Coimbra e a sua região, segundo as fontes geográficas árabes

July 24, 2017 | Autor: Antonio Rei | Categoria: Geography, Al-Andalus, Medieval Coimbra, Hispano arabic Studies
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in Olhares sobre a História. Estudos oferecidos a Iria Gonçalves, Lisboa, Caleidoscópio, 2009, pp. 493-499;

COIMBRA e a sua região, segundo as fontes geográficas árabes

António Rei Doutor em História Cultural e das Mentalidades Medievais Bolseiro FCT na FF da U Complutense Madrid Investigador do IEM / FCSH – U Nova Lisboa

1. Introdução

O al-Andalus era uma terra de fronteira, ou talvez melhor era um lugar-fronteira. Aqui se delimitavam a Terra e o Mar: a Hispânia era a última porção de terra habitada já para além das colunas de Hércules, era a Finisterra, onde o mundo então conhecido tinha o seu fim. Era também uma terra de fronteira entre Cristãos e Muçulmanos, tendo sido o cenário de encontros e conflitos, que se arrastaram durante cerca de oito séculos. E no espaço hoje português se existiu um núcleo urbano que tivesse acabado por ser ‘a cidade de fronteira’ essa foi, sem dúvida, Coimbra1. Tendo várias vezes mudado de mãos, entre os séculos VIII e XI2, a cidade, ou melhor, a madîna Qulumriya, possuíu ainda uma especial característica socio-cultural que a marcou e individualizou dentro do espaço do ocidente ibérico, e que foi o facto de ter sido, essencialmente e por excelência, ‘a cidade moçárabe’3 do Gharb. 1

Englobando Coimbra e territórios adajacentes, embora alargando-se ainda mais no âmbito espacial, v. a síntese e excelente problematização em Viguera Molins, Maria Jesús, “Entre Douro e Mondego nas fontes árabes medievais. Estudo de um caso periférico” in Fontes da História de al-Andalus e do Gharb, Lisboa, CEAA-IICT, 2000, pp.117-140. 2

714-809, um século de autonomia moçárabe; 809-889, um século em espaço de fronteira; 889-987, um século de domínio senhorial cristão; 987-1064, um século islâmico: fim do califado e taifa de Badajoz; 1064, definitiva conquista cristã. V. Portugal Islâmico. Os últimos sinais do Mediterrâneo, Lisboa, Museu Nacional de Arqueologia, 1988, pp. 18-23: Quadro Cronológico. 3

Sobre os Moçárabes no espaço português, ver entre outros: Mattoso, José, “Os Moçárabes”, in Fragmentos de uma Composição Medieval, Lisboa, Estampa, 1987, pp.19-34; Real, Manuel Luís, “Os Moçárabes do Gharb português”, in Portugal Islâmico. Os últimos sinais do Mediterrâneo, Lisboa, Museu Nacional de Arqueologia, 1998, pp. 35-56. Aguarda-se com expectativa a Dissertação de Mestrado de Mário de Gouveia (FCSH-UNL / IEM) sobre os Moçárabes da região de Coimbra.

