Coleção Manuel de Brito - Inventário e Conservação. Problemas e Perspectivas. Dissertação de Mestrado em Técnicas e Conservação de Pintura, 2009.

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Descrição do Produto

Universidade Católica Portuguesa Centro Regional do Porto Escola das Artes

Colecção Manuel de Brito - Inventário e Conservação. Problemas e Perspectivas.

Por Sofia Alexandra Machado Gomes

Vol.1

Dissertação de Mestrado em Técnicas e Conservação de Pintura Orientador: Prof. Doutora Ana Calvo Co-orientador: Prof. Laura Castro

PORTO 2009

À minha família

AGRADECIMENTOS

Gostaria de começar por agradecer à minha orientadora Professora Doutora Ana Calvo pelo apoio dado a este trabalho, pela sua paciência e sentido prático durante as hesitações, as inúmeras dúvidas e questões levantadas, pela sua disponibilidade e acompanhamento durante todo este percurso, pela partilha de conhecimento e sobretudo pelo seu encorajamento e por acreditar. À minha co-orientadora agradeço a motivação, o entusiasmo, a disponibilidade e as observações e apreciações atentas feitas em relação à escrita desta dissertação. Não posso deixar de agradecer ao Eng.º Luís Elias Casanovas pela sua ajuda, generosidade e acompanhamento durante a análise das condições ambiente. O empréstimo do seu termohigrógrafo foi sem dúvida relevante para o desenvolvimento deste estudo, assim como as medições feitas com o psicrómetro. Gostaria também de agradecer a todos aqueles que deram a sua contribuição para a concretização desta dissertação, seja através do fornecimento de informações, seja possibilitando-nos o acesso a determinada documentação, entre outras razões. Aos entrevistados que prescindiram de algum do seu tempo para me receberem. À Dra. Arlete Alves da Silva pela sua amabilidade, por me ter recebido em sua casa e na sua galeria. À equipa da Galeria 111, D. Afilina, Pedro e Margarida, pela disposição em colaborar sempre que solicitada a sua ajuda. Em particular, à Dra. Cristina Amaro por ter acreditado, logo desde o início, neste projecto, por me ter recebido de braços abertos, pela confiança e amizade, assim como à equipa do Centro de Arte Manuel de Brito, Gabriel Domingues, Paula Migalhada e Ana Arnold pela simpatia e disponibilidade em ajudar, ao Sr. Augusto e ao Sr. Fernando que sempre me abriram as portas do CAMB. O meu profundo e sentido agradecimento a todas as pessoas que de alguma maneira, indirectamente, também contribuíram para a realização deste trabalho. Foi um percurso enriquecedor, tanto a nível académico como a nível pessoal.

 

Volume I

Introdução

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Capítulo I

13

Aspectos do panorama artístico português – Anos 50 e 60: Mercado, Galerias e Coleccionismo 1.1. Bolsas

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1.2. Galerias

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1.3. Mecenato

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1.4. Mercado de Arte

23

1.5. Coleccionismo

26

Capítulo II

29

Manuel de Brito e a sua colecção 2.1. Percurso

31

2.2. Galeria 111

32

2.3. Colecção

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2.4. Centro de Arte

58

Capítulo III

63

Inventário da Colecção Manuel de Brito 3.1. Ficha de inventário

66

3.2. Importância do inventário

74

3.3. Problemáticas

77

3.4. Informatização do inventário

78

3.5. Recolha de informação junto dos artistas

80

Capítulo IV

83

Características técnicas e materiais e estado de conservação da colecção Manuel de Brito 4.1. Suporte

86

4.2. Técnicas pictóricas

87

4.3. Vernizes e camadas de acabamento

89

4.4. Materiais comerciais

90

4.5. Tipos de alterações/danos

90

4.6. Sistema de suspensão

100

4.7. Estado de conservação

101

Capítulo V

105

O Centro de Arte Manuel de Brito: questões de conservação preventiva 5.1. Edifício e envolvente

108

5.2. Espaço museológico

110

5.3. Projecto expositivo

116

5.4. Transporte e manuseamento

117

5.5. Condições ambiente

123

5.6. Monitorização e controlo ambiental

130

5.7. Iluminação

138

5.8. Poluentes

141

5.9. Segurança

142

5.10. Propostas de conservação preventiva e curativa

145

Conclusão

149

Fontes e Bibliografia

155

Volume II

Anexo

 

