelo acordo, houve grande contração do m eio circulante, rareando ainda mais o crédito. Quais as conseqüências dessa nova política econôm ica para as diferentes frações da classe dom inante ligada à econom ia agroexpor­ tadora? O fu n d in g lo a n teve com o m edidas centrais o resgate do papelm oeda e a extinção do direito de emissão dado ao Tesouro. Essas m edidas constituíram -se num golpe fatal contra o sistem a financeiro criado pelo Encilham ento. D esde antes do governo contracionista de Cam pos Sales, os bancos em issores vinham se debatendo com a falta da liquidez e com a im possibilidade, im posta pelo governo, de continuarem em itindo. Como resultado direto da retração do meio circulante, ocorreu, em 1901, um a das piores crises bancárias da his­ tória do país. Vários bancos suspenderam suas atividades. O Banco

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da República do Brasil, p o r ser o m aior dos bancos nacionais e o mais atuante no m ercado de câm bio, foi salvo da corrida aos saques pelo Ministério da Fazenda, Com a intervenção do governo, ele nunca mais voltou a operar com o banco privado. Em 1905, transform ou-se em Banco do Brasil, um a em presa mista, tendo o governo na posição de sócio m ajoritário. Após a política econôm ica do fu n d in g loan e a conseqüente crise bancária de 1901, o sistem a financeiro resultan­ te do Encilham ento jamais se recuperou. No que se refere à lavoura e ao grande capital, as conseqüências foram claramente opostas. A situação da lavoura cafeeira era a do mais p u ro desespero. Desde 1895, o café vinha sofrendo um a queda in­ ternacional do seu preço em função da superprodução propiciada pela expansão do plantio n o período do Encilham ento. Para piorar a situação ainda mais, a queda do preço do café era acom panhada p o r um a valorização cambial prom ovida pelo governo Cam pos Sa­ les desde 1898, sob os auspícios do capital financeiro internacional. Enquanto a taxa cambial pulava de 7,7 pences p o r mil-réis, em 1897, para 9,5 em 1900, o preço do café caía de 91, em 1895, para 46 em 1900. A situação ideal para a lavoura, isto é, aum ento internacional dos preços do café e desvalorização cambial, estava com pletam ente invertida. E essa situação, apesar das constantes reclam ações da la­ voura, não term inou com o fim do governo Campos Sales em 1902. O seu sucessor, Rodrigues Alves (1902/1906), foi um fiel continuador da política ortodoxa, conseguindo elevar a taxa cambial para 16,2 p ence p or mil-réis em 1906. Apesar das reclam ações da lavoura, o câm bio no governo de Rodrigues Alves subiu em 25%. Por essas razões, os fazendeiros se colocam em clara oposição à política de valorização da m oeda nacional e da retração do m eio circulante. C ontudo, a oposição da lavoura não foi suficiente para alterar os rum os da política econôm ica entre 1898 e 1906. Os seus lam entos de nada adiantaram . Teve que suportar um a das mais sé­ rias crises do prim eiro perío d o republicano, cujo alívio só viria com a prim eira valorização, em 1906. É fora de dúvida que o fu n d in g loan teve outro significado p a­ ra o grande capital cafeeiro. O setor ferroviário saiu beneficiado, pois a valorização da m oeda, a partir de 1899, barateou os custos das fer­ rovias, am pliando im ediatam ente as suas receitas. O setor im porta­ dor, on d e o grande capital tam bém operava, beneficiou-se na m edi­ da em que a valorização cambial garantiu com petitividade aos p ro ­

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dutos im portados, antes encarecidos com a inflação e a desvaloriza­ ção cambial. É certo que com o p ro d u to r de café o grande capital sentiu a cri­ se que assolava esse setor. No entanto, já vim os que, nem de longe, a situação do grande capital cafeeiro era a m esm a que a da lavoura. Aquele tinha fácil acesso ao crédito, esta não; aquele tinha co n d i­ ções de arm azenar o p ro d u to para esperar m elhores condições de venda, esta não; aquele era agente da especulação comercial, enquan­ to a lavoura era vítima. É preciso lem brar tam bém que a crise levou à ruína um a grande quantidade de fazendeiros, dim inuindo a co n ­ corrência e o perigo de superprodução, garantindo até um aum ento dos preços internacionais em 1900 e 1904. Tal bancarrota atingiu so b retu d o o “m édio capital” , beneficiando o grande capital cafeei­ ro, m enos sensível às oscilações dos preços. P ortanto, este últim o não se encontrava na situação de desespero em que se via a lavoura: preços caindo, m o eda valorizando e sem crédito. Exemplo dessa vivência diferenciada com relação ao período do fu n d in g loan encontra-se no interior da própria família Prado. No p erío d o em questão, desenrolou-se um conflito entre Eduardo e An­ tonio Prado que se originou com o conseqüência de suas diferentes posições n o processo produtivo e, portanto, de suas diferentes p o ­ sições com relação à crise dos preços e à política federal. Muito mais vulnerável, p orque apenas lavrador, Eduardo tom ou rapidam ente consciência da necessidade de intervenção governam en­ tal. Ele via a situação do café com o “ sim plesm ente pavorosa” . Ape­ sar de liberal, deixou os princípios de lado e apelou ao antigo inim i­ go, Rui Barbosa, para que patrocinasse um plano no Congresso, vi­ sando à m oratória das dívidas dos fazendeiros aos com issários e ex ­ p ortad o res de café (Levi, 1974: 262-263). A ntonio Prado, exportador, d o n o da Prado Chaves, na qual Eduardo não tinha nenhum interesse, não via com b ons olhos esse tipo de proposta. Ao seu pai, M artinho Prado, p o r sua vez, não agra­ dava a criação do Partido da Lavoura para fazer oposição à política econôm ica do governo. D urante esse período, fez fortes críticas a essa tentativa e pediu o “ fecham ento da questão” n o apoio à posi­ ção oficial diante da crise do café, conseguindo, aliás, desarticular o partido dissidente (Casalecchi, 1987: 99). Pelo que foi dito até aqui, parece que o grande capital cafeeiro constituiu-se apenas num beneficiário da política instituída com o

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fu n d in g loan. Não tem os, de fato, elem entos que com provem a par­ ticipação ativa do grande capital na reivindicação e elaboração do fu n d in g loan, mas sem dúvida ele o apoiou. Fica, p ortanto, evidente que as diversas posições da lavoura e do grande capital com relação à política do fu n d in g loan fundam en­ tavam-se nos diversos lugares que essas duas frações da classe dom i­ nante ocupavam no processo social de produção.21 Aliás, esse é um p erío d o privilegiado para perceber a lavoura e o grande capital co ­ m o frações diversas no interior da econom ia agroexportadora. Assim, é lícito supor que o grande capital cafeeiro não tenha si­ do m ero beneficiário das m edidas im postas pelo fu n d in g loan, co ­ m o foi o caso da lavoura e da indústria n o perío d o do Encilhamento. Ao contrário, os seus interesses econôm icos, atingidos pelo Encilham ento, dem andavam um a política desse tipo. E quando ela o co r­ reu, o grande capital cafeeiro apoiou a sua efetivação e criticou aque­ les que a ela se opunham . Mais um a vez reiteram os, porém , que o fu n d in g loan é incom preensível se não levarm os em conta as exi­ gências do capital financeiro internacional, o que será visto no Capí­ tulo 3Assim, o fu n d in g loan foi um a política m onetária e cambial queatingiu claram ente os interesses da outrora poderosa burguesia b an ­ cária e da lavoura exportadora cafeeira. Ao contrário, para o grande capital cafeeiro significou alívio e aum ento de suas receitas. São es­ sas as frações da classe dom inante que perderam e ganharam com a política econôm ica inaugurada no governo de Campos Sales.22 2 .1 .3 O m o vim ento geral d a taxa de câm bio e a tese tradicional A partir do período em que se efetivou o fu n d in g loan, o o bje­ tivo sem pre perseguido pelos governos seguintes parece ter sido a estabilização cambial num nível alto. É claro que esse objetivo nem sem pre foi atingido. Porém , ao contrário do que afirma a tese tradi­ cional (Furtado, 1972), as desvalorizações cambiais quase nu n ca fo­ ram um a im posição dos desejos da lavoura exportadora cafeeira. Na verdade, o eixo central da política econôm ica brasileira orientou-se nesse período, com algumas dificuldades, p o r um a linha tradicional: equilíbrio orçam entário e valorização cambial. Os afastam entos des­ sa linha se davam devido a fatores internos — descontinuidade ad­ m inistrativa, gastos extraordinários etc. — e, os principais responsá-

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veis, a fatores externos — as oscilações do preço do café, crises do com ércio exterior, depressão nos países industrializados, guerras etc. (Villela e Suzigan, 1973: 55). Uma leitura atenta do livro dos autores acima citados (pp. 37-46) nos perm ite determ inar os anos em que ocorreram as valorizações cambiais e os anos em que as desvalorizações prevaleceram . Em 15 anos do prim eiro p erío d o republicano ocorreram valori­ zações da m oeda (de 1899 a 1906; de 1918 a 1920 e de 1923 a 1926); em 14 anos ocorreram desvalorizações do câm bio (de 1890 a 1898; de 1915 a 1917 e de 1921 a 1922); em oito anos a m oeda perm ane­ ceu estável, mas acima do nível exigido pela lavoura cafeeira (de 1907 a 1914); e, enfim, em quatro anos a m oeda perm aneceu estável c o ­ m o resposta à valorização de 25% ocorrida entre 1923 e 1926 (de 1927 a 1930). Nos 14 anos em que as desvalorizações cambiais ocorreram elas jamais foram um a im posição da lavoura cafeeira ao governo e à na­ ção. Entre 1889 e 1898, a inflação e a queda da taxa de câm bio se deram em razão das m edidas econôm icas tom adas ainda no Im pé­ rio, para sanear o problem a de escassez de liquidez. Depois, com as pressões da burguesia bancária para que essas m edidas não fossem revogadas e com a queda internacional dos preços do café a partir de 1895, ou seja, com emissão de m oeda e queda de nossas reservas cambiais, ocorreu um a violenta desvalorização cambial. Entre 1915 e 1917, aP rim eira G uerra Mundial forçou o abando­ no dos principais objetivos da política econôm ica e, com isso, acentuaram-se os déficits orçam entários. Nessas condições, que co n ­ sistiam na queda do preço internacional do café, na queda do volu­ m e das exportações, na fuga dos capitais estrangeiros e na im possi­ bilidade de se receber em préstim os externos, em suma, na ausência de divisas no país, não havia outra coisa a ser feita além do abando­ no da política de sustentação cambial e de contenção das em issões sem lastro.23 Entre 1921 e 1922, a curta, porém aguda, recessão nas ec o n o ­ mias centrais, sob retu d o a am ericana, nosso principal m ercado c o n ­ sumidor, num m om ento em que os operadores tinham estoques apre­ ciáveis, foi a causa principal da desvalorização cambial. O preço do café caiu fazendo baixar as receitas da exportação (73 m ilhões de li­ bras em 1919; 53 m ilhões em 1920). A dim inuição n o ouro gerado pelas exportações foi acentuada pelo aum ento das im portações em

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função da superação dos obstáculos im postos pela guerra ao acesso aos im portados. Com o conseqüência a taxa de câm bio desvalorizouse de 14,6 p ence p o r mil-réis para 7,22 entre 1920 e 1922. Esses grandes colapsos cambiais desencadearam profundos déficits orçam entários. Sem divisas e com o câm bio baixo, o país se via im possibilitado de pagar os serviços da dívida externa. As im por­ tações encarecidas dim inuíam n o seu volum e, causando um a p e n ú ­ ria financeira n o governo, cuja estrutura tributária, com o dissem os, dependia até a m edula dos im postos aduaneiros. Não era possível, assim, arcar com os com prom issos externos ou internos em época de crise cambial. Esses períodos de forte instabilidade econôm ica foram seguidos p o r negociações com os banqueiros internacionais, visando à o b ten ­ ção de liquidez necessária para o restabelecim ento do equilíbrio cam ­ bial. Dessas negociações resultavam políticas m onetária e fiscal ex ­ trem am ente restritivas. Foram os casos dos governos de Cam pos Sa­ les (1898/1902), Rodrigues Alves (1902/1906), W enceslau Brás (1914/1918) — quando se deu o segundo fu n d in g loan — e Artur Bernardes (1922/1926). Esse últim o, em função da crise do m ercado externo de 1921/1922 e do aum ento da dívida externa de 155 para 186 m ilhões de libras, entre 1918 e 1922 , o que fez de 1923 “ o pior ano cambial de nossa história” , teve tam bém de realizar um a p olíti­ ca ortodoxa. Reduziu a despesa pública de 1.428 para 1.405 mil c o n ­ tos e procurou, através da transform ação do Banco do Brasil em ban­ co em issor, contrair o m eio circulante. A política contracionista d u ­ rou dois anos e a taxa cambial valorizou-se em 15% em 1925 (Silva, L., 1976: 83-89). Assim, o que percebem os é que as desvalorizações cam biais originaram-se, sobretudo, da reversão de condições externas a p r in ­ cípio fa vo rá veis, isto é, da conform ação de u m a crise externa cu­ jo s aspectos negativos são p o ten cia liza d o s n u m a econom ia f u n d a ­ m en ta lm en te exportadora. Com o vim os, seguindo esses períodos, executaram -se políticas de recuperação cambial e financeira que im ­ puseram pesados sacrifícios à lavoura cafeeira. Vemos, portanto, claram ente, que as desvalorizações cambiais não ocorreram p o r im posição política dessa classe. Elas tam bém não ocorriam , necessariam ente, quando havia queda nos preços in ter­ nacionais do café. O exem plo mais gritante é o do período entre 1899

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e 1906, n o qual a queda persistente do preço internacional do café foi acom panhada p o r um a não m enos persistente valorização cam ­ bial. Esse período configurou, segundo W ilson Cano (1977), um a crise para a lavoura cafeeira pior que a de 1929Pelos dados aqui arrolados conclui-se que, de fato, o eixo da p o ­ lítica cambial brasileira durante a Prim eira República estava longe de beneficiar a lavoura. Ao contrário, m uitas vezes prejudicou-a pesada­ m ente. Os m aiores interessados nessa política eram o Estado brasilei­ ro, o capital estrangeiro e o grande capital cafeeiro. O prim eiro p o r­ que necessitava recuperar suas finanças e o crédito externo, objetivo im possível de ser alcançado com um a baixa taxa cambial. O segundo p o rque temia que os com prom issos do país devedor não fossem h o n ­ rados em função da inadim plência causada pela desvalorização cam ­ bial. E, finalm ente, o grande capital cafeeiro que via os seus investi­ m entos novam ente rentáveis, além de garantir a presença no país do capital estrangeiro, cuja associação lhe rendia lucros bem m aiores do que a m era desvalorização do câm bio. Lem brem os que o g rande ca­ p ita l não se reduzia a simples fazendeiro preocupado exclusivam en­ te com a obtenção de um bom preço n o p o rto de Santos. Os m em ­ bros dessa classe representavam sem pre um grande conglom erado, fornecendo crédito, adm inistrando fazendas e estradas de ferro, p ro ­ m ovendo a im portação etc. Não encarava, portanto, do m esm o m o ­ do que a lavoura as políticas oficiais, justam ente em função de sua posição diferenciada no processo social de produção.

2.2 A primeira valorização do café O p erío d o do Encilham ento (1890/1891) foi, pudem os p erce­ ber, bastante benéfico para a lavoura cafeeira. No entanto, no go­ verno Cam pos Sales, mais precisam ente a partir de 1899, com o re­ sultado da política econôm ica ortodoxa, a taxa cambial com eçou a valorizar-se, conjugando-se com um a queda internacional nos p re­ ços do café que vinha desde 1896.24 S uperprodução — em função dos estím ulos existentes no perío d o do Encilham ento — , queda dos preços externos e valorização cambial foram os fatores que deram origem , em 1906, ao prim eiro esquem a valorizador. A crise era, sobretudo, a crise do “p ro d u to r” . Os preços, em declínio já há m uito tem po, atingiam, p o r volta de 1906, um nível

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nitidam ente abaixo do custo de produção. Note-se, no entanto, que os preços pagos pelos consum idores estrangeiros no varejo não se alteravam , revelando que quem vivia de fato a crise era o “ p ro d u ­ to r” nacional, enquanto o ex p o rtad o r m antinha, apesar da baixa, o m esm o p reço final ao consum idor (Prado Júnior, 1987: 230). Foi d en tro desse co n tex to de grave crise para a produção ca­ feeira que surgiram as prim eiras idéias para um a intervenção oficial na com ercialização do café. A partir delas iniciou-se o debate entre os liberais e os intervencionistas, que m arcou a prim eira década do século XX. Os liberais, adeptos dos governos de Cam pos Sales e Rodrigues Alves, viam na intervenção estatal o perigo de se frustrar a austera e bem -sucedida política contencionista responsável pela recupera­ ção financeira do país e pela recuperação de sua credibilidade n o m er­ cado financeiro internacional. Os intervencionistas (Alfredo Ellis, Fausto Cardoso, Sezerdelo Corrêa e outros) tam bém defendiam a valorização da m oeda, porém em um nível rem unerador, e criticavam o uso dos m ecanism os o rto ­ do xos para atingir tal fim. Sugeriam que a baixa cambial fosse resol­ vida pela valorização do p reço do café através de um a intervenção do Estado, e não pela eliminação da suposta produção excedente atra­ vés do recolhim ento do papel-m oeda. Diziam que o Brasil detinha o m on o p ó lio virtual da produção do café e que era preciso dotá-lo de um a organização com ercial que o tornasse capaz de desfrutar de tal situação. Eles sabiam que o “ p ro d u to r” precisava vender a sua safra de qualquer maneira, pois só tinha crédito de curto prazo. Além disso, tinham tam bém consciência que o com prador se apoiava nos estoques existentes para, no m eio da m aior gravidade em face da su­ p erprodução, fingir não precisar do café oferecido pelo fazendeiro. Sabiam, em suma, que a causa da queda dos preços do café não era exclusiva da superprodução, mas tam bém da especulação comercial. T udo isso red u n d o u naquilo que pode, com certeza, ser consi­ derado com o as exigências típicas da lavoura cafeeira e de seus re­ presentantes no período em questão: a elim inação do jogo especu­ lativo, a concessão de em préstim os de longo prazo, a fixação de p re­ ços m ínim os rem uneradores e, a principal, o m onopólio estatal do com ércio do café (Vilardo, 1986: 66-67). Um plano valorizador já tinha sido apresentado em 1903 (o cha­ m ado Plano Siciliano) e fora recusado pelo governo Rodrigues Alves

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que não abria m ão de sua política ortodoxa. Porém , a ocorrência de um a supersafra em 1902 e a prom essa de um a safra-m onstro para o ano de 1906 tornaram a intervenção estatal urgentíssim a. A resistên­ cia de Rodrigues Alves, contudo, só foi superada com a eleição de Afonso Pena que deu início ao esquem a valorizador. Em que consis­ tiu, de fato, esse esquema? Foram os “ p ro d u to re s” os principais b e ­ neficiados? A esta últim a pergunta acreditam os p o d er resp o n d er negativa­ m ente. Talvez o erro corrente de se considerar o C onvênio de Taubaté — assinado pelos presidentes de Minas (Francisco Sales), do Rio de Janeiro (Nilo Peçanha) e de São Paulo (Jorge Tibiriçá), em 25 de fevereiro de 1906 — com o o plano valorizador realm ente efetivado tenha sido responsável pela conclusão equivocada de que a prim ei­ ra valorização beneficiou principalm ente os produtores. Mais ainda, esse engano p o d e ser responsável pelo equívoco de se encarar a p ri­ m eira valorização com o prova da força política dos p rodutores d 6 café.25 Qual era o co n teú d o do acordo assinado n o C onvênio d C Taubaté? A presentarem os aqui as principais cláusulas do famoso en co n ­ tro. O p reço m édio m ínim o que os estados signatários com prom e­ teram-se em m anter foi de 55 a 65 francos-ouro p o r saca. Q uando se assinou o acordo, não se conseguia um preço m édio de 50 fran­ cos há mais de dez anos (entre 1897 e 1905 ficou em 35 francos)' O que se intencionava era conseguir um aum ento real dos preço» do café. O C onvênio de Taubaté p ro p u n h a tam bém que os estadoã contratantes fixassem um a graduação nacional de qualidade do caté e incentivassem a criação de um a bolsa para a regulam entação dc? produto. Essas m edidas visavam tirar o controle da graduação da qua­ lidade do café brasileiro das m ãos dos m em bros da bolsa de No vã Iorque. Eles sabiam que o grau atribuído à safra do ano poderia sig­ nificar prejuízo ou lucro para o fazendeiro. O acordo previa tam bérd a criação de um a sobretaxa de 3 francos-ouro para cada saca de C2.it ex portada a fim de reunir m aiores garantias para os em préstim os ex ­ ternos que financiariam o esquem a. Advogava tam bém a proibição’ de novas plantações, além da criação de um a caixa de conversão que? estabilizasse o câm bio em um nível rem unerador. Pregava, ainda, 0 m on o p ó lio estatal do com ércio cafeeiro com vistas a livrar a lavourá do jogo especulativo resultante do dom ínio que os exportadores exer­ ciam nesse setor (Holloway, 1978: 61-66 e Vilardo, 1986: 76-82). 7\

A p ro p o sta inicial para a prim eira valorização, isto é, o C onvê­ nio de Taubaté, tinha, assim, um a clara conotação pró-lavoura. Nes­ sas condições, é com preensível que o grande capital cafeeiro se opu­ sesse a ta l p la n o . A ntonio Prado assumiu a luta contra o esquem a valorizador tal qual previsto pelo C onvênio de Taubaté. Através da Prado Chaves criticou-o, pois receava as suas conseqüências cam ­ biais e m onetárias. Atacou a estabilização da m oeda a um nível bai­ xo, pois isso atingiria os seus interesses ferroviários e o com ércio de im portação. Com o ex p o rtad o r duas coisas não lhe interessavam : a fixação de um preço m ínim o do café, ainda mais em um nível tão elevado, que abalaria a confortável posição em que se encontravam os oligopsônios com erciais na determ inação dos preços do p ro d u ­ to; além disso, a p ro p o sta de m onopolização do com ércio do grão pelo Estado era inadm issível na m edida em que teria com o resulta­ do a expulsão do grande capital de um dos setores mais lucrativos em que atuava. Ou seja, com o proprietário de um im pério m ercantil que abarcava todas as esferas da econom ia cafeeira, da produção ao com ércio externo, A ntonio Prado reconheceu no esquem a valoriza­ dor, tal com o apresentado pelo convênio, um a am eaça aos seus in­ teresses de capital m ercantil (Stolcke, 1989: 140). P ortanto, não é de se estranhar que o grande capital tenha, so­ bretudo na pessoa de Antonio Prado, exercido forte oposição ao Con­ vênio de Taubaté. Porém , algo de estranho parece ter acontecido p o r ocasião da realização do prim eiro plano valorizador, pois o grande capital, outrora intransigente oposicionista, assumiu um a postura favorável à im­ plem entação do esquem a. Num a carta de Afonso Pena a W ashington Luís, em 11 de n o vem bro de 1909, aquele dem onstra conhecer as razões do apoio paulista transm itido p o r Olavo Egídio, A lbuquerque Lins ejo rg e Tibiriçá ao seu governo. Esses senhores lembravam Afonso Pena, p o r ocasião da sua sucessão, da necessidade de não haver in ter­ rupção nas m edidas financeiras que ele vinha praticando, m edidas que estavam de acordo com os interesses econôm icos de São Paulo (Mar­ tins Filho, 1981: 38). Olavo Egídio de Souza Aranha e jo rg e Tibiriçá eram sabidam en­ te m em bros do grande capital cafeeiro. O prim eiro, da conhecida família Souza Aranha, ligada a com panhias ferroviárias, casas com er­ ciais, fazendas etc.; o segundo, fazendeiro de grande prestígio, liga­ do à Mojiana. A lbuquerque Lins era genro de Francisco A ntonio de

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Souza Queirós e im portante político paulista. O próprio Antonio Pra­ do ab andonou a sua posição inicial e passou a apoiar o esquem a valorizador. O q ue teria acontecido? N enhum grande enigma. Na ver­ dade, o plano valorizador realm ente efetivado significava um aban­ d o n o das propostas centrais do C onvênio de T aubaté em favor de um plano m uito próxim o ao Plano Siciliano, apresentado em 1903 (Holloway, 1978: 61 e 71). Com o bem n o to u H olloway, não se trata de simples questão de precisão histórica. Trata-se de saber quem dom inou o esquem a va­ lorizador, quem de fato foi prioritariam ente beneficiado, enfim, quem teve forças para descaracterizar a p roposta inicial. Para descobri-lo é preciso saber quais eram os aspectos principais d o Plano Siciliano. Este plano foi apresentado em 1903 por Alexandre Siciliano, “um dos mais prestigiosos plantadores e com issários do estado” , à Socie­ dade Paulista de Agricultura. O plano foi aprovado p o r essa agrem ia­ ção, o que dem onstra um a abertura ao intervencionism o p o r pelo m enos um a p arte do grande capital cafeeiro nela representado (Kugelmas, 1986: 118). A ntonio Prado, figura de relevo d o grande capi­ tal, de início colocou algumas objeções, mas term inou p o r apoiá-lo através da Cia. Prado Chaves, que tornou-se um a arm a semi-oficial do governo do estado na prim eira valorização. Com o apoio do grande capital cafeeiro, a corrente intervencionista consolidou-se definitivam ente. Recebeu forte im pulso da cú ­ pula do governo de São Paulo, dirigido, na época, p o r Jorge Tibiriçá. A Sociedade Paulista de Agricultura tam bém lhe foi favorável. Fi­ nalm ente, a valorização se realizou, mas não segundo as cláusulas do C onvênio de Taubaté e sim segundo as intenções d o Plano Sicilia­ no, o que nos revela que, de algum m odo, os interesses do grande capital foram decisivos na form ulação definitiva do prim eiro esque­ m a valorizador. Esse plano expressava um tipo de participação que interessava à burguesia m ercantil, pois, ao contrário do convênio, p ro p u n h a a form ação de um sindicato de capitalistas que, através de um c o n ­ trato de seis anos prorrogáveis com o estado de São Paulo, centrali­ zaria todas as com pras do café e, mais im portante, exerceria o m o ­ nopólio d a com ercialização dos estoques do p ro d u to com vistas à elevação do seu preço. Não há dúvida de que a perspectiva de intervenção no m ercado chamasse a atenção dos em presários não ligados à produção, na m e­

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dida em que ela oferecesse as vantagens que adviriam da participa­ ção n o com ando do m onopólio do com ércio cafeeiro. Nesse po n to , aliás o principal, o Plano Siciliano era o oposto do Convênio de Taubaté. Não há dúvida tam bém de que as m edidas realm ente efetiva­ das estavam m uito mais próxim as do plano do que daquelas advo­ gadas pelo convênio. Este últim o visava um esforço conjunto entre os governos esta­ duais e federal, a fim de defender os p ro d u to res da especulação c o ­ m ercial em p erío d o de excesso de oferta, deixando o controle do com ércio em m ãos oficiais. Porém , o que se realizou de fato foi um a cooperação entre o estado de São Paulo e os com erciantes estran­ geiros de café, visto que a valorização não poderia se realizar sem o respaldo financeiro destes últim os. Ao governo federal, ao gover­ n o do Rio de Janeiro e de Minas Gerais coube um a participação bas­ tante limitada e cheia de restrições. O “ sindicato de capitalistas” era form ado por Crossm an, Sielcken, Arbuckle Bros. e T heodor Wille, além de mais três com pa­ nhias do Havre, quatro de Ham burgo, dois bancos londrinos e um de Ham burgo. Esse sindicato adiantaria 80% do capital necessário à com pra do café e o governo do Estado entraria com os 20% res­ tantes. O em préstim o seria pago com juros'de 6% ao ano. A garantia do m esm o seria o café com prado durante a operação, estocado nos armazéns dos m em bros do consórcio, nos p o rto s europeus e am eri­ canos. Alguns outros em préstim os seriam feitos até 1908, m antendo sem pre o p o d e r dos negociantes sobre o estoque do café e sobre a sua com ercialização, além do controle sobre a política cafeeira, já que o Estado não poderia tom ar qualquer nova decisão acerca dessa política sem antes consultar o consórcio de capitalistas. O resultado mais im ediato e o mais visível da intervenção valorizadora foi a subida do preço do café. Este tinha perm anecido está­ vel entre 7,6 e 7,9 cents p o r libra-peso. Entre 1906/1908, passou a 13,8 cents. Porém , ao contrário do que evidenciam as aparências, o prim eiro esquem a valorizador não foi tão benéfico para a lavoura cafeeira. Vejamos as o u tra m edidas e suas conseqüências. Medida fundam ental para o esquem a valorizador foi aquela que instituiu a Caixa de C onversão.26 Ela visava estabelecer um a taxa cambial fixa com lastro-ouro. Tal taxa seria fixada em nível mais bai­ xo que o do m ercado de m o d o a atrair para si as divisas em ouro que entrassem n o país. A luta entre as frações dom inantes da ec o n o ­

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m ia agroexportadora se deu, justam ente, em to rn o d o nível em que seria fixada a taxa cam bial pela Caixa de C onversão. A lavoura rei­ vindicava com o ideal a taxa de 12 pences p o r mil-réis, o que não foi atendido. A taxa estabelecida foi de 15 pences p o r mil-réis, isto é, 25% acima do que fora exigido p o r aquela classe. Na verdade, es­ sa taxa visava conciliar interesses agrários, com erciais, industriais e financeiros com relação a um a m edida que criava tantos conflitos. Portanto, a taxa cambial estabelecida não era do total agrado da la­ voura cafeeira. O estabelecim ento de um preço m ínim o é o u tro item que tam ­ bém revela a fraqueza dessa classe e a força do capital com ercial. De fato, o nível atingido encontrou-se m uito aquém do exigido pela la­ voura. O p reço m édio m ínim o que fora estabelecido pelo C onvênio de Taubaté era de 55 a 65 francos-ouro p o r saca. Com a safra reco r­ de de 1906, o m áxim o que o plano valorizador fez nessa área foi evi­ tar um a queda drástica do preço do café, conseguindo que este fi­ casse na faixa de 41 francos-ouro a saca. O plano efetivam ente realizado tam bém não foi generoso com a lavoura no que se refere ao controle da graduação da qualidade do café. Esse controle perm aneceu nas m ãos dos com pradores do p ro d u to que, assim, detinham mais um m eio de determ inar os p re­ ços e o destino dos “ p ro d u to re s” . P ortanto, a reivindicação de um a graduação nacional da qualidade do café, sob controle nacio­ nal, contida no artigo quarto do C onvênio de Taubaté, tam bém não se realizou. As sobretaxas instituídas com a valorização já em andam ento m ostraram , p o r sua vez, que, na necessidade de onerar alguns dos participantes, os escolhidos seriam os fazendeiros. Com o os em prés­ timos se avolumavam e a única garantia era o café com prado, tornouse necessária a criação de um a o utra garantia que assegurasse o paga­ m ento do em préstim o de 3 m ilhões de libras, feito em 14 de dezem ­ b ro de 1906, ju n to aos banqueiros estrangeiros, utilizado para o p a­ gam ento dos em préstim os iniciais e para as com pras da valorização. A nova garantia foi dada pela criação de uma sobretaxa de três francoso u ro (subindo mais tarde para cinco) que deveria ser paga aos agen­ tes da Schroeder às segundas-feiras de cada semana, a partir de 17 de dezem bro de 1906. Caso a quantia arrecadada excedesse os ju­ ros, o sobrante ficaria com o governo. As sobretaxas eram pagas p e ­ los p ro d u to res (Holloway, 1978: 57-69).27

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Não havia razão, portanto, para que o grande capital não apoiasse um plano desse tipo. Ele m antinha a essência da valorização, isto é, retirar café do m ercado e estocá-lo para elevar o preço. Porém , dife­ rentem ente do C onvênio de Taubaté, era um plano que não tocava na questão do m onopólio da com ercialização do café e que m anti­ nha o preço m ínim o bastante baixo. Com o exportador, esse plano atendia plenam ente aos interesses do grande capital cafeeiro e m an­ tinha a lavoura na condição de últim a beneficiária da valorização. Segundo Sérgio Silva (1976: 69), os organism os encarregados da defesa do café, ou seja, encarregados da aplicação da valorização, da gestão dos fundos consagrados a esse fim e da liquidação dos es­ toques, eram, de fato, dirigidos pelos representantes diretos da grande burguesia cafeeira, isto é, “ dos hom ens que, sendo tam bém grandes fazendeiros, são antes de tudo banqueiros e ex p o rtad o res” . E, ainda segundo esse autor, foi essa grande burguesia cafeeira, proprietária de bancos e casas exportadoras, que reservou a si um a parte cada vez mais im portante do lucro realizado a partir da produção do café. Com o vimos, várias casas brasileiras participavam do com ércio ex p o rtad o r (vinte entre setenta), mas nenhum a delas tinha a presen ­ ça da Cia. Prado Chaves. Essa casa exportadora teve ativa participa­ ção na operação valorizadora. O seu diretor, Paulo Prado (filho de A ntonio Prado) era o representante de São Paulo no com itê de ad­ m inistração do estoque. É difícil, depois de se co nhecer as principais m edidas do plano realm ente efetivado, de se ter conhecim ento do apoio do grande ca­ pital à política de Afonso Pena, do apoio de Jorge Tibiriçá e da parti­ cipação fundam ental da Cia. Prado Chaves no esquem a valorizador, m anter a idéia de que o grande capital cafeeiro se opôs ao esquem a e que este tenha sido um a vitória da lavoura cafeeira, sendo esta a principal beneficiada. A nosso ver, portanto, na análise do esquem a valorizador, não basta analisar o histórico dos preços do café após 1906, constatar a sua ascensão e concluir a partir disso que houve um a vitória da lavoura cafeeira sobre o capital m ercantil. Nem basta dizer que a va­ lorização garantiu à lavoura um a boa m argem de lucros. Mais do que isso, é preciso analisar o esquem a valorizador glo­ balm ente para perceber que nele as principais reivindicações da la­ voura não foram atendidas. Ao contrário, a ela coube um a posição com pletam ente subordinada no esquem a, além do peso das sobre­

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taxas. Os grandes lucros de fato couberam aos exportadores que, com o controle e a retenção dos estoques, conseguiram que o preço su­ bisse nos países consum idores e, ao m esm o tem po, im puseram um preço m ínim o bastante baixo ao cafeicultor.

2.3 A segunda valorização do café Na bibliografia sobre o p eríodo, o segundo esquem a valorizador (1917/1918), realizado na presidência W enceslau Brás (1914/1918), é o m enos estudado ou sobre o qual as referências são bastante passa­ geiras. A razão reside, talvez, n o fato de não envolver interesses tão diversos quanto o prim eiro, em função de ter o co rrid o num p eríodo peculiar que foi a Prim eira G uerra Mundial. ■>— A necessidade da segunda valorização surgiu a partir da entrada dos Estados Unidos no conflito e do bloqueio naval da Europa que, p o r serem am bos os nossos m aiores com pradores, ocasionaram a re­ dução das exportações nacionais no período, levando à acum ulação de estoques n o s p ortos brasileiros. Com a safra de 1917/1918 atin­ gindo 15 m ilhões de sacas, os estoques em Santos chegaram a 6 m i­ lhões, co ntra apenas 1 m ilhão em 1916. Dada a acum ulação dos estoques e a queda da dem anda — que levaram o p reço da saca de café de 3,07 libras-ouro, em 1913, para 1,88 em 1915 — , o governo resolveu iniciar nova operação valorizadora. Porém , devido à im possibilidade de se reco rrer ao crédito externo, em função da guerra, recorreu-se às emissões. Em aaosto de 1917. o governo autorizou a emissão de paoelm oeda em até 300 mil contos, dos quais 100 mil foram obtidos pelo êsíãdõ d e São Paulo sem juros, o que com prova o peso da cafeiculTura paulista na econom ia nacional. Pela prim eira vez, desde o Enci­ lham ento, rom pia-se a política o rto d o x a de contenção das em issões e do gasto público para garantir o valor da m oeda e era autorizada a em issão sem lastro. Através dessa m edida, que só podia ser tom a­ da em nível federal, São Paulo e a União uniram -se nessa nova o p e­ ração de sustentação do preco d o café_— São Paulo adquiriu cerca de 3,1 m ilhões de sacas até julho de 1918 pelo C om ind (banco p erten cen te ao grande capital cafeeiro), com prando, com a ajuda da União, o excedente e, assim, acum ulan­

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do estoques para sustentar o preço do café durante a guerra. Com isso, a alta das cotações com eçou já a partir do segundo sem estre de 1918; 2,17 libras-ouro p o r saca em 1917; 2,55 em 1918 e 5,10 em 1919 (Kugelmas, 1986: 165)No final da guerra, São Paulo estava com a m etade dos estoques mundiais, enquanto as reservas dos principais consum idores estavam baixas. Os preços no m ercado interno passaram de 47$390, em 1918, para 9 4 $ 6 l2 em 1919. O estado conseguiu um lucro de 4 m ilhões de libras em quatro anos de valorização. Os fazendeiros, p o r sua vez, obtiveram lucros de 130%, podendo chegar até 400% (Vilardo, 1986: 123-130). Na verdade, mais do que o p ró p rio esquem a valorizador, a forte geada de 1918, que arruinou grandes plantações, foi a grande responsável pela queda da oferta e pelo aum ento dos preços. T anto a prim eira com o a segunda valorização tentaram susten­ tar o p reço do café através da retenção da oferta. O fato de a segun­ da ter se realizado através da em issão de papel-m oeda se deve às p e ­ culiaridades do m om ento. T anto é que, já na terceira valorização, o recurso aos em préstim os externos foi novam ente utilizado, o que m ostra que o eixo da nossa política cambial, isto é, a busca da valo­ rização da m oeda, era incom patível com o uso indiscrim inado das emissões. As afirmações sobre a segunda valorização são, com o já disse­ m os, bastante restritas e inconclusivas. Se, p o r um lado, tem os as afirm ações de Vilardo (1986) acerca dos preços finais e lucros dos fazendeiros, p o r outro lado, tem os as afirm ações de Boris Fausto (1985: 230), para quem este esquem a, apesar da retórica, resultou em benefícios apenas para o estado de São Paulo, para a União e aos agentes de com pra. Para os “p ro d u to re s” , os resultados teriam sido m uito reduzidos e a geada de 1918, ao m esm o tem po em que favo­ receu o Estado com o d eten to r de estoques, prejudicou os fazen­ deiros. De qualquer m odo, a segunda valorização, pela situação de ex ­ ceção em que se deu, não po d e ser tom ada com o padrão seguido nas intervenções valorizadoras. Os em préstim os externos e o m o ­ nopólio privado dos estoques e do com ércio de café eram, nesses esquem as, a norm a usual e não as em issões e o m onopólio oficial dos estoques.

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2.4 A terceira valorização do café O período do pós-guerra trouxe condições que im puseram um a nova operação valorizadora (1921/1923). Reinava a especulação co ­ mercial. Os com erciantes das praças estrangeiras efetuavam um n ú ­ m ero de vendas a term o superior ao que poderia realm ente ser c o ­ berto com a m ercadoria para provocar a queda dos preços. Por exem ­ plo, em 1919, foi realizado um total de operações de com pra e v en ­ da sobre 26 m ilhões de sacas, quando a colheita, em função da gea­ da de 1918, fora em to rn o de apenas nove m ilhões. Vários interm e­ diários, corretores etc., controlavam o m ovim ento das Bolsas de San­ tos, São Paulo e da Registradora de Santos. Ao lado da especulação com ercial que visava em purrar os p re ­ ços para baixo, o com ércio externo de café sofreu grave crise com o abalo das econom ias centrais, sobretudo a dos Estados Unidos, que era o nosso m aior com prador. Paralelam ente à violenta queda da d e­ m anda causada pela crise am ericana (1921), surgia a expectativa de mais um a safra volum osa para o ano cafeeiro de 1920/1921. Para aum entar ainda mais a fragilidade dos produtores face à crise e ao jogo especulativo, perm anecia m uito precária a organização ban­ cária nacional, com sua reduzida capacidade para financiar a p ro d u ­ ção cafeeira e a estocagem . Ainda nos anos 20, os bancos nacionais só forneciam em préstim o de curto prazo. Nessas circunstâncias, com o era de se esperar, os fazendeiros pressionaram o Estado p o r mais um esquem a valorizador, com vis­ tas a assegurar condições propícias ao processo de acum ulação, isto é, com vistas a m anter a taxa de lucro p o r via da sustentação do p re ­ ço. Para isso, reivindicaram a criação de um banco central de em is­ são e redesconto. Tal reivindicação fez com que o terceiro esquem a valorizador tivesse o seu início m arcado pelo debate entre os “ em issionistas” e aqueles que defendiam a utilização do crédito externo. Os prim ei­ ros, na ausência deste devido à crise internacional, sugeriram a p rá­ tica da emissão que havia sido utilizada na valorização anterior. O m otivo principal dessa proposta, além de superar a escassez de cré­ dito, era dar m aior autonom ia ao Estado nacional, dim inuindo a sua d ependência diante do capital financeiro internacional. Para os fa­ zendeiros, a principal razão residia n o fato de as em issões tirarem o p o d er das casas exportadoras e dos bancos, visto que eles não mais

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financiariam e, conseqüentem ente, não mais controlariam o esque­ ma valorizador. Lembre-se ainda que as em issões acabariam com as exigências de sobretaxas para garantirem os em préstim os externos, além, é claro, de um a possível inflação que aum entaria a sua rem u­ neração em mil-réis. Aqueles que criticavam o esquem a com base em emissões tinham com o arm a os velhos argum entos, ou seja, de que ela causaria infla­ ção e desvalorização cambial, além de nos desacreditar diante da co ­ m unidade financeira internacional. Nesse debate o que percebem os são os m esm os interesses da lavoura e do grande capital em luta. A lavoura querendo se livrar dos exportadores, dos im postos e aum entar a sua renda; o grande capi­ tal lutando para m anter rentáveis os seus em preendim entos, d ese­ jando afastar a desvalorização cambial, q uerendo evitar o m o n o p ó ­ lio oficial do grão. R epresentante dessa segunda corrente, A ntonio Carlos de A ndrade p ro p õ e um substitutivo ao projeto em issionista, pelo qual o Congresso contrairia um em préstim o de 300 mil contos para a com pra do café. A princípio venceu a corrente pró-em issão, com patível com os interesses da lavoura, cuja vitória se expressou no decreto do presi­ dente Epitácio Pessoa, em novem bro de 1920, que autorizava a im ­ plantação da operação de valorização financiada pela Carteira de Emis­ são e R edesconto do Banco do Brasil. Essa instituição buscava o au­ m ento da oferta de m oeda através do desconto de títulos e da garantia-ouro inferior às emissões. As operações de com pra foram iniciadas em m arço de 1921. No final do m esm o mês, cerca de 4,5 m ilhões de sacas de café já haviam sido retiradas do m ercado. Com isso, o preço do café tipo "Rio 7", no m esm o ano de 1921, passava, em Nova Iorque, de 6,4 cents a libra-peso para 8 cents. Essa intervenção federal rendeu 77 m ilhões de dólares ou um lucro de 130 mil contos. T udo parecia ir de acordo com os desejos da lavoura. Porem , em m aio de 1922, o governo federal, que antes aprovara o projeto de emissão, contraiu um em préstim o de 9 m ilhões de libras esterli­ nas com os banqueiros ingleses Rotschild, Schroeder e Baring Bros. As cláusulas desse em préstim o feriam gravem ente o s interesses dos fazendeiros d ê~ cãíe^T p õ n an to , representavam claram ente um re cuo~fãce àslxm quístas alcançadas até então. O esquem a passou a funcionar da seguinte maneira: o governo cedia os 14,5 m ilhões de sacas que havia retirado entre o inicio e

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o fim de m arço de 1921, isto é, as mesmas sacas que serviriam, mais adiante, com o base financeira da defesa perm anente. Foi form ado um com itê com a presença de representantes dos banqueiros inter­ nacionais. um o u tro do Brazilian W arrant and Co. e urn do governo brasileiro. Mais um a vez, a associação entre o Estado e os b an q u e i­ ros internacionais passaria a ter o controle sobre a liquidação dos estoques. Ou seja, mais um a vez os fazendeiros, que queriam o m o ­ nopólio estatal do estoque e com ércio, seriam derrotados. Constava ainda no acordo para o em préstim o que o resultado da venda desses estoques ficaria retido no com itê até o ano de 1932, data de vencim ento do em préstim o. O saldo político foi deficitário para o governo brasileiro e positivo para os que financiaram a valo­ rização. O Estado ficou proibido, mais uma vez, de realizar novas intervenções no m ercado cafeeiro sem a autorização expressa da Bra­ zilian W arrant ou do comitê. A justificativa para a realização do em préstim o era de que o go­ verno não mais queria lançar m ão das emissões de papel-m oeda sem lastro. Além disso, a carteira de redesconto não poderia mais forne­ cer dinheiro para o esquem a quando as com pras do café atingissem o valor de 270 mil contos de réis. Para não suspender a operação, segundo o governo, foi preciso apelar para o crédito externo (Vilardo, 1986: 135-147). Além dos encargos acima citados, um novo esquem a de finan­ ciam ento bastante prejudicial a alguns interesses dom inantes inter­ nos foi criado. Os fazendeiros entregavam o café e a carteira emitia a quantia correspondente. Esta última entregava o café ao Estado cuja venda serviria para criar lastro para o em préstim o. O lastro seria da­ do pelas letras do café emitidas pelos bancos estrangeiros e que iriam para o Brasil na m edida em que o café fosse sendo vendido. Assim, a carteira resgataria o papel em itido, evitando a desvalorização da m oeda. Porém , essas letras-ouro não entravam no nosso m ercado. Das m ãos do com itê da valorização em Londres elas passavam, de acordo com os contratos, para as m ãos dos banqueiros que haviam co ncedido os em préstim os. Com o se percebe, foi só passar o período de anorm alidade da guerra que o esquem a valorizador voltou a sua característica inicial, isto é, todo p o d er às casas exportadoras e aos bancos internacionais. Nela não se realizou plenam ente o sonho das em issões nem, m uito m enos. o sonho do m onopólio oficial do com ércio cafeeiro, Essas

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duas propostas típicas da lavoura foram mais um a vez rechaçadas e no seu lugar m antido o dom ínio do capital comercial.

2.5 A defesa perm anente Os esquem as valorizadores tinham se revelado um claro suces­ so no que se referia à elevação do preço do café. A partir deles com eçou-se a cogitar a possibilidade de estabelecer-se m ecanism os que garantissem de form a perm anente, e não apenas esporádica, o am paro aos preços do café. Em função disso e da perm anência da especulação com ercial, o presidente Epitácio Pessoa, em 17 de outubro de 1921, enviou m en­ sagem ao Congresso ped in d o a defesa perm anente do café, D iscor­ ren d o sobre a im portância desse p ro d u to para a econom ia nacional e sobre a escassez de recursos para esse setor, p ro punha o presid en ­ te a form ação de um C onselho de Defesa Perm anente do Café, argu­ m entando que a insuficiência de nossa organização bancária to rn a­ va precária a situação dos produtores. O conselho deveria operar com um capital inicial de 300 mil con­ tos, destinados a em préstim os aos p rodutores e à com pra do café a fim de regularizar a oferta, além de financiar a propaganda no ex te­ rior. O capital inicial de 300 mil contos seria constituído pelos lu ­ cros advindos das operações de valorização, em especial da terceira, e tam bém p o r em issões de papel-m oeda sobre lastro-ouro e lastro café. Seria tam bém função do conselho regular a entrada da safra nos dois portos, do Rio de Janeiro e de Santos, represando parte dela no interior através dos armazéns reguladores. O objetivo era im p e­ dir o afluxo de grandes quantidades de café aos portos, num m esm o período, evitando, assim, as especulações baixistas. Esse projeto inicial da defesa perm anente tinha algumas diferen­ ças com outros esquem as valorizadores. Nele o fazendeiro passaria a controlar o próprio café, visto que a estocagem seria garantida e a form ação dos estoques estaria sob seu controle. A eles, portanto, caberia a apropriação dos lucros advindos da venda dos estoques. Em junho de 1922, o projeto foi aprovado pela Câmara Federal. No final de 1921 e início de 1922, dois projetos de emissão haviam sido aprovados, o prim eiro para financiar a terceira valorização, ain ­ da em curso, e o segundo para im plantar a defesa perm anente.

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Porém , antes que o Senado sancionasse a lei que a criava, os ban cos ingleses autorizaram um em préstim o de 9 m ilhões de libras que fora, com o vimos, solicitado p o r Epitácio Pessoa para financiar a ter­ ceira valorização. Esse em préstim o, pelas suas cláusulas, im pedia a emissão de papel-m oeda. Além disso, o lucro das vendas dos esto­ ques ficaria sob controle dos banqueiros. Portanto, as em issões e os fundos da terceira valorização, as bases financeiras da defesa perm a­ nente, não poderiam ser utilizados. O novo esquem a nascia m orto pela carência de recursos. O Instituto de Defesa P erm anente perm a­ neceu letra m orta até a com pleta liquidação da terceira valorização. Em 1922, foi eleito presidente o m ineiro Artur Bernardes. O n o ­ vo presidente deu continuidade à terceira valorização. Com relação à defesa perm anente, realizou apenas a parte relativa à construção dos armazéns reguladores junto aos entroncam entos das estradas de ferro. No seu governo surgiu novam ente o debate entre os “ emissionistas” e seus adversários. Estes últimos, com o já dissemos, não eram contra a defesa, mas contra utilizar a recém-criada capacidade de emis­ são do Banco do Brasil para esse fim, pelos m otivos já expostos aqui. Artur Bernardes tendia a concordar com essa posição, o que se ex­ plica, sobretudo, se levarm os em conta a crise cambial e m onetária no início do seu governo, que o levou a adotar um a política co n tracionista (Silva, L., 1976: 82-85). Além disso, a fragilidade do nosso sistem a bancário, isto é, a au­ sência de fontes adequadas de crédito à lavoura cafeeira, colocou todo o ônus da retenção do café nas costas dos fazendeiros. Estes, por sua vez, passaram a pressionar o governo federal para que os encar­ gos da defesa perm anente fossem transferidos para o estado de São Paulo.-8 Em 1924, o em préstim o relativo à terceira valorização já fora pago devido às condições favoráveis do m ercado cafeeiro. Isso pos­ sibilitou ao governo livrar-se das exigências do com itê de valoriza­ ção e readquirir a liberdade de ação com relação à política cafeeira, antes tolhida pelo contrato. Em n ovem bro do m esm o ano, p o r decreto federal, foi transfe­ rida para as m ãos do governo paulista a responsabilidade pela defesa perm anente. Os armazéns reguladores foram transferidos a preço de custo ao governo estadual e, em dezem bro de 1924, criou-se o Insti­ tuto Paulista de Defesa Perm anente do Café, depois cham ado de Ins­ tituto do Café. Desde logo, para o financiam ento da defesa em São

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Paulo, o expediente do em préstim o externo foi o escolhido.29 Para tanto, mais um a vez, foi criada um a taxa de 1 mil-réis sobre cada sa­ ca de café que transitasse pelo estado. Tal taxa serviria de garantia a um em préstim o externo que seria o fundo da defesa perm anente d o café. Os fazendeiros, isto é, a lavoura, discordaram da criação dessa nova taxa. Alegaram, o que era verdade, que já vinham sendo o n era­ dos com um a carga tributária excessiva, com os 9% do im posto de exportação e a taxa de 5 francos-ouro, im posta em 1906 e ainda vi­ gente. Criticavam tam bém a realização da defesa perm anente com base em em préstim os externos, causa das taxas e mais taxas, e rei­ vindicavam a política emissionista. Porém, conhecendo a urgente n e­ cessidade de fundos para dar continuidade ao plano e diante da im ­ possibilidade de emitir, os produtores “aceitaram” mais esse encargo. Com o dissem os, a defesa perm anente guardou algumas diferen­ ças com os outros esquem as valorizadores. Uma delas, a mais im­ portante, foi o novo circuito de financiam ento que se estabeleceu. Nessa nova forma, o fazendeiro depositava o café nos arm azéns e recebia um “ conhecim ento de depósito de café” . Ele levava ao b an ­ co esse d o cum ento e recebia um em préstim o, não mais a curto p ra­ zo, mas um em préstim o especial para a cafeicultura. Os bancos, p o r sua vez, iam ao Instituto do Café que lhes entregava o equivalente àquele d o cum ento para que pudessem financiar outros fazendeiros e receber novos juros. Era, sem dúvida, mais vantajoso para a lavou­ ra que os outros esquemas. Porém , parece que os procedim entos não eram do total agrado dessa classe, pois, com o nos inform a Pierre Mombeig, o Banco Paulista de Crédito Agrícola, responsável pelo res­ sarcim ento ao p ro d u to r cuja m ercadoria ficava armazenada, efetua­ va adiantam entos de n o m áxim o 50% do valor da colheita entregue aos armazéns. Lembre-se que os fazendeiros deviam ainda arcar com a pesada taxa de m il-réis-ouro p o r saca (Mombeig, 1984: 115).30 A fraqueza da lavoura se revela ainda mais claram ente na rees­ truturação sofrida pelo Instituto do Café, em o utubro de 1926. Nes­ sa reestruturação, as funções executivas foram separadas das funções consultivas. O secretário da Fazenda passou a ter a direção suprem a do instituto. Foi criado um conselho consultivo, com atribuições fis­ cais, sob a presidência do m esm o, com o secretário da Agricultura na vice-presidência e mais três m em bros indicados pelo presidente do estado.

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Várias sociedades agrícolas e a Associação Com ercial de Santos protestaram co n tra tal reform ulação, visto que na estrutura anterior elas indicavam três m em bros. Na nova organização, seus rep resen ­ tantes não mais participariam das funções executivas. Nesse m o m en ­ to, o controle do instituto estava nas m ãos do Estado, vale dizer, nas m ãos do PRP, que, com o já dissem os, não era o representante ideal dos interesses da lavoura. Em dezem bro de 1929, preocupados com a crise, os lavradores organizaram um congresso convocado pela Liga Agrícola Brasileira, associação vinculada à lavoura, e teceram críticas à política de valori­ zação, ped in d o a m anutenção d o preço do p ro d u to e um controle m aior, isto é, um a representação eficiente p o r parte dos fazendeiros na direção do instituto (Prado, 1986: 144). O Instituto do Café tinha essa particularidade: fora criado para a “ defesa da lavoura” m as não era dirigido p o r lavradores e sim p o r interesses contrários aos deles. Assim, as conseqüências da defesa perm anente para a lavoura parecem claras. Ela se o p u n h a às bases sobre as quais a operação se deu, isto é, as novas taxas, os em préstim os externos e a sua fraca representação na direção do instituto. Com o se percebe, ainda na década de 1920 perm anecia um a não-identidade entre lavoura ca­ feeira e governo do Estado. Do m esm o m odo que as outras valorizações, sob retu d o a pri­ m eira e a terceira, a lavoura o cu p o u nessa nova operação um a posi­ ção subordinada aos interesses distantes da produção, revelando es­ tar ela bem longe de exercer a hegem onia no interior do bloco no p o d er da econom ia agroexportadora. -—— As desastrosas conseqüências da defesa perm anente são bastan­ te conhecidas. Os preços m antidos num nível alto estim ularam mais e mais a p ro d u ção e, com isso, aum entaram desm esuradam ente os estoques. Além disso, essa política aum entou a concorrência com o u ­ tros países exportadores favorecidos pela m anutenção dos altos p re­ ços. T udo isso encerrava um círculo vicioso, em que os estoques au­ m entavam os preços que aum entavam a produção o que im punha, p o r sua vez, o aum ento dos estoques. Não dem orou para que se for­ massem estoques sem qualquer viabilidade econôm ica a curto pra­ zo. Com o crack da bolsa de Nova Iorque em 1929, houve um a b ru ­ tal queda da dem anda, fazendo com que os preços caíssem im edia­ tam ente em 30% . Os estoques perderam o valor e os fazendeiros ficaram sem dinheiro para pagar os em préstim os recebidos.31

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2.6 A questão do crédito agrícola Além da m onopolização oficial do grão, um a reivindicação típi­ ca da lavoura que tam bém não se realizou, não só nos esquem as valorizadores, mas durante todo o prim eiro período republicano, foi a formulação e realização de um a política de crédito agrícola. De 1889 a 1930, a lavoura se debateu contra o dom ínio, no nível das relações econôm icas, da burguesia m ercantil. No que se refere à questão do crédito, já vim os com o esse dom ínio se dava através da especulação com ercial. M ostrarem os, então, que, de fato, à reivindicação co n s­ tante p o r um a política creditícia eficaz p o r parte da lavoura corres­ p o n d eu um a ausência sistem ática de tal política. Com o já dissem os várias vezes, a organização bancária do Brasil no p eríodo era extrem am ente precária. Os bancos estrangeiros, p o r sua vez, jamais olhavam sequer para a produção, preferindo sem pre atuar no setor da especulação com ercial. Os vários bancos de cus­ teio rural surgidos, sobretudo, no interior do estado, nunca dura­ ram m uito. Havia m uitos deles nos anos 90, mas a crise bancária de 1901 praticam ente elim inou-os. Com o nos inform am Mello e Saes, eles participavam no m áxim o com 1 % ou 2 % do total de depósitos do sistema creditício (1985: 336). Nessas condições, com um a oferta de crédito tão restrita, o ca­ pital era caríssimo e, justam ente p o r ser escasso, não poderia ficar im obilizado a longo prazo. Essa escassez de crédito agrícola perm i­ tia ao com issário exercer a função bancária a qual já nos referim os. T anto é que, em 1906, um senador p o r São Paulo afirmava que os processos com erciais eram idênticos aos de quarenta anos atrás: c o ­ missários recebendo vantagem sobre o café vendido e fornecendo, com o banqueiros, dinheiro para o custeio das fazendas (Holloway, 1978: 19). Assim, com o afirmamos anteriorm ente, se os comissários são ex­ pulsos da sua função de interm ediário com ercial pela concorrência das casas exportadoras, eles perm anecem , contudo, nas suas funções bancárias, justam ente em função da precariedade do nosso sistem a creditício. Porém, o fornecim ento de crédito por parte dos comissários não era, nem de longe, algo que pudesse substituir um a política credití­ cia eficaz. Sendo um sistem a de crédito baseado mais em relações pessoais do que relações legais, era difícil que ele funcionasse fora de

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um a situação em que os preços do café estivessem elevados, com câm bio estável e boas colheitas. Tornava-se m uito perigoso em pres­ tar dinheiro em época de superprodução e crise de preços, ou seja, justam ente em épocas em que o crédito era ainda mais necessário. Fazê-lo era correr o risco de não ser pago p o r fazendeiros inadim ­ plentes. Criticando a dependência da lavoura com relação a esse frá­ gil sistem a de crédito e reivindicando a criação de bancos de crédi­ to, dizia o D iá rio P opular de São Paulo.Os preços d o café sen d o altos, co m o são, o crédito é fácil com o com issário ou m esm o com o capitalista. Am anhã, se os preços baixarem , com o é possível em conseqüência d o aum ento da oferta, p o rq u e a quantidade produzida p o d erá ser m uito m aior, o crédito desaparecerá e ficará claro que um b an co em cada locali­ dade representará mais um papel im portantíssim o (a p u d Saes, 1981b: 251-252).

