Coerência e Convergência Regulatória no Modelo do Acordo Transpacífico - seus Impactos e Desafios para o Comércio Exterior brasileiro.pdf

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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DO RIO DE JANEIRO INSTITUTO DE RELAÇÕES INTERNACIONAIS

RODRIGO AMORIM DUQUE – 1220856 SERGIO AZEREDO DA SILVEIRA JORDÃO – 1112379

COERÊNCIA E CONVERGÊNCIA REGULATÓRIA NO MODELO DO ACORDO TRANSPACÍFICO: SEUS IMPACTOS E DESAFIOS AO COMÉRCIO EXTERIOR BRASILEIRO

ORIENTADOR: PROFESSOR MARCELO JOSÉ BRAGA NONNENBERG

RIO DE JANEIRO 2016

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● Introdução Muitos economistas já pesquisaram sobre os efeitos de barreiras não-tarifárias no comércio exterior (ALVES; CORRÊA, 2010; FERRAZ; RIBEIRO; MONASTERIO, 2015). A partir de cálculos econométricos, eles tentaram mensurar os impactos dessas barreiras no comércio de um determinado país. Os seus resultados, na maioria das vezes, mostram que tais medidas afetam negativamente o comércio internacional. Neste trabalho, consideraremos barreiras não-tarifárias como medidas sanitárias e fitossanitárias e barreiras técnicas ao comércio. De acordo com Pascal Lamy (2014), ex-Diretor-Geral da Organização Mundial do Comércio (OMC), ao passo que as tarifas internacionais foram sendo reduzidas, as regulações foram aumentando. Entre a criação do General Agreement on Tariffs and Trade (GATT) em 1947 e os anos de 1980, a maioria dos países que compunham essa organização eram países do Norte Global. Isso fez com que as rodadas para a redução de tarifas nesse período objetivassem a liberalização apenas dos produtos que eram do interesse desses países industrializados. Assim, o GATT, nesse período, avançou bastante na diminuição das tarifas para produtos industrializados, mas praticamente não tratou de produtos agrícolas ou de barreiras não-tarifárias (OATLEY, 2013). Hoje, as tarifas médias dos países da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) já são baixas e quotas praticamente não existem (HOEKMANN; MAVROIDIS, 2015). Dessa forma, o intuito do ex-Diretor-Geral da OMC era apontar os instrumentos de defesa comercial estabelecidos ao da diminuição das tarifas, ou seja, as novas formas de proteção do mercado interno que foram criadas, as chamadas barreiras não-tarifárias. Essas medidas, como serão analisadas ao longo do trabalho, são as barreiras ao comércio do século XXI, uma vez que, ao dificultar a entrada dos produtos e/ou aumentar os seus custos de transação, acabam por proteger o mercado interno e/ou discriminar os produtos importados. Por isso, consideramos a sua análise de extrema importância para a atualidade. Outro tema que deve ser estudado é a Parceria Transpacífica (TPP, sigla em inglês para Trans-Pacific Partnership), a qual foi um acordo assinado em fevereiro de 2016 entre Austrália, Brunei, Canadá, Cingapura, Chile, Estados Unidos, Japão, México, Malásia, Nova Zelândia e Peru. O compromisso é reconhecido como um mega-acordo regional, uma vez que tal pacto

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aborda diversas áreas, como: a redução das barreiras tarifárias e não-tarifárias, a convergência de legislação ambiental, trabalhista, anticorrupção, troca de informações e redução de burocracias para a facilitação do comércio e dos investimentos entre esses 12 países. Entretanto, a Parceria Transpacífica ainda está em fase de ratificação, mas muitos já especulam o seu impacto no comércio internacional. Para fins desse trabalho, analisaremos os Capítulos 7 e 8 do TPP, uma vez que versam sobre medidas sanitárias e fitossanitárias e barreiras técnicas ao comércio, respectivamente. Observa-se que a região da Ásia-Pacífico será o lar de 3,2 bilhões de consumidores de classe média em 2030 (USTR, 2015a). Esta população será a maior compradora mundial de grãos básicos, frutas frescas e vegetais, produtos lácteos, carnes e outros produtos agrícolas. Portanto, para que as economias que constituem o TPP estejam cada vez mais integradas e que obtenham benefício do comércio entre si, na efetivação do acordo, é preciso ter acesso aos mercados e regulamentos justos para a segurança alimentar e saúde animal e vegetal, conhecido tecnicamente como medidas sanitárias e fitossanitárias, ou medidas SPS (USTR, 2015a). Segundo o Escritório do Representante de Comércio dos Estados Unidos (USTR, 2015a), os EUA, a maior economia que integra os países signatários da Parceria Transpacífica em termos absolutos de PIB, têm um dos mais fortes sistemas reguladores em todo o mundo para assegurar alimentos seguros para os consumidores norte-americanos, bem como para proteger a saúde animal e vegetal para os agricultores e pecuaristas do país. Tal relação pode, inclusive, ser observada através de análises comparativas entre a Lei Geral da União Europeia de Alimentos (Regulamento CE/178/2002) e o US Food Safety Modernization Act de 2011 (FSMA) que compartilham um mandato base e têm objetivos semelhantes de governança contemporânea de segurança alimentar. Ching-Fu Lin (2013) identifica os principais elementos de ambas as legislações com ênfase na legislação norte-americana, onde a responsabilidade principal da indústria alimentícia é em garantir a segurança alimentar, mantendo uma regulação baseada em processo destinado a toda a cadeia de suprimentos e que se liga às regulações e padrões internacionais. Entretanto, o Escritório do Representante de Comércio dos Estados Unidos (2015a) afirma que dentre as economias que compõem o TPP, percebe-se que barreiras sanitárias e

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fitossanitárias podem ser aplicadas baseadas em considerações políticas e não em pesquisas científicas. Essas barreiras podem ser utilizadas para substituir tarifas, como as barreiras comerciais e proteger os produtores nacionais, o que às vezes proíbe a importação de alimentos dos EUA e as exportações agrícolas. Com relação às barreiras técnicas ao comércio, quando implementadas, estas podem levar a um aumento do preço final do produto e/ou agir com efeitos discriminatórios. Com a prática dessas medidas, por exemplo, o custo médio para uma firma produzir um produto se eleva, uma vez que tal empresa terá que atender a diferentes pré-requisitos técnicos sob seus produtos ou processos produtivos que variam de país para país (GADRET; RODRIGUEZ, 2009, p. 205). Algumas vezes, esses pré-requisitos são incompreensíveis ou de difícil entendimento, tornando o processo mais demorado e custoso. Essa falta de transparência e excesso de burocracia faz com que as empresas tenham mais custos, necessitando um estudo das regulações do país estrangeiro e a contratação de e ação de tradutores, despachantes e consultores, por exemplo, para que consigam exportar determinado bem. Além disso, alguns processos de avaliação de conformidade também podem ser longos e desnecessários. O Escritório do Representante de Comércio dos Estados Unidos (2015c) afirma que esse tipo de medida apenas prejudica os produtos americanos, uma vez que os seus produtos já passam avaliações rigorosas nos EUA. Ao final, todos esses custos são repassados ao produto. Dessa forma, essas medidas estabelecidas para garantir a qualidade dos bens, podem funcionar como ações para proteger o mercado interno de determinado país, ao dificultar a entrada de outros produtos, e, assim, encarecê-los. Além disso, ao estabelecer normas e regras com pouca transparência e com pouca ou nenhuma participação pública em sua criação, essas barreiras também podem funcionar como medidas discriminatórias ao comércio. O Capítulo 8 do TPP se propõe a evitar que essas barreiras dificultem o comércio entre os seus países signatários. Para isso, foram importadas algumas normas da OMC e outras foram criadas — ambas serão especificadas mais adiante —, com o intuito de possibilitar a padronização das regulações internacionais e aumentar a transparência. Assim, é possível perceber que tanto medidas sanitárias e fitossanitárias quanto barreiras técnicas ao comércio podem ser consideradas como distorções ao comércio internacional e prejudiciais aos princípios do livre-comércio e da não discriminação estabelecidos pela OMC.

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Como uma tentativa de resposta a essas questões, em 1994, foram estabelecidos no âmbito da Organização o Agreement on the Application of Sanitary and Phytosanitary Measures (SPS) e o Agreement on Technical Barriers to Trade (TBT), os quais são vinculantes a todos os países membros da Organização. Os principais pontos que o SPS pretendeu estabelecer são: medidas justificadas em avaliações de risco e abordagens consistentes, as quais devem ser apresentadas quando requisitadas; adoção de normas internacionais; aceitação, quando possível, de medidas de outros países como equivalentes; e maior transparência (WTO, 2010). No caso do TBT, seus principais objetivos são: evitar barreiras técnicas desnecessárias; o uso de normas internacionais; assistência técnica; tratamento especial e diferenciado para os países em desenvolvimento; transparência; e a não discriminação (WTO, 2014, p. 15). Faz-se necessário salientar as especificidades do SPS e do TBT, que serão basilares ao analisarmos o que apresentam os Capítulos 7 e 8 do TPP, referentes às disposições, regras e mecanismos de disputa entre as partes importadoras e exportadoras signatárias desse Acordo. O. Objetivamos identificar as possíveis projeções e embates do adensamento do debate no TPP com as atuais normas regulatórias da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA) e do Instituto Nacional de Metrologia, Qualidade e Tecnologia (Inmetro), órgãos brasileiros que são os pontos focais responsáveis pelo SPS e TBT, respectivamente. Podemos estudar o TPP como uma nova janela de expectativas e um espelho para se adequar aos padrões de barreiras nãotarifárias, sobretudo no que tange aos mecanismos de cooperação e transparência. Ainda que o Brasil não faça parte do TPP, grandes economias que compõem a pauta de parceiros comerciais brasileiro, como os Estados Unidos, o fazem. Assim, é importante estar atento para essas novas tendências em regras não tarifárias com o intuito de não se perder oportunidades nas exportações brasileiras e de não ser tão atingido com os desvios de comércio prováveis com a efetivação do TPP, como apontam Vera Thorstensen e Lucas Ferraz (2014). A importância da análise proposta está em identificar os caminhos necessários para ajustamentos das regulações brasileiras. O artigo está estruturado em três seções, onde inicialmente na primeira, visa-se apresentar a trajetória histórica e objetivos específicos dos dois Acordos de Marco Regulatório no âmbito da OMC, SPS e TBT, para posteriormente fazer relação desses aos capítulos referentes do TPP; na segunda seção objetiva-se analisar os Capítulos 7 e 8 do Acordo Transpacífico e sua importância

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tácita e em padrões regulatórios de convergência e coerência, fazendo as análises devidas em comparação aos Acordos da OMC; por fim, traz-se a análise dos impactos possíveis da efetivação da Parceria Transpacífica ao comércio exterior brasileiro, apresentando as competências institucionais regulatórias brasileiras, assim como os desafios e recomendações para a adaptação a um novo cenário no comércio internacional. Os meios de pesquisa para a produção deste artigo se valeram de estudos realizados por demais acadêmicos na área de comércio exterior, análise de documentos oficiais da OMC, dos Capítulos do Acordo Transpacífico, entrevistas com responsáveis por órgãos regulatórios e a participação em eventos como o 16º Seminário sobre Comércio Internacional realizado pelo Instituto Brasileiro de Estudos de Concorrência, Consumo e Comércio Internacional (IBRAC) e a 6ª Reunião Ordinária do Comitê Brasileiro de Barreiras Técnicas ao Comércio (CBTC), os quais foram muito importantes para o diálogo e troca de informações sobre este tema relevante ao comércio exterior brasileiro e ao comércio internacional como um todo.