Anexo 1

9

Anexo 2

93

Introdução

 

A intenção de desenvolver um projecto na área da arte portuguesa moderna e contemporânea resultou nesta dissertação, executada no âmbito do Mestrado em Técnicas e Conservação de Pintura, da Escola das Artes da Universidade Católica Portuguesa. Este trabalho surgiu do interesse em dar continuidade ao conhecimento e às competências adquiridas na licenciatura em Conservação e Restauro, realizada na Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade Nova de Lisboa. Depois de contemplar várias hipóteses de trabalho, surgiu a oportunidade de elaborar o inventário do núcleo da Colecção Manuel de Brito, afecto ao Centro de Arte, fazendo ao mesmo tempo uma avaliação do seu estado de conservação. Há já algum tempo que a documentação e o registo das obras têm sido defendidos como uma forma de conservação, sendo uma ferramenta de trabalho e de segurança de enorme importância para os museus. Assim, por um lado, pareceu ser legítimo desenvolver um trabalho neste sentido e, por outro, havia a consciência de dar um contributo concreto para a salvaguarda de uma colecção relevante em Portugal, consagrando, deste modo, a aplicabilidade da investigação levada a cabo.

Ao longo de quatro décadas Manuel de Brito, através da Galeria 111, constituiu uma colecção onde estão representados praticamente todos os artistas que expuseram na sua galeria, tendo o galerista sido fundamental não apenas na sedimentação de um mercado de arte nacional, mas também na revelação de novos artistas e no incentivo de uma crescente aproximação entre estes e o público. Esta colecção ilustra grande parte da produção artística portuguesa do século XX, abrangendo obras desde 1914 até à actualidade. Iniciada com a aquisição de uma peça de Joaquim Bravo, está estimada em mais de trezentas obras de alguns dos mais importantes artistas nacionais, como Eduardo Batarda, António Dacosta, José Escada, Eduardo Luiz, Jorge Martins, Menez, Graça Morais, António Palolo, Costa Pinheiro, Júlio Pomar, Paula Rego, Ana Vidigal e Fátima Mendonça. No âmbito de um protocolo assinado entre a Câmara Municipal de Oeiras e os herdeiros de Manuel de Brito, actuais proprietários da colecção, ficou acordado que parte desta núcleo representativo que engloba 260 obras, unicamente portuguesas - seria cedida à autarquia, em regime de comodato, por um prazo de onze anos. Até à celebração deste protocolo, a importante Colecção Manuel de Brito apenas havia sido objecto de apresentações pontuais e temporárias, não existindo qualquer publicação

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ou estudo mais abrangente acerca deste conjunto de obras. Exposta pela primeira vez em 1994, no Museu do Chiado, no âmbito de Lisboa – Capital Europeia da Cultura, esta colecção nunca se fixou num espaço permanente, próprio e adequado, de forma a poder ser usufruída pelo público. Desta exposição surgiu um catálogo 1 , o único existente, onde se mostram três vastos núcleos pertencentes à colecção. O Centro de Arte Manuel de Brito foi inaugurado no dia 29 de Novembro de 2006 com o objectivo de promover a divulgação e o estudo da colecção. Existindo apenas uma simples lista geral das obras da colecção 2 parecia ser conveniente elaborar um inventário mais desenvolvido, sobretudo do ponto de vista da conservação. O conhecimento do acervo, nomeadamente o estado de conservação, os materiais e os mecanismos de deterioração, passou pela elaboração de um inventário, e o percurso e as condições em que se mantiveram as obras que o constituem, é o ponto de partida deste trabalho, procurando-se as melhores medidas de conservação para esta colecção. A planificação da dissertação determinou cinco capítulos - Aspectos do panorama artístico português, Manuel de Brito e a sua colecção, Inventário da Colecção do Centro de Arte Manuel de Brito, Estado de Conservação da Colecção do Centro de Arte Manuel de Brito, O Centro de Arte Manuel de Brito: Questões de Conservação Preventiva. O primeiro aborda alguns aspectos do panorama artístico português dos últimos cinquenta anos do século XX, no âmbito do coleccionismo e das galerias. Nessa investigação foram analisadas as complexas questões relacionadas com a evolução do mercado de arte portuguesa, no espaço mais estrito das artes visuais, e foi estabelecida a base histórica em que esta Colecção se construiu, investigando o processo evolutivo das galerias privadas, chamando a atenção para a importância decisiva que desempenharam, ao longo da última metade do século XX, para o fortalecimento e desenvolvimento da circulação e promoção da arte contemporânea. Destaco que a Galeria 111 tem a particularidade histórica de ser a única galeria, situada em Lisboa, ainda em plena actividade, sem nunca a ter interrompido, e por ter iniciado a sua actividade num período em que praticamente não existia mercado de arte no nosso país. Pretendeu-se com este enquadramento chegar à personagem principal desta história – Manuel de Brito - perceber as suas intenções e perspectivas como galerista e