P ortanto, em m om entos de crise observava-se a incapacidade das formas existentes de crédito satisfazerem as necessidades da agri­ cultura. A crise de 1900 e 1905, que levou m uitos fazendeiros à ruí­ na, foi tam bém um forte golpe no sistem a creditício que tinha p o r base os comissários. A p ro p o sta de criação de um estabelecim ento de crédito em ca­ da localidade, enunciada na citação acima, não se concretizou. Os bancos deveriam form ar o seu capital e fornecer crédito com base n o dinheiro dos im igrantes neles depositado. Com o garantia, os fa­ zendeiros dariam a própria safra, o b ten d o recursos em proporção ao valor do café entregue em caução. Porém , o m odo com o se d e­ senvolveu o sistema bancário revela que os recursos dos colonos não eram tão elevados a p o n to de constituírem um fundo significativo, e que a garantia com base no p ro d u to não era tão atrativa aos esta­ belecim entos bancários. Várias outras propostas surgiram para superar a escassez de cré­ dito. Em 1895, foi elaborado um projeto com o objetivo de criar ban­ cos para auxiliar as indústrias agrícola, pastoril e similares. Os b an ­ cos deveriam funcionar com um contrato com o governo e p o d e ­ riam em itir letras hipotecárias além de fazer em préstim os sobre hi­ potecas de im óveis rurais ou urbanos, ou ainda sob penhor. No en ­ tanto, os em préstim os não poderiam ultrapassar 50% do valor do im óvel rural, 75% do im óvel urbano e 40% n o caso de m óveis, sem oventes ou frutos pendentes. Dessa vez a proposta não parecia van­ tajosa à lavoura.

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Em 1897 foi a vez da Associação Com ercial do Rio de Janeiro elaborar um projeto. Ela enviou ao Congresso Nacional um a re p re­ sentação com um p rojeto visando constituir sociedades cooperati­ vas para fornecer em préstim os p o r hipoteca, p o r p en h o r agrícola, p o r letras agrícolas, p o r conta corrente, com garantias e ainda p o r caução de títulos da dívida pública. Tam bém esse projeto não resul­ tou em nada. Um p ro jeto de deputados paulistas (Alfredo Ellis e outros), e n ­ viado ao Congresso em 1902, p ro p u n h a a autorização do p o d er executivo para garantir juros de 6% a 8% ao ano sobre o capital de 100.000:000$, pelo prazo de vinte anos. Os bancos nacionais e estrangeiros operariam em benefício das lavouras de café e cana, m ediante juros de 10% ao ano, sobre hipoteca e com prazo lim ita­ do de cinco anos. A com issão encarregada de exam inar o projeto recusou-se, alegando ser o juro de 10% excessivo e exigiu em prés­ tim os a longo prazo e com juros mais baixos. Além disso, criticou as garantias de 6% a 8% de juros ao ano pelo Estado, alegando que sangrariam os cofres públicos e levariam à ineficiência (Saes, 1981b: 250-253). Em 1903, um m em bro do Congresso criticou o Banco de Cré­ dito Real de São Paulo, dizendo que ele “ não podia prestar senão auxílios m uito precários” (Saes, 1981b: 252). O governo Afonso Pena (1906/1910) ten to u construir um b an ­ co hipotecário federal. O Congresso chegou a aprovar os estatutos desse banco, mas ele nunca foi criado. O Banco do Brasil conseguia suprir os financiam entos de curto prazo para a agricultura, mas não dispunha de recursos suficientes para sanear as constantes dificuldades do setor. São Paulo e Minas Gerais tam bém ensaiaram as suas tentativas, mas os seus recursos nunca foram suficientes. Em 1923, no governo de Artur Bernardes, o Congresso co n c e­ deu ao Banco do Brasil o m onopólio das em issões. Essa concessão fazia parte de um a reform a bancária que autorizou a criação do Ban­ co Nacional H ipotecário. Apesar da oposição dos m ineiros, os pau­ listas conseguiram aprovar um a lei que m andava o Tesouro investir 50 mil contos na nova instituição. A reform a perm itia ainda que a instituição lançasse letras hipotecárias no valor de até 1 m ilhão de contos, para serem em prestadas à agricultura, à indústria, às ferro ­ vias e à m ineração. O banco deveria ser presidido pelo presidente

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do Banco do Brasil. Os outros cinco m em bros da diretoria seriam escolhidos pelo p residente da República. Porém , o Banco do Brasil não teve a atuação desejada e o Banco H ipotecário nem sequer ch e­ gou a ser criado. O presidente Artur B ernardes preferiu lutar contra a depreciação do mil-réis, em vez de com bater a recessão e a falta de crédito (Topik, 1987: 61). Assim, na década de 1920 um a das prin­ cipais reivindicações da lavoura continuou a ser a criação de um ban­ co de crédito agrícola que oferecesse um sistem a eficaz de conces­ são de crédito. Em resum o, a situação do crédito era a seguinte: a m aioria dos em préstim os feita só a curto prazo, ausência de em prés­ tim os para a pro d u ção, capital escasso demais para ser im obilizado a longo prazo e ausência sistem ática de um a política creditícia que sanasse essa situação. A ausência constante do crédito, pela im portância que ele re­ presentava para a produção, foi tem a de várias plataform as dos can­ didatos ao governo de São Paulo. Com o vimos, as prom essas não saíram do âm bito da retórica,32 mas os discursos eleitorais revelam, sem dúvida, a im portância do assunto. Apesar de cansativo, pensa­ m os ser interessante reproduzi-los aqui, a título de com provação da­ quilo que afirmamos. A lbuquerque Lins, quando escolhido candidato pelo PRP, em 25 de janeiro de 1908, dizia o seguinte: É lacuna sem pre a lam entar que até agora não tenha sido possível instituir o cré­ dito agrícola entre nós, apesar das facilidades e dos fatores que em lei têm sido propostas, e a despeito do e m p en h o com que tem sido tentada a realização des­ te d e sid era tu .33

Rodolfo Miranda, candidato pelo PRC, em 24 de fevereiro de 1912, fez as seguintes prom essas: Esperam os beneficiar ainda a nossa lavoura esforçando-nos para a redução das tarifas férreas e de cabotagem para o tran sp o rte do café e demais gêneros no Estado; e im prim indo um câm bio mais prático, mais benéfico na constituição do crédito agrícola e hipotecário, em ord em a que as aspirações legítim as da g ra n d e lavoura sejam consultadas mais de p erto e mais de p ro n to atendidas (ênfase nossa).

Altino Arantes, p o r sua vez, em 8 de janeiro de 1916, discorre sobre o aparecim ento e declínio dos bancos de custeio rural que fo­ ram levados à ruína.

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É de desejar, entretanto, que — conhecidas agora as falhas da organização ensaia­ da e as causas de seu m alogro — , um a o u tra venha substituir, d en tro em breve, com os necessários elem entos de viabilidade e de resistência. Para tanto não lhe havia de faltar p ro teç ão oficial; e de b om grado deveria ela abranger tam bém o Instituto de C rédito H ipotecário ora existente, se — d e scobrindo o seu capital e fundando agências o u sucursais em todos os centros agrícolas do Estado — fos­ se ele p ró p rio levar às classes pro d u to ras o co n fo rto pecuniário, que garante a sua tranqüilidade e favorece a sua expansão. A esse m esm o instituto ou ou tro c o n ­ gênere incum biria, co ncom itantem ente, d otar os nossos m ercados e x p o rta d o ­ res com recursos m onetários que lhes perm itissem , em m om ento dado, resistir vitoriosam ente às m anobras dos especuladores, graduando a oferta dos p ro d u ­ tos n o sentido de sustentar-lhes um preço eqüitativam ente com pensador.

W ashington Luís propunha, em 25 de janeiro de 1910, instituir um ban co central c om capital a dequado e faculdade de emissão, para red esco n ­ tos, o p eran d o com bancos regionais de d escontos e depósitos que se entrelaçam com agências postas p o r toda parte, onde haja um a transação legítima a valizar, fará o d inheiro circular sem em baraço, estabelecerá o crédito, desenvolverá o país...

E, finalm ente, Carlos de Cam pos propunha, em 20 de janeiro de 1924, a organização do crédito agrícola, tanto hipotecário com o penhorativo, servin­ do em préstim os a longo e a cu rto prazo, com juros razoáveis destinados, aque­ les à conservação e à m elhoria das situações e estes aos mais p rem entes dispêndios de custeio e “ w arrantagem ” da produção.

Na m edida em que a lavoura cafeeira era parte integrante do PRP, é com preensível a presença da questão creditícia, tão cara àquela fra­ ção, nas plataform as dos candidatos do PRP ao governo do estado de São Paulo. Porém , com o vimos, tais prom essas não saíram dos discursos eleitorais. As plataform as desses candidatos, que recobrem o período de 1908 a 1924, revelam claram ente a ausência crônica de um a política creditícia oficial e eficaz, que tanto beneficiaria a lavoura. Paralelamen­ te, revelam tam bém a fra q u e za política dessa classe que ja m a is logrou im p o r a su a realização, perm anecendo, p o r isso, suas constantes re­ clamações e as freqüentes prom essas dos candidatos. Portanto, a ques­ tão do crédito agrícola na Primeira República constituiu-se naquilo que na Ciência Política ficou co nhecido com o um a não-decisão, isto é, a elim inação ou obstrução perm anente de um a reivindicação que se constitui num a ameaça aos interesses dos que tom am as decisões. Assim

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com o o poder, a hegem onia tem tam bém a su rfa c e n e g a tiva , isto é, a capacidade de im pedir que determ inadas decisões sejam tom adas. A quem , de fato, interessava esse “ d escuido” p o r parte dos go­ vernantes? Já nos referim os anteriorm ente à relação entre a ausência de crédito agrícola a longo prazo e a especulação com ercial, isto é, à posição subordinada da lavoura — em situação difícil p o r não ter condições de financiar a estocagem de sua colheita, tendo, p o r isso, de ven d er a sua safra rápido e barato — diante das casas ex p o rtad o ­ ras. Ora, a reiteração da precariedade creditícia significava, ao m es­ m o tem po, a rep ro dução dessa subordinação da lavoura aos exporta­ dores e, portan to , a reiteração do p o d e r destes na determ inação do p reço do p ro d u to a ser com prado diretam ente dos produtores. Em suma, significava a reprodução da tutela com ercial sobre a lavoura. Ao grande capital cafeeiro, ao contrário, pouco im portava essa “ falha” na política governam ental. Com o vimos, além de fazendei­ ros eram ex p o rtadores — ocupando a posição privilegiada referida acima — e banqueiros. Seus m em bros participavam diretam ente da direção de vários bancos e tinham , portanto, fácil acesso ao crédito através de relações pessoais. Tinham , assim, um a grande capacidade de autofinanciam ento, p o d en d o suportar as crises de preço e os gas­ tos com estocagem . Em suma, a lavoura não tinha, nem de longe, a resistência financeira do grande capital cafeeiro. Fica claro, portanto, a quem a situação precária do sistem a de crédito favorecia e a quem ela prejudicava. Enquanto o grande capi­ tal tinha capacidade de autofinanciam ento, p o d en d o enfrentar as di­ ficuldades da econom ia cafeeira, a lavoura, p o r sua vez, via-se com ­ pletam ente desprotegida, sem condições de enfrentar crises de p re­ ços e subm etida à especulação com ercial. Se, p o r um lado, podem os inferir a partir da persistente ausência de crédito a fraqueza política da lavoura, p o r o utro lado, p odem os tam bém deduzir desse fato a força política do grande capital cafeeiro que conseguia, assim, p er­ p etuar a dom inação m ercantil sobre a pro d u ção .34

3. O GRANDE CAPITAL CAFEEIRO E A LAVOURA COM O FRAÇÕES AUTÔNOM AS DE CLASSE Como já dissemos na Introdução, um a classe social se define não apenas pelo seu lugar ocupado na divisão social do trabalho, mas tam­

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bém pela sua posição na luta de classes inerente a essa divisão. Na luta de classes, as classes ou frações autônom as se m anifestam políti­ ca e ideologicam ente. Mais ainda, manifestam-se nos níveis político e ideológico de form a específica, isto é, através de efeitos p e r tin e n ­ tes. No nível político podem os detectar as formas de representação de classe, os partidos políticos e o próprio regim e político com o for­ mas de efeito pertinente; no nível ideológico, a luta ideológica de classes nos revela tais efeitos. A partir de agora a nossa atenção concentra-se na busca de efei­ tos pertinentes que nos perm itam definir de form a mais sistem ática o grande capital e a lavoura com o fra çõ es a u tô n o m a s de classe.

3.1 O grande capital cafeeiro com o fração autônoma: o apa­ recim ento do Estado federativo e sua consolidação 3-1.1 O avanço p a u lista e a Federação É fato incontestável que o grande capital m ercantil exportador não logrou atingir, no perío d o em questão, um a existência nacional. Ao contrário, o início de sua constituição, o seu desenvolvim ento e sua consolidação foi um processo de afirmação dessa fração de clas­ se com o um a fração regional. A sua existência geograficamente limitada pode ser explicada co ­ m o conseqüência natural da perm anente especialização da e c o n o ­ mia agroexportadora nacional na produção de café. Especialização que foi acom panhada de um a concentração da econom ia cafeeira nas regiões próprias à sua produção, sobretudo em São Paulo. Paralela­ m ente, outras regiões (Pernam buco, Vale do Paraíba, Minas, Amazo­ nas, Pará), outrora dedicadas à exportação, pouco a pouco foram sen­ do alijadas do m ercado externo pela concorrência estrangeira tecni­ cam ente superior.35 O que p retendem os discutir a partir de agora é a relação entre a regionalização da econom ia agroexportadora, a centralização m o ­ nárquica e o surgim ento da República federativa. Ou p o r outra, p re ­ tendem os defender a hipótese segundo a qual o processo de conquista do Estado fed era tivo ocorre a p a r tir do m o m ento em que a fra ç ã o hegem ônica do eixo dinâm ico d a econom ia nacional tem u m a exis­ tência regional e, ao m esm o tempo, está incapacitada de controlar o p o d e r de Estado no nível nacional.

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A segunda m etade do século XIX, em especial a partir de 1875, foi m arcada, com o dissem os, pela ascensão econôm ica da cafeicultura do Oeste paulista e pela decadência da cafeicultura do Vale do Paraíba e da econom ia açucareira d o Nordeste. A econom ia agroexportadora, com a perm anente decadência dos dois antigos pólos da econom ia nacional, concentrou-se cada vez mais em São Paulo. Não dem orou m uito para que essa província se trans­ form asse n o pilar da econom ia nacional, cuja produção, mais dinâ­ m ica e avançada que em outras regiões, crescia a largos passos, in­ centivada pelas ferrovias e pela im igração subvencionada. O abando­ n o do trabalho escravo, im peditivo às regiões decadentes e sem ren ­ da, to rn o u a econom ia paulista cada vez mais produtiva. A cafeicultu­ ra escravocrata do Vale do Paraíba e os engenhos e bangüês açucareiros do N ordeste m ostravam -se incapazes de se adaptar ao novo tem ­ po. São Paulo despontava com o a vanguarda econôm ica do país. No entanto, à decadência econôm ica das classes escravocratas não corresp o n d eu um a perda de força política. Essas classes conti­ nuaram ocup an d o os principais p ostos políticos de com ando dentro do Estado imperial. Com presença m arcante na cúpula do Estado, agiam sem pre n o sentido de preservar o alto grau de centralização do Estado im perial e a organização política do Im pério. Decadentes, essas classes há m uito não podiam mais sobreviver sem a ajuda eco­ nôm ica do cen tro político, ajuda que era, segundo os paulistas, sus­ tentada pela ascensão econôm ica da vigorosa província do Sudeste. Era preciso que o Estado im perial continuasse, pois, com o p o d e r de indicar o presidente das províncias, castrando o interesse pela auto­ nom ia de São Paulo. Era necessário que tam bém o C onselho de Esta­ do, as Assembléias Legislativas provinciais, a Câmara dos D eputados, o Senado e os m inistérios perm anecessem sob o controle dessas clas­ ses. Havia, p ortanto, um a clara defasagem ou desequilíbrio entre o p o d er político e o p o d er econôm ico n o final do período imperial. À decadência econôm ica do Vale do Paraíba e do N ordeste não co rrespondeu, p o rtan to , a queda dos barões do café e dos senhores de engenho, que continuaram controlando a vida política e social da nação. Em 1889, verificava-se n o quadro político im perial que, entre os senadores, de um total de 59 apenas três eram de São Paulo: o barão de Souza Queirós, nom eado em 1848, Joaquim Floriano de G odoi, em 1872, e A ntonio da Silva Prado, em 1887. Na Câmara dos

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D eputados, São Paulo tinha nove representantes, enquanto P ernam ­ buco, Rio de Janeiro e Ceará tinham 13, 12 e oito respectivam ente. No C onselho de Estado predom inavam políticos do Vale d o Paraí­ ba, Bahia, Minas Gerais e Rio G rande do Sul. Além disso, o presiden­ te das províncias era geralm ente o riundo de outras regiões. Segundo os paulistas, não m enos grave para o estado era o p ro ­ blema com relação à m á distribuição da renda aí arrecadada, apropriada pelo governo central e redistribuída entre os ‘‘vagões vazios” . São Pau­ lo pagava ao governo federal cerca de 20:000.0001000 (20 mil contos de réis) p o r ano e dele recebia apenas 3:000.000$000 (3 mil contos de réis). A província participava com a sexta parte da renda nacional. Só a alfândega de Santos pagava em três m eses o que o governo cen­ tral gastava com São Paulo em um ano. A renda dos m unicípios p au ­ listas era superior à m édia das rendas das províncias do Norte, com exceção de Pernam buco, Bahia, Pará, Alagoas e Maranhão (Costa, 1977: 311-314). Nada p odem os garantir acerca da justeza desses dados. Não sabem os se, de fato, o estado de São Paulo era tão prejudicado pelo esquem a tributário im perial. Mas um a coisa é certa: essa reclam ação aparecia de form a freqüente no discurso dos paulistas e era apresen­ tada com o p retexto para a descentralização política. A prim eira expressão político-ideológica p o r parte de São Paulo em face dessa defasagem entre p o d er econôm ico e p o d er político foi o separatism o, pregado claram ente a partir de 1877. A consciência do desenvolvim ento m aterial de São Paulo entravado pela centrali­ zação m onárquica era a base desse m ovim ento. A M onarquia apare­ cia aos seus representantes com o um im pedim ento ao progresso. O separatism o, m ovim ento sintom ático do desenvolvim ento m aterial de São Paulo, tinha em Alberto Sales (autor de A p á tria paulista), Mar­ tins Francisco, J. F. de Barros, Campos Sales, Horácio de Carvalho e Jesuíno Carlos as suas m aiores expressões. No Congresso do Parti­ do R epublicano a idéia separatista foi lançada, pregando a livre dis­ posição das verbas arrecadadas na província e o avanço irrefreável do progresso paulista. Porém , ela não se im pôs devido à oposição de m em bros tam bém im portantes que preferiam resguardar a unidade nacional, com o foi o caso de Júlio de M esquita e Francisco Glicério. A segunda expressão político-ideológica de São Paulo com vis­ tas a superar o ostracism o político a que era condenado pelo Estado im perial foi o ideal fed era tivo . O federalism o com estados in d ep en ­ dentes significava a ruptura com o centralism o m onárquico sem p ô r em risco a unidade nacional.

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De 1870 a 1889 o Partido R epublicano aum entou significativa­ m ente sua influência. Nesse período, com eçou a ser difundido, no interior das classes e frações dom inantes ligadas à econom ia agroexportadora, o ideal federativo com o a única form a possível de libertálas das amarras im postas pelo governo central do Im pério. O m ovim ento republicano em São Paulo cresceu em função das razões acima apontadas. Foi, de longe, o mais organizado e com bati­ vo. É fora de dúvida que ele adquiriu nesse estado características p ró ­ prias, diferentes do m ovim ento republicano em outras províncias. Em São Paulo ele era bastante identificado com as classes dom inan­ tes e, p o r isso, bastante conservador. No Rio de Janeiro, por exem plo, o m ovim ento republicano, mais radical, apegava-se às reivindicações do m anifesto de 1870, relativas aos direitos e liberdades individuais, à soberania popular, à verdade dem ocrática etc. A com posição social do m ovim ento n o Rio era de apenas 2% de proprietários rurais, enquanto os profissionais libe­ rais ou as camadas m édias urbanas (advogados, jornalistas, professo­ res, m édicos, engenheiros etc.) representavam mais de 60% . Sem dú­ vida, o m ovim ento republicano no Rio de Janeiro tinha um caráter profundam ente popular e progressista. Já em São Paulo, na m edida em que o ideário republicano ia sen­ d o apropriado pelas classes dom inantes, o m ovim ento foi se tornan­ do cada vez mais conservador. Preocupadas exclusivam ente com a autonom ia estadual, em razão de sua m aior prosperidade econôm i­ ca, as classes dom inantes da econom ia agroexportadora cafeeira aban­ donaram o co n teú d o popular do m ovim ento e passaram a identificar “ republicanism o” com “federalism o” . A ênfase n o federalism o, isto é, na autonom ia provincial, casava-se inteiram ente com os interesses das classes dom inantes que form avam o grosso do m ovim ento rep u ­ blicano em São Paulo. Ao contrário do Rio de Janeiro, mais de 30% dos republicanos paulistas, em 1878, eram proprietários rurais. O Partido R epublicano Paulista, surgido em 1872, nasce, assim, com um ideário altam ente conservador. A sua luta será a luta das clas­ ses dom inantes de São Paulo pela Federação. Deixava de lado qual­ q u er proposta revolucionária. Nada de reform as sociais, nem de ci­ dadania. A República federativa deveria ser o resultado de um a linha evolucionista que solaparia as bases da M onarquia e atingiria a auto­ nom ia dos estados, conferindo a São Paulo a liberdade para avançar política e econom icam ente.36

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3-1.2 O apoio do g ra n d e capital à R epública federativa: a conquista e a consolidação Numa prim eira aproxim ação pode-se falar que a República fe­ derativa constituía-se, certam ente, num objetivo conjunto das clas­ ses dom inantes ligadas diretam ente à econom ia agroexportadora. No entanto, é fora de dúvida que a identificação entre República e Fe­ deração tinha um significado específico para o grande capital cafeei­ ro, significado que se evidencia quando esse novo regim e político já se encontra instaurado.37 A autonom ia estadual conferia ao gran­ de capital a p o ssib ilid a d e de consolidar a sua hegem onia em nível regional e, conseqüentem ente, de conquistar o controle d efin itivo sobre as p o líticas cafeeiras e os negócios estaduais. Desse p o n to de vista, a Federação era um objetivo pelo qual valia a pena lutar. É claro que a filiação do grande capital à luta republicana não tem nenhum , ou quase nenhum , vínculo com o republicanism o em si m esm o. Muitos dos que apoiaram a luta e a instauração da Repú­ blica o fizeram em busca da autonom ia estadual prevista n o federa­ lismo. Os m em bros do grande capital que se vincularam a essa luta eram , não raro, m onarquistas. Com o exem plo de m em bros do grande capital cafeeiro na luta republicana, Joseph Love nos dá a filiação partidária dos hom ens que organizaram o Banco do Com ércio e Indústria de São Paulo, no final de 1889. Entre eles encontram os J. B. Melo de Oliveira, propagandista republicano que integrou a Comissão Executiva do PRP no fi­ nal da década de 1890 e n o início do século XX. E ncontram os tam ­ bém o barão de Jaguará (Antonio Ulhôa Cintra), cujo irm ão era m em ­ b ro da Comissão Executiva do Partido C onservador. Elias Pacheco Alves, ex-m em bro da Comissão Executiva do m esm o partido e An­ tonio de Souza Queirós, m em bro da Comissão Executiva do Partido Liberal. T odos eles, representantes do grande capital cafeeiro, fize­ ram parte da Comissão Executiva do Partido R epublicano Paulista em 1891. Dois outros fundadores do banco eram ex-conservadores e depois apoiaram a República: A ntonio Prado e João Alves Rubião Júnior. Além desses, o m arquês de Três Rios, Joaquim Egídio de Souza Aranha, pertencia ao Partido Liberal, tornando-se depois republica­ n o e imigrantista; e Rafael Pais de Barros que representou os m unicí­ pios de Jundiaí e Piraçununga na C onvenção de Itu do Partido Re­ publicano (Mello, 1985: 143). Lembre-se ainda que Martinico Prado,

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irm ão de A ntonio Prado, era republicano convicto.38 Não era p re­ ciso, no entanto, ser profundam ente republicano, mas apenas cons­ ciente de que a autonom ia estadual conferiria a essa classe a consoli­ dação de sua hegem onia. Em 1888, liberais e conservadores afirma­ ram partilhar o m esm o p o n to de vista n o que se referia à autonom ia da província em assuntos fiscais e im igracionistas (Love, 1982: 157). Diante da intransigência m onárquica com relação à centraliza­ ção do Estado imperial, não restou outra saída aos m em bros do gran­ de capital senão apoiar a luta pela R epública federativa e, através da autonom ia p o r ela concedida, garantir seu dom ínio sobre a política regional. A m udança oportunista para o republicanism o (leia-se fe­ deralism o) p o d e ser detectada em vários representantes do grande capital cafeeiro, alguns, com o vimos, até m esm o participando da Co­ m issão Executiva do PRP. Porém , para um exem plo mais extenso, recorrerem os mais um a vez à família Prado. O ro m pim ento dos Prado com a M onarquia não era algo sim­ ples. A família m antinha, desde m uito tem po, laços estreitos de leal­ dade com a Corte. O terceiro A ntonio Prado — o barão de Iguape — fora com unicado pessoalm ente p o r dom P edro I acerca da deci­ são de decretar a independência do Brasil. Por sua lealdade à nova ordem , A ntonio foi nom eado cavalheiro da O rdem Real de Cristo e, em 1826, tornou-se capitão-m or da cidade de São Paulo. A amiza­ de dos Andradas e sua lealdade pessoal ao novo im perador propicia­ ram aos Prado íntim os laços com a C orte, rom pidos só com a queda da M onarquia (Levi, 1974: 62). Com o passar do tem po, os mais jovens continuaram integran­ do os quadros d o Partido C onservador e fiéis à Monarquia. Porém , p o u co a p ouco, essa fidelidade se enfraquecia, so bretudo na m edida em que São Paulo sentia os efeitos da centralização imperial. A fide­ lidade iria, portan to , dando lugar ao ceticism o diante das possibili­ dades da M onarquia e, principalm ente, das suas exigências com re­ lação aos recursos paulistas. Nos últim os anos da M onarquia, A nto­ nio Prado repudiou a centralização m onárquica e aproxim ou-se da idéia federalista, atitude repudiada p o r uns com o traição e aplaudida p o r o utros com o realism o político (Levi, 1974: 196). Já no p erío d o anterior à Proclam ação da República, A ntonio Pra­ do, face às eleições parlam entares de São Paulo, decidiu que os co n ­ servadores deveriam concorrer com um a plataform a de descentrali­ zação e exortou os líderes nacionais e paulistas a aceitarem a estratégia.

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Com a derrota A ntonio Prado pediu aos conservadores que apoiassem os republicanos, visto que os dois partidos concordavam plenam ente a respeito da necessidade da descentralização política. Pouco a pouco, ele foi claram ente apoiando o federalismo. Com a Proclamação da República, A ntonio Prado foi um dos pri­ m eiros líderes im portantes da política im perial a recom endar a acei­ tação do n o v o regime. Após declinar do convite para fazer parte do G overno Provisório em São Paulo, ele fez um a prom essa de co o p e­ ração não oficial com a jovem República. Alertava, porém , a Cam­ p os Sales, já visualizando o perigo da centralização com os m ilitares n o poder, dizendo que se as unidades da Federação “ perm itirem ao governo central a intervenção na organização dos estados, nós n u n ­ ca terem os um a República federativa” (a p u d Levi, 1974: 281). D e­ pois da Proclam ação da República, A ntonio Prado e A ntonio Augus­ to de Q ueirós prestaram leal apoio ao G overno Provisório do esta­ do. A ntonio Prado fez, então, parte da chapa indicada pela com issão p erm anente do PRP para o Congresso Federal. Ainda nesse período, o m esm o A ntonio fez severa crítica ao Partido C onservador, criado em 1890 e form ado p o r ex-m onarquistas, dizendo que esse partido não tinha mais razão de ser, sobretudo em função da “ adesão franca e sincera à atual ordem das coisas..., já que tem os sido honrados pa­ ra colaborar diretam ente na consolidação da República” {apud Casalecchi, 1987: 65). Pelos exem plos anteriorm ente dados acerca dos m em bros do grande capital cafeeiro filiados aos partidos do Im pério e que se trans­ form aram em republicanos, podem os encarar a trajetória de A nto­ nio Prado — de escravocrata e m onarquista a imigrantista e federalista — com o um exem plo paradigm ático do com portam ento dessa classe social diante da questão republicana. Após a vitória republicana, porém , não sobreveio a tranqüilida­ de. Os governos m ilitares que se sucederam ameaçaram seriam ente a Federação, com o já havia previsto A ntonio Prado. A República fe­ derativa consolidou-se plenam ente apenas no governo Cam pos Sa­ les, através da política dos governadores. Im ediatam ente após a proclam ação, o general D eodoro da Fon­ seca assumiu com o chefe do G overno Provisório. Visto com o aque­ le que salvara o país do centralism o m onárquico, o C ongresso deu to d o apoio ao prim eiro presidente da jovem República. Não tardou, porém , que o m esm o C ongresso com eçasse a se indispor com a p er­

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sonalidade militar e centralizadora de D eodoro, não habituada a c o n ­ testações. Já na eleição indireta para decidir o futuro presidente do país, o PRP apoiou Prudente de Morais (republicano paulista histórico) con­ tra D eodoro. A m edrontado diante da am eaça de um a ditadura mili­ tar centralizadora, o Congresso co n cedeu a D eodoro a vitória, mas elegeu com o seu vice Floriano Peixoto, que ocupava essa posição na chapa de Prudente. P ouco a p o u co crescia a consciência do excessivo p o d er nas m ãos de D eodoro. Essa sensação revigorou-se com a renúncia do p ri­ m eiro m inistério, em 21 de janeiro de 1891, e com a nom eação do barão de Lucena, amigo íntim o do general e ligado aos interesses ban­ cários da época, para a pasta da Fazenda. Os seus opositores, na sua grande m aioria paulistas, procuraram organizar a resistência contra o revigoram ento do centralism o. Ber­ nardino de C am pos articulou-se com Jorge Tibiriçá, enquanto Cam­ pos Sales, do Rio de Janeiro, tom ava providências para resistir ao avanço de D eodoro. A política centralista e intervencionista fez-se claram ente sentir em São Paulo. O barão de Lucena, aproveitando o confuso início do novo regim e e a confiança que lhe depositava o presidente, não perdia tem po e articulava contra os seus inimigos de São Paulo e Mi­ nas Gerais, imiscuindo-se na política desses estados que eram os p rin­ cipais focos de oposição. O dia 30 de abril de 1891 foi a data m arcada p o r Jorge Tibiriçá para as eleições paulistas. Um p o u co antes foram lançadas as listas dos candidatos a deputados e senadores estaduais. Rangel Pestana não co n co rd o u com os nom es e passou a confabular com Lucena e Am érico Brasiliense. A proveitando a cisão em São Paulo, D eodoro cum priu a sua intenção de intervir no estado. Em 7 de m arço de 1891, Jorge Tibiriçá foi d eposto e no seu lugar assumiu o deodorista Amé­ rico Brasiliense. Contra esse claro atentado à autonom ia estadual Cam­ pos Sales p ro testo u energicam ente, dizendo que o governo se arre­ penderia de seus atos. A ntonio Prado, p o r sua vez, colocou-se em franca oposição a tal atitude. Em 9 de dezem bro do m esm o ano p ro ­ curou Américo Brasiliense e, em nom e da oposição, pediu a sua re­ núncia em favor de C erqueira César, no que não foi atendido.39 Em 3 de dezem bro de 1891 veio a gota d ’água. Irritado com a oposição do C ongresso aos projetos de Lucena, D eodoro fechou o

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Legislativo, instaurando a ditadura militar. A partir daí, para lutar co n ­ tra D eodoro e Lucena a única com posição possível era entre os re­ publicanos históricos paulistas e Floriano Peixoto, o vice-presidente. A articulação resultou n o contragolpe de 23 de dezem bro do m esm o ano, que depôs D eodoro e levou Floriano à Presidência da República. Os paulistas tem iam tam bém a origem m ilitar e o “jacob inism o” de Floriano e de seus seguidores. Sabiam que ele não era o representante perfeito dos ideais constitucionais. Cam pos Sales tam bém pensava da m esm a maneira, mas, diante das circunstâncias, dizia: “ haja o que h ouver e seja com o for, devem os sustentar Flo­ riano a todo transe, porque nele reside a garantia” {apud Casalecchi, 1987: 78). Apesar das tendências centralistas e de suas introm issões na p o ­ lítica de alguns estados,40 Floriano Peixoto aparecia com o o salva­ d or da República federativa. Ele representava a derrota da ditadura deodorista, a luta contra os federalistas restauradores do Sul e a luta co ntra os m em bros m onarquistas e revoltosos da Esquadra. Não foi p o r outra razão que os paulistas apoiaram o “ Marechal de F erro” . Eles sabiam que a defesa de seus interesses econôm icos baseava-se n o co n tro le do governo estadual, isto é, na sua autonom ia. Assim, Floriano chegava à presidência articulado com o PRP. Aliás, serão as figuras centrais desse partido que ocuparão no seu go­ vern o os principais postos federais. Na presidência da Câmara en ­ contram os B ernardino de Campos, na do Senado P rudente de Mo­ rais e na pasta da Fazenda o conselheiro Rodrigues Alves. Era, p o r­ tanto, com o apoio do PRP e, p o r conseqüência, das classes dom i­ nantes de São Paulo que o m arechal se sustentava. Havia, na verda­ de, um a troca. O presidente asseguraria a autonom ia estadual e os princípios federativos, e São Paulo, p o r sua vez, lhe daria apoio no Congresso Federal e lhe forneceria ajuda militar nas lutas internas, que, pelo seu caráter restaurador, preocupava os políticos republi­ canos do estado. O governo Floriano não deve ser visto, portanto, com o um go­ vern o em que a classe m édia ascendeu politicam ente e to m o u a si as rédeas do jogo político. Ele foi, na verdade, um governo de reajustam ento do processo político federativo em crise. Foi um gover­ n o que, apoiado pelo principal representante dos interesses ex p o rta­ dores — o PRP —, nasceu para salvar o princípio federativo (Souza, 1968: 248). Apesar de alguns atos inconstitucionais, as classes dom i­

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nantes de São Paulo continuaram apoiando Floriano que reprim iu com m ão de ferro algumas tentativas restauradoras, com o foi o caso da revolta da Esquadra. No final d o governo Floriano os paulistas criaram o PRF (Parti­ do Republicano Federal), sob a direção de Francisco Glicério. O par­ tido tinha o objetivo im ediato de sustentar o térm ino do governo Floriano e, em especial, eleger e sustentar P rudente de Morais, o que concretizou-se de fato. Na verdade, a eleição de P rudente de Morais não significava, co ­ m o se pensa freqüentem ente, a busca pela hegem onia paulista em nível federal. O que se buscava de fato era o afastam ento do Exérci­ to do governo e da política, intro d u zin d o de form a perm anente o elem ento civil no governo da República. P rudente vinha, então, dar início à consolidação da ordem civil e, com o republicano histórico, solidificar de vez o princípio federativo. A tranqüilidade e a pacificação da República não foram , co n tu ­ do, plenam ente atingidas n o governo de Prudente. Nele perm ane­ ceram as lutas militares internas, a guerra no Sul, que só findou em 1895, e a luta de Canudos, liquidada apenas em 1897. A tranqüilidade, a pacificação e, mais im portante, a estabilidade da República federativa só viriam com a “ política dos governado­ res” de Cam pos Sales. Esta tinha com o principal finalidade conferir estabilidade ao regim e instaurado depois de 1889. O problem a do advento da República foi que o novo regime, ao derrubar a M onar­ quia, derrubou com ela o Poder M oderador que se constituía n o m e­ canismo regulador da política imperial. Era ele que, em época de con­ flitos, resolvia-os através da intervenção pura e sim ples do im pera­ d o r no centro da disputa. Houvesse necessidade de derrubar m inis­ térios, fechar o Legislativo, alternar os partidos no poder, convocar eleições, o im perador o faria. Ele era, junto com os partidos Liberal e C onservador, o centro da dinâm ica política do Im pério. A República fragm entou o poder, criando vários pólos institu­ cionais de força. O Executivo federal se via num relação instável com as unidades autônom as da Federação, cuja situação política, não ra­ ram ente, era tam bém de instabilidade. Era preciso um a obra de e n ­ genharia política que assegurasse a estabilidade nos estados e, p o r conseguinte, n o governo federal. O u p o r outra, um m ecanism o que evitasse que a instabilidade e as disputas internas em nível estadual subissem para o nível federal, sobretudo para o Congresso, im pedin­

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do um a ação conjunta entre o Legislativo e o Executivo. Além disso, Cam pos Sales precisava im ediatam ente do apoio dos estados para a sua política de austeridade econôm ica. Lembre-se ainda que a esta­ bilidade política era condição im portante para se ter acesso aos em ­ préstim os externos. A política dos governadores consistia n o seguinte: apoio total do governo federal às situações estaduais, em qualquer condição, o que significava nenhum tipo de intervenção nas políticas estaduais. Em troca desse apoio, as situações estaduais, perpetuadas n o poder, com prom etiam -se a eleger para o Congresso Federal apenas indiví­ duos que apoiassem o governo, o que seria garantido através d o m e­ canism o de verificação de poderes e pelas fraudes eleitorais, quan­ do necessárias. O resultado im ediato dessa recíproca de apoio foi a conquista da estabilidade republicana graças à impossibilidade do exercício real e eficaz da oposição política pela via institucional. Do nosso p o n to de vista, interessa-nos ressaltar aqui a im ediata consolidação das situações estaduais. Assim, para o grande capital cafeeiro, a política dos governadores era um a bênção ao dom ínio do PRP n o nível estadual. Este partido foi eleito com o o interlocu­ to r privilegiado, diríam os m esm o o único, do governo federal e ad­ quiriu toda estabilidade necessária para dom inar a política d o esta­ do. Em outros term os, a política dos governadores concedeu ao gran­ de capital, que dom inava o PRP, a garantia do dom ínio da política paulista e, p o r conseqüência, da política cafeeira no estado. Estavam consolidados os objetivos dessa fração: a autonom ia estadual e o d o ­ m ínio inconteste da política regional. São Paulo, isto é, as frações dom inantes ligadas à econom ia agroexportadora, não descuidou jamais da vigilância com relação ao princípio federativo. Não foi p o r outra razão, p o r exem plo, que o estado se opôs à candidatura do militar Herm es da Fonseca (1910/1914), sendo depois am eaçado m ilitarm ente quando este se elegeu. Perm anecia constante a vigilância de um a classe que sabia ser a defesa de seus interesses econôm icos e políticos d ep endente da autonom ia estadual consagrada pelo princípio federativo. As vantagens trazidas p o r esse princípio eram evidentes. Além do fato, já abordado aqui, de que a autonom ia estadual conferia co n ­ trole sobre a política e os negócios estaduais, a autonom ia federativa aten u a va a necessidade de recorrer à esfera federal para tom ar certas 102

decisões, evitando, portanto, os em bates com outras frações das clas­ ses dom inantes com as quais, obrigatoriam ente, o grande capital ti­ n ha que conviver nesse nível. As vantagens não eram, com o se sabe, apenas políticas. Do p o n to de vista tributário, a receita do estado de São Paulo foi m ultiplicada p o r dez com o advento da República, en ­ quanto a de Minas Gerais apenas d o b ro u .41 Foi p o r visualizar essas vantagens que vários m em bros do grande capital cafeeiro — A nto­ nio Prado, M artinico Prado, J. B. Melo de Oliveira, A ntonio Ulhôa Cintra, Elias Pacheco Alves, A ntonio de Souza Q ueirós, João Alves Rubião Júnior, Joaquim Egídio de Souza Aranha, Rafael Pais de Bar­ ros — não hesitaram em abandonar a sua fidelidade à C orte e apoiar a República federativa. Sem dúvida, a vitória da República e a sua consolidação devem m uito a essa fração da classe dom inante, que tinha plena consciên­ cia de que na Federação residia a garantia do seu dom ínio. Ao nosso ver, som ente levando isso em consideração é que se p o d e entender a afirmação de que “ se foi construindo, n o fragor dos em bates polí­ ticos, um p ro jeto paulista de Federação” (Kugelmas, 1986: 73). O advento da República federativa não pode ser plenam ente com preen­ dido se não analisarm os a ascensão econôm ica e política do grande capital cafeeiro. A República e, sobretudo, o seu caráter federativo podem , assim, ser encarados com o sendo, em parte, um efeito p e r ­ tinente da presença peculiar dessa fração da classe dom inante no p ro ­ cesso histórico brasileiro.

3.2 A lavoura com o fração autônom a de classe Ao nosso ver, há dois m odos fundam entais42 pelos quais p o ­ dem os en ten d er a “lavoura” , isto é, aquela fração ligada exclusiva­ m ente à pro d u ção agrária, com o um a fração autônom a de classe. Um deles diz respeito às características próprias que o p o d er local m antém no prim eiro período republicano em função do tipo de re­ lações sociais pred om inante n o cam po brasileiro. O outro é o lu­ gar específico o cupado pela lavoura naquilo que Victor Nunes Leal cham ou, em seu brilhante livro, de “ com prom isso coronelista” (Leal, 1978).43 Há algo que se nos coloca de form a bastante clara na Primeira República: a diferença qualitativa das relações de produção que se desenvolvem na cidade em relação àquelas que vigoram n o cam po.

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É sabido que, desde o Im pério, relações capitalistas vinham se desenvolvendo nos centros urbanos, o que foi acelerado com a abo­ lição da escravatura e com a intensificação da imigração. Nas cida­ des expandiram -se o com ércio, o setor de serviços, a indústria, em suma, to d o tipo de atividade que se baseava n o trabalho assalariado, livre dos laços de dependência pessoal. No estado de São Paulo, a capital era, nesse aspecto, o centro m o d ern o , burguês p o r excelência. Consolidava-se nessa grande ci­ dade um a relação social que afirmava, n o nível das aparências, a li­ berdade e a igualdade entre os agentes. Um tipo de relação plena­ m ente com patível com os pressupostos burocráticos burgueses, que surgiriam e se consolidariam com o Estado republicano a partir de 1889, quais sejam, a identificação dos agentes sociais com o indiví­ duos livres e iguais e não com o m em bros de um a classe social, o p re­ ceito da abertura formal do acesso aos cargos burocráticos aos m em ­ bros de todas as classes sociais e o recrutam ento para os cargos esta­ tais com base n o critério da com petência técnica e não no critério de origem de classe.44 Porém , esse processo não se deu n o cam po, onde as relações sociais pré-capitalistas vigoraram p o r longo tem po após a abolição do escravism o. O fim da escravidão não deu lugar à relações capi­ talistas de produção. Ao contrário, perm aneceram no cam po brasi­ leiro, nas fazendas, relações sociais baseadas na dependência pes­ soal entre o p ro d u to r direto e o proprietário dos m eios de p ro ­ dução. A dependência pessoal fundam entava-se em dois aspectos: a d e­ pendência financeira e a dependência com base na posse da terra. A dependência financeira se baseava no salário irrisório que o p ro ­ d u to r direto recebia pelo seu trabalho. Quase sem pre o salário não chegava às suas mãos, pois voltava ao coronel na form a de pagam en­ tos de dívidas adquiridas pelo trabalhador n o armazém da fazenda, de pro p ried ade do p ró p rio fazendeiro. C om um ente, essas dívidas eram repostas pelo endividam ento freqüente, o que im pedia o aban­ d o n o da fazenda p o r parte d o trabalhador enquanto não fossem sal­ dados os com prom issos. Desse m odo, o co lo n o só podia subsistir trabalhando um p ed a­ ço de terra concedido pelo fazendeiro. O “sistema de colonato” , co­ m o ficou conhecido, consistia no seguinte: o colono recebia para cuidar de mil pés de café, além do salário irrisório, a perm issão para 104

realizar culturas intercalares de víveres ou para utilizar um a certa su­ perfície de terra afastada do cafezal. A condição de im igrante pouca coisa m udava nessa relação de dependência.45 O colono, im igrante ou não, era, p o rtan to , dep en d en te dos favores do senhor para sub­ sistir. Ou p or outra, a subsistência dele só era possível se trabalhasse a terra concedida e, ao m esm o tem po, m onopolizada pelo senhor. Se os im igrantes europeus eram subm etidos a esse tipo de d o ­ m ínio, mais ainda o eram os roceiros, os caboclos e agregados, isto é, aqueles que haviam nascido e vivido na fazenda, cham ando o fa­ zendeiro p o r coronel e padrinho. Esse era o grosso da população brasileira. É Victor Nunes Leal quem descreve exem plarm ente as con­ dições de vida dessa gente, dando a real dim ensão da dependência das massas rurais diante do fazendeiro, personificação do latifúndio: É, pois, para o p ró p rio " c o ro n e l” que o roceiro apela nos m om entos de apertura, com prando fiado n o arm azém para pagar com a colheita, ou pedindo dinheiro nas m esm as condições para outras necessidades... C om pletam ente analfabeto, ou quase, sem assistência m édica, não lendo jornais nem revistas..., o trabalha­ dor rural, a não ser em casos esporádicos, tem o patrão na conta de benfeitor. E é dele, n a v erdade, que recebe os únicos favores que a sua obscura existência conhece (Leal, 1978: 24-25).

Não pretendem os nos alongar aqui na caracterização exaustiva das relações de produção que prevaleceram n o cam po brasileiro.46 Para os nossos interesses basta dizer que o p red o m ín io desse tipo de relação social, baseada na dependência pessoal, favorecia aquilo que se m ostra com o a presença típica da lavoura no nível político, isto é, a confusão entre o p ú b lico e o p riv a d o em nível do p o d e r local, ou p o r outra, a perm anência de características prê-burguesas na estrutura jurídico-política do p o d e r local. “A bençoado” pelo p o d er regional e senhor daqueles que vivem em suas terras e nos m unicípios rurais, o fazendeiro ou coronel tem em suas mãos, e nas de seus representantes, o controle sobre os n e­ gócios públicos. Estes são encarados com o negócios do coronel. Mais um a vez nas palavras de V ictor Nunes Leal: D en tro da esfera p rópria de influência, o “ c o ro n el” com o q u e resum e em sua pessoa, sem substituí-las, im portantes instituições sociais. Exerce, p o r exem plo, um a ampla jurisdição sobre seus dependentes, co m p o n d o rixas e desavenças e proferindo, às vezes, verdadeiros arbitram entos, que os interessados respei­ tam . T am bém se enfeixam em suas m ãos, com ou sem caráter oficial, extensas

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funções policiais, de que freqüentem ente se desincum be com a sua ascendên­ cia social, mas q u e eventualm ente p o d e to rn ar efetivas com o auxílio de e m p re­ gados, agregados ou capangas (Leal, 1978: 23).

Listemos alguns exem plos do que vem sendo afirmado. A “ ca­ derneta agrícola” , criada p o r lei em 1904 e adotada som ente em São Paulo, era o o posto de um contrato de trabalho. Ao contrário, esse do cu m en to representava, na verdade, a consagração da dom inação pessoal ao estabelecer norm as sobre a concessão de m oradia, a terra de plantio, a contabilização dos pagam entos e a garantia de salários ganhos. A caderneta limitava claram ente a liberdade de trabalho e de m ovim ento dos cam poneses em São Paulo; os fazendeiros só acei­ tavam com o colonos ou m eeiros os trabalhadores cujas cadernetas tivessem previam ente assinadas. Tal assinatura constituía, na verda­ de, a autorização de partida dada ao p ro d u to r direto pelo em prega­ d o r anterior. O coronel controlava tam bém a força policial. Os funcionários da polícia, assim com o os do Judiciário, do delegado ao guarda, eram escolhidos a dedo pelo coronel, de acordo com a posição política de cada um. Uma das conseqüências dessa identificação entre o p o d er p ú ­ blico e o p o d er privado do coronel é o que ficou conhecido com o “ filhotism o” . Ou seja, o recrutam ento dos funcionários m unicipais de acordo com a sua posição política (fiel ou não ao coronel) e não segundo o critério da com petência individual. Em decorrência des­ sa característica temos um a outra, típica do Estado escravista no Brasil: a “ d erru b ad a” , isto é, a instabilidade do co rp o burocrático, trocado de acordo com os ventos políticos. M om ento privilegiado para verm os o p o d er privado confundirse com o público são os pleitos eleitorais. As eleições ocorriam sob o p leno dom ínio e controle do coronel e seus dependentes. A v ota­ ção era feita em residências particulares, assim com o a preparação das atas e a apuração; os m esários eram subordinados ao coronel; os pleitos eram realizados sob a m ira de seus capangas. Era tam bém o coronel que viabilizava a ida dos eleitores, os seus dependentes, às urnas para votarem . O processo eleitoral era, assim, im pensável sem a participação do coronel na sua direção. É bastante conhecida p o r todos a infinidade de exem plos dessa confusão entre o público e o privado no p o d er local. A bibliografia política e sociológica sobre o perío d o está repleta deles. Em todos

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eles o coronel aparece com o a lei. T odos os instrum entos do p o d er legal são seus. O delegado, o juiz, o escrivão, os eleitores, as urnas, tu d o lhe pertence. Para nós, essa confusão entre o p o d er público e o p o d er priva­ do é o efeito p e rtin e n te que a lavoura expressa no nível político. A fo r m a específica p ela qu a l a lavoura, isto é, o coronel, se f a z p r e ­ sente na p o lítica republicana é o d o m ín io p riv a d o do p o d e r p ú b li­ co local com a bênção do p o d e r regional, e su a total obediência a este ú ltim o d en tro das regras do com prom isso coronelista. A ex ­ pressão ideológica da subordinação política d o p o d e r local ao p o ­ der regional, isto é, a expressão ideológica do com prom isso co ro ­ nelista, n o âm bito das frações dom inantes, é o “governism o” decla­ rado que graçava em São Paulo na Prim eira República. D entro das regras do “ co m p rom isso” , ser oposição significava suicidar-se poli­ ticam ente, pois isso não seria p erdoado pelo p o d er regional, que co­ locaria to d o o seu aparato — polícia, juizes, corte de verbas, fraude eleitoral etc. — contra o coronel rebelde. No contexto do cercea­ m ento da autonom ia m unicipal consagrado pelo com prom isso co ­ ronelista não havia outra coisa a fazer senão apoiar o governo e dele receber a bênção para dom inar o p o d e r local. É difícil p ensar que essa situação peculiar existisse sem a p re­ sença de um a fração da classe dom inante que exercesse sobre os tra­ balhadores o dom ínio pessoal e, no interior do bloco n o poder, fos­ se dom inada e tivesse o seu p o d er cada vez mais lim itado pelo cer­ ceam ento da autonom ia do p o d er local. A fração de classe que se revela n o uso privado do p o d er público e na subordinação ao poder regional (fatos reveladores da força e da fraqueza dessa classe) é a lavoura e nenhum a outra.

3.3 O “com prom isso coronelista” com o efeito pertinente do dom ínio do grande capital cafeeiro sobre a lavoura Já nos referim os aqui àquilo que Victor Nunes Leal cham ou de “ com prom isso coronelista” (ver nota 43). A nossa hipótese é que esse com prom isso, m arcado p e la subordinação do p o d e r local ao p o d e r regional, é a expressão, no n ível político, do d o m ín io econô­ m ico d a p ro d u çã o pelo g ra n d e capital cafeeiro, d o m ín io que, p a ­ ra ser g arantido, deve se expressar tam bém p o litica m en te.47

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Para provar que o “ com prom isso coronelista” é, através do cer­ ceam ento da autonom ia municipal, pelo m enos em São Paulo, o meio político para se garantir o dom ínio do grande capital cafeeiro sobre a lavoura, é preciso que analisemos aquele que se constituiu n o fiad o r desse com prom isso, ou seja, aquele que controlava o p o d e r es­ tadual, que m antinha sob rígida disciplina os coronéis do interior, p erp etu an d o o com prom isso: o Partido Republicano Paulista (PRP). P or essa razão, é preciso ver que indivíduos dom inam o partido e q ue classe ou fração esses indivíduos representam . Para tanto, analisarem os a sistem ática oposição exercida pela la­ voura d en tro do PRP, a estrutura interna do partido e a sua Com is­ são Executiva.48 Esta últim a é especialm ente im portante, pois, co ­ m o já disse J. Love, “é difícil escapar à tentação de classificar a elite política do estado com o sendo o ‘com itê executivo’ da classe dom i­ n a n te ” (Love, 1982: 216). No que se refere à constante oposição da lavoura às políticas ofi­ ciais já nos referimos ao Partido da Lavoura, criado na década de 1890 pelos fazendeiros do interior que se sentiam mal representados pelo PRP. Vimos tam bém que essa atitude foi severam ente criticada p o r m em bros do PRP, com o M artinico Prado, que exigiram o apoio de todos à política oficial de com bate à crise. Apreensivos em se posi­ cionarem co ntra o governo, os lavradores voltaram novam ente aos braços do PRP, extinguindo o partido rebelde. Porém , isso não im pediu que os conflitos perm anecessem e aflo­ rassem mais adiante. Aliás, a situação subordinada da lavoura no in­ terior do PRP foi o fator que, m uitas vezes, forneceu o substrato pa­ ra o desenvolvim ento de cisões internas ao partido. Foi o que aconteceu na cisão de 1901, entre P rudente de Mo­ rais e Campos Sales que, em bora tivesse surgido, a princípio, p o r ra­ zões pessoais, enco n tro u a possibilidade de se fortalecer na m edida em que a “ dissidência” en co n tro u apoio na lavoura cafeeira des­ contente. A crise da lavoura no governo de Cam pos Sales foi tão grande que ela não hesitou em participar, em 1902, de um m ovim ento re ­ belde com vistas a d ep o r Cam pos Sales. A causa prim eira desse m o ­ vim ento foi a política financeira do governo que deixou a lavoura em situação precaríssima. Assim, o m ovim ento eclodiu em 22 de agos­ to de 1902 em Franca, Araraquara, Ribeirãozinho, Itatinga, Jaboticabal, São Carlos, Araras, Casa Branca, Moji-Mirim e Espírito Santo do 108

Pinhal. O m ovim ento, porém , foi dom inando e o PRP, preocupado com as ameaças ao seu dom ínio, prom oveu um congraçam ento, co n ­ ced en d o algumas reform as à dissidência. Entre elas estava a inclusão de mais dois m em bros n a Com issão Executiva do partido, sendo os dois do grupo dissidente. A dissidência sum iu p o r com pleto com as greves de 1906, que im punham a necessidade da união contra os tra­ balhadores, e com o advento d o prim eiro esquem a valorizador. O partido se m anteve unido durante to d o o governo de H er­ mes da Fonseca, tem eroso das am eaças de intervenção em São Pau­ lo feitas pelo governo federal. Porém , a década de 1920 é m arcada p o r várias lutas, oposições e crises n o interior do PRP. Essa década iniciou-se com a crise da lavoura e com a violenta subida do custo de vida. A lavoura criticava as m edidas de W ashington Luís, cujo go­ verno, em São Paulo, era visto com o o responsável pelo aprofunda­ m ento d o abism o já existente en tre a política oficial e a cafeicultura. Os políticos do PRP eram acusados de se desvincularem dos interes­ ses dos p ro d u to res e apoiarem a política do governo, quase sem pre prejudicial aos cafeicultores. Em 1923, na sucessão de W ashington Luís, os representantes da lavoura resolveram lançar candidato próprio. O nom e sugerido foi o do senador Álvaro Carvalho, que tivera grande em penho na valo­ rização de 1921. Porém , com o o senador defendera, à época do ter­ ceiro esquem a valorizador, um a posição diferente da do governa­ d or W ashington Luís, teve seu nom e vetado. Podem os perceber, então, que a lavoura estava longe de enca­ rar o PRP com o o seu partido ideal. Desde a política econôm ica de Cam pos Sales, entre 1898 e 1906, passando pelos esquem as valorizadores e chegando à defesa perm anente, em que a lavoura reclam a­ va da sua sub-representação n o Instituto do Café, os m em bros dessa classe vinham exercendo oposição à Comissão Executiva do parti­ do, criticando as suas decisões políticas, sobretudo aquelas concer­ nentes à cafeicultura. Esta sistem ática oposição constitui-se em p ro ­ va de que o PRP não era controlado pelos fazendeiros.49 Referim o-nos tam bém à subordinação do p o d er local, isto é, os m unicípios, ao p o d er regional. Esta subordinação foi consagrada na Constituição de 1891 que feriu gravem ente a autonom ia m unicipal. Com a República, com o vim os, o controle do erário público, dos cargos, da polícia etc., isto é, dos elem entos que garantiam co n d i­ ções m ínim as de governabilidade, se encontrava plenam ente nas

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m ãos do governo do estado. O p o d e r local e os que o dom inavam , o u seja, os fazendeiros ou coronéis, tinham que se curvar, dando apoio, so b retu d o eleitoral, para receber as benesses d o p o d er regio­ nal. Caso contrário, este últim o m anteria o dissidente a pão e água, dando apoio àquela facção que p orventura o estivesse enfrentando naquele m om ento. Desse m odo, o exercício da oposição era impossível. Estar c o n ­ tra o governo era estar politicam ente m orto. Daí o desespero de Al­ fredo Pujol com o “ governism o” declarado p o r parte daqueles que não dom inavam o PRP, isto é, os coronéis: Senhores, é opinião corrente que a lavoura de São Paulo não se une, não se c o n ­ grega para o estudo dos p roblem as q u e a interessam , que os seus protestos são platônicos e que n o m o m en to o p o rtu n o ela se curva, subm etendo-se a todas as ordens dos políticos q u e nos dirigem . Nós protestam os, discursam os, recla­ m am os providências, mas q u ando se trata de eleições, as chapas oficiais rece­ bem em m assa os nossos votos nas urnas e a lavoura não m anda ao C ongresso Nacional um só rep resen tan te seu, p o rta d o r das suas idéias, das suas aspirações, das suas necessidades (a p u d Casalecchi, 1987: 155-156).