● 1) Acordos de Marco Regulatório no Âmbito da OMC O resultado da Rodada Uruguai (1986-1994) foi considerado o maior acordo de comércio da história (WTO, s.d.). Inicialmente, a Rodada iria estender o sistema de comércio para várias outras áreas, como serviços e propriedade intelectual, e reformar o comércio em setores sensíveis como agricultura e têxtil. Todas as provisões do GATT seriam reformuladas (WTO. s.d.). Quanto esta foi encerrada em 1994, com a assinatura da sua Ata Final, um novo acordo multilateral de comércio foi institucionalizado, criando a OMC — a partir do Acordo de Marrakesh —, fortalecendo as suas instituições e estendendo as disposições do GATT ao formar outros tratados internacionais. Tanto o TBT quanto o SPS foram criados nesse momento. Ambos os Acordos, então, possuem caráter vinculante para todos os países que aderem a Organização. Estes foram assinados e, assim, criados ao mesmo tempo, por isso, o princípio de lex posterior derogat priori — a lei posterior derroga a anterior — não pode ser invocada para tentar deslegitimar um dos Acordos frente ao outro.

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Esses dois dispositivos legais lidam com um tema específico do comércio internacional, as barreiras não-tarifárias. Segundo Thorstensen e Vieira (2015), tais medidas se tornaram o modelo para as barreiras ao comércio do século XXI, fazendo com que a sua compreensão seja necessária e importante para todas as economias. De acordo com a United Nations Conference on Trade and Development (UNCTAD) (2015, p. 1, tradução nossa), essas barreiras podem ser definidas como: “medidas políticas outras que não as tarifas alfandegárias comuns que podem potencialmente ter um efeito econômico ao comércio internacional de bens, modificando quantidades transacionadas, preços ou ambos.” Dessa forma, barreiras técnicas e medidas sanitárias e fitossanitárias podem ser consideradas barreiras não-tarifárias quando estas distorcem o comércio internacional. Quando isso ocorre, essas medidas indiretamente ferem o Artigo I do GATT, o tratamento a Nação Mais-Favorecida, uma vez que, ao impor uma série de regras e condições específicas para a importação, acabam por aumentar os custos de transação das empresas, encarecendo o produto e/ou impedindo a sua entrada em um determinado mercado. Ambas, então, discriminam os produtos importados de diferentes países e protegem o mercado interno e/ou favorecem os produtos importados de terceiros. De qualquer forma, são medidas que limitam e distorcem o livre-comércio proposto pela OMC. Além disso, tais medidas também impactam a livre-circulação de produtos, das chamadas Cadeias Globais de Valor (CGV) e do comércio digital. A crescente divisão da linha de montagem dos produtos em diferentes países — principalmente os de alto valor agregado — e da distância entre produtor e consumidor, fizeram com que as mercadorias tenham que passar por diferentes legislações e processos de adequação. Dessa forma, quando essas barreiras existem, elas aumentam os custos de transação das empresas em cada etapa do processo de produção e de transação, fazendo com que o preço final desses produtos se eleve consideravelmente (HOEKMAN; MAVROIDIS, 2015). Assim, barreiras não-tarifárias afetam direta e/ou indiretamente o preço final e as condições de fabricação. Contudo, é relativamente difícil identificar onde, como e quando essas barreiras são aplicadas. Diferentemente de tarifas alfandegárias, que são tangíveis e mensuráveis, essas medidas não são aparentes e não necessariamente se apresentam como regras de comércio

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exterior, podendo ser normas jurídicas internas, com impactos indiretos ao comércio. Muitas vezes, elas propõem proteger o consumidor interno e/ou o meio-ambiente adotando normas e regras de qualidade, as quais, indiretamente impactam o comércio. Por isso são consideradas “behind the border measures” (THORSTENSEN; KOTZIAS, 2015). Em razão dessas questões e da importância do tema, foram criados o TBT e o SPS em 1994. Ambos os Acordos reconhecem o direito dos Estados de adotar medidas para proteger a vida, ou a saúde, humana, animal ou vegetal e o meio-ambiente dentro do seu território. Porém, estas não podem ser aplicadas caso criem, de maneira arbitrária ou injustificada, discriminações entre

países

com

as

mesmas

condições

ou

restrições

ao

comércio

internacional

(THORSTENSEN; VIEIRA, 2015). Esses acordos, na verdade, são extensões do Artigo XX do GATT 47 — Exceções Gerais — e têm o intuito de criar uma maior institucionalização para o controle dessas medidas entre os países. Com relação ao Acordo do TBT, algo semelhante já havia sido tentado no GATT. Ao final da Rodada Tóquio, em 1979, foi criado o Código de Normas (Standards Code) com o objetivo de evitar a criação de regulamentos técnicos desnecessários que pudessem se transformar em barreiras ao comércio. Porém, a sua adesão era voluntária (TANNO; FERRACIOLI, 2003). Nesse sentido, era necessário criar um tratado internacional vinculante que fosse obrigatório para todos os países do GATT e que tratasse de medidas sanitárias e fitossanitárias. Por conta dessa necessidade, o SPS e o TBT surgem na Ata Final da Rodada do Uruguai — rodada seguinte a Tóquio — assinado em Marrakesh, em 15 de abril de 1994, e entrou em exercício em 1º de janeiro de 1995, estabelecendo também a OMC. Essas questões mostram a importância do estudo de tais medidas e da criação, por parte da OMC, de um regime destinado a tentar evitá-las. O TBT e o SPS são uma reação dos países a essas barreiras. Contudo, a alta atividade dos Comitês do TBT e do SPS e, principalmente, das chamadas specific trade concerns (STCs) mostram que vários países, inclusive o Brasil, ainda adotam medidas que, segundo os demais países da Organização, distorcem o livre-comércio. Nas próximas duas seções falaremos mais especificamente sobre cada um dos Acordos.

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● 1.1 - SPS O objetivo do Capítulo 7, “Medidas Sanitárias e Fitossanitárias”, disposto no acordo da Parceria Transpacífica, visa adensar e coordenar entre as Partes signatárias do acordo, os termos dos artigos já propostos no Anexo A do SPS. O segundo mencionado, refere-se ao instrumento tácito que define as medidas sanitárias e fitossanitárias, elaborados por países-membros da OMC, desenhados no âmbito desta organização para que barreiras sanitárias e fitossanitárias não se transformem em obstáculos desnecessários ao comércio. É necessário compreender a extensão deste acordo de marco regulatório da OMC e como se encontram suas disposições. Sendo assim, conforme o Anexo A do SPS, define-se medidas sanitárias e fitossanitárias legítimas aquelas que têm como objetivos: (a) Proteger a vida animal e vegetal dentro do território do país membro dos riscos surgidos da entrada, contaminação e disseminação de pestes, doenças, organismos contaminados ou causadores de doenças; (b) Proteger a vida e a saúde do ser humano e dos rebanhos animais dentro do território do país membro de riscos surgidos de aditivos, contaminantes, toxinas ou organismos causadores de doenças em alimentos, bebidas ou rações; (c) Proteger a vida e a saúde do ser humano dentro do território do país membro de riscos provenientes de doenças portadas por animais, plantas ou produtos derivados, decorrentes da entrada, contaminação ou disseminação de pestes, ou ainda; (d) Proteger ou limitar outros danos dentro do território do país membro, decorrente da entrada, contaminação ou disseminação de pestes. (SPS, 1994, p. 77, tradução nossa).

Como apresentado, o acordo estabelece as regras básicas para a segurança alimentar e os padrões de saúde animal e vegetal, assim como permite que os países definam suas próprias normas. Entretanto, também diz que os regulamentos devem ser baseados na ciência, sendo que estes regulamentos devem, portanto, ser aplicados apenas na medida necessária para proteger a vida humana, animal ou vegetal e a saúde. E esses não devem arbitrária ou injustificadamente discriminar entre os países onde as condições idênticas ou similares prevalecem (WTO, 1998). Os países-membros são incentivados a utilizar as normas internacionais, orientações e recomendações, caso existam. No entanto, os membros podem usar medidas que resultam em normas mais elevadas se houver justificação científica. Além disso, podem definir normas mais

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elevadas com base em uma avaliação adequada dos riscos, desde que a abordagem seja consistente e não arbitrária. O acordo ainda permite que os países utilizem diferentes normas e métodos diferentes de produtos de inspeção (WTO, 1998). Entretanto, estes regulamentos em medidas sanitárias e fitossanitárias, pela sua própria natureza, podem resultar em restrições ao comércio. Os governos aceitam o fato de que algumas restrições comerciais podem ser necessárias para assegurar a segurança alimentar e proteção da saúde. No entanto, os governos, por vezes, são pressionados a ir além do que é necessário para a proteção da saúde e de usar restrições sanitárias e fitossanitárias para proteger os produtores nacionais de concorrência econômica. O cerne da questão se mantem, pois, esta pressão é susceptível de aumentar quando outras barreiras comerciais são reduzidas como resultado dos acordos da Rodada Uruguai e em demais acordos de facilitação de comércio, ou em zonas de livre comércio. Uma restrição sanitária ou fitossanitária que não é realmente necessária por razões de saúde pode ser um dispositivo protecionista muito eficaz, e por causa de sua complexidade técnica, uma barreira particularmente enganosa e difícil de contestar. Desta maneira, o SPS baseia-se em regras do GATT anteriores para restringir o uso de medidas sanitárias e fitossanitárias injustificadas com a finalidade de proteção comercial. Deste modo, o objetivo básico do Acordo SPS é manter o direito soberano de qualquer governo para fornecer o nível de proteção da saúde que considere adequado, mas também garantir que esses direitos soberanos não sejam utilizados para fins protecionistas e não resultar em entraves desnecessários ao comércio internacional (WTO, 1998). Faz-se importante observamos as disposições presentes no Anexo A desse acordo, para assim identificarmos as suas características e os impactos de novas regras em coordenação regulatória sobre medidas sanitárias e fitossanitárias presentes no Capítulo 7 do TPP. De acordo com o documento do SPS, observando o Anexo A, as medidas sanitárias e fitossanitárias são definidas por aquelas que incluem todas as leis relevantes, decretos, regulamentos, requisitos e procedimentos, incluindo, nomeadamente, critérios de produto final; processos e métodos de produção; procedimentos de ensaio, inspeção, certificação e homologação; tratamentos de quarentena, incluindo exigências pertinentes associadas ao transporte de animais ou plantas ou com os materiais necessários para a sua sobrevivência