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Colecção Manuel de Brito. Imagens da Arte Portuguesa do século XX. 2.ª ed. Lisboa: Instituto Português de Museus, 1995. 2 Anexa ao protocolo entre o Município de Oeiras e os herdeiros da Colecção Manuel de Brito.

coleccionador, inserindo-o no contexto de uma época específica e num determinado meio social e artístico. Manuel de Brito, pessoa singular e determinante no cenário artístico português, não só como galerista mas também como coleccionador, nascera num meio humilde, educado pela mãe, técnica de gravura que, desde cedo, lhe terá proporcionado uma maior proximidade do meio artístico. Começa a trabalhar ainda jovem, estudando à noite. O seu emprego na Livraria Progresso, no Campo Grande, aproxima-o ainda mais do ambiente artístico e cultural da época, tal como dos artistas, que por ele tinham grande estima. Este trabalho pretendeu realizar o inventário de um conjunto de obras pertencentes à Colecção Manuel de Brito, afectas ao Centro de Arte, tarefa que resultou no terceiro capítulo. Partindo-se das normas estabelecidas pelo Instituto Português de Museus, o inventário foi adaptado ao tipo de peças existentes no acervo. Assim, nesse capítulo é apresentada uma ficha tipo para esta colecção, abordando-se a importância e as funções práticas de um inventário, assim como os problemas que surgiram no preenchimento das fichas. Este permitiu fazer o levantamento do estado de conservação da colecção, um historial da obra, um registo manuscrito e fotográfico (frente e verso) de cada peça. 3 Daqui resultou uma relação exaustiva dos bens culturais que constituem o acervo próprio do Centro de Arte, visando a identificação e a individualização de cada obra e integrando a respectiva documentação, de acordo com as normas técnicas mais adequadas à sua natureza e características 4 . É importante referir que no inventário deu-se maior relevância à parte da conservação e da informação técnica de cada peça, por questões relacionadas com os objectivos deste trabalho e por se ter verificado uma grave lacuna nestes dois campos e até a inexistência, em algumas fichas de inventário consultadas, de uma descrição pormenorizada do estado de conservação. Por outro lado constituiu-se uma ferramenta de trabalho que possa ser usada, alterada e/ou desenvolvida pela equipa do Centro de Arte. A ideia foi criar algo que não pretende, de modo algum, ser estático, mas sim um instrumento prático em constante crescimento. A avaliação do estado actual do acervo estabelecendo as possíveis causas de danos foi um assunto desenvolvido no quarto capítulo, uma vez que estas obras sempre estiveram em trânsito e/ou armazenadas em condições ambientais não controladas. Tendo como

                                                         3

As fichas de inventário encontram-se todas em anexo. Art.17º Elementos do inventário museológico. In Lei-Quadro dos Museus Portugueses n.º 47/2004. D.R. I Série – A. 195 (19/08/2004), p. 5381.