Pretendemos neste artigo apenas dar uma pequena achega documental ao conhecimento da cidade e da região do Mondego durante aquele período de cerca de três centúrias e meia, apresentando informações traduzidas directamente das fontes geográficas árabes. Atendendo à extensão dos testemunhos sobre Coimbra e sua região, bem como aos critérios editoriais que norteiam esta publicação, não iremos proceder a um aprofundado estudo sobre todos e cada um dos textos aqui apresentados, limitando-nos a colocar em nota as informações mais pertinentes, e pospondo, de momento, o estudo que seguramente se lhes impõe. Os textos que aqui apresentamos remetem para oito autores. Sete estão identificados e um é anónimo. São eles: al-Istakhrî, geógrafo de origem oriental, viveu nos séculos IX-X; al-Bakrî, o primeiro geógrafo andalusi de cariz universal; al-Idrîsî, famoso geógrafo de origem magrebina e de matriz cultural andalusî, do século XII; Ibn Ghâlib, geógrafo, historiador, funcionário de chancelaria e ministro almóada, andalusî de origem e também do século XII; Yâqût, geógrafo oriental que viveu entre os séculos XII e XIII; Ibn Sa‘îd, erudito andalusî do século XIII; al-Himyarî, compilador magrebino do século XIII; e por último o também magrebino autor anónimo da obra Dhikr bilâd al-Andalus, compilada no século XIV. Se os excertos provenientes das obras de al-Idrîsî, de al-Himyarî e de al-Istakhrî já não são inéditos na língua portuguesa4, os que nos vêm de al-Bakrî, Yâqût e de Ibn Sa ‘îd, bem como o que surge na colectânea Dhikr bilâd al-Andalus são totalmente inéditos. Quanto à notícia sobre Coimbra que aparece na chamada ‘Crónica do Mouro Rasis’, tradicionalmente atribuída a al-Râzî (séc.X), vamos integrá-lo neste conjunto não porque a mesma seja desconhecida5, mas porque aquela ‘Crónica’ não retêve afinal o texto do desaparecido Akhbâr Mulûk al-Andalus de al-Râzî, mas sim o da obra, também perdida, de Ibn Ghâlib, chamada Farhat al-anfus. Assim, o texto do apartado geográfico que podemos hoje ler na ‘Crónica’ romance tem uma matriz árabe não do século X, mas sim do século XII, provindo de uma obra que, na sua secção geográfica, teve como fontes não apenas al-Râzî 4

Al-Idrîsî : Machado, José Pedro, “A Península Hispânica segundo um Geógrafo Arábico do Séc. XII (PHGAS.XII)” in Boletim da Sociedade de Geografia de Lisboa, nº 1-3 (1964), pp. 17-53; Coelho, António Borges, Portugal na Espanha Árabe (PEA), Lisboa, Caminho, 1989, vol. 2, pp. 65-72; Al-Himyarî : PEA, vol. 2, pp. 53-63; Al-Istakhrî : Lopes, David, “Os Árabes nas Obras de Alexandre Herculano (AOAH)” in Boletim de 2ª Classe da Academia das Sciencias de Lisboa (1909-1910), p. 225; Idem, Nomes Árabes de Terras Portuguesas (NATP), Lisboa, Soc. Língua Portuguesa, 1968, pp.134-1139 ; Domingues, José D. Garcia, Portugal e o al-Andaluz (PA), Lisboa, Hugin, 1997, pp. 133-134; trad. portuguesa, Rei, António, O Gharb alAndalus na Geografia Árabe (sécs. IX-XVII), no prelo. 5

A notícia relativa a Coimbra surge nos testemunhos castelhanos da Crónica do Mouro Rasis (cf. Crónica del Moro Rasis, ed. Diego Catalán e Maria Soledad de Andres, Madrid, Gredos, 1975, p. 84-86) bem como em todos os testemunhos castelhanos híbridos do séc.XVII (v. Rei, António, “Manuscrito inédito atribuído à Crónica do Mouro Rasis, em Portugal - o ms. LV do Museu Nacional de Arqueologia” in O Arqueólogo Português, s. IV, vol. 19 (2001), pp. 235-245), e na já vetusta ‘reconstituição’ levada a cabo por Lévi-Provençal (cf. Al-Andalus XVIII (1953), pp. 51-108), e que reaparece também em PEA, p. 50.

mas também al-Bakrî (v. infra). Assim, esta mesma notícia será inserida na respectiva ordem cronológica correspondendo ao século XII6. No relativo ao tratamento dos textos, optámos por privilegiar uma tradução que ficasse num ponto intermédio entre a tradução literal do idioma árabe, geralmente mais pesada e redundante; e uma tradução que num fácil português, se pudesse, no entanto, afastar significativamente do texto-matriz árabe. As passagens encontradas nos diferentes autores serão apresentadas cronologicamente.

2. EXCERTOS RELATIVOS A COIMBRA E SUA REGIÃO

2.1. AL-ISTAKHRÎ (Istakhr [Pérsia], 2ª. metade séc. IX - Baghdad ?, meados séc. X)

De origem persa, terá nascido pelos meados do século IX. Foi viajante e geógrafo. Faleceu no ano de 934, possivelmente em Bagdad. A sua obra geográfica chama-se AlMasâlik wa-l-Mamâlik (As Vias e os Reinos)7.

