CO-OFICIALIZAÇAO DO GUARANI EM TACURU/MS, UM PASSO IMPORTANTE NO CENÁRIO DE POLÍTICAS LINGUÍSTICAS BRASILEIRO?

July 18, 2017 | Autor: L. Cristina | Categoria: Políticas Linguísticas
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Anais do X Encontro do CELSUL – Círculo de Estudos Linguísticos do Sul UNIOESTE - Universidade Estadual do Oeste do Paraná Cascavel-PR | 24 a 26 de outubro de 2012 | ISSN 2178-7751

CO-OFICIALIZAÇAO DO GUARANI EM TACURU/MS, UM PASSO IMPORTANTE NO CENÁRIO DE POLÍTICAS LINGUÍSTICAS BRASILEIRO? Lilian Cristina do Amaral MARTINES1 Letícia FRAGA2

RESUMO: Desde os primórdios, o Brasil foi um país multilíngue, multilinguismo esse que perdura até os dias de hoje (MATTOS E SILVA, 2004, p.93). No entanto, segundo Altenhofen (2004), as políticas linguísticas brasileiras mostram um predomínio de decisões “coibitivas” para as línguas minoritárias, sendo que a maioria das políticas linguísticas brasileiras tem sido criada para reafirmar a ideia de homogeneidade linguística e cultural. Nesse sentido, a partir de perspectivas teóricas de Altenhofen (2004), Calvet (2007), Maher (2010), Oliveira (2005), Tobias (2008), entre outros, este trabalho tem como objetivo analisar a iniciativa de co-oficialização do guarani, na cidade de Tacuru, no estado do Mato Grosso do Sul, tentando destacar as reais repercussões dessa iniciativa, tanto no âmbito social, como no escolar, além de observar até que ponto essa iniciativa influencia, positiva ou negativamente, os conflitos linguísticos vividos por essa comunidade.Para tanto, neste trabalho em andamento, utilizamos a Pesquisa Qualitativa com uma perspectiva de intervenção, na qual o papel do pesquisador “consiste em ajudar a coletividade a determinar todos os detalhes mais cruciais ligados ao problema, por uma tomada de consciência dos atores numa ação coletiva” (BARBIER, 2002, p. (54). Como resultados iniciais, podemos apontar que teoricamente co-oficialização do guarani na localidade pesquisada a princípio parece ser um avanço em termos de políticas - e planificação - linguísticas, até porque há um comprometimento formal da prefeitura no sentido de apoiar o ensino da língua guarani nas escolas, incentivando a utilização do idioma nos meios de comunicação do município. No entanto,verifica-se que até o momento apenas as escolas indígenas inseriram o guarani em suas grades curriculares, sendo que isso não se aplica às escolas urbanas. PALAVRAS-CHAVE: Políticas Linguísticas; Educação Bilíngue; Multilinguismo. RESUMEN: Desde el principio Brasil fue un país multilingue, multilinguismo ese que perdura hasta los días de hoy (MATTOS E SILVA), 2004, p.93). Sin embargo, de acuerdo con con Altenhofen (2004), las políticas linguísticas en Brasil muestran un predominio de decisiones "coibitivas" para las lenguas minoritarias, puesto que la mayoría de las políticas linguísticas en Brasil se han creado para reafirmar la idea de la homogeneidad linguística y cultural. En ese sentido, desde las perspectivas teóricas de Altenhofen (2004), Calvet (2007), Maher (2010), Oliveira (2005), Tobías (2008), entre otros, este trabajo tiene como objetivo analizar la iniciativa de co-oficialización del guaraní en la ciudad de Tacurú en el estado de Mato Grosso do Sul, intentando resaltar el impacto real de esta iniciativa, tanto en el ámbito social, como en la escuela, además de observar hasta qué punto esta iniciativa influencia, positiva o negativamente los conflictos experimentados por esa comunidad. Por lo tanto, en este trabajo en curso, se utiliza la investigación cualitativa con el fin de intervención, en la cual el papel del investigador “consiste em ajudar a coletividade a determinar todos os 1

Mestranda na Universidade Estadual de ponta Grossa (UEPG), atualmente é tutora online do Curso de Letras/Português/Espanhol na mesma instituição. 2 Doutora pela Universidade Estadual de Campinas (2008), atualmente é professora adjunta da Universidade Estadual de Ponta Grossa e coordena o Mestrado em Linguagem, Identidade e Subjetividade na mesma instituição.

