Clint Eastwood e O fim do politicamente correto

July 11, 2017 | Autor: Mércio Gomes | Categoria: Ethnic Conflict, Cinema Studies, Antropologia Hiperdialética
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O fim do politicamente correto

Mércio P. Gomes
Antropólogo


Os economistas estão com tudo e não estão prosa. Estão feito baratas tontas
fugindo de um spray venenoso, tentando entender a qualidade do spray, sua
procedência e sua letalidade, e para onde elas, as baratas, e suas hordas
de seguidores devem se refugiar. Para nós, leigos em economia, possuidores
de mínimos estoques financeiros, mas não necessariamente vivendo da mão
para a boca, mas que mal entendemos o que se dizia antes quando se falava
em "alavancagem", "hipotecas subprime" e outros mistérios, o maremoto que
ocorreu parece uma vingança divina à soberba dos grandes capitalistas e de
seus mui bem pagos e mal-proféticos engabeladores. A desgraça, porém, é que
as consequências reais começam a se manifestar, o desemprego bate à porta
dos que trabalham nas indústrias de exportação e aos poucos vai minando os
empregos da maioria que vive do setor de serviços.

A derrocada da economia americana, pela derrocada do motor propulsor dessa
economia, que foi o mercado de títulos imobiliários "alavancados"
artificialmente, e a consequente falência dos bancos emprestadores, tem
alimentado os jornais e as revistas especializadas com todo tipo de análise
sobre o porquê e o como da economia ter chegado ao ponto atual. Alguns
desses economistas falam em nada menos que o fim do capitalismo, ao menos
tal como se o entende até agora. Outros dizem que a retomada do capitalismo
será feita em novas bases, com a presença mais direta do Estado em seu
controle.

Se o que estamos vendo não é o fim do capitalismo, é ao menos o fim de uma
etapa do capitalismo, aquilo que genericamente é chamado de
"neoliberalismo".

O neoliberalismo econômico se caracterizou, em modesto resumo, por uma
grande expansão da produtividade -- devido ao surgimento de novas
tecnologias (especialmente a informática e a robótica) --, uma extrema
liberdade do mercado -- por força de uma política de restrição da
intervenção do Estado -- para ditar as regras do ganho, uma apoteótica
exaltação do consumo -- como retroalimentadora da produção --, e uma
confiança desmesurada de que, deixando as coisas como estão e espalhando o
sistema pelo mundo, tudo iria dar certo. De quebra, os países periféricos
ao capitalismo deveriam adotar o modelo econômico dos países centrais e aí
tudo iria dar no melhor dos mundos.

Parece que esse castelo de cartas que tanto brilhou por alguns vinte anos
desmoronou quando o mercado de ações especificamente criado pelas hipotecas
hiper-valorizadas alcançou seu limite subjetivo de aceitabilidade e
confiança, a partir de onde não teve mais lastro para se retro-alimentar, e
desminlinguiu. Os grandes bancos emprestadores de dinheiro lastreados
nessas ações irreais foram se afundando rapidamente. Mesmo com a
intervenção de inauditas somas de dinheiro, eles não se sustentaram. Sem
ter dinheiro, sem confiança para rolar as dívidas dos outros, sem bases
financeiras para manter o sistema de crédito do mundo, as grandes empresas
devedoras também foram perdendo crédito e credibilidade. Também estão
caindo, só se sustentando pela intervenção dos Estados. Em primeiro lugar,
dos Estados Unidos, depois dos grandes países europeus e asiáticos, a China
e o Japão, a Inglaterra e a Alemanha.

De que vale hoje a China ter 2 trilhões de dólares guardados em sua
caixinha de Pandora, se esse dinheiro não serve para circular no mercado de
empréstimos e de rolagem de dívidas? Os chineses o estão guardando para
comprar as coisas que ficarão baratas e solúveis pelos países afora, quando
a economia mundial se equilibrar.

Bem, esse pequeno e claudicante resumo da derrocada do neoliberalismo
econômico serve de base para analisarmos aquilo sobre o qual podemos falar
com mais propriedade. Qual seja, a cultura.

O neoliberalismo econômico criou uma cultural neoliberal. Essa cultura se
baseia em uma série de princípios que tomaram de conta e viraram moda
intelectual nos últimos trinta anos. Falando do Brasil, desde o fim da
ditadura militar, isto é, por volta de 1984.

A cultura neoliberal se caracteriza teologicamente por uma falta de fé no
destino da humanidade; politicamente, por um falta de crença na utopia e
contrariamente no compromisso por pequenas reformas; sociologicamente, pela
valorização da individualidade, da competição, etc., em detrimento do
sentido do coletivo e da cooperação; culturalmente, pela valorização da
diferença extensiva em todos as escalas, isto é, pelo multiculturalismo;
eticamente, ou etiquetamente, pelo "politicamente correto".