D urante a Prim eira República tudo foi feito para m anter os m u­ nicípios e a lavoura nessas condições. Em 1899, p o r exem plo, a p ro ­ posta do v oto distrital foi recusada pois, argum entavam os políticos do PRP, o partido sofreria a oposição do Partido da Lavoura. Com o v o to distrital esse partido conseguiria mais influência local e, p o r conseguinte, m aior peso n o Legislativo. É interessante observar que a recusa do v o to distrital m otivada pelo tem or a um a possível força que o Partido da Lavoura viria a adquirir com esse novo sistem a é, com o fica claro, mais um dado que contribui para a identificação en ­ tre o p o d er local e a lavoura. Além de todos os m eios de controle que o p o d er regional deti­ n ha em suas m ãos, vale lem brar mais dois: o controle governam en­ tal sobre os em préstim os hipotecários e sobre a legalização dos títu­ los de pro p ried ade (Love, 1982: 58), que reforçavam a relação de d ependência e favor entre o p o d er regional e o p o d er local. O que nos interessa m ostrar nesse m om ento é que essa su b o r­ dinação do p o d er local ao p o d e r regional se refletia na estrutura e na organização interna do PRP. A estrutura partidária se resum ia a um a Com issão Executiva e aos diretórios m unicipais. Estes últim os assumiram, no interior do 110

partido, um a posição puram ente figurativa. Eles não detin h am n e ­ nhum poder de m ando. Durante o período, estiveram destinados ap e­ nas a referendar as indicações vindas da Comissão Executiva. Aliás, som ente até 1906 os candidatos a presidente e vice-presidente d o estado foram referendados pelos diretórios m unicipais, a partir da indicação da Com issão Executiva. D epois daquele ano, os ca n d id a­ tos passaram a ser escolhidos em convenções partidárias com postas p o r representantes d o partido nos Congressos Estadual e Federal. Des­ se m odo, limitou-se ainda mais a possibilidade de ação dos d ire tó ­ rios. Estes ficaram dispensados de participar, e a cúpula passou a m o ­ nopolizar com pletam ente as decisões partidárias. Ao contrário dos diretórios m unicipais, a Com issão E xecutiva do PRP era quem detinha to d o o p o d er de decisão. P ortanto, a rela­ ção dessa com issão com os diretórios m unicipais era correlata à re ­ lação entre o p o d e r regional e o p o d e r local, aquele to d o -p o d ero so e este obed ien te para não ser punido. É o que diz claram ente um artigo d ’O Estado de S. Paulo, em 25 de novem bro de 1905, ao afir­ m ar que os m em bros de diretórios daqui e de to d o o estado já deviam saber quais as suas obrigações: alistam ento eleitoral, cabala, gastos de dinheiro, im portunações. Mas se tivessem a audácia de levantar a cabeça, a Com issão Central, sem um a palavra, lhe apontará a porta da rua (a p u d Casalecchi, 1987: 192).

Este dom ínio dos diretórios pela Comissão Executiva não era garantido apenas pela organização interna, form alizada nos estatu­ tos do partido. Era garantido tam bém pela íntim a relação entre a C o­ missão Executiva e o poder público, entre aquela e o governo do estado de São Paulo, e, p o r conseqüência, pelo controle que a c o ­ missão tinha sobre os m eios necessários para subjugar o p o d e r local (polícia, erário, indicações de funcionários etc.). Nesse sentido, a Comissão Executiva não po d e ser entendida com o um sim ples órgão dirigente de um partido. Muito pelo c o n ­ trário, o PRP, com o partido dom inante (perm anentem ente no p o ­ der), perm itia à sua Comissão Executiva um a co n d u ta que ultrapas­ sava os limites do partido para intervir na adm inistração dos negó­ cios públicos. Desse m odo, a íntim a relação entre p o d er público e partido conferia à com issão — a instância mais poderosa deste últi­ m o — um a natureza quase oficial, vinculando-a estreitam ente à ge­ rência do Estado. Por isso, os m eios materiais necessários ao exercí­ 111

cio do p o d er estavam sob estreito controle da cúpula perrepista. Co­ m o conseqüência dessa estreita relação, serão os m em bros da Exe­ cutiva que ocuparão os altos cargos do governo: Bernardino de Cam­ pos, Rubião Júnior, Pádua Sales, Fernando Prestes, Lacerda Franco, D ino Bueno, Jorge Tibiriçá, A lbuquerque Lins, Rodolfo Miranda, Altino Arantes, Rodrigues Alves e m uitos outros. É preciso lem brar ainda que, além de dom inar o Executivo do Estado, a Comissão Executiva dom inava tam bém o Legislativo. A exis­ tência de um parlam ento am plam ente subserviente ao Executivo e à Comissão Central do PRP era garantida pelo dom ínio que esta últi­ m a exercia sobre o p ró p rio P oder Executivo e sobre os m unicípios e diretórios m unicipais. Ela exigia que os candidatos ao Legislativo estadual escolhidos pelos m unicípios estivessem plenam ente de acor­ do com as orientações de sua política. Caso contrário, tais candida­ tos seriam “ degolados” , se fossem eleitos, ou os diretórios m unici­ pais seriam severam ente repreendidos p o r indicarem indivíduos que não se encaixavam nas diretrizes oficiais. Com os diretórios m unicipais com pletam ente esvaziados de p o ­ der, com o P oder Executivo e a com issão controlando toda a vida política do estado50 não é difícil perceber que instância partidária di­ tava as políticas na Prim eira República em São Paulo. Eram o Execu­ tivo estadual junto com a Comissão Executiva do PRP que indica­ vam os candidatos às sucessões, eram eles que decidiam as políticas econôm icas do Estado (Love, 1982: 228), eram eles que decidiam quais os n o vos m em bros da futura com issão e, o que mais nos inte­ ressa aqui, eram eles que m antinham , no interior do PRP e fora dele, o p o d er local, os coronéis, a lavoura, enfim, num a posição ec o n ô ­ m ica e politicam ente subordinada. Era a Comissão Executiva, ligada ao p o d er regional, que m antinha o coronel na posição que lhe ca­ bia, sob rígida disciplina e com ameaças de retaliação em caso de desobediência. E isto p o rq u e era a Comissão Executiva, com o d e ­ tentora do p o d er público, quem m onopolizava os m eios de repres­ são. Em suma, o que querem os dizer é que era o PRP o instrum ento responsável pela perpetuação do com prom isso coronelista. Sendo a Comissão Executiva tão poderosa e sendo esta instân­ cia do PRP quem dom inava e subm etia ao p o d e r regional a m unici­ palidade, um a pergunta se to rn a inevitável: quem dom inava, de fa­ to, a cúpula do PRP? Q uem dom inava a Comissão Executiva e, c o n ­ seqüentem ente, o governo do estado de São Paulo?51 112

O brasilianista Joseph Love, com o vimos, diz que, considerandose isoladam ente o órgão m áxim o do PRP, verificarem os que 60% de seus m em bros estavam envolvidos em diferentes em preendim en­ tos (Love, 1982: 228). É o que tentarem os provar a seguir, isto é, que a to d o-poderosa Comissão Executiva do PRP era dom inada p o r indivíduos ligados ao grande capital cafeeiro.52 Love nos inform a ainda que um a grande quantidade de dirigentes partidários atuavam no com ércio ex p ortador. Mais precisam ente, 56% dos dirigentes eram ligados a essa atividade, e 54% eram em presários. Vejamos diretam ente os m em bros da Comissão Executiva, suas atividades e ligações familiares. Com as inform ações recolhidas nas diversas fontes citadas na n ota 51, podem os p erceber que dos 55 nom es que co m põem a Executiva do PRP, entre 1889 e 1930, 25 estão, de algum a form a, ligados ao grande capital cafeeiro. Desses 55, 13 são representantes diretos do grande capital ca­ feeiro. São eles.-53 M artinho da Silva Prado Júnior (1891), Francisco A ntonio de Souza Q ueirós (1891), Elias A ntonio Pacheco Chaves (1891), João Batista de Melo Oliveira (1896/1897, 1899/1900), Luís de T oledo Piza e Almeida (1898), A ntonio Ulhôa Cintra (1891), João Alves Rubião Júnior (1896/1897, 1899/1900 e 1902/1915), Olavo Egídio de Sousa Aranha (1917/1923, 1925), Lacerda Franco (1901/1906, 1914/1927), José Paulino Nogueira (1897), Fernando Prestes de Al­ b uquerque (1903/1906, 1914/1922), Jorge Tibiriçá (1908/1924) e Ro­ dolfo Miranda (1917/1930). Aos oito prim eiros nom es nós estam os constantem ente nos re­ ferindo n o d eco rrer deste trabalho. Com o já tivem os oportunidade de dizer reiteradas vezes, eles são sabidam ente m em bros do grande capital cafeeiro. P or isso nos deterem os sobre os cinco últim os. Lacerda Franco era adm inistrador das propriedades agrícolas da família em Itatiba e fundou um a firma corretora de café. Depois da Proclam ação da República obteve a concessão para um banco de emissão e iniciou um a grande fábrica de tecidos em Sorocaba. Em seguida fundou um a com panhia telefônica e foi diretor da Cia. Pau­ lista de Estradas de Ferro (Dean, 1971: 53). José Paulino Nogueira era presidente da Cia. Mojiana de Estra­ das de Ferro, do Banco Com ercial do Estado de São Paulo, da Cia. Paulista de Seguros e da Cia. Agrícola de Ribeirão Preto, além de li­ gado à atividade agrícola (Prado, 1986: 19). Fernando Prestes era advogado, criador de gado, banqueiro e diretor da Estrada de Ferro Mojiana.

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Jorge Tibiriçá era extrem am ente rico. Antes m esm o do fim do regim e m onárquico já não era apenas m im fazendeiro, mas tam bém diretor da Estrada de Ferro Mojiana. Rodolfo Miranda não era diferente. Ele tam béíh não lidava ape­ nas com a agricultura cafeeira. Era tam bém d o n o de um a indústria têxtil em Piracicaba e de um a firma com ercial em Santos. Foi tam ­ bém m inistro da Agricultura (Love, 1982: 237-239). Dos 55 nom es da Comissão Executiva do PRP, seis indivíduos m antinham ligações econôm icas com algum m em bro do grande ca­ pital, inclusive participando da direção de suas firmas. São eles: Joa­ quim Lopes Chaves (1891), que tinha ligações econôm icas com João Batista de Melo Oliveira; A ntonio Carlos A rruda B otelho (1891), que tinha ligações econôm icas com A ntonio Prado; Carlos de Cam pos (1916-1924), que tinha ligações com Elói Chaves e Lacerda Franco. Sobre Altino Arantes (1920/1923, 1925 e 1927/1930) é lícito supor que ele tivesse alguma ligação com Elói Chaves ou Lacerda Franco através de Carlos de Campos, com o qual ele m antinha relações eco­ nôm icas. A ntonio de Pádua Sales (1901/1902, 1907/1909 e 1916/1918), além de ser direto r da Cia. Arens Im portadora, sócio de casa com issária e associado ao B anco do C om ércio e da Indústria, tinha ligações econôm icas com A ntonio P rado e Gabriel Dias da Sil­ va, a quem já nos referimos anteriorm ente com o expoentes do grande capital cafeeiro. Há ainda Virgílio Rodrigues Alves (1916/1919), só­ cio da Central Elétrica de Rio Claro, junto com Cardoso de Melo Ne­ to, Olavo Egídio de Sousa Aranha e Elói Chaves, além de ter ligações com a T h eo d or Wille. Resta ainda falar de seis indivíduos que tinham ligações de pa­ rentesco com o grande capital cafeeiro. São eles: Francisco de Paula Rodrigues Alves (1892/1894, 1899 e 1917), que era sogro de C ardo­ so de Melo Neto; P rudente de Morais (1892/1893), tio de Paulo de Morais Barros; José Alves Guim arães (1893/1894, 1901), parente de Eduardo Alves Guimarães; Alfredo Ellis (1893/1894), cunhado de J. B. Melo de Oliveira; A lbuquerque Lins (1914/1925), genro de Fran­ cisco A ntonio de Souza Q ueirós e W ashington Luís (1925), que era sobrinho, p o r efeito de casam ento, de J. B. Melo de Oliveira. Trabalhando, pois, com os dados que colhem os e estabelecen­ do as ligações que eles nos perm itiram , chegam os ao núm ero de 25 (46%) indivíduos, dos 55 que ocuparam a executiva do PRP entre 1889/1930, que m antinham alguma relação com o grande capital ca­ feeiro ou eram eles próprios m em bros dessa classe social.

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Assim, a análise do PRP m ostra que o grande capital cafeeiro es­ tá solidam ente presente na sua toda-poderosa Comissão Executiva, responsável politicam ente pela reiteração da posição subordinada que a lavoura ocupava na econom ia e na política paulistas durante o p e ­ río d o em questão. Lembre-se, aliás, que as políticas econôm icas (es­ tudadas n o item 2 deste capítulo) estavam longe de beneficiar p rio ­ ritariam ente a lavoura. Ao contrário, form uladas e executadas pelo PRP, as políticas econôm icas atendiam mais de p erto os interesses do grande capital e do capital estrangeiro. F reqüentem ente, a lavou­ ra se via mal representada pelo partido e exercia um a opinião crítica em relação à atuação do PRP, ao contrário do grande capital cafeeiro. A política dos governadores, ao conferir ao PRP o p o d e r abso­ luto no estado de São Paulo, conferiu, ao m esm o tem po, p o d er ab­ soluto à classe que o dirigia, isto é, ao grande capital cafeeiro. Para finalizar, resta dizer aqui que a divisão existente no inte­ rior do PRP, divisão que revela um partido não m onolítico e não h o ­ m ogêneo, constitui um a prova da existência da lavoura e d o grande capital cafeeiro com o frações autônom as de classe, com interesses diversos, que conviviam no interior do m esm o partido de forma con­ flituosa.54

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NOTAS

1 “ L avoura” era o term o usado na época para designar os fazendeiros ligados exclusivam ente à terra, em oposição àqueles que m oravam na cidade e tinham um a atividade econôm ica diversificada. A existência desse term o é indicativa da existên­ cia de um a fração da classe dom inante ligada exclusivam ente à p ropriedade da terra. 2 Um histórico com pleto da relação entre a lavoura cafeeira e o capital com er­ cial deveria levar em consideração a relação entre aquela classe e os com issários. Es­ tes foram os prim eiros interm ediários en tre a p ro d u ção e o café e os prim eiros a o c u ­ p a r a função de financiadores da p ro d u ç ão . Depois de um a fase áurea n o com ércio de café, entraram em constante decadência na m edida em que o com ércio ex tern o desse p ro d u to foi sendo dom inado pelo grande capital cafeeiro e pelas casas e x p o rta ­ doras estrangeiras. Sobreviveram co m o financiadores da p rodução graças à extrem a fragilidade, para n ão dizer ausência com pleta, da política creditícia n a Prim eira R epú­ blica. D urante os q uaren ta anos de Prim eira República, o crédito teve um caráter p es­ soal, em que o com issário o cu p o u posição im portante. Para um a análise mais deta­ lhada da relação, p ro fu n d am en te conflituosa, en tre lavoura e com issário confira R. Faoro, 1987, pp. 412-418; Mello e Saes, 1985; Saes, 1986, p. 128 e ss.; Saes 1981b, p. 245; Love, 1982, p. 309. 3 Para inform ações m ais detalhadas so b re as famílias vinculadas ao grande capi­ tal cafeeiro e sobre as características econôm icas dessa classe, confira os livros de Zélia M. Cardoso de Mello, 1985; Levi, 1974; Love, 1982; Maria Lígia C oelho Prado, 1986. 4 Para o estudo desse processo histórico de o rigem e desenvolvim ento d o gran­ de capital cafeeiro confira o excelente livro de Zélia C ardoso de Mello (1985) e o clássi­ co de Pierre M om beig (1984). Apesar de obras dessa qualidade, ainda não há nen h u m trabalho exaustivo sobre a form ação (econôm ica, política, ideológica) dessa classe. 5 E xem plos desses elem entos pioneiros são os m em bros do grande capital ca­ feeiro ligados às famílias T oledo Piza e Prado. No que se refere à prim eira, Joaquim de T oledo Piza, em 1869, c om pletou os desbravam entos da zona d e Jaú. Partiu, em 1891, para o sertão de C oroados e lá plantou os prim eiros pés de café. C om a co n s­ trução da ferrovia de Bauru ao Mato G rosso, fundou a cidade de A lbuquerque Lins. Em 1923, ele já possuía 1 m ilhão de pés de café. Para com pletar, fun d o u um a casa

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de exportação em Santos. Os Prado partiram da zona de Limeira e Araras em direção à terra roxa de Ribeirão Preto. O barão de Iguape (o terceiro A ntonio Prado) foi c o ­ m erciante de m ulas em São Paulo, Bahia e Goiás. M artinho Prado, seu filho, plantou cana em Cam po Alto, E ngenho Velho e em Araras, isto é, n o p o n to extrem o do p o ­ voam ento. Em 1887, M artinico, filho de M artinho, descobriu a terra roxa de Ribeirão Preto, e organizou lá várias fazendas. Cf. M om beig, 1984, pp. 140-141. 6 Para essa questão d o traçado das ferrovias e exem plos detalhados, ver Flávio Saes, 1981a, pp. 54-67. 7 Para ver essa diversificação bem m ais detalhada, cf. Saes, 1986. Para o avanço d o grande capital nos serviços urbanos, pp. 80-83. No setor bancário, até 1889, pp. 84-87, n o m esm o setor, a p artir de 1889, pp. 103-108. No com ércio im portador, pp. 108-109 e na indústria, p. 109. 8 É o que revela o relatório da Cia. Paulista de 1900: “ para o c o rre n te ano de 1900, é de se esperar resultado financeiro ainda m elhor. É que não só a safra de café parece não ser inferior à últim a colheita, com o, já em virtu de da alta de seu preço em relação à m iserável cotação que caíra, já pela m elhora da situação cam bial, a im ­ portação deve desenvolver-se, ao m esm o tem p o que, p o r ou tro lado, os encargos da dívida externa serão m enores, bastando q u e se m antenha a atual taxa de câm bio de 9 5/16 para que o serviço dos juros de em préstim o de 1892 custe 500:000$000 m e­ n os do que custou n o ano passado” (a p u d Saes, 1981a, p. 132). 9 A garantia de juros para construção e operação de ferrovias deve tam bém ter funcionado com o elem ento de conflito en tre a lavoura e o capital cafeeiro, além de evidenciar a m aior força p olítica deste últim o. E nquanto a lavoura vivia as mais sérias dificuldades, sem crédito, pagando altos fretes, a garantia de juros funcionava com o um m ecanism o estatal de redistribuição de renda, em detrim ento da lavoura e a favor d o grande capital cafeeiro. 10 É o que denunciava o D iário P o pular, em 1900: “ com o é que alguns lavrado­ res p o derão deixar de v ender seu café a e ntregar, re ceb en d o parte adiantado, em bora tenha boa opinião so b re o futuro do gênero, se ele já está sem saldo ou créd ito num a casa comissária, sem um banco ou capitalista que lhe forneça o necessário ao fim do mês para pagar os seus colonos, sem um a casa com ercial que lhe m ande os gêneros de prim ei­ ra necessidade para o sustento do pessoal? Sem um desses recursos e sem dinheiro em caixa, não tem o u tro m eio a lançar mão; lá vai a safra barato” (a pud Saes, 1981b, p. 251). 11 V oltarem os de form a mais detalhada à questão do crédito agrícola no item sobre a política econôm ica e seus beneficiários. Aqui nos interessa apenas apontar a sua existência co m o m ais um exem plo e pro v a da diferenciação da classe dom inan­ te ligada à econom ia a groexportadora, isto é, da diferença de interesses en tre aqueles que estão ligados exclusivam ente à p ro d u ção e aqueles que ocupam várias posições n o processo social de produção. Sobre as casas exportadoras na especulação comercial, é bem verdade que eram na sua m aioria estrangeiras, porém , duas grandes casas nacionais eram im portantes n o ram o: a B arbosa e Cia., com exportação de 839.971 sacas e, a m aior delas, a Prado Chaves, com e xportação de 3-370.864 sacas. Lem bre-se que através da Prado Chaves várias famílias d o grande capital se relacionavam n o negócio e x p o rta d o r de café. En­ tre 1895 e 1907, das setenta casas e x portadoras que atuavam no com ércio cafeeiro, vinte eram brasileiras. 12 Dos 102.803 eleitores, 3,35% eram em pregados públicos, 5,13% operários, 10,12% artistas, 12,6% comerciantes e 53,86% agricultores. Cf. Casalecchi, 1987, p. 89.

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13 0 estudo d o PRP (Partido R epublicano Paulista) será feito mais adiante e re ­ velará a posição subordinada da lavoura tam bém n o interior do partido. Por ora basta destacar a não-autonom ia do m unicípio com o mais um indício da fraqueza política dos fazendeiros, isto é, daqueles ligados exclusivam ente à esfera da produção agrária. 14 C om o dissem os n a Introdução, efeito p e rtin e n te é a form a específica que um a classe o u fração se m anifesta n o nível político e/o u ideológico de um a determ i­ nada form ação social. Se as associações de classe não eram organizações pro p riam en ­ te políticas é certo que elas não se lim itavam às questões econôm icas, tecendo críti­ cas ao PRP ou defendendo-o. Além disso, num regim e de partido dom inante, com o era o caso do PRP em São Paulo, a atividade política das associações era ainda mais im portante, pois era um a das form as de se m anifestar o d escontentam ento com rela­ ção à política oficial. 15 “ Por ou tro lado, n o que diz respeito a conflitos entre os p ro d u to res de um m esm o estado, é significativo o aparecim ento em São Paulo, em um p erío d o de 13 anos, de três diferentes associações de plantadores de café, revelando a grande difi­ culdade de se agregar a cafeicultura em torno de um só órgão representativo... A p rin­ cipal clivagem entre os cafeicultores se dava entre o gru p o de plantadores — que in ­ cluía p equenos lavradores e grandes m agnatas do café, cuja característica com um era o fato de estarem voltados fundam entalm ente para a lavoura, e o grupo de fazendei­ ros que tam bém possuíam grandes investim entos em outros setores da econom ia, com o bancos, com ércio, exportação ou in d ú stria.” Cf. M artins Filho, 1981, p. 70. 16 A SRB perm aneceu ainda depois da R evolução de 1930, p erío d o em que p o ­ dem os testem unhar u m conflito entre essa entidade e a Com issão para a Organização da Lavoura que, em 22 de agosto de 1931, reuniu-se em Ribeirão Preto para criticar o crédito fornecido pelos bancos com erciais e que asfixiavam a lavoura com juros altos e prazos curtos. A SRB fez críticas a essa com issão e a sua ligação com o in te r­ v e n to r João A lberto, lem brando que os “ verdadeiros” representantes da lavoura eram W hitaker, Num a de Oliveira e T adeu Nogueira, m em bros da sociedade. Em dezem ­ b ro de 1931, a oposição organizada pela SRB o bteve m aioria nas eleições do Instituto do Café e a Federação das Associações dos Lavradores de São Paulo (a antiga com is­ são) e ntrou em decadência, so frendo violentos ataques da im prensa, até que alguns de seus representantes p erdessem o m andato. M esmo depois de 1930 a força de u m a entidade representativa do grande capital perm aneceu significativa, assim com o os seus conflitos com a lavoura. Cf. Fausto, 1972, pp. 56-57. 17 “ E ncilham ento” é o no m e pelo qual se c o n v en cio n o u cham ar o p erío d o da história econôm ica brasileira que se inicia em 1890, com Rui Barbosa n o M inistério da Fazenda do G overno Provisório, e cujas conseqüências se estendem até 1898. So­ b retu d o nos anos 1890-1892, é um p erío d o de grande agitação financeira em função d a política d e expansão do m eio circulante, da criação de novas em presas, da queda cambial, em sum a, de grande instabilidade econôm ica. 18 D urante o prim eiro p e ríodo republicano o Brasil experim entou dois tipos de regim e cambial, am bos com base n o lastro-ouro: o padrão-ouro e a taxa flutuante. O prim eiro (1906/1914 e 1927/1930) baseava-se num a relação fixa — paridade — e n ­ tre a reserva-ouro e o nível d o m eio circulante. Com um a m aior quantidade de reservaouro o país podia expandir o seu m eio circulante. No caso de perda de reservas devia-se contrair o m esm o para m anter a paridade. No segundo (1889/1906 e 1919/1926) o ouro continuava sendo o lastro, em bora não houvesse um a paridade fixa. Assim, qual­

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quer variação nas reservas o u n o m eio circulante alterava im ediatam ente a taxa de câm bio, que é a expressão da relação en tre reservas de o u ro e papel-dinheiro. No ca­ so brasileiro, que era um a econom ia ex p o rtad o ra, o funcionam ento desse sistem a de­ p endia extrem am ente dos hum ores do m ercad o externo, de quem dependia o nível de nossas reservas cambiais, e tam bém d o nível das em issões internas. A crise do m er­ cado e xterno im plicava em redução da entrada d e divisas (ouro) n o país e, caso não houvesse contração do m eio circulante, im ediata desvalorização cambial. Por sua vez, a expansão do m eio circulante sem a expansão c o rresp o n d en te d o lastro-ouro, que foi o que se deu n o Encilham ento, tam bém levava à desvalorização cambial. Cf. Fritsch, 1985, pp. 343-344 e Furtado, 1971 (1972), pp. 155-158. 19 A lavoura perm anecia na difícil situação de falta de crédito. O crédito para a lavoura, n o p erío d o d o Encilham ento, que já era parco, vinha sen d o transferido pa­ ra a indústria na form a de ajuda governam ental. Para se ter um a idéia d e quem foi realm ente beneficiado nesse p e ríodo em issionista, basta lem brar q u e o decreto de 8 de m arço de 1893 autorizou o Banco da R epública do Brasil a em itir bônus ao p o rta ­ d or até a som a de 100.000:0001000. Até abril d o m esm o ano tinham sido em presta­ dos 75.476:0008000, sendo que, desse valor, apenas 19.185:0008000 foram destina­ dos à lavoura. A m aior parte dessa quantia foi entregue aos bancos que financiavam a atividade industrial. Com o diz Nícia Vilela Luz, a respeito desse período, “ é m ani­ festa a desigualdade de p roteção que favoreceu as indústrias e os bancos em detri­ m en to da lavoura” (1978, p. 181). 20 “A concentração tornou-se ainda mais evidente em dezem bro de 1890, quando Rui Barbosa o brigou o Banco dos Estados U nidos d o Brasil e o Banco Nacional a fun­ direm -se e a aum entarem o seu capital c o n ju n to para 200 m il contos, um terço a mais que o capital com binado de todos os bancos d o país três anos antes. O n o v o banco, c ham ado Banco da República, tam bém teve autorização para em itir 500 mil contos, q uatro vezes o m eio circulante do Brasil n o fim d o Im pério.” Cf. T opik, 1987, p. 42. 21 Nas palavras de Flávio Saes: “ sua perspectiva [da lavoura] dos problem as m o­ netários e cam biais sem dúvida advém , em boa m edida, do lugar ocu p ad o n o proces­ so pro d u tiv o e na circulação de m ercadorias... A postura da lavoura quanto ao câm ­ b io a distingue claram ente: favorável, em princípio, à m oeda nacional desvalorizada (câm bio baixo), raram ente consegue levar seu diagnóstico além do elem ento especu­ lativo. As flutuações do câm bio seriam frutos da ação dos especuladores... E ntretan­ to, parece certo q u e os grupos cafeeiros urbanos (com ércio, finanças, transportes) tendiam tanto a preferir o câm bio alto (em d esacordo com a lavoura) co m o ter um a visão mais geral dos m ecanism os econôm icos situados p o r trás das flutuações cam ­ biais. O câm bio alto seria preferido dada a am pla necessidade de im portados (caso das estradas de ferro) ou a im portância de certa estabilidade cam bial (no caso do fi­ nanciam ento para cálculos dos juros ativos); e a visão mais geral talvez se justifique p o r um a m aior proxim idade do m ercado cam bial. Com o com pradores e vendedores c onstantes de cam biais, podiam p erceb er com o exportação, im portação e fluxo de capitais determ inavam , na essência, o m o vim ento da taxa de câm bio. A especulação p odia apenas acentuar essas tendências.” Cf. Saes, 1981b: 253-254. 22 Em 1914 h ouve o segundo fu n d in g loan em razão da crise do m ercado ex ­ tern o ocasionada pela G rande G uerra Mundial. Essa crise fo rçou a fuga de capital do país levando a um crescente endividam ento e x tern o e interno. Sem divisas para pa­ gar tais com prom issos, não restou ao país ou tra opção senão en trar em acordo com

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os bancos internacionais para a realização de o u tro fu n d in g loan, bastante parecido com o de 1898. Cf. Villela e Suzigan, 1973, p. 137. 23 M anter a paridade em 15 pence p o r mil-réis com o pregava a Caixa de C on­ versão criada na prim eira valorização em 1906, num a situação de perda incontrolável de reservas de ouro, im plicaria um a co ntração violenta d o m eio circulante, o que, sem dúvida, levaria o país à paralisia total. 24 O m ovim ento da taxa de câm bio de 1899 a 1906 foi o seguinte: 1899 — 7,4 pence p o r mil-réis; 1900 — 9,5; 1901 — 11,4; 1902 — 12,0; 1903 — 12,0; 1904 — 12,2; 1905 — 15,9; 1906 — 16 , 2 . O p re ço da saca de café (60 kg) de 1899 a 1906 foi o seguinte: 1899 — 3,07 libras-ouro; 1900 — 2,06; 1901 — 1,62; 1902 — 1,54; 1903 — 1,47; 1904 — 1,99; 1905 — 1,98; 1906 — 1,97. 25 Franceschina Vilardo é um a clara representante dessa tese. Para ela, a fração agrária da burguesia cafeeira foi um a das principais protagonistas da Prim eira R epú­ blica. Os esquem as valorizadores, incluindo a defesa perm anente, resultaram das lu­ tas entre essa fração e os segm entos m ercantis da oligarquia cafeeira, mais ainda, re­ sultaram de um a vitória da fração agrária sobre a burguesia m ercantil. A fração agrária da burguesia cafeeira teria sido, então, a principal beneficiária dessas políticas. Cf. Vi­ lardo, 1986, pp. 1-9 e 69-70. 26 “A Caixa de C onversão podia conciliar os aspectos críticos da questão m o ­ netária e cambial: p o r um lado, m anter um a taxa cam bial estável e relativam ente va­ lorizada e, p o r o u tro lado, am pliar o m eio circulante p o r via da em issão lastreada da Caixa de C onversão (lastro de divisas estrangeiras equivalentes a metal), com ev id en ­ tes reflexos positivos sobre a disponibilidade do crédito em geral.” Saes, 1981b, p. 255. 27 O problem a das taxações e dos im postos parece ter atorm entado a lavoura p o r to d o o período . Rodolfo Miranda, candidato ao g overno de São Paulo em 1912, afirm ava na sua plataform a de governo: ‘‘C om o tem os constatado por diversas vezes, a pauta para a cobrança do im posto de 9% a d valorem sobre o café a exportar-se tem sido confeccionada com grave injustiça para as classes produtoras... Para que tal não se reproduza, p rocurarem os a m anifestação sobre esse assunto dos e x p o rta d o ­ res, com issários, corretores e dem ais interessados na lavoura, afim de se em pregar nas cobranças daquele im posto um processo mais eqüitativo. Procederem os, sim ul­ taneam ente, a um a com pleta revisão d o sistem a tributário — em cujas engrenagens se debate a perseguida lavoura de São Paulo — abrandando o enorm e peso dos im ­ p o sto s." Altino Arantes, tam bém com o candidato, em 1916, afirmava: ‘‘Na distribui­ ção eqüitativa dos im postos, conduzida de forma a fazê-los incidir sobre todas as classes sociais e sobre todos os ram os da atividade lucrativa, e destinada, paralelam ente, a aliviar a p o u co e p o u c o a lavoura dos pesados encargos com que vem arca n d o .” Cf. Casalecchi, 1978, pp. 55 e 69. Mais especificam ente sobre as sobretaxas, um e co n o ­ m ista am ericano exam inou o plano de valorização e afirm ou o seguinte: “ Nas c ondi­ ções que prevaleciam n o m ercado, com um a p ro d u ção e x ce d en te e com os estoques governam entais co nstantem ente am eaçando o com ércio, a sobretaxa n ão p o d eria ser facilm ente m udada. Era o cafeicultor que acabava pagando p o r tu d o .” Cf. H ollow ay, 1978, p. 73. 28 Uma outra razão para essa transferência é dada p o r Eduardo Kugelmas, 1986, p. 151, em que o autor diz que ao g overno federal tam bém interessava deixar a defe­ sa p erm anente a cargo de São Paulo em função da dificuldade e do desgaste que cau­ saria a tentativa de “ conciliar a m iríade de interesses d o m u n d o cafeeiro’’. O g overno

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federal achava que a concessão de crédito pós-arm azenagem daria espaço para acusa­ ções de corrupção e favoritism o. 29 A instituição q u e co n ced eu os em préstim os, e teve p o r isso forte influência n o gerenciam ento da defesa perm anente, foi o tru st financeiro Lazard Brothers. Em 1926, essa casa bancária concedeu um em préstim o diretam ente ao Instituto d o Café e não ao estado de São Paulo. O em préstim o era de 10 m ilhões de libras esterlinas, a juros de 7,5 % ao ano e que seria pago com taxa sobre o café transportado. Cf. Vilardo, 1986, p. 162 e Prado Júnior, 1987, pp. 234-235. 30 Segundo Boris Fausto, a situação era pio r ainda. O fazendeiro recebia pela m ercadoria entregue aos arm azéns apenas 35% c o rre sp o n d e n te ao valor d o p roduto. Cf. Fausto, 1972, p. 46. 31 No que se refere às políticas de valorização do café, podem os perceber a p re­ sença de um esquem a geral de decision m akin g . Na m edida em que todas as frações dom inantes ligadas à econom ia agro ex p o rtad o ra dependiam do café, a necessidade de sustentar o p re ço desse p ro d u to em épocas de crise provocava a união dessas fra­ ções em to rn o desse objetivo. Ou seja, num p rim eiro m om ento, a valorização do ca­ fé se apresentava co m o um interesse geral d o c o n ju n to das frações dom inantes dire­ tam ente ligadas a essa econom ia. Porém , n u m segundo m om ento, quando se p ro c u ­ rava d ecidir a respeito das form as de se efetivar tal esquem a, isto é, q u ando se decidia com quem ficava a m aior p arte dos lucros, a un ião se desfazia para dar lugar ao confli­ to entre essas frações. Nesse segundo m om ento, a lavoura cafeeira sem pre colocava as suas próprias pro p o stas que, no entanto, eram derrotadas pelos interesses m ercan­ tis do grande capital cafeeiro e do capital estrangeiro. 32 Embora os candidatos, quando eleitos, jamais realizassem tais prom essas, p o ­ dem os su p o r que a freqüência do discurso acerca da resolução d o problem a creditício era um elem ento im portante na re p ro d u ção da aliança d o p o d e r regional com os coronéis responsáveis pelas massas rurais votantes. A gradeço a D écio Saes p o r essa observação. 33 Esta e todas as citações das plataform as dos candidatos se enco n tram em Casalecchi, 1978, pp. 28-55-72-73-86-109 respectivam ente. 34 Paralela à questão do crédito tem os tam bém , com o exem plo, a reivindica­ ção p elo m o nopólio oficial d o com ércio cafeeiro p o r p arte da lavoura. C om o a ques­ tão d o crédito, o m on o p ó lio oficial nada interessava ao grande capital cafeeiro que via nele um a ameaça aos seus negócios de exportação. É tam bém mais um claro exem ­ plo da fraqueza política da lavoura que jamais conseguiu efetivar tal reivindicação e, ao contrário, da força d o grande capital que sem pre ajudou obstaculizar a realização de tal interesse. 35 O alijam ento dos antigos p ro d u to s exportáveis do m ercado externo, assim com o a condição peculiar de Minas Gerais, serão vistos mais detalhadam ente no Ca­ pítulo 3, em que analisarem os a natureza dos conflitos regionais na Prim eira R epúbli­ ca. Por ora, interessa-nos saber que o estado de São Paulo, já antes da Proclam ação da República, c oncentrava nas suas fronteiras a econom ia agroexportadora. 36 Para as origens do m ovim ento republicano em São Paulo, as suas caracterís­ ticas próprias, a sua com posição social, os seus objetivos, o seu partido, ver o s exce­ lentes livros de Emilia Viotti da Costa, 1977, pp. 243-326 e de José Ênio Casalecchi, 1987, pp. 17-59, dos quais as inform ações contidas n o nosso livro foram retiradas.

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37 Vale insistir nessa observação. Parece-nos irrefutável que a Federação, num prim eiro m om ento, figurava com o objetivo com um do c o njunto das classes dom i­ nantes ligadas diretam ente à econom ia agroexportadora. A autonom ia estadual apa­ recia com o a possibilidade, para todos, de se desvencilharem dos entraves colocados pelo p o d e r central ao avanço da econom ia exportadora. Porém , num segundo m o­ m ento, q u ando a Federação se instaura, a partir de 1889, e passa a vigorar a au to n o ­ m ia estadual, o a n tig o consenso em torno do ideal fe d e ra tiv o cede lu g a r à lu ta p e la hegem onia no in terio r do bloco no p o d e r da econom ia agroexportadora. O grande capital, ciente de sua força, sabia ser capaz de conquistar a posição hegem ônica na política estadual e, de fato, o fez através do dom ínio do PRP e da política dos gover­ nadores. Por isso, essa fração de classe se em penhou, não raro a despeito de seu m onarquism o, na luta pela Federação, assum indo papel im portante na sua c onquista e consolidação. 38 Casalecchi nos inform a so b re a base social do m ovim ento republicano em São Paulo ao dizer que a “ vanguarda d o m ovim ento republicano era com posta de lavradores (proprietários) e capitalistas e cam inhava p ara o ideário que lhes favorecia o ‘espírito associativo’, p resente na organização partidária, e a luta pela autonom ia p ro p o sta pelo federalism o” (1987, p. 50). A organização partidária, isto é, o PRP, que analisarem os mais n o final deste capítulo, era claram ente dom inada p o r m em bros do grande capital cafeeiro que perceberam a im portância d o federalism o para eles. Co­ m o diz Joseph Love: “ os núm eros são ainda mais significativos quando se considera a Com issão E xecutiva do PRP isoladam ente: 60% de seus m em bros esta va m e n vo lvi­ dos em diferentes em p re en d im e n to s” (1982, p. 228, ênfase nossa). O u seja, o partido que liderou a conquista da República em São Paulo e que lutou pela sua consolidação era dom inado pelo grande capital cafeeiro. 39 Além desses fatos, D e odoro tinha algum as propostas que desagradavam p ro ­ fundam ente a São Paulo. Essas propostas eram a u nidade da m agistratura e a igualda­ de de representação entre os estados. Essas m edidas desagradavam os federalistas. Em relato sobre a época deodorista diz Cam pos Sales: “Jam ais seriam os um em bara­ ço ao governo desde que este, p o r sua vez, não tentasse im pedir a consagração dos nossos princípios na C onstituição. Éram os unionistas, m as não duvidaríam os ir até à separação se houvesse no governo quem tentasse fundar um a política unitária.” (a p u d Souza, 1968, pp. 193-194). 40 Q uando assum iu, Floriano depôs todos os governadores deodoristas e co lo ­ cou em seus lugares pessoas de sua im ediata confiança, geralm ente jovens m ilitares. Essas atitudes preocuparam São Paulo que, porém , diante do perigo deodorista, apoiou Floriano francam ente. 41 Sobre as significativas alterações da receita d o estado de São Paulo após o advento da República, ver Love, 1982, p. 362 e Topik, 1987, p. 26. Sobre a im portância da autonom ia estadual na realização dos planos valorizadores, ver Fritsch, 1985, p. 342. 42 Além desses dois m odos fundam entais pelos quais a lavoura se expressa c o ­ m o fração autônom a de classe (fundam entais p o rq u e dizem respeito às relações so ­ ciais prevalecentes no cam po brasileiro e à estrutura política d o período) vale lem ­ brar q u e as associações de classe representativas da lavoura são exem plos de com o essa fração p o d e se expressar com o fração autônom a. A observação vale tam bém pa­ ra o grande capital. Não as abordarem os aqui p o rq u e já n os referim os a elas n o início do capítulo.

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43 O “ com prom isso coronelista” era o apoio recíproco e n tre o poder regional e o p o d e r local. E nquanto este últim o arregim entava votos (graças às relações de de­ p endência pessoal que vigoravam n o cam po) para aqueles que dom inavam o po d er regional, este concedia ao coro n el (chefe d o p o d e r local) carta b ran ca para o exercí­ cio d o p o d e r no seu m unicípio. A relação, n o en tan to , não era equilibrada. Através da castração da autonom ia m unicipal, form alizada na C onstituição de 1891, o po d er local, isto é, o coronel, ficava nas m ãos do p o d e r regional. Este passava a de te r em suas m ãos o erário público, o p o d e r de n om ear funcionários civis, delegados, poli­ ciais e de intervir n o m unicípio. O coronel, caso p retendesse se m anter n o poder, tinha q ue dar incondicional apoio ao go v ern o do Estado. Caso contrário, as benesses vindas do po d er regional poderiam transform ar-se em sérios obstáculos ao exercício do p o d e r no m unicípio. Lembre-se ainda que sem pre havia um a outra facção local desejosa de o b ter o apoio do Estado, g erando divisões que enfraqueciam ainda mais as forças locais e favoreciam o po d er regional. Cf. Leal, 1949 (1978), pp. 49-50 e 54. 44 Sobre a c o rrespondência e n tre a e stru tu ra do Estado capitalista e as relações capitalistas de p rodução veja Poulantzas, 1986, pp. 119-137; e para a explicação da organização burocrática do Estado capitalista veja a m esm a obra, pp. 319-354. 45 “ Mesmo em Santa Veridiana, o n d e as coisas se processavam com toda regu­ laridade, apenas 28, entre oitenta famílias, estavam livres de dívidas... Leclerc re co ­ n hecia que as condições relativam ente boas encontradas p o r ele n a fazenda de A nto­ nio Prado não eram típicas e que, em geral, os fazendeiros não tinham sabido tratar os im igrantes. O que eles tinham feito, p o r conseguinte, era ‘perp etu ar o antigo siste­ m a colonial, com pequenas m odificações’.” Levi, 1974, pp. 179-180. 46 “ A organização socioeconôm ica d o país, polarizando num extrem o as oli­ garquias com origem assentada na grande p ro p ried a d e territorial e, noutro, a grande m assa de desprovidos, bloqueava as opo rtu n id ad es destes, m antendo-os alienados, através dos laços d e dependência a que estavam su b m e tid o s.” Telarolli, 1982, p. 20. “ O coronel lhe (ao trabalhador) dá terra, tira-o da cadeia, ajuda-o na doença, em com ­ pensação, exige fidelidade, serviços, perm anência nas terras, fazer parte dos grupos arm ados e tc .” C arone, 1972 p. 25. Essas relações de d ependência pessoal baseavamse n o colonato, na m eação, na terça, n a quarta, em sum a em form as de trabalho que im plicavam a existência dessa dependência do trabalhador para com o proprietário que lhe cedia o uso da terra e, não raro, da m oradia. Surge daí um a fidelidade não com prada nem barganhada, mas baseada n o prestígio do c o ro n el oriundo do m o n o ­ pólio da terra, d o m on o p ó lio do m eio de p ro d u ç ão da subsistência. 47 Essa hipótese foi aventada n um artigo de D écio Saes, em que se lê: “ ora, é justam ente no fato de o c oronel estar reduzido à condição de chefe político m unicipal que se encontram as raízes de sua fraqueza política: é que em qualquer Estado b u r­ guês, unitário ou federativo, o ram o local d o aparelho de E stado (as m unicipalidades) é dom inado pelo ram o central do aparelho de Estado (o cham ado p o d er central), exis­ ta (caso dos Estados federativos) ou não (caso dos Estados unitários) um a m ediação entre ambos, prom ovida por um a estrutura intermediária, a região político-administrativa ou o g overno regional. A fraqueza das m unicipalidades é, p o rtan to , um a característica geral do Estado burguês, co rresp o n d en te à necessidade da burguesia de subordinar o p o d e r local da p ro p ried ad e fundiária... No Brasil, essa fraqueza já foi consagrada na primeira Constituição republicana (1891), de feitio claram ente antimunicipalista, e nunca depois desm entida; ela se exprim e, n o tadam ente, com o dep en d ên cia financeira dos m unicípios em relação aos estados e à U nião.” Cf. Saes, s/d, pp. 120-121.

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48 O Partido D em ocrático (PD) não será analisado neste livro. O partid o dissi­ d en te parece não ter sido fruto de um a diferenciação in tern a do bloco n o poder. As teses de Prado (1986, p. 152) e Love (1982, pp. 224-241) tornam insuficientes as afir­ m ações de que o PD seria u m p artid o vinculado à indústria ou à lavoura, m ostrando, pela com posição social de seus dirigentes e suas propostas, q u e ele não se diferencia­ va de form a significativa d o PRP. Segundo Prado (1986, p. 158), o PD surgiu a partir de um pro jeto específico visando enfrentar o m o vim ento social que, aos seus olhos, avançava perigosam ente. Ao co n trário do PRP, o PD p ro p u n h a encarar a “ questão social” de o u tro ângulo que não só o da repressão. “ O PD com o partido político, foi o prim eiro a p ro p o r u m p ro jeto alternativo d e dom inação social... Suas propostas criticavam o sim plism o da pro p o sição que identificava a questão social com questão de polícia e, ao m esm o tem po, se colocava com o alternativa às saídas mais radicais com o o BOC.” (Prado, 1986, p. 165).Não cabe, po rtan to , n o nosso objetivo analisar detidam ente o PD. 49 Sobre as crises internas ao PRP e sobre com o a posição subordinada que a lavoura ocupava n o interior do partido fornecia o terren o sobre o qual tais crises avan­ çavam, ver os capítulos 3 e 4 do livro de Casalecchi, 1987. 50 “A escolha e perm anência da Com issão Central, a indicação das candidatu­ ras, as derrubadas e alianças nos diretórios locais suportavam o crivo d o Palácio que, em contrapartida, oferecia preb en d as e cargos, além do am paro da justiça. A direção partidária declarava, sem rodeios, que à Presidência do Estado cabe a palavra, incontestavelm ente, para decidir a conveniência da política. Em sum a, o ‘o rien tad o r’ da com issão, e p o r isso d a p o lítica , seria o chefe do g o v e rn o .” Casalecchi, 1987, p, 185, grifo nosso. 51 Todas as inform ações sobre a estrutura intern a do PRP e sobre o dom ínio do Executivo estadual pela sua Com issão C entral encontram -se em Casalecchi, 1987, C apítulo 5. Sobre os m em bros da Com issão C entral d o PRP e suas atividades e liga­ ções familiares, as inform ações foram retiradas de Love, 1982, Capítulo 5; Prado, 1986, pp. 16-18; Mello, 1985, pp. 131-137. 52 Poder-se-ia objetar que a tese de Love, que não resiste à tentação de identifi­ car na “ elite política” o “ com itê executivo” da classe dom inante (Love, 1982, p. 216), é p rofundam ente em pirista, n o se n tid o de identificar diretam ente origem de classe dos m em bros da cúpula do PRP e interesse representado. C om o na crítica de N. Poulantzas a R. M illiband (cf. “ O problem a do Estado capitalista” , in-. R obin Blackburn (org.) Ideologia n a ciência social, Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1982, pp. 219-233), em q ue Poulantzas diz que o Estado capitalista não perde a sua natureza de classe (bur­ guesa) se os b urgueses não o cuparem os altos cargos do aparelho de Estado, p o d ería­ m os perguntar se o Estado na Prim eira R epública deixaria de ser dom inado p o r in te­ resses agroexportadores se os representantes desses interesses não ocupassem os car­ gos de direção? Antes de tudo, o problem a apresentado não é da m esm a natureza da crítica de Poulantzas a Milliband. Ali se trata da natureza do tipo de Estado, isto é, o E stado burguês na sua generalidade, na sua estrutura geral. Aqui se trata apenas da natureza das políticas que prevalecem n o interior do aparelho de Estado. Penso que se os líderes m áxim os d o PRP, representantes políticos dos interesses da econom ia agroexportadora, fossem , em função da luta de classes, rem ovidos do co n tro le do aparelho de Estado, o u m esm o o seu partido abolido ou enfraquecido, sem dúvida esse Estado não deixaria de ser burguês, mas parece im possível que não houvesse

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sérias e profundas m odificações na natureza das políticas econôm icas em prejuízo dos interesses agroexportadores. Assim, justifica-se o estu d o da origem social dos m em ­ bros da Com issão Central d o PRP, dado que n um a situação histórica específica, e não com o regra geral, a identificação en tre origem de classe dos m em bros da cúpula do E stado e interesses rep resen tad o s p o d e ocorrer. 53 Entre parênteses apresentam os os anos em que fizeram p arte da Com issão E xecutiva d o PRP. 54 Uma objeção que deve surgir ao leitor p o d eria objetivar-se na seguinte ques­ tão: se eram duas frações autônom as, p o r que não faziam p arte de dois partidos dis­ tintos? Prim eiro, p o d em o s resp o n d er dizendo q u e a tentativa de form ar um Partido da Lavoura visava, claram ente, à constituição, p o r p arte dos fazendeiros d o interior, de um partido político próprio. Segundo, que a existência do PRP com o partid o d o ­ m inante, o cupando praticam ente sozinho a cena política d o perío d o , não se devia a um a p retensa hom ogeneidade do b lo co n o p o d e r da econom ia agroexportadora. O PRP se constituía com o tal devido ao arranjo institucional feito através da política dos governadores. Com o apoio incondicional às situações estaduais, até com o uso da força se preciso fosse, com a garantia de q u e aos Congressos Estadual e Federal chegariam apenas os representantes da situação, a constituição de u m partido op o si­ cionista se tornaria inviável. Mesmo que se form asse um partido de oposição ele teria vida curta, pois esta era im praticável, diante da im possibilidade da alternância n o p o ­ der. D iante dessa situação restava apenas a possibilidade de lutar d e n tro do partido d om inante n o estado, n o caso, o PRP.

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A BURGUESIA INDUSTRIAL COMO FRAÇÃO AUTÔNOMA DE CLASSE Longe v a i o tem po em que, g o vern a n d o -n o s o em pirism o, p a ss a v a p o r verdade indiscutível que é ram os u m p a ís essencialm ente agrícola. Sezerdelo C o rrê a 1

As palavras de Sezerdelo Corrêa, citadas acima, m ostram que a indústria adquiriu no prim eiro p erío d o republicano um a im portân­ cia significativa. O Brasil da Prim eira República não era apenas um a vasta fazenda perm eada p o r m onótonas relações sociais arcaicas. Era tam bém o país de alguns centros urbanos que despontavam na eco­ nom ia nacional. O presente capítulo p reten d e m ostrar que, nas transform ações ocorridas durante o período, a indústria não se constitui num a m era alternativa de investim ento aos lucros excedentes provenientes da econom ia agroexportadora. O u p o r outra, que a indústria não foi um m ero apêndice do setor cafeeiro. É certo, e isso é inegável, que o avanço da industrialização no país esteve intim am ente ligado à econom ia cafeeira. Mas a subordi­ nação à dinâm ica da econom ia agroexportadora não im plicou a nãoexistência da burguesia industrial, ou que, existindo, não se fizesse presente na cena política ou na luta ideológica. Pretendem os m ostrar que, com o nos informa Boris Fausto (1986: 23), a burguesia industrial, do p o n to de vista da estrutura social, em ­ b o ra num ericam ente restrita, representava um grupo econôm ico im­ p o rtan te, em co nstante avanço, e, com o tal, um a fração de classe ca­ paz de expressar os seus interesses de form a autônom a, se não parti­ dária pelo m enos ideologicam ente, tentando influir nas deliberações dos centros de decisão. Nisso reside, ao nosso ver, a im portância de se incluir neste trabalho um estudo sobre a burguesia industrial.2

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dem industrial, R oberto Sim onsen, um dos principais ideólogos da burguesia industrial paulista, não se constrangia em afirmar que a es­ trutura econôm ica do Brasil devia repousar essencialm ente na cultu­ ra da terra (Fausto, 1972: 08-09). Essa am bigüidade não era exclusiva do líder industrial, mas sim característica da própria condição dúbia em que a burguesia indus­ trial se encontrava no período, isto é, característica de um a classe que avançava graças à ascensão dos negócios cafeeiros e, ao m esm o tem ­ po, tinha seu avanço im pedido em razão dos limites que lhe eram im ­ postos pela dinâm ica da econom ia agroexportadora. A indústria era, a um só tem po, setor significativo e subordinado, com interesses p ró ­ prios mas sem condições de elaborar e apresentar um p rojeto hege­ m ônico de sociedade alternativo ao p rojeto agroexportador; defen­ dia seus pró p rios interesses mas não um program a industrialista al­ ternativo à econom ia agroexportadora; organizava-se em associações de classe e pregava um a ideologia própria, mas não constituiu um par­ tido político autônom o; criticava a preponderância da sociedade agro­ exportadora e m onocultora, mas não aderiu à Revolução de 1930 etc. Neste prim eiro item, não se trata, pois, de negar o caráter su­ b o rd in ad o da indústria, mas tam pouco se trata de negar a existência de posições políticas e ideologias próprias a essa fração da classe d o ­ m inante. É este últim o aspecto que nos interessa aqui, isto é, m os­ trar a burguesia industrial não com o m ero apêndice do setor agroex­ po rtador, mas com o um elem ento a mais no já com plexo bloco no p o d er da econom ia agroexportadora. Interessa-nos associar os limi­ tes im postos pela dinâm ica da sociedade agroexportadora ao avan­ ço da indústria, à crescente organização da burguesia industrial, à to ­ m ada de consciência de seus interesses, à luta ideológica que ela p ro ­ m ove no período, em suma, à sua luta para auto-afirmar-se com o fra­ ção autônom a de classe. Enfim, abordarem os aqui a relação confli­ tuosa que se desenvolveu entre a sociedade agroexportadora e a b u r­ guesia industrial na Prim eira República, e não os aspectos positivos, do p o n to de vista da atividade industrial, dessa relação.5

1.1 O conflito Através de alguns dados estatísticos podem os perceber o avan­ ço da importância econôm ica da atividade industrial. O censo de 1907 130

apontava a existência de 3.528 estabelecim entos, com 67 mil c o n ­ tos de capital, em pregando 15 mil operários, produzindo um valor de 140 mil contos. O censo de 1920, p o r sua vez, apontava a quase quadruplicação do núm ero de estabelecim entos, que subiu para 13-490. O capital invertido atingiu 1 m ilhão e 800 mil contos, o c o n ­ tingente operário chegou a 280 mil e o valor da produção atingiu 2 m ilhões e 990 mil contos. O crescente aparecim ento de usinas de energia elétrica pode ser tom ado com o um efeito do crescim ento acima m encionado. Em 1890, havia duas usinas hidrelétricas. Entre 1900/1910, foram fun­ dadas mais 77 usinas e, entre 1915/1922, mais 152. Em 1890, as duas usinas produziam 10.000 HP e, em 1915, a p rodução passou a ser de 200.000 HP. Entre 1910/1920, a capacidade de produção de ener­ gia instalada n o Rio de Janeiro passou de 79-367.850 KW para 276.027.020. São Paulo, p o r sua vez, passou de 48.918.360 para 164.499.100 KW. O im posto so b re o consum o, que incidia sobre os p rodutos in­ dustrializados internam ente, tam bém revela o avanço industrial. Ele representava, em 1910, 10,5% da receita do Estado, atingindo 23,7% em 1917, 22,5% em 1918 e 21,7% em 1919. Enquanto isso, o im ­ posto sobre im portados caía de 54,8% em 1910, para 37,8% em 1920 (Sodré, 1967: 227 e ss.). Os dados sobre a com posição da pauta de im portações tam bém exemplificam o avanço da atividade industrial. Entre 1871/1875, as im portações de bens de consum o assalariado representavam 66% do total das com pras brasileiras. Entre 1901/1910 passaram a rep re­ sentar 40,5% para, entre 1920/1929, representarem apenas 23,1% . Ao contrário, as matérias-primas subiram de 47% , em 1901/1910, para 54% , em 1920/1928. As im portações de bens de capital deram um salto de 9% para 14% no m esm o perío d o (Sodré, 1967: 182). Essas alterações m ostram claramente a substituição de im portações de bens de consum o assalariado pela produção interna, o que tornava neces­ sária a im portação de bens de capital e matérias-prim as para a indús­ tria em form ação. Em resum o, podem os dizer que, durante a Prim eira República, a atividade industrial passou p o r transform ações quantitativas e qua­ litativas. D entro das transform ações quantitativas podem os identifi­ car dois surtos industriais. O prim eiro, entre 1890 a 1899, quando a tarifa-ouro, os aum entos das taxas sobre os im portados, a desvalo-

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M ostraremos o avanço econôm ico da indústria, tam bém para evi­ denciar a pertinência do capítulo e de nossas hipóteses. Porém , o nosso m aior interesse reside nas form as pelas quais esse avanço se traduziu em interesses específicos e, sobretudo, na form a em que es­ ses interesses se m anifestaram e foram defendidos. Desse p o n to de vista, seguindo as inform ações de Saenz Leme (1978: 76), as tarifas aduaneiras m ostram -se com o um dado privilegiado para analisar o co m p o rtam ento da burguesia industrial com relação aos seus inte­ resses e em oposição aos de outras frações da classe dom inante. Atra­ vés da luta para interferir nas políticas aduaneiras, os antagonism os existentes entre essas frações (indústria, agricultura e com ércio) se m anifestam claram ente. Para a burguesia industrial, em especial, a tarifa alfandegária é fundam ental para a sua sobrevivência na m edida em que ela exerce, bem ou mal, um a função protecionista. P ortanto, a luta p o r tarifas a d eq u a d a s aos seus interesses é extrem am ente im portante no ím ­ p eto o rg a n izativo dessa classe. Ciente da necessidade do p ro tec io ­ nismo, a burguesia industrial percebeu ser a organização o único meio possível de atingi-lo. A luta p o r esse objetivo transform ou a indús­ tria num forte grupo de pressão já no perío d o em estudo. A ideologia industrialista que essa fração do bloco n o p o d e r de­ senvolveu com o justificativa da sua luta p o r tarifas protetoras e o seu avanço organizativo fortem ente incentivado p o r essa m esma luta m os­ tram , além de tudo, que é através da questão tarifária que se pode perceber a em ergência não só econôm ica mas tam bém política e ideo­ lógica de um a burguesia industrial n o prim eiro período republica­ no. Não é preciso dizer que a tarifa aduaneira im plicava num a certa distribuição do consum o interno entre pro d u to s nacionais e im por­ tados. Antes de term inarm os esta justificativa, gostaríamos de fazer uma breve crítica àqueles que atribuem à tarifa aduaneira um caráter m e­ ram ente fiscal. A tese repousa na seguinte afirmação-, apesar de to ­ das as variações tarifárias durante o período, o governo acaba agin­ do, fundam entalm ente, em função dos seus interesses fiscais. Não se trata de sim plesm ente recusar tal afirmação. É fato inegável que o im posto sobre os im portados constituía-se na espinha dorsal das finanças do Estado brasileiro e que a este cabia zelar pelas tarifas p a­ ra que suas finanças não entrassem em colapso. É verdade, p o rtan ­ to, que os interesses do fisco são preponderantes na questão tarifá­

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ria. Porém , referir-se à tarifa com o m eram ente fiscal nos im pede de p erceb er que o vai-e-vem que ela percorre durante a Prim eira R epú­ blica, na direção de um livre-cam bism o, algumas vezes, ou de um protecionism o m oderado, em outras, revela as forças sociais e os in­ teresses de classe que agem sobre essa questão, visando se sob rep o r uns aos o u tro s.3 O desarranjo, as contradições, a inconstância das tarifas aduaneiras são reveladores da existência de forças diversas agin­ do sobre a política tarifária, e, sem dúvida, os interesses da indústria se fazem presente nessa luta.