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durante o transporte; disposições sobre métodos estatísticos relevantes, procedimentos de amostragem e métodos de avaliação de risco; e os requisitos de embalagem e rotulagem diretamente relacionados com a segurança alimentar (WTO, 1998). Dispõem-se também que: 2. Harmonização - O estabelecimento, reconhecimento e aplicação de medidas sanitárias e fitossanitárias comuns por diferentes membros. 3. Padrões internacionais, orientações e recomendações (A) para a segurança alimentar, as normas, diretrizes e recomendações estabelecidas pela Comissão do Codex Alimentarius relativa aos aditivos alimentares, resíduos de drogas e pesticidas veterinários, contaminantes, métodos de análise e amostragem, e os códigos e as diretrizes de higiene; (B) para a saúde animal e zoonoses, as normas, diretrizes e recomendações elaboradas sob os auspícios do Gabinete Internacional de Epizootias; (C) para a saúde das plantas, as normas, diretrizes e recomendações elaboradas sob os auspícios do Secretariado da Convenção Fitossanitária Internacional, em cooperação com as organizações regionais que operam no âmbito da Convenção Internacional de Proteção Vegetal; e (D) para as questões não abrangidas pelas organizações acima, normas adequadas, orientações e recomendações promulgadas por outras organizações internacionais competentes abertas para a adesão a todos os Membros, identificados pela Comissão. 4. Avaliação de Riscos - A avaliação da probabilidade de entrada, estabelecimento ou disseminação de uma praga ou doença no território do Membro importador de acordo com as medidas sanitárias ou fitossanitárias que possam ser aplicadas, e as potenciais consequências biológicas e econômicas associadas; ou a avaliação do potencial de efeitos adversos na saúde humana ou animal resultantes da presença de aditivos, contaminantes, toxinas ou organismos causadores de doenças em alimentos, bebidas ou alimentos 5. Nível adequado de proteção sanitária ou fitossanitária - O nível de proteção considerado adequado pelo membro que estabelece uma medida sanitária ou fitossanitária para proteger a vida humana, animal ou vegetal ou a saúde no seu território. 6. De pragas ou área livre de doença - Uma área, seja todo de um país, parte de um país, ou a totalidade ou partes de vários países, identificada pelas autoridades competentes, em que uma praga ou doença específica não ocorre. 7. Área de baixa prevalência de pragas ou doenças - Uma área, seja todo de um país, parte de um país, ou a totalidade ou partes de vários países, identificada pelas autoridades competentes, em que uma praga ou doença específica ocorre em níveis baixos e que está sujeito a medidas de vigilância, controle ou erradicação eficazes. (SPS, 1994, p. 77-78, tradução nossa).

Deste modo, observa-se que o Acordo SPS lida com as barreiras regulatórias que podem compreender dentre regulações técnicas, normas ou procedimentos de conformidade, porém é

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mais específico em relação ao TBT, uma vez que compreende apenas medidas sanitárias e fitossanitárias que possam, direta ou indiretamente, afetar o comércio internacional. No entanto, não se limita apenas a barreiras técnicas, uma vez que afirma que está relacionada com todas as medidas sanitárias e fitossanitárias (THORSTENSEN; VIEIRA, 2015). Ademais, por outro lado, qualquer medida sanitária ou fitossanitária deve ser aplicada apenas na medida necessária para proteger a saúde humana, animal ou vegetal, a vida ou a saúde e deve basear-se em princípios científicos e não deve se manter sem provas científicas suficientes. Esse é o teor do SPS, em que está disposto em seu Artigo 2.2, quando não das exceções apresentadas no parágrafo 7 no Artigo 5, onde se encoraja que os membros do Acordo cooperem no Comitê SPS para desenvolver práticas de prevenção a utilização de distinções injustificáveis e que firam o mais geral conceito da não discriminação. Entretanto, como apresentado, podemos identificar em casos do exercício do comércio que essas dificuldades em identificar intenções e objetivos específicos científicos na elaboração de barreiras SPS ainda é um problema perene a ser sanado.

● 1.2 - TBT: O TBT reconhece o direito dos Estados de tomar medidas que achem necessárias para assegurar a qualidade das suas exportações ou a proteção da vida ou saúde humana, animal ou vegetal, do meio-ambiente, ou para a prevenção de práticas enganosas. Contudo, estas não podem ser aplicadas de maneira em que constituem meios de discriminações arbitrárias ou injustificáveis entre países onde as mesmas condições prevalecem ou se formarem restrições ao comércio internacional (TBT, 1994). Esse Acordo versa, principalmente, sobre regulações técnicas, normas e processos de avaliação de conformidade, os quais são definidos pelo próprio em seu Anexo 1 como: 1. Regulações Técnicas: Documentos que definem as características dos produtos ou seus processos e métodos de produção, incluindo as provisões administrativas aplicáveis, sendo que a sua observância é mandatória. Também pode incluir ou lidar exclusivamente com requerimentos de terminologia, símbolos, empacotamento, marcação ou rotulação que são aplicados a um produto, processo ou método de produção.

12 2. Normas: Documentos aprovados por um órgão reconhecido, que provem, para uso repetido e comum, regras, diretivas ou características para produtos ou processos e métodos de produção relativos, sendo que a sua observância não é mandatória. Também pode incluir ou lidar exclusivamente com requerimentos de terminologia, símbolos, empacotamento, marcação ou rotulação que são aplicados a um produto, processo ou método de produção. Nota explanatória: [...] Para os objetivos desse Acordo, normas são definidas como documentos voluntários e regulações técnicas são mandatários. [...] Esse Acordo abarca também documentos que não são baseados no consenso. 3. Avaliações de conformidade: Qualquer procedimento usado, direta ou indiretamente, para determinar que requerimentos relevantes de regulações técnicas ou normas foram atendidos. Nota explanatória: Processos de avaliação de conformidade incluem, inter alia, processos de amostragem, testes e inspeções; avaliações, verificações e garantias de conformidade; registro, acreditação e aprovação assim como as suas combinações. (TBT, 1994, p. 132, tradução nossa).

Nesse Acordo os países se comprometem, com relação às três medidas descritas acima, a tratar produtos importados da mesma maneira que os produzidos nacionalmente. Além disso, eles afirmam que regulações técnicas, normas e processos de avaliação de conformidade não são preparados, adotados ou aplicados com o objetivo de, ou com o efeito de, criar obstáculos desnecessárias ao comércio internacional. Para atingir esse resultado, tais medidas não podem restringir mais o comércio que o necessário para atingir um objetivo legítimo, levando em consideração o risco que a sua não-implicação pode criar. Tais objetivos legítimos seriam: defesa nacional; prevenção de práticas enganosas; proteção, segurança ou saúde da vida humana, animal ou vegetal; ou proteção do meio-ambiente. No caso de avaliações de conformidade, os Estados ainda podem alegar para a sua criação fatores climáticos ou geográficos fundamentais e problemas tecnológicos ou de infraestrutura fundamentais. Ademais, tais avaliações não podem ser mais rígidas ou ser aplicadas mais rigorosamente que o necessário para garantir a confiança de que os produtos importados estão de acordo com regulações técnicas ou normas aplicadas, levando em consideração, novamente, os riscos acarretados com a sua não-implementação. As informações necessárias para essas avaliações têm que estar disponíveis de forma clara e completa e o órgão responsável por elas tem que conceder respostas também claras, completas e rápidas aos requerentes caso os seus produtos não estejam adequados às regulações técnicas ou aos padrões (TBT, 1994).

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Quando algumas dessas três medidas são necessárias, os Estados devem adotar, quando possível, aquelas criadas por órgãos internacionais. Todavia, caso alguma das partes precise aplicá-las, considerando que estas não estão de acordo com normas e regulações já definidas internacionalmente e que possam afetar negativa e significativamente o comércio dos outros membros, estas têm que ser devidamente comunicadas ao Secretariado da OMC com os motivos para a sua aplicação. Além disso, tal parte precisa fazer essa notificação com algum tempo de antecedência antes da sua implementação, para possibilitar que as demais partes possam estudar o caso e emitir pareceres, os quais têm que ser levados em consideração pela parte que iniciou o processo. Contudo, caso tais medidas precisem ser implementadas por motivos de segurança, saúde, proteção ambiental ou defesa nacional, a parte pode adotá-las sem a necessidade de enviálas com antecedência a OMC. Porém, tal Estado ainda é obrigado a notificar ao Secretariado da OMC, informar os seus motivos para a sua efetivação e, sem discriminação, receber e levar em consideração os comentários das demais partes sobre as medidas (TBT, 1994). Cada país deve eleger uma organização nacional para funcionar como ponto focal para responder às demandas e questões dos outros Estados sobre a sua legislação assim como levar a OMC notificações e documentos relevantes relacionados às suas normas, regulações técnicas e processos de avaliação de conformidade. Por fim, o Acordo também cria o Comitê de Barreiras Técnicas ao Comércio, o qual é composto por um representante de cada Estado. Seus principais objetivos são: permitir que os países possam fazer consultas quanto às regras do Acordo; e rever anualmente se todos os Estados membros estão seguindo com as suas normas (TBT, 1994). Dessa forma, tanto as notificações quanto a existência desses pontos focais e do Comitê, são medidas desenvolvidas com o intuito de aumentar a transparência entre os países de modo a evitar a criação de barreiras ao comércio. Com relação à normas, está estipulado no Anexo 3 o “Código de Boa Prática para a Preparação, Adoção e Aplicação de Normas”. Esse reforça os princípios de não-discriminação e de não criação de obstáculos desnecessários ao comércio, como já mencionado anteriormente. Além disso, enfatiza-se a importância da utilização, sempre que possível, de normas definidas por organizações internacionais (TBT, 1994). Normalmente, se utilizam aquelas criadas pela International Organization for Standardization (ISO), pela International Electrotechnical

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Commission (IEC) e pela International Telecommunication Union (ITU) por conta dos seus históricos nessa área. Dessa forma, a objetivo final do Acordo TBT da OMC é estabelecer procedimentos para os países adotarem regulações, padrões e processos de avaliação de conformidade de maneira que esses não se tornem barreiras técnicas ao comércio. Para isso, o Acordo prevê uma maior interação entre os países dentro da OMC, via Comitê TBT e consultas bilaterais, para a divulgação, com antecedência, da sua regulamentação interna e, quando possível, a utilização de regras internacionais com o intuito de aumentar a transparência entre os Estados.