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base o inventário realizado foram estudados os materiais e técnicas utilizados e os tipos de alterações/danos que as obras apresentavam. O Centro de Arte, com a sua estrutura e as suas áreas envolventes, constitui o primeiro elemento de protecção do acervo e a sua qualidade desempenha, por isso mesmo, um papel decisivo para a conservação da colecção. Por não ser um edifício construído de raiz, tendo-se aproveitado as suas antigas estruturas, foi importante avaliá-lo no seu conjunto, verificar se este se adaptou adequadamente às suas novas funções e se preenche os requisitos a nível da conservação dos objectos e das condições de exposição. Uma vez que o Centro não tem uma exposição permanente, a colecção é apresentada com mostras rotativas que focam artistas, épocas ou núcleos, as peças estão permanentemente em trânsito, podendo a sua embalagem e transporte ser prejudiciais à sua preservação, uma vez que estes podem expor os objectos a um ambiente menos controlado, como elevados níveis de luz, pó, poluentes e risco de infestações, stress mecânico e estrutural devido ao movimento, vibração e mudanças de ambiente. Foi fundamental avaliar os riscos a que estas obras estão sujeitas e estabelecer medidas de conservação para evitar qualquer dano que o transporte possa causar. Assim, no último capítulo foi feito um estudo ao nível da conservação preventiva e curativa, onde foram reunidos os registos da monitorização e controlo ambiental realizados na Galeria 111 e no Centro de Arte Manuel de Brito; o estudo de materiais e sistemas de exposição e de reserva; os cuidados de conservação da colecção e manutenção do espaço museológico; a embalagem e transporte das obras de arte; a segurança – medidas de prevenção e de resposta em situações de emergência; a avaliação e gestão de riscos da colecção e edifício; a preservação da colecção – implementação de estratégias de conservação preventiva, incluindo medidas de conservação. O anexo apresenta as fichas de inventário realizadas às obras da colecção, com as fotografias gerais, frente e verso, e de pormenor, com o objectivo de documentar visualmente o estado de conservação de cada peça. Reúne também as fotografias referentes a cada capítulo, assim como, tabelas e registos e gráficos de humidade relativa e de temperatura referentes ao Centro de Arte Manuel de Brito e à Galeria 111. Assim que foi dada a autorização pela Vereadora da Cultura da Câmara de Oeiras para o manuseamento das obras no Centro de Arte, foi iniciado o registo fotográfico de frente e verso das peças. O critério que seguidamente se adoptou foi de carácter prático, uma vez

que as obras encontram-se, normalmente, nas reservas da galeria, tendo-se optado por fazer o seu registo à medida que se realizava uma nova exposição no Centro de Arte, sendo aqui o acesso mais fácil e as condições de luz e de espaço preferíveis para a realização deste trabalho. Numa primeira fase, foi feita uma recolha bibliográfica no arquivo da Galeria 111, onde foram consultados inúmeros jornais e revistas com artigos referentes à galeria, colecção e Manuel de Brito, com o intuito de estabelecer o contexto histórico em que esta colecção se formou. Daqui, surgiu o interesse de tentar perceber a relação entre artistas e galerista, uma vez que a colecção representa praticamente todos os artistas que expuseram na sua galeria, e, através dos testemunhos recolhidos, tentar compreender esta personagem, já que não foi possível conhecê-lo pessoalmente. Foram feitas entrevistas, gravadas em áudio, à Dra. Arlete Alves da Silva, aos artistas Miguel Telles da Gama, Ana Vidigal, Bartolomeu dos Santos, António Costa Pinheiro, Júlio Pomar e Paula Rego, havendo uma clara diferença entre a relação do galerista com os artistas da década de 60/70 e com os artistas posteriores, existindo uma maior proximidade com os da geração mais antiga. Foram ainda entrevistados o galerista Jaime Isidoro e os artistas Gerardo Burmester e Júlio Resende, o primeiro, sobrinho e o segundo, amigo do coleccionador Augusto Abreu, com o objectivo de perceber o panorama do coleccionismo português nos anos 60, mostrando este ser um tema muito vasto e ainda pouco desenvolvido que necessita de ser trabalhado num outro projecto. Importantes foram, sem dúvida, as entrevistas com o Dr. Rui Mário Gonçalves e, sobretudo, com o Prof. José Augusto-França, ambos deram uma visão clara desta época e dos seus intervenientes, indicando bibliografia relevante que foi posteriormente consultada. Em relação ao registo áudio das entrevistas, não se sentiu necessidade de editar o material recolhido ou de o apresentar em anexo, fazendo-se apenas citações de cada depoimento, quando necessário, nos capítulos deste trabalho. Foi também consultada uma bibliografia especializada na área da conservação e restauro e, particularmente, da conservação preventiva constituída, entre outras, por publicações recentes e de referência, no sentido de avaliar as afinidades com os casos em estudo, de assimilar as práticas recomendadas neste domínio e de estabelecer medidas de conservação adequadas a este tipo de obras. Avaliar as condições ambiente do edifício que acolhe esta colecção e das reservas da galeria, local onde as obras passam a maior parte do tempo, foi também um objectivo