1. A RELAÇÃO ENTRE O AVANÇO DA INDÚSTRIA E A DINÂMICA DA ECO N O M IA A GRO EX PO RTA D O RA A tese que nos orienta acerca da relação entre indústria e setor ag roexportador é a que se refere a um a relação de unidade e confli­ to entre aquela e a econom ia cafeeira (Silva, S., 1976; Mello, 1986; Silva, L., 1976). Ao contrário de outros trabalhos que entendem essa relação a partir de um p o n to de vista que tende a enfatizar a integração entre esses dois setores,4 pensam os, com o Sérgio Silva, que a relação e n ­ tre indústria e econom ia agroexportadora é m arcada pela unidade e pela contradição: u n id a d e na m edida em que expansão da indús­ tria depende da expansão cafeeira; contradição, pois, ao m esm o tem ­ po, a econom ia cafeeira im põe limites ao seu pleno desenvolvim en­ to (Silva, S., 1976: 103). Não se trata, portanto, de encarar a relação entre café e indús­ tria de um a form a unívoca, seja em term os de oposição ou integra­ ção. Se é inegável que a econom ia agroexportadora forneceu os prérequisitos básicos para o avanço da industrialização n o período, não é m enos verdade que ela im pôs limites (econôm icos e políticos) à continuidade desse avanço. A relação da indústria com a econom ia agroexportadora é, desse p o n to de vista, um a relação de d ep e n d ên ­ cia e conflito. É fato que a burguesia industrial e seus líderes tinham críticas co n tu n d en tes a um a sociedade baseada na m onocultura ex p o rtad o ­ ra. Mas, ao m esm o tem po, dependentes da dinâm ica dessa eco n o ­ mia, não podiam criticá-la de form a radical. Apesar de todas as rei­ vindicações, de todos os elogios e vantagens apregoadas de um a or-

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rização cambial, o crédito fácil e a isenção de im postos sobre os bens de capital, adicionados à expansão do m ercado interno ajudada pela corrente imigratória e à exploração da energia elétrica, contribuíram para um significativo aum ento do investim ento industrial e um forte desenvolvim ento das indústrias tradicionais. Vale reforçar que essas condições perm itiram não apenas um aum ento da produção, mas principalm ente da capacidade produtiva, aprofundando o processo de industrialização do país (Villela e Suzigan, 1973: 128). Entre 1890 e 1894, a im portação de m áquinas da Grã-Bretanha (nosso principal fornecedor) aum entou em 71,3% em relação a 1885/1890, passan­ do de 2.226 para 3.881 libras. Em term os relativos, passaram de 7,6% do total das im portações brasileiras para 10% no m esm o período (Muller, 1983). O segundo surto ocorreu de 1903 a 1913 (mais acentuadam ente entre 1906 e 1913). Entre 1900 e 1903, o p ro d u to real da indústria cresceu a um a taxa anual média de apenas 2,9% , dobrando, entre 1904 e 1913, para 6,5% ao ano e chegando a 8,7% entre 1908 e 1913- En­ tre 1900/1904 e 1905/1909, a participação do item “m aquinário” nas im portações totais da Grã-Bretanha aum entou de 7% para 10%. O item “ matérias-prim as diversas” passou de 13% para 15%. Em valo­ res m onetários, a im portação de m áquinas dobrou: foi de 1,9 m ilhão (1905/1909) para 4,1 m ilhões de libras (1909/1913); a im portação de matérias-prim as foi de 3,4 para 6 m ilhões de libras. Aum entava, as­ sim, o processam ento interno de matérias-primas, sobretudo as m e­ tálicas, e a nossa dependência do exterior em relação aos m eios de pro d u ção (Villela e Suzigan, 1973: 132-133). O fato econôm ico mais significativo desse período foi o esquem a valorizador de 1906. A p ar­ tir dele houve, entre 1909 e 1913, forte m elhora nas relações de tro ­ ca do café, gerando um a m aior capacidade para im portar que, som a­ da à Caixa de Conversão que barrou a valorização do câm bio, deu n o v o incentivo ao avanço do processo de industrialização. O censo de 1920 afirma que, dos estabelecim entos existentes em 1919, 1.080 foram fundados entre 1900 e 1904 (216 ao ano em média), 1.358 entre 1905 e 1909 (272 ao ano) e 3-135 entre 1910 e 1914 (627 ao ano). Cerca de 42% dos estabelecim entos tinham si­ do fundados entre 1900 e 1914, 34% só entre 1905 e 1914 (Muller, 1983: 96). É nesse período, de 1906 a 1914/1920, que São Paulo ar­ rebata a prim eira posição m anufatureira, ultrapassando o Distrito Fe­ deral.

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O p erío d o da guerra (1914/1918) teve um duplo significado, positivo e negativo, para a indústria. Positivo, na m edida em que perm itiu à indústria m ostrar-se capaz de prover as necessidades do país, o que foi possível graças à capacidade produtiva acum ulada nos anos anteriores. Além disso, a guerra propiciou considerável acúm ulo de capital em função da am pliação do m ercado interno, antes ocupado, em grande parte, p o r p rodutos im portados, im pos­ sível de serem com prados num a situação de guerra m undial. Nega­ tivo p o rque o conflito m undial criou obstáculos à nossa capacida­ de para im portar, tanto pelo fecham ento dos m ercados com o pela crise no com ércio de café, deixando estacionada a capacidade p ro ­ dutiva do setor industrial. Qualitativam ente, a indústria brasileira sofreu im portante trans­ form ação na década de 1920, quando surgiu o em brião de um d e­ partam ento de bens de capital, contrib u in d o para a diferenciação da estrutura industrial. É nesse perío d o que surgem a pequena indús­ tria do aço, do cim ento, de m otores elétricos, de m áquinas têxteis etc. Surgem, em grande parte, com ajuda do governo, ciente, depois da guerra, da necessidade de atingirm os a nossa independência nes­ se setor, (Silva, L., 1976: 46-55).6 Portanto, durante a Prim eira República, a indústria atinge um p o n to de desenvolvim ento que a coloca num lugar de grande im ­ portância na econom ia nacional. Torna-se um a atividade que não p o ­ derá mais ser desprezada nos cálculos dos governantes. Além de ser um a atividade substituidora de im portações e, p o r isso, poupadora de divisas, na m edida em que se desenvolvia, a indústria transfor­ mava-se, através do im posto sobre consum o, em im portante e segu­ ra fonte de receita para o Estado brasileiro. Para se ter um a idéia, em 1938, em São Paulo, nenhum m unicípio cuja econom ia se basea­ va na agricultura ocupava os cinco prim eiros lugares em term os de pro du ção de renda. São Bernardo, subúrbio industrial, ultrapassou Ribeirão Preto en tre 1920/1938 (Love, 1982: 53). P odem os p erce­ ber, p o r esses dados e pelo fato de na década de 1920 despontar um setor pro d u to r de bens de capital, que a indústria foi, em grande parte, responsável pela superação da crise de 1929. No entanto, o avanço da indústria e da burguesia industrial ocor­ reu d en tro de claros limites, econôm icos e político-ideológicos, co ­ locados pela sociedade agroexportadora, contra os quais essa classe se organizou e lutou. É o que verem os a seguir.

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1.1.1 A organização da burguesia industrial Com o dissem os, o crescim ento industrial, em bora incentivado pela expansão do setor exportador, era barrado p o r limites colocados p o r este m esm o setor, limites de natureza política e eco­ nôm ica. O limite econôm ico residia na ausência interna de um setor p ro ­ d u to r de bens de capital que im punha obstáculos à reprodução sim ­ ples e am pliada do capital industrial. Ou p o r outra, dep en d en te da capacidade para im portar gerada pelo setor exportador, o processo de aprofundam ento da industrialização tinha a sua dinâm ica ditada pelo desem penho desse m esm o setor. No decorrer do seu desenvolvim ento, a burguesia industrial per­ cebeu que os limites ao crescim ento da indústria não se situavam ape­ nas no nível econôm ico. Estes estavam claram ente colocados tam ­ bém no nível político e ideológico. Os setores agroexportadores e seus aliados, com o o capital financeiro internacional, sabiam que o avanço industrial significaria, para o prim eiro, a possibilidade de su­ peração de sua condição de centro dinâm ico da econom ia e, para o segundo, a possibilidade de ruptura da nossa dependência finan­ ceira estrutural. Diante desses inimigos só restava à burguesia indus­ trial organizar-se.7 Com o avanço da atividade m anufatureira, a burguesia indus­ trial com eçou a organizar-se e, já no fim da Primeira Guerra, a luta dos industriais pela defesa de seus interesses estava com pletam ente concentrada em entidades de classe e não mais dependente apenas de indivíduos isolados com ideologias industrialistas. A prim eira grande organização industrial foi o C entro Industrial do Brasil (CIB), antiga Sociedade Auxiliadora da Indústria Nacional, fundada em 1820 e transform ada n o CIB em 1904. O seu objetivo era proteger a indústria em todo o território nacional. A nova organização era constituída, na sua grande maioria, p o r associados cariocas e flum inenses. Porém , isso não significou que o CIB se limitasse aos interesses das indústrias dessas regiões. Ao c o n ­ trário, a am plitude de suas lutas e cam panhas possibilitou às indús­ trias de outros estados, através das respectivas associações com er­ ciais, dirigirem-se freqüentem ente ao CIB com problem as a serem resolvidos e, não raro, de caráter bastante particular.

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No que se refere à Associação Com ercial de São Paulo, Saenz Leme nos inform a que ela congregava, além de com erciantes nacio­ nais, um a grande quantidade de industriais. Essa associação foi com um ente acusada, pela im prensa e pelo com ércio im portador, de favorecer os interesses industriais em detrim ento dos com erciais (Le­ me, 1978: 15).8 A Associação Com ercial de São Paulo foi fundada em 1894, congregando com erciantes e industriais. Em 1914, contava com 152 associados, do com ércio e da indústria. Em dez anos ela viu os seus quadros aum entarem em 700% , atingindo 1.118 associa­ dos. Na m edida em que foi crescendo, a associação foi absorvendo outras entidades de classe, com o aconteceu com o C entro das In­ dústrias do Estado. Problem as com eçaram a surgir com o cresci­ m ento da participação de industriais na Associação Comercial. A presença cada vez mais m arcante de seus interesses to rn o u difícil a convivência e a ação conjunta da associação na defesa dos objeti­ vos diversos de industriais e com erciantes. No centro do conflito estava a questão tarifária. A luta dos industriais p o r um a tarifa p ro ­ tecionista passou a ferir diretam ente os interesses m ercantis ali re­ presentados. Com a crise cambial de 1924/1925, a indústria passou p o r um a difícil situação. A elevação cambial prom ovida pelo presidente Ar­ tu r Bernardes facilitou a im portação e, a partir de 1926, o m ercado nacional com eçou a ser inundado p o r tecidos estrangeiros, so b retu ­ d o ingleses. A situação tornou-se insustentável. O apelo dos fabri­ cantes no sentido de um aum ento tarifário era contínuo, porém , a Associação Com ercial não lhes dava o devido apoio, dificultando o atendim ento de suas reivindicações. Em função disso, em janeiro de 1928, com a eleição para a diretoria da entidade, esboçou-se um a cisão. Jorge Street, que fora líder do CIB, liderou um a chapa com representantes exclusivos dos interesses industriais, em contraposi­ ção à chapa oficial m ais ligada ao com ércio. Foi tentada um a chapa de conciliação, liderada p o r A ntonio Carlos de Assumpção. Os inte­ resses industriais, porém , recusaram o acordo. Assim, em 1928, a cisão ocorreu e os industriais deixaram a As­ sociação Com ercial de São Paulo para form ar o C entro das Indús­ trias do estado de São Paulo, no dia 3 de junho. O centro nascia com o objetivo de representar os interesses estritam ente industriais e lu­ tar pelo avanço da atividade m anufatureira no país. A sua prim eira

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diretoria foi form ada p o r Otávio P upo Nogueira, Jorge Street, Fran­ cisco Matarazzo e H orácio Lajes. Se a Associação Com ercial de São Paulo serviu durante anos aos interesses dos industriais, ela não conseguiu, contudo, supe­ rar a crise de 1924/1925 sem resolver o problem a do condom ínio de interesses. M elhor dizendo, esse problem a foi resolvido pelos próprios industriais, conscientes de que os seus objetivos não se­ riam plenam ente realizados caso perm anecessem na velha associ­ ação. D urante o avanço organizativo da burguesia industrial em São Paulo, alguns nom es surgiram com o os seus principais representan­ tes. É im portante notar que, na m edida em que essa classe vai avan­ çando e se organizando, a defesa do industrialism o vai deixando de ser feita p o r grandes nom es e p o r grandes líderes individuais, e pas­ sa a ser feita p o r indivíduos que são representantes de entidades de classe, com o o CIB, a Associação Com ercial de São Paulo e o C entro das Indústrias. Entre os prim eiros podem os destacar os nom es de A ntonio Felício dos Santos, que apontava na industrialização a cura para a nos­ sa dependência econôm ica; Amaro Cavalcanti, que pregava a indus­ trialização para que atingíssim os a soberania econôm ica de fato; Sezerdelo Corrêa, que cam inhava na m esm a direção dos dois anterio­ res e João Luís Alves, que se notabilizou p o r um projeto tarifário fran­ cam ente protecionista. Com o avanço da indústria e de suas organizações, os indivíduos de destaque que defendem a atividade industrial o fazem com o re ­ presentantes de entidades de classe e não mais em nom e próprio. Essa m udança revela, sem dúvida, o avanço da conscientização de classe da burguesia industrial e um passo a mais na sua constituição com o fração autônom a de classe. Jorge Street era um representante orgânico da burguesia indus­ trial e liderou, durante a Primeira República, um a luta tenaz contra o com ércio im portador. Foi presidente do CIB, de 1919 a 1926, in­ do depois para a Associação Com ercial de São Paulo. Possuía indús­ trias de juta no Distrito Federal (400 operários) e em São Paulo (4 mil operários). Era o único com fábricas neste estado que o cu p o u cargo de direção no CIB. Jorge Street teve im portante papel nessa associação, fazendo dela um a instituição realm ente eficaz na defesa dos interesses industriais. 136

A década de 1920 revelou um dos mais proem inentes líderes industriaiístas: R oberto Simonsen. Foi ele quem fez o discurso de inau­ guração do C entro das Indústrias do Estado de São Paulo, eviden­ ciando os objetivos da entidade. Não foi apenas um hom em de o r­ ganização. Foi tam bém um grande ideólogo do pensam ento indus­ trial, sistem atizando teoricam ente os seus interesses de classe. T odos os grandes nom es da defesa do industrialism o, depois de um a certa época, são representantes dos interesses de classe organi­ zados em entidades e não mais paladinos solitários do industrialis­ m o. Entre eles, além dos nom es acim a citados, encontram os Fran­ cisco Matarazzo, P upo Nogueira, H orácio Lafer etc. É interessante lem brar tam bém que não apenas as lutas da b u r­ guesia industrial no interior do bloco no p o d er levaram essa fração a organizar-se em entidades de classe. A sua união diante das lutas operárias foi o u tro forte fator que contribuiu para a criação de vá­ rias associações patronais. Organizando-se, a burguesia industrial con­ seguiu barrar um a série de avanços ou possíveis avanços com rela­ ção à “ questão social’’. Em 1 9 2 1 ,0 M inistério da Agricultura cogitou p ô r em funciona­ m ento o D epartam ento Nacional do Trabalho, cuja criação, em 1918, perm aneceu sem efeito prático. Mal foi anunciada a idéia, a resistên­ cia do setor patronal se fez sentir. O CIB foi a instituição que exer­ ceu oposição mais decidida ao projeto. Em representação do CIB en ­ viada ao M inistério da Agricultura, os industriais tem iam a possibili­ dade do p ro jeto trazer agitação no m eio operário, na ocasião pacífi­ co, agitação esta passível de se estender aos im igrantes que estavam sendo contratados naquele m om ento. O m edo era de que se p ertu r­ basse o trabalho fabril, o que seria prejudicial à indústria que já en ­ frentava a crise do setor externo em função da crise americana. Na verdade, com o nota Saenz Leme (1978: 113), o verdadeiro tem or dos industriais era que a arbitragem dos conflitos entre pa­ trões e em pregados fosse transferida da esfera policial para o D epar­ tam ento Nacional do Trabalho, transferência, aliás, prevista n o p ro ­ jeto original. O departam ento perm itiria tanto ao governo com o aos operários m aiores condições de fiscalização do trabalho fabril. A ameaça não se concretizou. O departam ento perm aneceu inoperan­ te e foi transform ado, em 1923, num C onselho Nacional do Traba­ lho que exercia funções de assessoria ao governo federal referente à questão social. Q uando o conselho passou a ter com petência para

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m ediar os conflitos trabalhistas, em 1928, Oliveira Passos, presiden­ te do CIB, tornou-se m em bro da sua direção. Entre 1925 e 1927, particularm ente, a burguesia industrial lu­ tou co ntra várias tentativas de leis que favoreciam os trabalhadores. A lei de férias, p o r exem plo, de 24 de dezem bro de 1925, tinha o seguinte conteúdo: 15 dias de férias aos em pregados com erciais, in­ dustriais e bancários, sem prejuízo dos ordenados, de um a só vez o u parcialm ente; m ulta aos infratores n o valor de 2:000$000; C ódi­ go do M enor, de 1 de dezem bro de 1926, que previa a proibição de trabalho para m enores de 12 anos em to d o o território da Repú­ blica (o limite seria de 14 anos nas indústrias manufatureiras). Várias associações industriais9 uniram -se contra essas tentativas de regular o trabalho fabril, acusando-as de “ socialismo de E stado” . Mais do que reivindicações que im plicassem algum custo m onetá­ rio, os industriais tem iam, e não o adm itiam , m edidas que afetassem o ritm o do trabalho nas fábricas e o nível de exploração do p ro d u ­ to r direto. A m obilização de um grande núm ero de entidades industriais e o ab o rto das m edidas trabalhistas revelam um a burguesia indus­ trial consciente de seus interesses e com força suficiente para fazer valê-los. 1.1.2 A burguesia in d u stria l e a luta ta rifá ria A luta tarifária durante a Prim eira República, com o dissem os, é o m o d o pelo qual o industrialism o, isto é, a organização da burgue­ sia industrial com o classe com interesses próprios, revela-se de for­ m a mais evidente. A luta tarifária no perío d o p o d e ser divida em três fases.10 A fase inicial com eça na prim eira década republicana para findarse depois de 1898, q uando a queda dos preços do café e a grave si­ tuação das finanças públicas colocaram em xeque o industrialism o. Com o vimos, o início dessa fase foi m arcado pelo aum ento do m eio circulante, pelo fácil acesso ao crédito, pela expansão dos n e ­ gócios com a form ação de inúm eras em presas com erciais e indus­ triais. Surgiram nesse período várias em presas sem capacidade de se sustentar e que sobreviveram graças aos em préstim os do governo, favores, concessões e privilégios. Levadas p o r este entusiasm o ge­ neralizado, investindo sem cálculos objetivos, não tardou para que as indústrias entrassem em crise. 138

Uma vez em dificuldades, os industriais não tiveram dúvida em recorrer im ediatam ente ao governo, ped in d o m aiores concessões de em préstim os. Porém , o uso indevido e sem critério das finanças p ú ­ blicas com eçou a gerar as prim eiras críticas à atividade industrial no país. Rangel Pestana, ruralista convicto, criticou a indústria afirm an­ do que ela crescera graças à “ jogatina financeira” do Encilham ento. Leite Oiticica fez críticas a partir de um p o n to que seria m uito utili­ zado pelos antiindustrialistas, qual seja, o de que a indústria se enri­ quecia às custas do consum idor, sacrificado pela desvalorização do câm bio, e às custas das finanças públicas. O com ércio im portador tam bém levantou sua voz contra as em issões, contra o uso do di­ nheiro estatal e co n tra a desvalorização do câm bio, usando a retóri­ ca da defesa do consum idor, mas, na verdade, p reocupado com a perda de com petitividade dos p ro d u to s im portados. A esses ataques a burguesia industrial reagiu com argum entos nacionalistas, afirm ando que a independência econôm ica e a efetiva autonom ia política só seriam possíveis com o desenvolvim ento de um a forte atividade m anufatureira. O debate já prenunciava o c o n ­ flito entre liberalism o e protecionism o, industrialistas e im portado­ res, enfim, entre indústria e econom ia agroexportadora. D efendendo a sua im portância para a vida econôm ica do país, os industriais enviaram um a representação ao Congresso, com posta p o r hom ens eleitos p o r eles, assinada p o r Felício dos Santos, Paulo de Frontin, Chaves de Faria, G. O sório de Almeida, C unha Ferreira, Buarque de M acedo, Teixeira de Azevedo, C ustódio de Oliveira, Do­ m inique Level, Fernandes Pinheiro e Adolfo Barros, que solicitava ajuda governam ental na form a de em préstim os. Estes foram conce­ didos, em especial através do Banco da República do Brasil. A indefinição e o abuso da política industrial brasileira im pera­ va, nessa prim eira década, tam bém nas isenções de tributos sobre as matérias-prim as e m áquinas para m ontagem e renovação das fá­ bricas. As formas de concessão de isenções eram leis especiais e co n ­ tratos realizados individualm ente, dando am pla m argem ao favori­ tism o e negociatas. Este era o caso do decreto 947 de 4 de novem ­ b ro de 1890. Nesse ano, o governo fez um a reform a aduaneira ele­ vando ligeiram ente, p o r necessidades fiscais, os direitos de im porta­ ção. Em 1892, ho u ve nova elevação sobre os artigos de luxo e a ins­ tauração da cota-ouro. O caráter fiscal desta últim a perm aneceu, já que atingia indiscrim inadam ente a todos os produtos. A confusão

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chegava ao p o n to de se taxar m atérias-prim as necessárias à indústria e deixar isentos os im portados similares aos nacionais. Porém , em 1896, na luta pela revisão das tarifas, um a nova pau­ ta foi elaborada com intuitos protecionistas mais claros. Seguindo os argum entos de Sezerdelo Corrêa sobre a vulnerabilidade de um a econom ia baseada na exportação de alguns poucos produtos agríco­ las, a intenção era fom entar a p ro d u ção nacional e aliviar a nossa ba­ lança de pagam entos. A nova pauta não foi inteiram ente p ro tecio ­ nista, mas deu ordem às tarifas e recuperou a renda aduaneira, abala­ da pela desvalorização cambial, aum entando os direitos de im porta­ ção em 25% . Entretanto, a constante queda do câmbio desde 1891 e o aum en­ to crescente do custo de vida, adicionados à crise cafeeira a partir de 1895, fizeram avolum ar as críticas co n tra o industrialism o. Joaquim M urtinho iniciou a célebre, intensa e perm anente cam ­ panha contra as “indústrias artificiais” , isto é, aquelas que necessita­ vam de matérias-prim as im portadas para produzir. Surgiram, junto com a cam panha, freqüentes ataques na im prensa ao “ sacrifício da n ação ” (consum idores e receita estatal) em benefício da indústria. No calor da campanha, o presidente Prudente de Morais nom eou uma comissão, presidida pelo liberal livre-cambista Leopoldo de Bulhões, para elaborar um a nova pauta tarifária, finalmente decretada em 1897. Ela era a prim eira tentativa de derrotar o industrialism o com um a redução nos direitos de im portação de 2 5 %, sendo que alguns p ro ­ dutos tiveram o im posto reduzido em 75% e até 85%. A nova tarifa atingiu a indústria mais desenvolvida do país, a têx­ til, que teve os im postos sobre o fio aum entados e sobre os tecidos im portados dim inuídos. Retirou-se, assim, a proteção e aum entou-se a concorrência com as indústrias estrangeiras. Com a pauta tarifária de 1897 term inou a prim eira fase da luta tarifária na Prim eira Repú­ blica. A segunda fase iniciou-se com a ofensiva protecionista do iní­ cio do século, term inando com o abandono definitivo do projeto pró-industrialista do deputado João Luís Alves. No governo Cam pos Sales, com Joaquim M urtinho no Ministé­ rio da Fazenda, com o se sabe, iniciou-se a recuperação das finanças públicas, arrasadas pelo b an q u ete em issionista e inflacionista do En­ cilham ento. Um objetivo fundam ental desse governo era a recupe­ ração dos im postos sobre as im portações que tinham caído de 73,5%, em 1897, para 67% do total do T esouro Nacional.

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Em 1899, um a com issão foi nom eada pela Câmara para rever a pauta aduaneira. Ela contava com a presença de alguns industriais que reconheciam os abusos praticados em nom e do protecionism o, mas admitiam tam bém a necessidade de se ter algum tipo de salva­ guarda. Assim, em 1900, a nova pauta foi aprovada. Com intuito fis­ cal, ela recuperou a redução do fisco propiciada pela tarifa de 1897. O seu objetivo fiscal não im pediu, porém , um efeito protecionista sobre a indústria na m edida em que aum entou em 50% , na sua m aio­ ria, e em até 60% e 80% os direitos sobre os im portados. A cota-ouro, p o r sua vez, atingia com a nova pauta os 25% (era de 10% em 1898) e a ela era adicionada a desvalorização cambial da década de 1890. Essas condições foram no final bastante favoráveis à indústria. No entanto, Leopoldo de Bulhões, m inistro da Fazenda de Ro­ drigues Alves, em nom e do fisco, e B ernardino de Cam pos, em n o ­ m e dos “ co n su m idores” , perm aneciam na crítica ao protecionism o e lutavam para im pedir qualquer tentativa que visasse aprofundar o protecionism o industrial. A indústria m ovim entou-se contra e realizou um a grande ofen­ siva, não baseada em auxílios pecuniários ou no favoritism o indivi­ dual, mas num a tentativa de im por um a política protecionista siste­ mática. Desse m ovim ento participaram Sezerdelo Corrêa, Barata Ri­ beiro, Lauro Müller, O sório de Almeida, o Clube de Engenharia (industrialistas ferrenhos), Nilo Peçanha, João Pinheiro, Francisco Sa­ les e João Luís Alves. Esses indivíduos iriam tentar, n o período 1903/1904, rever a tarifa aduaneira. Sob intensa pressão, Leopoldo de Bulhões organizou um a c o ­ missão para estudar a reform ulação da pauta. Form ada p o r parlam en­ tares industriais e com erciantes, dela não saiu nenhum a nova p ro ­ posta em função, justam ente, dos interesses diversos que a co m p u ­ nham . Tal indecisão perm itiu ao Congresso adiantar-se e, pela pes­ soa do d eputado João Luís Alves, apresentar um projeto de reform u­ lação da pauta, com caráter francam ente protecionista. Estávamos em 1904. O p ro jeto do deputado era reflexo das tendências nacionalistas da época e buscava a defesa da p rodução nacional através de um a tarifa radicalm ente protetora. Para atingir tal fim, João Luís Alves p ro ­ p u nh a um a extraordinária elevação dos direitos aduaneiros sobre os pro d u to s agropecuários, sobre matérias-prim as e similares im porta­ dos, aum ento que variava de 33 a 200% .

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Im ediatam ente surgiram críticas ao projeto. A lavoura cafeeira tem ia não só o aum ento dem asiado de p ro d u to s que entravam em seu consum o, mas so bretudo a retaliação de outras nações, através de m edidas do m esm o tipo com relação ao café. Leopoldo de Bu­ lhões, preocupado com o fisco, argum entava que o aum ento dos im ­ postos dim inuiria o volum e das im portações, dim inuindo, p o r c o n ­ seqüência, a receita estatal. O com ércio im portador criticava a carestia de vida, tom ando dem agogicam ente a defesa dos interesses do consum idor nacional. A vaga oposicionista ao protecionism o fez com que o projeto recebesse inúm eras em endas, descaracterizando-o com pletam ente. Em função disso, o projeto ficou encalhado no Congresso entre 1904 e 1907. Em m aio deste últim o ano, Afonso Pena se colocou contra o aum ento das tarifas aduaneiras e, em 1908, o projeto foi definiti­ vam ente abandonado. Apesar disso, a burguesia industrial conseguiu, nessa fase, a elevação da cota-ouro sobre os direitos de im portação, o que com pensou, em parte, a alta cambial do início do século. A terceira e últim a fase caracterizou-se pela consolidação da o r­ ganização industrial e pela sua luta contra seus adversários que a acu­ savam de responsável pela carestia de vida. Ainda em 1905, devido à valorização cambial, o C entro Paulista de Fiação e Tecelagem reivindicou, além de um adicional de 50% ou ro sobre certas qualidades de fio e de 20% sobre os tecidos, um a tarifa m óvel que variasse de acordo com a oscilação do câm bio. Pa­ ra tanto, elaboraram um p rojeto e o apresentaram ao Congresso. O com ércio im p ortador reagiu im ediatam ente contra o projeto, sobre­ tudo contra a tarifa m óvel, pois era das oscilações cambiais que ele tirava os seus m aiores lucros. Porém , a sua oposição de nada adian­ tou. A lei orçam entária de 1905 (núm ero 1.452 de 30 de dezem bro) decretou a cobrança de 50% dos im postos aduaneiros em ouro para determ inadas m ercadorias e 35% para outras. Os 50% seriam cobra­ dos quando o câm bio estivesse acima de 15 dinheiros p o r mil-réis, durante trinta dias consecutivos, descendo a 35% se o câm bio fosse abaixo de 15 dinheiros, m antendo-se tam bém p o r trinta dias conse­ cutivos. A nova m edida com o aum ento da cota-ouro elevou o custo de vida. Em função disso a opinião pública colocou-se ainda mais c o n ­ tra o industrialism o, apoiando um a intensa cam panha co n tra ele a partir de 1905. Tal oposição era habilm ente aproveitada pelo com ér­ 142

cio im portador, que se colocava dem agogicam ente ao lado dos c o n ­ sum idores, reivindicando o fim da proteção. A partir dessa cam panha, a burguesia industrial en tro u num a fa­ se defensiva na qual se preocuparia, fundam entalm ente, em garantir as suas conquistas já realizadas, im pedindo as reform as liberais na pauta aduaneira, que foi o objetivo do com ércio im portador duran­ te os anos de 1909/1910, 1913/1915 e 1919/1920. Essa fase m arcará a forte atuação do C entro Industrial do Brasil na resistência aos ataques dos im portadores, que acusavam a indús­ tria de ser a causadora da carestia de vida, devido ao protecionism o industrial, e de o b ter lucros extraordinários. No que se refere ao prim eiro po n to , Jorge Street respondia iden­ tificando no p ró p rio com ércio im portador a principal causa da ca­ restia. Argum entava dizendo que à dim inuição de preços dos artigos im portados sem similares no Brasil não revertia em favor do consu­ m idor, com o se afirmava. Ao contrário, dizia Street, o único benefi­ ciado com isso era o im portador, pois à baixa ocorrida lá fora não correspondia um a baixa no m ercado brasileiro. Dizia ainda que para os pro d u to s que não tinham similares n o Brasil, o com ércio im por­ tador não exigia o fim da taxação nem abaixava os seus preços quando possível. Os im portadores só reivindicavam o fim da taxação, ou sua dim inuição, q uando lhes interessava resguardar a com petitividade de seus produtos. Q uanto aos lucros extraordinários, Jorge Street não os negava. Mas os justificava com o sendo justos, já que eram o fruto de um a classe p ro d u to ra e responsável pelo progresso material do país. Em 1909, Davi Campista e depois Leopoldo de Bulhões, am bos m inistros da Fazenda de Afonso Pena, tentaram novam ente rever a pauta aduaneira. Procurava-se efetuar a unificação da cota-ouro em 40% , tornar mais liberal a isenção de direitos para m áquinas agríco­ las e materiais para estradas de ferro, p ro ced er à dim inuição dos di­ reitos sobre as m ercadorias ainda não fabricadas no país e im por a tarifa diferencial de 20% para os países que favorecessem o café e outros p ro d u tos de exportação. Apesar da proteção que essa nova pauta dispensava a algumas indústrias, o grupo nacionalista do CIB, que desejava a elevação dos direitos para certos m anufaturados fun­ dam entais, com o o fio de algodão, não a apoiou, visto que esse d e­ sejo não era contem plado pela nova proposta. Em m eio aos contínuos ataques à indústria, a burguesia indus­ trial não se retraiu e continuou a p edir um a pauta que de fato a p ro ­

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tegesse. Justificava tal reivindicação pela necessidade de proteger um a atividade econôm ica que, segundo ela, reunia um capital de mais de 700 mil co n to s de réis, em pregava mais de trezentos mil operários e produzia m ercadorias no valor de 1 m ilhão de contos de réis. Em 1913, com a crise internacional, sobreveio a crise interna. Com ela os preços do café com eçaram a baixar — 578811 em 1912; 46$ 103 em 1913 — e o capital estrangeiro a se retirar d o país, fuga esta que culm inou com o fecham ento da Caixa de Conversão em 1914. A indústria nacional, principalm ente a do tecido, foi fortem ente atingida. A dificuldade de crédito acentuava-se, pois havia restrições ao acesso ao capital nos principais m ercados estrangeiros, devido à depressão am ericana e à instabilidade m onetária na Europa. Os c o ­ m erciantes e industriais pediram, então, um a política emissionista para solucionar o problem a. Num prim eiro m om ento, Rivadávia Corrêa, m inistro da Fazenda de Herm es da Fonseca, negou-a para depois, sob pressão do CIB, solicitar ao Congresso emissão de papel-m oeda. O Congresso ap rovou a solicitação e autorizou o governo a em itir 250 mil contos, sendo 150 mil para atender aos com prom issos do T e­ souro e 100 mil para em préstim os aos bancos. O conflito m undial, entretanto, veio salvar a indústria nacional da crise, A guerra, devido às circunstâncias excepcionais que ela de­ term inava, perm itiu que a p rodução nacional ocupasse os espaços antes ocupados pelos p rodutos im portados. Tal feito foi possível, com o vimos, graças ao aum ento da capacidade produtiva atingido no p erío d o de 1905 a 1913. No p erío d o da guerra foi a indústria nacional que, com o im ­ p o sto sobre consum o, sustentou a receita pública. Em 1914, a arre­ cadação pro v eniente da im portação era de 150.548:315^907, en ­ quanto a proveniente do consum o era de 52.223:4368844. Em 1917, a prim eira foi de 91.980:1768388, enquanto a segunda atingiu 93-514:5608520. Além disso, o desenvolvim ento industrial im pli­ cou o aum ento da população operária de 150.841, em 1907, para 275.512, em 1920. Serão esses os dois fortes argum entos que a b u r­ guesia industrial usará doravante para advogar a sua proteção, isto é, a sua im portância para o fisco e para a determ inação da questão social. Na crise de 1913/1914, o com ércio im portador recolocou a ques­ tão da reform a tarifária, alegando, mais um a vez, o sacrifício dos co n ­ sum idores. Ficou encarregado da reform a o m inistro da Fazenda Ri-

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vadávia Corrêa. A “ no v a” p roposta pregava mais um a vez a liberali­ zação do com ércio dos danos causados pelos direitos sobre os im ­ portados, p o r dem ais elevados segundo o m inistro. Porém , a força da indústria já se consolidara a tal po n to que a reforma não foi adiante. Em 1915, o Congresso tentou elaborar nova reform a, form an­ d o para isso um a nova com issão de protecionistas (João Luís Alves) e livre-cambistas (Bulhões). O CIB reagiu afirm ando ser inoportuna um a reform a devido à instabilidade causada pela guerra. Mais um a vez, ele venceu e a reform a não foi adiante. Com o fim da guerra, o m inistro da Fazenda de Epitácio Pessoa, H om ero Batista, achou que chegara o m om ento de se fazer a refor­ ma. Batista apresentou, então, um p rojeto que visava m anter o siste­ ma aduaneiro com caráter m eram ente fiscal e, p o r isso, dim inuía os direitos alfandegários. O m inistro pediu ao Executivo a efetivação imediata da reform a para evitar a resistência da indústria. Já com gran­ de força política, a burguesia industrial reagiu à reform a liberal e exi­ giu am pla discussão do projeto. A oposição partiu sobretudo de São Paulo, onde, na Associação Com ercial, e sob a liderança de Jorge Street, reuniram -se os industriais que redigiram um a representação, enviada ao Congresso, protestando contra a reform a. Na resistência co n tra a pro p o sta de um a nova pauta liberal, toda a bancada paulista apoiou o voto contrário à mesma. Apesar dos ataques da lavoura à indústria, o com portam ento da bancada paulista foi pró-industrial, fato que indica a fraqueza política da lavoura e a ascensão da b u r­ guesia industrial. A década de 1920 levou ao auge a crise da carestia, piorando a situação desconfortável da indústria na m edida em que im plicava a queda do consum o. Esta teve a sua situação agravada devido à falta de crédito e à invasão do m ercado nacional pelos im portados, pos­ sibilitada pelo fim da guerra e pela dim inuição das tarifas entre 1914 e 1924, que não acom panharam a elevação do custo das m ercado­ rias estrangeiras. A concorrência p io ro u com a leve elevação cam ­ bial de 1925, fruto da política restritiva de Artur Bernardes. Vivendo essas condições desfavoráveis, a burguesia industrial reagiu e exigiu, através do novo presidente do CIB, Oliveira Passos, um a m aior facilidade de crédito pelo Banco do Brasil, m aior elastici­ dade na concessão de créditos, estabilidade do câm bio e elevação das tarifas aduaneiras. Em São Paulo, a lavoura m anifestou-se, mais um a vez, co ntra a proteção tarifária. Com o consum idora de im por­

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tados, ela se via am plam ente prejudicada. A população urbana e o com ércio im p ortador reiteraram as suas eternas críticas ao p ro tecio ­ nismo. Os industriais, já bastante fortes, reagiram. Com o conseqüência natural de sua ascensão organizativa, e julgando-se precariam ente re­ presentados pela Associação Comercial de São Paulo, resolveram o r­ ganizar-se de form a independente, fundando, em 1928, o C entro das Indústrias do Estado de São Paulo, processo que já foi descrito ante­ riorm ente. Vimos que o prim eiro perío d o republicano nos revela o avanço e a consolidação da atividade industrial n o Brasil. Nesse perío d o a indústria tornou-se um sólido setor da econom ia nacional, im possí­ vel de ser desprezado, responsável p o r boa parte da receita pública, dos em pregos e do p ro d u to nacional. Com o histórico das organizações industriais e com o histórico das lutas tarifárias, vim os que o avanço econôm ico da indústria traduziu-se em consciência de classe e força política p or parte da b ur­ guesia industrial. Esta fração da classe dom inante soube identificar claram ente os seus interesses, sobretudo o protecionism o, e soube organizar-se para im pô-los e para recusar propostas que a prejudi­ cassem. A burguesia industrial m ostrou-se, assim, ativa e forte o sufi­ ciente para se fazer presente e influenciar a política econôm ica do Estado brasileiro. Com o transparece aqui, o avanço político e econôm ico da b u r­ guesia industrial não se fez sem conflitos com as classes dom inantes ligadas diretam ente à econom ia agroexportadora. E a sua própria o r­ ganização não se deu p o r outra razão. Esses conflitos entre burgue­ sia industrial e outras frações do bloco no poder da econom ia agroex­ po rtad o ra é o que verem os a seguir. 1.1.3 A burguesia in d u stria l em luta com a sociedade agroexportadora O conflito entre a burguesia industrial com várias outras frações do bloco no poder, seja com a lavoura cafeeira, com o com ércio im ­ p o rtad o r e m esm o com o im perialism o, se deu p o r várias razões. No entanto, o que deve ser apreendido é que esses conflitos significam, na verdade, a luta entre a burguesia industrial e a sociedade agroex­ portadora. A industrialização contém , sem dúvida, o germ e da supe­ ração dessa sociedade. Eis o p o n to central do conflito.

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1.1.3-1 O conflito entre burguesia industrial e lavoura ex p ortadora A lavoura exportadora cafeeira e a burguesia industrial tinham , na Prim eira República, um a relação conflituosa que p o d e ser expli­ cada p o r vários fatores: o problem a do aum ento do custo dos im ­ portados em função do protecionism o, o problem a do desvio de capital do cam po para a cidade, a questão da m ão-de-obra, a am ea­ ça industrialista à sociedade agrária etc. A lavoura exportadora cri­ ticava a indústria a partir de um a dupla posição. Com o consum ido­ ra, reclamava do já citado encarecim ento dos pro d u to s im portados. Com o atividade produtiva carente de capitais, criticava o desvio de capital público para a atividade industrial, na form a de em présti­ m os, subsídios etc. A esses benefícios era contraposta a situação de penúria dos lavradores, subm etidos à especulação com ercial e sem crédito. O utro fator central nos atritos entre a burguesia industrial e a lavoura cafeeira residia no p roblem a da m ão-de-obra, na verdade es­ cassa e não abundante. O conflito explica-se pelo fato de a indústria tirar o seu suprim ento de m ão-de-obra da política im igrantista feita, a princípio, para p ro v er a lavoura de trabalhadores estrangeiros. Em conseqüência, os lavradores se opunham ao esvaziam ento de suas áreas, isto é, a fuga de trabalhadores para a indústria, o que os im pe­ dia de m anter o padrão de exploração que lhes interessava. A indús­ tria causava, assim, aum ento de salários ao disputar m ão-de-obra com a lavoura. Além dos setores de serviço e da indústria já atraírem, p o r si só, vários trabalhadores estrangeiros, estes, em época de crise do setor cafeeiro, abandonavam rapidam ente o cam po, aprofundando ainda mais a crise e o seu peso para os lavradores. Em 1872, a m ão-de-obra estrangeira atingia o núm ero de 109.455. Desse total, 52,2% estavam alocados na agricultura, 10,1% na indústria e 34,7% n o setor de serviços. Em 1920, o núm ero total era de 867.067 trabalhadores estrangeiros no país. O núm ero de tra­ balhadores alocados na agricultura caía para 44,9% e na indústria su­ bia para 24,4% (Cardoso, 1985: 23). Além do avanço econôm ico da indústria, esses núm eros revelam o aum ento da disputa entre a b u r­ guesia industrial e a lavoura pela m ão-de-obra estrangeira. Este era, sem dúvida, um sério p o n to de conflito.

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De fato, o grande m edo dos lavradores era que se alterasse o caráter agrário da sociedade e que a produ ção agrícola deixasse de ser a atividade produtiva fundam ental da econom ia nacional. Não era p or o u tra razão que a ideologia que pregava a “vocação agríco­ la” do país era am plam ente defendida na Prim eira República. Ora, só é fundam ental reiterar essa hipotética “ vocação agrícola” na m e­ dida em que o caráter agrário da econom ia esteja concretam ente am eaçado, n o caso, pela ascensão do industrialism o. Com o diz W arren Dean, “ os fazendeiros tinham consciência da am eaça p o te n ­ cial representada pelos industriais” (1971: 79). 1.1.3.2 O conflito entre burguesia industrial e com ércio im portador O conflito entre a burguesia industrial e o com ércio im porta­ dor, am plam ente dom inado p o r estrangeiros, residia em dois p o n ­ tos: no controle do m ercado consum idor e, com o já vimos, na ques­ tão tarifária. O com ércio im portador controlava o acesso ao m ercado c o n ­ sum idor através de um a poderosa rede de estabelecim entos e servi­ ços. A ascensão da indústria esbarrava na concorrência com o c o ­ m ércio im portador na distribuição de m ercadorias. O m onopólio do processo de distribuição de m ercadorias pelos im portadores signifi­ cava para os industriais paulistanos um a falsa inelasticidade da p ro ­ cura, que os forçava a pagar um verdadeiro tributo aos com ercian­ tes para ter acesso aos consum idores. A subm issão a esse controle perm aneceu até 1929, e forçou, muitas vezes, a indústria a co m p en ­ sar a com pressão dos lucros com a expansão das horas de trabalho e com o pagam ento de baixos salários (Martins, 1976: 81-86). O o u tro p o n to de atrito, que é o conflito mais evidente entre burguesia industrial e com ércio im portador, residia na questão tari­ fária e cambial, a qual tinha conseqüências diretas sobre os preços dos im portados n o m ercado nacional. Com o vimos neste capítulo, o com ércio im portador passou todo o perío d o tentando obstaculizar as reivindicações da indústria acerca da proteção tarifária. A rea­ lização dos interesses de um influía diretam ente na com petitividade dos p ro d u to s do o u tro .11 O com ércio im portador tinha fortíssim a presença na econom ia nacional. Dele dependia o fornecim ento de um sem -núm ero de p ro ­

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dutos im portados que possibilitavam a reprod ução da econom ia nacional, não só de m eios de pro d u ção mas tam bém de bens de consum o assalariado. Apesar do crescim ento da oferta de p ro d u ­ tos nacionais du rante o período, a presença do com ércio im p o r­ tador não dim inuiu. Na segunda m etade da década de 1920, o paulista consum iu, em m édia, cerca de 28 dólares a mais de ar­ tigos im portados, bem acima, p o rtan to , dos 18 dólares entre 1909/1913. Paralelo a sua força econôm ica, os im portadores ocupavam p o ­ sições estratégicas tam bém em nível político. Além do dom ínio de várias associações com erciais, o seu po d erio econôm ico se traduziu em força política no C onselho Superior do C om ércio e da Indústria. Este era um órgão federal, criado p o r decreto presidencial em 1923, com a função de assessorar o governo em assuntos econôm icos e apresentar projetos. Era form ado p o r oito representantes do com ér­ cio e apenas q u atro da indústria. Lembre-se ainda que na luta contra a burguesia industrial o com ércio im portador tinha o apoio da clas­ se média, crítica feroz da carestia de vida causada pelo protecionis­ m o industrial (Dean, 1971: 146). Podem os perceber, então, que os m em bros do com ércio im por­ tador não se interessavam , m uito pelo contrário, p o r um processo de industrialização local que afetasse a im portação de m anufatura­ dos, afetando, p o r conseqüência, os lucros dos im portadores. Daí a posição antiindustrialista desse setor. A luta da burguesia industrial co n tra o com ércio im portador é, na verdade, a luta daquela contra a sociedade agroexportadora. Som ente num a sociedade que produz, fundam entalm ente, para ex ­ portar, a atividade im portadora poderia ter a força econôm ica que esse setor adquirira no Brasil. Esse fato estava estruturalm ente liga­ do ao tipo de econom ia prevalecente em São Paulo, agrária e ex­ portadora. Desse m odo, o com ércio im portador era essencialm ente antiin­ dustrialista, e isto na m edida em que o processo de industrialização não apenas aum entaria a concorrência, mas apontaria para um a su­ peração da sociedade agroexportadora e, p o r conseqüência, da for­ ça econôm ica e política do com ércio im portador, advinda do seu lugar ocupado na estrutura dessa sociedade.

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1.1.3-3 O conflito entre burguesia industrial e capital estrangeiro2 A conseqüência mais evidente do processo de industrialização para o capital estrangeiro seria, com o já dissem os, a perda de m erca­ do p o r parte dos m anufaturados dos países desenvolvidos no Brasil. Porém , pensam os não ser essa a m aior preocupação do capital es­ trangeiro com relação à industrialização brasileira. A preocupação do capital forâneo com relação ao avanço da in­ dústria nacional era de natureza fundam entalm ente financeira. E is­ so se explica pelo fato de a dom inação exercida pelo capital estran­ geiro no Brasil ter um caráter so bretudo financeiro. A industrializa­ ção trazia a possibilidade de ruptura ali onde a nossa dependência com relação a esse capital era mais radical. A causa básica dessa situação residia na inexistência de um a fonte de renda segura para a receita estatal — produzíam os para exportar e não tínham os um a atividade interna m uito desenvolvida — e, p o r conseqüência, na estreita dependência das finanças públicas com re­ lação ao im posto sobre as im portações. A dependência com relação a este últim o continha um sério li­ m ite para as finanças públicas: não se podia aum entar em dem asia o volum e das im portações, pois isso significaria evasão das divisas arrecadadas no m ercado externo; não podíam os tam bém aum entar em demasia os im postos, pois isso im plicaria n o encarecim ento das im portações, na queda de seu volum e e, portanto, na queda da re­ ceita pública. Desse m odo, a receita estatal era extrem am ente inelástica, situação que piorava m uito com as crises no setor exportador, e, p ortanto, insuficiente para que pudéssem os arcar com os nossos com prom issos internos e externos. Para suprir a sua deficiência financeira, o governo recorreu, fre­ qüentem ente, ao recurso dos em préstim os externos. Tais em présti­ m os nos castigaram com juros, am ortizações e serviços da dívida ex ­ terna, pagos com as divisas geradas pelo nosso principal p ro d u to de exportação: o café. As nossas divisas em ouro saíam do país, p o rta n ­ to, nas formas de pagam ento de juros e serviços da dívida, além de pagarmos tam bém com elas as nossas importações. O Brasil era, desse m odo, um país descapitalizado, p o r mais que exportasse. Para se ter um a idéia, apenas entre 1890/1927, o Brasil efetuou pagamentos no valor de 344,8 milhões de libras e recebeu novos em ­ 150

préstim os n o valor de apenas 325 m ilhões de libras. Com o se vê, o país assumia novas dívidas para pagar os juros das dívidas anterio­ res. E apesar de term os pago mais que o valor dos nossos em présti­ m os originais, o saldo da nossa dívida não dim inuía, ao contrário, cresceu de 31,1 m ilhões no fim do Im pério, para 267,2 m ilhões de libras no fim da República Velha (Singer, 1985: 366). Em suma, a fal­ ta de arrecadação interna, a inelasticidade da receita vinda dos im ­ postos sobre os im portados, a arrecadação de divisas dependente de um só produto, os gastos com os im portados — tudo isso conseqüên­ cia da nossa p o sição n a econom ia m u n d ia l — levaram o país a re­ correr aos em préstim os externos a juros elevados. Isto colocou o Estado brasileiro num círculo vicioso.- não tinha dinheiro, pedia em ­ prestado, não conseguia pagar e se afundava em dívidas. Porém , a industrialização surgia, para alguns, com o um a luz no fim do túnel. Era o elem ento capaz de desatar o nó cego da d ep en ­ dência financeira, capaz de resolver o desequilíbrio da balança de pagam entos. A consolidação e o avanço da atividade industrial aliviaria a de­ pendência do Estado com relação aos im portados. Permitiria, p o r­ tanto, econom izar as divisas arrecadadas n o m ercado externo, além de atenuar a estreita dependência financeira dos im postos sobre os im portados, na m edida em que se constituísse em fonte sólida de receita via im posto sobre consum o. A indústria não dependeria tão diretam ente, e, na m edida em que avançasse, tornar-se-ia com pleta­ m ente independente, das flutuações do m ercado externo, sendo, p o r isso, um a fonte mais segura e estável. A industrialização do país perm itiria, então, um a m aior acum u­ lação de recursos: o Estado reteria mais divisas, gastaria m enos ouro com p ro d u to s im portados, teria mais recursos, provenientes não só dos im portados, mas cada vez mais da atividade industrial. T udo is­ so perm itiria ao país acum ular e se capitalizar, quebrando a extrem a dependência com relação ao capital financeiro internacional. Cairia assim num o u tro círculo vicioso, de caráter positivo, em que, ao acu­ mular, saldaria seus com prom issos sem ter que recorrer a novos em ­ préstim os, e atingiria o equilíbrio da balança de pagam entos. O capital financeiro internacional tinha plena consciência de que era a carência de capital a base de seu p o d er no país. O capital finan­ ceiro internacional, para se ter um a idéia, não reprovava tanto o fato de o sistema tributário do Estado brasileiro repousar sobre a taxação

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dos im portados. Para ele era preferível assegurar as condições de pa­ gam ento da dívida externa, as rem essas de lucro, juros e dividen­ dos, p o r via da arrecadação de im postos aduaneiros e divisas do ca­ fé, a favorecer a entrada dos p ro d u to s de seus países n o Brasil, o que prova ter a questão financeira um caráter prioritário. Com o vimos, a luta travada pela burguesia industrial contra as frações de classe dom inante — contra a lavoura, contra o capital co ­ m ercial e co ntra o capital financeiro internacional — significava, de fato, um conflito estrutural com a sociedade agroexportadora, p o is essas fo rç a s contrárias à in d u stria liza çã o eram fr u to s necessários dessa sociedade. A industrialização do país im plicaria em sérias m udanças n o ca­ pitalism o brasileiro e na superação do setor agroexportador com o eixo dinâm ico da econom ia nacional. Porém , com o vim os, a indús­ tria era fruto desse m esm o setor. Foi ele que gerou as condições fun­ dam entais para o início da industrialização do Brasil. C om o observou Liana da Silva (1976: 2-3), é preciso entender a relação entre indústria e econom ia agroexportadora com o um a relação dialética, em que esta últim a gerou no seu interior as c o n ­ dições de sua própria superação. Ao passo que a indústria ia se desenvolvendo, ela tornava-se cada vez m enos dependente da ec o ­ nom ia cafeeira e criava as condições de sua própria reprodução. Ela apontava para um processo de acum ulação não mais sob o c o ­ m ando do capital m ercantil, mas sob o com ando do capital indus­ trial. A econom ia agroexportadora gerou a grande indústria, gerou a grande em presa oligopolizada. Perm itiu a essa indústria avançar e se organizar. Criou condições para que, já na década de 1920, aparecesse o em brião de um setor p ro d u to r de bens de capital. Paralelam ente a esse avanço econôm ico, a burguesia industrial acu­ m ulou forças e passou a se o p o r à ideologia da “ vocação agrária” do país, passou a se o p o r àqueles que negavam o avanço indus­ trial, forjou seus líderes, suas próprias organizações de classe e sua própria ideologia. A burguesia industrial lutava, assim, contra aquela econom ia que a gerou, mas que, no entanto, criou tam bém limites ao seu pleno desenvolvim ento, limites econôm icos e políticos. Foi a partir do m o ­ m ento em que a industrialização passou a am eaçar a posição dom i­

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nante do setor agroexportador, a partir do m om ento em que ela se apresentou com o um a possibilidade concreta de um processo de acu­ m ulação de capital de outra natureza, em suma, a partir do m o m en ­ to em que a burguesia industrial se m ostrou com o elem ento de su­ peração da acumulação agroexportadora — elem ento consciente, o r­ ganizado e com bativo — , que ela en tro u em conflito com as classes e frações dom inantes cujos interesses estavam orgânica e harm onio­ sam ente vinculados à sociedade agroexportadora. É certo que essa negação não se deu de form a frontal e “ revolu­ cionária” . Porém , não interessa saber se a negação da sociedade agro­ exportadora foi ou não radical, mas sim que a possibilidade da sua superação estava concretam ente colocada pela presença de um a bur­ guesia industrial que avançava, que se organizava e lutava p o r seus interesses. Isso era suficiente para m obilizar todas as forças ligadas à econom ia ag roexportadora e a sua ideologia da “vocação agrária” . A partir daí pode-se entender plenam ente a afirmação de W arren Dean de que “ os fazendeiros tinham consciência da am eaça p o ten cia l re­ presentada pelos industriais” (Dean, 1971: 75, ênfase nossa).

2. A PRESENÇA ID EO LÓ GICA DA BURGUESIA INDUSTRIAL Já vim os neste capítulo que a atividade industrial avançou e se consolidou econom icam ente no prim eiro período republicano. Vi­ m os tam bém que a esse avanço co rresp o n d eu um a evolução organizativa da burguesia industrial, assim com o um desenvolvim ento de suas lutas, tanto n o interior do bloco n o p o d e r com o em relação à classe operária. Ora, todo esse desenvolvim ento da indústria, no cam­ p o organizativo e na luta p o r seus interesses não podia ocorrer sem um a expressão ideológica consciente p o r parte dessa classe. Uma ex­ pressão que se opusesse à ideologia pertin en te à sociedade agroex­ portadora, isto é, a ideologia do exclusivism o agrário. Embora, co ­ m o já apontam os aqui, a burguesia industrial não tivesse um projeto hegem ônico, ela possuía, sem dúvida, um a ideologia própria. Este item se dedica a identificar as expressões ideológicas p erti­ nentes da burguesia industrial nesse processo de seu desenvolvim en­ to, contribuindo para reafirmar a sua condição de fração autônom a13 n o interior do bloco no p o d er e não de m ero apêndice da sociedade agro ex p o rtad o ra.