● 2) TPP Em 5 de outubro de 2015, os ministros dos 12 países membros da Parceria Transpacífica (TPP) — Austrália, Brunei, Canadá, Chile, Cingapura, Estados Unidos, Japão, Malásia, México, Nova Zelândia, Peru e Vietnã — anunciaram a conclusão de suas negociações referente a esse que é considerado como um dos mais visionários acordos que irá regular o comércio internacional do presente século, muito pelo peso das economias que o compõem e pelos avanços propostos nos marcos regulatórios. O resultado foi um acordo de alto padrão, ambicioso, abrangente e equilibrado, que visa promover o crescimento econômico; apoiar a criação e manutenção de postos de trabalho; aumentar a inovação, produtividade e competitividade; elevar os padrões de vida; reduzir a pobreza dos países membros; e promover a transparência, boa governança de trabalho e proteção ambiental (USTR, 2015b). Tal pacto foi então assinado por essas 12 economias no dia 4 de fevereiro de 2016 em Auckland, Nova Zelândia. Todavia, ainda está em processo de ratificação entre os governos dos Estados participantes. As suas negociações, de fato, iniciaram-se em 2003 entre Cingapura, Chile e Nova Zelândia para a criação de uma Área de Livre-Comércio (ALC) entre esses países. Em 2005, Brunei aderiu às conversas e tal pacto entrou em vigor em 2006 (FERGUSSON; VAUGHN, 2009). Em março de 2008, os EUA declaram o seu interesse de participar desse acordo. Em novembro de 2009, após a mudança de governo, em Tóquio, o Presidente Obama reafirmou o comprometimento norte-americano “with the goal of shaping a regional agreement that will have

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broad-based membership and the high standards worthy of a 21st-century trade agreement.” (FERGUSSON; MCMINIMY; WILLIAMS, 2015, p. 3). Entre 2009 e 2013, mais países aderiram às negociações, tendo sido o Japão o último a entrar. Além disso, mais temas também foram incluídos. Com isso, o TPP, que era apenas uma ALC em 2006 se tornou em 2015 um mega-acordo abrangendo diversas áreas do comércio, inclusive aprofundando temas da OMC — chamados de OMC-plus — e criando regulações que não são tratadas pela Organização — chamadas OMC-extra. Podemos observar que a Parceria Transpacífica visa integrar seus signatários para alcançar acesso abrangente de mercados, em que o Acordo pretende eliminar ou reduzir as barreiras tarifárias e não tarifárias em praticamente todo o comércio de bens e serviços e abrange todo o seu espectro. Em seu documento, foram dispostos 30 capítulos referentes ao comércio e questões relacionadas. Inicia-se o texto com a temática de comércio de bens e continuando por questões de alfândega e facilitação do comércio; medidas sanitárias e fitossanitárias; barreiras técnicas ao comércio; defesa comercial; investimento; serviços; comércio eletrônico; compras governamentais; propriedade intelectual; trabalho; meio ambiente; além dos capítulos horizontais que se destinam a garantir que o TPP cumpra o seu potencial de desenvolvimento, competitividade e inclusão; resolução de litígios, exceções e disposições institucionais (USTR, 2015b). Neste trabalho, pretendemos analisar especificamente os Capítulos 7 e 8 do TPP, que incorporam as definições dos documentos SPS e TBT, mutatis mutandis. Um ponto importante a se salientar nessa discussão é a adoção pelo Acordo Transpacífico das regras que incorporam os conceitos de coerência e convergência regulatórias. Esses, ainda estão em desenvolvimento no comércio internacional. Isso pode ser considerado algo inovador, haja vista que foi a primeira vez que tais conceitos aparecem em um acordo comercial de dada importância. Vera Thorstensen e Fernanda Kotzias (2015, p. 6) definem tais conceitos diferenciando-os em duas dimensões: uma horizontal, a coerência; e uma vertical, a convergência. Onde a primeira dimensão seria semelhante “[...] a noção de ‘compatibilidade’ entre diferentes jurisdições, em que atores políticos de diferentes Estados engajam-se em busca de soluções comuns, visando a minimização de incompatibilidades ou incongruências que obstruam ou dificultem a sua

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interação, como por exemplo, o fluxo de comércio.” Nesse caso, os Estados buscam uma maior coordenação, equivalência entre as regulações e o reconhecimento mútuo com o intuito de reduzir as barreiras regulatórias entre si. Dentre as suas vantagens estão: “(i) a redução de duplicidade de regras; (ii) a redução da fragmentação regulatória; (iii) a redução dos custos de implementação de acordos internacionais; e (iv) maior eficiência na gestão de recursos para a realização de objetivos comuns.” (DURAIAPPAH; BHARDWAJ, 2007 apud THORSTENSEN; KOTZIAS, 2015, p. 6) Já com relação a convergência, as autoras definem esse conceito como sendo “um maior grau de aproximação e comprometimento entre Estados, estabelecendo a uniformização entre regulações, ou seja, a adoção de uma regulação comum a todos os envolvidos.” (THORSTENSEN; KOTZIAS, 2015, p. 4). Observa-se nessa dimensão o caráter mandatório sobre as autoridades regulatórias nacionais com o intuito de acrescentar a elas um caráter global nas suas regulações. As formas de implementação desse conceito se dão pela utilização da sistematização e da harmonização regulatórias, onde o primeiro se baseia na criação de princípios norteadores da atividade nacional/regional, enquanto que o segundo versa sobre a adoção de uma mesma regulação por todos os envolvidos.

● 2 .1 - Capítulo 7: Medidas Sanitárias e Fitossanitárias As características descritas no corpo do Capítulo 7 do TPP não devem, per se, serem consideradas um avanço substancial dos padrões regulatórios vigentes, haja vista que reafirmam e assumem compromissos já dispostos no Acordo SPS. Entretanto, caso efetivado o Acordo Transpacífico, a importância da participação destas economias comprometendo-se em se articular para trabalhar de forma coesa em um Comitê próprio do acordo relacionado às medidas SPS, poderá ser um diferencial na coordenação entre equivalência de medidas, transparência, processo de avaliação de conformidades, entre outros. Isso poderá ser possível uma vez que este será administrado por um número menor de membros em relação àquele vigorante na OMC, além dos veículos informacionais propostos para acurácia da troca informacional. Ademais, as disposições podem agir como instrumentos potencializadores da eficácia administrativa em equivalência de

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medidas, na ciência e análise de risco, auditoria, verificação de importações, certificação, transparência, troca de informações e resoluções de litígios. No entanto, é preciso observar as críticas já feitas nesse contexto. Como observa Steve Suppan (2015), quase não há questões controversas de SPS no Capítulo ou em qualquer outra parte do acordo, como hormônios de crescimento, nanotecnologia agrícola e alimentar, disruptores endócrinos químicos, resistência antimicrobiana de antibióticos, plantas sintéticas e tantos outros. Em vez disso, o Capítulo descreve os procedimentos administrativos e mecanismos de consulta para resolver “problemas” SPS na medida em que pode impedir o comércio agrícola. Os regulamentos de base científica — Artigo 7.9 — desde que sejam economicamente viáveis, devem transcender qualquer uma controvérsia sobre qualquer uma tecnologia agrícola de alimentos ou sobre qualquer regra SPS. Porém, de modo geral, o acordo do TPP inclui de fato novas obrigações que se baseiam no Acordo SPS da OMC em vez de simplesmente reafirmar os compromissos do acordo SPS, como outros acordos de livre comércio têm feito. Entretanto, há de se observar se os comprometimentos se aplicarão de forma esperada. O que se pode considerar um ponto de importante destaque é o comprometimento do Comitê do TPP para medidas SPS em providenciar um fórum para entendimento mútuo em relação às medidas SPS adotadas pelos membros e o processo regulatório relacionado a essas medidas. Em relação à equivalência, as partes do TPP reconhecem a sua importância para a facilitação do comércio. O Artigo 4 do Acordo SPS (1994, p. 71, tradução nossa) especifica que “os membros devem aceitar as medidas [SPS] de outros Membros como equivalentes, mesmo que essas medidas difiram dos seus próprios [...], caso o membro exportador demonstre objetivamente ao membro importador que suas medidas alcançam o nível adequado de proteção [SPS] do membro importador.” Já no Artigo 7.8 do TPP, observa-se um adensamento nos comprometimentos referente à equivalência, onde: 2. A pedido da Parte exportadora, a Parte importadora deverá explicar o objetivo e a razão da sua medida sanitária ou fitossanitária e identificar claramente o risco que a medida sanitária ou fitossanitária pretende solucionar. 3. Quando uma Parte importadora recebe um pedido de avaliação de equivalência e determina que as informações fornecidas pela parte exportadora

18 são suficientes, dará início à avaliação de equivalência dentro de um período razoável de tempo. 4. Quando uma Parte importadora inicie uma avaliação de equivalência, essa Parte prontamente, a pedido da Parte exportadora, deverá explicar o seu processo de equivalência e um plano para fazer a determinação da equivalência e, se a determinação resultar em reconhecimento, permitir o comércio (TPP, cap. 7, 2016, p. 5-6, tradução nossa).

Em relação aos compromissos do TPP, este também promove, em seu Artigo 7.9, o uso de análise de risco para melhorar a base científica das regulações do SPS e o uso da comunicação para a troca de informações e pareceres sobre os fatores de risco e relacionados com o risco entre as autoridades reguladoras, consumidores e outras partes interessadas. Porém, ainda presente no Artigo 7.9.6a, prescreve-se que as partes devem levar em consideração as recomendações do Comitê SPS da OMC e normas internacionais ao conduzir análises de risco. A viabilidade econômica das medidas SPS com base científica para estabelecer o nível de proteção adequado é formulado no Artigo 7.9.6c, onde afirma que: “Cada uma das Partes [...] deve selecionar uma opção de gestão de risco que não seja mais restritiva ao comércio do que o necessário para atingir o objetivo SPS, tendo em conta a viabilidade técnica e econômica” (2016, p. 7-8, tradução nossa). Segundo Suppan (2015), esse conceito de viabilidade econômica provê aos membros TPP uma lacuna crucial contra a previsão de medidas SPS que são baseadas em ciência. Para concluir seu argumento nesse ponto, o autor observa que mesmo quando o uso de princípios científicos para determinar os padrões apropriados é discutido no TPP, a integridade da ciência por trás dos padrões é subordinada ao objetivo de facilitar e expandir o comércio. Assim, o Capítulo anuncia, em seu Artigo 7.9.1, que “As partes reconhecem a importância de assegurar que as suas medidas sanitárias e fitossanitárias são baseadas em princípios científicos” (2016, p. 6, tradução nossa), mas não há nenhuma definição de “princípios científicos”. Por isso, deve-se atentar ao termo “ciência” referido no acordo, pois ao julgar pela prática regulatória corrente nos Estados Unidos, esta “ciência” poderia ser o tipo dos estudos não publicados de ciência corporativa que frequentemente justificam as regulações comerciais e aprovações dos Estados Unidos e ainda assim permanecem como informações comerciais confidenciais (SUPPAN, 2015).