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deste projecto. Havendo a possibilidade de o Eng.º Luís Elias Casanovas poder disponibilizar o seu termohigrógrafo para o registo da humidade relativa e da temperatura nas reservas da galeria, pareceu importante fazer um estudo comparativo com os dados do Centro de Arte Manuel de Brito, fazendo-se um registo anual destes parâmetros. Foram também feitos o acompanhamento e o registo fotográfico da desmontagem da exposição Anos 70. António Dacosta - Exposição antológica e da montagem da exposição À Volta do Papel. 100 Artistas, com o intuito de perceber como todo este processo se desenrola e qual a sua importância do ponto de vista da conservação das obras, uma vez que toda a sequência de movimento que implique a saída exterior de uma obra é um factor de risco para o seu estado de conservação. A necessidade de elaboração de um estudo sério da Colecção Manuel de Brito, um dos mais importantes núcleos da arte portuguesa do século XX, que promova o seu conhecimento não só em termos históricos, mas também em termos da conservação, foi o motivo desta dissertação, assim como a necessidade de elaboração de um inventário, ferramenta fundamental no funcionamento de uma instituição cultural que tem como acervo esta valiosa colecção. Certa de que o assunto não se esgotou e que mais haveria a pesquisar, particularmente no domínio da avaliação do edifício e das condições ambiente, no acompanhamento contínuo das obras, na conclusão do preenchimento das fichas de inventário, na continuação deste registo, na análise dos materiais e técnicas utilizadas pelos artistas, assim como dos processos de degradação detectados, espero, que no futuro, esta ferramenta possa vir a servir de suporte científico para qualquer outro trabalho de campos distintos e de ponto de partida para muitos mais estudos. Tendo sempre em mente que as obras de arte de uma colecção, únicas e insubstituíveis, fazem parte da nossa herança cultural e, por isso, a sua preservação para a posteridade é de extrema importância.

Capítulo I Aspectos do panorama artístico português – Anos 50 e 60: Mercado, Galerias e Coleccionismo      

Aspectos do panorama artístico português – Anos 50 e 60: Mercado, Galerias e Coleccionismo

No início dos anos 50, Júlio Resende declarava que «a dificuldade não estaria em expor mas em vender»5. A produção artística era desproporcional à venda e «com o crescente empobrecimento das classes médias, a aquisição de obras de arte fica apenas ao alcance das classes abastadas, e naturalmente, do Estado»6, que infelizmente ainda estavam viradas para a arte antiga e para o gosto académico. Em 1962, no Salão de Arte Moderna organizado pela Sociedade Nacional de Belas-Artes (SNBA), o público votou no seu quadro preferido. Pomar, Menez, Gil Teixeira Lopes e Matos foram os mais votados. Rui Mário Gonçalves comenta esta votação – «Se a escolha deste último autor é incompreensível, pois o seu quadro nem sequer revela a mais rudimentar técnica de execução, o mesmo se não pode dizer de Teixeira Lopes. É natural que o público se tenha comprazido diante duma obra que mobiliza uma técnica tradicional e se exprime numa linguagem académica impregnada de espírito literário. O quadro de Teixeira Lopes vai, pois, ao encontro do tipo de educação estética predominante no nosso país.»7. Tal como Rui Mário Gonçalves, também José-Augusto França, uns anos mais tarde, analisou os resultados de um outro inquérito, dirigido aos estudantes universitários, com o objectivo de dar a conhecer as condições sócio-económicas e intelectuais em que estes viviam. À pergunta «Quais os artistas preferidos?» os jovens estudantes responderam: 17% Malhoa (19,6% em Lisboa), 5,6% Nuno Gonçalves e 2,9% Columbano. A isto, França comenta indignado - «E pergunto-me como é possível ser o Malhoa, em 1967, o pintor favorito da juventude ilustrada do meu país? Nome no bicho do ouvido? Conhecimento directo? (improvável) Preferência mesmo?» 8. O público não estava preparado, nem instruído, para acolher a arte moderna, mais grave ainda, a juventude estudantil não acompanhava a actualidade artística da época. Os artistas estavam descontentes e desanimados, tendo muitas vezes que optar por profissões paralelas, como o ensino e a publicidade9.