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A ideologia da “ vocação agrícola” do país aparecia com o a jus­ tificativa da nossa posição na econom ia m undial e, junto com a ideo­ logia com plem entar do caráter artificial de nossas indústrias, funcio­ nava tam bém com o reação à tentativa de industrialização do país. A burguesia industrial brasileira percebeu que era necessário enfren­ tar esse m ito e, para tanto, n o decorrer de seu desenvolvim ento eco­ nôm ico e da luta p o r seus interesses, elaborou a sua própria visão da sociedade brasileira, através de seus ideólogos, com o Sezerdelo Corrêa, João Luís Alves, Amaro Cavalcanti, R oberto Sim onsen, Jo r­ ge Street e outros. É necessário dizer que a luta ideológica travada entre as frações dom inantes não se resum ia a um a simples batalha das idéias. A ideo­ logia da “ vocação agrícola” do Brasil não se limitava a afirmar a “ na­ tureza” eternam ente agrária da sociedade brasileira, mas servia de força de m obilização com resultados bastante concretos. Foi levan­ tando essa bandeira que m uitos defensores dessa hipotética vocação organizaram a luta antiindustrialista e a defesa da sociedade agro­ exportadora. Joaquim M urtinho é um exem plo dessa convicção. Lembre-se, ainda, a capacidade de influência que tal ideologia tinha sobre as classes m édias urbanas antiindustrialistas. O m esm o aconteceu pelo lado dos industrialistas. A ideologia da burguesia industrial definiu o com portam ento do conjunto do em ­ presariado industrial e de seus representantes, definiu suas reivindi­ cações, os seus m odos de organização, a sua participação política, assim com o as suas elaborações teóricas e a sua visão da sociedade e da econom ia brasileiras. Para enfrentar a luta antiindustrialista, bastante concreta, a b u r­ guesia industrial traduziu o seu conflito com a sociedade ag roexpor­ tadora num a posição ideológica própria, o protecionism o, que tinha no seu o posto o livre-cam bismo. Além disso, foi ajudada pela ideo­ logia do nacionalism o econôm ico, bandeira de alguns setores da so­ ciedade brasileira da época. E nquanto os nacionalistas p reg a va m a necessidade de se in d u stria liza r o B rasil p a r a que atingíssem os a nossa soberania econôm ica e política, o protecionism o aparecia com o condição fu n d a m e n ta l p a r a que isso acontecesse. O nacionalism o econôm ico nasceu e cresceu com o nascim en­ to e o desenvolvim ento da indústria nacional.14 Essa ideologia tinha com o argum ento fundam ental o equilíbrio da balança de pagam en­ tos. Para os nacionalistas esse equilíbrio era im possível de ser atingi­

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do num a sociedade m onocultora, um a sociedade que gastava suas divisas com im portações e com pagam entos dos serviços da dívida externa, so brando m uito pouco para os nossos com prom issos inter­ nos e externos. Tínham os sem pre que recorrer ao financiam ento ex­ terno e nos curvar perante as exigências do capital financeiro inter­ nacional. Ainda segundo os nacionalistas, na m edida em que industriali­ zássemos o país, isto é, na m edida em que superássem os a nossa posi­ ção na econom ia m undial, as divisas arrecadadas no m ercado ex ter­ no não sairiam mais do país sob a form a de pagam ento das im porta­ ções, sob a form a de juros e rem essa de lucros. Isso deixaria o país mais capitalizado, capaz de recuperar sua balança de pagam entos. Do p o n to de vista político, argum entavam os nacionalistas, re­ tiraríam os a fonte de p o d er do capital financeiro internacional sobre o nosso país, p o d e r que residia, justam ente, na dependência finan­ ceira diante dos bancos internacionais.15 A industrialização perm iti­ ria ao país atingir de fato e plenam ente a sua independência ec o n ô ­ m ica e política. Dissemos anteriorm ente que o nacionalismo econôm ico da ideo­ logia industrialista não era m ero co m p o n en te da batalha das idéias. Assim com o a ideologia antiindustrialista da vocação agrária, esse co m p o n en te ideológico do industrialism o tinha forte capacidade de m obilização e incentivo à industrialização. Podem os afirmar, am pa­ rados p o r Nícia Vilela Luz (1978: 206), que o nacionalism o eco n ô ­ m ico, em função da identificação entre industrialização e equilíbrio da balança de pagamentos, foi um dos fatores da industrialização bra­ sileira. É preciso tam bém levar em consideração que o problem a da nos­ sa balança de pagam entos, em déficit durante quase todo o período em questão, era, em face dos poderes públicos, um argum ento m ui­ to concreto e p rem ente, devendo ser enfrentado o mais rápido p o s­ sível. O Estado se via constantem ente às voltas com o problem a do déficit interno e externo, não conseguindo nunca ter capital suficiente para saldá-los. Se o país não acum ulava era justam ente em função da evasão de divisas em função das im portações, dos juros e servi­ ços da dívida. A industrialização com o solução para o problem a da nossa balança de pagam entos aparecia, assim, diante do Estado, co ­ m o um argum ento convincente. Lem brem os que se não houve um a política sistemática de industrialização no período, tam bém não p o d e­

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m os dizer que a indústria foi com pletam ente abandonada. Os subsí­ dios, as concessões tarifárias, as em issões sem lastro, os incentivos na década de 1920 provam isso. C ontudo, vale aqui um a observação. A partir da literatura sobre a industrialização do país n o p erío d o em questão, sobretudo a partir de Nícia Vilela Luz, não fica claro se o nacionalism o foi um a ideolo­ gia que em polgou as bases industriais. Não fica claro, apesar de algu­ mas declarações esporádicas,16 se a burguesia industrial to m o u pa­ ra si essa bandeira. N enhum autor se refere a um com portam ento ativo da burguesia industrial em relação a essa ideologia. C erto é, no entanto, que a sua existência revela a presença, em nossa econom ia, de um a atividade industrial im portante, capaz de levar o país a um o u tro tipo de sociedade, segundo os nacionalistas. Os nom es mais conhecidos que defenderam esse ideário foram Felício dos Santos, Amaro Cavalcanti e Sezerdelo Corrêa. N enhum deles era industrial. O protecionism o aparecia, p o r sua vez, com o condição funda­ m ental para a efetivação do processo de industrialização. C ontra o liberalism o e o livre-cam bism o, os industriais viam no protecionis­ m o, com o política governam ental, um elem ento de sum a im portân­ cia para o pleno exercício da lógica capitalista no Brasil. Eles p erce­ biam claram ente não ser possível um a p rodução nacional sem p ro ­ teção contra o baixo custo e a alta qualidade dos m anufaturados im ­ portados. Na luta pela proteção, a burguesia industrial tom ou consciência de que seu objetivo não era im pedido apenas no plano econôm ico, mas, so bretudo no plano político e ideológico. A partir daí, essa fra­ ção da classe dom inante percebeu a necessidade de se organizar e lutar para ter influência nas decisões acerca da política econôm ica do governo. Por tu d o o que dissem os acima, fica claro que a burguesia in­ dustrial tinha um a com preensão nitidam ente diferente da sociedade brasileira em relação à lavoura e ao capital com ercial.17 Ela via cla­ ram ente os prejuízos econôm icos decorrentes do exclusivismo agrá­ rio, com o a instabilidade financeira, a dependência da im portação para se o b ter m anufaturados essenciais à vida nacional, a posição su­ bordinada em que o país se colocava no m ercado internacional quan­ do se tratava da com ercialização dos nossos produtos agrícolas etc. Denunciava a instabilidade da produção agrária que tornava, p o r sua vez, instável a obtenção de divisas no estrangeiro através da e x p o r­

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tação, levando ao conseqüente desequilíbrio cambial. Tudo isso era afirm ado pelos industrialistas, pelos líderes individuais e, mais im ­ portante, pelas entidades de classe (Leme, 1978: 162-163). Fica bastante evidente, portan to , a diferença de com preensão da sociedade brasileira entre aqueles que estavam vinculados à ati­ vidade industrial e aqueles ligados à econom ia agroexportadora. Para esses, o país era essencialm ente agrícola e a tentativa de industrializá-lo era artificial. Ainda segundo o p o n to de vista agrarista, a com petição da indústria com a lavoura poderia arrasar o país, além de encarecer o custo de vida pela necessidade da proteção. A nossa fonte de riqueza m aior sem pre fora e deveria continuar sendo a agricultura. Os industriais, p o r sua vez, não negavam a necessidade da p ro ­ teção, dizendo que só com ela poderíam os nos livrar da d ep e n d ên ­ cia econôm ica em que a predom inância da atividade agroexporta­ d o ra nos colocava. Em face do que foi dito até o m om ento, podem os afirmar com certa segurança que não é possível considerar a indústria nacional com o um a m era atividade econôm ica que servia de apêndice à eco­ nom ia agroexportadora. Ora, fosse a indústria um m ero apêndice, um a m era alternativa de investim ento, ou p o r outra, não fosse a ati­ vidade industrial a base econôm ica de um a fração autônom a de clas­ se, seria possível surgir um pensam ento industrial de form a tão cla­ ra? Por que surgiria um pensam ento industrialista, defendido pelos industriais e p o r suas organizações, em clara oposição às ideologias pertinentes à sociedade agroexportadora? Do nosso p o n to de vista, o aparecim ento e a ascensão das orga­ nizações de classe da burguesia industrial, a luta tarifária com intuito claram ente protecionista, o surgim ento de líderes orgânicos dessa fração de classe (Jorge Street, R oberto Sim onsen e outros), o surgi­ m ento de ideologias tipicam ente industrialistas com o o protecionis­ m o e o nacionalism o econôm ico são provas consideráveis de que a burguesia industrial configura-se, no período em análise, com o um a fração da classe dom inante consciente de seus interesses e disposta a lutar p o r eles, um a fração autônom a e não um m ero apêndice da econom ia agroexportadora.

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3. A ORIGEM SOCIAL DA BURGUESIA INDUSTRIAL: IMIGRANTES OU GRANDE CAPITAL CAFEEIRO? Se conseguim os m ostrar que a indústria não era um m ero apên­ dice da econom ia agroexportadora, tentarem os neste item identifi­ car a verdadeira origem social da burguesia industrial. Nesse senti­ do, colocarem o-nos num a posição diversa da de João Manoel Car­ doso de Mello (1986) e de W ilson Cano (1983), que enfatizam o pa­ pel dos cafeicultores co m o grupo social principal de que se origi­ n ou a burguesia industrial. A dotarem os a tese de Sérgio Silva (1976) e W arren Dean (1971), elaborada originalm ente p o r este últim o, que confere aos burgueses-im igrantes im portadores o papel principal na origem social da burguesia industrial brasileira.18 Não querem os dizer com o parágrafo acima que o grande capi­ tal, ou “grandes fazendeiros’’, não investiu absolutam ente na ativi­ dade industrial. Sem dúvida, m em bros do grande capital cafeeiro in­ vestiram na indústria, em bora, do m esm o m odo que o capital estran­ g eiro ,19 em pouca quantidade. Porém , o que interessa dizer aqui é que, no caso do grande capital cafeeiro, o investim ento in d u stria l é secu n d á rio, é, de fato, um m ero investim ento alternativo. Dife­ rentem ente do im igrante que se to rn a em presário industrial, é a ter­ ra e o café que ocupam a posição produtiva fundam ental nos inves­ tim entos do grande capital cafeeiro. Era natural que, n o Brasil, essa classe, com o classe dom inante “ nativa” , e pela sua própria história (que se inicia com a cultura da cana e do café) tivesse um a ligação quase que em ocional com a ter­ ra. A ntonio Prado, p o r exem plo, elogiava a virtude dos pais em inculcar nos filhos o apego à tradição agrícola. Os filhos do p ró p rio A ntonio Prado, com o foi o caso de Luís Prado, foram incentivados a não abandonar a atividade agrária. Aliás, a não-transferência em peso dos investim entos dos Prados para a indústria pode ter lim itado a capacidade da família de se adaptar à em ergente ordem industrial que, com o nota Levi, foi crescentem ente com andada pelo em presárioim igrante (1974: 272-273). Ao contrário, durante as conturbações da década de 1920, a resposta p o r parte dos Prado foi a intensificação da dedicação à agricultura.20 É claro que o grande capital, representado aqui pela família Pra­ do, não p o d e ser confundido, com o vimos, com o simples fazendei­ ro. Seus investim entos não se limitavam à fazenda. Porém , a terra

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surgia com o a gênese da sua riqueza e da sua condição de classe. Pa­ ra ele, a terra era um p o n to de referência prim ário, econôm ica e psi­ cologicam ente. (Levi, 1974: 272). Para o im igrante, ao contrário, a fazenda era um fenôm eno secundário que, na m edida em que ele se transform ava em indus­ trial, representava um simples m eio de se adquirir matérias-primas para suas atividades m anufatureiras. Ele não tinha nenhum a rela­ ção psicológica com a propriedade da terra. Ao contrário, via na terra um m ero fator econôm ico. Já a indústria, secundária para o grande capital, apresentava-se ao im igrante com o a possibilidade de crescer, visto que a terra identificava-se, p o r tradição, com um a classe social nativa. Podem os detectar essa diferença nos dois representantes-m odelo dessas duas classes sociais: os Prado, pelo grande capital, e Francis­ co Matarazzo, pelos industriais. Levi nos fornece dois resumos exem ­ plares. Sobre Francisco Matarazzo: A carreira de M atarazzo divide-se em q u atro fases: o com ércio rural e, secunda­ riam ente, a p ro d u ç ão de toucinho (1881-1890); com ércio urb an o e im portação (1890-1900); atividades industriais desenvolvidas a p artir do com ércio (1900-1930); e a predom inância da p rodução industrial (de 1930 em diante). Três características da form ação do im pério de Matarazzo são especialm ente im p o r­ tantes. A prim eira é a especialização de M atarazzo na im portação e mais tarde na produção de p ro d u to s tais com o tou cin h o s e trigo para consum o dom ésti­ co. A segunda é a interação vertical de seus interesses; im portando trigo, por exem plo, ele logo adquiriu fábricas e m atérias-prim as para m anufaturar sacos, com prando depois sua própria frota e co n stru in d o sua p ró p ria doca para evitar congestionam ento nos cais públicos. Finalm ente, em bora M atarazzo tivesse co­ m eçado com o m erc ad o r e adquirido fazendas com o fontes de m atérias-prim as, o resultado final foi um im pério m anufatureiro (Levi, 1974: 269).

Sobre os Prado: Em contraste, o conglom erado familiar dos Prado era baseado na exportação de café. Ao co n trário d o setor im portador, a econom ia de exportação en co n ­ tro u um a condição crônica de excesso d e oferta n o século vinte. Além disso, ao m esm o tem po em que existia algum a integração vertical na co rrente de es­ coam ento fazenda-estrada de ferro-casa d e exportação-sucursal européia dos Pra­ do, estes não adquiriram interesses em áreas relacionadas, tais com o a quím ica e a m aquinaria agrícola, e contentaram -se em c ontar com as docas públicas e as frotas estrangeiras. Finalm ente, em bora tenha constituído o esforço p r im á ­ rio de a lguns indivíduos, o m a n u fa tu ra m e n to c o n tin u o u a ocupar u m a p o s i­ ção secu n d á ria n a fa m ília com o u m todo (Levi, 1974: 270, ênfase nossa).

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Levi nos m ostra, assim, através do exem plo dos Prado, que o grande capital investia m uito pouco, esporadicam ente, na atividade industrial. A base da atividade econôm ica dessa classe era a e c o n o ­ m ia agroexportadora. T anto é que a integração vertical das ativida­ des econôm icas dos Prado se limitou aos negócios cafeeiros: fazendaestrada de ferro-casa de exportação-sucursal. Não é dem ais lem brar que os dois negócios de m aior vulto da família — a Casa Prado Cha­ ves e a Cia. Paulista — estavam diretam ente ligadas à econom ia agroexportadora. A atividade industrial era m eram ente secundária. Aqui sim um a simples alternativa de investim ento. Pode-se perguntar se essas afirmações podem ser generalizadas para to d o o grande capital cafeeiro. Não foram lidos para este traba­ lho outros estudos específicos, com o o de Levi sobre os Prado, a respeito de outras famílias ligadas ao grande capital. Porém , com as inform ações reveladas n o Capítulo 1 acreditam os que é possível di­ zer que outras famílias do grande capital, tam bém bastante represen­ tativas, não investiam na indústria com o os imigrantes. Os exem plos dados p o r Dean (1971: 52-53), quando se estuda a burguesia rural com o um a das bases sociais da indústria, constituem , todos eles, re­ presentantes do grande capital: R odolfo Miranda, Elói Chaves, An­ tonio Lacerda Franco, A ntonio da Silva Prado. O prim eiro era p ro ­ d u to r e ex p o rtad o r de café, o segundo ligado à Casa Prado Chaves de exportação e produtor; Lacerda Franco era ligado ao Banco União e tam bém fazendeiro e exportador de café. Sobre Antonio Prado não é preciso falar. Na bibliografia sobre o período não há nada que in­ dique o ab andono d a atividade agroexportadora, com o atividade principal, em direção à m anufatura p o r parte desses senhores. O caso de Matarazzo é bastante diferente. A indústria se consti­ tuiu no decorrer de sua vida na principal atividade, fazendo com que os outros investim entos — im portação, fazenda etc. — se tornassem atividades com plem entares à atividade manufatureira. Matarazzo era im portador para evitar interm ediários na aquisição de bens estran­ geiros necessários à produção industrial e era fazendeiro com vistas a produzir matérias-prim as para as suas indústrias. Não foi p o r outra razão que o resultado dos seus investim entos foi um im pério m anufatureiro. Nesse sentido, com o indivíduos que conferem à p rodução in­ dustrial lugar de destaque, de carro-chefe nos seus investim entos, é lícito considerar os imigrantes com o os m em bros genuínos de um a 160

burguesia industrial em ascensão. São eles que se organizam, são eles que lutam pelo protecionism o, são eles que elaboram de form a mais sistem ática os interesses da burguesia industrial n o p eríodo, são eles que lutam contra as pressões do com ércio im portador etc. Um fato q ue po d e, sem dúvida, ser lançado com o prova da afirmação feita acima é que os principais líderes de associações de classe represen­ tativas da burguesia industrial eram im igrantes. P or exem plo, Fran­ cisco Matarazzo, Jorge Street, R oberto Sim onsen, H orácio Lafer etc. Entre eles não encontram os nenhum representante da cham ada b u r­ guesia rural. É interessante notar que p o dem os encontrar, já antes de 1914, evidências da tendência dos im igrantes em tirar dos fazen­ deiros o co n tro le das indústrias que estes, eventualm ente, possuíam (Levi, 1974: 2Ó8).21 Resta, p or últim o, explicar p o rq u e os im igrantes investiram na atividade industrial. As nossas considerações baseadas em W arren Dean acerca da m atriz econôm ica da indústria no início do capítulo e as indicações do resum o de Levi sobre Matarazzo, nos fornecem a explicação. O com ércio im portador tem lugar fundam ental nesse processo, assim com o a origem social dos im igrantes nos seus países de origem. Com o foi possível ao im igrante tornar-se antes im portador para depois se direcionar para a atividade industrial? Antes de tudo, para com preenderm os esse processo, é preciso, com a ajuda de W arren Dean, desm istificar o m ito do self-m ade m a n que cerca os im igran­ tes bem -sucedidos na área com ercial e depois industrial. O autor acim a citado nos revela que esses im igrantes haviam, n os seus países de origem , m orado em cidades e pertenciam à famí­ lias de classe m édia. Possuíam instrução técnica ou, ao m enos, certa experiência no com ércio ou na m anufatura. É im portante lem brar que vários deles chegaram ao Brasil com alguma form a de capital: capital m onetário acum ulado nos negócios na Europa, estoques de m ercadoria, ou m esm o a intenção de instalar um a filial de um a firma do país de origem. Havia ainda outros que foram contratados para trabalhar em em presas com o técnicos ou adm inistradores.22 Portanto, os im igrantes bem -sucedidos, im portadores e indus­ triais, estavam longe de chegar ao Brasil com as m ãos abanando, co ­ m o geralm ente se afirma. Possuidores de algum capital e de co n h e­ cim entos técnicos, eram mais “burgueses-im igrantes” do que pobres despossuídos. Podiam , assim, p o r si só o u com a ajuda de algum pa­

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rente ou amigo, iniciar um negócio próprio. P or essa razão, houve pouquíssim os em presários im igrantes que com eçaram com o operá­ rios de fábrica ou m ascates. Neste caso Dean nos fornece com o n o ­ m es proem inentes apenas os de D ante Ram enzoni e Nicolau Scarpa. Mas p o r que os im igrantes entravam para a atividade do com ér­ cio im portador e não para outra qualquer? Um fator explicativo im ­ p o rtan te reside no m ercado que as massas rurais e urbanas nascidas na Europa p roporcionavam a esses im igrantes-em presários familiari­ zados com os seus hábitos. Ao contrário dos fazendeiros locais e dos com erciantes brasileiros, os im igrantes-em presários conheciam os gostos, o tipo de dieta, a preferência p o r roupas etc. das massas tra­ balhadoras. C om eçaram im portar m ercadorias com o bacalhau, cha­ péus de feltro, vinho etc. E não dem oraram a m anufaturar esses p ro ­ dutos q u ando a sua im portação tornava-se p o r demais dispendiosa. Mesmo que a massa de trabalhadores im igrantes tenha se adaptado aos padrões brasileiros, isso não significou perda de m ercado, pois os padrões europeus de consum o e com portam ento foram extrem a­ m ente difundidos entre a população brasileira, o que perm itiu m an­ ter o tam anho do m ercado. O utra form a de ajuda das massas trabalhadoras im igrantes aos em preendim entos dos em presários-im igrantes, m enos significativa mas tam bém im portante, foi a contribuição p o r parte dos prim eiros aos em preendim entos dos segundos através das econom ias que acu­ mulavam. Geralm ente, essas econom ias eram depositadas em agên­ cias bancárias locais que representavam os bancos que operavam nos seus países de origem , com os quais os im igrantes estavam familiari­ zados, além de poderem fazer, através delas, transferência de dinheiro para aqueles países. Tais agências eram prerrogativas dos empresários-imigrantes que, portan to , controlavam um a grande massa de capital, p o d en d o , com facilidade, financiar os seus em preendim entos. Para se ter um a idéia, o negócio de transferência de dinheiro, em 1903, totalizou 7 m ilhões de dólares. Entre os em presários-im igrantes que tinham o controle dessa massa de capital estavam G iovanni Briccola, agente do Banco de Nápoles, Giuseppe Martinelli, Francisco Matarazzo, Giuseppe Car­ b o n e etc. Lembre-se ainda que, com o im igrantes, esses em presários m an­ tinham fortes conexões com fontes de capital nos países de origem. Segundo D ean, parece que a m a io r p a r te dos em preendim entos in ­

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d ustriais dos im igrantes f o i fin a n c ia d a com capital proveniente de fo n tes ultram arinas. Explica Dean que, com o im portadores, eles go­ zavam de crédito para a instalação de equipam entos cedidos pelos seus fornecedores. Além disso, os im igrantes se constituíam nos ins­ trum entos escolhidos dos interesses financeiros e políticos da Euro­ pa na rivalidade com ercial anterior à guerra, facilitando-lhes o aces­ so ao crédito. A expansão da econom ia agroexportadora fez com que os inves­ tim entos no país se tornassem mais sedutores aos olhos das com pa­ nhias estrangeiras. Estas vieram para o país e, p o u co a pouco, passa­ ram a m onopolizar o com ércio cafeeiro. Essas firmas tam bém finan­ ciavam as operações de com panhias com erciais e financeiras de imi­ grantes, co n ced en d o crédito a estes últim os através de filiais. Os imi­ grantes eram, para as firmas com erciais européias, os mais dignos de confiança para o progresso de seus negócios no Brasil. Alguns, treina­ dos pelas próprias com panhias, passaram a vendedores ou técnicos e outros tinham tido contatos com erciais e sociais anteriores. O utra form a pela qual as com panhias industriais e com erciais colaboraram com a ascensão do em presariado im igrante foi o inves­ tim ento direto, p o r interm édio de firmas organizadas na Europa, a fim de operarem n o Brasil, com o a Société des Sucreries Brésilienne, p o r exem plo. E m bora num ericam ente insignificantes, essas firmas foram úteis aos em presários-im igrantes. C ontrataram técnicos eu ro ­ peus, forn ecen d o em pregos a futuros em presários, além de eletrici­ dade, m áquinas e m ateriais sem i-acabados. Portanto, foi assim, em condições bem mais vantajosas que aque­ las apregoadas pelo m ito do self-m ade m an, que alguns im igrantes se transform aram em im portadores e depois em industriais. A sua origem social, a posse de algum capital, o acesso ao crédito, o trei­ nam ento técnico, tu d o isso perm itiu que hom ens com o Matarazzo, Crespi, Siciliano, Gamba, Jafet e outros, já entre 1890 e 1900, p u ­ dessem ter dado os prim eiros passos na indústria.23 Nesse sentido, parece-nos bastante consistente a afirmação que fizemos algumas páginas atrás, isto é, de que os im igrantes são, de fato, a base social p o r excelência da burguesia industrial brasileira, consciente e organizada.

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NOTAS

1 A p u d Luz, 1978, p. 200. 2 Esta é tam bém a posição de W arren D ean (1971, p. 75): “ Os industriais de São Paulo surgiram , n o co rrer de trinta anos que se seguiram ao estabelecim ento da República com o um grande e distinto grupo econôm ico, quase tão im portante q u an ­ to as elites rurais e m ercantis de que evolveram . Poder-se-ia dizer, porv en tu ra, que eles chegavam a constituir um a burguesia industrial consciente de si m esma? A p e r­ gunta é pertinente, p o rq u e a extensão da coesão e da autopercepção dos m anufatores lhes predeterm inaria a disposição para forçar um a definição geral na arena política.” 3 Emilia Viotti da C osta (1977, p. 253) afirm a o seguinte: “ Profundas divergên­ cias separavam cafeicultores dos industriais q u a n d o se tratava de discutir a política de p roteção à indústria. O g overno pressionado p o r uns e p o r outros desenvolvia um a política hesitante e instável, d e sco n ten tan d o finalm ente a to d o s.” 4 Confira, p o r exem plo, R aim undo Faoro (1958 (19877, p. 523), para quem “ a orientação da econom ia n o sen tid o d o com ércio exterior, m antida e reforçada, aco­ m oda as divergências en tre a lavoura e o com ércio im portador, en tre a indústria e a lavoura” . 5 Para abordar de form a detalhada os aspectos positivos da relação en tre eco ­ nom ia cafeeira e indústria — gerar capital, dinheiro passível de se transform ar em ca­ pital p rodutivo, m ão-de-obra, capacidade para im portar — , ver João M anoel C ardoso de Mello, 1982, Capítulo 2. Para e n te n d er a im portância do com ércio im portador, com o “m atriz eco n ô m ica” , n o crescim ento da indústria, ver W arren D ean, 1971, Ca­ pítulo 2. 6 Não é nossa in tenção aqui nos alongarm os acerca da relação en tre indústria e econom ia ag roexportadora e nem sobre as diversas explicações para essa relação (Furtado, 1971 (1972); Dean, 1971, Sérgio Silva, 1976; Mello, 1982 (1986) etc.). Não querem os nos de te r tam pouco n o histórico e conôm ico da atividade industrial. Este últim o foi aqui resum ido apenas para reforçar a pertinência do estudo da indústria n o período. Em bora nos referim os às vezes às indústrias de outros estados, as conside­ rações anteriores e as que virão dizem respeito, sobretudo, à indústria paulista, de longe a mais dinâm ica. Com o diz Liana da Silva, “ basta anotar aqui que a superioridade da

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indústria paulista com eça p o r se estabelecer bem cedo, já en tre 1905 e 1907, ganha im pulso entre 1907/1913, para se cim entar d u ran te a Prim eira G uerra Mundial. E con­ vém não esquecer suas raízes: m aior dinam ism o da econom ia cafeeira, desenvolvi­ m ento de sua vigorosa agricultura m ercantil de alim entos e de um am plo m ercado de trabalho; em sum a, m aior desenvolvim ento das relações sociais de p rodução capi­ talistas” (1976, p. 34). 7 As inform ações contidas nesse item encontram -se n o livro de Marisa Saens Leme, 1978, p. 9-18. 8 A burguesia industrial tem , p o rtan to , ao contrário do que geralm ente se afir­ ma, um a forte presen ça na Associação Com ercial de São Paulo. 9 Essas entidades eram as seguintes: C entro das Indústrias d e Fiação e T ecela­ gem de São Paulo, A ssociação dos Industriais e C om erciantes Gráficos, C entro das Indústrias de Papel do E stado de São Paulo, A ssociação dos Industriais M etalúrgicos, C entro do Com ércio e Indústria de M adeiras de São Paulo, C entro das Indústrias e Calçados de São Paulo, Liga dos Industriais e C om erciantes de C ouro, C entro das In­ dústrias de Fiação e Tecelagem de Algodão (Rio de Janeiro) e o C entro Industrial do Brasil. Cf. Leme, 1978, p. 115. 10 Para estu d ar as diferentes fases da luta tarifária nos baseam os am plam ente n o clássico trabalho de Nícia Vilela Luz, 1978, C apítulo 5. 11 Com o dizia Sezerdelo Corrêa, “ são p rofundam ente antagônicos os interes­ ses de um com ércio to d o estrangeiro que só quer v iver da im portação, e os interesses de um a indústria, especialm ente quando é dirigida p o r nacionais” . A p u d Sodré, 1967, p. 203. 12 Esse conflito será retom ado n o Capítulo 4 d o presente trabalho, q u a n d o es­ tudarm os a presença econôm ica e a força política d o capital estrangeiro n o Brasil. 13 Lembre-se que o conceito d e.fra ç ã o a u tô n o m a de classe é fundam entalm ente político-ideológico, isto é, refere-se aos efeitos p e rtin e n tes de um a fração de classe no nível do político e d o ideológico. P ortanto, a identificação de um a burguesia in­ dustrial econom icam ente in d ep en d en te não é suficiente para caracterizá-la com o fra­ ção autônom a. 14 Com o afirm a R aim undo Faoro, “a par d o progresso industrial, consolida-se, a partir d e 1879 — fato evidenciado na tarifa desse ano — um pensam ento próprio, articulado pelos pro d u to res. Cria-se, com a apropriação crescente d o m ercado in te r­ n o, a m entalidade nacionalista, voltada contra o com ércio, em grande p arte estran­ geiro. Daí se pro jeta um a linha de co n d u ta q u e assimila a independência d o país à industrialização, ao abastecim ento d o m ercado in te rn o e à denúncia ao esquem a mon o c u lto r” . Cf. Faoro, 1958 (1987), p. 503. 15 A burguesia industrial não criticava apenas a nossa dependência financeira diante dos banqueiros internacionais. Ela tam bém criticava os favorecim entos que o capital estrangeiro recebia q u a n d o invertido n o país de form a direta. Favorecim ento que se dava sob a form a de incentivos, garantias de juros, isenções de im postos sobre im portados e so b re consum o, rem essa de lucros. Essa atitude ocorreu d urante a dé­ cada de 1920 q u a n d o da tentativa de se im plantar a indústria de base n o país. O alvo das críticas da burguesia industrial e dos nacionalistas era a ocupação violenta feita pelo capitalista Percival Farquhar. Jorge Street m ostrava claram ente o d e sco n ten ta­ m ento da indústria paulista ao dizer que “ a ação pública no m eio pátrio geralm ente favorece e favorecia, m uito mais do que os capitais brasileiros, os que p o r sua ori-

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gem, por sua gestão, p o r seus possuidores predom inantes, pela exportação da m aio­ ria dos lucros aqui obtidos, foram e se conservam estrangeiros” . A p u d Sodré, 1967, pp. 231-232. 16 Ver, p o r exem plo, declaração de Jorge Street na nota anterior. 17 É Saenz Leme (1978, pp. 162-163) quem cham a a atenção para essa visão pró p ria da burguesia industrial e, ao fazê-lo, c ontribui para caracterizar tal fração co­ m o fração autô n o m a de classe. Fosse a atividade industrial um m ero investim ento al­ ternativo, um m ero apêndice d o seto r cafeeiro, poderia haver um a visão industrialista da econom ia brasileira, diferente daquela defendida pela lavoura cafeeira e pelo grande capital? 18 Este item está am plam ente baseado nas considerações de W arren D ean (1971, Capítulo 4). Inform ações p rovenientes de o u tro s autores serão identificadas n o p ró ­ prio texto. 19 ‘‘Havia 25 em presas industriais européias e norte-am ericanas instaladas no Brasil entre 1905 e 1914. Este n úm ero co rrespondia a 12% das em presas industriais autorizadas a o perar n o Brasil e não mais- do que 3 % de to d o s os investim entos es­ trangeiros d ireto s.” Cf. T opik, 1987, p. 170. 20 O apego à atividade agrária fica evidente num a carta de um a p arente dos Pra­ do, na qual ela diz: ‘‘Estou ansiosa p o r ver os filhos colocados. T enho fé que Deus há de perm itir que possam com eçar a vida n ’um m eio tão bom com o é o da lavoura. Lavradores foram nossos pais, e gostaria que nossos filhos tam bém sejam lavrado­ res.” A p u d Levi, 1974, p. 226, nota 66. 21 “ Dos nove cotonifícios fundados p o r lavradores antes de 1910, sete haviam sido vendidos a im portadores p o r volta de 1917. Nesse m eio, seis novas fábricas ti­ nham sido construídas com dinheiro d o café; sem em bargo, tais transferências de fir­ m as industriais agravavam o receio de que os fazendeiros viessem a ser sobrepujados pelos estrangeiros.” Cf. D ean, 1971, p. 76. 22 Era o caso de Francisco Matarazzo. Este chegou ao Brasil, em 1881, com um a determ inada quantidade de banha para vender. Porém , o navio que o conduzia à cos­ ta afundou. D epois disso, Matarazzo foi para Sorocaba o n d e foi ajudado p o r outros italianos que já eram com erciantes. Com essa ajuda abriu um a p equena casa de co ­ m ércio. Q uando principiou a d erreter banha para c o n co rre r com a gordura am erica­ na, conseguiu o capital tam bém através de em préstim os dos amigos. Cf. D ean, 1971, p. 69. Ainda segundo D ean, “ em geral os b urgueses im igrantes chegaram a São Paulo com recursos que os colocavam m uito à frente dos dem ais e praticam ente estabele­ ceram um a estrutura de classe pré-fabricada” (p. 59). 23 Não se deve pensar que essas condições tornam supérfluas as explicações acerca da relação en tre a econom ia cafeeira e a indústria. As condições acim a citadas possibilitaram aos im igrantes em presários investirem na atividade industrial, o que, sem dúvida, não seria possível sem os pré-requisitos gerados pela econom ia cafeeira: m ão-de-obra, m ercado interno, capital-dinheiro, capacidade para im portar. Aliás, es­ sa m esm a econom ia foi quem perm itiu o surgim ento de um forte com ércio im porta­ dor, com forte p resença dos im igrantes que depois se dedicaram à indústria.

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O CAPITAL ESTRANGEIRO COMO FRAÇÃO HEGEMÔNICA NO INTERIOR DO BLOCO NO PODER NACIONAL

Com o já dissem os no Capítulo 1, quando se analisa o bloco no p o d er na Prim eira República, em São Paulo ou n o Brasil, é im possí­ vel desconsiderar a presença do capital estrangeiro na econom ia e na política nacionais. A relação do Brasil com o capital estrangeiro foi fator determ inante para o funcionam ento da nossa econom ia, as­ sim com o para as oscilações da nossa política econôm ica. Não p reten d em os aqui analisar a dinâm ica de nenhum capital estrangeiro em particular — inglês, am ericano, francês, canadense etc. —, mas sim a dinâm ica do capital estrangeiro em geral e as suas conseqüências para o funcionam ento da econom ia e para a política econôm ica do período. O capital estrangeiro se fez presente em vários setores da eco­ nom ia nacional. M onopolizou a com ercialização dos nossos princi­ pais pro d u to s agrícolas, participou com peso no setor de serviços públicos, assum iu posições im portantíssim as no financiam ento de atividades com erciais e das atividades financeiras do setor público nacional. Tal ascensão econôm ica, sobretudo através do controle das finanças públicas, conferiu ao capital estrangeiro a capacidade de con­ quistar sólidas posições políticas que lhe deram o p o d er de intervir nas decisões d o Estado brasileiro acerca das políticas econôm icas. Os exem plos são abundantes, desde a política cafeeira, passando p o r políticas m onetárias e financeiras e indo até às decisões sobre a polí­ tica cambial. O capital estrangeiro procurava im por, e não raro c o n ­ seguia, os seus interesses nessas decisões. Nesse sentido, o p o d er econôm ico e a força política, que confe­ rem a este capital a condição de fator fundam ental nas decisões do

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Estado brasileiro sobre política econôm ica, justificam o seu estudo com o força integrante e ativa do bloco n o p o d er nacional. Devem os dizer ainda mais. O capital estrangeiro não tinha ape­ nas capacidade de im por ao Estado brasileiro m edidas que atendes­ sem aos seus interesses. Além disso, e p o r causa disso, tinha a capa­ cidade de im por m edidas que desagradavam profundam ente a seto­ res da classe dom inante nacional,1 com o foi o caso do fu n d in g loan, em 1898, e dos esquem as de sustentação do preço do café, forçan­ do, assim, um a certa autonom ia do Estado em relação aos interesses dessas classes. P or essas razões, é fundam ental estudar o capital es­ trangeiro se se pretende saber quais interesses norteiam de fato a p o ­ lítica econôm ica n o perío d o em questão. C oncentrarem os a nossa atenção sobre a presença do capital es­ trangeiro na econom ia cafeeira e sobre sua atuação em relação ao financiam ento da dívida pública brasileira, sem dúvida nenhum a, os dois nós que mais poderosam ente am arravam o Estado brasileiro às exigências do capital estrangeiro. E videntem ente, isso não quer di­ zer que este capital não agisse em outras atividades e regiões do Bra­ sil. É fato bastante conhecido a atuação do capital estrangeiro em setores de serviço público, de navegação, m ineração etc., que, c o n ­ tudo, não se constitui, no m om ento, em objeto do nosso interesse.2

1. O CAPITAL ESTRANGEIRO NA ECONOMIA CAFEEIRA Mesmo atuando em toda a econom ia nacional, a análise da p re ­ sença do capital estrangeiro tem que necessariam ente deter-se sobre a econom ia cafeeira. E isso pelo fato de ser ela a nossa principal ati­ vidade econôm ica, a mais dinâm ica e, sobretudo, a mais lucrativa. Por essas razões é natural que esse capital tenha se dirigido para esse setor com mais interesse do que em outros setores da econom ia. No interior da econom ia agroexportadora cafeeira, o capital es­ trangeiro estabeleceu-se principalm ente em duas atividades: a com er­ cialização do café e o financiam ento dos esquem as valorizadores. O dom ínio desses dois setores conferiu ao capital estrangeiro forte p re­ sença na econom ia cafeeira e força política com capacidade para co n ­ trolar as finanças do Estado e a sua política cafeeira. O m onopólio da com ercialização do café pelas casas ex p o rta­ doras estrangeiras iniciou-se, com o vim os no Capítulo 1, com a su­ 168

peração dos com issários de café. A partir de m eados da década de 1890, o circuito fazendeiro-com issário-exportador com eçou a ser al­ terado. Ao invés de com prar o café dos com issários a um p reço mais alto, as casas exportadoras estrangeiras passaram a adquiri-lo direta­ m ente nas fazendas, aum entando a sua m argem de lucro e ro m p en ­ do com a possibilidade de as casas com issárias conterem a oferta do p ro d u to para realizar negócios na alta do preço. P ouco a pouco, o abandono do com issário e a com pra direta ao fazendeiro acabou se im pondo. Assim, a partir daí, as casas com issárias foram p erd en d o im p o r­ tância e o com ércio de exportação foi sendo m onopolizado pelos agentes ex p o rtadores estrangeiros. Já nos anos 90 esses agentes deti­ nham o co n tro le d o com ércio de exportação. Para se ter um a idéia, nesse p eríodo foram exportadas pelo p o rto de Santos um total de 86.391 503 sacas de café. As dez m aiores casas exportadoras eram responsáveis p o r mais de 70% desse total. Dessas dez, nove eram estrangeiras. A sua crescente presença no com ércio cafeeiro deu-se passo a passo com o avanço da econom ia cafeeira. Tam bém a criação dos arm azéns gerais, p o r lei federal de 1903, favoreceu o co n trole do com ércio cafeeiro pelas casas exportadoras estrangeiras. Esses armazéns foram um golpe de m isericórdia na fun­ ção de interm ediário exercida pelos com issários. Os fazendeiros de­ viam arm azenar neles o seu café e negociá-lo diretam ente com o ex ­ portador. No en tanto, os armazéns gerais não estavam sob controle dos fazendeiros, pois para a sua construção e uso um a série de exi­ gências eram feitas, as quais som ente o capital estrangeiro e o gran­ de capital cafeeiro estavam em condições de cum prir. Dessa forma, o capital forâneo conquistou p ontos estratégicos na comercialização do café (Fausto, 1985: 212). Ou seja, o controle sobre os armazéns gerais traduziu-se em controle dos estoques de café, em controle da oferta e, p o rtan to , em controle do m ercado cafeeiro. Era um a força estratégica na atividade especulativa que verem os mais adiante. Em 1905/1906, a filial da com panhia inglesa E. Jo h n sto n and Co., que negociava com o café brasileiro desde sua organização em 1842, im plantou a Registradora de Santos e a Cia. Paulista de Arma­ zéns Gerais. Uma lei estadual de 1906 garantiu à em presa 6% de lucro pela operação dessas instalações. Em 1909, as duas firmas fo­ ram reunidas sob controle da Brazilian W arrant Company, subsidiária da Jo h n sto n (Love, 1985a: 69).

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Dessa forma, no final do século XIX, e m esm o antes, segundo alguns autores (Yilardo, 1986: 44), as casas exportadoras estrangei­ ras já dom inavam am plam ente o com ércio internacional do café. En­ tre elas destacavam -se a T h eo d o r Wille e Cia., fundada em 1869 e que, em 1870, passou a com ercializar café em grande escala, fazen­ d o de H am burgo o prim eiro p o rto n o m ercado europeu de café; a Eduard Jo h n ston and Co., a Brazilian W arrant Company, a Hard Rank and Co., a N aum ann G epp, a Nossack e a Prado Chaves que, apesar de brasileira, estava com prom etida a entregar o seu café n o Havre com as casas Lathan and Co. Yung e Himeley e Fernand Souquet (Vilardo, 1986: 44). A conseqüência im ediata desse m onopólio, extrem am ente n o ­ civo aos fazendeiros de café, foi a força adquirida p o r essas casas es­ trangeiras n o m ercado, o que lhes perm itiu, operando em regim e de ologopsônios com erciais, im por preços aos fazendeiros. Lembre-se que, com o vim os n o prim eiro capítulo, essas casas agiam diante de fazendeiros sem crédito, sem armazéns e, p o r isso, em grandes difi­ culdades. O fato é que, sendo o único m eio de se fazer chegar o café aos consum idores, essas casas exportadoras encontravam -se em p o ­ sição privilegiada para determ inar o preço do produto, ainda mais que controlavam o café estocado nos arm azéns gerais. Não bastasse isso, o m onopólio do com ércio cafeeiro e todas as suas conseqüências, as casas exportadoras estrangeiras conseguiam, através da especulação, jogar o p reço do café para o nível mais bai­ xo possível, suficiente apenas para que o fazendeiro com pensasse os gastos com os elem entos da produção. Com o disse A lbuquerque Lins, em 25 de janeiro de 1908: Fixado com o está o valor da m oeda nacional, basta que o café deixe de ser c o n ­ vencional instrum ento de especulação e jogo, para valer com ercialm ente o que deve valer com o um dos mais im portantes artigos de com ércio do m u n d o , o fruto do capital e do trabalho de um p o v o que, apesar de ter nele o m onopólio incontestado e sua m aior fonte de riqueza, se c ontenta em com pensar-se dos seus gastos de pro d u ção (a p u d Casalecchi, 1978: 25).

Com o funcionava esse m ecanism o especulativo que A lbuquer­ que Lins e tantos outros denunciavam ? Com o se sabe, a econom ia cafeeira n o Brasil sem pre sofreu a am eaça cíclica da superprodução. As casas exportadoras aprenderam a jogar largam ente com essa si­ tuação. Em época de grandes colheitas, elas aproveitavam para for­ 170

m ar estoques que passavam a pesar sobre os preços do café. O u se­ ja, na m edida em que arm azenavam estoques consideráveis elas p o ­ diam sem pre pressionar para baixo o preço do p ro d u to — que já caía naturalm ente em época de colheita — , com a am eaça de lançálos no m ercado. Depois, em perío d o de colheitas m enores ou entressafra, escoavam esses estoques em condições bem mais vantajo­ sas. Vale n o tar que ao m ecanism o especulativo que forçava o preço para baixo não correspondia um a queda do preço do café n o vare­ jo. E nquanto o fazendeiro brasileiro via o seu p reço baixar, o consu­ m idor estrangeiro pagava o m esm o p re ço .3 Não era à toa que as ca­ sas exportadoras auferiam lucros fabulosos. Controlando os estoques, op eran d o com o oligopsônios na com pra do p ro d u to no Brasil e co ­ m o m onopólio na venda para os m ercados consum idores dos Esta­ dos Unidos e Europa, essas casas controlavam o com ércio cafeeiro e podiam im por os preços de com pra e de venda. Com o conseqüência, políticos, intelectuais e fazendeiros recla­ m avam do sério obstáculo que tal controle representava para a acu­ mulação interna de capital. C ontrolando os estoques do produto, for­ çando a baixa do seu preço, grande parte do excedente aqui p ro d u ­ zido ia para fora do país, nas m ãos das casas exportadoras estrangei­ ras, sob a form a de lucro m ercantil. Ao “ p ro d u to r” restava, com o n o to u A lbuquerque Lins, capital suficiente apenas para rep o r os ele­ m entos da pro d u ção. O m onopólio do com ércio do nosso principal p ro d u to era, sem dúvida, um a das principais m aneiras pela qual o capital estrangeiro retirava grande parte do excedente aqui produzi­ do. Cincinato Braga nos dá um a idéia da situação ao dizer que: A cotação d o café cru, pelas m anobras gananciosas da especulação, agindo à som bra da nossa indiferença governam ental p o r estes assuntos, foi baixando... baixando... até que em junho de 1920 caiu a 24 centavos o café cru, m antendose, porém , a 50 centavos p o r preço n o varejo. Pois bem . De junho para cá a baixa continuou m ais ousada: dos 29 centavos de agosto d o ano passado, caiu o preço para 14 centavos p o r libra, atualm ente. Ora, ten d o a saca 132 libras, claro é que sofreu o Brasil um prejuízo de 19 dólares e 80 centavos p o r saca; e com o a safra brasileira de 1920 é de 11 m ilhões de sacas, o prejuízo do Brasil na corrente cam panha anual vai ser de $217.800 mil dólares. Estando cada d ó ­ lar a preço cam bial de 5$300, esse prejuízo apurado em papel é de 1.154.000:000$000, que a ganância com ercial estrangeira tira cuidadosam ente do bolso indefeso da Pátria brasileira, q u e a to d o esse lucro tem direito, p o rq u e ele é o fruto do seu trabalho. Serão 60 m ilhões de esterlinos que deixarão de entrar no nosso país (a p u d Sodré, 1967: 242).

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No entanto, mais do que n o com ércio do café, o capital estran­ geiro assumiu posições de extrem a força através do financiam ento dos esquem as valorizadores. Aqui a sua contribuição financeira se m ostrou indispensável e a ela corresp o n d eu a conquista de sólidas posições políticas e de controle sobre a política cafeeira. Aliás, a ati­ vidade financeira do capital estrangeiro, d en tro ou fora da ec o n o ­ mia cafeeira, guardou sem pre um a im portância fundam ental pela sua rentabilidade e pela força política que ela conferiu a esse capital. O prim eiro esquem a valorizador, que se iniciou em 1906, teve grande participação do capital estrangeiro. Foi este esquem a que p er­ mitiu, pela prim eira vez, a entrada de capitais originários de outros países (França, Alemanha, Estados Unidos), graças à recusa inicial dos Rotschilds — até então a casa financeira que tinha o privilégio de basicam ente m onopolizar as negociações com o Brasil — em finan­ ciar o plano.4 Esse esquem a valorizador, m uito diferente, com o vimos, do C on­ vênio de Taubaté, foi um a cooperação entre o estado de São Paulo e os negociantes estrangeiros de café. Ele baseou-se no respaldo fi­ nanceiro dado p o r estes últim os e p o r banqueiros estrangeiros. Mi­ nas Gerais e Rio de Janeiro tiveram, na verdade, participação extre­ m am ente limitada. O esquem a realm ente efetivado com eçou com a form ação de um consórcio de valorização privado, form ado p o r banqueiros e com er­ ciantes e organizado p o r H erm an Sielcken, poderoso negociante am e­ ricano de café. Desse consórcio faziam parte Crossman, Sielcken, Arbuckle Bros. e T heodor Wille, junto com mais três com panhias do Havre, quatro de Ham burgo, Wille and Co., dois bancos londrinos e um de H am burgo. Com o vim os, o consórcio deveria adiantar 80% do capital necessário à sua im plem entação; o governo de São Paulo participaria com os outros 20% . São Paulo deveria pagar 6% anuais de juro sobre o total e ficar com o proprietário legal do café adquiri­ do, ao m esm o tem po em que dava o m esm o com o garantia dos em ­ préstim os a serem feitos. Em 14 de dezem bro de 1906, foi concedido um em préstim o de 3 m ilhões de libras, dos quais um m ilhão foi para os bancos alemães e dois m ilhões foram destinados às com pras da valorização. Nesse p eríodo foi criada a sobretaxa de 3 francos sobre cada saca ex p o rta­ da tam bém para servir com o garantia dos em préstim os feitos, im ­ posta pelos bancos estrangeiros preocupados p o r terem apenas o café com o garantia. Em fevereiro de 1907, o estado de São Paulo tom ou

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em prestado 6 m ilhões de mil-réis do governo federal para a com pra de café do Rio de Janeiro e de Minas Gerais. Mas foi em dezem bro de 1908 que efetuou-se o em préstim o mais controverso, tanto pelo seu volum e com o pelas implicações que continha. O em préstim o era no valor de 15 m ilhões de libras, com vistas a pagar os outros em ­ préstim os da valorização que ainda estavam correndo, incluindo os 80% iniciais adiantados pelo consórcio. Pelo lado da adm inistração do esquem a, o com itê da valoriza­ ção, form ado p o r quatro m em bros da Schroeder e Cia., dois dos ban­ cos franceses e um representante do estado de São Paulo, com o que para eliminar qualquer dúvida sobre quem mandava, designou o p re­ sidente do Bank o f England com o árbitro m áxim o em qualquer dis­ puta entre São Paulo e os m em bros do com itê. O acordo com os capitalistas estrangeiros im plicou ainda um a conseqüência negativa no que se referia à política cafeeira. Segundo as cláusulas do acordo realizado em dezem bro de 1908, São Paulo perdia o controle da valorização do café sem, no entanto, ficar isen­ to dos com prom issos financeiros decorrentes. O utra cláusula afir­ m ava ainda que o governo de São Paulo não poderia decretar n e ­ nhum a lei co n cernente ao com ércio cafeeiro sem antes ter um a p er­ missão expressa do com itê de valorização. Ou seja, pelo contrato de 1908 os destinos do com ércio cafeeiro e do esquem a valorizador es­ tavam nas m ãos do capital financeiro internacional. As em presas que participaram do esquem a e que form aram o com itê m onopolizaram os estoques da valorização, responsáveis p o r 90% dos estoques to ­ tais do Brasil, e controlaram a sua liquidação. T udo exatam ente ao contrário do que pregava o C onvênio de T aubaté.5 O u seja, o program a de valorização contribuiu de form a signifi­ cativa para fortalecer o controle estrangeiro sobre as finanças do país e do estado de São Paulo. Por essa razão, em 1916, um especialista inglês em finanças perguntava: “o que vale mais: receber o pagamento (dos em préstim os da valorização) ou continuar a ter o controle so­ bre o im posto do café?” (a p u d Love, 1985a: 77). Já se sabia que par­ ticipar do financiam ento desse e de outros esquem as era mais vanta­ joso do que ver os com prom issos totalm ente saldados e os laços de dependência desfeitos. No prim eiro esquem a valorizador coube aos fazendeiros de ca­ fé, em particular, um preço m ínim o que, com o vimos, estava m uito aquém das exigências contidas n o C onvênio de Taubaté. Ao estado

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de São Paulo coube, p o r sua vez, a posição de agente passivo e ao capital estrangeiro coube a m aior parte dos lucros, o controle dos estoques e a últim a palavra sobre a política cafeeira. Vejamos agora alguns exem plos concretos de com o esse poder financeiro traduziu-se em força política, em capacidade de pressão e de barganha. D eterem o-nos num exem plo sobre as exigências do capital financeiro francês em relação ao prim eiro esquem a valorizad o r (Saes e Szmerecsanyi, 1985: 211-214). Em 1908, o em préstim o para a consolidação do prim eiro esque­ m a valorizador seria negociado em Londres e na Bolsa de Paris. Nes­ ta últim a seriam colocados os títulos do em préstim o. Foi em to rn o dessa admissão, fundam ental para o sucesso da valorização, que o capital financeiro francês im pôs suas condições. Com o prim eira exigência colocou-se a garantia federal aos em ­ préstim os recebidos p o r São Paulo e a presença de elem entos fran­ ceses na com issão de controle do esquem a valorizador. Com o parte da barganha entrava tam bém a exigência de certa am enização dos rigores alfandegários com alguns produtos franceses. A im prensa da­ quele país colocava claram ente que, em troca da subscrição da Fran­ ça aos em préstim os concedidos ao Brasil, seria exigido que fosse da­ do ao país tratam ento favorecido análogo ao concedido aos Estados Unidos, além da redução dos direitos alfandegários sobre a m antei­ ga, m aior tolerância quanto ao grau de elem entos sulforosos no vi­ n h o e aceitação pela alfândega brasileira dos certificados de análise de m ercadorias em itidos p o r instituições francesas. Essas exigências foram com unicadas ao barão do Rio Branco que as aceitou com o “ com pensação” pela adm issão à Bolsa de Paris dos títulos do em ­ préstim o feito pelo estado de São Paulo. É claro que a am eaça de recusa funcionava com o razão fortíssim a para que tais “ com pensa­ çõ es” fossem concedidas. Esse tipo de “ negociação” perpetuou-se durante o p eríodo, pelo m enos até 1914. A pressão do capital financeiro francês se revela num caso exem ­ plar em que o Ministério de Negócios Exteriores e o das Finanças daquele país m ostraram -se de acordo em não adm itir o lançam ento na Bolsa de Paris de títulos de um em préstim o ao estado de São Pau­ lo, junto a Casa Rotschild de Londres, enquanto não fosse concedi­ da a um a sociedade francesa a construção do p o rto de Pernam buco. Por sua vez, o m inistro da República Francesa, em troca da emissão de parte de um em préstim o ao governo brasileiro, tentava negociar

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vantagens para em presas francesas, em especial a concessão de um banco hipotecário em São Paulo. Assim, a form a norm al de negociar em préstim os era a im posi­ ção de condições altam ente favoráveis aos capitais estrangeiros. Es­ sas negociações envolviam o pagam ento de dívidas atrasadas a em ­ presas francesas, encom enda à indústria, concessões alfandegárias, participação n o controle de atividades econôm icas etc. Não tem os razão nenhum a para achar que tais procedim entos fossem exclusi­ vos do capital francês e não um a prática generalizada entre alemães, ingleses, am ericanos etc. Ao Brasil, um país sem capital, não restava outra saída senão conceder sólidas posições políticas ao capital fi­ nanceiro internacional. A segunda valorização ocorreu em 1917 e, se é certo que houve pouca ou n enhum a participação do capital financeiro internacional, não se po d e concluir daí que os esquem as valorizadores serviram para afastar do com ércio cafeeiro o capital estrangeiro e devolver o controle aos fazendeiros do café, com o fazem alguns autores.6 O segundo esquem a valorizador realizou-se num período anorm al e, p o r isso, teve um funcionam ento atípico. O conflito mundial, ao m es­ m o tem po em q ue fez cair as exportações e o p reço do café, im pin­ giu um a escassez de capital aos países dependentes da “ajuda” finan­ ceira européia. Nessas condições, isto é, com o preço do café em declínio e sem capital, não restou outra alternativa ao governo brasi­ leiro senão realizar a defesa do p ro d u to através da emissão de m oe­ da. Sem dúvida nenhum a, o capital financeiro internacional estava afastado desse esquem a e, p o r isso, não deteve o controle que c o n ­ quistara no anterior. Mas é bom frisar que esse novo esquem a se deu num p eríodo anorm al. De fato, após o fim da guerra, com a terceira valorização, tu d o voltou a ser com o antes. Aliás, a terceira valoriza­ ção revelou a capacidade de intervenção do capital financeiro inter­ nacional com relação a nossa política cafeeira. Com o vimos, os fa­ zendeiros de café aprovaram a experiência em issionista da segunda valorização, pois ela afastou o capital estrangeiro e com ele as sobre­ taxas de garantia a em préstim os externos. Porém , não conseguiram que o novo p rocesso valorizador se realizasse nos m oldes do segun­ do, isto é, com em issão de m oedas, e isto, com o verem os, p o r pres­ são do capital financeiro internacional. Não vam os descrever o terceiro esquem a valorizador em deta­ lhe, visto que isso já foi feito no Capítulo 1 deste livro. Por ora basta

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lem brar que, em função da conjuntura internacional recessiva, os re­ presentantes dos fazendeiros sugeriram realizar o novo esquem a n o ­ vam ente com base nas em issões, elim inando a dependência com re­ lação ao capital financeiro internacional. Isto de fato ocorreu num prim eiro m om ento. Porém , o p rojeto de se realizar a terceira valori­ zação com base nas emissões foi arquivado em grande parte p o r causa da pressão do capital estrangeiro. A reprovação p o r parte desse ca­ pital ao uso da em issão para financiar a valorização tinha dois signifi­ cados: o prim eiro era pelo fato de as em issões im porem riscos à co n ­ dição de b om pagador do Brasil. Aqui o capital financeiro interna­ cional mostrava-se preocupado com os efeitos nocivos das emissões sobre a taxa cambial e com a conseqüente dificuldade para se saldar os em préstim os internacionais. O prim eiro m otivo residia, pois, na tentativa de garantir o pagam ento de juros e serviços da dívida bra­ sileira com os países credores; o segundo m otivo encontrava-se no interesse desse capital em, financiando o esquem a valorizador, exer­ cer o controle sobre o seu funcionam ento. Fosse este realizado p o r emissões, essa possibilidade seria mais im provável. O resultado final foi totalm ente harm ônico com os interesses do capital financeiro internacional. Este conseguiu reverter a situa­ ção, suprim iu as emissões, m esm o depois de aprovadas pelo decre­ to presidencial em n o vem bro de 1920, e im pôs ao governo brasilei­ ro e aos fazendeiros de café os em préstim os para efetivar o esquem a valorizador. Em m aio de 1922, Epitácio Pessoa contraiu um em prés­ tim o de 9 m ilhões de libras esterlinas com os banqueiros ingleses Rotschild, Baring Bros. e J. H enry Schroeder, cujas cláusulas feriam gravem ente os interesses dos fazendeiros de café. Pelo contrato, o governo deveria ceder com o garantia os 4,5 mi­ lhões de sacas que havia retirado desde o com eço da terceira valori­ zação. Form ou-se um com itê com representantes dos banqueiros in­ gleses, um do Brazilian W arrant Co. e um do governo brasileiro. Mais um a vez este com itê passaria a ter o controle da liquidação dos esto ­ ques. O resultado da venda deste ficaria retido no com itê até 1932, isto é, p o r dez anos, data de vencim ento do contrato. E, mais um a vez, o Estado brasileiro ficaria proibido de realizar nova intervenção n o m ercado cafeeiro sem autorização expressa da Brazilian W arrant ou do com itê (Vilardo, 1986: 137-147). Portanto, bastou passar o período de anorm alidade da guerra para que a burguesia financeira internacional voltasse a exercer a sua

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hegem onia n o financiam ento dos negócios cafeeiros, com o ônus político daí d ecorrente, tal qual na prim eira valorização. Ficou claro que o capital financeiro internacional bloqueou as reivindicações da lavoura e im pôs a sua política, isto é, o abandono das em issões e a realização do terceiro esquem a valorizador com base em em présti­ m os externos. Assim, a terceira valorização m ostrou a força política conquistada pelo capital financeiro internacional, força suficiente para fazer malograr um projeto de interesse de um setor da classe dom i­ nante nacional. Mais um a vez, os fazendeiros se encontraram im potentes dian­ te da força do capital estrangeiro, novam ente o Estado se viu com o m ero garantidor dos em préstim os efetivados e, novam ente, os gru­ pos internacionais garantiram a sua preponderância econôm ica e p o ­ lítica dando a últim a palavra sobre as decisões concernentes ao nos­ so principal p ro d u to. A especulação com ercial apareceu com o pretexto para se iniciar a defesa perm anente do café. Já vim os no Capítulo 1 as condições nas quais a lavoura vivenciou esse esquem a. Q uanto ao capital es­ trangeiro, mais um a vez ele conseguiu bloquear reivindicações da lavoura que exigiam as emissões para o financiam ento da defesa p er­ m anente. D epois de revogadas as cláusulas im peditivas do em présti­ m o de 9 m ilhões de libras para a terceira valorização, graças a um a negociação em no vem bro de 1923, e com a defesa perm anente já a cargo de São Paulo, o que ocorreu em 1924, o Instituto Paulista de Defesa do Café contraiu um em préstim o de 10 m ilhões de libras com o Lazard B rothers. Este banco passaria o dinheiro para o Banco de São Paulo que, p o r sua vez, repassaria-o aos bancos que dessem crédito à agricultura. Para garantia desse em préstim o foi criada uma taxa de mil-réis sobre cada saca exportada, a ser paga pelos cafeicul-

tores. Percebe-se, então, que o governo brasileiro cedeu à pressão dos credores não realizando um a política emissionista, fazendo em prés­ tim os externos e o nerando a lavoura. É difícil pensar que houvesse qualquer autonom ia nesse processo em relação ao capital financeiro internacional. O Lazard B rothers, de Londres, era um dos m aiores trusts financeiros que se estabeleceu no país no pós-guerra. Com cer­ teza, através do dom ínio financeiro que exerceu sobre o esquem a valorizador, sendo a única fonte de recursos da nova política de va­ lorização, co nquistou o controle da defesa perm anente. Em bora es­

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ta figure com o um a tentativa de conquistar autonom ia diante d o ca­ pital estrangeiro, parece não ter sido bem -sucedida na sua intenção.7 Com o n o to u Flávio Saes (1986: 211), os esquem as valorizadores possibilitaram um a forte “ internalização do capital estrangeiro” no Brasil. A ação constante desse capital através do financiam ento extern o para garantir os preços do café lhe conferiu um a forte p re ­ sença econôm ica no país e no estado de São Paulo. Mas vale lem ­ b rar que a internalização do capital estrangeiro não deve ser e n ten ­ dida com o um processo puram ente econôm ico. A sua presença no financiam ento da valorização do nosso principal p ro d u to im plicou tam bém o p o d er de interferir nas decisões do Estado acerca da política cafeeira e no controle dos esquem as valorizadores. A in­ ternalização econôm ica é, portanto, inseparável da internalização política. E isso é bastante com preensível na m edida em que o fi­ nanciam ento do esquem a valorizador significava a garantia da co ­ mercialização do excedente agrícola produzido na econom ia ca­ feeira. Em função dos negócios cafeeiros e da im portância dos em prés­ tim os externos, São Paulo, já em 1906, era responsável p o r mais da m etade do total do débito externo de todos os estados da Federa­ ção. Em 1933 a pro p o rção atingiu 60% . Em 1931, São Paulo devia 12 vezes mais que Minas e 14 vezes mais que Pernam buco. Em rela­ ção à dívida externa federal, as obrigações de São Paulo n o estran­ geiro passaram de um a pro p o rção de 4% , em 1904, para 14%, em 1906, chegando ao m áxim o de 33% em 1908, ano da consolidação da prim eira valorização. A dívida gerada pelas necessidades do setor cafeeiro distinguiase das obrigações ordinárias assumidas pelo governo estadual. Ini­ ciada com o prim eiro program a valorizador, em 1906, atingiu o tri­ plo do valor da dívida ordinária em 1908. Com a reorganização do esquem a valorizador nesse ano, os recursos externos passaram a ser a principal, quando não a única fonte de financiam ento até o início da década de 1930 (Love, 1982: 343-345). Mesmo que os esquem as de sustentação do preço do café te­ nham gerado lucro para o governo de São Paulo, e isto ocorreu em 11 dos 15 anos de política de valorização, o fato mais im portante aqui é que eles dependeram crescentem ente dos em préstim os ex ­ ternos e essa dependência, com o vim os, não se deu sem o devido ônus político: a política cafeeira sob controle estrangeiro.

