Cláusulas leoninas em termos de uso de aplicações digitais

May 30, 2017 | Autor: Thábata Filizola | Categoria: Direito Civil, Direito Do Consumidor, Direito Digital, Clausulas Abusivas
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Os meios digitais transformaram significativamente a dinâmica socioeconômica, levando à criação de novas formas de relacionamento social e comercial. É mais comum conversar pelo intermédio de redes de interação a distância e transacionar por detrás de um teclado do que presencialmente. Para se ter uma ideia da abrangência da rede e de seu impacto social, basta dizer que o Google é utilizado para a realização de 3 bilhões de pesquisas por dia e o WhatsApp alcança 1/7 da população do planeta, conforme informações divulgadas pela revista InfoMoney. Já o comércio eletrônico brasileiro, mesmo em tempos de crise terminou o ano de 2015 com um faturamento de aproximadamente R$41,3 bilhões, representando um crescimento nominal de 15,3% em relação ao ano de 2014, na contramão do restante da economia nacional, segundo levantamento realizado pelo e-bit, empresa referência na divulgação de dados sobre o e-commerce. Ao acessar um provedor de aplicação para fazer uma transação online ou para se comunicar, é realizado um contrato, pelo qual são acordadas as regras de utilização da aplicação, os direitos e deveres de cada uma das partes e a política de proteção dos dados, dentre outras cláusulas. É comum que esses termos de uso sejam disponibilizados mediante um contrato de adesão.

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De acordo com o artigo 54 do Código de Defesa do Consumidor, o contrato de adesão é aquele “cujas cláusulas tenham sido aprovadas pela autoridade competente ou estabelecidas unilateralmente pelo fornecedor de produtos ou serviços, sem que o consumidor possa discutir ou modificar substancialmente seu conteúdo”. O aderente não tem acesso à elaboração do contrato, não pode modificar suas cláusulas, nem adaptar alguma disposição à sua situação específica. Assim, diante de um termo de uso por um contrato de adesão, resta ao usuário/consumidor anuir ao que está escrito ou simplesmente não utilizar a plataforma. Algumas aplicações estão tão disseminadas na cultura hodierna que é impossível não integrá-las, especialmente considerando seu uso massivo também para propósitos profissionais. Aquele que não está conectado a essa realidade, pode perder boas oportunidades. Ante o exposto, o que fazer quando o termo de uso, ao qual se deve aderir, apresenta cláusulas abusivas? Cláusulas leoninas ou abusivas são aquelas que estabelecem obrigações excessivas ao contratante, como a renúncia antecipada de direitos, ou que preveem o afastamento de alguma responsabilidade do contratado. Verifica-se, em tais dispositivos, uma lesão aos princípios da equidade e da boa-fé, desequilibrando o contrato em detrimento de uma das partes para favorecer a outra. Tanto o Código de Defesa do Consumidor quanto o Código Civil apresentam proteções em face de cláusulas leoninas. O CDC, em seu artigo 51, estabelece algumas cláusulas nulas de pleno direito. O Código Civil, por sua vez, além da previsão dos princípios aplicáveis aos contratos, contém dispositivo que consideram nula a cláusula de renúncia antecipada a direito resultante da natureza do negócio (art. 424) e outro que estabelece a adoção da interpretação mais favorável ao aderente perante cláusulas ambíguas ou contraditórias (art. 423). A questão torna-se problemática quando esse contrato de adesão se refere 06/09/2016 12:06

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a um termo de uso de plataforma estrangeira sem representação no Brasil. Nesses casos, para que as cláusulas leoninas não prejudiquem os usuários ou consumidores aderentes, faz-se necessário recorrer à competência extraterritorial brasileira, estabelecida pela Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro (LINDB), instituída pelo Decreto-Lei nº 4.657, de 4 de setembro de 1942. Segundo a referida norma, aplicam-se às obrigações a lei do país onde foram constituídas (art. 9º). Diante desse dispositivo, poder-se-ia pensar que, tendo o usuário/consumidor emitido, no Brasil, a concordância ao termo de uso de uma plataforma, aplicar-se-ia a lei brasileira. Entretanto, a LINDB excepciona a regra ao prever, no parágrafo segundo do mesmo artigo, que “a obrigação resultante do contrato reputa-se constituída no lugar em que residir o proponente”. Assim, sendo o proponente pessoa natural ou pessoa jurídica com sede no estrangeiro e sem filial ou representante brasileiros, atrair-se-ia a incidência da norma estrangeira. Alguns doutrinadores acreditam caminharem neste sentido as normas internacionais, citando, por exemplo, a Lei Modelo da Uncitral1 sobre Comércio Eletrônico, no que tange à valorização da autonomia da vontade para a formação e validade dos contratos firmados por meio digital. Não obstante, é possível vislumbrar interpretação diversa. Primeiramente, porque a própria Lei Modelo, na explicação de seus artigos e de seu processo de elaboração, aduz ser possível a aplicação de normas internas de proteção ao consumidor. In verbis: Alguns países dispõem de leis especiais para a proteção do consumidor que podem regular certos aspectos do emprego dos sistemas de informação. A esse respeito, estimou-se, como em instrumentos anteriores na UNCITRAL […] que se deveria indicar na Lei Modelo que não se havia prestado atenção especial em seu texto às questões que se poderiam suscitar no contexto da proteção do consumidor. E continua: “[…] se reconhece que a legislação protetora do consumidor pode gozar de precedência sobre o regime da Lei Modelo. O legislador 06/09/2016 12:06