*****

[ Coimbra ] “Santarém é uma província enorme e Coimbra é a sua cidade ”8

6

Sobre esta conclusão v. Rei, António, Memória de Espaços e Espaços de Memória. De al-Râzî a D.Pedro de Barcelos, Lisboa, Colibri, 2008; ou Dissertação de Mestrado, FCSH - UNL, 2002, pp. 133-140; ou ainda Idem, Louvor da Hispânia na Cultura Letrada Medieval Peninsular. Das suas origens discursivas ao Apartado Geográfico da Crónica de 1344, Dissertação de Doutoramento, FCSH - UNL, 2007, passim. 7

Miquel, André , “Al-Istakhrî” in E.I.2, t. IV, pp. 232-233; Alemany Bolufer, José, “La Geografia de la Península Ibérica en los escritores árabes” in Revista del Centro de Estudios Históricos de Granada y su Reino, ts. IX-X-XI (1919-20-21), t.IX, pp.122-127. Maria Ángeles Pérez Álvarez afirma ter este geógrafo falecido em 951, embora não refira a sua fonte (cf. Pérez Álvarez, Maria Ángeles, Fuentes Árabes de Extremadura, Cáceres, Univ. Extremadura, 1992, p. 26) 8

Al-Istakhrî, Al-Masâlik wa-l-Mamâlik, ed de Goeje, Viae Regnorum, col. BGA I, Leida, E.J.Brill, 1967, p. 43; trad. portuguesas: Lopes, David, “Os Árabes nas Obras de Alexandre Herculano” in Boletim de 2ª Classe da Academia das Sciencias de Lisboa (1909-1910), p. 225 ; Domingues, José D. Garcia, Portugal e o alAndaluz, Lisboa, Hugin, 1997, pp. 133-134; Rei, António, O Gharb al-Andalus na Geografia Árabe (sécs. IXXVII), no prelo; trad. castelhana: Alemany Bolufer, José, ob.cit., p. 124. É possível que aquela informação tivesse chegado a al-Istakhrî através de akhbâr (compilações de relatos orais) do primeiro século após a conquista de al-Andalus, pois tendo existido uma tolerância relativamente aos cristãos da região de Santa Iria ou Irene, grosso modo entre o Tejo e o Mondego, entre 714 e 809, já então a cidade de Coimbra seria a capital daquele espaço. Após o fim das revoltas moçárabes em 809 (Lévi-Provençal, E., História de España - R. Menendez Pidal: España Musulmana, 711-1031 (vol.IV), Madrid, Espasa-Calpe, 4ª. ed., 1976, p.104) aquele regime de tolerância foi extinto, Coimbra perdeu a sua condição de primazia a qual foi transferida para Santarém (Dhikr Bilâd al-Andalus, ed. e trad. castelhana Luis Molina, 2 vols., Madrid, CSIC, 1983, ed.: p.53; trad.: pp.58-59).

2.2. AL-BAKRÎ (Huelva, 1014 - Sevilha, 1094)

Originário da família dos Banû Bakr, Senhores da Taifa de Huelva/Saltes, no século XI. Foi discípulo de al-‘Udhrî e de Ibn Hayyân, tendo sido, além de geógrafo, também historiador, poeta, e filólogo. Veio a falecer já nos primórdios do domínio almorávida, em 1094. A sua obra foi a primeira obra geográfica, com origem andalusi, que se dirigiu para o horizonte da geografia universal.Enriqueceu-a com as muitas informações documentais, escritas e orais, que detinha na sua extensa erudição. 9

*****

Menção das terras de al-Andalus, suas particularidades e famas das suas cidades “Estabeleceu [Constantino] [...] a quinta repartição, e a sua capital é a cidade de Mérida. Relacionadas com ela estão doze cidades, que são: Beja, cidade de Ocsónoba, cidade de Mértola, cidade de Évora, Sintra, Santarém, Lisboa [e] Coimbra [...]” 10 (Ed., p. 892; trad. cast. , pp. 17-18)

2.3. AL-IDRÎSÎ (Ceuta, 1099 - 1166)

Nascido em Ceuta, em 1099, de família descendente do Profeta Muhammad, estudou em al-Andalus. Depois de muito viajar pelos países das costas mediterrânicas, foi estabelecerse na Sicília, sob a protecção dos reis normandos. Rogério II e Guilherme I foram os seus ‘mecenas’, para os quais compôs as suas grandes obras Nuzhat al-Mushtâq e Uns al-Muhâj. Abandonando a Sicília no final da vida, veio a falecer na sua cidade natal em 1166 11. É, de longe, o autor que mais informação nos dá sobre Coimbra e a sua região.