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detalhes mais cruciais ligados ao problema, por uma tomada de consciência dos atores numa ação coletiva” (BARBIER, 2002, p. (54). Como primeros resultados, podemos apuntar que, teóricamente, la co-oficialización del guaraní en la localidad investigada, a principio parece ser un gran avanzo en materia de Políticas Linguísticas – y planificación – linguística, incluso porque hay un compromiso formal por parte de la alcaldía en el sentido de apoyar la enseñanza de la lengua guaraní en las escuelas, fomentando el uso del idioma en los medios de comunicación del municipio. Sin embargo, parece que hasta el momento sólo las escuelas indígenas colocaran el guaraní en sus planes de estudio, ya que esto no se aplica a las escuelas urbanas. PALABRAS CLAVE: Políticas Linguísticas; Educación – Bilingue; Multilinguismo.

1 Introdução Segundo Crystal (2005), o multilinguismo, que também pode ser chamado plurilinguismo, é considerado um “bem intrínseco” de cada ser humano, não havendo assim, um limite de aprendizado de línguas, desde que a criança seja exposta a um contexto plurilíngue. Na perspectiva do autor, ainda que algumas pessoas não tenham a mesma proficiência entre a escrita e a oralidade de uma língua, esse fator não define que esta seja ou não multilíngue, de modo que uma compreensão estreita deste conceito “excluiria uma porção significativa da população mundial cujas vidas realmente funcionam através do uso de mais de uma língua” (CRYSTAL, 2005, p. 105). Como salienta Crystal (2005), uma língua pode ser usada na escola, outra na igreja, uma no mercado, enfim, o uso de uma, duas ou mais línguas, neste viés do multilinguismo, será decorrente das necessidades linguísticas da comunidade para melhor se comunicar e entender entre si, ao passo que “o multiculturalismo não se desenvolveu para nos capacitar a traduzir tudo para as outras línguas, mas a fim de satisfazer as necessidades comunicativas e pragmáticas de pessoas e comunidades individuais” (CRYSTAL, 2005, p. 108). Considerando que todas as línguas têm um papel fundamental em cada sociedade e que a noção de que uma língua é mais ou menos importante do que a outra, segundo o autor, é um mito decorrente de um discurso purista que visa a proteger uma língua (nacional ou uma língua considerada de status) contra a influência de outras línguas. Sendo assim: [...] Qualquer política que opere de maneira exclusiva – declarando que um grupo de falantes não fala a língua “apropriadamente”- encontra-se em uma rota para a autodestruição. Uma língua minoritária precisa de todo amigo que puder encontrar, qualquer que seja o tipo ou nível de língua que os falantes exibem. Alguém que tenha acabado de pôr o pé nos degraus do bilinguismo (com 1% de fluência, nos termos estabelecidos acima) deve ser bem-vindo e estimado. (CRYSTAL, 2005, p.112).

No entanto, como podemos observar, agora trazendo a teoria do multilinguismo para o contexto brasileiro de ensino, especialmente ao contexto indígena, o foco dessa pesquisa, apesar da multiplicidade do sujeito, de línguas e de culturas no contexto de ensino de língua brasileiro, segundo Rodrigues (2005), no Brasil são faladas aproximadamente 180 línguas de 1200 línguas indígenas, o que representa a perda de “85% das línguas existentes no território brasileiro no século XVI” (RODRIGUES, 2005), sendo esse um dos resultados “de um processo colonizador extremamente violento e continuado” (RODRIGUES, 2005), no qual os povos indígenas foram submetidos a modelos de aprendizagem bastante radicais, que em sua