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Lembre-se, n o entanto, que o governo de São Paulo se via am ar­ rado às exigências do capital financeiro internacional não apenas em função do financiam ento externo dos esquem as valorizadores. O fa­ to é que a receita paulista estava estreitam ente ligada ao desem pe­ n h o do im posto de exportação sobre o café. E isto significava um problem a na m edida em que tornava a preparação do orçam ento p ú ­ blico um a questão de adivinhação, devido às grandes flutuações que ocorriam no m ercado externo (Love, 1982: 339). Mas o pior era que a receita governam ental, em bora razoável, não era suficiente para fi­ nanciar os encargos públicos, justam ente p o r ter a sua fonte baseada apenas no im posto sobre exportação. Ora, um sistem a tributário tão fraco e instável era gerador de um déficit orçam entário freqüente que colocava o T esouro estadual em situação ainda mais difícil quando qualquer crise ou abalo atingia o volum e da exportação. Com o era de se esperar, tal situação levou à constante utilização do endivida­ m en to externo, p ro m ovendo, tam bém através do financiam ento do déficit orçam entário, a internalização econôm ica e política do capi­ tal estrangeiro. Por esta extrem a dependência em relação ao capital financeiro internacional, seja para financiar os esquem as valorizado­ res, seja para financiar o déficit orçam entário, estar em dia com os credores internacionais, isto é, atender aos seus desígnios, era sem ­ pre um a questão de prim eiro plano para o governo de São Paulo. É preciso lem brar que esse p o d er do capital financeiro interna­ cional ultrapassou os limites de São Paulo e atingiu tam bém o gover­ n o federal. Os problem as tributários do estado repetiram -se em ní­ vel federal, perm itindo um a forte ascendência do capital internacio­ nal sobre o governo da União. As suas causas e conseqüências é o que verem os a seguir.

2. A DEPENDÊNCIA FINANCEIRA ESTRUTURAL DO BRASIL E A FORÇA POLÍTICA DO CAPITAL ESTRANGEIRO Verem os aqui que as finanças internacionais assum iram im por­ tância capital para as atividades econôm icas brasileiras durante o p ri­ m eiro p erío d o republicano. Nesse p erío d o não tínham os mais a ação de indivíduos com inversões esporádicas n o país, mas poderosas ins­ tituições comerciais e financeiras com interesses profundam ente arrai­

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gados no interior da nossa econom ia. Encontram os, pois, as filiais dos grandes bancos ingleses, alemães, franceses, norte-am ericanos e o u ­ tros já instalados no país e com os negócios recebendo forte im pulso. Há m uito tem po o Brasil deixara de ser m ero receptor de m er­ cadorias produzidas nos países centrais. Na Primeira República o país já se transform ara em destino im portante para as exportações de ca­ pital.8 O excedente de capital gerado nesses países vinha para o Bra­ sil visando aum entar os lucros, com o vim os, através de investim en­ tos nos setores de serviço público, em presas de navegação etc. Mas, com certeza, esses capitais não vinham ao país para transform ar a natureza da nossa produção. Ao contrário, procuravam setores mais estáveis, em especial aqueles em que era dada a garantia oficial. Por essa razão, durante a Prim eira República, o grosso dos investim en­ tos estrangeiros no país assum iu a form a de investim entos indiretos, isto é, veio sob form a de em préstim os contraídos pelo Estado. A esse capital não interessava m udar o caráter fundam entalm ente agroexportador da econom ia brasileira, não lhe interessava co n tri­ buir para o desenvolvim ento das forças produtivas nacionais, em su­ ma, não lhe interessava dom inar a produção, mas sim o b ter lucro da form a mais garantida e m enos dispendiosa, e esta era, sem dúvi­ da, o financiam ento das atividades do Estado brasileiro. No financiam ento dos negócios públicos serão os ingleses p ra­ ticam ente os m onopolizadores do atendim ento às nossas necessida­ des financeiras. Os am ericanos terão algum significado nesse setor som ente a partir de 1921. Em 1895, num total de 39 m ilhões de li­ bras de estoque de capital estrangeiro nom inal n o p o rtfo lio público, 37,5 milhões eram britânicos. Em 1913, o total era de 151,7 milhões, dos quais a Inglaterra participava com 129,1 m ilhões. Finalmente, em 1930, o total era de 252,9 m ilhões, dos quais 163 m ilhões eram de origem britânica (Abreu, 1985: 168). Os vários dados num éricos conseguidos em vários textos sobre o período som ente confirm am a brutal ascensão da nossa d ep en d ên ­ cia financeira através do crescim ento ininterrupto do núm ero de em ­ préstim os feitos e de nossa dívida externa. Para se ter um a idéia, p o r ocasião da Proclam ação da República a dívida externa brasileira era de 30 m ilhões de libras. Em 1910, ela já era de 90 m ilhões, atingin­ do, em 1930, a enorm e quantia de 250 m ilhões de libras (Prado Jú ­ nior, 1987: 211). Esse m ovim ento crescente se revela no aum ento violento dos em préstim os externos. Em 67 anos de Im pério, o Brasil 180

havia feito 17 em préstim os; em apenas 41 anos de República o Bra­ sil fez 27 em préstim os. Vale lem brar que, entre 1889 e 1937, mais da m etade dos em préstim os externos negociados pelo governo fe­ deral foi subscrita pelos Rotschild. O m odo pelo qual os em préstim os eram feitos oneravam p ro ­ fundam ente o g o v erno brasileiro. O Estado nunca recebia o seu va­ lor integral, pagando, porém , sem pre mais do que o recebido. Os em préstim os eram definidos p o r diversos tipos. Num em préstim o de tipo 80, p o r exem plo, de 1.000 libras em prestadas recebíam os apenas 800. Os o utros 200 seriam distribuídos entre com issões, fre­ te do ouro, juros etc. (Carone, 1972: 135-138). Além disso, os juros eram sem pre extorsivos. O total dos em préstim os imperiais, de 1824 a 1888, feito em dinheiro nacional, totalizou a quantia de 286.026:045$; até 1888 pagam os 267.199:159$ só de juros, 145.873:181$ de am ortizações e 9-397:096$ de com issões. Devia-se ainda 22.951.600 libras esterlinas em títulos. No final pagou-se 148% d o total dos em préstim os. A República intensificou essa d ep e n d ên ­ cia. Os em préstim os se tornaram cada vez mais freqüentes e m aio­ res, e com eles os juros das dívidas. É im portante insistirmos nesse aspecto: o caráter d a dívida bra­ sileira era essencialm ente fin a n c e iro . O país afogou-se num m ar de em préstim os que tinham apenas a função de saldar com prom issos realizados anteriorm ente. Muito po u co ia para o setor produtivo. Na bibliografia sobre o período encontram os apenas um exem plo de em ­ préstim o aplicado ao setor produtivo. Em seis anos vários em présti­ m os am ericanos foram feitos, totalizando 176.500.000 dólares. Des­ se total apenas 25 m ilhões foram para o setor produtivo — eletrifi­ cação parcial da Central do Brasil. O restante foi usado para equili­ brar deficits, pagam ento de juros, dívida flutuante etc. Poderíam os nos alongar com vários exem plos sobre o cresci­ m ento da dívida externa brasileira e da quantidade de em préstim os feitos durante o p erío d o em questão.9 Porém , p o r agora basta dizer que o crescim ento da nossa dívida e os juros abusivos colocaram o Brasil na estranha posição de ex p o rtad o r de capital e não de recep­ to r de capital. É claro que o país assum iu essa posição em condições extrem am ente desvantajosas, isto é, pagando e não em prestando. Pai­ va Abreu (1985: 178) nos inform a que o Brasil absorveu recursos ape­ nas nos períodos de 1886/1895, 1901/1910 e 1926/1930. Fora deles ocorreram períodos de exportação líquida de capital. Na prática, o

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que ocorria era que restituíam os aos países centrais os lucros obti­ dos na ven d a de m ercadorias no com ércio exterior. Tal restituição era feita através do pagam ento dos juros extorsivos sobre os em prés­ tim os concedidos pelos países centrais. Mas qual a razão desse crescente endividamento? Por que o Brasil precisava recorrer tão freqüentem ente aos em préstim os estrangei­ ros? Em suma, qual a razão essencial para que fôssem os tão d ep en ­ dentes do capital estrangeiro? O que existia de fato era um a dependência financeira estrutural em função do predom ínio quase que absoluto da econom ia agroex­ portadora, isto é, em função d o lugar ocupado pelo Brasil na divisão internacional do trabalho com o m ero exportador de bens prim ários. O baixo desenvolvim ento de nossas forças produtivas determ i­ navam o lugar ocupado pelo Brasil na divisão internacional do tra­ balho. Éramos um país ex p o rtad o r de bens prim ários. Com o tal, o po n to dinâm ico de nossa econom ia residia todo ele na produção ex­ portadora, deixando a atividade produtiva voltada para o m ercado interno num a posição com pletam ente secundária. Com o conseqüência da nossa posição na econom ia m undial e do predom ínio do nosso setor agroexportador tínham os o café c o ­ m o praticam ente o único alicerce da estrutura financeira tanto do governo de São Paulo com o do governo federal. Com o já dissem os anteriorm ente, a estrutura tributária d o go­ verno federal era apoiada n o im posto sobre as im portações. Este era responsável pela capacidade financeira do Estado brasileiro. Por sua vez, o volum e das im portações dependia diretam ente da capacida­ de para im portar gerada pelo setor cafeeiro. Era o ouro proveniente do café que pagava as im portações. P ortanto, qualquer crise nesse setor abalava, necessariam ente, as finanças do Estado. Com o agravante, havia o fato de que a receita proveniente des­ se im posto era estruturalm ente inelástica. Não era possível aum en­ tar o volum e das im portações dem asiadam ente, pois isto im plicaria m aior evasão de divisas e am eaçaria os saldos da balança com ercial. O próprio im posto não poderia ser aum entado em excesso, pois nesse caso encareceria os p ro d u to s im portados, dim inuiria o volum e das im portações e, p o r conseguinte, o volum e da arrecadação. Com as suas finanças estreitam ente dependentes do com ércio cafeeiro e resum idas ao im posto sobre as im portações, o Brasil era um país sem recursos financeiros que lhe permitissem arcar com seus

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com prom issos in ternos e externos, condição que se agravava ainda mais no p eríodo de crise cafeeira. C om o saída, para financiar as suas atividades públicas o Estado brasileiro tinha que, necessariam ente, recorrer a em préstim os externos. Se as divisas nacionais já saíam do país na form a de pagam ento dos im portados — dos quais se era ex ­ trem am ente depen dente, já que não tínham os um desenvolvim ento interno consolidado — elas sairiam ainda mais na forma de pagamento de juros dos em préstim os externos. É verdade que quase que sistem aticam ente obtínham os saldos na balança com ercial. No entanto, tam bém esses saldos não eram su­ ficientes para financiar as atividades do p o d er público, pois eram ab­ sorvidos n o pagam ento da dívida externa. No decênio de 1871/1880, em pregávam os m etade do saldo com ercial para atenderm os aos nos­ sos com prom issos financeiros externos; entre 1881/1890 chegam os a em pregar 99% do nosso saldo com ercial para esse fim e, entre 1891/1900, usam os 85% para o m esm o objetivo (Sodré, 1967: 169). Espantoso é o fato de, entre 1890 e 1933, ter sido utilizado em m é­ dia 75% do nosso saldo com ercial para pagar só os juros da dívida ex tern a,10 taxa absurdam ente elevada que não implicava apenas na restituição aos países centrais dos lucros que auferíam os nas trocas de m ercadorias, mas tam bém na reiteração constante da nossa d e­ pendência financeira. Por essas razões, tão sistemático quanto os sal­ dos na nossa balança com ercial foram os déficits na balança de paga­ m entos. Portanto, com o país exportador de bens prim ários, sem um a vi­ gorosa atividade interna, extrem am ente dependente das im portações e dos em préstim os externos — o que sangrava as divisas do país — , em suma, com pletam ente descapitalizado, o Brasil era estruturalmente dep en d en te do financiam ento externo de sua econom ia. E ao re co r­ rer à “ ajuda” ex terna ele reiterava a sua condição de dependência na m edida em que os em préstim os se revelavam um forte instrum ento de descapitalização do país, através da evasão de divisas via paga­ m ento de ju ro s.11 Para resolver esse problem a existiam duas alternativas: um a d e ­ las seria em itir sem lastro-ouro para p o d er arcar com os com prom is­ sos referentes à dívida pública, cujas conseqüências seriam, certa­ m ente, a inflação e a desvalorização cambial, o que dificultaria ainda mais o pagam ento da dívida externa, que era efetuado em ouro; ou poderia recorrer-se tam bém — o que de fato foi feito — a em prés­

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timos em ouro no exterior para em itir com lastro e arcar com os com ­ prom issos internos e externos. Porém , tal m edida não era um a saída de fato, pois ela aprofundava a nossa dependência financeira com relação aos bancos internacionais, na m edida em que am pliava a dí­ vida externa.12 Mais do que isso, ela aprofundava o caráter financei­ ro da dívida, já que tais em préstim os serviam apenas para pagar ju­ ros de débitos anteriores e não para investir n o setor produtivo. Es­ sa condição de penúria e dependência levou Alcindo Guanabara a dizer que: Há de fato um m istério, o m istério de nossa progressiva miséria. Som os um p o ­ vo que trabalha, um p o v o que p ro d u z, que tem p o r assim dizer o m onopólio virtual de dois gêneros indispensáveis e não vem os o fruto d o nosso trabalho, não gozam os o resultado de nossa produção, som os cada vez mais pobres! Em quinze anos só pelos p o rto s do Rio de Janeiro e Santos, exportam os café no valor de 333 m ilhões de libras. Tão e n o rm e som a fundiu-se e desapareceu, nin­ guém sabe para onde. Som os po b res e não capitalizam os (a p u d Luz, 1978: 76).

Não havia mistério. A comercialização dos nossos principais p ro ­ dutos estavam nas m ãos dos estrangeiros. O próprio Estado, em fun­ ção da ausência de rendas, dependia da finança internacional. T udo o que era p roduzido n o país, todas as divisas que aqui entravam , p a­ gavam um alto tributo ao capital estrangeiro na form a de lucro m er­ cantil e juros. Por isso o excedente p roduzido se esfumaçava, por isso éram os pobres, p o r isso não capitalizávamos. A posição ocupa­ da pelo Brasil na econom ia m undial e a “ interm ediação com ercial e financeira ex terna’’ eram dois fatores inseparáveis para explicar a nossa descapitalização e a nossa dependência com relação ao capital financeiro internacional. A presença do capital estrangeiro no financiam ento das ativida­ des do Estado brasileiro, n o financiam ento de seu déficit orçam en­ tário e do déficit da balança de pagam entos foi o meio mais p o d e ro ­ so de internalização desse capital na Primeira República. E, com o dis­ sem os, essa internalização conferia a esse capital um a enorm e força política, isto é, conferia-lhe o controle sobre as finanças nacionais e sobre as decisões acerca das políticas econômicas. Em suma, a p rin ­ cipal conseqüência da nossa dependência financeira foi justam ente esta: conferir p o d er de interferência, veto e decisão ao capital finan­ ceiro internacional com relação às políticas econôm icas do Estado brasileiro.

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A dependência financeira deste últim o com relação ao capital internacional era responsável pela agonia dos governantes brasilei­ ros, no nível federal ou estadual, n o que se referia a qualquer tipo de am eaça à estabilidade política. É claro que a instabilidade política ameaçava vários interesses, mas o perigo para o crédito brasileiro no exterior era um dos principais m otivos para se criticar violentam en­ te qualquer ação política desestabilizadora. Foi assim n o m om ento im ediatam ente posterior à Proclam ação da República, conhecido co ­ m o “ República da Espada” , quando a conjugação da instabilidade natural de um n o v o regim e com a guerra civil no Sul e as tentativas de golpe abalaram a confiança do capital financeiro internacional na nossa capacidade de pagar os em préstim os recebidos. Foi assim tam ­ bém com Canudos, em 1897; com o perío d o do governo de H er­ m es da Fonseca durante as “ salvações” e tam bém com as revoltas tenentistas. Em to d os esses acontecim entos, a desconfiança gerada na city de Londres e outros centros financeiros era um a das conse­ qüências mais indesejadas da desordem política e um a das razões mais fortes para superá-la.13 Aliás, essa preocupação com a nossa credibilidade nos m eios fi­ nanceiros internacionais im pediu a vitória da em enda Castilho na C onstituinte de 1891 que pregava um federalism o radical, na m edida em que reservava aos estados to d o e qualquer im posto e proibia a criação de novas taxas pela União. Tal em enda foi derrotada com o apoio da bancada paulista. A oposição paulista m ostrou, assim, com o pesava em sua estratégia a preocupação com os abalos que a m udan­ ça do regim e provocava na sólida im agem de estabilidade política e financeira projetada pelo Im pério. Os paulistas tinham conhecim en­ to do ceticismo e desconfiança com que as casas financeiras européias encaravam a capacidade do n ovo regim e em m anter a própria unida­ de nacional. Assim, a extensão do nosso federalism o era dada tam ­ bém pela suas conseqüências nos centros financeiros internacionais (Kugelmas, 1986: 59). Era o que dizia Rui Barbosa ao perguntar: Q ue praça d o m u n d o em prestará m ais um real ao governo de u m país confessadam ente destituído de fontes de renda para h o n ra r suas dívidas e entregue a esse respeito à discrição de autoridades locais...? D estarte, os estados seriam os fiadores da União, os árbitros de seu crédito (a p u d Kugelmas, 1986: 54).

Ainda com relação à questão do federalism o, pode-se detectar um a influência mais direta do capital financeiro internacional n o ca-

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so da revisão constitucional de 1926, realizada sob o governo de Ar­ tu r Bernardes. Segundo Love (1982: 273), em maio de 1924, logo após o final dos trabalhos que um a m issão financeira inglesa realiza­ ra n o Brasil, o presidente subm eteu ao Congresso uma p roposta p re­ v en d o um a série de em endas à C onstituição. O autor diz ser plausí­ vel supor que esse passo tenha sido dado em função das p reo cu p a­ ções acerca das obrigações im postas pela dívida externa. Nessa p ro ­ posta, o presidente previa a am pliação do direito de intervenção fe­ deral nos estados. Um dos itens, p o r exem plo, estabelecia este direi­ to n o caso em que o governo estadual deixasse de cum prir as o b ri­ gações financeiras vinculadas ao serviço da dívida fundada p o r dois anos consecutivos. A proposta presidencial pretendia, ainda, que fos­ se dado ao presidente da República o direito de veto parcial sobre a distribuição dos recursos públicos, m edida que visava dificultar a expansão exagerada dos gastos extra-orçam entários, que reforçavam a tendência secular ao déficit da União. O utros exem plos poderiam ser dados a propósito da capacidade de interferência do capital estrangeiro na política brasileira com vis­ tas a resguardar os seus interesses. A postura inflexível de W ashington Luís na crise de 1929 p o d e ser tam bém interpretada com o a im possi­ bilidade política de assum ir um a atitude de confrontação em face dos banqueiros internacionais, cuja confiança era tida com o indispensá­ vel para a m anutenção da estabilidade cam bial (Fritsch, 1985: 343). O utro exem plo p o d e ser encontrado n o controle estrangeiro sobre os esquem as valorizadores. Porém , o exem plo mais gritante sobre a força política que o capital financeiro internacional adquiriu n o Bra­ sil é, sem dúvida, o fu n d in g loan, ocorrido em 1898. Esse plano fi­ nanceiro foi um m arco na internalização econôm ica e política do ca­ pital estrangeiro no Brasil. A partir dele, as finanças brasileiras fica­ ram definitivam ente nas m ãos dos bancos estrangeiros. Com tantos interesses n o Brasil, o capital financeiro internacio­ nal não se intim idava em intervir declaradam ente na política finan­ ceira brasileira. Ao contrário, fazia questão de limitar, segundo as suas exigências, a política econôm ica, m onetária, financeira e cam bial do governo. O fu n d in g loan é o exem plo clássico de ingerência da fi­ nança internacional nas decisões do governo brasileiro. Por ocasião do plano, dizia o jornal Standard, de Londres: “estam os intervindo nos negócios do Brasil p o rq u e estam os intervindo em nossa casa: tem os lá 84 milhões de libras” (apud Basbaum, 1981: 135)- O fu n d in g

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foi justam ente isso, ou seja, a tentativa de garantir ao Brasil os m eios de continuar pagando a sua dívida externa. No p erío d o an terior a esse plano financeiro, apesar da am plia­ ção das exportações, a receita de divisas provenientes do café caiu seguidam ente a partir de 1896, com plicando ainda mais a situação da nossa balança de pagam entos. Nessa época, os serviços da dívida consum iam 85% do saldo da balança com ercial, conjugando-se, de form a crônica, com a queda nas divisas geradas pelo com ércio exte­ rior, inflação ascedente devido às constantes em issões desde o Enci­ lham ento e, conseqüentem ente, forte desvalorização cambial. T udo isso to rn o u im possível o pagam ento da dívida externa. O Estado es­ tava falido. Diante do perigo de ter o pagam ento da dívida ou de seus servi­ ços com prom etidos pela situação de descalabro financeiro em que o país se encontrava, a Casa Rotschild, de Londres, agente financei­ ro do Brasil de longa data, exigiu o restabelecim ento da sanidade fi­ nanceira e cambial caso o país quisesse continuar ten d o crédito no m ercado financeiro internacional. O governo brasileiro, p o r sua vez, via-se diante da seguinte difi­ culdade: dar prioridade ao café cujo preço vinha caindo drasticam en­ te desde 1895, ou sanar suas finanças duram ente castigadas pelo de­ clínio cambial. A prim eira alternativa im plicava suspender o paga­ m ento da dívida, atitude que Cam pos Sales considerava atentatória à soberania nacional, visto que o capital financeiro internacional se p ropunha a realizar intervenções mais drásticas no país caso isso acon­ tecesse. Diante do perigo de bancarrota financeira do Estado e das pressões dos ingleses, que nos ameaçaram abandonar, o governo não hesitou em dar prioridade à questão financeira. Em junho de 1898, o fu n d in g foi form alm ente acertado, para ser efetivado durante o governo Cam pos Sales. O acordo tinha co ­ m o objetivo principal o restabelecim ento do câm bio que não só n o r­ malizaria as finanças nacionais mas tam bém — o que era de interes­ se dos Rotschild — garantiria a condição de pagador do Brasil dian­ te dos bancos internacionais. Com o afirma Boris Fausto (1985: 207-208), “ a valorização cambial foi im posta pelo fu n d in g loan vi­ sando assegurar as condições para o pagam ento futuro da dívida” . Para tal fim, o acordo continha vários pontos. A m edida-chave foi a realização de um grande em préstim o para pagar aqueles que estavam pendentes, ao m esm o tem po em que era suspenso o paga­

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m ento da dívida, visando recom por as reservas cambiais em ouro. Para atingir este últim o objetivo, instituiu-se a taxa-ouro sobre os p ro ­ dutos im portados, inicialm ente em 10% , depois em 15% e 2 0 % ,14 além de cobrar o arrendam ento das ferrovias em ouro. Ainda visan­ do recom por as reservas em ouro, as im portações foram dim inuí­ das, pro cu ran do m aiores saldos na balança comercial. Para conse­ guir a dim inuição da dívida pública interna, instituiu-se o im posto sobre o consum o e reduziu-se fortem ente os gastos públicos. As emis­ sões foram proibidas e o governo com prom eteu-se em tirar de cir­ culação a quantidade de papel-m oeda equivalente ao valor do em ­ préstim o, no câm bio de 18 dinheiros p o r mil-réis, e incinerá-lo. O grande em préstim o feito para pagar os anteriores im plicou ju­ ros bastante elevados que oneravam ainda mais o país. Os juros d e­ veriam ser pagos não em dinheiro, mas em novos títulos da dívida. Com o garantia do em préstim o, o governo cedeu a receita do direito alfandegário do Rio de Janeiro, perm anecendo os de outras alfânde­ gas nacionais com o subsidiários. Como resultado dessas m edidas, houve a recom posição das re­ servas de ouro, ausência de déficits orçam entários, pagam ento p o n ­ tual dos com prom issos externos, saldo na balança com ercial, c o n ­ tenção da grande evasão de o u ro para o pagam ento da dívida, tudo isso resultando num a constante deflação e num a alta do câm bio, ini­ ciada já em 1899, m ostrando forte tendência para a alta. Porém , esses resultados não ocorreram sem sérios sacrifícios. Não apenas p o r parte dos trabalhadores — os mais sacrificados —, mas tam bém p o r parte da classe dom inante nacional. Já nos referi­ m os no Capítulo 1 à lavoura cafeeira e à situação de desespero que ela vivenciou com o fu n d in g loan. Essa classe se debateu pressiona­ da, p o r um lado, pela queda constante dos preços externos do café, e, p o r outro, pela tam bém constante valorização cambial. De nada adiantaram as reclam ações dos lavradores. Os ditames internacionais continuaram a ser cum pridos pelo governo Campos Sales e depois p o r Rodrigues Alves. O capital financeiro internacional im pôs seus desígnios não só à lavoura cafeeira, mas tam bém à burguesia bancária nacional, cujo p o d er vinha crescendo desde o Encilham ento. O fu n d in g loan foi tam bém um golpe fatal no sistem a bancário que se organizara n o iní­ cio da República. Foi um golpe num a fração da classe dom inante que desde o E ncilham ento vinha se o p o n d o , com sucesso, às tentativas

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do governo em dim inuir o seu poder. P roibindo as em issões e obri­ gando o recolhim ento de grande parte do papel-m oeda em circula­ ção, o fu n d in g fez com que os quatro principais bancos nacionais sediados no Rio de Janeiro, entre eles o Banco da República do Bra­ sil, suspendessem , no final de 1900, as suas atividades. O principal beneficiário era m esm o o capital financeiro interna­ cional que aprofundava a nossa dependência financeira e assumia o controle da econom ia d o país, ditando as suas diretrizes financeiras e garantindo a sua condição de credor. Para realizar os seus interes­ ses, im punha um plano que desagradava a m uitos. Em suma, com o bem n o to u T hom as Holloway, o program a de Joaquim M urtinho, m inistro da Fazenda de Campos Sales, m ostrava, de m odo geral, a capacidade de pressão p o r parte dos bancos europeus sobre as deci­ sões do governo brasileiro, e com o essas pressões afetavam os inte­ resses de frações da classe dom inante brasileira (Holloway, 1978: 45).15 As condições que deram origem ao fu n d in g , em 1898, repetiramse em 1914, q u ando foi realizado um segundo plano financeiro com as mesm as características do prim eiro. Nesse segundo acordo repetiram -se as cláusulas onerosas para o país e os resultados ec o n ô ­ m ica e politicam ente vantajosos para a burguesia financeira interna­ cional. Ela continuou ditando norm as financeiras e fiscalizando a sua execução, tudo para garantir a segurança dos investim entos estran­ geiros feitos aqui. Não só durante os fu n d in g o capital estrangeiro preocupou-se com a nossa estabilidade cambial. Esta preocupação existiu durante toda a Prim eira República, pois ao capital estrangeiro interessava ga­ rantir as remessas de juros e lucros para o seu país de origem . A um câm bio relativam ente alto era enviado mais ouro do que com o câm ­ bio em queda. Nesse sentido, interessava ao capital estrangeiro um a política cambial que garantisse a condição de bom pagador do Bra­ sil, ou p o r outra, que garantisse os lucros e juros internacionais. E pelo que vim os no Capítulo 1, esse interesse do capital estrangeiro prevaleceu, já que durante um longo período a política seguida pelo governo brasileiro foi a da deflação e a busca da valorização cam ­ bial. A desvalorização, quando ocorreu, se deu em função de crises n o m ercado ex terno ou crises financeiras, com o no início da Repú­ blica, às quais, é bo m lem brar, seguia im ediatam ente um a política de recuperação das finanças e do câm bio, sob os ditam es do capital

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financeiro internacional e contra os interesses im ediatos de setores da classe dom inante nacional.16 Por essas razões, pela dependência d o Brasil em relação ao ca­ pital financeiro internacional, pela capacidade de esse capital inter­ ferir e determ inar, a contragosto de setores da classe dom inante na­ cional, a nossa política financeira e cambial, ou p o r outra, p o r c o n ­ seguir fazer com que seus interesses fossem atendidos de m o d o p rio ­ ritário pela política econôm ica do Estado brasileiro, é indispensável que se analise o capital estrangeiro não com o m era variável externa, mas com o força interna, econôm ica e politicam ente, bastante ativa n o interior do bloco n o poder. O estudo da hegem onia, entendida com o capacidade privilegiada de intervir na política econôm ica, não po d e, p ortanto, negligenciar a ação d o capital estrangeiro.

3. A RELAÇÃO ENTRE O CAPITAL ESTRANGEIRO E AS CLASSES DOMINANTES DA ECONOMIA AGROEXPORTADORA Este item não p retende estudar os casos concretos e específicos nos quais o capital estrangeiro entrou em conflito com setores da classe dom inante nacional, isto é, conflitos em to rn o do avanço do capital estrangeiro sobre determ inadas atividades econôm icas, com ­ p etin d o ou desalojando o capital nacional.17 Pretendem os ver, de form a geral, a relação entre o capital estrangeiro e as classes dom i­ nantes da econom ia agroexportadora — lavoura, grande capital ca­ feeiro e burguesia industrial —, a natureza dessa relação, se ela se pautava pelo conflito ou pela harm onia, em suma, se essas classes se definem com o burguesia nacional, interior ou com pradora.18 Pelo que foi exposto durante este capítulo, em função da força que a nossa dependência financeira conferia ao capital estrangeiro, é fácil perceber que o interesse fundam ental desse capital era, em últim a análise, reiterar a posição do Brasil na divisão internacional do trabalho, o que significava perpetuar a interm ediação com ercial e financeira ex tern a.19 A reiteração dessa posição implicava um ve­ to a qualquer política industrializante que apontasse para a sua p o s­ sível superação. Nesse sentido, a relação da burguesia industrial com o capital estrangeiro era, sem dúvida, conflituosa.20 Melhor dizen­ do, a relação entre indústria e capital estrangeiro pautava-se pela d e­

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pendência da prim eira em relação ao segundo e pelo conflito entre am bos, perm itindo-nos caracterizar a burguesia industrial com o uma burguesia interior. A dependência residia no fato de que, sem dúvida, os capitais estrangeiros transferidos para o Brasil contribuíram para a m obiliza­ ção e o desenvolvim ento de nossas forças produtivas. As indústrias beneficiaram-se, com certeza, dos investim entos estrangeiros em fer­ rovias, em energia elétrica, na im portação de bens de capital etc. Po­ rém , o capital estrangeiro representava tam bém um obstáculo — e aqui reside a causa do conflito — ao plen o desenvolvim ento da in­ dústria, na m edida em que investia na reiteração da especialização da econom ia brasileira na produção e exportação de bens primários. Essa especialização da econom ia nacional, com o vim os, vinculava-a cada vez mais às necessidades e aos interesses dom inantes do com ér­ cio internacional e do m ercado m undial de capitais. Para o capital estrangeiro, um a política sistem ática de industria­ lização significaria o início da ruptura da dependência do país, tal qual ela se dava no prim eiro período republicano. Num processo de industrialização aprofundado, o país poderia deixar de ser carente de capitais na m edida em que obtivesse um a alta produtividade in­ terna, fazendo com que o im posto sobre consum o assumisse posi­ ção prim ordial na arrecadação interna. Seria bem m enos d ep en d en ­ te das im portações, tanto para p ro v er o m ercado interno com o para prover as finanças públicas. Seria tam bém m enos dependente do m er­ cado externo e daqueles que o dominavam. Teria uma econom ia mais dinâm ica, mais vigorosa, mais firm e e relativam ente independente das oscilações externas. Daria, assim, um forte golpe na sua d epen­ dência financeira e na posição privilegiada que ela conferia ao capi­ tal financeiro internacional. Em suma, o aprofundam ento da industrialização atingiria os três setores em que o capital estrangeiro operava de form a soberana e nociva ao país: o com ércio im portador, o com ércio exportador e os em préstim os financeiros. A industrialização permitiria dim inuir o sig­ nificado desses setores para a econom ia nacional, rom pendo com a nossa brutal dependência em relação ao capital estrangeiro, estan­ cando a enorm e evasão de divisas — via lucros m ercantis e juros fi­ nanceiros — que tal dependência causava, para desespero de nacio­ nalistas com o Sezerdelo Corrêa e Alcindo Guanabara. Eis p o rq u e o capital estrangeiro identificava-se plenam ente com o predom ínio da econom ia agroexportadora.

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Assim, a relação da indústria com o capital estrangeiro era, p o r extensão, a m esm a que ela m antinha com a econom ia agroexporta­ dora: um a relação de unidade, pois dependia do estím ulo dado ao desenvolvim ento das forças produtivas pela presença do capital es­ trangeiro n a econom ia nacional; e tam bém de conflito, pois a reali­ zação dos interesses do capital estrangeiro im pedia o pleno desen­ volvim ento da indústria e exigia a reiteração da condição de ex p o r­ tador de b en s prim ários que o Brasil ocupava na econom ia m undial. Por essa razão, a burguesia industrial brasileira não era um a força em franca oposição ao capital estrangeiro, capaz de organizar a luta pelo rom pim ento de nossa dependência, mas não era tam pouco um a classe em estreita harm onia e subserviência a esse m esm o capital. Relações baseadas na harm onia e n o conflito repetiam -se no ca­ so dos p ro d u to res de café. Porém , existe aqui a dificuldade de definir estes últim os com o “ burguesia interior” não em função da relação que eles m antêm com o capital estrangeiro, mas em razão das dificul­ dades de definir a classe ligada à produção agrária cafeeira com o b u r­ guesia. As relações sociais dom inantes no cam po brasileiro, n o caso da pro d u ção de café em São Paulo, no m ínim o nos perm item problematizar tal questão, o que não é do nosso interesse aqui.21 Se a lavoura pregava a ideologia da vocação agrária, em co n so ­ nância com os interesses do capital estrangeiro, se ela tinha, junto com esse m esm o capital, profundas reservas com relação ao p ro te ­ cionism o industrial, ao m esm o tem po a lavoura m antinha im portan­ tes p o n to s de conflito com o capital forâneo. Os conflitos entre a lavoura e o capital estrangeiro residiam em duas questões. A prim eira delas referia-se ao com ércio cafeeiro. A lavoura criticava severam ente o m onopólio da com ercialização do café pelo capital estrangeiro e a especulação realizada p o r ele. Criti­ cava tam bém a sua participação hegem ônica nos esquem as valorizadores, com todas as conseqüências nocivas já vistas neste trabalho. Ela tentou várias vezes rom per esse m onopólio, tentou tirar os es­ quem as valorizadores do controle da burguesia financeira interna­ cional, mas não teve sucesso. O o u tro p o n to de conflito residia na política cambial. Vimos que esta estava m uito longe de atender aos interesses da lavoura exportadora. Ao contrário, seguindo os dita­ m es da burguesia financeira internacional, a política cam bial p reju­ dicou freqüentem ente os interesses daquela classe. Vimos tam bém que o eixo dessa política consistia em buscar a valorização e a esta­ 192

bilidade cambial. O exem plo clássico dessa oposição de interesses se deu no p eríodo de 1898 a 1906, n o qual a valorização cam bial seguiu firme apesar das reclam ações da lavoura, que vinha sendo diretam ente castigada pela conjugação dessa política com a queda constante dos p reços internacionais d o café. Com o vimos, o fu n d in g foi um a im ­ posição do capital estrangeiro, assim com o a valorização do câmbio. Desse m odo, a lavoura exportadora, com o a indústria, não ti­ nha um a relação nem de com pleta subserviência nem de com pleta harm onia com o capital estrangeiro. A internalização deste últim o im plicou o abandono, em seu proveito, de alguns interesses funda­ m entais dessas duas frações da classe dom inante nacional. Relações profundam ente harm oniosas se estabeleceram som ente en tre o grande capital cafeeiro e o capital estrangeiro. A p erpetua­ ção da interm ediação externa assegurava, não só ao capital estran­ geiro, mas tam bém ao grande capital cafeeiro, posições privilegia­ das na econom ia agroexportadora. Este capital parece agir com o in­ term ediário, com o elem ento associado ao capital estrangeiro na co ­ mercialização do café. O predom ínio da econom ia agroexportadora fazia com que a reiteração da posição do Brasil na econom ia m u n ­ dial fosse um interesse essencial tanto do capital estrangeiro com o do grande capital. Mais do que isso, a presença do capital estrangei­ ro na econom ia cafeeira proporcionava ao grande capital possibili­ dades de associação e de lucros enorm es. Essa associação perm itia um a concordância não só em relação à nossa “ vocação agrícola” e ao antiindustrialism o, mas tam bém em relação às formas de com er­ cialização do café e à política cambial. A presença do capital estran­ geiro tinha, então, de ser garantida, pois ela significava um a lucrati­ va associação. Lembre-se ainda que o grande capital, em bora p ro d u ­ zisse café, era tam bém e principalm ente com erciante do produto. P odem os fornecer alguns exem plos da associação acima indicada. O prim eiro deles, e o mais óbvio, refere-se à Casa Prado Cha­ ves, m aior representante do grande capital cafeeiro, e à sua posição interm ediária nos esquem as valorizadores. Foi ela que realizou as li­ gações de São Paulo com as grandes casas exportadoras e bancos in­ ternacionais, além de entrar em contato com os com pradores e v en ­ dedores n o estrangeiro, encam inhando seus investim entos. A Prado Chaves, com o já dissem os, além de ajudar nos esquem as valorizado­ res, entregava o café n o Havre às casas Lathan and Co., Yung and Him eley e Fernand Souquet.

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Não só nas valorizações do café essas forças se associavam, mas tam bém no com ércio im portador. Com o já dissemos, a im portância adquirida p o r esse com ércio na Prim eira República era a contraparti­ da do predom ínio absoluto do com ércio exterior na econom ia brasi­ leira. Com um a atividade interna p o u co desenvolvida, a im portação era fundam ental para fornecer ao m ercado interno as m ercadorias de que ele necessitava. P ortanto, o grande capital associado ao capital estrangeiro não perdeu tem po, preocupando-se logo em ocupar esse setor. A associação se deu através de com panhias com o a McHardy, o n d e o grande capital aparece nas pessoas do barão Ataliba de No­ gueira e Gabriel Dias Silva; a Lupton, o n d e se colocam , ao lado de Percy Lupton, A ntonio Rodovalho, Ismael Dias da Silva e barão Ge­ raldo de Resende; a C om panhia Im portadora Paulista, na qual J. B. Melo de Oliveira se associava a H. R obertson e Joseph W. Mee (Saes, 1986: 108). Tam bém nos armazéns gerais, a partir de 1903, o grande capital associou-se às firmas estrangeiras, às vezes nas mesmas em pre­ sas, para controlar a venda do café arm azenado. Como exem plo específico de associação entre m em bros do gran­ de capital cafeeiro com o capital estrangeiro podem os citar, segun­ do Love (1982: 283-284), os nom es de Artur D iedrichsen e o de An­ to n io Prado. Diedrichsen tinha negócios imobiliários e plantações. Construiu a prim eira estrada m oderna entre São Paulo e Mato G rosso, desen­ volveu a criação de gado em larga escala e organizou o serviço de navegação a vapor n o rio Paraná. Nas atividades que desenvolvia es­ tabeleceu conexões entre a política dom éstica e o investim ento e x ­ terno, entre o capital europeu e o desenvolvim ento da fronteira eco­ nôm ica. Através dele, a com panhia Wille associou-se à C entral Elé­ trica de Rio Claro, ao lado de cinco dos mais im portantes m em bros da econom ia e da política paulistas: Olavo Egídio de Souza Aranha, Elói Chaves, José M artiniano Rodrigues Alves, Virgílio Alves e Car­ doso Melo Neto. O principal representante da Wille era o próprio Diedrichsen, que nascera no Brasil e era filho do diretor da filial da em presa em Santos n o final do século XIX. Antonio Prado, com o m em bro da diretoria da Brazilian W arrant Com pany, era tam bém sócio de Eduard Greene. D urante a Prim eira G uerra Mundial, A ntonio Prado usou de sua influência para favore­ cer os interesses ingleses, em troca da não-inclusão de seus negócios na lista negra do bloqueio inglês.

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Love afirma ter enco n trad o pelo m enos 23 m em bros da “ eli­ te ” que foram diretores ou assessores jurídicos de em presas es­ trangeiras. Alguns deles são sabidam ente m em bros do grande capi­ tal cafeeiro, com o Elói Chaves, Cardoso de Melo Neto, Paulo Pra­ do e A ntonio P rado.22 Lembre-se que eles eram tam bém indiví­ duos que ocupavam altos cargos políticos, o que, sem dúvida, faci­ litava o p o d er de penetração do capital estrangeiro nas decisões do Estado. Sobre a política cambial, dissem os que, p o r pressões externas, ela pautou-se pela busca da estabilidade e da valorização cambial. Nesse sentido, cabe perguntar: essa política não era contrária aos interesses do grande capital cafeeiro exportador? Numa prim eira apreciação, de caráter negativo, é preciso lem brar que o grande capital, em bora agisse predom inantem ente no com ércio ex p o rta­ dor, tinha um a atividade bastante diversificada. Se a valorização do câm bio prejudicava os lucros das exportações, esses eram , em parte, com pensados pelas atividades n o sistema ferroviário e no com ércio im portador, am bas beneficiadas, p o r razões já vistas, p e­ la valorização cambial. Numa segunda apreciação, esta de caráter positivo, a valorização cambial beneficiava a burguesia m ercantil na m edida em que dava m elhores condições para a entrada do ca­ pital estrangeiro no país. Joaquim M urtinho insistiu no fato de que este capital só viria para o Brasil com a valorização e fixidez de nossa m oeda. À burguesia m ercantil interessava m uito mais a asso­ ciação com o capital estrangeiro, a partir da qual ela poderia parti­ cipar de negócios fabulosam ente lucrativos, com o foram os esque­ mas de valorização do café, do que as desvalorizações cambiais que afugentavam esse capital na m edida em que dificultavam o pa­ gam ento de em préstim os e remessas de lucros, além de representa­ rem um m ero m eio de evitar com pressão dos lucros e não de ampliálos. Nesse sentido, a política de valorização cambial que perpassou to d a a Primeira República, com dificuldades é verdade, contribuiu para o aprofundam ento da associação entre grande capital cafeeiro e capital estrangeiro. Isto posto, façam os um a ressalva. É certo que o grande capital cafeeiro tinha interesses em com um com o capital estrangeiro, é certo que aquele se associava a este. Mas o grande capital não pode ser visto apenas com o um interm ediário dom éstico de em preendi­ m entos estrangeiros. Em bora houvesse essa associação, o grande

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capital tinha interesses autônom os, tinha atividades próprias, com o ferrovias, indústrias, bancos etc., isto é, tinha um a base interna p ró ­ pria de acum ulação. Do p o n to de vista ideológico pensam os haver plena harm onia entre essas duas forças, em bora n o plano econôm i­ co um a não esteja com pletam ente reduzida à ação da outra. É que, com o vimos, as atividades do grande capital cafeeiro e do capital es­ trangeiro estavam intim am ente ligadas à econom ia agroexportado­ ra, e a reprodução desta era de interesse de ambos.

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NOTAS

1 Steven T opik cham a a atenção para a n ecessidade de n ão se considerar o capi­ tal estrangeiro com o m era força e xterna para tam bém se co m p reen d er o de sc o n te n ­ tam ento de certos setores da classe dom inante nacional. Diz o autor: “A relativa inde­ p endência do Estado diante dos fazendeiros, explica-se com a p arte im portante dos investidores estrangeiros n a econom ia d o Brasil, mais que com conflitos de interes­ ses entre diversas classes d e n tro do país. M uitos estudos da autonom ia d o Estado fo­ calizaram sua atenção sobre os Estados capitalistas desenvolvidos, v endo principal­ m ente o po d er das forças internas; os estrangeiros geralm ente não passavam de p re ­ senças exógenas. No Brasil, porém , as ligações com o capital europeu o u norteam ericano tinham efeitos am bivalentes so b re a autonom ia d o Estado. É verdade que, se p o r um lado os em préstim os perm itiram aos banqueiros exercer am plo controle sobre as finanças d o Brasil... e sobre seus p ro d u to s prim ários, com o na prim eira valo­ rização do café, os capitais europeus tam bém conseguiam lim itar a atividade d o Esta­ d o brasileiro m ediante m anipulação da taxa cam bial do país. Os conflitos entre o Es­ tado e os p ro d u to res geralm ente aconteceram q u ando as autoridades estatais acha­ vam que os créditos ex tern o s de longo prazo eram mais im portante para a sustenta­ ção do crescim ento d o c om ércio e x tern o d o que as n ecessidades im ediatas dos brasi­ leiros” (Topik, 1987, pp. 190-191). 2 A bordagens m ais com pletas sobre a p resença d o capital estrangeiro em outras regiões e atividades p o d e m ser encontradas em Saes 1981a; Saes, 1986; Mello e Saes, 1985; Castro, 1976; G naccarini, 1985; Presser, 1978; Porto, 1988; Prado Júnior, 1987; Love, 1985a. 3 ‘‘A colheita d o café se faz no Brasil num p e ríodo relativam ente c u rto de qua­ tro m eses (maio a agosto), q u ando en tão a p ro d u ç ão aflui para os p o rto s e x p o rta d o ­ res forçando a baixa dos preços. Segue-se depois um p e ríodo de carência d o p ro d u ­ to, e então os preços sobem . Os interm ediários do com ércio serão com pradores na prim eira fase e v e n d ed o re s na segunda. Acabaram, assim, em detrim ento dos p ro d u ­ tores, a m aior p arte dos lu cro s.” O u ainda: “ O aum ento da p rodução será aproveita­ do para forçar a baixa d o preço do p ro d u to (que declinava daí p o r diante até 50% apenas do seu valor primitivo); mas com o controle d o com ércio e da exportação, im­

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pedir-se-ã que os excessos cheguem até os m ercados consum idores o n d e o preço se m anterá sem m odificação.” Prado jú n io r, 1987, pp. 230 e 222. 4 C ontudo, é interessante observar que as diversas conexões existentes entre os vários bancos e com panhias participantes d o prim eiro esquem a valorizador não perm itiram a São Paulo tirar p ro v eito da diversidade de capitais participantes. A c om ­ petição en tre eles, em função das conexões acim a m encionadas, era inexistente. Cf. Love, 1982, pp. 343-344. 5 Todas as inform ações acerca da participação do capital estrangeiro na prim ei­ ra valorização expostas até aqui encontram -se em H ollow ay, 1978, C apítulo 4. 6 Confira, p o r exem plo, Vilardo, 1986, p. 126. 7 “ Em 1906/1909, em 1921/1924, banqueiros e im portadores haviam assum ido o co n tro le dos estoques e assegurado para si as m aiores vantagens. Agora a defesa perm an en te se apresentava com o um m ecanism o de garantia da renda dos cafeicultores, sob p ro teção do Estado, tratando de vincular-se ao capital financeiro apenas para ob ter o financiam ento... A insolência da burguesia d o café era porém relativa. T odo o plano valorizador dependia d o capital financeiro e o estado de São Paulo assum iu com prom issos de v u lto ” (Fausto, 1985, p. 242). 8 É claro que essa m udança d o Brasil d e recep to r de m ercadorias para receptor de capital é o corolário das m udanças ocorridas nos países centrais, em especial a In­ glaterra, q u ando esses países viram na exportação de capital aos países atrasados um m eio de aum entar seus lucros. Cf. Sodré, 1967, p. 149. 9 Para os em préstim os de 1898 a 1916, cf. Sodré, 1967, p. 221. Para os em prés­ tim os de 1920 a 1927, ver p. 259. 10 A deterioração da relação de troca das nossas m ercadorias contribuiu, sem dúvida, para essa situação. Em 1824, o valor-ouro da tonelada ex portada e im portada eqüivalia a 100. Em 1936, o valor-ouro da tonelada im portada co rrespondia a 42 e n ­ quanto o da exportada co rrespondia a apenas 26. Lem bre-se ainda que, entre 1920/1989, o q u a n tu m das exportações au m entou na Am érica Latina apenas 10% , e n q u an to o das im portações au m entou em 100% . 11 C om o diz Francisco de Oliveira: “ Na exacerbação desse processo, os req u eri­ m entos d o financiam ento e x tern o acabaram p o r consum ir to d o o valor da econom ia agroexportadora; em últim a análise, o v a lo r gerado p e la econom ia a groexportadora acabou p o r destinar-se substa n cia lm en te a p a g a r os custos d a interm ediação com er­ cial e fin a n c e ir a externa. O perando-se um a redistribuição da mais-valia entre lucros internos e lucros e juros externos, com pletam ente desfavoráveis aos p rim eiro s.” Cf. Oliveira, 1985, p. 408, grifo nosso. T am bém a rem essa de lucros contribuiu para essa situação. Em 1850, o valor da rem essa de lucros foi de 525 m il libras, equivalentes ao índice 100. Em 1900, esse valor subiu para 2.901 m ilhões de libras, equivalente ao ín­ dice 460. Em 1920, em função da guerra, caiu para 337 mil libras, m as subiu para 10.692 m ilhões de libras em 1930, com índice de 2.037. Cf. Sodré, 1967, p. 260. 12 O utro fator ajudou n o aum en to da nossa dívida externa: as constantes saídas de divisas do país e as constantes flutuações do m ercado cafeeiro am eaçavam a esta­ bilidade cambial. Para garanti-la, o governo recorreu, não raro, a em préstim os em ouro vindos d o exterior. 13 Sobre o perigo das intervenções n o p erío d o H erm es da Fonseca, dizia R odri­ gues Alves: “ É preciso tranqüilizar os espíritos para assegurar as condições gerais do trabalho e im pedir que a anarquia, sobre as m il form as de que costum a revestir-se,

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se im plante entre nós. Essa tranqüilidade deco rrerá do respeito às instituições e exe­ cução fiel das leis; só daí poderá surgir ‘a paz’ de que carecem as finanças públicas para o c rédito nacional. Os que falam contra a autonom ia dos estados e pregam , sem refletir, a intervenção arm ada com o m eio de dirim ir questões locais, não conhecem a nossa situação financeira, não sabem apreciar a influência que so b re o crédito pú­ blico exercem , n o exterior, a am eaça de desordem e perturbações internas” (apud Casalecchi, 1978, p. 40). 14 O fato da taxa-ouro encarecer os p ro d u to s im portados revela que os grupos financeiros ingleses preferiam assegurar as condições de pagam ento da dívida e re­ m essa de juros, dividendos e lucros, em detrim ento das exportações de seus países de origem , o que, p o r sua vez, com prova a predom inância do caráter financeiro da presença d o capital estrangeiro n o Brasil d urante o p erío d o em questão. Cf. Sérgio Silva, 1976, p. 106. 15 Caio Prado Jú n io r tem a m esm a opinião a respeito do assunto: “ O grande beneficiário das reform as de 1898 foi, sem dúvida, a finança internacional. Represen­ tada neste caso pelo L ondon and River Plate Bank, interm ediário dos acordos com os credores, ganhará novas posições n o Brasil e junto a seu governo. Os seus repre­ sentantes assum irão o direito de velarem diretam ente pelo cu m prim ento do acordo feito, e fiscalizarão oficialm ente a execução das m edidas destinadas a restaurar as fi­ nanças d o país. Entrelaçaram-se, assim, intim am ente seus interesses e suas atividades com a vida econôm ica e adm inistrativa brasileira. E ela não lhes p o d e rá tão cedo fu­ gir.” Cf. Prado Jú n io r 1987, p. 223. 16 Foi assim n o p erío d o inicial da R epública (1889/1897) ao qual se seguiu o fu n d in g d e 1898, que du ro u até 1906; foi assim em 1914 com a crise m undial, segui­ da pelo segundo funding-, foi assim na crise de 1923, “ o pio r ano cam bial de nossa história” , que deu origem a um a política contracionista para se ter novam ente acesso aos em préstim os e xternos. Com o diz E duardo Kugelmas: “ Q ualquer exam e mais cui­ dadoso da história da política econôm ica neste p eríodo, dem onstra que a política eco­ nôm ica efetivam ente seguida pelo g overno federal foi na realidade influenciada por um conjunto de fatores e em m uitos m om entos não atendeu de im ediato aos recla­ m es dos setores do café. Além disso, buscou um a orientação nitidam ente deflacionista, que se o p u n h a de form a direta aos interesses mais im ediatos do setor cafeeiro” (Kugelmas, 1986, p. 6). Ainda sobre a política cambial, cf. Villela e Suzigan, 1973, p. 55 e o C apítulo 1 deste livro, subitem 3.1. 17 Esses conflitos tinham com o base o avanço do capital estrangeiro sobre ati­ vidades nas quais a burguesia nacional agia, avanço que se apresentava com o ameaça à acum ulação de capital realizada p o r setores da burguesia interna. Dois atritos entre o capital estrangeiro e os capitalistas brasileiros são bastante conhecidos n o período. Prim eiro, a incorporação das em presas de serviço de ilum inação e bondes elétricos d o Rio de Janeiro pelo capital estrangeiro, em 1905. A incorporação da Rio Light se deu em m eio a acirradas disputas, um a vez que C ândido Gaffre e E duardo Guinle, capitalistas nacionais, eram tam bém aspirantes da concessão. Farquhar, capitalista ame­ ricano, que estava à frente da operação, valeu-se de suas influências junto ao Depar­ tam ento de Estado e de intervenções diplom áticas norte-am ericanas junto a Lauro Müller, então m inistro da Indústria, T ransporte e O bras Públicas, e junto ao barão de Rio Branco, m inistro das Relações Exteriores, consum ando o fato a seu favor. 0 segundo p on to de atrito residia no avanço do próprio Farquhar sobre a econom ia brasi­

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leira. O capitalista am ericano investiu n o setor de transporte, ferrovias e sistem as flu­ viais, com panhias de colonização, jazidas d e ferro etc., m onopolizando-os. A sua as­ censão foi constantem ente criticada tanto p o r políticos nacionalistas com o p o r capita­ listas nacionais. Com respeito a Farquhar, reclam ava Jorge Street: “ E ncontrassem os brasileiros to d o o devido apoio, e o país não teria a recear lastim ável desnacionalização de grande p arte de sua atividade m aterial” (a p u d Luz, 1978, p. 148). E o m esm o Jorge Street, denunciando a subserviência d o g overno brasileiro, dizia: “A ação pública, no m eio pátrio, geralm ente favorece e favorecia, m uito mais d o q u e os capitais brasilei­ ros, os que p o r sua origem , p o r sua gestão, p o r seus possuidores p redom inantes, pela exportação da m aioria dos lucros aqui obtidos, foram e se conservam estrangeiros” {apud Sodré, 1967, pp. 231-232). Tais exem plos confirm am q u e a internalização do capital estrangeiro não se fez sem conflitos com setores da burguesia nacional. 18 C om o já vim os na Intro d u ção deste trabalho, “ burguesia nacional” é a fra­ ção au tóctone da classe dom inante que tem um a base p rópria de acum ulação, inde­ p en d en te do capital estrangeiro, p o d e n d o , p o r isso, estabelecer relações de oposição diante do m esm o. A “ burguesia c om pradora” encontra-se num a situação justam ente contrária a da burguesia nacional. Ela é um m ero agente interm ediário do capital es­ trangeiro, p o d e n d o ser, inclusive, o seu representante n o interior do bloco n o p o d e r nacional. “ Burguesia in te rio r” , p o r sua vez, refere-se àquela fração da classe do m i­ nante que não é totalm ente depen d en te nem totalm ente in d ep en d en te em relação a esse capital: M antém com ele algum as divergências, mas não lhe faz nenhum a críti­ ca radical justam ente em função da relação de d ependência que estabelece com ele. 19 “ C om o a aristocracia agrária e o alto com ércio, as nações hegem ônicas estavam m uito em penhadas em m anter a econom ia brasileira com o um a econom ia arti­ culada, não só n o plano m undial, m as tam bém e principalm ente ao nível nacional... Q ualquer m odificação p rofunda nessa esfera era nociva aos interesses im ediatos e fu­ turos, pois ela redundaria em m odificações im previsíveis do volum e d o exced en te e conôm ico q u e poderia ser drenado, direta ou indiretam ente... para fora. Para estas (econom ias centrais), portanto, suprim ir a articulação inerente à superposição da eco­ nom ia urbano-com ercial e da econom ia agrária seria o m esm o que m atar a galinha dos ovos de ouro. Elas perderiam , ao m esm o tem po: os controles econôm icos esta­ belecidos sobre a organização da econom ia urbano-com ercial e do com ércio de e x ­ portação; e a posição de agente privilegiado n o rateio d o ex cedente econôm ico, que sofria, graças ao padrão induzido d e desenvolvim ento capitalista, um a expropriação principal no nível da ‘repartição in ternacional’ ” (Fernandes, 1987, p. 237). 20 O interesse do capital estrangeiro em reiterar a posição do Brasil na e c o n o ­ m ia m undial com o país fornecedor de gêneros prim ários ao com ércio internacional não era realizado apenas através das pressões e vetos à políticas industrializantes, mas tam bém através de ações internas que im punham obstáculos concretos à industriali­ zação do país: “ ...o exem plo da escam oteação das jazidas de ferro brasileiras, deixa­ das em abandono para servirem de reservas potenciais para quando e com o os trusts siderúrgicos internacionais julgassem conveniente aproveitá-las, é bastante claro. Poderse-ia acrescentar as m anobras políticas d o im perialism o que, graças à p ro fu n d a p e n e ­ tração de seu capital, tornaram -se fatores de prim eiro plano na vida pública d o país, e agem n aturalm ente em função de interesses com pletam ente estranhos a ele” (Prado Júnior, 1987, pp. 280-281). 21 Para ver essa questão mais de p erto, cf. M artins, 1986 e K irschner, 1985.

