Coleção e cultura material: os significados possíveis da fundação, em 1904, do Museu Histórico da Bibliotheca Pública Pelotense

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Coleção e cultura material: os significados possíveis da fundação, em 1904, do Museu Histórico da Bibliotheca Pública Pelotense através de seu primeiro acervo. BARBIER, Daniel1 RIBEIRO, Diego Lemos2

Resumo A complexidade de fenômenos que orbitam a instituição museu tem provocado ao longo da trajetória humana uma série de pesquisas e reflexões. Frutos do convívio e organização social humana, eles derivam do exibicionismo e imaginário de uma prática bastante comum entre os homens, o de colecionar coisas. Porém, a biografia de cada uma dessas instituições é única, mesmo que com certas semelhanças. O que propomos nesse trabalho, portanto, é uma breve análise acerca das possibilidades de surgimento, em 1904, do Museu Histórico da Bibliotheca Pública Pelotense, num período de raridade da expansão museológica nacional, numa cidade cujo movimento de consolidação urbana se deu por volta de quarenta anos antes à sua criação e em um momento em que o potencial econômico local passava por uma intensa modificação. Ademais, buscamos na bibliografia especializada características peculiares dos museus oitocentistas brasileiros para traçar algumas comparações aqui propostas.

Palavras-chave: Patrimônio Cultural. Museus. Instituições de Memória. História de Pelotas. Bibliotheca Pública Pelotense.

Introdução Componentes da paisagem urbana contemporânea e ponto de confluência cultural, os museus são fenômenos indispensáveis para a análise da configuração das sociedades, especialmente as ocidentais. Eles estão distribuídos em todas as comunidades e dizem respeito a uma prática comum e inerente à cultura humana de juntar, guardar e organizar coisas (POMIAN, 1984). Se por um lado, o colecionismo acompanha a trajetória da humanidade, os museus são símbolos da importância dispensada por determinado grupo a essa prática a um nível mais alto que as próprias coleções pessoais. São, em determinado grau, objetos das disputas de poder ao mostrar a significância que um coletivo dispensa à determinada organização dessas coisas e a construção da narrativa elaborada sobre essa organização cuja função é, entre outras, de o legitimar globalmente. A reordenação de objetos alegóricos sem vinculação intrínseca demonstra em si mais uma manipulação política ideológica para determinado fim do que uma cientificidade ou outra apelação sublime. Santos (2002, p.117) identifica esta noção ao afirmar que “os museus dão a impressão3 de que preservam o passado. No entanto, longe de preservarem um significado eterno inerente a

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Historiador, mestrando em Memória Social e Patrimônio Cultural da UFPEL – [email protected] Museólogo, doutor em Arqueologia pela USP – [email protected] 3 Grifo do autor. 2

objetos, eles atribuem novos significados a objetos que foram retirados do tempo e do espaço em que originalmente foram produzidos”. E segue: “Objetos não são sagrados, nem detêm significados próprios e imutáveis. São os indivíduos que atribuem significado aos objetos. Os museus são agências classificadoras; eles reordenam os objetos que selecionam, segundo critérios próprios. (SANTOS, 2002, p.117). Apesar da existência de experiências museológicas no Brasil desde o séc. XVII (IBRAM, 2011), é em 1818, no Rio de Janeiro após a instalação da corte e sua elevação a sede da metrópole, que a instituição museológica ganha evidência com a criação do Museu Real, hoje, Museu Nacional. O objetivo era dotar a nação de certa cientificidade4, pois, conforme Santos, até a [...] virada do século [XIX], os museus brasileiros centraram-se na “ciência pela ciência”, procurando uma identidade para o Brasil no universo das nações, sendo que não mais como centro, mas apenas como parte periférica do todo. Na composição histórica e universalista do desenvolvimento da civilização ocidental, coube aos museus brasileiros contribuírem com a classificação de suas espécies vegetais e animais e populações primitivas (SANTOS, 2002, p.127).