9

Sobre a vida e obra de al-Bakrî, v. Rei, António, Memória de Espaços e Espaços de Memória..., pp. 57-58.Abû ‘Ubayd al-Bakrî, Kitâb al-Masâlik wa-l-Mamâlik, 2 vols., ed. Adrian van Leeuwen e André Ferré, Cartago-Tunísia, Al-Dâr al-‘Arabiyya li-l-Kitâb, 1992 - [tex.ár.] ; 2º vol., p.897; trad.parc. castelhana de Eliseo Vidal Beltrán, Geografia de España (Kitab al-Masalik wa-l-Mamalik), Textos Medievales 53, Saragoça, Anubar, 1982, pp.37-38. 10

A chamada “divisão de Constantino” foi na realidade iniciada por Diocleciano (cf. Lot, Ferdinand, O Fim do Mundo Antigo e o Princípio da Idade Média, Lisboa, Edições 70, 1985, p. 31). A literatura tardo-romana cristã terá alterado aquela memória, pois Constantino acabou convertendo-se ao cristianismo, enquanto Diocleciano foi um dos mais duros perseguidores dos seguidores da fé cristã. 11

59-60.

Sobre a vida e obras de al-Idrîsî, v. Rei, António, Memória de Espaços e Espaços de Memória ..., pp.

*****

2.3.1. Nuzhat al-Mushtâq “Al-Andalus [Cidade de Coimbra (Madîna Qulumriya)]

A cidade de Coimbra é uma cidade situada sobre um um monte circular, tendo uma muralha inexpugnável, e três portas. Ela é o extremo da inexpugnabilidade. É sobranceira ao rio Mondego, que corre para oeste dela. O curso desse rio, em direcção ao mar e próximo da sua foz, é contíguo à Fortaleza de Montemor. Ela tem moinhos e muitos vinhedos junto ao rio; tem hortas e muitas plantações contíguas, a oeste dela, e para os lados do mar. Tem gados e vinhedos. E a sua gente é uma gente de armas, entre os cristãos”.12

[...]

[Norte da Península (Shimâl al-Andalus)]

[...] Quanto às terras de Portugal (Burtuqâl), entre elas está a cidade de Coimbra (Qulumriya), Montemor (Munt Mayûr), Viseu (Bijâw), Sertã (Sartân) [...] 13

[Cidade de Coimbra (Madîna Qulumriya)]

A cidade de Coimbra é uma cidade pequena, com vida urbana, e populosa. Tem muitos vinhedos e frutas, entre as quais as maçãs e as cerejas, e fontes. O seu assentamento é no cume de uma elevação de terreno fortificada, não sendo possível conquistá-la. É sobranceira a um rio que é chamado rio Mondego, que corre para leste dela, e onde há moinhos de mó. Entre Coimbra e Santarém, em direcção ao sul, três jornadas; e entre Coimbra e o mar, em direcção ao oeste, doze milhas; e é lá que desagua o rio dela, o chamado Mondego14. 12

Al-Idrîsî, Nuzhat al-Mushtâq (= Kitâb Rujjâr), ed. E. Cerulli et allii (Ed. C), Opus Geographicum, IX fascs., Napoles-Roma, IUON-IIMEO, Leida, E.J.Brill, 1975, f.V, p.547; trad. port., José Pedro Machado, “A Península Hispânica segundo um Geógrafo Arábico do Séc. XII”, Boletim da Sociedade de Geografia de Lisboa, nº 1-3 (1964),pp. 17-53, p.30. 13

14

Ed.C, fasc. VII, p.725; trad.port. PEA, p.71.