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22 “A elite política e provavelm ente tam bém a elite econôm ica mais am pla cons­ tituíam grupos h om ogêneos, estreitam ente ligados p o r intrincados laços de p aren tes­ cos e relações de negócios. Representavam , além do mais, o elem ento de ligação com o u tro segm ento crucial na evolução paulista, ou seja, os investim entos estrangeiros. A p ro p o rção de ligações e n tre m em bros da elite paulista e firmas sediadas n o e x terior representava mais do que o triplo do dado relativo a Minas Gerais e Pernam buco. Em núm eros absolutos, o n úm ero de paulistas com tais associações era o q uádruplo do que se c onstatou nos dois outros e stad o s” (Love, 1982, p. 373).

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OS CONFLITOS REGIONAIS COMO CONFLITOS NO INTERIOR DO BLOCO NO PODER

Saímos agora do âm bito da econom ia agroexportadora cafeeira para procurar en ten d er a natureza dos conflitos regionais na Prim ei­ ra República brasileira. Pretendem os saber quais elem entos estão em ação nesses conflitos, ou seja, o que está, de fato, em jogo nas lutas regionais. Q uando estudam os as frações da classe dom inante na Pri­ m eira República, o estudo dos “ conflitos regionais” é im prescindí­ vel, m esm o se o trabalho se limita a São Paulo, visto que esse estado ocupava o centro desses conflitos. Os conflitos regionais, tão recorrente no prim eiro período re­ publicano, são entendidos pela bibliografia sobre a época, freqüen­ tem ente, com o um a luta entre os interesses diversos das diversas oli­ garquias regionais. O Brasil seria, assim, um a nação entrecortada p or um a miríade de interesses regionais, cuja unidade seria assegurada apenas p o r obras de engenharia política com o a “ política dos gover­ nadores” . A partir dessa com preensão, “as forças sociais se com põem de diversas oligarquias regionais on d e a oligarquia paulista exerce um a função hegem ônica, a partir da aliança básica com a oligarquia m ineira” (Fausto, 1985: 196). Porém , pensam os que o term o “ oligarquia regional” traz em si dois problem as que obscurecem a análise dos cham ados “ conflitos regionais’’ na Prim eira República brasileira: a ocultação de divergên­ cias e a ocultação de semelhanças. Nas análises sobre a econom ia agroexportadora, isto é, sobre o estado de São Paulo, o prim eiro problem a aparece freqüentem ente sob o term o “ burguesia cafeeira” . T anto este com o o term o “ oligar-

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quia regional” (ou, n o caso, ‘‘oligarquia paulista”) ocultam as diver­ gências, analisadas nos prim eiro e segundo capítulos, existentes no interior da econom ia agroexportadora. Todas as classes e frações d o ­ m inantes, as relações entre elas, as divergências e conflitos são colo­ cados sob um m esm o term o generalizador que os obscurece. Vimos, n os capítulos acima citados, que não era essa a realidade da socieda­ de agroexportadora. O u seja, a lavoura, a indústria, o grande capital, os com issários não po d em ser encarados com o diferentes ativida­ des que fazem parte de um a oligarquia m onolítica e hom ogênea. Ao contrário, há profundas divergências entre essas atividades que c o n ­ figuram, na verdade, frações diferenciadas da classe dom inante. Tal concepção — a das oligarquias regionais — , em suma, im pede-nos de analisar as relações de subordinação que existem entre as diver­ sas frações da classe dom inante, seja na econom ia agroexportadora ou naquelas voltadas para o m ercado interno; rem ete-nos à região com o um todo, obscurecendo a relação entre as partes ou, m elhor dizendo, o b scurecendo a própria existência das partes. O segundo problem a é o o posto do prim eiro. De acordo com a expressão “ oligarquia regional’’, cada região representa um interesse específico, diverso dos interesses de outras regiões. A partir daí, não é possível encontrar nada em com um entre as classes dom inantes das diversas regiões do país. Assim, internam ente, há com pleta coesão, mas, externam ente, há com pleta diferenciação e, p o r isso, os confli­ tos regionais. Ao nosso ver, é possível encontrar algo de com um e n ­ tre as diversas oligarquias regionais. Indício da veracidade dessa afir­ m ação encontram os no fato de os conflitos regionais não ocorrerem en tre todas as regiões, mas, de fato, entre São Paulo e Minas Gerais, p o r um lado, e os outros estados, geralm ente sob a chefia do Rio Gran­ de do Sul, de outro. Além disso, se o Brasil fosse constituído p o r inte­ resses regionais absolutam ente diversos, com o seria possível a p re ­ ponderância dos interesses agroexportadores sobre os demais inte­ resses dom inantes da econom ia nacional durante os quarenta anos da Prim eira República? Esses problem as verem os mais adiante. Mais elaborada nos parece ser a form ulação de Boris Fausto, em ­ b o ra perm aneça nela algumas sem elhanças com as explicações que se apegam ao term o “ oligarquia regional” . Para Fausto, “ p o r força que assume a satelização interna não se constitui no país frações na­ cionais de classe e as contradições tom am a form a regional” (Faus­ to, 1986: 91).

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No nosso en tender, o principal p o n to positivo dessa afirmação é o tratam ento q ue o autor confere aos “ conflitos regionais” , entendendo-os com o conflitos entre classes ou frações da classe d o ­ m inante. Fausto sai do todo caótico representado pelas “regiões” para captar as categorias sim ples que o com põem e o determ inam . Aí os conflitos não são apresentados em term os abstratos ou po u co expli­ cativos com o conflitos entre regiões, mas sim com o conflitos entre classes, que p o r não terem um a existência nacional conferem àque­ les um a dimensão regional. Neste capítulo nos guiaremos am plam ente p o r essa com preensão classista dos conflitos regionais na Prim eira República. Porém , algumas observações feitas anteriorm ente perm anecem . Ao nosso ver, pensar em term os de “ estrutura regional de classe” (Fausto, 1972: 5) continua im pedindo a visualização de divergências existentes no interior de cada “ região” . A idéia parece identificar um a classe com cada região. Em cada um a delas existiria um a classe, uni­ da e coesa, com interesses diversos dos interesses das classes de o u ­ tras regiões (Vilardo, 1986: iv)1 Portanto, tal idéia, em bora coloque o problem a em term os de interesses de classes, perm anece ocultando as divergências e sem e­ lhanças anteriorm ente citadas. Assim, para se com preender a rela­ ção entre as classes dom inantes na Primeira República, é preciso apro­ fundar ainda mais o processo de análise que nos perm ite conhecer os elem entos sim ples que com põem as “regiões” , o que acredita­ m os ter feito, no caso de São Paulo, nos capítulos anteriores. Portanto, o nosso objetivo é abandonar o term o “ oligarquia regional” , que nos predispõe a considerações globalizantes e abs­ tratas, para analisar os cham ados “ conflitos regionais” na Primeira República. No seu lugar pretendem os adotar a interpretação desses conflitos de um p o n to de vista classista, isto é, de um ponto de vista dos conflitos internos às classes dom inantes n o período em ques­ tão. Pretendem os m ostrar qual é a causa fundam ental que dá ori­ gem a tais conflitos e p o rq u e eles tom am a form a de conflitos e n ­ tre regiões.

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1. OS CO N FLITO S REGIONAIS C O M O CO NFLITOS ENTRE AS FRAÇÕES DOM INANTES DA ECO N OM IA A G RO EX PO RTA D O R A E AS FRAÇÕES DOM INANTES VOLTADAS PARA O MERCADO IN TERNO Já vimos n o Capítulo 1, mais exatam ente n o item 3.1.1, que a regionalização da econom ia agroexportadora era um fator fundam en­ tal para se en ten der o advento do Estado federativo no Brasil. Nesse sentido, o federalism o não era a causa mas a conseqüência do regio­ nalism o brasileiro. O nosso objetivo n o presente item é com preen­ der os conflitos regionais, com o já dissemos, com o conflitos sociais, com o conflitos no interior da classe dom inante. Para tanto, é preci­ so, p rév ia e resum idam ente, explicarm os as origens desse regionalism o. Precisamos, então, m ostrar com o se deu a regionalização, a co n ­ centração geográfica da econom ia agroexportadora. Mais do que is­ so, precisam os provar que essa econom ia, ou m elhor, esse com ple­ xo exportador2 concentrou-se no estado de São Paulo, gerando uma série de confrontos que assumiam, em função dessa concentração geográfica, a form a de um a luta regional. E, além disso, precisam os m ostrar que os outros estados econom icam ente significativos para a econom ia nacional tinham suas econom ias voltadas para o m erca­ do in tern o .3 Esse processo de concentração da econom ia agroexportadora em São Paulo teve seu início a partir da segunda m etade do século passado, quando, paralelam ente a essa concentração, houve o alija­ m ento de o utros p rodutos nacionais do m ercado mundial. Tanto o açúcar com o o algodão foram progressivam ente expulsos do com ér­ cio exterior, derrotados pelos países concorrentes e por suas técni­ cas mais avançadas e mais produtivas. Esses produtos só foram sal­ vos econom icam ente graças ao m ercado interno. Em 1880, o café representava 56,6% de nossas exportações, en ­ qu an to o açúcar e o algodão 6% e 3% respectivam ente. Em 1930, o açúcar passa a representar apenas 0,5 % da nossa pauta de exporta­ ção, enquanto o algodão caía de 30 mil toneladas exportadas em 1915, para 10 mil em 1928/1929. A borracha e o cacau foram p ro d u ­ tos de exportação que tiveram algum significado durante o período. Porém , com o se sabe, depois de um a rápida ascensão, a borracha

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decaiu mais rapidam ente ainda, em função da concorrência da p ro ­ dução racional inglesa nas colônias asiáticas. O cacau, assim com o o s o utros produtos, tinha para a vida econôm ica nacional um peso in ­ significante, em bora fosse im portante em term os regionais. No Sul dç> país, o Rio Grande do Sul tinha um a econom ia tradicionalm ente v o l­ tada para o m ercado interno. Esse estado tinha na econom ia agroex­ portad o ra de São Paulo o principal m ercado para o seu charque.4 É certo que n en h u m desses pro d u to s, exportáveis ou não, com parava-se à im portância assum ida pela econom ia cafeeira. O cli­ m a propício, a im igração, as ferrovias, a ausência de conco rren tes internacionais, a difusão do consum o, tu d o isso fazia da p ro d u ção cafeeira a mais lucrativa e a mais dinâm ica. Por essas razões, o cafçj tornara-se, já antes da República, a m oeda nacional, o p ro d u to quo trazia as divisas para o país, que regulava o câm bio e que influencia­ va na dinâm ica das econom ias voltadas para o m ercado interno. O estado de São Paulo tornava-se, com esse avanço, o centro e c o n ô ­ m ico do Brasil. Nele se encontrava o com plexo ex p o rtad o r mais di­ nâm ico da história brasileira, nele se concentrava o grande capitai m ercantil-exportador. Após essa afirm ação surge inevitavelm ente um a questão: e Mi­ nas Gerais? Não dividia esse estado, junto com São Paulo, a posição de centro da econom ia nacional? Não era Minas tam bém um com ­ p lexo econôm ico cafeeiro? Uma análise apressada poderia responder que sim, que pelo fa­ to de Minas p roduzir e exportar café constituía-se num com plexo econôm ico com o São Paulo. A partir daí ficaria fácil explicar a alian­ ça entre os dois estados, a conhecida “ política do café com leite” , com base em interesses cafeeiros com uns. Todavia, não nos parece ser essa a explicação correta acerca de Minas Gerais e de sua aliança com São Paulo.5 Em São Paulo, com o vimos, a produção cafeeira estava, desde m eados do século XIX, em perm anente ascensão. São Paulo ultra­ passou Minas Gerais em 1881 e o Rio de Janeiro em 1889 em volu­ m e de produção. Entre 1880 e 1940, seis das dez zonas em que se dividia o estado, as seis econom icam ente mais ativas, estavam liga­ das à produção de café. A atividade cafeeira deu, nesse estado, ori­ gem a estradas de ferro, casas com erciais, portos, indústrias, sistema bancário, urbanização etc., ou seja, gerou aquilo que W ilson Cano den o m in o u “com plexo eco n ô m ico ” . Era um a cafeicultura de maior

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qualidade e de m aior produtividade que a dos outros estados cafeeiros. O Vale do Paraíba, com o se sabe, vinha seguindo em franca d e­ cadência desde o térm ino do tráfico negreiro, quando sua expansão passou a exigir, cada vez mais, custos crescentes. A atividade pred a­ tória escravista levou à procura de novas terras no interior do esta­ do do Rio de Janeiro, o que fez o preço destas e do transporte au­ m entar bastante. A elevação do preço dos escravos, o esgotam ento das terras, a ausência de transporte eficaz, a construção do p o rto de Santos, que im pediu que o capital m ercantil do Rio tributasse o café de outros estados, tu d o isso levou a cafeicultura do Vale do Paraíba à bancarrota. Em Minas Gerais, em bora não houvesse, no período em ques­ tão, um declínio absoluto da produção, visto que o setor cafeeiro não deixou de apresentar um a taxa positiva de crescim ento, é possí­ vel falar de um a crise p rofunda e m esm o de decadência do setor ca­ feeiro. O café perm aneceu com o o principal p ro d u to de exportação do estado de Minas, mas pode-se afirmar, com um a boa dose de cer­ teza, que a posição relativa da cafeicultura n o setor prim ário da ec o ­ nom ia m ineira era significativam ente inferior à posição relativa des­ ta n o setor prim ário da econom ia paulista. Em suma, não havia, e n ­ tre São Paulo e Minas, apenas um a indiscutível diferença de grande­ za absoluta, mas tam bém em term os relativos a produção de café era mais im portante para São Paulo do que para Minas Gerais. A cafeicultura de Minas não conseguiu superar as suas dificulda­ des, resum idas em falta de terras propícias ao plantio, falta de capital e falta de m ão-de-obra. Essas dificuldades aum entaram face à severa crise de 1896, fazendo com que a cafeicultura m ineira entrasse em declínio real, distanciando-se definitivam ente da cafeicultura paulis­ ta, apesar de alguns m om entos de recuperação e crescim ento. Mes­ m o com esses m om entos, o valor das exportações m ineiras de café caiu de 76% do valor total das exportações desse estado, em 1897, para 52% em 1904. É válido citar que a Secretaria de Agricultura do estado de Minas Gerais foi fechada em 1901. Em função da decadência, antigas e tradicionais regiões de cul­ tivo cafeeiro, com o Mar de Espanha, na Zona da Mata, foram sendo abandonadas pelos cafeicultores e, aos poucos, transform ando-se em pastagens. Tam bém em função da crise, o quadro populacional das duas únicas zonas cafeeiras de Minas, a da Mata e o Sul, m odificou-se

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p o u co a p ouco. De líderes absolutas até 1900, as duas regiões foram alcançadas pelo O este e superadas pelo Triângulo e pelo Leste entre 1900 e 1920, para finalm ente ocuparem o últim o lugar entre 1920 e 1940. Em razão do desgaste dos solos da Zona da Mata, os cafeicultores m ineiros ou foram para São Paulo ou abriram fazendas de criação no Vale do Paraíba. Além do relevo desfavorável, do cansaço das terras e da dificul­ dade de sua substituição, da im possibilidade da parceria disputar com as relações de trabalho estabelecidas em São Paulo, outro fator ex­ plicativo da decadência da cafeicultura m ineira encontra-se na difi­ culdade de integração da econom ia m ineira que, ao contrário da pau­ lista, essencialm ente voltada para o café, era fracionada em um “ m o ­ saico” de diferentes regiões,6 cujos interesses distintos e conflitan­ tes disputavam os escassos recursos do governo estadual. Desse m o ­ do, a posição d o café de líder das exportações m ineiras se explica mais pelo grande desenvolvim ento que essa cultura experim entou na segunda m etade do século XIX, do que pela sua perfo rm a n ce no princípio do século XX, configurando-se um quadro de “ dom ínio de im portância residual” (Martins Filho, 1981: 74-78). O utra grande dificuldade vivida pelos fazendeiros m ineiros re­ sidia na apropriação dos excedentes gerados pela econom ia cafeeira p o r agentes exteriores a ela. Isso ocorria p o rq u e o capital cafeeiro de Minas dificilm ente participava de qualquer etapa com ercial ou fi­ nanceira ligada ao negócio cafeeiro, que, p o r sinal, se dava fora do estado. Desse m odo, os fazendeiros viam-se privados da apropria­ ção de grande parte do excedente gerado pela sua produção, com ­ p ro m eten d o a dinâm ica da cafeicultura m ineira. O estado de Minas, com o estado interior, era extrem am ente dependente do porto de Vi­ tória e, so bretudo, do p o rto do Rio de Janeiro. Dessa maneira, todo negócio cafeeiro era realizado fora das suas fronteiras, além de ser co ntrolado pelo capital m ercantil do D istrito Federal, o que, com o vim os, im plicava a não-retenção local do excedente ali produzido. Essa descapitalização dificultou bastante a diversificação dos inves­ tim entos em Minas. A sua indústria, devido à grande distância do Rio e de São Paulo, p ô d e aparecer sem enfrentar concorrentes, mas de­ vido à sua dispersão urbana fundou-se apenas na pequena e m édia em presa (Cano, 1985: 295-298). Portanto, fica claro que a econom ia cafeeira m ineira não tinha, nem de longe, o dinam ism o da econom ia paulista. Não atingiu, pe-

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Ias razões expostas acima, o grau de diversificação do com plexo eco­ nôm ico cafeeiro de São Paulo. Além disso, a não-diversificação da econom ia m ineira im pediu a form ação de um a fração de classe c o ­ m o o grande capital cafeeiro paulista, ligado à produção, ex p o rta­ ção e transporte de café. Com o vim os no Capítulo 1 deste trabalho, mais especificam en­ te n o item 3.3, os representantes políticos no estado de São Paulo praticam ente coincidiam com a fração dom inante no nível ec o n ô ­ m ico, isto é, o grande capital cafeeiro, m ostrando a força política da­ queles que eram vinculados à atividade agroexportadora cafeeira. Em Minas Gerais, ao contrário, um indício da fraqueza da ec o ­ nom ia cafeeira se revela tam bém na desvinculação, na nãoidentificação entre os indivíduos ocupados com a representação p o ­ lítica e os. fazendeiros de café. Afonso Pena, Silviano Brandão, Bias Fortes, João Pinheiro, Francisco Sales, W enceslau Bráz, Artur Ber­ nardes, Melo Viana e A ntonio Carlos eram expoentes da política m i­ neira que não tinham , nenhum deles, vínculo direto com o café, ape­ sar de alguns terem nascido nas zonas cafeeiras da Mata e do Sul. Isso parece ter se dado p o r duas razões: em prim eiro lugar, es­ sas duas regiões não se limitavam à produção cafeeira. A Zona da Mata, p o r exem plo, era grande p ro d u to ra de laticínios e de alim entos em geral. Em segundo lugar, os políticos m ineiros eram , em grande p ar­ te, funcionários públicos e profissionais liberais que não se vincula­ vam diretam ente a nenhum setor produtivo. Os quatro fazendeiros encontrados p o r W irth no m eio político m ineiro eram hom ens do N orte e do O este de Minas, regiões sem nenhum a ligação com o ca­ fé {apud Martins Filho, 1981: 91-92). Com dados apresentados pelo autor acim a citado (p. 93), podese p erceb er um núm ero bem m aior de políticos ligados à econom ia agroexportadora cafeeira em São Paulo do que em Minas Gerais: 37,7% contra 16,7% de fazendeiros; 16,6% contra 5,6% de com er­ ciantes; 3,8% contra 0% de comissários; 9,5% contra 5,6% de m em ­ bros ligados às estradas de ferro; 6,7% contra 0,5% de m em bros li­ gados à exportação; 40,3% contra 17,1% de indivíduos ligados ao com plexo agroexportador. O autor constata tam bém , analisando um perío d o de no v e legislaturas estaduais, que em Minas Gerais os d e­ putados ligados a atividades burocráticas, à profissão jurídica, ao professorado, às profissões liberais e outros serviços públicos, sem n e ­ n h u m vínculo com o setor produtivo, som avam nada m enos que 82,8% do total de deputados (Martins Filho, 1981: 95).

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Todas essas evidências indicam 7 ser precária não só a condição econôm ica da cafeicultura m ineira com o tam bém a sua força e representatividade política. Levam-nos a supor que a econom ia cafeei­ ra carecia de im portância em Minas, pois era um a atividade eco n o ­ m icam ente decadente e com p o u co significado político (Martins Fi­ lho, 1981: 99). Parece-nos claro que a econom ia agroexportadora com o um com plexo econôm ico, com vigor e dinam ism o econôm ico e políti­ co, concentrou-se n o estado de São Paulo. No entanto, um a outra questão aparece com o inevitável: qual é a base com um entre São Pau­ lo e Minas que perm itiu existir entre os dois um a sólida aliança d u ­ rante o prim eiro perío d o republicano? Afinal, é inegável que houve essa aliança, assim com o é inegável a sua eficácia na direção política do País. Pelo que expusem os acima já podem os prever que tal aliança não se p o dia pautar apenas em interesses cafeeiros com uns aos dois estados. É claro que a predom inância da econom ia exportadora de café em Minas e em São Paulo, em bora de naturezas diferentes, p e r­ m itiu que não houvesse um a incom patibilização absoluta dos inte­ resses econôm icos entre as classes dom inantes dos dois estados, p er­ m itindo, portanto, que a aliança entre eles se viabilizasse. Porém, esta não podia basear-se inteiram ente nesses m otivos econôm icos, pois entre os interesses cafeeiros das classes dom inantes de Minas e de São Paulo interpunham -se sérios conflitos, justam ente em função dos padrões diferenciados de acumulação. Esses conflitos podem ser en­ contrados em vários casos. O C onvênio de Taubaté,8 por exem plo, através de m edidas co­ m o a im posição de um a taxa proibitiva às novas plantações e a red u ­ ção das exportações de tipos inferiores de café, prejudicou claramente os interesses m ineiros, na m edida em que os cafés inferiores ao tipo sete eram produzidos principalm ente em Minas e n o Rio de Janeiro, assim com o era tam bém nesses estados que se concentravam as plan­ tações mais antigas e m enos produtivas. A instituição da Caixa de Conversão, com vistas a estabilizar o câm bio, baseada na criação de um a taxa-ouro sobre o café exportado, tam bém não agradou a cafei­ cultura mineira, com posta, na sua grande maioria, p o r pequenos la­ vradores sem os recursos dos grandes cafeicultores paulistas. O utro fator de desencontro entre os cafeicultores de Minas e os de São Paulo era o problem a do desequilíbrio estrutural entre a oferta

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e a dem anda na econom ia cafeeira. A persistência e o agravam ento das crises de superprodução restringia cada vez mais a capacidade de absorção da produção pelos m ercados consum idores. Mais de uma vez, a produção e o estoque brasileiros chegaram a representar 3,5 vezes o consum o m undial. Essas crises com prom etiam as possíveis alianças entre Minas e São Paulo, na m edida em que elas agravavam a seleção do m ercado que se perm itia rejeitar o café de qualidade inferior, com prejuízo m aior para o estado de Minas Gerais. O conflito entre as classes dom inantes das duas econom ias cafeeiras se revela tam bém na disputa pela m ão-de-obra. A causa res­ ponsável pela carência de m ão-de-obra na agricultura m ineira era, segundo a opinião unânim e dos observadores, o êxodo em massa dos trabalhadores rurais m ineiros para as fazendas paulistas. Em um a pesquisa realizada em 1893, sobre os principais problem as da agri­ cultura m ineira, pelo então secretário Davi Campista, a falta de mãode-obra era apontada com o o m aior de todos os problem as da cafeicultura daquele estado, ao m esm o tem po em que a evasão de traba­ lhadores para São Paulo e Rio era indicada com o sua causa princi­ pal. Na presidência do m ineiro Artur Bernardes, o secretário da Fa­ zenda de Minas Gerais, Mário Brant, em episódio que quase p ro v o ­ cou o rom pim ento político com São Paulo, pregou claram ente c o n ­ tra a política de sustentação do preço do café p o r considerá-la res­ ponsável pelo êxodo de trabalhadores m ineiros para São Paulo. Somava-se a esse fato o aliciam ento agressivo de trabalhadores p e ­ los cafeicultores paulistas (Martins Filho, 1981: 62-72). Ressalte-se que os planos valorizadores, na m edida em que sus­ tentavam o p reço do café e, portanto, os altos lucros, incentivavam o avanço da acum ulação cafeeira e, assim, agravavam ainda mais a disputa pela apropriação de fatores produtivos, com o a mão-de-obra, p o r exem plo. O utro p o n to de conflito residia nas tentativas de São Paulo co ­ brar im posto de exportação sobre o café m ineiro exportado pelo p o r­ to de Santos. Essa m edida foi considerada inconstitucional em 18 de janeiro de 1912 e em 12 de novem bro de 1919, mas vinha sendo aplicada regularm ente desde 1909Afinal, qual era então a razão da aliança entre Minas e São Pau­ lo? A cham ada “política do café com leite” tinha um caráter funda­ m entalm ente político e visava, ao mesmo tem po, conferir a esses dois estados o controle do governo federal e garantir a estabilidade do

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regim e político, am eaçada peia não-institucionalização do processo de sucessão presidencial. Sendo os estados mais p oderosos militar, econôm ica e eleito­ ralm ente, ao se unirem m onopolizaram o controle sobre o governo federal, expulsando da disputa os interesses m enos com patíveis re­ presentados pelos estados do Rio de Janeiro, Bahia, P ernam buco e, so bretudo, Rio G rande do Sul. A estabilidade era assegurada, j u s ­ tam ente, em fu n ç ã o d a im possibilidade de u m a am eaça real p o r p a rte desses interesses diversos. Às classes dom inantes da econom ia agroexportadora de São Pau­ lo interessava a aliança com Minas, pois dessa m aneira elas negocia­ riam os seus interesses econôm icos para que fossem apoiados e aten­ didos pelo governo federal. A bancada de Minas e os m ineiros no governo federal com prom etiam -se a não criar obstáculos à realiza­ ção dos objetivos paulistas. Lembre-se que os m ineiros, junto com os paulistas, dom inavam a Comissão de Finanças da Câmara e sem ­ pre apoiaram os interesses de São Paulo, em especial a realização dos esquem as valorizadores. Q uando este estado precisava da ajuda in­ dispensável do governo federal, Minas atendia-o. Minas, por sua vez, beneficiava-se com o com prom etim ento por p arte de São Paulo em jamais criar obstáculos às suas relações clientelistas com o governo federal. Com o vimos, a econom ia m ineira es­ tava em franca decadência durante o perío d o em questão e, p o r is­ so, a sua sobrevivência econôm ica dependia m uito mais dos recu r­ sos federais do que daqueles gerados n o interior de suas fronteiras. Não era, portan to , com base na sua força econôm ica que Minas se fazia presente n o governo federal. Através de sua bancada no C on­ gresso Federal — a de m aior núm ero — e, p o r isso m esm o, do seu apoio indispensável a qualquer governo, Minas conseguia superar as suas dificuldades econôm icas pelo acesso clientelístico aos favores públicos.9 Assim, era através da força política que a sua bancada lhe conferia, unidíssim a sob a batuta do Partido R epublicano Mineiro (PRM), que Minas tinha acesso à parte do excedente produzido pela econom ia nacional. A São Paulo cum pria não im por obstáculos a es­ sa relação. Estendem o-nos um tanto exaustivam ente sobre a econom ia ca­ feeira em Minas e o significado da aliança deste estado com São Pau­ lo para deixar bem clara a real dim ensão da atividade cafeeira em Minas, bem diferente daquela adquirida em São Paulo. Acreditam os

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que são convincentes os argum entos apresentados em defesa da te­ se de que a econom ia agroexportadora, com o com plexo econôm i­ co, dinâm ico e diversificado, concentrou-se no estado de São Pau­ lo. A insignificância do cacau, o caráter puram ente extrativista da b o r­ racha e a decadência m ineira, fizeram com que São Paulo d esp o n ­ tasse com o o único pólo agroexportador, co m atividades agrárias, com erciais, financeiras e industriais altam ente relacionadas e dinâ­ micas. Foi, portanto, tam bém em São Paulo que se form aram as clas­ ses sociais mais solidam ente ligadas aos interesses exportadores, com m aior força e influência política e com m aior “ disposição” para d e­ fender os seus interesses. Acreditam os p o d er explicar agora, mais claram ente, o que sig­ nificam os “ conflitos regionais” no prim eiro período republicano. Com o vimos, a econom ia agroexportadora concentrou-se em São Paulo, ao passo que os outros estados tinham suas atividades volta­ das para o m ercado interno. Para nós, o conflito regional tem com o base fundam ental essa divisão. Com o diz W erneck Sodré: Entre as referidas contradições, a que vai ocupar o cenário, influindo diretam ente nos acontecim entos políticos, destaca-se a que divide, aparentem ente, as regiões do país, gerando antagonism os perigosos... São, na verdade, contradições so ­ ciais: não apen a s de classes p riv ile g ia d a s pelo aparelho de Estado, m anip u la n d o -o segundo os seus interesses, com o contradições d entro d a m es­ m a classe, a dom in a n te, em torno dos f i n s a que a ten d e aquela m a n ip u la çã o (Sodré, 1967: 179-180, grifo nosso).

Uma nítida divisão dem arca esses conflitos no interior da classe dom inante: a divisão entre dois grandes blocos de interesses: ... o que estava ligado à exportação e concentrava os benefícios da renda, e o que estava ligado ao m ercado interno, fosse p o r m otivo de seu alijam ento do m ercado externo, fosse p o rq u e sem pre vivera do m ercado interno (Sodré, 1967: 180, grifo n osso).10

Ou, dito de outra forma, a divisão que m arca os conflitos regio­ nais na Prim eira República é aquela entre São Paulo, p o r um lado, e os estados voltados para o m ercado interno, p o r outro. Pelo fa to de a econom ia agroexportadora se concentrar em um único esta­ do, pelo fa to de se regionalizar, portanto, os conflitos entre os in ­ teresses voltados p a r a a exportação e aqueles voltados p a r a o m er­

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cado interno assum em , necessariam ente, a fo r m a de um conflito regional. Note-se, em favor dessa interpretação, que o cham ado “con­ flito regional” n o período em questão não era um conflito entre to ­ das as regiões, en tre todos os estados. Ao contrário, a divergência regional se dava entre Minas e São Paulo, p o r um lado, e os outros estados, freqüentem ente sob a chefia do Rio G rande do Sul, p o r o u ­ tro. Isso reforça a afirmação acima, segundo a qual a divisão entre interesses exportadores e interesses de m ercado interno é um a divi­ são essencial para se en ten d er o “ conflito regional” n o período. É interessante o fato de Boris Fausto (1972: 05), para co m p ro ­ var a sua tese de que na Prim eira República se form a um a estrutura regional de classe que dá origem aos conflitos regionais, usar as cri­ ses políticas de 1910, de 1922 e de 1930 com o exem plos. Essas cri­ ses servem tam bém para com provar as teses de W erneck Sodré, pois revelam , claram ente, um a polarização entre o setor exportador, São Paulo em especial, p o r um lado, e os interesses de m ercado interno, com o Rio G rande do Sul na chefia, p o r outro. Em 1910, Herm es da Fonseca foi eleito com declarado apoio gaúcho e declarada o p o ­ sição paulista. A sua presidência foi m arcada pela ascensão política de Pinheiro M achado, im portante e influente senador gaúcho, e p e ­ los conflitos com São Paulo. A sucessão de 1922 m arcou ainda mais claram ente essa divisão, com o Rio G rande do Sul à frente de Per­ nam buco, Bahia e Rio de Janeiro, form ando a “ Reação R epublica­ n a ” contra o candidato de São Paulo e Minas, Artur Bernardes. A Re­ volução de 1930, com o se sabe, teve no Rio G rande do Sul um dos pilares iniciadores da nova ordem e em São Paulo o baluarte da antiga. O p róxim o item se dedicará a analisar estes e outros conflitos políticos e a fornecer mais evidências de que o “ conflito regional” é polarizado pelos interesses acima identificados.

2. OS PRINCIPAIS C O N FLITO S PO L ÍT IC O S CO M O EXPRESSÃO DA O PO SIÇ Ã O ENTRE INTERESSES DE M ERCADO IN TERN O E INTERESSES EXPORTADORES Se o que afirmam os é verdade, é preciso verificar se nos p erío ­ dos de crises políticas, nas sucessões presidenciais e outros, confi­ gurou-se esse tipo de oposição, isto é, entre os estados voltados pa­

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ra o m ercado interno e aqueles ligados ao m ercado externo. Identi­ ficando o Rio G rande do Sul com o o líder deste segundo setor, é de se esperar que esse estado ocupe posição im portante na luta c o n ­ tra o abandono econôm ico e o ostracism o político a que eram rele­ gados os interesses voltados para o m ercado interno na República Velha. Com o vim os, a aliança entre Minas e São Paulo excluía o u ­ tros interesses do com ando do governo federal. Pensam os ser esses outros interesses justam ente aqueles vinculados ao m ercado interno. Esse m on o p ólio do p o d e r p o r Minas e São Paulo e o afastam en­ to dos outros estados da esfera de decisão m arcarão o “ conflito re­ gional” na Prim eira República, entendido da m aneira acima explici­ tada. Vejamos agora alguns conflitos com o exem plos.

2.1 As sucessões presidenciais O p eríodo inicial do novo regim e político, período de transi­ ção extrem am ente conturbado, não evidenciava, justam ente p o r is­ so, esse tipo de conflito. Na “ República da Espada” (de D eodoro a Floriano), São Paulo tratou de garantir o seu principal interesse, isto é, a consolidação da República federativa. Passou os governos de D eo­ d o ro e de Floriano opondo-se às atitudes centralizadoras de am bos. O Rio G rande do Sul, p o r sua vez, mal tinha condições de se manifestar além de suas fronteiras devido à guerra interna que o di­ lacerava. A Revolução Federalista durou até 1895. De um lado os “chim angos” , m em bros do Partido Republicano Rio-grandense (PRR), li­ derados p o r Júlio de Castilho (1893/1898) e, depois, por Borges de M edeiros (1898/1908 e 1912/1928), cuja base social eram os criado­ res, negociantes de m ula e exploradores de erva-mate. De outro la­ do os “m aragatos” , revoltosos de 1893, liderados p o r Gaspar Silvei­ ra Martins. Os federalistas, depois Partido Libertador, tinham o apoio dos grandes fazendeiros da Cam panha. Na luta contra os revoltosos, Castilho recebeu apoio do governo federal que visava resguardar a vida da jovem República brasileira contra intenções restauradoras. Com a eleição do prim eiro presidente civil, Prudente de Morais, inicia-se a oposição sistem ática do Rio G rande do Sul ao Executivo federal. Em bora P rudente tenha se configurado com o um a vitória paulista, a oposição do Rio G rande do Sul parece ter sido mais em razão do com portam ento m oderado do presidente frente aos revol­

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tosos do Sul. Em função disso, P rudente de Morais sofreu a oposi­ ção dos republicanos gaúchos (castilhistas) que se encontravam fora do Partido Republicano Federal (PRF), agrupam ento criado exclusi­ vam ente para eleger Prudente e sustentar o seu governo. Tanto é que na luta entre Glicério e Prudente, em função da “ m oção Seabra” , o Rio Grande do Sul ficou com o prim eiro, alegando falta de c o n ­ fiança no presidente, m uito m oderado e tolerante com os restaura­ dores. São Paulo e Minas, p o r sua vez, tem iam os “florianistas’’ e os “ castilhistas” , adm iradores de um a República ditatorial e centraliza­ da. Essas eram as principais razões para ser oposição ou apoiar Pru­ d ente de Morais. Na sucessão de P rudente foi lançada a candidatura de Cam pos Sales. Para os republicanos do Rio G rande do Sul a candidatura de Sales tinha um caráter nitidam ente oficialista. Foi com essa crítica que o estado não o apoiou, lançando em oposição a sua candidatura o nom e de Lauro Sodré (Pará) para presidente e de Fernando Lobo (Mi­ nas Gerais) para vice. São Paulo e Minas, ao contrário, apoiaram irrestritam ente a candidatura de C am pos Sales. A oposição do Rio G rande do Sul se fará sentir de form a mais co n tu n d en te a partir do governo de Cam pos Sales. A obra de enge­ nharia política prom ovida p or esse presidente, conhecida com o “p o ­ lítica dos governadores” , afastou de vez o Rio G rande do Sul do co n ­ trol e do governo federal. O apoio das bancadas de Minas e São Pau­ lo, apoio que garantia a estabilidade de qualquer presidente, co n ce­ dia a esses estados o privilégio de m onopolizarem o governo fede­ ral. Essa convivência restrita garantia os interesses da econom ia agro­ exportadora, os interesses do clientelism o m ineiro e a estabilidade política dos dois estados e da República federativa, p o is expulsava dos centros de p o d e r os interesses divergentes, isto é, aqueles volta­ dos p a r a o m ercado interno«. O centro nevrálgico da política dos governadores era o apoio recíproco entre, de um lado, o governo federal e, de outro, Minas e São Paulo. O apoio de Minas e São Paulo ao centro perm itia a am bos, através do m ecanism o de “ verificação de p o d eres” , m ontar bancadas no Congresso Federal intim am ente ligadas e subservientes aos governos estaduais, isto é, bancadas ple­ nam ente unidas e disciplinadas pelos respectivos partidos. Minas e São Paulo perceberam que essa unidade, proporcionada pela políti­ ca dos governadores, reforçada pela união das duas bancadas entre si, lhes proporcionava o dom ínio do governo federal e o sufocamento

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de qualquer interesse divergente. A alternância no poder, m esm o no nível d a s classes dom inantes, estava assim descartada. A oposição do Rio G rande do Sul à candidatura de Rodrigues Alves se deu em função dos interesses que este representava. O n o ­ vo presidente era a continuação da política de Campos Sales, a c o n ­ tinuação do dom ínio de Minas e São Paulo e da marginalização polí­ tica do Rio G rande do Sul. Em razão disso, Pinheiro M achado c o n ­ seguiu reunir os grupos dom inantes de alguns estados num a espécie de confederação dos partidos, sob a sua suprem a chefia. Esse agru­ pam ento exerceu forte oposição ao presidente paulista, p rocurando influir nas suas decisões. Na sua sucessão, Rodrigues Alves, contrário aos interesses intervencionistas pela defesa do café, procurando preservar a política contracionista, indicou para seu sucessor B ernardino de Campos, cujas posições estavam em sintonia com o seu governo. Im ediatam ente, Pinheiro M achado apontou B ernardino com o “ tacão do PRP” e do “ exclusivism o paulista” , acusando os paulistas de pretenderem assenhorear-se do governo federal (Porto, 1985: 117). O impasse criado em São Paulo com as declarações de Bernar­ dino contra a política de sustentação do preço do café levaram o es­ tado a apoiar a alternativa m ineira, com prom etida com os esquem as de valorização. Por essa razão, São Paulo sustentou o nom e de A fon­ so Pena. Foi, na verdade, mais um a troca de favores, onde o estado receberia apoio para a valorização do café e, em troca, apoiaria a can­ didatura mineira. Com o não podia deixar de ser, o Rio G rande do Sul colocou-se em oposição ao nom e do candidato m ineiro, contin u ad o r do dom ínio dos interesses agroexportadores. Para a sucessão de Afonso Pena o candidato natural era o m inei­ ro João Pinheiro. Porém , com a m orte deste, o presidente indicou para sucedê-lo o nom e do tam bém m ineiro Davi Campista. O estado de São Paulo apoiou o nom e de Campista im ediatam ente, pois sabia ser ele um hom em com prom etido com os seus interesses ex p o rta­ dores. Porém, com o já vimos, Minas não aceitou a indicação de Cam­ pista, alegando ser ele um nom e com poucos vínculos no estado, isto é, alguém sem base política e que, portanto, ameaçava as liga­ ções clientelistas de Minas com o governo federal. Como Campista não tinha laços m uito profundos de fidelidade com os caciques m i­ neiros, estes tem iam o ostracism o político. A proveitando o impasse entre Minas e São Paulo, o Rio G rande do Sul, através de Pinheiro M achado, m uito ligado aos militares, lan­

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çou ó nom e de Herm es da Fonseca para a presidência, esperando chegar, através do general, ao centro do poder. São Paulo, avesso às candidaturas militares, pois colocavam sem pre o problem a da cen­ tralização do Estado republicano, fugiu da candidatura Herm es em direção à candidatura de Rui Barbosa, apoiada tam bém pela Bahia e pelo Rio de Janeiro, posição essa de cunho claram ente antimilitarista. Minas, ao contrário, apoiou H erm es da Fonseca, preocupado que estava com os seus interesses clientelistas. Mas foi o Rio G rande do Sul, com Pinheiro M achado à frente, o grande paladino da candi­ datura militar. O período da presidência de H erm es da Fonseca (1910/1914) m arcou a ascensão política de Pinheiro M achado. Através dele, o Rio G rande do Sul chegou em níveis de p o d er nunca atingidos. O sena­ d o r teve enorm e influência sobre o presidente e tentou, durante o p eríodo das “ salvações” (que verem os mais adiante), intervir no es­ tado de São Paulo para consolidar o p o d e r gaúcho. Politicam ente, o p eríodo Herm es da Fonseca teve na ascensão de Pinheiro Macha­ do o seu fato mais im portante. Im portante tam bém foi o fato de Pinheiro M achado, devido a sua im portância crescente, aparecer com o o nom e natural para su­ cessor de Hermes da Fonseca. Q uando Cincinato Braga se pôs a par do avanço da candidatura gaúcha com unicou o fato im ediatam ente a Francisco Sales, pro cu ran d o levantar a reação de Minas. Com o re ­ presentante oficial de São Paulo, Cincinato Braga viajou para Minas a fim de avistar-se com B ueno Brandão. Foi com este que Cincinato firm ou, no dia 21 de abril de 1913, o “pacto de O uro Fino” , segun­ do o qual m ineiros e paulistas se com prom etiam a agir juntos, n e ­ nh u m deles aceitando cargos que po rv en tu ra fossem oferecidos p e ­ lo senador gaúcho, dentro de sua tática divisionista. Minas e São Paulo com prom etiam -se a m archar juntos com um a candidatura que agra­ dasse a ambos. Com m edo de um a reviravolta que favorecesse Pinheiro Macha­ do, o governador de Minas apressou-se em consultar Rodrigues Al­ ves,11 em 9 de julho do m esm o ano. O resultado final foi que o PRP e o PRM declararam oposição incondicional à candidatura de Pinheiro M achado e com prom eteram -se pelo lançam ento de um a candidatu­ ra alternativa a ser escolhida em com um acordo pelos dois estados. Com a candidatura de Pinheiro M achado já abortada pela o p o ­ sição dos dois grandes partidos, a convenção dos coligados e perre-

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cistas (o PRC — Partido Republicano C onservador — era o partido nacional criado p o r Pinheiro M achado para dar sustentação a H er­ m es da Fonseca e a ele próprio), sob a presidência de Sabino, apre­ sentou a chapa W enceslau Brás — Urbano Santos, aceita p o r Pinhei­ ro a contragosto, pois este via, mais um a vez, Minas e São Paulo à frente da República. Ficava claro, assim, que a separação entre esses dois estados na eleição de Herm es da Fonseca fora coisa passageira. A união dos dois era inevitável frente à ascensão do Rio G rande do Sul através do nom e de Pinheiro M achado, e frente ao perigo que isso representava aos interesses exportadores e aos interesses clientelistas de Minas. A sucessão de W enceslau Brás teria sido das mais tranqüilas não tivesse falecido o eleito Rodrigues Alves. Com isso, assumiu o vice escolhido, Delfim Moreira. Minas, São Paulo e Rio Grande do Sul puseram-se a conversar para a escolha de um n o v o sucessor. Com o Mi­ nas e São Paulo não chegavam a um acordo, o Rio G rande do Sul indicou o paraibano Epitácio Pessoa, que foi, enfim, aceito pelos dois prim eiros. A sucessão de Epitácio Pessoa, no entanto, esteve bem longe de ser tranqüila. Foi, ao contrário, um a das eleições paradigm áticas no que se refere à oposição do Rio G rande do Sul ao predom ínio dos interesses exportadores. Nesse período sucessório, o confronto e n ­ tre interesses exportadores e interesses das econom ias produtoras para o m ercado interno apareceu de form a límpida. É que, antes, o Rio G rande do Sul fora sem pre oposição, mas, ciente que não teria chances fora do esquem a da política dos governadores, apoiava o governo eleito. Porém , o estado gaúcho com eçou a p erceber que a obediência não o levaria a lugar nenhum . Minas e São Paulo já haviam decidido pela candidatura de Artur Bernardes para sucessor de Epitácio Pessoa. O Rio G rande do Sul, com o centro mais articulado da oposição ao núcleo agroexportador, denunciou violentam ente a candidatura do m ineiro. O estado do Sul, através de Borges de M edeiros, form ou e chefiou a “Reação Repu­ blicana’’, apoiada pelo Rio de Janeiro, Bahia e Pernam buco, e d e­ n u nciou o arranjo político com o um a form a de garantir recursos pa­ ra os esquemas valorizadores, quando o país precisava, segundo Bor­ ges de M edeiros, de finanças equilibradas. O p o n to central da dispu­ ta residia nas opções referentes a políticas econôm ico-financeiras. Borges de M edeiros acusou a candidatura de Bernardes de visar favo­

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recer as em issões e os esquem as valorizadores. Na verdade, esse foi o m ote da cam panha presidencial oposicionista, cujo candidato era Nilo Peçanha. Este protestou contra o im perialism o econôm ico e p o ­ lítico de Minas e São Paulo, enquanto outros setores da econom ia nacional tam bém necessitavam de proteção. Os gaúchos insistiam que o m onopólio d o p o d er p o r Minas e São Paulo havia facilitado o p ro ­ gresso daquelas áreas, deixando n o ostracism o econôm ico e políti­ co as demais. Lindolfo Collor citava com o exem plo dos favorecimentos as valorizações do café e a concentração das ferrovias nas duas unidades m aiores (Fausto, 1985: 236). E o Rio G rande do Sul não se enganara. Foi n o governo Artur Bernardes que se deu a efetivação da defesa perm anente do café. En­ tre tentar diversificar a produção agrícola do país e levar a especiali­ zação de nossa econom ia a níveis nunca vistos anteriorm ente, o p re­ sidente op to u pela segunda alternativa. O estado do Sul, represen­ tante m aior dos interesses ligados ao m ercado interno, não via com bons olhos os esquem as valorizadores, que poderiam trazer instabi­ lidade financeira e inflação, o nerando aqueles que produziam para o m ercado nacional.12 Ao contrário, a sucessão de Bernardes, que deu vitória a W ashington Luís, foi, pode-se dizer, a mais tranqüila da Primeira Re­ pública. Foi um a eleição que ocorreu perfeitam ente den tro do p re­ visto. Porém , a sucessão deste, que havia indicado o paulista Júlio Prestes, foi m arcada, com o todos sabem , pela esperada oposição do Rio G rande do Sul e, o que foi de sum a im portância, pela cisão entre Minas e São Paulo. Com a cisão entre os dois m aiores estados, o Rio G rande do Sul viu a o p o rtunidade de rom per definitivam ente o dom ínio político ag roexportador e sair do ostracism o a que era relegado. A ação des­ se estado e o conflito entre Minas e São Paulo é o que verem os a seguir, em breve análise que farem os da form ação da Aliança Liberal e da Revolução de 1930.13

2.2 A Aliança Liberal e a Revolução de 1930 Fato im portantíssim o para a construção da Aliança Liberal e pa­ ra o advento da Revolução de 1930 foi a ocorrência da “ cisão intraoligárquica” , com o é com um ente cham ado o divórcio entre Minas e São Paulo.

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Para o fato de Minas se separar de São Paulo podem os en co n ­ trar duas explicações: a diversificação da econom ia m ineira com a ascensão de um setor voltado para o m ercado interno; e um a ques­ tão propriam ente política, tendo com o centro a perm anência de um paulista na presidência, as intervenções de W ashington Luís nos n e­ gócios m ineiros e o m edo de Minas ser alijada do p o d er federal. Sobre a prim eira explicação, é n o tó rio que a aliança que derru­ bou W ashington Luís com punha-se de “regiões” voltadas para o m er­ cado in tern o e de “ regiões” cada vez m enos vinculadas à econom ia exportadora. Já dissem os anteriorm ente que, no que se refere ao café, Minas vinha se to rn an d o cada vez mais um p ro d u to r marginal. São Paulo retinha invariavelm ente a parte do leão dos lucros provenientes do m ercado externo e dos benefícios destinados à econom ia agroexpor­ tadora, com o trabalho imigrante, em préstim os externos, investimento de capital etc. A par disso, Minas com eçava cada vez mais a ocupar a posição de um estado fornecedor de matérias-primas para São Paulo e com prador de p ro d u to s industrializados. A pobreza crescente de Minas acentuava a sua dependência do governo federal e a necessi­ dade de diversificar sua econom ia. Q uanto a esta última, Minas já a percebera desde o com eço do século, quando o seu governador, Silviano Brandão, co n co rd o u em apoiar o drástico program a de estabilização do presidente Campos Sales e, em troca, solicitou a proteção tarifária e taxas novas e uni­ form es de frete para os cereais. Depois de dois anos, o m ilho, o fei­ jão e o arroz de Minas com eçaram a desalojar as im portações estran­ geiras do m ercado do Rio de Janeiro. A luta pela proteção aos p rodutos voltados para o m ercado in­ tern o continuou. Criadores de Minas, Mato Grosso e Goiás queriam aum entar a sua q u ota n o m ercado de gado de corte n o Distrito Fe­ deral, idéia que se tornava cada vez mais atraente na década de 1890, graças à m elhoria dos serviços ferroviários entre o Rio de Janeiro e os centros de engorda n o Sul de Minas. Em 1903, os dois estados pastoris, Minas Gerais e Rio G rande do Sul, concordaram em co o p e­ rar. Em função disso, o m onopólio dos m atadouros do Rio de Janei­ ro, nocivos aos interesses dos dois estados, foi rescindido. C ontinuan­ do a cooperação, as duas delegações estaduais lutaram pelo p ro te­ cionism o a seus produtos, tentando aprovar m edidas que estim ulas­ sem os produtores de arroz, banha, batata, charque, manteiga e carne

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bovina. As tarifas sobre esses artigos elevaram -se drasticam ente en ­ tre 1903 e 1906, durante o auge do protecionism o. A pontam os, assim, para o fato de o café não ser hegem ônico na econom ia m ineira. Ao contrário, se este passava, durante o p erío­ do, p o r um declínio relativo, parece ter havido um a ascensão da p ro ­ dução voltada para o m ercado interno, inclusive capaz de desestabilizar a aliança en tre Minas e São P aulo.14 Porém, é inegável que a razão principal, ou pelo m enos mais im e­ diata, da cisão en tre São Paulo e Minas Gerais, que levou este últim o em direção a um a aliança com o Rio G rande do Sul, tinha um caráter fundam entalm ente político. Dois desencontros foram os causadores desse rom pim ento. O prim eiro deles foi a retaliação, p o r parte de São Paulo, a Minas q u ando este estado foi acusado de inflacionar a sua população com vistas a aum entar a sua representação n o Congresso. A retaliação veio p o r parte de W ashington Luís, já presidente, retalia­ ção esta que causou a Minas a perda de 14 cadeiras no C ongresso pa­ ra a oposição pró-paulista, ficando seu bloco reduzido a 23 congres­ sistas. A p erda dessas 14 cadeiras se deu através da “ degola” de can­ didatos do PRM e através do “ reconhecim ento” de elem entos de um p eq u en o grupo q ue apoiava W ashington Luís em Minas (concentra­ ção conservadora) na questão acerca da candidatura de Júlio Prestes. Essa era a redistribuição ao estilo paulista. A tensão se agravou com a perda de todas as presidências de com issões e pela im posição de sanções econôm icas federais, coisa que Minas nunca sofrerá. Interfe­ rindo nas decisões do oficialismo m ineiro e ferindo a autonom ia da com issão executiva do seu grupo partidário, W ashington Luís efeti­ vava um a alteração inédita no equílibrio federal. Com eçava a graçar em Minas a idéia de que, se São Paulo ousasse interferir na orienta­ ção m ineira, legitimar-se-ia um a revolução. O fato foi que, tratado com o um pequeno estado, Minas, em bora relutante, optou pela guerra civil, ao lado do Rio G rande do Sul (W irth, 1985: 89). A Revolução de 1930 foi, assim, em grande parte, fruto da inflexibilidade de W ashington Luís, que não abriu mão, em hipótese alguma, do nom e de Júlio Prestes para sucedê-lo. Minas receava a perpetuação da p re­ potência paulista. O Rio G rande do Sul, mais um a vez, opunha-se ao presidente e aos interesses que ele representava. Os gaúchos revelavam mais um a vez que os seus interesses eram conflitantes com os do setor ex p o rtad o r e que o seu com portam ento político se pautava, justa­

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m ente, em função desses interesses.15 O Rio G rande do Sul viu a ci­ são en tre os dois grandes estados com o a grande oportunidade para sair do ostracism o político, para barrar a radicalização da defesa do setor ex p o rtad o r e para acabar com o abandono econôm ico em que se encontrava a produção para o m ercado interno. No entanto, é certo que Minas desconfiava da m udança, desconfiava do que poderia vir com a ascensão política do Rio Grande do Sul. C ontinuaria Minas a viver dos favores federais? Mas é certo tam bém que os m ineiros já não confiavam mais em São Paulo, além de não ter, com o este, interesses tão díspares com o estado do Sul. O que querem os dizer é que acreditam os p o d er usar a ascensão da pro d u ção para o m ercado interno em Minas, com os respectivos interesses que ela trouxe para o centro da política mineira, com o parte da explicação da cisão entre Minas e São Paulo e com o um fator im ­ p o rtan te para a viabilização da aliança entre aquele estado e o Rio G rande do Sul em 1930. Não é à toa que o program a da Aliança Li­ beral refletia os interesses das classes dom inantes não associadas ao núcleo cafeeiro. Seu program a defendia a necessidade de incentivar a pro d u ção nacional em geral, e não apenas o café, além de com ba­ ter os esquem as valorizadores em nom e da ortodoxia, isto é, da es­ tabilidade financeira e da política antiinflacionária (Fausto, 1972: 42).

2.3 O m ovim ento salvacionista em São Paulo O p eríodo das “ salvações” , isto é, m ovim entos militares que in­ tervieram nas unidades federativas sob o p retexto de desfazer os d o ­ m ínios oligárquicos, durante a presidência de Herm es da Fonseca (1910/1914), foi a prim eira grande oportunidade que o Rio G rande do Sul teve, antes de 1930, para tentar desbancar o predom ínio p o ­ lítico-econôm ico de São Paulo e Minas. O avanço político do Rio G rande do Sul se deu graças à grande capacidade política de seu re­ presentante no Senado, Pinheiro Machado. Com o vim os, a eleição de Herm es da Fonseca só foi possível em razão do im passe ocorrido entre Minas e São Paulo acerca de um n om e para suceder Afonso Pena, quando Pinheiro Machado conse­ guiu fazer com que Minas apoiasse a candidatura militar. A influên­ cia política de Pinheiro M achado nesse período era enorm e, inclusi­ ve com forte ascensão pessoal sobre o próprio presidente. Através do PRC, Partido Republicano C onservador, criado para eleger H er­ mes, Pinheiro dom inou, p o r essa época, a política nacional.