Observa-se, contudo, que o surgimento de museus durante o Império deu-se de forma tímida, visto que até o advento da República não se contavam mais do que 10 museus em todo território brasileiro, sendo cinco deles apenas no Rio de Janeiro (IBRAM, 2011). Os trabalhos de Maria Margaret Lopes, especialmente em sua tese de doutorado intitulada “As ciências naturais e os museus no Brasil no séc. XIX”, de 1993, de Lilia k. Moritz Schwarcz, como nos seus “A ‘Era dos Museus de Etnografia’ no Brasil: o Museu Paulista, o Museu Nacional e o Museu Paraense em finais do XIX” (2013) e “O nascimento dos museus brasileiros - 1870-1910” (1989) e de Myrian Sepulveda dos Santos, “Os museus brasileiros e a constituição do imaginário nacional” (2000) são fundamentais para compreender o surgimento e desenvolvimento dos mais importantes museus oitocentistas brasileiros. As três pesquisadoras defendem que a característica norteadora dos museus brasileiros até o advento do movimento modernista era fundamentada em uma concepção de Ciências Naturais, isto é, como esclarece Santos (2000, p.271), dava-se “ênfase na natureza como fonte de conhecimento científico”. Conhecimento esse geralmente baseado num viés positivista. A vinculação dos museus com políticas de memória e de patrimônio cultural no Brasil tornou-se mais efetiva apenas quando os museus passaram a estar condicionados a uma ideia de consolidação de nação pelo Estado, cujo período mais emblemático se deu com o surgimento do Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, em 1937, por ser o momento em que, para Meira (2004, p.33), “os profissionais que construíram a ideia da preservação do passado eram os mesmos que 4

Ver mais em MINISTÉRIO DA CULTURA. Política nacional de museus. Brasília: MinC, 2007. p.14.

projetavam o país do futuro”. A partir deste período a atividade museológica passou a ser vista como uma política oficial do Estado5, de forma que na década de trinta registrou-se um aumento relevante da atividade museológica no Brasil (IBRAM, 2011).

FIGURA 1 – Trajetória dos museus no Brasil por ano Fonte: MUSEUS EM NÚMEROS – VOLUME 1 – IBRAM, 2011.

O Rio Grande do Sul e Pelotas, conforme Silva (2001) e Rezende (2010), respectivamente, parecem seguir a mesma tendência nacional dos museus do início do séc. XX, porém apresentando alguns contrastes entre si. Os primeiros museus rio-grandenses, Museu do Estado (posteriormente denominado Museu Júlio de Castilhos), fundado em 1903, e o Museu Histórico da Bibliotheca Pública Pelotense (MH-BPP), 18 de janeiro de 1904, eram museus híbridos, possuíam acervo eclético e natureza enciclopedista com objetivos bastante amplos, associados a uma ideia de Ciências Naturais (LOPES, 1993, p.249). Contudo, o primeiro foi criado por iniciativa do Estado, o segundo, da sociedade civil. Para o caso pelotense, todavia, ainda existe um vácuo de informações no que diz respeito às implicações para o surgimento de seu primeiro museu e sua atuação nos anos iniciais. O Museu Histórico da Bibliotheca Pública Pelotense, é certo afirmar, ganha evidência na historiografia local, sobretudo, após o período em que o sr. Henrique Carlos de Morais assume sua direção, como pode ser visto a partir da coleção Cadernos de Pelotas, números 23 e 35, de José Vieira Etcheverry, cuja obra reúne um vasto material extraído de jornais locais 5