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maioria visavam ao ensino unicamente em língua portuguesa, que desde o Diretório dos Índios vem sendo implantada como a língua de maior prestígio em todo território nacional. Nesse sentido, nos últimos 500 anos, o papel das políticas linguísticas do Estado brasileiro, segundo Oliveira (2009, p. 2), “sempre foi a de reduzir o número de línguas, num processo de glotocídio através de deslocamento linguístico, isto é, de sua substituição pela língua portuguesa” (OLIVEIRA, 2009, p. 2). Para Altenhofen (2004), as políticas linguísticas brasileiras mostram um predomínio de decisões “coibitivas” para as línguas minoritárias, sendo que a maioria das políticas linguísticas brasileiras tem sido criada para reafirmar a ideia de homogeneidade linguística (por meio do monolinguismo em português) e cultural. Deste modo, diante do cenário atual das políticas linguísticas brasileiras, esse estudo, em fase inicial, tem por objetivo discutir o processo da política de implantação do guarani como língua co-oficial, na cidade de Tacuru, cidade situada no estado de Mato Grosso do Sul, analisando as reais repercussões, tanto no âmbito social como no escolar, do cumprimento da lei que reconheceu a língua como co-oficial. Procurando observar até que ponto essa iniciativa influencia, positiva ou negativamente, os conflitos linguísticos vividos por essa comunidade e se seus moradores, professores e alunos, estão preparados para essa mudança. Buscamos também perceber se existem ações para que a lei realmente se complemente na prática. Sendo proposta para questões metodológicas, a Pesquisa qualitativa que de acordo com Bodgan e Bicklen (1982 apud LUDKE; ANDRÉ, 1986), valoriza o contato direto do pesquisador com o contexto analisado, em que “a obtenção de dados é descritiva” e se valoriza o processo em detrimento do produto, sem desvalorizar o ponto de vista do participante, com uma perspectiva de intervenção onde o papel do pesquisador “consiste em ajudar a coletividade a determinar todos os detalhes mais cruciais ligados ao problema, por uma tomada de consciência dos atores numa ação coletiva” (BARBIER, 2002, p. 54). [...] Na pesquisação, os dados são retransmitidos à coletividade, a fim de conhecer sua percepção da realidade e de orientá-la de modo a permitir uma avaliação mais apropriada dos problemas detectados (...) a interpretação e a análise dos dados são o produto de discussões do grupo. Isso exige uma linguagem acessível a todos. O traço principal da pesquisação – o feedback – impõe a comunicação dos resultados da investigação aos membros nela envolvidos, objetivando a análise de suas reações (BARBIER, 2002, p. 55).

Sendo o maior objetivo da pesquisa não apenas descrever a realidade linguística da comunidade, mas construir um trabalho em conjunto, no qual as pessoas envolvidas passam a a ser “participantes” e não mais meros “informantes” do processo de pesquisa.Visto que, [...] por muito tempo o papel da ciência foi descrever, explicar e prever fenômenos, impondo ao pesquisador ser um observador neutro e objetivo, a pesquisa-ação adota um encaminhamento oposto pela sua finalidade: servir de instrumento de mudança social. (BARBIER, 2004, p.53)

Nesse sentindo, a atuação do linguista passa a ser muito mais a de elucidação conceitual da reflexão linguística conduzida pelos próprios falantes, que se constituem em pesquisadores de suas próprias línguas (Oliveira, 1999). Na medida em que, teoria e prática caminham juntas, na proporção que “não podemos nos esquecer de que conhecimento válido para a vida social tem que incluir a percepção daqueles que a vivem, embora tenhamos também que entender que nem todos têm que operar com base em nossas construções teóricas” (MOITA Lopez, in RAJAGOPALAN, 2004, p.117). 3