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Vale salientar outro ponto importante do Acordo TPP no que tange a medidas SPS, onde esse se propõe a promover a transparência, exigindo a publicação dos regulamentos SPS para comentário público, com o intuito de que este fortaleça as capacidades das agências reguladoras para desenvolver regulamentos com “base científica”, argumento utilizado novamente no Artigo 7.13, a fim de facilitar o comércio e ajudar a ampliar a compreensão pública do trabalho dessas agências (TPP, cap. 7, 2016). Sobre o assunto, já se observa que o Artigo 7 do Acordo SPS (1994, p. 73, tradução nossa) apresenta que “Os membros devem notificar mudanças em suas medidas sanitárias e fitossanitárias e devem fornecer informações sobre as suas medidas sanitárias e fitossanitárias, em conformidade com as disposições do Anexo B.” O citado Anexo B do Acordo SPS dá as provisões necessárias para a publicação de regulamentos, para os pontos de pesquisa e para os procedimentos de notificação. Já no Artigo 7.13 do Acordo TPP, este reforça as provisões do Comitê do SPS na OMC, reconhecendo a importância da troca de informações acerca das medidas SPS, além de serem trazidos pontos interessantes a respeito dos procedimentos de notificação. Todavia, um comprometimento que vale ser salientado, indo além do texto do Acordo SPS, é como apresentado no Artigo 7.13.5, a respeito da promoção da transparência a partir da liberação de informações ao público das medidas SPS que um dos membros assume em determinado período: A Parte deve colocar à disposição do público, por meios eletrônicos, num jornal oficial ou em um site, a medida sanitária ou fitossanitária proposta, notificada sob o parágrafo 3º, a base jurídica para a medida, e os comentários escritos ou um resumo dos comentários escritos que a Parte recebeu do público sobre a medida. (TPP, cap. 7, 2016, p. 12, tradução nossa).

Em compromisso com o TPP, permite-se também que um país importador realize uma auditoria do sistema regulador de segurança alimentar do país exportador para determinar se os alimentos exportados atendem aos requisitos do país importador, minimizando assim, a necessidade de inspeções por vários países estrangeiros (TPP, cap. 7, 2016). Caso este novo “comprometimento” seja efetivado, este caminhará para intensificar relativamente o comércio intra-membros TPP, já que um dos grandes entraves quando se observa a aplicação de medidas sanitárias e fitossanitárias é a falta de transparência e a demora na análise de documentos, na realização de auditorias e inspeções, entre outros procedimentos. Como analisam Rodrigo Lima e

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Welber Barral (2007), a questão dos atrasos injustificados (undue delays) é um fator que limita a implementação do Acordo SPS e motiva a criação de barreiras ao comércio. Os autores observam os principais requisitos a serem cumpridos pelos países importadores, ao exemplo de auditorias, comprovação de não-ocorrência de doenças e pestes, entre outros, observando a demora ou rigor do processamento destas informações. Em síntese, criam-se situações que dificultam ou mesmo inviabilizam as exportações, seja por questões técnicas, seja por questões burocráticas e administrativas (LIMA; BARRAL, 2007). Observa-se, no entanto, que já estão previstas no Anexo C do Artigo 8 do Acordo SPS, as regras sobre procedimentos de controle, inspeção e aprovação. Por essas regras, os procedimentos devem ser aplicados sem atrasos injustificados, não devem discriminar os produtos importados em relação aos nacionais, e as informações requeridas devem ser limitadas ao que é necessário para a análise em questão (LIMA; BARRAL, 2007). Nesse sentido, não há um avanço específico no TPP para esta questão, haja vista que reforça o que já vinha descrito no Acordo SPS, nem se especificam mecanismos alternativos em seus artigos para a facilitação do processamento das informações. Porém, é um caminho para o diálogo e para o adensamento da coordenação que visa diminuir procedimentos excessivos que levam a atrasos injustificáveis. Um número reduzido de economias coordenando-se em um Comitê específico para as medidas SPS no acordo, poderão consequentemente, no avanço de suas atividades e reuniões rotineiras, traçar os novos parâmetros que regularão os procedimentos de transparência e processamento de informações de medidas SPS no comércio internacional dos próximos anos.

● 2.2 - Capítulo 8: Barreiras Técnicas ao Comércio O objetivo do Capítulo 8 do TPP é, segundo seu Artigo 8.2, facilitar o comércio, eliminando barreiras técnicas desnecessárias, melhorando a transparência e promovendo maior cooperação e boas práticas regulatórias. Alguns de seus artigos são importados do TBT, principalmente, mas não totalmente, os Artigos 2º e 5º — “Preparação, Adoção e Aplicação de Regulações Técnicas” e “Procedimentos de Avaliação de Conformidade”, respectivamente — e os parágrafos D, E e F do Anexo 3 — “Código de Boa Prática para a Preparação, Adoção e

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Aplicação de Normas”. Além disso, o TPP utiliza as mesmas definições do Acordo da OMC para regulações técnicas, normas e avaliação de conformidade (TPP, cap. 8, 2016). Dessa forma, uma das finalidades do Acordo Transpacífico é reforçar os princípios desse compromisso multilateral criado pela OMC em 1994, tanto reiterando o seu texto quanto avançando em medidas que possibilitem atingir o seu objetivo final. O Capítulo, assim como o TBT, não proíbe as partes de criarem regulações técnicas ou normas para os produtos. O que se proíbe é que essas medidas dificultem o comércio internacional. Segundo o Acordo, tais legislações podem existir contanto que elas não firam o TBT e o próprio TPP. Caso alguma das partes precise adotar regulações técnicas e/ou normas que não estejam de acordo com regras já definidas por órgãos internacionais e se tais medidas possam afetar significativamente o comércio dos outros membros, o Estado deve seguir exatamente as mesmas regras definidas pelos Artigos 2.9 e 2.10 do TBT, ou seja, notificar com antecedência as demais partes com os motivos para a sua aplicação (TPP, cap. 8, 2016). Dessa forma, quanto às regulações técnicas, o TPP não se diferencia do TBT, uma vez que o primeiro importa as normas do segundo referentes a essas medidas. Com relação a normas técnicas, assim como o TBT, caso alguma das partes decida por adotá-los, esta deve seguir as normas já utilizadas internacionalmente. De acordo com o Artigo 8.5.2 deste Capítulo do TPP, as partes devem aplicar o documento Decisions and Recommendations adopted by the WTO Committee on Technical Barriers to Trade Since 1 January 1995 (G/TBT/1/Rev.12)1, feito pelo Comitê de Barreiras Técnicas ao Comércio da OMC, para determinar se existe alguma norma ou orientação internacional sobre determinado produto (TPP, cap. 8, 2016). Assim, é possível dizer que o TPP não apresenta grandes mudanças em relação ao TBT no tocante a adoção de normas, inclusive reforçando o papel da OMC ao adotar um documento da Organização. Assim, por conta da similaridade entre os dois nesse ponto, pode-se inferir que as normas internacionais as quais o Capítulo se refere sejam aquelas criadas e desenvolvidas pela ISO, pela IEC e pela ITU, assim como no Acordo da OMC.

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Este documento está disponível no link: . Acesso em: 21 abr. 2016.

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Ademais, no tocante aos processos de avaliações de consentimento, cada uma das partes deve conceder aos órgãos de avaliação de conformidade localizados em outro território os mesmos — ou equivalentes — tratamentos aplicados aos seus próprios organismos para acreditação, licenciamento, aprovação ou reconhecimento de tais processos. Além disso, as partes também não podem exigir que os órgãos de avaliação de conformidade de outros países tenham representações em seus territórios para que tal equivalência ocorra nem que esses organismos sejam obrigatoriamente estatais (TPP, cap. 8, 2016). Visa-se, assim, padronizar os processos de reconhecimento mútuo das avaliações de consentimento, aumentando a transparência do processo e simplificando-o para as empresas, o que diminui possíveis custos de transação. Isso é uma evolução do TBT, que, em seu Artigo 6.4, apenas encoraja os países a realizarem essa prática, enquanto que o TPP a institucionaliza. Essas regras, contudo, não impedem que os países rejeitem as avaliações de conformidade de outros Estados. Porém, tal refusa só pode ocorrer se o governo desse país expor os seus motivos e argumentos para a adoção dessa política, os quais não podem ferir nem o Capítulo 8 nem o TBT (TPP, cap. 8, 2016). Assim, cada uma das partes deve tornar públicos os seus procedimentos, critérios e quaisquer outras condições usadas como base para o reconhecimento, acreditação e licenciamento dos organismos de avaliações de conformidade dos demais países membros para aumentar a transparência entre os Estados e permitir que tais acordos de reconhecimento mútuo possam ocorrer. Por fim, com relação aos processos avaliações de conformidade, o TPP traz os Artigos 5.6 e 5.7 do TBT, os quais preveem que os Estados devem notificar com antecedência os outros Estados membros caso precisem aplicar avaliações de consentimento que não são definidas por normas internacionais e devem levar em consideração as observações dos demais (TPP, cap. 8, 2016). Além disso, o TPP avança em outras áreas para impedir que tais barreiras sejam criadas. O Acordo possui um artigo específico para tratar da transparência de informações entre os países e dos processos. Nele, especifica-se que os Estados devem permitir que nacionais de outros países participem no desenvolvimento de normas, regulações técnicas e processos de avaliação de conformidade. É encorajado também a participação de órgãos não-governamentais para aumentar