Ed.C, fasc. VII, p.726; trad. port. PEA, p.71. É o único autor a apresentar duas notícias sobre Coimbra, numa integrando-a em al-Andalus e na outra em Portugal. É verdade que quando al-Idrîsî nasce já Coimbra tinha sido definitivamente conquistada pelos cristãos há mais de trinta anos, mas é também verdade

[Fortaleza de Montemor{o-Velho} (Hisn Munt Mayûr)]

Onde o rio entra no mar está uma fortaleza muito poderosa chamada Montemor. Está à beira-mar; tem campos agrícolas e [inúmeros] proveitos.15

[Itinerário de Coimbra a Santiago (Shant Yâqûb), por mar]

O itinerário de Coimbra para Santiago, e isto se se o quiser fazer por mar, irá da Fortaleza de Montemor até à foz do rio Vouga, setenta milhas; onde é o início da terra de Portugal; e ele corre quase nada. Portugal é uma terra cheia de aldeias, fortalezas e campos de cultivo que se estendem, contíguos. Nela há cavalaria e homens de armas que atacam quem é seu vizinho e não se ilumina no seu fogo. O rio Vouga é um rio grande, cruzado por barcos e as galeras. Na sua água a ondulação e a maré estendem-se por muitas milhas. Dele até à foz do rio Douro quinze milhas; este rio é um rio grande, muito ruidoso, a água correndo intensamente, em leito profundo; e na sua margem está a cidade de Zamora; entre Zamora e o mar são sessenta milhas. Deste rio até à foz do rio Minho são sessenta milhas. É um rio grande, magnífico, amplo, de muita profundidade, a ondulação e a maré entrando muito nele. Os barcos entram nele para fundear e para viajar. Enquanto em ambas as suas margens há povoados e fortalezas. No meio deste rio, a seis milhas do mar, há uma fortaleza, numa ilha central ao rio; é extremamente inacessível e poderosa, porque está no cimo de um monte escarpado não demasiado alto. Chama-se esta fortaleza Abrâqa. Do rio Minho até à desembocadura do rio Turûn, sessenta milhas. É também um rio grande onde a ondulação e a maré se estendem por muitas milhas [*]. Próximo do mar, e no seu centro, há uma ilha, onde existe uma grande fortaleza. O mar bate totalmente na sua muralha, em ambos os lados. É habitada, tem muitos edifícios, e tem dependentes várias zonas e espaços de cultivo. E dele até à desembocadura do rio Alâdhir, seis milhas; é um rio pequeno, mas atrai os barcos grandes para fundear. Deste rio até à foz de um rio, o rio Marâr,

que já só quando este geógrafo contava quase meio século de vida é que Coimbra e a sua região terão ficado finalmente consolidadas nas terras cristãs, com a conquista da linha do Tejo, em 1147. Curiosamente até neste texto Coimbra surge ‘literariamente’ na ‘fronteira’. 15

Ed.C, fasc. VII, p.726; trad.port. PEA, p.71.

seis milhas. É também um rio grande, com a ondulação e a maré entrando nele. Fundeiam nele os maiores barcos. É um rio cujo curso vem de perto. Na desembocadura deste rio no mar há uma ilha, pequena, desabitada, havendo nela um ancoradouro, água e lenha. E da desembocadura deste rio até à do rio de Santiago, seis milhas; chama-se este rio rio Anâsht [...].16 [...]

[Itinerário de Coimbra a Santiago, por terra]

O caminho de Coimbra até Santiago, por terra: de Coimbra até ao povoado de Avô (Âbuh), uma jornada; de Abûh até ao povoado do Outeiro, uma jornada; e dele até às primeiras terras de Portugal, uma jornada. E o caminho atravessa a largura da terra de Portugal em um dia; e lá fica o povoado de Vila Nova de Gaia (Bûna Qâr), que é na margem do rio Douro, o qual é o rio de Zamora; e atravessa-se aí em barcos de serviço ao trânsito. Deste povoado até ao rio Minho, à fortaleza de Abrâqa, sessenta milhas, ou seja, duas jornadas [*]. Da fortaleza de Abrâqa até à cidade de Tuy, duas jornadas. É um a cidade pequena, bonita e fértil. De Tuy a Santiago, uma jornada [...].17