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Ainda porque, tem-se observado que metodologias como essa têm apresentado resultados satisfatórios às comunidades estudadas. Como por exemplo, os trabalhos realizados pelo IPOL, os quais conseguiram a Oficialização das Línguas Nheengatu, Tukano e Baniwa em São Gabriel da Cachoeira, Amazonas, além de estabelecerem uma Rede de projetos para uma política do bilinguismo alemão-português em Blumenau, projetos esses que tiveram como objetivo “ajudar os municípios a realizarem o que os cidadãos falantes de línguas minoritárias no Brasil esperam do Estado, e o que o Estado deve a eles, seja porque o Estado existe para servir a sociedade que o sustenta (OLIVEIRA, 2005, p.93)”. 2 Um breve contexto sobre Políticas Linguísticas brasileiras De acordo com Silva (1994), “o colonialismo, a educação indígena e o proselitismo religioso são práticas que têm no Brasil, a mesma origem e mais ou menos a mesma idade” (SILVA, 1994, p.42). Segundo Tobias (2008), a primeira política linguística instituída do Brasil ocorreu junto à chegada dos Jesuítas, “através de um trabalho de descrição da língua tupi, falada pelos habitantes da costa” (TOBIAS, 2008, p.702). Em 1595, Anchieta publicou a sua venerável arte de Gramática da Língua mais Usada do Brasil, instrumento com certeza fundamental para a elaboração do Ceticismo na Língua Brasílica, que veio à luz em 1618. Este catecismo talvez tenha sido um dos livros didáticos mais importantes da época, junto com o Catecismo de Doutrina Cristã na Língua Brasílica da Nação Kiriri, publicado em 1698. Ainda no século XVII, precisamente em 1621, um colega de Anchieta, Padre Luis Figueira, publicou um novo estudo a da língua Tupinambá, intitulado Arte de Língua Brasílica. Este trabalho pode ser considerado a primeira gramática pedagógica sobre a língua indígena falada no Brasil. As gramáticas de Anchieta e Figueira foram inegavelmente os dois grandes marcos da pesquisa linguística aplicada à educação bilíngue (= catequese) no período colonial (SILVA,1994, p.43, grifos do autor).

Quadro, que de acordo com Silva (1994), não obteve maiores avanços mesmo no período da instauração da República, pois os currículos das escolas indígenas pouco se diferenciavam dos currículos das escolas dos não-índios. Nesse sentido, mesmo após o período colonial “o panorama da educação Escolar Indígena foi um só, marcados pelas palavras “catequizar” e “civilizar”, ou em uma cápsula, negação pela diferença” (SILVA, 1994,p.44). Essa realidade, entretanto só começa a mudar, segundo Hamel (2003) nas últimas décadas, a partir de um grande movimento mundial de reconhecimento à diversidade, o qual assegura que “já não é possível compreender a diversidade como uma tenaz resistência à mudança, como um entrincheiramento das minorias nas suas zonas de refúgios” (HAMEL, in OLIVEIRA, 2003, p. 48). Nesse sentido, surge em 1996 a “Declaração Universal dos direitos Linguísticos” em defesa dessas minorias que até então foram ignoradas. Segundo o documento “todo o mundo tem seus direitos e liberdades, sem distinção de raça, cor, sexo, língua, religião, opinião, política, origem nacional, posição econômica, nascimento ou qualquer outra condição” (OLIVEIRA, 2003, p.18). A lei ainda prevê o direito de todos a se expressar e desenvolver sua língua, cultura e direito a uma própria organização política e educacional. No âmbito individual a declaração prevê que cada pessoa tem o direito de identificarse de maneira positiva com sua língua materna e ser respeitada pelos demais, ainda 4

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compreende o direito coletivo de manter sua identidade e alteridade etnolinguísticas (OLIVEIRA, 2003). Outro avanço constitucional relacionado ao reconhecimento e respeito à diversidade se refere à lei 11.645, de 10 de março de 2008, modificada pela Lei nº 10.639, de 9 de janeiro de 2003, que estabelece as diretrizes e bases da educação nacional, para incluir no currículo oficial da rede de ensino a obrigatoriedade da temática História e Cultura AfroBrasileira e Indígena3. Especialmente ao contexto indígena, podemos destacar a criação da OIT (Organização Internacional do trabalho), criada em 1919, que tem “entre suas principais preocupações, a situação das chamadas “populações indígenas” que representavam parte da força de trabalho nos domínios coloniais “(OIT, 2011, p.5), a qual prevê em seu artigo 28: ARTIGO 28 1. Sempre que viável, as crianças dos povos interessados deverão aprender a ler e escrever na sua própria língua indígena ou na língua mais comumente falada no seu grupo. Quando isso não for possível, as autoridades competentes consultarão esses povos com vistas a adotar medidas que permitam a consecução desse objetivo. 2. Medidas adequadas deverão ser tomadas para garantir que esses povos tenham a oportunidade de se tornar fluentes na língua nacional ou em um dos idiomas oficiais do país. 3. Medidas deverão ser tomadas para preservar e promover o desenvolvimento e a prática das línguas indígenas dos povos interessados (OIT, p.46, 2011).