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a transparência do processo de criação de tais medidas. Todas as decisões sobre modificação ou criação de normas, regulações técnicas e processos de avaliação de conformidade devem ser devidamente publicadas e estar disponíveis de preferência em um único meio eletrônico, jornal ou website. Caso haja uma modificação, esta deve ser notificada por volta de 60 dias antes, para que os outros tenham tempo para analisá-la e fazer recomendações. Dessa forma, visa-se uma maior transparência e participação de órgãos não-governamentais na formulação dessas medidas técnicas (TPP, cap. 8, 2016). Nos artigos seguintes, as partes aceitam dialogar frequentemente para melhorar as suas trocas e mecanismos de colaboração para: facilitar a aceitação dos resultados das avaliações de conformidade; trocar informações sobre práticas regulatórias; promover um maior alinhamento entre normas nacionais e internacionais; e eliminar barreiras técnicas ao comércio desnecessárias para a região. Por fim, as partes devem encorajar uma maior cooperação entre os seus órgãos responsáveis por: padronização, metrologia, acreditação e avaliação de conformidade (TPP, cap. 8, 2016). Assim, o Capítulo desenvolve medidas que permitem uma maior cooperação, facilitação de comércio, troca de informações e de discussões técnicas entre as partes, ou seja, avançam em questões que permitem a convergência e a coerência regulatória entre as partes. Dessa forma, em comparação ao TBT, o TPP avança na institucionalização de medidas que aumentam a transparência e a cooperação entre os países signatários com a intenção de eliminar as barreiras entre eles. O Capítulo também cria o Comitê para Barreiras Técnicas ao Comércio, formado por representantes de cada Estado. Através desse Comitê as partes devem estreitar o seu trabalho conjunto nas áreas de regulações técnicas, padrões e avaliações de conformidade com o objetivo de facilitar o comércio entre elas. As suas principais funções são: promover boas práticas de regulamentação; monitorar a implementação e a operação desse Capítulo; monitorar as discussões técnicas entre as partes; propor novas área de cooperação que sejam de interesse comum entre todas as partes; encorajar a discussão entre as partes e os organismos nãogovernamentais; e facilitar as trocas de informações entre as partes e entre os seus órgãos internos (TPP, cap. 8, 2016). Novamente, ao comparar esse Comitê com o Comitê estabelecido pelo Acordo TBT, percebe-se um adensamento das funções do primeiro permitindo uma maior

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interação e, assim, maior coordenação e cooperação entre os países membros, o que permite uma maior transparência e, futuramente, uma convergência e coerência das suas políticas. Por fim, o Capítulo possui 7 anexos, que visam criar regulações comuns sobre produtos específicos. São eles: vinhos e destilados; produtos tecnológicos de informação e comunicação — os quais são subdivididos em produtos com criptografia, com compatibilidade eletromagnética de equipamentos tecnológicos de informação e equipamentos de telecomunicação de atividades regionais de cooperação; produtos farmacêuticos; cosméticos; aparelhos/materiais médicos; fórmulas patenteadas para alimentos e seus aditivos pré-embalados; e produtos orgânicos. Estes anexos só podem ser alterados ou mais produtos adicionados de 5 em 5 anos a partir da data em que o Acordo entrar em vigor (TPP, cap. 8, 2016). Em comparação ao TBT, o TPP apresenta uma novidade, que são anexos tratando de produtos específicos. Contudo, isso não é novo para os acordos internacionais de comércio, outros acordos já versavam sobre essas medidas antes do TPP, como é o caso do Acordo de Livre Comércio entre a Coréia do Sul e a União Europeia de 2010 (FREE..., 2010). Assim, é possível perceber que o Capítulo 8 do TPP se assemelha em alguns aspectos ao TBT da OMC e se diferencia em outros. Primeiramente, ambos têm o mesmo objetivo final, eliminar barreiras técnicas desnecessárias e prejudiciais ao comércio internacional. Em seguida, o TPP importa do TBT os seus artigos referentes a regulações e a normas, mostrando, nesses pontos pouca inovação e uma ainda importante presença da OMC nesses assuntos. Contudo, com relação a processos de avaliação de conformidade, transparência, cooperação e coordenação, o TPP apresenta avanços que possibilitam aos seus países avançar na coerência e convergência jurídico-normativa. Além disso, a criação do Comitê de Barreiras Técnicas ao Comércio do TPP e uma maior participação de organismos não-governamentais na elaboração de regulamentos nacionais são também inovações da Parceria que, junto como as demais medidas, possibilitam uma maior troca de informações entre as partes e as entidades privadas, aumentando a transparência e facilitando o comércio entre eles. Dessa forma, por mais que alguns dos seus artigos sejam baseados no TBT e por pouco se diferenciar do primeiro com relação a normas e regulações, o TPP apresenta inovações importantes nas demais áreas que evitam assim a criação

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de barreiras técnicas ao comércio entre as partes, o que permite uma intensificação das suas trocas comerciais.

● 3) Convergência e coerência regulatória: Impactos e Perspectivas da efetivação do TPP para o comércio exterior brasileiro. Após apresentações dos Capítulos 7 e 8 do TPP e a suas comparações com os Acordos SPS e TBT, respectivamente, faz-se necessário dialogar a respeito dos possíveis impactos para o comércio exterior brasileiro. Portanto, o cerne desta sessão visa entender como funciona o papel dos principais órgãos reguladores brasileiros em barreiras técnicas e medidas sanitárias e fitossanitárias. A partir das expectativas de impactos negativos de desvio de comércio com a efetivação do TPP ou o conjunto de novos regulamentos que podem ser traçados a partir do adensamento dos conceitos de convergência e coerência regulatória, a importância da análise proposta está em identificar os caminhos necessários para ajustamentos das regulações brasileiras com o intuito de evitar que o comércio exterior seja negativamente impactado. Ademais, é necessário se ater para a relevância dos acordos internacionais de comércio e como estes podem afetar o arcabouço jurídico nacional uma vez que a incorporação de normas e regulamentos em processo de consolidação internacionalmente terá como possível efeito a modernização ou flexibilização dos regulamentos internos vigentes. Dessa forma, visamos compreender um escopo de desafios e oportunidades que possam favorecer o setor produtivo brasileiro ao longo prazo, a medida que o governo assuma postura de coordenar uma maior convergência regulatória das regras internas para com as que se desenvolvem internacionalmente, com o intuito de aumentar a competitividade nacional. Essas medidas, então, teriam a função de mitigar os efeitos negativos do TPP para o Brasil. Em relação às instituições regulatórias brasileiras que tratam de SPS, os pontos focais do Acordo SPS no Brasil são a ANVISA e o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA). Nesse campo a ANVISA, autoridade sanitária que pertence ao Ministério da Saúde, se propõe a atuar como o principal tomador de decisão dos processos de regulação relacionados à

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SPS. A agência se engaja nos principais centros decisórios da área, cooperando com parceiros internacionais nas iniciativas internacionais de tomadas de decisões. Os principais fóruns de regulação que participa são: Coalizão Internacional das Autoridades Regulatórias de Medicamentos

(ICMRA),

International

Conference

on

Harmonisation

of

Technical

Requirements for Registration of Pharmaceuticals for Human Use (ICH), Fórum Internacional de Reguladores de Produtos para a Saúde (IMDRF), Programa Internacional de Reguladores de Genérico (IGDRP) e Codex Alimentarius. O principal objetivo da participação da ANVISA nesses fóruns é aumentar a concertação estratégica para os temas relativos à vigilância sanitária e fitossanitária entre as autoridades reguladoras responsáveis. Além disso, os fóruns podem elaborar recomendações com o objetivo de alcançar maior convergência no entendimento e na aplicação das diretrizes técnicas para registros de medicamentos, por exemplo, como são os casos semelhantes da atuação do ICH e IMDRF. Ademais da coordenação nos fóruns, a ANVISA possui 35 Acordos bilaterais com diferentes países e instituições, principalmente no âmbito do Mercado Comum do Sul (MERCOSUL). Porém, algo importante de salientar são os projetos formais de cooperação, formados via agências brasileiras de cooperação, que muitas vezes têm viés de treinamento, onde a ANVISA trabalha com as autoridades sanitárias de outros países para promover troca de conhecimentos. Isso permite uma maior convergência regulatória, já que possibilita ao Brasil apresentar suas regulações, práticas e processos para funcionários ou estudantes de demais países e assim, influenciar suas legislações locais ao apresentar as experiências brasileiras. Os principais países com os quais a ANVISA mantem essas atividades são: Argentina, Burkina Faso, Cabo Verde, Colômbia, El Salvador, Equador, Moçambique, Paraguai, Peru, República Dominicana, Uruguai e Venezuela. Em 2015, a ANVISA lançou novas ações para apoiar a internacionalização das empresas brasileiras, através de acordo com a Agência de Promoção de Exportações e Investimentos (Apex) para identificação de mercado de interesse. Ou seja, atividades que visam a promoção comercial, aproximação e estabelecimento de canal de diálogo com as autoridades reguladoras dos países de interesse, além do intercâmbio regulatório e capacitação internacional, como mencionado acima.

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Entretanto, a ANVISA se vê em um impasse onde entre os vários caminhos para se regular um tema específico, esta deverá escolher o caminho racional no sentido de analisar os incentivos no âmbito internacional para que as regulamentações mais rígidas não prejudiquem as empresas brasileiras, fechando mercados, especialmente em setores estratégicos, e para que a população brasileira não seja afetada pela elevação do preço de medicamentos, por exemplo. Por isso, tal agência visa ser uma voz que pondera e, por conseguinte, tenderá a optar para a convergência regulatória, que apesar de ser um consenso de base técnico-científica, possibilita liberdade suficiente para escolher a forma de se chegar até o nível de proteção adequada de cada país e respeitar alguma especificidade nacional que deve ser respeitada e compreendida em alguma regulação. Ademais, a convergência regulatória apresenta benefícios para empresas, como a diminuição de custos, produção de escala e acesso a mercados diferentes. Já o ponto focal brasileiro com relação a barreiras técnicas é o Inmetro, o qual responde ao Ministério da Indústria, Comércio Exterior e Serviços (MDIC). Contudo, existem aproximadamente outras 30 agências internas que regularizam tecnicamente os produtos, como a própria ANVISA e a Agência Nacional de Energia Elétrica (ANEEL) e a Agência Nacional de Telecomunicações (ANATEL), por exemplo. Nesse sentido específico, o papel do Inmetro é regular e criar processos de avaliação de conformidade para as áreas que não são reguladas por essas agências especializadas, ser o ponto focal do Acordo TBT brasileiro e dialogar com o setor privado sobre as barreiras técnicas enfrentadas ao exportar, tanto recolhendo informações quanto divulgando as novas regulações que estão sendo estabelecidas no âmbito internacional. Com o intuito de aumentar o diálogo com o setor privado para ampliar as capacidades do Inmetro de atuar como ponto focal do Acordo TBT da OMC, em 2014, foi recriado o Comitê Brasileiro de Barreiras Técnicas ao Comércio (CBTC). Esse Comitê, que se reúne em média quatro vezes ao ano, tem a função de reunir os representantes do setor privado, da academia e do governo para que haja um diálogo entre eles e, assim, as agências brasileiras — Inmetro, Ministério das Relações Exteriores (MRE), MDIC e Apex, principalmente — possam, no âmbito do Comitê do TBT da OMC, buscar reduzir os regulamentos e processos de avaliação de conformidade considerados pelo setor privado como barreiras técnicas às suas exportações.