2.3.2. Uns al-Muhâj [Norte de Portugal] Itinerário entre Sintra e Santiago “De Sintra a Montemor{o-Velho}, oitenta milhas. Montemor é uma fortaleza junto ao mar. Daí até à cidade de Coimbra, dez milhas. De Coimbra até ao povoado de Avô (Abar) [sic], 30 milhas. Daí até ao povoado de Outeiro (Rabatarah), trinta e cinco milhas. Em seguida, até ao início de Portugal, quarenta milhas. Em seguida atravessa-se Portugal em vinte cinco milhas, até à Fortaleza de Vila Nova de Gaia (Bûba Qâr), que está sobre a margem do rio Douro, no extremo de Portugal. E dela até à fortaleza de Abrâqa, sessenta milhas. Esta fortaleza está no meio de uma ilha no rio Minho, e desde Abrâqa até à fortaleza de Mûyah, sessenta milhas; e da fortaleza de Mûyah até Santiago, trinta e cinco milhas, num total de trezentas e oitenta e cinco milhas”18. 16

Ed. C, fasc. VII, pp.726-727; v. ainda trad.port. PEA, p.71-2, cujo texto se suspende no ponto assinalado por [*]. 17

Ed. C, fasc. VII, p.731; v.ainda trad.port. PEA, p.72, cujo texto se suspende no ponto assinalado por

[*]). 18

Al-Idrîsî, Uns al-Muhâj wa rawd al-furâj, ed. Fuat Sezgin, The Entertainment of Hearts and Meadows of Contemplation, Frankfurt am Main, Institute for the History of Arabic-Islamic Science, 1984, pp.

Itinerário de Coimbra a Toledo (Tulaytula) “No ocidente, de Coimbra a Almeida (Mâ‘idah), sessenta milhas; de Almeida até Hisn (?)*, uma milha; até ao início de Ávila (Abalah), setenta e cinco milhas; de Ávila até Segóvia (Shakûyna), cinquenta milhas; e de Segóvia a Toledo, sessenta milhas, num total de trezentas e cinco milhas”.19

Itinerário de Coimbra a Zamora (Samûrah) “De Coimbra a Farbarfûra (?), vinte milhas; em seguida até à fortaleza de Béjar (Bajâr), vinte milhas; de Béjar até à cidade de Salamanca (madina Salmantiqa), sessenta milhas; em seguida até à cidade de Zamora, vinte e cinco milhas, num total de cem milhas”20.

2.4. IBN GHÂLIB (al-Rusâfa, Valência, 1140 ? - Málaga, 1177 ) Nascido cerca de 1140, foi alto funcionário almóada. Letrado de grande erudição foi historiador, geógrafo e poeta. A sua obra maior, Farhat al-anfus, perdeu-se, existindo apenas um manuscrito que resume a parte geográfica daquela. O melhor testemunho do apartado geográfico da Farhat al-anfus encontra-se nos apartados geográficos das Crónica do Mouro Rasis e Crónica Geral de Espanha de 1344. Faleceu em Málaga em 1177 21.

***** “Del termino de Coynbra Parte el termino de Coynbra con el de santaren. E la çibdat de Coynbra es muy fuerte e es castillo muy alto e muy noble; yaze sobre el rrio que ha nonbre Mudel, e este rrio nasçe en la çierra del esstrella e yaze sobre muchos castillos e muy buenos e muy fuertes que obedeçen a Coynbra. E este rrio entra en la mar a veynte e quatro migeros de Coynbra, e es rrio de muchos

219-222, p. 220. 19

Ibidem.

20

Idem, idem, p. 221.

21

Sobre a vida, pouco conhecida, e a obra, perdida, de Ibn Ghâlib, v. Rei, António, “Ibn Ghâlib, vida e obra : notas identificativas.” in Arqueologia Medieval 10 (2008), Mértola / Porto, CAM, pp. 40-49.

pescados e de muchas naturas”. 22

2.5. YÂQÛT (Ásia Menor, 1179 ? - Alepo, 1229 ) Nascido cerca de 1179, jovem foi feito prisioneiro, tendo sido vendido como escravo. O seu senhor, permitiu-lhe que estudasse, tendo-se alforriado depois. Grande viajante, deixou-nos um grande dicionário geográfico em que descreveu o mundo então conhecido. Tem a grande vantagem de ser uma obra completa, também para o espaço ibérico23.