No entanto, como afirma Silva (1994), podemos perceber que “se esfera jurídica, o quadro mudou significativamente nos últimos anos, na prática tudo parece continuar como antes” (SILVA, 1994, p.48), na medida em que as ações em relação aos programas de Educação indígena no Brasil parecem simplesmente ignorar os avanços constitucionais acima citados. Deste modo, o que percebemos é que apesar dos avanços constitucionais, Oliveira (2005) afirma que há insuficiente planificação do status4 das línguas de modo que as práticas sociais possam cooperar com os esforços feitos pela educação formal. O autor argumenta que se devem aproveitar melhor as oportunidades possíveis da existência das línguas no território brasileiro para chegar à melhores resultados na aquisição de proficiência via escola (Oliveira, 2005, p. 9). 3 Políticas Linguísticas como sinônimo de intervenção Como abordado no item anterior, questões relacionadas Políticas Linguísticas só passaram a ser discutidas a partir do século XXI. Segundo Rajagopalan (2006) a linguística por muito tempo não se preocupou com assuntos relativos às “Políticas Linguísticas” nem com trabalhos que de certa forma se envolvam com interesses práticos e de ordem social. De acordo com o autor, durante muito tempo os princípios regedores dessa disciplina, manteve um distanciamento, uma “neutralidade” do pesquisador com questões éticas, portanto a 3

Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2007-2010/2008/lei/l11645.htm Segundo Correa (2009, p.74-75) “O planejamento de status está relacionado ao papel da língua, às funções que ela vai exercer, seu status social e suas relações com as outras línguas (como língua nacional, língua oficial, meio de instrução, etc.)”. 4

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questões de ordem políticas, o que certa forma afastou o pesquisador de “questões práticas relativas à linguagem, sobretudo daquelas que envolviam juízos de valor como é o caso da política linguística (RAJAGOPALAN, in MOITA LOPEZ,2006,p.155). No entanto, Correa (2009) discute que para o linguista do século XXI, esse pensamento é inaceitável, porque se perde muito em tratar a língua apenas pelo viés estruturalista, sendo muito mais produtivo aos linguistas trabalhar com a linguagem considerando as práticas linguísticas usuais em diferentes contextos, mas não pertencentes a determinados domínios sociais sustentados no conceito de língua. Na medida em que ao tratar a língua separada dos aspectos sociais fez com que os linguistas caíssem em uma armadilha, como se observador ou usuário de uma língua não pudessem ocupar a mesma posição. Por este viés, Calvet (2007) argumenta que as línguas não são iguais e “não podem cumprir, igualmente, as mesmas funções”. Deste modo, acreditamos assim como Calvet (2002) que Políticas Linguísticas são “[...] um conjunto de escolhas conscientes referentes às relações entre língua(s) e vida social, e planejamento linguístico à implementação prática de uma política linguística; em suma, a passagem ao ato” (CALVET, 2002). Deste modo, para analisar uma língua ou planejar sua implantação na escola, por exemplo, devem-se levar em conta dois fatores: in vivo, que advém da escolha do indivíduo, sem que haja interferência do Estado e o in vitro que é consequência das mudanças linguísticas regidas pela lei, pelo Estado (CALVET, 2002). Dessa forma, qualquer comunidade linguística pode elaborar sua própria política, mas só o Estado tem “o poder e os meios de passar ao estágio do planejamento, de pôr em prática as escolhas linguísticas”. (CALVET, 2002). De acordo com Calvet (2007), “o poder político sempre privilegiou essa ou aquela língua, escolhendo governar o Estado numa língua de minoria” (CALVET, 2007, p.11), além de citar que nos próprios estudos linguísticos, a maioria dos teóricos tendia a “negligenciar o aspecto social da intervenção planejadora sobre as línguas”. Desta maneira, todas as políticas linguísticas têm sido criadas ou desenvolvidas para reafirmar a ideia de homogeneidade que ignora toda uma realidade heterogênea, tanto cultural quanto linguística. Entretanto, nas palavras de Calvet (1999), Oliveira cita que “que não são os homens que existem para servir a língua, mas são as línguas que existem para servir o homem” (CALVET, 1999, in OLIVEIRA 2005, p. 87), nessa perspectiva o autor define a linguística como os estudos das comunidades através de suas línguas (OLIVEIRA, 2005, p. 87). Sendo a “política linguística” um sinônimo de ‘intervenção’, ou seja, a colocação em prática de políticas linguísticas. Deste modo, acreditamos que desenvolver um trabalho de intervenção significa [...] estabelecer parcerias com as comunidades falantes das línguas brasileiras, isto é, as línguas faladas pelos cidadãos brasileiros. Escutar essas comunidades, suas demandas culturais e linguísticas, colocando-se a serviço dos seus planos de futuro; qualificar suas demandas a partir de uma relação dialógica, e disponibilizar os meios técnicos a nosso alcance para a consecução dos seus objetivos. ‘Intervenção’ significa então: trabalho conjunto com as comunidades linguísticas que conformam o país (OLIVEIRA, 2005, p. 87).