É a partir do ano de 2003, que surgem no Brasil, para a área museológica, diversas iniciativas institucionais de fomento e gestão de museus, como as leis federais nº 11.233, de 22 dezembro de 2005, nº 11.328, de 24 de julho de 2006, 11.904, de 14 de janeiro de 2009, 11.906, de 20 de janeiro de 2009, 12.840, de 9 de julho de 2013, os documentos Política Nacional de Museus: memória e cidadania (2003), Política Nacional de Museus (2007), Plano Nacional Setorial de Museus (2010) entre outros que podem ser conferidos integralmente no sítio eletrônico

sobre a Bibliotheca Pública Pelotense; e na dissertação de mestrado de Miquel Rezende com o título “Silêncio e esquecimento: Henrique Carlos de Morais e a construção de um agente de preservação do patrimônio em Pelotas (1933 – 1986)”, o qual apresenta uma série de informações sobre a atividade museológica em Pelotas/RS a partir das experiências de Henrique Carlos de Morais como diretor do Museu Histórico da Bibliotheca Pública Pelotense.

A Pelotas oitocentista e a Bibliotheca Pública Pelotense Se fosse possível falar de uma historiografia oficial de Pelotas/RS, cidade localizada no extremo sul brasileiro, perceberíamos nela uma exaltação demasiada a sua gênese, ao seu apogeu político e econômico na era imperial brasileira, seus vultos históricos, seus grandes feitos militares... enfim, um encadeamento de tópicos de purismos e heroísmos cuja força motriz é o ciclo do charque. Esquece-se ou silencia-se sobre quem o sistema econômico desenvolvido no entorno da salga da carne estava assentado: foram milhares de negros, sob o regime escravocrata, que durante décadas sustentaram o tão aclamado desenvolvimento local e dele não se favoreceram. Confundida dentro desse cenário está a história da Bibliotheca Pública Pelotense. Fundada em 1875, sua história está atrelada a uma sociedade com fortes contrastes sociais. A formação da cidade de Pelotas/RS confunde-se com a consolidação da fronteira sul brasileira. Sua estrutura e posição geográfica despertaram o interesse para o povoamento na região, a instalação da empresa saladeril e o escoamento da produção. Em pouco tempo, viuse o pequeno núcleo de povoamento se desenvolver rapidamente de forma que a população local teria passado de 2.419 habitantes6, em 1814, (OSORIO, 1997, p.80) para 41.591, em 1890 (MAGALHÃES, 1993, p.108). Contudo, o crescimento demográfico favorecido pelo potencial econômico seguido ao ciclo do charque não criou uma sociedade harmoniosa ou igualitária, nem mesmo houve a preocupação na criação de mecanismos políticos de distribuição de renda e propriedades. Ao contrário, o regime escravocrata e os diversos movimentos imigratórios à região favoreceram o surgimento de uma sociedade de marginalizados (Monquelat, 2014). A modernização do espaço urbano, especialmente no fim do século XIX, conforme indica Monquelat (2012), de uma cidade que se reestruturava da crise econômica gerada pela Revolução Farroupilha e que mantinha na indústria saladeril e na sua posição estratégica entre a região da campanha e o porto de Rio Grande as bases fortes de sua economia, fomentou a criação de instituições culturais, artísticas, educacionais e de lazer7, entre elas a Bibliotheca 6

Esse número não representa uma informação totalizante da população da época, como sugere Peres (2002, p.47) Pelotas destaca-se por um movimento de associativismo intenso no passado. A maioria dos empreendimentos partia da iniciativa da sociedade civil, deixando ao poder público pequena participação na promoção do surgimento 7