“ Coimbra [ Qulumriya ] É o nome de uma cidade no al-Andalus. Actualmente está em poder dos cristãos. Deus os castigue.”24

2.6. IBN SA‘ÎD ( Alcalá la Real, Granada, 1210 - Tunes, 1283 ) Natural da região de Granada pertenceu a uma família árabe yahsubita onde a cultura era uma marca distintiva, ao longo de muitas gerações. Tendo abandonado al-Andalus em 1241, não mais regressou. Viajou pelo oriente, acabando por vir a falecer em Tunes. Compôs várias obras, sendo esta que nos serve de fonte, a única realmente geográfica.25

***** “[ Coimbra e a sua região ] Mais a norte [da região de Lisboa] encontra-se o cabo da grande cordilheira da Serra que divide a Península Ibérica em duas partes. A norte do qual está a cidade de Montemor-o22

Crónica del Moro Rasis, ed.Catalán e Andres, Madrid, Gredos, 1975: notícia sobre Coimbra, pp. 8486. Considerada ‘interpolação’ pelos editores, porque partiam do pressuposto de que estavam editando o texto de al-Râzî, temos, àcerca desta notícia, opinião diferente que já expressámos anteriormente (cf. Rei, António, “A memória do al-Andalus ‘amirî na Crónica Geral de Espanha de 1344”, Actas do Colóquio Internacional “AlMansûr ibn Abî ‘Amir e a Península Ibérica”, CIDEHUS/UE, no prelo). 23

Uma das mais recentes sínteses sobre a vida e obra de Yâqût v. ‘Abd al-Karîm, Gamal, “La España Musulmana en la obra de Yâqût - s. XII-XIII, Cuadernos de História del Islam 6, Universidad de Granada, 1974, pp. 21-57. 24

Yâqût, Mu‘jam al-Buldân, ed. Beirute, V vols., 1957, vol.IV, p.166; trad.castelhana, ‘Abd al-Karîm, G., ob.cit., p. 256. A interjeição final e o termo como aparecem referidos os cristãos: ifranj (= francos), leva-nos a admitir que ambas possam ser do punho de Yâqût. O termo ‘ ifranj ’ popularizou-se entre os árabes durante o período das Cruzadas, e Yâqût é um contemporâneo dessa mesma presença dos europeus, os ‘francos’, no Médio Oriente. 25

Sobre a vida e a obra de Ibn Sa‘îd, v. Rei, António, “A fronteira no sudoeste peninsular (1234-1242). Novas visões da «Reconquista» a partir do ‘al-Mughrib...’ de Ibn Sa‘îd de Granada”, in Arqueologia Medieval 8 (2003), Mértola / Porto, CAM / Afrontamento, pp. 29-41.

Velho, das terras da Galiza, da qual saem as barcas. Situa-se a norte do rio que corre desde a cordilheira referida até ao Mar Circundante, a norte do qual se situa a foz do rio de Coimbra. A norte deste [rio] está a cidade de Salamanca, famosa entre as terras de Portugal, que se situa nos limites das latitudes do Clima VI, e cuja longitude é de 7º 20' e a latitude é de 45º; entre esta e a cidade de Coimbra, capital da Galiza, são duas jornadas”26.

2.7. AL-HIMYARÎ (Magrebe, séc. XIII) Pouco se sabe deste autor. Seria natural ou residente em Ceuta, tendo sido um jurista, assessor do juiz ou do notário da cidade. A sua obra, al-Rawd al-Mi‘târ é um dicionário geográfico de tipo enciclopédico que, felizmente, também se conservou na íntegra.

***** “Coimbra (Qulumriyya) Com mîm. Em al-Andalus. Pertence às terras de Portugal. É uma cidade; entre ela e Cória, são quatro dias. Está situada sobre um um monte circular, possuindo uma muralha inexpugnável e três portas. Ela é o extremo da inexpugnabilidade. É é uma cidade pequena, com vida urbana e populosa. Tem muitos vinhedos, maçãs e cerejas. O seu assentamento é no cume de uma elevação de terreno, não sendo possível conquistá-la. É sobranceira a um rio, onde há moinhos.