O trabalho de intervenção surge como um apoio às comunidades, visto que por muito tempo realidade histórica da educação brasileira, de certa forma “forjou” o ‘esquecimento’ das línguas que constituem o sujeito, através de um ideal de língua fundado em uma memória outra, a dos portugueses (HONÓRIO, 2009, p. 89). Além de observar que: Esse apagamento das línguas indígenas impossibilitou a presença da oralidade no processo de construção de uma língua portuguesa que

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representasse nossas vozes, diversas, singulares [...]. Dessa perspectiva, a língua portuguesa, a legitimada para ser a língua oficial do país, representa o que Orlandi (1988)5 chama de língua imaginária: funciona como língua homogênea, instaurando, como efeito de sentidos, um sentimento (ilusório) de pertencimento identitário ao grupo dos designados cidadãos brasileiros. Contraditoriamente, podemos observar que essa mesma língua que nos identifica é aquela que nega ou exclui o diferente - aquela que fala outra língua ou essa língua de outro modo, porque faz falar a oralidade, faz ouvir outras vozes. (HONÓRIO, 2009, p.83).

Entretanto, como afirma Maher (2010), “o processo de deslocamento linguístico não é um fenômeno irreversível nem a perda linguística inevitável, pois comunidades de fala podem, ainda que essa não seja em nada uma tarefa banal, oferecer resistência sociolinguística” (MAHER, 2010, p. 35). Mas acreditamos que através de um trabalho na perspectiva das Políticas Linguísticas, como sinônimo de intervenção priorizando a pesquisaação, no qual o diálogo entre comunidades e seus representantes seja inerente ao estudo da linguagem, pode ser uma grande passo para que assim possamos atingir melhores resultados relacionados aos conflitos linguísticos enfrentados pelas comunidades brasileiras. 4. Primeiras Considerações sobre a lei n° 848/2010 A lei n° 848/2010 foi sancionada e aprovada pela Câmara de vereadores do município de Tacuru, situado no estado do Mato Grosso do Sul, pela qual fica estabelecido a cooficialização da língua guarani no município. Sendo Tacuru a segunda cidade brasileira a incorporar outra língua oficial no território nacional. A primeira foi São Gabriel da Cachoeira, no Amazonas, através da lei 145/2002 que co-oficializa o Nheengatu, Tukano e Baniwa. Sendo a lei criada por um vereador indígena junto Instituto de Investigação e Desenvolvimento de Políticas Linguísticas (IPOL) a pedido da Federação das Organizações Indígenas do Rio Negro (FOIRN)6. LEI N° 848/2010 DE 24 DE MAIO DE 2010 Dispõe sobre a co-oficilizaçao da língua guarani no município de Tacuru/MS. O Prefeito Municipal de tacuru – MS, Claudio Rocha Barcelos, no uso das atribuições legais, faço saber que a Câmara Municipal aprovou e eu sanciono a seguinte lei: Artigo 1°- A língua portuguesa é o idioma oficial da Republica Federativa do Brasil. Parágrafo Único – Fica estabelecido que o município de Tacuru – MS passa a ter como língua co-oficial a guarani. Artigo 2° – O status de língua co-oficial concedido por este objeto autoriza o município: §1º – A prestar serviços públicos básicos de atendimento na área de saúde na língua oficial e na língua co-oficial. §2° – Em caso de campanha de prevenção de doenças, bem como de tratamento, fica autorizado o município a utilizar além da língua oficial, a língua co-oficial. 5