Pública Pelotense, organizada e fundada por parte da elite pelotense8 em 14 de novembro de 1875. Em pouco tempo, esta instituição passou a realizar uma série de atividades junto à população onde estava inserida (RUBIRA, 2014). Assim, cursos noturnos de alfabetização foram organizados para os trabalhadores, conferências públicas repercutiam os ideais políticofilosóficos da época e em 1904 inaugurava-se o Museu Histórico da Bibliotheca Pública Pelotense, conforme Ata da sessão de Diretoria realizada a 18 de janeiro de 1904: “Acta da sessão de Diretoria realisada a 18 de janeiro de 1904. As 8 horas da noute presentes os Snrs. Drs. Presidente e vice-presidente, thesoureiro, diretores Lemos, Trapaga e Dr. Octacílio Pereira e 1º secretario, foi aberta a sessão. Lida e aprovada a acta da sessão anterior, passou-se ao expediente que contatou os seguintes officios [...] creação de um pequeno museu annexo á Biblioteca. Discutidos convenientemente estas ideas, resolveu-se: [...] nomear uma comissão para tratar da realisação de tão profícua iniciativa devida (a esta circumstancia e aqui é registrada por amor a verdade e como preceito de justiça) a feliz inspiração dos Sr. Baldomero Trapaga, conforme o declara em seu relatório o diretor Sr. Dr. Octacilio. O Sr. Dr. presidente nomeou para comporem a mesma commissão os Srs. Carlos Andre Laquintine, Dr. Francisco José Rodrigues de Araujo e Baldomero Trapaga”.

Seu acervo contemplava, entre outras, coleções de mineralogia, paleontologia, zoologia, numismática, filatelia, diversos artefatos históricos e ampla coleção de jornais locais do período imperial e do período republicano, além de outros documentos que mais tarde deram origem ao Arquivo Histórico da Bibliotheca Pública Pelotense, totalizando mil trezentos e dezoito documentos e uma coleção distribuídos da seguinte forma: Documento Animais Boletins Cédulas monetárias Coleção etenológica [sic] Documentos autografados e cartas Jornais Livros Mapas Medalhas Moedas Pedras mineirais [sic] Selos do Brasil

Quantidade 10 41 45 30 63 820 5 4 14 163 123 1 coleção

TABELA 1 – Primeiro acervo do Museu Histórico da Bibliotheca Pública Pelotense Fonte: Acervo da BPP

de novas instituições. Contudo, esses novos empreendimentos eram, na sua maioria, criados pela e para a elite local. Mais informações ver MONQUELAT, A.F; PINTO. G. Pelotas no tempo dos chafarizes. Pelotas: Editora Livraria Mundial, 2012. p.90. 8 Participaram da reunião de fundação da Bibliotheca Pública Pelotense 45 homens que elegeram José Vieira da Cunha e Saturnino Epaminondas de Arruda aos cargos de Presidente e Vice-Presidente, respectivamente.

Deste modo, é a partir da identificação do primeiro acervo reunido pelo MH-BPP que lançamos a proposta de análise conjuntural deste em relação aos museus brasileiros desse período.

Coleção e cultura material: os significados possíveis do surgimento dos museus através de seus acervos Maria Margaret Lopes (1993, p.168 e 169) ao pesquisar a trajetória dos primeiros museus brasileiros, especialmente buscando compreender a “contribuição dos Museus de História Natural à institucionalização das ciências naturais no Brasil no século XIX” (Lopes, 1993, p. 1), percebe haver de forma comum nos mais proeminentes museus do período, a saber, Museu Nacional do Rio de Janeiro, Museu Paraense Emílio Goeldi e Museu Paulista: a) uma relação entre o desempenho dos museus com movimentos de “consolidação de elites locais”; b) “iniciativas científicas regionais”; c) “surto de desenvolvimento material do país”; d) integração ao “movimento de museus a nível internacional”; e) destaque às Ciências Naturais, que passava por uma “mudança de paradigmas” no final do século. Complementamos, com apoio de Lilia Schwarcz (1993, p.118 e 119): f) o movimento museológico brasileiro ligado às Ciências Naturais serviu, para alguns grupos, e em níveis diferentes, de pretexto para sustentar teorias raciais, evolucionistas, deterministas e positivistas com fins de estabelecer um conceito de “darwinismo social” em um momento em que se dava a abolição da escravatura e o estabelecimento de imigrantes europeus no Brasil. Deste modo, a partir da caracterização tipológica do primeiro acervo reunido pelo MHBPP percebemos na existência das coleções mineralógicas, zoológicas e etnológicas, por exemplo, que ele estava, em algum grau, inserido no contexto de museus de história natural do século XIX. Esse dado, por sua vez, nos chamou a atenção para um outro fato. Ao investigarmos as personalidades envolvidas no cenário museológico brasileiro no período, percebemos a presença do zoólogo Hermann von Ihering9 (1850-1930), diretor no Museu Paulista por 25 anos, no Rio Grande do Sul. Apesar de não encontrarmos registros documentais de sua passagem por Pelotas/RS, ao traçarmos um quadrilátero das localidades onde fixou residência (Taquara, 1880-1883; Guaíba1883-1884; Rio Grande, 1884-1885; e São Lourenço do Sul, 1885), parece-nos improvável que não tenha estabelecido trânsito em Pelotas/RS durante os cinco anos residentes na região. Contudo, suas ideias e influência