Todos esses aspectos precisam ser analisados para que possamos entender com
mais segurança o quê tem sido a cultural neoliberal. Afinal, temos falado
muito nisso por esse Blog, especialmente sobre ONGs neoliberais. Elas vão
precisar de mais esclarecimento mais adiante.

Entretanto, esta reflexão prévia serve tão somente para falar um pouco do
filme "GRAN TORINO", que acaba de entrar em circuito, o qual, no meu
entender, representa a primeira tentativa de, em termos artísticos,
sacolejar a força ética do neoliberalismo cultural, que é o tal do
"politicamente correto".

O filme "GRAN TORINO" trata do final da vida de um velho americano
conservador que é forçado a se relacionar com a minoria Hmong, um povo das
montanhas do Laos e Vietnam que terminou se refugiando nos Estados Unidos
ao fim da Guerra do Vietnã.

O velho conservador, representado pelo autor Clint Eastwood, que também
dirige o filme, é um polonês católico não praticante que vê com maus olhos
a chegada de novos vizinhos com cara de coreanos. Ele havia lutado na
Guerra da Coreia (1949-1953) e tinha motivos pessoais para odiar gente de
olho puxado. Sua cidade, ou melhor, seu bairro era até pouco tempo formado
por gente branca, mas de diferentes procedências étnicas: italianos,
irlandeses, poloneses, enfim, gente católica. Nos Estados Unidos
tradicionalmente católico quer dizer classe trabalhadora e conversador. O
primeiro momento interessante é que os católicos e suas etnias se tratam
sem nenhum linguajar politicamente correto. As piadas de polaco burro, de
italiano safado, de irlandês bêbado e estúpido correm soltas entre eles. É
o mundo dos brancos grosseiros que não temem, acho que nem sabem, o que é
politicamente correto. É evidente que este é o primeiro recado cru do
filme. Viva a sinceridade e a sacanagem brincalhona.

Chegam os "gooks", os "coreanos" e Clint Eastwood larga o verbo em cima
deles. São uns porcarias. Porém, passado alguns incidentes de bravura,
termina ficando amigo dos seus vizinhos pelo respeito que adquire em função
de proteger um jovem vizinho numa briga contra uma gangue de Hmong
(vietnamita) que o quer corromper e agregá-lo à gangue.

Durante todo o filme o linguajar politicamente incorreto corre solto. Agora
são os Hmong que se acostumam com ele. A irmã do jovem protegido aceita
toda a grosseria do seu protetor e até começa a fazer troça do próprio
brancão polonês. É a nova inteligência do multiculturalismo, sem auto-
piedade, no pau-a-pau da velha ética americana.

O final não vou dizer para não estragar quem queira ver o filme. O que
quero demonstrar é que o filme inaugura, pelo estilo heroico hollywoodiano,
sem tirar nem pôr, o linguajar "politicamente incorreto". Ou, ao revés, o
fim da aura sentimental e açucarada do linguajar politicamente correto.

Agora vale de novo fazer piada de negro, italiano, japonês, chinês,
irlandês, etc. Em breve virão filmes gozando viados e latinos.

Tudo vale. Mas por que isso tudo?

Acho que a mensagem do filme é que já chega de tratar as pessoas
falsamente. Que as piadas étnicas não contêm só ódio e desfavor, e que
evitá-las não trouxe grandes avanços para a cultura americana. Que, se
baixar a guarda e falar o que quiser, eventualmente, o nível de aceitação e
confiança entre as pessoas de diferentes etnias pode vir a melhorar.

O multiculturalismo existe, ganhou seu espaço no mundo. Está certo. Os
brancos de origem anglossaxônica foram desafiados a obedecer o
politicamente correto por vários motivos, sendo o principal o remorso.
Agora que todas, ou quase todas, as culturas e etnias já encontraram a
fórmula antropológica de terem seu espaço no mundo americano mais amplo,
pode-se relaxar, ser brincalhão, tirar sarro um do outro, que isso não vai
desmerecer mais ninguém. Ao contrário, vai ajudar o mundo americano a ser
mais real, mais sincero e mais amigável (friendly, pois não?)

Eis o que vi no filme "GRAN TORINO". Acho que representa o início do fim da
ética balofa do politicamente correto.

Novamente, o heroi da mudança é o americano. É o novo tempo de Obama, o
mestiço com nome de muçulmano que reivindica a sinceridade, o conhecimento
e o amor como forma de união. E nós brasileiros estamos querendo imitar o
que já foi.
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