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Acontece que a presidência de Herm es da Fonseca, que era tam ­ bém um candidato dos militares, tinha na sua entourage grupos antipinheiristas, isto é, militares que deploravam a influência do sena­ d o r sobre o presidente. As “ salvações” tiveram, em parte, o intuito de enfraquecer o p o d e r do senador gaúcho. Em Pernam buco, p o r exem plo, a intervenção do governo fede­ ral colocou no governo daquele estado um feroz inimigo de Pinhei­ ro, o m ilitar Dantas Barreto. Na Bahia foi colocado J. J. Seabra, que seria um dos m aiores articuladores contra a ascensão política do se­ nador gaúcho. O p ró p rio Rio G rande do Sul foi am eaçado de inter­ venção pelo m inistro da Guerra, general Mena Barreto, que foi trans­ ferido p o r pressão de Pinheiro. Alarmado com o ataque aos seus “ feudos” políticos — Pernam ­ buco, Amazonas e outros estados do Norte — Pinheiro Machado ten ­ tou im pedir as “ salvações” nas oligarquias mais dedicadas a ele: os Lemos do Pará, os Acioli do Ceará e os Malta de Alagoas. No Ceará, p o r exem plo, os Acioli foram derrubados com o apoio de Dantas Barretos e substituídos p o r Franco Rabello. Porém , depois de um a reaproxim ação en tre o presidente e Pinheiro, eles voltaram ao d o ­ m ínio do estado. Não irem os detalhar aqui todas as intervenções salvacionistas.16 Interessa-nos som ente a tentativa de intervenção em São Paulo, arti­ culada p o r Pinheiro M achado e exem plarm ente explicada p o r Costa Porto: Em São Paulo tam bém se ensaiou um a tentativa d e intervenção e não exagerava quem , neste caso, enxergasse o dedo de Pinheiro. Nas outras intervenções, ele não tinha nen h u m interesse, tudo, ao contrário, aconselhando criar obstáculos à ação dos salvadores, cujas conquistas lhe anulavam o prestígio, principalm en­ te no norte. Mas em São Paulo a coisa m udava, e possivelm ente Pinheiro, que fora infenso às salvações, vendo-as alastrar-se pelo país, im aginava retirar v anta­ gem de o rdem política. Havia, em verdade, velha diferença entre o gaúcho e a política paulista, colocando-se, de m uito, em pontos de vista antagônicos e irredutíveis... G eneralizava-se a crença de seu "a n tip a u listis m o ”, que p a r e ­ cia e n co n tra r fu n d a m e n to em repetidos desentendim entos, p o is desde o g o ­ verno p rovisório sem pre cam inharam desencontrados o gaúcho e os chefes b a n ­ deirantes. .. É fácil com preender quanto interessava ao chefe do PRC ter um ponto de apoio em São Paulo, cuja solidariedade pesava m uito n o jogo da sucessão presidencial... T em en d o qualquer golpe de surpresa do PRC, o governo b a n ­ deirante não p e rd eu tem po, encarregando o chefe da m issão francesa, coronel Balangny, de organizar am plo sistem a de defesa das fronteiras e do po rto de Santos e se p rep aro u para reagir (Porto, 1985: 155-156, grifo nosso).

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Costa Porto coloca o problem a de forma bastante clara. Nas co n ­ dições adversas criadas pelo m ovim ento salvacionista, Pinheiro, e com ele o Rio G rande do Sul, ten to u tirar vantagens políticas à custa dos paulistas. A m aior delas seria, justam ente, a intervenção em São Paulo que red undaria n o enfraquecim ento do estado onde concentravam -se os interesses e as classes que m onopolizavam as atenções do governo federal, obrigando o Rio G rande do Sul a o cu ­ par um lugar secundário na cena política do período. Nesse sentido, esse estado revelou-se mais um a vez com o o principal centro de o p o ­ sição a São Paulo. Tal oposição revela, p o r sua vez, o conflito entre os interesses das classes dom inantes ligadas à exportação e as classes dom inantes vinculadas à produção para o m ercado interno. Com o já dissemos, a regionalização da econom ia agroexportadora levou esse conflito a assumir um a form a regional, isto é, a um a luta entre São Paulo e Rio G rande do Sul. Depois das “ salvações” e com a sucessão de Herm es a força de Pinheiro M achado só fez decrescer. Prim eiro p o r ter tido a sua can­ didatura à presidência barrada p o r Minas e São Paulo, alertados pelo período anterior, e depois p o r ter sido o seu prestígio abalado d u ­ rante a presidência de W enceslau Brás, que cuidou, ademais, para diminuí-lo. O líder gaúcho desapareceu definitivam ente quando m o r­ reu assassinado em 8 de setem bro de 1915. O Rio Grande do Sul perdia, assim, a sua m aior arm a institucional17 contra o predom ínio político e econôm ico das classes exportadoras. Através das sucessões presidenciais, do m ovim ento salvacionis­ ta em São Paulo, da form ação da Aliança Liberal e da Revolução de 1930, vim os que o Rio G rande do Sul ocupou, de fato, lugar privile­ giado na oposição ao predom ínio dos interesses agroexportadores na Prim eira R epública.18 Vimos tam bém que, nesse em bate, o esta­ do sulista colocava, freqüentem ente, a necessidade de se proteger o setor da pro d u ção nacional voltado para o m ercado interno. A partir dessas evidências, parece-nos bastante plausível e n ­ tender os “ conflitos regionais” no período em questão com o um conflito entre interesses diversos no interior da classe dom inante e, p o rtan to , um conflito que tem origem em interesses de classe e não de regiões. Foi, com o dissem os, em função da regionalização da econom ia agroexportadora em São Paulo que esse conflito assu­ m iu a form a de um a luta regional entre este estado e o Rio G rande do Sul.

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3. AS BASES DA LEGITIM IDADE DA HEGEM ONIA A GRO EX PO RTA D O RA j

Apesar de todos os conflitos apontados n o item anterior, é p re­ ciso dizer que jamais houve um a crítica radical da econom ia agro­ exportadora p o r parte daqueles setores vinculados ao m ercado in­ terno. Nem 1930 o foi. Esses setores da classe dom inante brasileira reivindicaram apenas um a m aior atenção às suas necessidades eco­ nômicas e, para isso, um a ampliação da participação política para além de Minas e São Paulo. Prova disso é que, logo após a Revolução de 1930, não houve um a reform ulação radical da econom ia p o r parte das “ oligarquias dissidentes” , mas, isso sim, um pulular de institu­ tos oficiais com vistas a proteger um a série de atividades, com o, p o r exem plo, o Instituto da Borracha, o Instituto do Açúcar e do Álcool, o Instituto do Mate etc., que respondiam às exigências im ediatas dos setores não vinculados à agroexportação. Além de não haver essa crítica radical é preciso lem brar que o dom ínio do setor exportador ocorreu durante quarenta anos sem que se esboçasse um a tentativa séria de superá-lo. Com o foi possível à fração hegem ônica desse setor resistir aos ataques gaúchos sem séq uer abrir espaço para sua participação política? Quais as bases da legitim idade desse dom ínio? É o que tentarem os explicar a seguir.

3.1 O caráter agromercantil da econom ia nacional

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C onsultando a bibliografia sobre a atividade produtiva de o u ­ tros estados do país, pudem os perceb er que em todos eles vigorava a produção agrária. Mais ainda, em todos eles vigorava um a p ro d u ­ ção agrária subordinada a um capital m ercantil. Essa relação de d o ­ m inação entre o capital produtivo agrário e o capital com ercial se deu em todo o país, em todas as regiões econom icam ente ativas, vol­ tadas ou não para a exportação. A pro d u ção de açúcar em P ernam buco não fugia a esse esquema. Tam bém aí os m onopólios m ercantis detinham um a posição pri­ vilegiada com relação aos produtores. Na verdade, esses m o n o p ó ­ lios com erciais, que agiam na com ercialização do açúcar, represen­ tavam um capital relativam ente diversificado, a exem plo do grande

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capital cafeeiro, que m antinha um a relação predom inantem ente m er­ cantil com o simples capital produtivo. De fato, segundo Carone (1972: 6 1 e ss.), na pirâm ide da econom ia açucareira pernam bucana pode-se dizer que o plano interm ediário dessa figura era ocupado pelos fornecedores de cana, proprietários dos bangüês, que eram uni­ dades p ro d u to ra s bastante atrasadas. No to p o da pirâm ide encontravam -se os usineiros oriundos da antiga aristocracia bangüezeira e de grupos urbanos que participavam da com ercialização do açúcar. Essa nova aristocracia, com o a do passado, viverá em fun­ ção de benefícios e de proteção governam entais. A transformação de alguns bangüês em usinas implicou um a cres­ cente concentração da produção que teve profundas conseqüências de ordem econôm ica e social. A constante decadência da produção açucareira, devido à concorrência e ao protecionism o externos, fez com que o governo recorresse, em novem bro de 1875, à criação dos engenhos centrais, destinados a m odernizar a indústria do açúcar. Para estim ular o estabelecim ento desses engenhos, o governo c o n ­ cedeu a garantia de 6% ou 7% ao ano, até o limite m áxim o de 30 mil contos. A função dos engenhos centrais era auxiliar os bangüês em decadência, um a função puram ente industrial, sendo a p ro d u ­ ção agrícola ainda realizada p o r estes últimos. Paralelamente à instalação dos engenhos centrais iniciou-se a ins­ talação de usinas sem o caráter semi-oficial daqueles. Eram com ple­ tam ente privadas, possuíam suas próprias lavouras e m oíam cana de terceiros apenas se fosse conveniente. O aparecim ento dessas duas unidades produtivas foi pouco a p o u co destruindo os antigos engenhos, baseados em técnicas colo­ niais que não podiam co n co rrer com as novas usinas. Assim, os p ro ­ prietários dos bangüês foram, aos poucos, transform ando-se em m e­ ros fornecedores de produção agrícola para as usinas. Com o m eros produtores e fornecedores de cana, esses proprietários encontravam se duplam ente dependentes das usinas: financeiram ente, já que a au­ sência de crédito obrigava-os a recorrerem à ajuda financeira dos usi­ neiros para não paralisarem a sua produção; e do p o n to de vista da estrutura do com ércio, pois os produtores encontravam -se subm eti­ dos aos usineiros, um a vez que estes eram os únicos a quem eles p o ­ deriam vender a sua cana. O usineiro encontrava-se, então, num a p o ­ sição privilegiada para im por preço à cana, na m edida em que c o n ­ trolava plenam ente a atividade mercantil. Ele estabelecia com os p ro ­ 228

dutores, portan to , um a relação de caráter m ercantil, constituindose naquilo que Gnaccarini (1985, passim ) cham ou de usineiro-comerciante. Segundo este m esm o autor, dois planos de defesa da produção, em 1905 e em 1911, que visavam colocar o controle do m ercado nas m ãos dos produtores, foram violentam ente boicotados pelos usineiros-com erciantes, tanto em São Paulo com o em Pernam buco, reiterando a posição subordinada da produção em relação ao com ér­ cio (Gnaccarini, 1985: 339-340). Na econom ia açucareira, durante a Primeira República, a m áquina estatal foi freqüentem ente usada tam ­ bém para garantir a reiteração do dom ínio econôm ico e político dos com erciantes sobre os produtores. No que se refere à p rodução cacaueira, na Bahia, a subordina­ ção ao capital p ro d u tiv o m ercantil tam bém se repete. A falta de cré­ dito fazia com que os pro d u to res de cacau vendessem a sua p ro d u ­ ção aos interm ediários e exportadores ainda quando o cacau estava em floração. Nessa economia, eram as casas exportadoras, na sua gran­ de maioria estrangeiras, que retinham as m elhores condições para retirar as m aiores vantagens. Eram elas que financiavam, na ausência crônica de crédito, os fazendeiros. Os em préstim os eram garantidos pelas safras que nem sem pre eram suficientes para saldá-los, obrigan­ do os fazendeiros a renovarem anualm ente os term os do co m p ro ­ misso, ficando presos à engrenagem da dívida. Tam bém aqui a au­ sência de crédito é um instrum ento de subordinação do capital p ro ­ dutivo ao capital m ercantil. No caso da econom ia gomífera, a dependência do p ro d u to r tam ­ bém se revela prejudicial a este últim o. Aqui se repete tam bém a fal­ ta de crédito e o dom ínio do com ércio sobre a produção. Se fizer­ m os aqui tam bém um a pirâm ide, terem os na base o seringueiro, tra­ balhador braçal que vivia em condições subum anas; no m eio da pi­ râmide, o seringalista ou patrão e o aviador, interm ediário entre o com prador e o patrão; e no topo, as casas exportadoras. O que aqui nos interessa inicia-se na relação entre o aviador e o patrão ou seringalista e o com prador da borracha nas praças de Manaus e Belém. O aviador adiantava ao patrão vários objetos que este, p o r sua vez, revendia ao seringueiro. No entanto, cobrava so­ bre esse fornecim ento de m eios de p rodução e de subsistência juros tais que o patrão ficava, com um ente, endividado. O aviador tam bém sofria seus prejuízos, sendo que só o exportador tinha grandes lucros.

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Em Manaus e Belém operavam , na época, vinte casas ex p o rta­ doras, na sua m aioria estrangeiras. Esses vinte exportadores m o n o ­ polizavam ostensivam ente o com ércio da borracha, aniquilando o aviador e o patrão. As casas operavam em regim e de oligopsônios, determ inando preços e p o n d o os produtores em grandes dificulda­ d es.19 Declarações com o a da nota anterior apareciam sem pre assina­ das pela unanim idade dos com erciantes exportadores. Utilizando o m esm o do cu m en to podem os ver tam bém com o funcionava a ativi­ dade gom ífera nas suas várias etapas: por exem plo, o aviador preci­ sava em ju n h o de, digamos, 500 contos. O exportador fornecia-lhe o dinheiro a juros com erciais e o aviador assinava um contrato de p enhor. Esse contrato obrigava a entregar n o m ês x, p elo preço do m ercado, tantos mil quilos ao exportador. O preço, porém , já se en ­ contrava previam ente definido pelos únicos exportadores da praça e, a tal preço, o aviador não conseguia pagar a dívida. O exportador, no entanto, não liquidava a dívida judicialm ente, mas exigia a assi­ natura de um novo contrato de p en h o r para a próxim a safra. O n o ­ vo p en h o r seria para pagar o novo adiantam ento e o que restava da dívida anterior, o que, provavelm ente, não seria possível. Assim, a casa ex p o rtad o ra trazia o aviador sob sua rígida dependência e c o n ­ trole. Imagina-se o que acontecia então com o “p ro d u to r” , na m edi­ da em que o aviador tentava repassar os prejuízos. Eram as casas ex­ portadoras estrangeiras, assim, as mais beneficiadas e as que drena­ vam quase to d o o excedente aqui produzido para fora do país. Para se ter um a idéia, um a casa com ercial que m ovim entava naquela é p o ­ ca 20 mil contos tinha um capital registrado na Junta Com ercial do Amazonas de apenas 1.500 contos. O predom ínio do capital com ercial sobre a produção agrária se faz sentir tam bém na econom ia algodoeira do Ceará. O setor com er­ cial de Fortaleza, p o r concentrar a m aior parte dos negócios efetua­ dos no estado, exercia ali grande influência. Neste setor da ec o n o ­ mia, as relações entre com erciantes, im portadores e exportadores da capital com os p ro dutores do interior pautava-se pela subordinação destes àqueles. As dívidas contraídas pelos latifundiários do interior com os com erciantes do litoral, durante o período de secas p ro lo n ­ gadas, possibilitaram a consolidação do p o d e r de m uitos detentores de casas com erciais sobre os fazendeiros. Além da dependência com relação ao crédito, já que essas casas com erciais eram a única fonte

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de recursos, havia a dependência com relação às vias de acesso ao m ercado consum idor, na m edida em que cada firma atacadista de Fortaleza era “ d o n a ” exclusiva de determ inada clientela no interior, constituída dos cham ados “fregueses arregim entados” que se sub­ metiam aos interesses de seus com pradores e fornecedores. Esses co­ m erciantes eram tam bém peça fundam ental n o jogo político do es­ tado (Porto, 1988). Finalizando esse apanhado geral na tentativa de m ostrar o d o ­ m ínio do capital com ercial sobre o setor p rodutivo agrário, vejam os o Rio G rande do Sul, cuja situação não era diferente. Diz Sandra Pesavento: D entro da econom ia gaúcha, o estancieiro era o fornecedor de m atéria-prim a para a charqueada e, com o tal, achava-se na dependência dos preços oferecidos pelos charqueadores. Estes, p o r sua vez, com o aliás toda a econom ia gaúcha, achavam -se na dependência da central de exportações e das necessidades gera­ das pelo m ercado interno. Os lucros ficavam , efetivam ente, com as casas consignatárias da venda d o charque, nos m ercados do centro, as quais p o r sua vez redistribuíam as m ercadorias para o n o rte e para o n ordeste. O charqueador p ro ­ curava ressarcir-se dessa exploração à custa do criador oferecendo o preço mais baixo possível (Pesavento, 1982: 69).

Ou ainda D em étrio Xavier, nos Anaes da Assembléia, em 1926: Os fazendeiros nada disso recebem do governo. Jogam aos azares da sorte capi­ tais enorm es, investem m ilhares de c o n to s em outros tantos m ilhares de cabe­ ças de gado, que ficam sujeitas a todas as intem péries, às secas, às episootias, que dizim am rebanhos e rebanhos, e ainda, sob retu d o isso, entregues à boa ou m á vontade dos gananciosos com pradores nas épocas de safra, po rq u e estes não têm controles de qualquer natureza, e m uito m enos dos poderes oficiais (a p u d Fonseca, 1980: 128).

Além da concorrência exercida p o r outros produtores, nacio­ nais e estrangeiros, do baixo nível técnico da produção e da fraca produtividade, os “p ro d u to re s” gaúchos tinham de enfrentar a ação dos com erciantes que controlavam a com pra e fixavam os preços. Os grandes com erciantes, aliás, não dom inavam apenas as ações eco­ nômicas em si, mas tam bém os sindicatos que, a princípio, serviriam para proteger os proprietários. O sindicato dos arrozeiros, do da banha, dos charqueadores, todos eles eram dom inados des com erciantes. O que m ostra o dom ínio do capital apenas sobre o latifúndio pecuarista, mas tam bém sobre de p equena propriedade.

vinho, pelos gran­ comercial nSo a produçSo 231

Na tentativa de escapar desse controle m ercantil, os proprietá­ rios do Rio G rande do Sul prom overam um surto associativo, entre 1911 e 1912. O m ovim ento iniciou-se com o apoio do governo, mas recuou e desorganizou-se já em 1913, quando os grandes com ercian­ tes se opuseram à iniciativa, forçando a retirada do apoio governa­ m ental (Pesavento, 1982: 74-75). Com base n o que foi exposto acima, parece-nos correto supor que a generalização do caráter agrom ercantil da econom ia nacional, seja no setor ex p o rtad o r seja no setor voltado para o m ercado inter­ no, servia com o p o n to de apoio para o exercício da hegem onia p o r parte dos interesses agroexportadores. A reiteração desse caráter agrom ercantil da econom ia nacio­ n a l fig u r a v a com o um dos elem entos que integravam o interesse de o u tra s fra çõ es da classe d o m in a n te em nível nacional. Os inte­ resses hegemônicos da econom ia agroexportadora, que era tam bém um a econom ia agromercantil, poderiam incorporar sem problem as a defesa desse caráter de nossa econom ia nacio n a l com o a defesa de u m interesse p a rtic u la r e geral. Este era, sem dúvida, um interes­ se básico de algumas frações — notadam ente daquelas ligadas à ati­ vidade m ercantil — do bloco n o poder na República Velha. Em função disso, a ideologia da “vocação agrária” do país, que predom inava no âm bito da econom ia agroexportadora, estava em plena harm onia com a reiteração do caráter agrom ercantil da eco ­ nom ia nacional. Tal ideologia interessava não só ao setor produtivo agrário, mas tam bém ao capital m ercantil que via na m esm a a justifi­ cação da sua posição privilegiada na econom ia nacional, ex p o rtad o ­ ra ou não. Indícios de que a fração hegem ônica da econom ia agroexporta­ dora podia tom ar a si o direito de representar esse interesse básico do bloco no p o d er é o fato de esta fração e o m odelo de acum ulação que ela representava nunca terem sido alvo de um a crítica radical, re ­ volucionária de fato, p o r nenhum a fração do bloco no poder. Essa crítica jamais existiu p o rq u e os interesses do setor agroexportador ja­ mais am eaçaram o caráter essencial dos outros setores. Esta era um a das bases da legitimidade para a hegem onia do grande capital cafeeiro. Na verdade, nem a Aliança Liberal, com o já dissemos, constituiuse num a ação radical contra o predom ínio da econom ia agroexpor­ tadora e do grande capital cafeeiro. O que havia era um desconten­ tam ento geral com relação ao abandono econôm ico de certos seto-

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res e ao estreitam ento d a participação política. Nesse sentido, Boris Fausto pergunta: “ que viabilidade havia para seguir novos rum os, para além de tímidas referências à necessidade de diversificação da econom ia?” (1986: 96). Não havia nenhum a, pois as “ oligarquias dis­ sidentes” não tinham , d e fato, um p rojeto alternativo de sociedade p o rq u e não era este seu interesse. Q ueriam apenas mais o p o rtu n id a­ des econôm icas e participação política ampliada. C oncluindo, pode-se afirmar que a ideologia da “ vocação agrá­ ria” era am plam ente funcional ao tipo de econom ia que predom ina­ va no país,20 e se havia u m interesse com um que pudesse ser facil­ m ente rep resen tado p elo grande capital cafeeiro era o da reiteração da “vocação agrícola d o país” . Assim, n o interior da fração agrária nacional, voltada ou n ão para o m ercado externo, e n o interior da fração m ercantil, voltada ou não para a exportação, pode-se identifi­ car um interesse com um básico: a reiteração do caráter agrom ercantil da econom ia nacional. Interesse este passível de ser representado pelo grande capital cafeeiro.

3.2 O café com o problem a nacional O café com o atividade econôm ica ultrapassava não só as plan­ tações com o tam bém as próprias fronteiras do estado de São Paulo e da econom ia cafeeira. Era, com o já dissemos reiteradas vezes, a nos­ sa principal atividade econôm ica. Em 1929, mais de 70% dos lucros provenientes do total das exportações brasileiras eram gerados pelo café. Este p ro d u to constituía-se n o alicerce da estrutura financeira, tanto do governo federal co m o do estado de São Paulo. Criava m er­ cados que sustentavam a pro d u ção voltada para o m ercado interno, era responsável pela estabilidade do nosso câmbio, pelo nível de nos­ sas reservas, pelas nossas finanças e pela nossa capacidade de im por­ tar. Em suma, o café era a m oeda nacional. Não tinha, portanto, um significado puram ente regional. No que se refere ao setor da econom ia voltado para o m ercado interno, a falência da econom ia cafeeira representaria a falência do p róprio país. Sempre q u e o café estivesse em crise seria necessário m anter o nível da renda gerada p o r essa atividade, não apenas devi­ do aos interesses im ediatam ente envolvidos na econom ia cafeeira, mas p o rq u e a queda do seu ritm o, a queda da renda aí gerada

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só paralisaria a principal atividade do país com o teria efeitos perver­ sos sobre a econom ia de m ercado interno. A paralisação da atividade cafeeira, com a conseqüente desm obilização dos trabalhadores dos cafezais e do setor urbano, implica­ ria grandes prejuízos à indústria, devido à perda de m ercados e à que­ da da capacidade para im portar. A agricultura voltada para o m erca­ do interno, p o r sua vez, tam bém sucum biria diante do desapareci­ m ento de seu principal m ercado.21 Portanto, a crise da econom ia ca­ feeira era, em grande m edida, a crise da própria econom ia nacional. Mesmo em 1930, com a Revolução e com a crise externa, o café não foi abandonado, pois ainda representava o centro mais im portante da econom ia brasileira. Com a com pra e a queim a de café o governo provisório conseguiu m anter o setor em funcionam ento e evitar efei­ tos ainda mais perversos sobre o resto da econom ia (Furtado, 1972: 167). A im portância do café para a nação não se resumia, contudo, à dinâm ica da econom ia voltada para o m ercado interno. A ativida­ de cafeeira estava intim am ente ligada às finanças públicas. O café era, antes de tudo, o grande gerador de divisas. Com ele o Estado conse­ guia fundos para arcar com com prom issos financeiros externos. Não só isso. Com ele, isto é, com as divisas que proporcionava, era p o s­ sível gozar de crédito nas praças bancárias do exterior. Mais ainda, na m edida em que o café ditava o grau da nossa capacidade para im ­ portar, ele garantia tam bém a sustentação da principal fonte de re­ ceita do governo federal, que era o im posto sobre os im portados. C onseqüentem ente, com o principal arrecadador de divisas, o café era o responsável pela nossa estabilidade cambial e, p o r conseguin­ te, pela estabilidade financeira. Basta dizer que, de 1910 a 1930, as vendas de café passaram a representar de 50% a 70% dos lucros das exportações nacionais (Love, 1982: 68). Era justam ente em função dessa im portância do café para as ati­ vidades da econom ia interna e para a saúde financeira do Estado bra­ sileiro que a fração hegem ônica da econom ia agroexportadora e seus representantes políticos foram capazes de desenvolver um discurso que identificava os interesses particulares dessa classe com os inte­ resses gerais do bloco no poder. A base real e concreta para essa trans­ form ação do particular em geral era, justam ente, a im portância n a­ cional adquirida pelo café. Foi esse significado para todo o país que perm itiu a com patibilização entre um “ interesse regional” , isto é, o

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interesse do grande capital cafeeiro, com o “ interesse nacional” , is­ to é, os interesses de outras frações dom inantes do bloco n o p o d er nacional. Foi sem pre argum entando que o café era um ativo nacional e não regional, que dele dependia a econom ia de outros estados, a in­ dústria, a estabilidade cambial e financeira que os representantes p o ­ líticos dos interesses agroexportadores exigiram, e justificaram o tra­ tam ento especial dado a São Paulo através dos vários esquem as de valorização do café. Foi com base nesse argum ento que a própria Comissão de Finanças do Senado, em 1908, p o r ocasião do em prés­ timo de 15 m ilhões de libras ao prim eiro esquem a valorizador, justificou-o, argum entando que ignorar a necessidade de proteger o café causaria danos desastrosos à econom ia nacional. No que se refere à necessidade da defesa do café, a citação de um discurso de Sezerdelo Corrêa é bastante elucidativa para m ostrar a natureza da argum entação. Ele diz o seguinte: Pode a União recusar ao estado de São Paulo o seu auxílio, já não se diz m oral, mas real, de co-participação nos sacrifícios que a questão d o café está a exigir? Quem , senhores, com o c o nhecim ento do assunto será capaz de afirmá-lo? O café entra em mais da m etade, em m uitos anos em cerca de três quartos, do va­ lor exportável com que to d o o nosso vasto país adquire um a série de despesas que fazem os n o exterior. Q uer isso dizer que mais da m etade da renda total de nossas alfândegas, quase três quartas partes dos recursos que tem os para a vida interna e ex te rn a da União o tem os p o r causa da exportação do café. D esvalori­ zar essa p ro d u ç ão é dificultar a im portação, é dim inuir nos m ercados de c onsu­ m o as condições da oferta do que consum im os, encarecendo a vida; é reduzir as rendas ou recursos com que custeam os todos os serviços, isto é, paralisar o nosso progresso, abrir o déficit em nossos orçam entos, agravar a situação da nossa m oeda, deprim indo-lhe o p o d e r aquisitivo. É, enfim , trazer de N orte a Sul, do Rio G rande ao Acre, um a atm osfera de amarguras, de opressões, de so­ frim ento que afetam o capital e o trabalho, o estado e o m unicípio, o com ércio e a indústria, o lar, a Pátria inteira (a p u d Fausto, 1972: 11-12).

Esse tipo de apelo, que alertava para o perigo da derrocada n a­ cional caso o café não fosse protegido, surtia efeito. Nesse sentido, é ilustrativo o fato de que o p rojeto que pregava a instauração do prim eiro esquem a valorizador tenha sido aprovado por grande m aio­ ria no C ongresso. As bancadas de diversos estados, com exceção de representantes da política pernam bucana e m aranhense e de oposi­ tores individuais, firm aram posição favorável à intervenção estatal no m ercado cafeeiro. Na Câmara dos D eputados a vitória foi por 106

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votos a favor e 15 contrários e no Senado foi de 31 a 6 (Souza, 1968: 219, n o ta 41). A im portância nacional da atividade cafeeira, encarada com o sustentáculo financeiro do país, reflete-se tam bém n o fato de ser o Mi­ nistério da Fazenda, do estado de São Paulo e da União, o responsá­ vel pelos esquem as de defesa do café e não o M inistério da Agricul­ tura. Isso é fácil de en ten d er quando sabem os ser o M inistério da Agricultura responsável apenas pela produção em si, enquanto o Mi­ nistério da Fazenda era responsável pela balança de pagam entos e pela taxa cambial, am bas fundam entais ao bo m funcionam ento eco­ nôm ico do país e diretam ente dependentes do desem penho do café n o m ercado externo. P ortanto, os esquem as de defesa do café e a atenção especial dada a esse p ro d u to durante a República Velha não deve ser vista com o um a m era im posição dos interesses particulares da fração h e ­ gem ônica da econom ia agroexportadora ao resto da nação. A real im portância nacional que o café adquiriu durante o período perm i­ tiu a essa classe transform ar, de form a convincente, os seus interes­ ses particulares em interesses gerais do bloco no p o d er.22 Nesse sentido, os esquem as valorizadores, além de atender aos interesses estritam ente cafeeiros, apareciam com o um m eio de se evi­ tar a redução nas divisas de exportação com as conseqüências ad­ versas decorrentes desse fato. É claro que a capacidade de legitimação da predom inância dos interesses agroexportadores na econom ia nacional esbarrava em al­ guns limites. O principal deles foi a radicalização da defesa do café acom panhada do abandono cada vez m aior dos outros interesses da econom ia nacional. Se, p o r um lado, era necessário defender o “ n o s­ so ” principal p ro d u to , p o r outro lado tal defesa aprofundava o cará­ ter m o n o cu lto r da econom ia. Paralelamente, os outros setores clama­ vam p o r um a m aior diversificação da econom ia nacional, através da defesa de outras atividades econôm icas para superar os problem as d e­ correntes da estrita dependência do café, em bora não pretendessem ultrapassar os limites da econom ia agrom ercantil. O resultado da p e r­ sistência do abandono econôm ico e do ostracism o político foi, com o vimos, o ro m pim ento das cham adas “ oligarquias dissidentes” com a hegem onia do grande capital cafeeiro, im pondo, através da Revolu­ ção de 1930, a expansão da participação política para as outras fra­ ções do bloco no poder.

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Para finalizar, é im portante salientar que a especialização cres­ cente da econom ia brasileira na pro d u ção e exportação de café só foi possível graças ao tipo de organização política resultante da com ­ binação en tre “ co ronelism o” e “ política dos governadores” , cujo fruto quase que natural foi a “política do café-com -leite” . Esta últi­ ma, com base nos dois prim eiros, funcionou com o um a “ estrutura seletiva” que, sistem aticam ente, excluía determ inados interesses dos centros estatais de decisão, expondo, assim, os seus limites e a sua natureza de classe. Esse era o m ecanism o que impedia qualquer amea­ ça à hegem onia do grande capital cafeeiro pela via institucional. C on­ tudo, se a hegem onia im plica não apenas exclusão mas tam bém in­ clusão de interesses de outras classes e frações, a “política do cafécom -leite” foi, ao m esm o tem po, o p o n to fraco da hegem onia do grande capital cafeeiro. Foi a sua extrem a rigidez que im pediu a sua continuidade.

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NOTAS

1 É p ensando em term os de estrutura regional de classes que Liana da Silva (1976, p. 103) afirma: “A burguesia cafeeira não se constitui em classe de âm bito nacional... Desta form a é regional a expressão política das frações das classes dom inantes; mais ainda, as distintas frações originalm ente ligadas a um ‘co m p lex o -ex p o rtad o r’ apre­ sentam -se tam bém em nível regional com o um só bloco de interesses políticos.” Acre­ ditam os ter m ostrado que essa unidade não se deu na econom ia agroexportadora. Poder-se-ia objetar dizendo que as classes de um a região apresentam -se com o um só bloco político ao confrontarem -se com os interesses de outras regiões ou com o go­ vern o federal, mas isso seria apenas se render às aparências criadas pela política dos governadores segundo a qual o governo federal só tinha um in terlocutor político em cada estado. A tentativa de criar um Partido da Lavoura nos perm ite co n jecturar que, caso essa unidade política artificialm ente criada pela política dos governadores não existisse, a cena política da econom ia agroexportadora seria bem mais heterogênea. 2 Usam os o term o ‘‘com plexo e x p o rta d o r” n o sen tid o que W. Cano (1983, p. 17) atribui ao term o “ com plexo e co n ô m ico ” , isto é, co m o um c o njunto de ativida­ des econôm icas inter-relacionadas. Nele, um a atividade principal dá origem a um a sé­ rie de outras atividades e m antém com elas um a determ inada relação. Porém , não nos sentim os forçados aqui a adotar a idéia de plena integração, sem conflitos, que Cano atribui ao com plexo econôm ico, no caso o cafeeiro. A nós interessa, so b retu d o , o fato de um a atividade econôm ica, pela sua dinâm ica e p o r outras condições, perm itir o aparecim ento de outras atividades que a ela se relacionam . 3 “ Esta instabilidade da oligarquia exportadora de sim plesm ente im por seu p ro ­ gram a político explica-se em p arte pelo fato de q u e o Brasil não era um a ‘república de bananas’, ou seja, não era apenas um a lavoura de café. Havia a dependência flu­ tuante de m ercados estrangeiros, refletida em conflitos sobre program as econôm icos nacionais ao longo da Prim eira República. Muitos estados da Federação nem partici­ pavam da econom ia exportadora. No escassam ente povo ad o N orte os p rodutores cui­ davam da exportação de borracha, e nquanto no N ordeste nen h u m p ro d u to , com e x ­ ceção do cacau na Bahia, alcançava posição de destaque em m ercados estrangeiros. Mais de 2/3 do açúcar e do algodão eram vendidos no m ercado interno. A região Centro-

Sul era a principal exportadora. Mas a agricultura nos antigos dom ínios do café, os estados de Minas Gerais e Rio de Janeiro, estava se diversificando para aten d er ao am ­ p lo m ercado d o D istrito Federal... O Sul im portava do e x terior o d o b ro do que ex­ portava. Sua carne, banha, vinho, arroz e m adeira eram vendidos principalm ente em outros estados brasileiros... De fato, as exp o rtaçõ es nacionais declinaram na sua im ­ portância em com paração com os níveis da Prim eira República. Sua participação na p rodução nacional baixou de 33% em 1890 para 15% em 1928; tam bém sua partici­ pação com o fonte de receitas do g overno d im in u iu ’.’ (Topik," 1987, pp. 17-18). 4 Não é nosso objetivo aqui fazer um a descrição exaustiva das características e m ercados de destino das atividades produtivas nos mais variados estados brasilei­ ros. Sobre a econom ia gom ífera do N orte d o país, consultar W ilson Cano, 1983, pp. 88-92; sobre o cacau na Bahia, ver Prado Júnior, 1987, pp. 241-243; sobre o açúcar em P ernam buco, ver Singer, 1985; Prado Júnior, 1987, pp. 243-248; so b re o algodão n o Ceará ver Porto, 1988; sobre a pro d u ção de charque n o Rio G rande do Sul, ver Love, 1985b; Pesavento, 1982; sobre a reorientação da econom ia de Minas Gerais, n o decorrer do perío d o , em direção à p ro d u ç ão voltada para o m ercado interno, ver Martins Filho, 1981. 5 As explicações que se seguem , acerca da im portância do café em Minas e de sua aliança com São Paulo, têm com o referência o excelente livro de A milcar Vianna Martins Filho (1981), cujo objetivo é, justam ente, desm istificar a identificação abso­ luta entre Minas e o café e a explicação da aliança d o “ café com leite” com o sendo baseada em interesses cafeeiros com uns. 6 Em São Paulo havia um a diferenciação bem m enor. Das dez zonas em que o estado se dividia, seis, as mais ativas, eram ocupadas pelo café. A hegem onia deste p ro d u to na econom ia paulista era incontestável. Ao contrário, Minas, cujo território é duas vezes m aior, só contava com duas regiões predom inantem ente cafeeiras, a Zo­ na da Mata e o Sul, num total de sete. Por isso, em Minas, as clivagens n o interior do estado eram mais acentuadas do que em São Paulo. Cf. Love, 1982, p. 307. 7 Vale aqui um esclarecim ento: não pensam os que a origem de classe dos indi­ víduos ligados à representação política defina diretam ente os interesses a serem re ­ presentados n o interior d o aparelho de Estado. Poulantzas nos m ostra (1986, pp. 240-249), através da diferenciação entre classe reinante e fração hegem ônica, que a origem de classe da burocracia e dos políticos não nos esclarece im ediatam ente acer­ ca dos interesses p o r eles representados. Por essa razão, os dados acima apresentados não devem ser tom ados com o provas definitivas, mas apenas com o indícios. O u seja, a desvinculação e n tre representantes políticos e o setor cafeeiro em Minas p o d e indi­ car a fraqueza política deste últim o, indicação que p o d e ser reforçada se coadjuvada com as inform ações acerca da d ecadência econôm ica da cafeicultura m ineira. Porém , repetim os, tais indicações não são definitivas, pois acham os que a ausência de cafeicultores na cena política m ineira não revela p o r si só se eles estão ou não representa­ dos de form a privilegiada na política desse estado. 8 C om o já dissem os, o C onvênio de T aubaté não foi, nas suas m edidas centrais, o plano realm ente aplicado durante o prim eiro esquem a valorizador. Porém , algu­ m as m edidas do plano original foram m antidas. 9 Para se ter um a idéia de com o Minas se beneficiava dessa relação clientelista com o governo federal, graças a sua força política, atente-se para os seguintes dados: dos 18.873.102 quilôm etros de estradas de ferro de propriedade do governo federal,

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5.432.358 quilôm etros (28% ) estavam em Minas. Apenas 4% em São Paulo. Em Mi­ nas, 70% das estradas de ferro eram federais, contra apenas 12% em São Paulo. O g overno de Minas era p ro p rietário de apenas 2 % das estradas de ferro em seu territó ­ rio. Das 2.983 instituições de ensino e caridade feitas pelo governo federal, entre 1922 e 1929, 972, isto é, 32,5% , encontravam -se em Minas. Era tam bém esse estado que possuía o m aior n ú m ero de agências de correios, num total de 1.055. O utro exem plo reside no fato de p ara cada funcionário estadual em Minas encontrarm os nada m enos d o que cinco (4,94) em pregados do governo do estado em São Paulo. No funcionalis­ m o federal e ncontram os em Minas 3,4 funcionários para cada funcionário estadual. Em São Paulo essa relação é de apenas 0,46. O u seja, em term os relativos, o funciona­ lism o público federal era 7,39 vezes m aior em Minas d o que em São Paulo. Cf. Mar­ tins Filho, 1981, pp. 108-110. Lem bre-se tam bém o fato de Minas, ao contrário de São Paulo, não apoiar o n o ­ m e de Davi Campista, co n tin u ad o r declarado das condutas econôm icas de Afonso Pena, para a sucessão deste últim o. Minas alegou que o candidato não tinha vínculos políticos sólidos n o estado, o que colocava em perigo a sua relação clientelista com o governo federal. Minas estava bem mais p reocupada com o clientelism o e a sinecura d o que com a defesa do café. Isto levou a candidatura de Cam pista ao fracasso. Cf. Martins Filho, 1981, p. 39. 10 O utro autor que p erceb e a im portância da oposição en tre interesses e x p o r­ tadores e interesses voltados para o m ercado interno para explicar os “ conflitos re ­ gionais” na Prim eira R epública é Amilcar Vianna Martins Filho. Diz ele: “De fato, as oligarquias de Minas, São Paulo e Rio G rande do Sul, seguidas de p erto pelas oligar­ quias do Rio de Janeiro, Bahia e Pernam buco, que, basicam ente, form avam o grupo de oligarquias principais (antes de 1900), não apenas representavam interesses bas­ tante divergentes (havia, p o r exem plo, um corte fundam ental entre econom ias ex ­ portadoras e econom ias p ro d u to ras para o m ercado interno), com o tam bém , na h i­ pótese de conciliação de todos os interesses, um a excessiva pulverização de escassos recursos do governo federal.” Cf. Martins Filho, 1981: 126. 11 Rodrigues Alves havia receb id o antes o seguinte recado de Cincinato Braga, em nom e do PRP: “ Uma circunstância nos determ inou agirm os com presteza. É que desde esta m anhã estam os inform ados, p o r pessoa amiga vinda do Rio, que a candi­ datura do senador rio-grandense vai ser lançada ‘p o r fás o u p o r nefas’, se é que já não o está. Essa notícia m otivou e apressou para hoje m esm o conferência entre os chefes do PRP para resolver oficialm ente a respeito da aludida candidatura. A opinião unanim em ente adotada é pela im pugnação franca e desde já à candidatura referid a.” A p u d Souza, 1968, p. 235. 12 “Aos emissionistas contrapunha-se um a outra corrente, liderada no Congresso p o r A ntonio Carlos de Andrada, integrada principalm ente p o r politicos gaúchos, p e r­ nam bucanos e baianos. Colocavam -se tanto contra a valorização, quanto contra a cria­ ção do Banco Central, argum entando que as em issões trariam inflação e deprim iriam o já baixo p o d e r de com pra dos salários, além de co m prom eterem as finanças públi­ cas, abaladas p o r sucessivos déficits desde 1914; protestavam contra o ‘im perialism o paulista’, solicitando que a proteção, em sendo concedida, se estendesse tam bém a todos os dem ais p ro d u to s.” Cf. Liana da Silva, 1976, p. 72. A m aior p re o cu p ação do Rio G rande do Sul, com o não podia deixar de ser, era o m ercado interno, freq ü e n te ­ m ente atingido pela inflação e, p o r isso, tendo suas dim ensões reduzidas.

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13 Para um a descrição bastante detalhada dos conflitos sucessórios ver Bello, 1983 e Martins Filho, 1981. 14 Sobre a ascensão da p rodução para o m ercado interno, diz Francisco Iglésias: “ São Paulo foi m on o cu lto r, e nquanto a província e o estado do C entro dava m uita atenção às culturas de subsistência, com o o arroz, o feijão, o m ilho, o fum o e algodão. Tam bém estes foram ex p o rtad o s em com ércio com vizinhos. Com os olhos n o artigo básico [café], sacrificou-se o resto, e o estado teve de im portar gêneros d e subsistência de que fora grande fornecedor. C ontinuou a cultivar com êxito m ilho, algodão, e, em m enor escala, to d o s os o utros artigos, n otadam ente os de subsistência. A pred o m i­ nância do interesse do café era de m olde a afetar a coesão d o estado: seu am plo territó ­ rio apresentava zonas diversas e o café contava m esm o só n o Sul e na Mata. Havia zo­ nas que mal o conheciam ; o que desequilibrava a política p o r atenções hipertrofiadas às áreas mais ricas, agravando a já séria pobreza de outras... Pela proem inência de um gênero, se era ele u m dos fatores de relativa sustentação da econom ia, m uito da legis­ lação era feito em vista de suas peculiaridades, fundam entando m edidas que afetavam o estado tod o ..., en q u an to várias unidades n ada tinham com a sua p rodução. Pelas oscilações do câm bio e p o r favorecim ento ao café pagavam todas as unidades, quan­ do alguns nada tinham a v er com e le” (1985, p. 256). W enceslau Brás dizia o seguinte, em 1909: “ Q uer isto dizer que o desenvolvim ento econôm ico do nosso estado se vai operando lenta m as seguram ente. A p o u co e p o u co a m onocultura a que se entrega­ vam os agricultores com grave prejuízo para a fazenda pública e particular e hoje por todos, com razão, condenada, vai ced e n d o cam po à policultura... É o café, sem dúvi­ da, o nosso principal p ro d u to — grande riqueza do estado e da nação; de ano para ano, porém , os o u tro s ram os da p ro d u ção crescem de volum e e de valor, d e notando que vam os c onseguindo a p o licultura.” A p u d Iglésias, 1985, p. 259. É um fato, p o r­ tanto, que a econom ia m ineira se diversificou, inclusive aprofundando conflitos polí­ ticos no estado. Assim, pod em o s su p o r um a crescente desestabilização da aliança de Minas com São Paulo com base na ascensão da p ro d u ção e dos interesses voltados pa­ ra o m ercado interno. T am bém com base nessa ascensão é possível pensar a aproxi­ m ação de Minas com os interesses rio-grandenses-do-sul, 15 Jo sep h Love diz que “ a orientação para o m ercado nacional foi mais im p o r­ tante do que a presença de firmas norte-am ericanas com o fator condicionante do com ­ portam en to político gaúcho na revolução” (1982, p. 122, nota 46). 16 Para um estudo mais detalhado das “ salvações” , ver Bello, 1983 e Costa Porto, 1985. 17 Pinheiro M achado acum ulou considerável p o d e r devido ao co n tro le que o b ­ teve do m ecanism o verificador de poderes. A partir desse m om ento, passou a ter os candidatos dos diversos estados nas m ãos, além de forte influência sobre o presid en ­ te que necessitava de apoio parlam entar. Esse m ecanism o foi a base do p o d e r de Pi­ nheiro. C ontrolando-o, o senador passou a ser um a ameaça. 18 Não se co nclua da im portância de Pinheiro M achado e do Rio G rande do Sul que não havia oposição de outros estados. E ntretanto, o Rio G rande do Sul, co ­ m o terceiro estado da nação, ocupava posição de destaque na luta contra o m o n o p ó ­ lio político de Minas e São Paulo. Pernam buco, p o r exem plo, foi ativo op o sito r ao abandono do açúcar, solicitando, freqüentem ente, a assistência federal; opôs resis­ tência tam bém aos esquem as valorizadores que reafirm avam o favoritism o d o café. Especialm ente n o prim eiro esquem a, Pernam buco fez a crítica da Caixa de Conversão

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que, ao depreciar o mil-réis, dificultava o acesso por p arte dos usineiros aos m eios de p ro d u ção que lhes possibilitavam renovar o processo pro d u tiv o açucareiro, além de reduzir o p o d e r de com pra d o m ercado interno. 19 E ncontram os n u m d o c u m e n to parlamentar a seguinte afirmação.- “ os que vi­ vem em Manaus têm tido a o p o rtu n id a d e de ler declarações de jornais de Belém e Manaus, assim mais ou m enos concebidas: declaram os ter resolvido dar na próxim a sem ana os seguintes preços às seguintes qualidades de borracha e tc.” Cf. Carone, 1973, p. 151. 20 “ Em to rn o deles [PRP e PRM] gravitavam os irm ãos m enores, os PRs dos d e ­ mais estados, seguindo as m esm as crenças essencialm ente agrícolas, m an ten d o em seus dom ínios os m esm os tipos de exploração do trabalho e vivendo das m igalhas do café” (Basbaum, 1981, p. 228). 21 “ Pouca necessidade havia de se lem brar aos representantes dos estados não cafeicultores o fato de que o café se tornara praticam ente o único pilar da econom ia ex p o rtad o ra nacional, após o colapso da b orracha em 1913- [Cincinato] Braga, n o e n ­ tanto, insistia em deixar bem claro o que considerava serem fatos cruciais da realida­ de econôm ica do país, ou seja, que o valor do que São Paulo com prava aos dem ais estados excedia o valor do que lhes vendia e que os trabalhadores m igrantes nas plan­ tações paulistas continuam ente rem etiam suas econom ias de volta aos estados de o ri­ gem ” (Love, 1982, p. 266). O u nas palavras de Steven T opik: "D entro da burguesia, quase todos os setores eram subordinados aos interesses da econom ia exportadora, já q ue eles concordavam com a sua im portância com o m o to r da e co n o m ia... Os gran­ des p ro d u to res rurais, não exportadores, vendiam principalm ente para o Centro-Sul e sabiam m uito bem que a pro sp erid ad e de seu m ercado dependeria do setor de e x ­ p o rtaç ão ” (1987, p. 190). 22 “ ... as ocasiões em que o g overno federal efetivam ente co n ced eu apoio dire­ to à cafeicultura foram circunstâncias em que havia sinais evidentes de que adviria severo desequilíbrio e x tern o caso os preços d o café fossem deixados ao sabor das forças do m ercado... Não se deve p e rd er de vista que em um a econom ia prim árioex p o rtad o ra especializada com o a brasileira, onde a instabilidade m acroeconôm ica norm alm ente deriva de choques externos, a estabilização dos preços d o p ro d u to bá­ sico de exportação é, em geral, a política anticíclica mais eficiente a cu rto prazo... Evitando desequilíbrios externos substanciais que certam ente teriam tido graves c o n ­ seqüências para o desem penho da econom ia... P ortanto, m esm o os casos em que o governo federal interveio diretam ente nos m ercados de café não po d em ser usados, p r im a fa c ie , com o evidência da intenção de proteger os interesses setoriais da cafei­ cultura, um a vez que, nessas ocasiões, estes interesses confundiam -se com o interes­ se nacional” (Fritsch, 1985, p. 343). A tese de Fritsch no tex to citado, e com a qual concordam os, é a de que o Esta­ do brasileiro na Prim eira R epública não é um m ero in stru m e n to dos interesses ex­ portadores. C ontudo, é b om salientar, essa tese não é incom patível com a tese da h e ­ gem onia de um a classe ou fração, visto q u e a hegem onia não é identificada, necessa­ riam ente, através do controle direto do aparelho estatal pelos m em bros da classe — em bora isso não seja, absolutam ente, sem im portância — , mas pelo efeito da ação estatal sobre a rep ro d u ção das posições econôm ica, política e ideológica das classes na sociedade. Tal efeito, pensam os, é causado tanto p o r elem entos estruturais q u an ­ to pelo desenrolar da luta política de classes.

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CONCLUSÃO

Ao longo deste trabalho, polem izando com algumas teses recor­ rentes, tivem os com o preocupação essencial entender a relação e n ­ tre as frações da classe dom inante na econom ia agroexportadora, bus­ cando saber qual delas era hegem ônica, isto é, qual delas conseguia fazer com que seus interesses fossem atendidos de m odo prioritário pela ação estatal, especialm ente, mas não só pela política econôm i­ ca. Não nos preocupam os, portanto, em decifrar o processo de cons­ tituição da hegem onia — a luta n o interior do aparelho de Estado, a pressão das organizações de classe sobre este m esm o aparelho etc. —, pelas razões apontadas na Introdução deste livro, mas tão-somente constatar, pelo critério acima definido, a fração hegem ônica. Com esse objetivo, acreditam os ter m ostrado que a condição de força h e­ gemônica, no âm bito da econom ia agroexportadora, era ocupada p e­ lo grande capital cafeeiro e pelo capital estrangeiro. No que se refere ao governo federal, o capital estrangeiro, mais claramente que o grande capital cafeeiro, é, sem dúvida, um elem ento central nas decisões acerca da política econôm ica, com o vim os atra­ vés da análise do fu n d in g loan, da política cambial etc. A sua co n d i­ ção de força hegem ônica não se limita, portanto, à econom ia agro­ exportadora, mas se estende ao bloco no p o d er nacional. Em bora essa fosse a nossa preocupação essencial, não significa que tenha sido a única. No Capítulo 1, buscam os m ostrar, além da condição hegem ônica do grande capital, a posição subordinada da “ lavoura” , isto é, dos fazendeiros de café, tanto no nível das rela­ ções econôm icas com o n o nível político. A análise das políticas eco­

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nôm icas, dos esquem as valorizadores, da política cambial e do PRP com provaram exaustivam ente essa assertiva. Nesse sentido, fom os contrários às teses tradicionais (Sodré, 1967; Carone, 1972, entre o u ­ tros) que atribuem aos “p ro d u to res de café” a condição de fração hegem ônica. Um o u tro objetivo era recusar o uso genérico, po u co rigoroso, de term os com o “ fazendeiros de café” . Q uando se fala em fazendei­ ros de café de quem se está falando? Daqueles que estavam exclusi­ vam ente ligados à fazenda ou daqueles que, além dela, investiam no com ércio exportador-im portador, nas ferrovias etc.? Pelo fato de as classes dom inantes ligadas diretam ente à econom ia agroexportadora não form arem um bloco hom ogêneo era preciso fazer claram ente essa diferenciação, o que acreditam os ter sido realizado neste tra­ balho. Mais do que isso, tentam os m ostrar a condição de fração autô­ nom a dessas diferentes classes. Ou seja, m ostrar que essas frações da classe dom inante não tinham apenas um a existência econôm ica, mas tam bém um a existência política e ideológica próprias, agindo e entran d o em conflito nesses diferente níveis da atividade social. A existência dessas frações de classe com o frações autônom as e os conflitos entre elas dem onstram que as classes dom inantes ligadas à econom ia agroexportadora não form avam um bloco m onolítico, mas conflituoso, não hom ogêneo, mas diferenciado. O estudo da indústria e da burguesia industrial em preendido no Capítulo 2 deste livro teve com o propósito negar, ao m esm o tem ­ po, a hom ogeneidade das classes dom inantes ligadas à econom ia agroexportadora e a condição da indústria com o m ero investim en­ to alternativo para os lucros excedentes vindos da econom ia cafeei­ ra. Ao contrário, tentam os m ostrar que ela foi um com plicador nas relações internas ao bloco no p o d er desse setor da econom ia nacio­ nal. M ostramos que a burguesia industrial viveu, no p eríodo de 1889 a 1930, um a situação ambígua: p o r um lado, desenvolveu-se graças aos pré-requisitos gerados pela econom ia agroexportadora, p o r o u ­ tro, o seu crescim ento e a sua organização lhe conferiram a co n s­ ciência de que essa m esm a econom ia era um obstáculo ao seu pleno desenvolvim ento. D ependência e conflito, subordinação e oposição definem a posição da burguesia industrial n o interior da econom ia agroexportadora no perío d o em questão. A não-organização de um partido político próprio, a ausência de form ulação de um p rojeto h e­

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gem ônico alternativo, p o r um lado, a sua crescente organização em associações de classe, a formulação de ideologias que correspondiam aos seus interesses, a form ulação de um a visão própria da econom ia nacional, p o r o u tro lado, com provam essa situação vivida pela b u r­ guesia industrial n o prim eiro perío d o republicano. Se os prim eiro e segundo capítulos e, em parte, tam bém o ter­ ceiro referem -se às classes dom inantes da econom ia agroexportado­ ra, o quarto p ro cu ra com preender a relação dessa econom ia, isto é, dos interesses de classe dessa econom ia, com os interesses de classe de o u tro setor da econom ia nacional. Nele procuram os fazer um a análise a partir de idéias elaboradas p o r Nelson W erneck Sodré (1967) e Boris Fausto (1972). O nosso interesse foi pensar os conflitos re­ gionais a partir de dois fatos: a regionalização da econom ia agroex­ portadora, isto é, a sua concentração em São Paulo, e a marginalização econôm ica e política dos setores da classe dom inante nacional voltados para o m ercado interno. A evidência inicial, que tornava tal hipótese p ertinente, era o fato de os cham ados “conflitos regio­ nais” serem , na verdade, conflitos entre São Paulo e Minas, p o r um lado, e os o utros estados, chefiados pelo Rio G rande do Sul, p o r o u ­ tro lado. Não havia, portanto, um conflito generalizado e aleatório de todos os estados entre si, mas sim um padrão. Os conflitos regio­ nais foram , p o rtan to , entendidos com o conflitos entre os setores da classe dom inante voltados para o m ercado interno e os setores vol­ tados para o m ercado externo, que, justam ente devido à regionali­ zação da econom ia agroexportadora, tom aram a form a de um a luta entre regiões, de um a luta entre unidades da Federação. Assim, es­ sencialm ente, procuram os entender tais conflitos com o conflitos de classe e não com o conflitos entre “ oligarquias regionais” . Aliás, este term o m ostrou-se, através do prim eiro, segundo e quarto capítulos, im próprio p o r ser dem asiado generalizador, p o r ocultar as diferen­ ças e semelhanças entre as classes existentes n o interior das “regiões” . A diferença básica entre setor ex p o rtad o r e setor voltado para o m ercado interno, porém , não im pediu o predom ínio dos interes­ ses da econom ia agroexportadora durante toda a República Velha. O fator de legitimidade, com o vimos, residia no caráter agromercantil da econom ia nacional, voltada ou não para a exportação, caráter que o grande capital cafeeiro podia tranqüilam ente defender, e no café com o p roblem a nacional, com o pilar da dinâm ica da econom ia bra­ sileira. A partir daí, os representantes da econom ia agroexportadora

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podiam transform ar os seus interesses particulares em interesse ge­ ral do b loco n o poder. Porém , os limites dessa transm utação resi­ diam, justam ente, no crescente abandono econôm ico e, graças à p o ­ lítica dos governadores, no ostracism o político dos setores voltados para o m ercado interno. Assim este trabalho nos perm ite chegar, ao nosso ver, a três c o n ­ clusões fundam entais: 1. a existência da lavoura, do grande capital cafeeiro, do capital estrangeiro (nas suas diversas formas) e da b u r­ guesia industrial, com o forças sociais ativas, não nos perm ite e n ten ­ der a econom ia agroexportadora através de term os unificadores c o ­ m o “ interesses cafeeiros” , “burguesia cafeeira” ou “ oligarquia re­ gional” ; 2. a hegem onia na econom ia agroexportadora em São Pau­ lo, durante a Primeira República, entendida com o capacidade de im­ p o r interesses, não era exercida apenas p o r um a classe interna — o grande capital cafeeiro — , mas em conjunto com o capital estrangei­ ro; 3- no que se refere à relação das classes dom inantes da econom ia agroexportadora com os outros interesses da econom ia nacional, p o ­ dem os chegar à conclusão de que, na Primeira República, os confli­ tos regionais eram, fundam entalm ente, conflitos no interior da clas­ se dom inante. Conseqüentem ente, quando falamos em “ hegem onia” na Prim eira República devem os falar em hegem onia de um a classe e não de um a região. Falar em hegem onia de um a região é estar p re ­ so às aparências com que a regionalização da econom ia agroexpor­ tadora recobriu a luta de classes no interior do bloco no p o d er na Prim eira República.

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R en a to M o n s e ff P e rissin o tto nasceu em 2 8 d e setem b ro de 1964 na c id a d e d e R ib eirã o P reto (SP). G raduou-se, no ano de 1986, em C iências So cia is p e la U n iversid a d e E sta d u a l d e C am pinas (UNICAMP), com e sp e c ia liza ç ã o em Ciência P olítica. Em 1991 d e fen d e u su a d isse rta ç ã o d e m estra d o , qu e agora s a i em livro, na m esm a u n iversid a d e. Atualm ente, e stá iiíscrito no p ro g ra m a d e d o u to ra d o em C iências Sociais d a UNICAMP e é p r o fe s s o r a s sis te n te do D ep a rta m en to d e C iências Sociais d a U n iversid a d e F ederal do P a ra n á (UFPR).

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