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Nascido em Kiel, Alemanha, em 1850, Hermann von Ihering foi médico, professor e importante ornitólogo. Veio para o Brasil em 1880 para se dedicar a pesquisas patrocinadas pelo governo Imperial. Foi nomeado naturalista viajante pelo Museu Nacional, estacionado no Rio Grande do Sul. Residiu nas cidades de Taquara, Guaíba, Rio Grande e São Lourenço do Sul. Mudou-se para São Paulo em 1892 a fim de fundar o Museu Paulista, dedicado a história natural. Foi, ali, diretor por 25 anos. Seu filho, Rodolpho von Ihering, manteve diversificada correspondência com Henrique Carlos de Morais, diretor do MH-BPP a partir da década de 1930.

serviram de mote para identificarmos a repercussão delas a nível local, como pode ser conferido na conferência pública realizada em 22 de maio de 1904 por Alberto Vieira Braga, na BPP, com título “O movimento scientifico no Rio Grande”. O teor, transcrito e publicado nos Annaes da Biblioteca Pública Pelotense, em 1905, traz informações do movimento relacionado a História Nacional no Brasil e seus principais expoentes, inclusive um verbete biográfico de Hermann von Ihering, como pode ser observado abaixo:

FIGURA 2 – Verbete biográfico de Hermann von Ihering extraído do Volume 1 dos Annaes da Biblioteca Pública Pelotense, página 29. Fonte: Acervo da BPP

A repercussão a nível local pela busca por uma cientificidade ligada aos estudos das assim chamadas ciências naturais se expandia no campo da botânica. O mesmo Annaes e seu volume posterior apresentam um registro da “Flora Rio Grandense” assinada por Francisco de Araújo, um dos fundadores do Museu. Também se verifica uma conferência intitulada “Evolucionismo” proferida pelo padre Carlos Schilitz, sacerdote jesuíta, e outra “Ethnographia do Brasil no princípio do século XX”, que possibilitam a identificação do que Schwarcz (2013, 128) disse sobre o predomínio de “um saber evolucionista, positivo e católico, como se fosse possível adotar os modelos raciais de análise, mas prever um futuro branco e sem conflitos”. Esse contexto de divulgação de ideias debatidas no plano nacional e internacional sugere advir da integração pretendida pela Diretoria da Bibliotheca com outras instituições espalhadas pelo globo. Fato é que, no ano de 1904, das 519 correspondências expedidas e recebidas, várias delas tem destino e origem o exterior, especialmente a Europa e a América. São países como República da Guatemala, São Salvador, México e Cuba. Instituições como Universidades de Coimbra, Montevidéo [sic] e Santiago do Chile; Oficina Demográfica de Buenos Aires, Sociedade Geográfica de Madrid, Instituto Internacional de Bibliographia de

