Cleptoparasitismo: Geranoaetus albicaudatus versus Heterospizias meridionalis no Parque Nacional das Emas, Goiás

May 23, 2017 | Autor: Arthur Bispo | Categoria: Ornithology, Animal Behavior
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Cleptoparasitismo: Geranoaetus albicaudatus versus Heterospizias meridionalis no Parque Nacional das Emas, Goiás Marcelo Lisita Junqueira1,4, Albert Gallon Aguiar2,4 & Arthur Ângelo Bispo3,4 As espécies de aves pertencentes à família Accipitridae, dos gaviões e águias, são predadoras com hábitos diurnos e podem ter dietas diversificadas. Podem se alimentar desde vertebrados de porte médio, como primatas, até invertebrados1. Essa ampla variedade de itens alimentares em suas dietas pode ser reflexo da estrutura e complexidade do habitat, do tipo de presa e principalmente de adaptações morfológicas2,3,4,5. A maioria dos Accipitridae desenvolveu mais de uma estratégia de caça, sendo que duas delas são as mais frequentemente utilizadas: i) investidas a partir de poleiros, onde os indivíduos ficam à espreita, precipitando-se sobre a presa no solo ou na água1,2,6; ii) caça aérea, quando os indivíduos voam constantemente em busca de presas ativas, tanto no ar quanto no solo1,2,6. No entanto, outro comportamento menos frequente relacionado à obtenção de alimento é o cleptoparasitismo, que consiste em roubar uma presa já capturada por outro indivíduo, seja ou não da mesma espécie. Esta forma de parasitismo ocorre em uma variedade de táxons e ecossistemas sendo a maioria observada em aves7,8,9. O cleptoparasita se beneficia tanto por obter uma presa ou outro recurso que não conseguiria sozinho como pelo ganho de tempo e diminuição do esforço para consegui-lo10. Em fevereiro de 2012 foi observada a interação agonística interespecífica entre o gavião-do-rabo-branco, Geranoaetus albicaudatus (Vieillot, 1816), e o gavião-caboclo, Heterospizias meridionalis (Latham, 1790), no Parque Nacional das Emas (17°54’30.8”S, 53°00’06.0”W). Ambas as espécies possuem médio a grande porte com 46 a 65 cm de comprimento corporal11,12,13 e podem ser encontradas em áreas campestres, cerrados, áreas queimadas, buritizais, beiras de brejo e campos de altitude, onde capturam grandes insetos, sapos, ratos, gambás, cobras, aves e até minhocaçu1,12,14. Um indivíduo de Heterospizias meridionalis havia capturado um lagarto (Iguania) e o carregava em voo quando um indivíduo de G. albicaudatus começou a persegui-lo e atacá-lo, realizando manobras de mergulho, fletindo as asas e tentando golpeá-lo com suas garras. Mesmo so26

frendo o ataque, o gavião-caboclo resistiu por algum tempo, segurando a presa com um dos pés, e com o outro pé tentou se defender até o momento que abandonou a presa (Figura 1). O gavião-de-cauda-branca obteve sucesso ao piratear o recurso alimentar; o gavião-caboclo, após a interação, pousou em um galho aparentando ter as penas de uma das asas danificadas com o ataque sofrido. O cleptoparasitismo já foi observado em adultos de G. albicaudatus pirateando as presas de B. swainsoni (gavião-papa-gafanhoto) e Elanus leucurus (gavião-peneira)12. Este tipo de interação oportunista evoluiu independentemente várias vezes ao longo da história evolutiva das aves15. Aparentemente, algumas condições ecológicas favorecem o desenvolvimento do parasitismo e são descritos pelas seguintes hipóteses: i) cleptoparasitas são geralmente grandes, o que aumenta a chance de captura da presa e diminui a chance de defesa da ave hospedeira; ii) cérebros grandes seriam necessários dada a complexidade de habilidades necessárias para a captura de presas em domínio de outra ave; iii) vertebrados são presas com maior retorno energético e que demandam mais esforço para sua captura, o que poderia favorecer o cleptoparasitismo; iv) espécies que forrageiam em grupo tendem a aumentar as chances de um cleptoparasita, dada a maior probabilidade de detecção dos hospedeiros; v) habitat abertos parecem facilitar a evolução da interação simplesmente pela maior probabilidade de detecção das

espécies hospedeiras9,16. Além disso, contínuas interações entre raptores em áreas de alimentação podem promover a pirataria9. Nichos semelhantes se sobrepondo podem ter desempenhado um papel na pirataria observada entre Elanus caendeiis leucurus e Geranoaetus albicaudatus16. Um aspecto importante é a preservação das interações entre espécies, as quais podem fornecer pistas para a extensão das antigas associações comportamentais17. O cleptoparasitismo nas aves parece ser um hábito oportunista e provavelmente não é uma estratégia de alimentação predominante, dados os riscos de injurias17,18. A ecologia alimentar de G. albicaudatus foi observada no sudeste de Minas Gerais durante o período de maior abundância de pequenos mamíferos (estação seca), ocorrendo seletividade por este recurso19. Entretanto, na época de menor abundância (estação chuvosa), houve um oportunismo por parte do predador, ingerindo presas mais abundantes, menores do que as de costume19. É possível, então, que o cleptoparasitismo seja uma alternativa na estratégia de obter alimento de algumas espécies mais generalistas em condições de baixa abundância de suas presas primárias, hipótese que merece ser melhor estudada. Agradecimentos A observação desta interação ocorreu durante a execução de pesquisas desenvolvidas no programa PELD (Pesquisas Ecológicas de Longa Duração) desenvolvido no Parque Nacional das Emas e mantida

Figura 1. Interação agonística interespecífica (cleptoparasitismo) entre duas espécies de aves da família Accipitridae: Geranoaetus albicaudatus (esquerda) x Heterospizias meridionalis (direita, ainda em posse da presa e se defendendo) no Parque Nacional das Emas, GO. Foto: Albert Aguiar. Atualidades Ornitológicas, 193, setembro e outubro de 2016

pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq). Referências bibliográficas

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Programa de Graduação em Ciências Biológicas UFG/GO/Brasil. E-mail: [email protected] 2 Programa de Pós-Graduação em Biologia Animal UNESP/SP/Brasil. 3 Educação Intercultural. Departamento de Letras, UFG/GO/Brasil. 4 Laboratório de Ecologia Teórica, Metacomunidades e Ecologia de Paisagem. Departamento de Ecologia, UFG/GO/Brasil. 1

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