ORLANDI, E.P. Tipologia de discurso e regras convencionais. In: A linguagem e seu funcionamento: as formas do discurso. 4. ed. Campinas: Pontes: p.149-175. 6 Informações disponíveis no site do IPOL, disponível em http://www.ipol.org.br/.

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§ 3° – Incentivar e apoiar o aprendizado e o uso da língua co-oficial nas escolas municipais e nos meios de comunicação. Artigo 3° – As variedades da língua guarani – Kaiowá, mbyam ñandeva serão respeitadas e valorizadas. Artigo 4 °– Em nenhum caso alguém pode ser discriminado por razão da língua co-oficial em que se manifeste.

Como resultados parciais, podemos observar que ao menos teoricamente, a cooficialização do guarani na localidade pesquisada parece ser um avanço em termos de políticas - e planificação - linguísticas, até porque há um comprometimento formal da prefeitura no sentido de apoiar o ensino da língua. Entretanto, verifica-se que até o momento apenas as escolas indígenas inseriram o guarani em suas grades curriculares, sendo que isso não se aplica às escolas urbanas. Segundo o IPOL, em Tacuru o guarani será usado apenas nos atendimentos na área de saúde e na campanha de prevenção a doenças, sendo que a grade das escolas urbanas não será alterada. Desta maneira, apenas as escolas indígenas poderão ter acesso ao ensino bilíngue, sendo oferecido para a população cursos de guarani para quem ainda não conhece o idioma 7. Assim, a prefeitura se compromete a apoiar e a incentivar o ensino da língua guarani nas escolas e nos meios de comunicação do município. Além de observar que nenhuma pessoa poderá ser discriminada em razão da língua oficial que faça uso e também destaca o respeito e a valorização às variedades do guarani também faladas por moradores do município, como o kaiowá, o ñandeva e o mbya. 8 Nesse sentido, o próximo passo desta pesquisa será o de observar, quais a medidas práticas do município em apoiar um planejamento de status para o guarani, observando assim como Oliveira (2005), que “planificar o Status de uma língua implica em estabelecer medidas para que esta língua tenha um lugar determinado numa sociedade, em conformidade com aspirações da comunidade falante” (OLIVEIRA, 2005, p. 89, grifos do autor). Além de observar, assim como Maher (2010), que a elaboração de uma Política linguística para línguas minonitárias requer a atençao para questões muito importantes que vão além do saber teórico, ‘é que a orquestraçao de projetos de fortalecimento linguísticos seja feita por organizaçaoes, instituiçoes e ativistas das próprias comunidades de fala envolvidas, como insistentemente nos dizem” (MAHER, 2010, p. 35). Visto que, ainda na perspectiva da autora, que os maiores fracassos nas pesquisas de política línguística, deve-se ao fato de que as formatações dos projetos ficam “a cargo de outsiders, os quais, embora quase sempre muito bem intencinados, tem um conhecimento apenas parcial da cultura local e de sua dinamica social (MAHER, 2010, p. 35, grifos do autor). Segundo Ribeiro (2005) uma Política linguística mal arquitetada, no lugar de amenizar os conflitos linguísticos, podem revelar formas de preconceito ainda maiores, pois na medida em que se impõe uma política que é tida como “boa para todos”, existe aí já um ato de exclusão, porque as comunidades são heterogêneas, não existe uma política que poderá servir de base para todos. Nesse sentido, ainda de acordo com o autor, pode-se dizer que quanto mais ações são propostas para que os sujeitos e as comunidades se transformem em algo diferente, mais esses sujeitos e comunidades apresentam as características que representam grupos os quais pretendem negar (RIBEIRO,p.104). 7

Informações retiradas do site oficial da prefeitura, disponível em http://www.prefeituradetacuru.com.br/index. php?exibir=noticias&ID=286. 8 Informações disponíveis em: http://www.cultura.gov.br/site/2010/06/14/culturas-indigenas-14/.