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Além disso, outro sistema criado com o mesmo intuito foi o Alerta ao Exportador. Esse programa desenvolvido pelo Inmetro possui duas funções: a de informar o setor privado quais são os regulamentos desenvolvidos por outros países; e receber das empresas quais regras impactam negativamente o comércio brasileiro. De acordo com fontes do Inmetro, o sistema possui mais de 13.000 usuários e é um dos maiores do mundo nesse sentido. Com relação a normas, a Associação Brasileira de Normas e Técnicas (ABNT) é a organização nacional que é responsável pelo desenvolvimento de padrões privados. Essas regras são baseadas naquelas desenvolvidas internacionalmente — principalmente pela ISO, pela IEC, pela ITU, pela Comissão Codex Alimentarius, pelo Bureau Internationale de Poids et Mesures (BIPM), pela Organização Internacional de Metrologia Legal (OIML), pelo International Accreditadion Forum (IAF) e pela International Laboratory Accreditation Cooperation (ILAC). A Associação é também signatária do “Código de Boa Prática para a Preparação, Adoção e Aplicação de Padrões” do Acordo TBT da OMC. Por fim, no âmbito do MERCOSUL, existe o Subgrupo de Trabalho Nº 3 (SGT-3) e Asociación Mercosur de Normalización (AMN). O SGT-3 é formado pelas agências reguladoras de cada Estado — no caso do Brasil é o Inmetro. Os países apresentam propostas de regulamentos e/ou processos de avaliação de consentimento comuns e, caso aceitos, um grupo de trabalho é criado para desenvolver um regulamento que seja harmonizado para todos os membros, ou seja, essa regra passa a ser válida para todos os países. Contudo, por mais que esse subgrupo exista, este ainda é considerado pouco eficiente. O Tratado de Assunção prevê que a harmonização deve ser um instrumento de cooperação internacional, porém, falta um adensamento da cooperação entre as autoridades nacionais para a criação de tais normas e para as trocas de informações, minando o trabalho do SGT-3 (THORSTENSEN; KOTZIAS, 2015). Já a AMN é uma organização privada, sem fins lucrativos, composta por empresas privadas e instituições da sociedade civil. Sua principal função é a formulação e a gestão das normas no bloco. Assim, ambas as instituições, por mais que recebam críticas, são importantes para a diminuição das barreiras técnicas entre os países membros do MERCOSUL. Assim, percebe-se que o Brasil possui uma burocracia que propõe evitar que barreiras não-tarifárias impactem negativamente o comércio nacional. Mesmo assim, segundo os estudos

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econométricos dos Professores Vera Thorstensen e Lucas Ferraz (2014), o TPP, por apresentar uma completa liberalização tarifária e uma redução de 50% desse tipo de barreira entre os seus membros, poderia causar um impacto negativo de 2,7% nas exportações e 2,6% nas importações globais brasileiras, muito em relação ao peso destas economias para a pauta comercial brasileira. Percebe-se assim que, de acordo com esses cálculos, o TPP criará um desvio de comércio que afetará negativamente o Brasil. Nesse mesmo estudo, interessantemente, os professores da Fundação Getúlio Vargas (FGV) também fazem uma simulação dos impactos ao comércio brasileiro caso o TPP liberalizasse apenas tarifas alfandegárias. Os seus resultados são que o desvio causaria uma redução de apenas 0,4% tanto das exportações quanto das importações globais nacionais. É importante apresentar esse dado, pois isso demonstra como as barreiras tarifárias entre esses países já são baixas e, portanto, uma total liberalização do comércio pouco impactaria o resto do mundo. Já na simulação em que o TPP trata de barreiras não-tarifárias — como de fato trata — este impacto seria muito maior. Pode-se então inferir duas conclusões dessa observação: a primeira é que, comprovando o que já havíamos dito anteriormente, as barreiras não-tarifárias realmente influenciam o comércio mundial e, por isso, buscar a sua redução é muito importante; a segunda é que as regulações brasileiras podem ser consideradas como barreiras não-tarifárias pelos demais países da Parceria Transpacífica. Essa segunda conclusão é de difícil afirmação, pois não existe uma maneira de quantificar o quão aberto um país é em relação a barreiras não-tarifárias. Porém, ao perceber que o Brasil seria negativamente afetado pelo fato do TPP tratar desse assunto e não tanto pela apenas liberalização tarifária, pode-se inferir que por conta das regulações nacionais os países membros desse acordo prefiram comercializar entre si que com o Brasil. Isso se dará sobretudo por conta da convergência e coerência regulatória assumida nas disposições dos Capítulos 7 e 8 do Acordo Transpacífico, as quais podem ser consideradas como a nova plataforma do comércio internacional Ao analisarmos as declarações feitas nos Comitês de TBT e SPS da OMC, percebese que o Brasil é um dos países que mais notifica novas regulações e/ou processos de avaliação de conformidade que não estão de acordo com aqueles já definidos internacionalmente (THORSTENSEN; VIEIRA, 2015). Isso mostra que: 1) o país cria muitas regras que diferem dos

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padrões internacionais, e por isso, tais regulações podem ser consideradas barreiras; e 2) que o Brasil, por ser um dos países que mais notifica, está sendo transparente nas suas novas regulações, como prevê o Acordo do TBT. Já com relação aos STCs, até 2014, o Brasil era o quarto país — considerando a União Europeia como um único país — que mais recebia essas notificações no Comitê do TBT e o nono do SPS, sendo aproximadamente 8,53% de todos os STCs feitos entre 1995 e 2014 (THORSTENSEN; VIEIRA, 2015). Dessa forma, mesmo que o país busque transparência notificando sempre as suas regras, os demais países acreditam que elas podem ser consideradas como barreiras não-tarifárias. Do ponto de vista do setor produtivo, durante a 6ª Reunião Ordinária do CBTC realizada na Federação das Indústrias do Estado do Rio de Janeiro (FIRJAN) em junho de 2016, contudo, a representante da Confederação Nacional da Indústria (CNI), informou a mesa que através de uma pesquisa realizada pela instituição, as empresas brasileiras reportaram baixa eficiência governamental no apoio à superação das barreiras às exportações. Entretanto, os representantes do MRE, MDIC, Inmetro e Apex se defenderam afirmando que as empresas privadas em sua maioria, não os procuram reportando as normas de outros país as quais consideram como barreiras, a fim do governo acionar o país em questão sobre tais regulações. Todavia, em discurso no 16º Seminário sobre Comércio Internacional do IBRAC em junho de 2016, Klaus Muller, Diretor Executivo de Mercado Externo da Associação Brasileira da Indústria de Máquinas e Equipamentos (ABIMAQ), afirmou que as empresas ainda não estão preparadas para uma maior convergência e coerência das normas e regulações técnicas e critica a posição do setor produtivo de culpabilizar a inação do governo em relação a não se engajar suficientemente na proteção dos interesses do setor. O senhor Muller afirmou que o próprio setor produtivo deve se reestruturar para se adequar às novas regulações de acordo com as necessidades particulares de cada setor, possuindo visão de mercado externo, haja vista que o governo não possui meios de acompanhar todas as alterações nas regras de comércio internacional impostas por outros países. Ao mesmo tempo, no mesmo Seminário, o Embaixador Regis Arslanian, Membro do Conselho Superior de Comércio (COSCEX) da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (FIESP), reconheceu que reformas e convergências de normas é o que criará melhor oportunidades para o setor produtivo brasileiro. No seu ponto de vista, a questão não é apenas

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aumentar as exportações, mas criar um setor produtivo mais convergente e coerente, sobretudo no padrão regulatório normativo e jurídico sobre a economia global. Por fim, retoma o argumento de que o Brasil não deve realizar acordos comerciais focando apenas em tarifas alfandegárias, mas, para aumentar a sua produtividade, precisa também firmar acordos que versem sobre barreiras não-tarifárias. A partir da análise dos Capítulos do TPP e do funcionamento das instituições brasileiras, é preciso pensar como o Brasil deveria se comportar frente a essas modificações no cenário internacional. Bernard Hoekman e Petros C. Mavroidis (2015) apresentam que uma das alternativas para que os demais países não sejam tão afetados negativamente pelo desvio de comércio seria através da importação das regras criadas pelos Estados membros do Acordo Transpacífico. Dessa forma, esses países internalizariam as normas e regulações desenvolvidas externamente com o intuito de tornar os seus produtos e legislações adequados às exigências internacionais e, assim, evitar possíveis barreiras regulatórias. Contudo, para outros pesquisadores como Vera Thorstensen e Fernanda Kotzias (2015) essa estratégia seria prejudicial ao Brasil e aos demais países, uma vez que se esvaziaria fóruns multilaterais de comércio, como a OMC, onde esses Estados possuem poder de tomada de decisão e onde as suas resoluções são mais democráticas. Essa estratégia permitiria que as decisões passassem a ser tomadas pelos países individualmente, fazendo com que princípios internacionais como o da não-discriminação não precisassem ser seguidos. Assim, para as autoras, o governo brasileiro deveria tentar fortalecer o papel da OMC como o organismo internacional e multilateral responsável por regular esses acordos sobre barreiras não-tarifárias. Dessa forma, a Organização teria que “zelar pela efetivação de um equilíbrio na convergência regulatória, permitindo o poder de regulação dos membros, mas evitando que essa bandeira seja utilizada para camuflar práticas protecionistas ou discriminatórias ao comércio” (THORSTENSEN; KOTZIAS, 2015, p. 10). Entretanto, as próprias autoras afirmam que há uma falta de vontade dos países em conceder mais poderes a OMC por temerem perder a sua capacidade de tomar decisões internamente e de uma maior ingerência da Organização. Além disso, em nossa opinião, tal opção, por mais que ideal, apenas se concretizaria no longo prazo e, por isso, seria ineficiente, uma vez que o Brasil precisa passar por