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deverá considerar se a lei pela qual se incorpore a Lei Modelo ao direito interno deve ou não ser aplicável aos consumidores”. Além disso, parte da doutrina entende que, sendo a Internet um ambiente mundial, não se poderia dizer que o local do contrato seria a sede da empresa proponente, devendo, ao revés, ser aplicada a lei do domicílio do consumidor, local onde a oferta foi aceita. Se não o bastasse, o Marco Civil da Internet é claro ao dispor sobre a nulidade das cláusulas que afastam o foro brasileiro para dirimir controvérsias advindas de contratos de adesão 12.965/2015). A jurisdição brasileira, obviamente, utiliza-se de normas do ordenamento jurídico pátrio. Consequentemente, haveria a incidência das leis brasileiras para a solução da lide. Defende-se que a interpretação mais acertada sobre a problemática em análise é aquela segundo a qual a determinação da norma brasileira como a aplicável, ante a existência de cláusulas leoninas em contratos digitais celebrados com proponente estrangeiro, seja determinada pelos princípios de proteção ao usuário/consumidor, devido à sua vulnerabilidade, posição corroborada pela própria LINDB, em seu artigo 17: “As leis, atos e sentenças de outro país, bem como quaisquer declarações de vontade, não terão eficácia no Brasil, quando ofenderem a soberania nacional, a ordem pública e os bons costumes”. Desse modo, tendo em vista a proteção constitucional ao consumidor (art. 5º, XXXII, c/c art. 170, V, da CR88), é sustentável o entendimento de que cláusulas abusivas não terão eficácia no Brasil, mesmo se o contrato for regido por norma estrangeira, com fulcro nos princípios erigidos como fundamentais ao Estado Brasileiro. Referências Bibliográficas ANDRADE, Thiago de Oliveira. Aplicação do Código de Defesa do Consumidor nos contratos da internet. In: Âmbito Jurídico. Disponível em: . Acesso em 30 de junho de 2016. 06/09/2016 12:06

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B2W DIGITAL. Comércio eletrônico no Brasil. Disponível em: . Acesso em 30 de junho de 2016. GALDINO, Valéria Silva. Cláusulas abusivas. s. D. Disponível em: . Acesso em 29 de junho de 2016. GOMES, Magno Frederici e SOUZA, Igor Ferry. Contratos de consumo por meios eletrônicos, no ordenamento jurídico brasileiro. In: Âmbito Jurídico. Disponível em: . Acesso em 29 de junho de 2016. REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL. Decreto-lei nº 4.657, de 4 de setembro de 1942. Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro. REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL. Lei nº 8.078, de 11 de setembro de 1990 [Código de Defesa do Consumidor]. Dispõe sobre a proteção do consumidor e dá outras providências. REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL. Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002 [Código de Civil]. Institui o Código Civil. STARTSE. Os aplicativos e serviços com mais de um bilhão de usuários. In: Infomoney. Disponível em: . Acesso em 30 de junho de 2016. NETO, Abdo Dias da Silva. Contratos eletrônicos e a aplicação da legislação moderna. In: Âmbito Jurídico. Disponível em: . Acesso em 29 de junho de 2016, ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS. Modelo da Uncitral sobre 06/09/2016 12:06

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Comércio Eletrônico (1996) com Guia para sua Incorporação ao Direito Interno. ONU: Nova York, 1997. Disponível em: . Acesso em 29 de junho de 2016. SOUZA, Luciano Comper de. O comércio eletrônico: formação contratual e tipos de contratos. s. D. Disponível em: . Acesso em 30 de junho de 2016. 1UNCITRAL = Comissão das Nações Unidas para o Direito Comercial Internacional

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