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Deste modo, mais do que análises e discursos teóricos envolvendo a linguagem das comunidades, acreditamos, assim como Maher (2010), que é necessário que os “pesquisadores envolvidos com políticas linguísticas examinem o que as línguas na realidade significam para os grupos que investigam, que efeito elas têm em suas práticas cotidianas e como eles se sentem em relação a elas” (MAHER, 2010, p.6). Na medida em que o mais importante é fazer com que de certa forma a pesquisa contribua para que “as comunidades linguísticas do Brasil possam ver seus filhos continuando a falar sua língua sem medo nem vergonha” (OLIVEIRA, 2005, p.8). Referências ALTENHOFEN, Cléo Vilson. Política linguística, mitos e concepções linguísticas em áreas bilíngues de imigrantes (alemães) no Sul do Brasil. Revista Internacional de Linguística Iberoamericana, Frankfurt, DE, v. 3, p. 83-93, 2004. Disponível em: . Acesso em: 20 mar. 2007. BARBIER, René. A pesquisa-ação. Trad. Lucie Didio. Brasília: Plano Editora, 2002. CALVET, Louis-Jean. Sociolinguística: uma introdução crítica. São Paulo: Parábola: 2002. CALVET, Louis-Jean. Políticas linguísticas. São Paulo: Parábola: 2007. CORREA, Djane Antonucci. Política linguística e ensino de língua. Calidoscópio, São Leopoldo, RS, v. 7, n. 1, p. 72-78, jan./abr. 2009. CRYSTAL, David. A Revolução da Linguagem. Trad. Ricardo Quintanda. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2005. HAMEL, Rainer Henrique. Direitos Linguísticos como direitos Humanos: Debates e Perspectivas. In: OLIVEIRA, Gilvan Müller de (Org.). Declaração Universal dos Direitos Linguísticos: novas perspectivas em política linguística. Campinas, SP: Mercado de Letras, 2003. INSTITUTO BRASILEIRO DE INVESTIGAÇÃO E DEFSENVOLVIMENTO DE POLÍTICAS LINGUÍSTICAS (IPOL). Lei municipal oficializa línguas indígenas. Disponível em: . Acesso em: 23 agosto 2011. LUDKE, Menga; ANDRÉ, Marli E. D. A. Pesquisa em Educação: Abordagens Qualitativas. São Paulo: E.P.U., 1986. MAHER, Terezinha de Jesus Machado. Políticas Linguísticas e Políticas de identidade: currículo e representações de professores indígenas na Amazônia ocidental brasileira. Currículo sem Fronteiras, v.10, n.1, pp.33-48, Jan/Jun 2010. MINISTÉRIO DA CULTURA. Culturas indígenas. Disponível em: . Acesso em 23 agosto 2011. MOITA LOPEZ, Luiz Paulo da. O que os linguistas têm a ver com movimento do ‘só português’ e com a língua do império? In: SILVA, Fábio Luiz Lopes da; RAJAGOPALAN, Kanavillil (org.). A linguística que nos faz falhar: investigação crítica. (São Paulo: Parábola, 2004). OLIVEIRA, Gilvan Müller de (Org.). Declaração Universal dos Direitos Linguísticos: novas perspectivas em política linguística. Campinas, SP: Mercado de Letras, 2003. OLIVEIRA, Gilvan Müller de. Política linguística na e para além da educação formal. Estudos Linguísticos XXXIV, Campinas, SP, p. 87-94, 2005. OLIVEIRA, Gilvan Müller de. Brasileiro fala português: Monolinguismo e Preconceito Linguístico. São Carlos, SP, p.1-9, 2009.

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