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reformas no curto e médio prazo para poder se adaptar às mudanças atuais no comércio internacional. Dessa forma, a posição desse trabalho para a estratégia brasileira em evitar ser negativamente afetado pelo TPP, é que se faz necessário um comprometimento do governo e do setor produtivo com o intuito de estruturar um novo modelo regulatório sanitário e técnico, o qual se adeque a esses novos acordos e conceitos. De acordo com o que foi elucidado pela Professora Vera Thorstensen no 16º Seminário sobre Comércio Internacional do IBRAC (2016), a criação de um órgão regulador que esteja acima dos demais 30 encontrados no Brasil traria como consequência a diminuição do conflito de jurisdição e da burocracia existente, impactando as exportações brasileiras. Além disso, tal instituição deveria agir de maneira estratégica a incorporar as recomendações do CBTC e aprimorar um modelo de transparência semelhante ao criado pelo TPP, para que haja um maior diálogo entre as regulações brasileiras e as que estão sendo criadas internacionalmente. O Brasil precisa então, em nossa opinião, agir de maneira ambiciosa no comércio exterior e celebrar acordos de reconhecimento mútuo nas áreas técnica e sanitária e fitossanitária com seus principais parceiros, com o intuito de poder participar da construção das demais regras internacionais. Além disso, o país precisa, também, incluir o tema de barreiras não-tarifárias nas negociações comerciais dos seus futuros acordos e aqueles já em andamento, como com a UE, para tentar atingir uma convergência e coerência regulatória a fim de evitar novas barreiras contra os produtos brasileiros. Ademais, dentro do MERCOSUL, o Brasil deve buscar reformular e reforçar o papel do SGT-3, para que tal organismo leve a coerência e a convergência regulatória entre os Estados membros, ao invés da sua harmonização, tornando-o mais eficiente e ativo na integração da região. Ao mesmo tempo, deve-se estimular que o setor privado participe mais ativamente da AMN, para que futuras normas não apreciadas por organizações internacionais sejam também incorporadas pelos membros do bloco sul-americano. Dessa forma, o Brasil não estará cedendo às pressões internacionais, mas sim participando do processo de criação de tais regras e contestando as que identifica como prejudiciais ao seu comércio. Ao mesmo tempo, tal ação permitirá que o país modernize o seu arcabouço jurídico-

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normativo, o qual obrigará o setor privado a se adaptar às normas internacionais, tornando-o mais competitivo. No curto prazo, contudo, alguns setores nacionais podem ser impactados negativamente por conta da concorrência com os produtos externos e por conta da incapacidade de algumas empresas de se adaptarem às novas regras internacionais de comércio, caso da convergência assumida em posteriores acordos realizados. Entretanto, no médio e longo prazo, o país se beneficiará como um todo uma vez que a diminuição das barreiras não-tarifárias e da convergência e coerência regulatória poderá intensificar a competitividade brasileira.

● Conclusão No escopo deste artigo, buscou-se apresentar os modelos de regulação técnica e sanitária e fitossanitária presentes nos Capítulos 7 e 8 do TPP, comparando-os com os específicos acordos já existentes no âmbito da OMC, SPS e TBT respectivamente, e seus impactos para o Brasil. Observou-se que os Acordos de Marco Regulatório no âmbito da OMC buscam, em geral, a redução de barreiras não-tarifárias, assim como, aumentar a transparência regulatória entre as economias. Mais especificamente, verificamos que o Acordo SPS se propõe a estabelecer medidas justificadas em avaliações de risco, assim como adoção de normas internacionais; a aceitar, quando possível, medidas de outros países como equivalentes; e a incentivar maior transparência entre os regulamentos dos países membros (WTO, 2010). Já o Acordo TBT, como visto, pretende criar regras que aumentem a transparência entre os países da Organização; evitem discriminações e barreiras técnicas desnecessárias; assim como desenvolver assistência técnica e tratamento especial e diferenciado para os países em desenvolvimento (WTO, 2014). Ao analisarmos barreiras não-tarifárias ao comércio, estamos nos debruçando sobre um tema importante para o futuro do comércio internacional. A relevância do estudo de barreiras técnicas e sanitárias e fitossanitárias se faz presente, pois, essas medidas indiretamente vão contra o princípio da Nação Mais-Favorecida, uma vez que, ao estabelecer determinadas regras e condições, acabam por aumentar os custos de transação da atividade econômica. Dessa forma, as barreiras não-tarifárias acabam por discriminar os produtos importados de demais países,

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protegendo o mercado interno. Assim, tais providências acabam por limitar e distorcer o livrecomércio proposto pela OMC. Entretanto, essas medidas são consideradas como “behind the border measures”, uma vez que nem sempre se apresentam como regras do comércio exterior. Ao passo que tarifas alfandegárias são tangíveis e mensuráveis, as barreiras não-tarifárias podem ser regras jurídicas internas, com impactos indiretos ao comércio, ou medidas que visam qualidade e proteção para a sua população. Dessa forma, identificar quais ações atuam como limitadoras ao comércio exterior é uma tarefa difícil e que necessita estudo. Com o intuito de construir um novo modelo que regule os padrões e procedimentos do comércio internacional, 12 países de distintos continentes, assinaram em fevereiro de 2016 o documento da Parceria Transpacífica. Este Acordo tem como objetivo principal integrar seus signatários para alcançar acesso abrangente de mercados e pretende eliminar ou reduzir as barreiras tarifárias e não tarifárias em praticamente todo o comércio de bens e serviços. Como visto, este trabalho visou analisar especificamente os seus Capítulos 7 e 8, os quais incorporam algumas das definições dos Acordos SPS e TBT da OMC. Um ponto importante que observamos foi a adoção pelo TPP das regras que incorporam os conceitos de coerência e convergência regulatórias, tendo sido a primeira vez que tais conceitos aparecem em um acordo comercial de dada importância. Vimos que o conceito de coerência está relacionado com a noção de compatibilidade entre diferentes jurisdições, onde os Estados buscam uma maior coordenação e equivalência entre as regulações, assim como o reconhecimento mútuo com a intenção de reduzir as barreiras regulatórias entre si. Já o conceito de convergência regulatória, como verificado anteriormente, seria um maior comprometimento entre os Estados para que as mesmas regras sejam adotadas por todos. A sua implementação se daria através da sistematização das regulações, de forma a integrar as agências nacionais de cada economia envolvida. Em seguida, identificamos individualmente os Capítulos 7 e 8 do TPP, fazendo as análises sobre suas relevâncias e comparações relativas aos Acordos SPS e TBT da OMC. Observou-se que o Capítulo 7, referente a medidas sanitárias e fitossanitárias, não apresenta um avanço substancial dos padrões regulatórios vigentes, pois reafirma e assume compromissos já dispostos no Acordo SPS. Entretanto, apesar das críticas ressaltadas, relativas a falta de exatidão em

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definições sobre pareceres “científicos” e da não discussão sobre temas relevantes em medidas SPS, a importância da participação destas economias, comprometendo-se em se articular para trabalhar de forma coesa em um Comitê próprio do acordo relacionado às medidas SPS poderá ser um diferencial na coordenação entre equivalência de medidas, transparência, processo de avaliação de conformidades, entre outros. Vale ressaltar ainda o papel dado para o aprofundamento da troca informacional e abertura dos pareceres e informações ao público e empresas privadas. O Capítulo 8, como visto anteriormente, busca impedir que regulações, normas e processos de avaliação de conformidade se tornem barreiras técnicas ao comércio. Para isso, baseia parte dos seus artigos naqueles definidos pelo Acordo TBT, fazendo com que esse Capítulo apresente poucas evoluções com relação a regulações e normas, de acordo com o que foi pesquisado. Contudo, no que se refere aos processos de avaliação de conformidade, o Acordo Transpacífico avança consideravelmente em relação ao Acordo TBT da OMC. Observou-se que o Capítulo possui disposições que possibilitam a participação dos demais países membros na criação desses mecanismos. Além disso, o Acordo também desenvolve regras que aumentam a transparência, cooperação e coordenação entre os países para a criação das normas e regulações entre seus membros, algo não contemplado pelo Acordo da OMC, assim como cria um Comitê próprio para a discussão de tais medidas. Dessa forma, tal Capítulo permite uma maior convergência e coerência regulatória entre os países membros. A partir do que foi explicitado e dos estudos dos Prof. Vera Thorstensen e Lucas Ferraz (2014), percebe-se que o Brasil poderá ser impactado pelos possíveis cenários ocasionados da articulação das normas desenvolvidas no modelo do TPP, que se propõem em seu espectro a diminuição de barreiras não-tarifárias e a coordenação de coerência e convergência regulatória. Tais consequências, haja vista o peso das economias presentes no Acordo Transpacífico para a pauta comercial brasileira, poderá lhe causar desvio de comércio, impactando sua economia como um todo. O objetivo deste artigo foi de se debruçar sobre este problema, o qual está em debate em vários setores da academia, do governo e da esfera privada, e oferecer recomendações para mitigar os impactos observados. Assim, propomos alternativas a atual postura brasileira no

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comércio internacional, visando fomentar ganhos de competitividade para o setor produtivo e a modernização do seu arcabouço regulatório para a sua adequação às regras internacionais que estão sendo desenvolvidas. Dessa forma, reiteramos em nossas recomendações a opinião exposta pela Prof.ª Thorstensen, sendo necessária a criação de uma agência reguladora que unifique as funções de todos os 30 atuais organismos brasileiros que regem sobre questões técnicas e sanitárias e fitossanitárias, evitando assim uma sobreposição das suas legislações e possibilitando um diálogo com o setor produtivo para identificar dificuldades para suas exportações, possibilitar uma maior transparência e entendimento das normas em desenvolvimento no comércio internacional. O país também deveria incluir o tema das barreiras não-tarifárias nas suas atuais e futuras negociações comerciais com seus principais parceiros. Já no âmbito do MERCOSUL, é recomendável que o Brasil busque transformar o papel do SGT-3 e fortalecer a AMN, em vista de aumentar a coerência e a convergência regulatória entre os Estados membros do bloco. Além disso, o país deveria buscar oportunidades em celebrar acordos de reconhecimento mútuo quando o for conveniente, tanto pelos benefícios trazidos pela redução de custos transacionais ao comércio pela coerência e convergência regulatória quanto pela possibilidade de que esses instrumentos adequem o seu arcabouço jurídico às regras internacionais, ao mesmo tempo que o país ganha poder de influência para sua criação. Consequentemente, as empresas brasileiras serão forçadas a adaptar os seus processos produtivos às exigências internacionais, fazendo com que o seu produto não seja discriminado internacionalmente, tornando-o mais competitivo. Por fim, dado o atual momento em que se encontra a economia brasileira e o desenvolvimento das práticas regulatórias do comércio internacional, percebemos o quão importante o tema se coloca para ser levado em conta na tomada de decisões das autoridades competentes. Além disso, entendemos como necessária a união de forças de todos os setores da sociedade, independentemente da visão político-partidária, para que o Brasil consiga se adequar às normas que estão sendo desenvolvidas externamente, a fim de não se isolar das negociações em curso internacionalmente e, assim, não perder as oportunidades de modernizar seus setores competitivos e retomar a guinada ao crescimento econômico.

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