26

Ibn Sa ‘îd, Kitâb Bast al-Ard (= Kitâb Jaghrâfya), ed. J. Vernet, Tetuão, 1958, pp.111-112; ed. Al‘Arabî, Beirute, 1970, p.178; trad.castelhana J. Vernet, “España en la Geografia de Ibn Sa‘îd al-Maghribî”, in Tamuda 6, Tetuão, 1958, pp. 307-326, pp.317-8; trad. portuguesa, Rei, António, O Gharb al-Andalus na Geografia Árabe (sécs. IX-XVII), no prelo. Nesta notícia há dois aspectos a referir: o primeiro de carácter linguístico (linha 3): surgem nos dois manuscritos editados, respectivamente, as palavras ‘buraykât’ e ‘barkân’. Embora nenhuma esteja exacta na forma, ainda assim é fácil reconhecer ‘barkât’, plural de ‘barka’, que significa aquilo que soa: barca. Trata-se portanto de uma palavra romance que no texto vem com um plural regular em árabe, significando ‘barcas’. O segundo ponto (linha 4)é para referir a confusão geográfica que se estabelece entre o Mondego e o Vouga, e as respectivas fozes.

Entre Coimbra e Santarém, em direcção ao sul, três jornadas; e entre Coimbra e o mar, em direcção ao oeste, doze milhas”.27

2.8. AUTOR ANÓNIMO da obra Dhikr Bilâd al-Andalus Obra tardia de autor anónimo, com características que apontam para ter sidoorganizada no quartel final do século XIV, na órbita cultural da cidade de Fez, em círculos letrados próximos à dinastia merinida. A sua função seria a de procurar instigar as gentes do Magrebe para uma nova acção militar na Península Ibérica. 28

***** “Notícia sobre a cidade de Portugal [Coimbra ] no ocidente de al-Andalus * Portugal é uma cidade muito antiga, uma das capitais do ocidente de al-Andalus. Existiu nela uma grandiosa mesquita aljama, transformada pelos cristãos quando dominaram a cidade. Agora é a capital de al-Rink al-Rûmî. Tem: imponentes muralhas e portas fortificadas, vastas terras de lavoura e amplos distritos fiscais que abarcam mais de duas mil aldeias e um número de setenta castelos. Produz nozes, amêndoas, uvas e figos em grande quantidade. [Cidade de Évora (Madînat Yâbûra)]* Perto dela [Coimbra] está a cidade de Évora, que é uma cidade antiga, de nível médio e formas elegantes. Assemelha-se a Coimbra (Portugal) na fertilidade, na qualidade das águas e dos ares, e na muita reprodução [do gado]” 29.

27

Al-Himyarî, al-Rawd al- Mi‘târ, ed. Ihsân ‘Abbâs, Beirute, Nasser Foundation for Culture, 1980, p.

471. 28

Dhikr Bilâd al-Andalus, ed. e trad. castelhana de Luis Molina, Una Descripción Anónima de alAndalus, II vols., Madrid, CSIC, 1983, vol.II: trad., pp. 303-323. 29

Dhikr Bilâd al-Andalus, vol. I: ed., p. 55; vol.II: trad., p. 61. Luis Molina identifica «a cidade de Portugal» com a cidade do Porto; e, J. Vallvé identifica-a como sendo Lisboa (La División Territorial..., Madrid, CSIC, 1986, pp.318-319). Nenhum deles, no entanto, analisa os outros dados que a obra fornece, e que nos apontam claramente para Coimbra. No espaço da antiga mesquita aljama da cidade de Coimbra veio a surgir a Sé Velha. E Coimbra foi a capital, ou melhor “o assento privilegiado” de Afonso Henriques e dos seus sucessores imediatos, até Afonso III, este último na fase inicial do seu reinado. A expressão Al-Rink al-Rumi (Henrique o Romano [ = Cristão]), que designava, na origem, Henrique de Borgonha, tronco da dinastia e pai de Afonso Henriques, passou a designar, posteriormente e de forma genérica, “o rei português”. A passagem sobre Évora, embora parte integrante da notícia sobre Portugal / Coimbra, tratamo-la aqui de forma autonomizda.

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