Bruxelas, Sociedade de Geographia do Rio de Janeiro; Museu Nacional de Buenos Aires, Smithsunion[sic] Institution de Washington, The American Geographical Society de Nova Iorque, Union Ibero Americana, de Madrid, entre outras10. Outro fator que chama atenção é a figura do proponente da fundação, em 1904, do MHBPP, sr. Baldomero Trápaga y Zorilla, eleito vice-presidente da BPP em 1905 e presidente em 1906. Importante capitalista pelotense, foi também idealizador da Rádio Pelotense, fundada em 6 de junho de 1925, sociedade civil criada nos salões da Bibliotheca. A ideia de fundação de uma rádio em Pelotas/RS surge, conforme Ferraretto (2002), de dentro do Partido Republicano Rio-Grandense (PRR), de forte influência do positivismo de Auguste Comte, e tem como presidente honorário Augusto Simões Lopes, importante político do PRR gaúcho, prefeito de Pelotas (1824-1928) e filho caçula do Visconde da Graça, pessoa que cedeu o andar térreo de sua residência para a instalação, em 5 de março de 1876, da Bibliotheca Pública Pelotense. A relação de Trápaga y Zorrilla com membros proeminentes do PRR sugere que o positivismo tenha influenciado, como base filosófica, a criação do MH-BPP, cuja fundação se deu um ano depois do Museu Júlio de Castilhos, de iniciativa do governo Borges de Medeiros. Eliane Peres (2002), na mesma linha, sugere que o ideal positivista de um “novo espírito cultural” serviu como influência na condução dos cursos noturnos masculinos de instrução primária surgidos em 1878 na BPP. O próprio museu, apesar de não haver ainda amparos bibliográficos, poderia estar incluído nessa dimensão educacional pretendida pela Bibliotheca Pública Pelotense entre os séculos XIX e meados do XX. Por fim, com o advento da abolição da escravatura e o surgimento dos frigoríficos, o ciclo do charque entra em declínio ao ponto de no início do século XX existirem apenas 5 charqueadas em funcionamento. A mudança econômica se deu com a introdução da cultura do arroz na região incentivada pelo ex-charqueador Coronel Pedro Osório, em 1905 (ABUCHAIM, 2013). Esse fenômeno pode ter influenciado o surgimento de um “culto da saudade” entre a elite da época através da criação de um Museu.

Conclusão Os museus representam a concretude das disputas de poder silenciosas entre grupos sociais ao mostrar a significância que um coletivo dispensa à construção de uma narrativa que o legitima globalmente a partir dos objetos que coleciona. Seu potencial de mídia de massas e “indústria” cultural de uma classe urbanamente estabelecida homologa os valores dessa classe que pretende ser globalizante. O sentido de “tudo classificar” revela, portanto, uma

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Ver Annaes da Biblioteca Pública Pelotense – Volume 1, Ano 1904, pg. 116.

preocupação de, também, se estabelecer uma estratigrafia social de cultos e incultos, de civilizados e marginalizados. Assim, as mudanças na organização e na função social dessas instituições são tão profundas quanto as mudanças de paradigmas estabelecidos na história. Frutos do seu tempo, os museus brasileiros, inclusive o MH-BPP, repercutiram os dogmas propostos pelas ciências naturais e humanas que procuravam lançar à humanidade conceitos de evolucionismo e positivismo com fins de justificar e militar em prol de uma sociedade segmentada, hierárquica e “pura”, num momento em que a fronteira entre livre e escravo estava fragilizada. O museu, nesse sentido, aparecia como propaganda do progresso direcionado, imbuindo de afetividade a dimensão cognitiva e doutrinária dessas instituições. Dessa forma, mesmo ainda não tendo identificado o principal mote fundador do Museu Histórico da Bibliotheca Pública Pelotense, já percebemos, dada plausibilidade das possibilidades anunciadas neste caso, que os museus nascem sempre de uma necessidade política de estabelecimento ou manutenção de um status quo bastante definido.

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