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Cit. por FRANÇA, José-Augusto – A arte em Portugal no século XX (1911-1961). 3ª ed. Venda Nova: Bertrand, 1991, p.480. 6 POMAR, Júlio – O futuro da Pintura portuguesa. Comércio do Porto. Nº292 (23 Out. 1956), p.6. 7 GONÇALVES, Rui Mário – V Salão de Arte Moderna. Exposição na S.N.B.A. Colóquio Artes. Nº21 (Dez. 1962), p.57. 8 FRANÇA, José-Augusto – Malhoa a 19,6%. In FRANÇA, José-Augusto – Quinhentos Folhetins. [S.l.]: Imprensa Nacional – Casa da Moeda, 1984, vol.1, p.296. 9 «A pintura, como actividade profissional, revelar-se-ia como insustentável, e é um facto conhecido que a maioria esmagadora dos artistas se vê forçada a conseguir a sua subsistência noutras profissões. Logo, a sua actividade como artistas é uma ocupação de horas vagas, 15 

 

Se nos anos 30 e 40 a «Política do Espírito» de António Ferro e o próprio Secretariado Nacional de Informação (SNI) mostraram alguma abertura em relação à produção dos jovens artistas portugueses, na década de 50 verificamos a inexistência de um mercado regular e contínuo, um número limitado de espaços onde se realizavam exposições e à fuga dos artistas para o exterior, subsidiados com bolsas da Fundação Gulbenkian. Na altura, a Secretariado Nacional de Informação, representante do Estado, com o Salão dos Novíssimos procurou atrair artistas com prémios de quinze mil escudos. O Salão sofre um boicote por parte dos artistas “modernos” que organizaram em 59 a exposição «50 Artistas Independentes» (SNBA), para ser inaugurada no mesmo dia e à mesma hora que a dos «Novíssimos», como forma de protesto contra a política nacional. A SNI cai em verdadeiro descrédito e decadência, à força de acolher indiscriminadamente o melhor e o pior da produção artística. Em 59, a nomeação de Eduardo Malta, para substituir o falecido Diogo de Macedo, na direcção do Museu Nacional de Arte Contemporânea (MNAC), levantou manifestações artísticas contra a decisão governamental. O Estado manteve-se firme, condenando o MNAC a uma morte imediata10. Restava então a SNBA, pólo principal da actividade artística em Lisboa, inicialmente hermética à arte moderna e sob influências académicas11. A persistência e a lenta entrada dos modernistas na direcção da Sociedade permitiram, em 58, a criação de um Salão de Arte Moderna que decepcionava pela «falta de muitos dos melhores artistas verdadeiramente modernos»12. Só em 64, é que a SNBA ganha um novo fôlego com a entrada de Fernando Pernes, ocupando o cargo de secretário-geral, que tinha como funções desenvolver programas, estabelecer contactos e organizar exposições. Logo, as

                                                                                                                                                                         ocasional ou intermitente, e portanto sem quaisquer garantias efectivas de qualidade ou progresso.» - cf. POMAR, Júlio – O futuro da Pintura portuguesa. Comércio do Porto. Nº292 (23 Out. 1956), p.6. 10 PENA, Gonçalo – Instituições, galerias e mercado. In ANOS 60, anos de ruptura: uma perspectiva da arte portuguesa nos anos sessenta. Lisboa: Sociedade Lisboa 94, Livros Horizonte, cop. 1994. 11 «…é com alguma dificuldade que os artistas exteriores às tendências dominantes conseguiram expor nos salões anuais, pelo menos até aos anos 40 e mesmo que o fizessem, pouca era a esperança que tinham de ser premiados com as medalhas tradicionalmente instituídas.» - cf. TAVARES, Cristina Azevedo – A Sociedade Nacional de Belas-Artes: 1901-2001. Um século de história e de arte. Cerveira: Fundação da Bienal de Vila Nova de Cerveira: 2006, p.9. 12 GONÇALVES, Rui Mário – Ob. cit., p.56.

Aspectos do panorama artístico português – Anos 50 e 60: Mercado, Galerias e Coleccionismo

ideias e iniciativas de Pernes ultrapassaram o “vagaroso” conselho técnico e em 66 saiu da SNBA13. Dez anos mais tarde Pernes diz que «as instituições oficiais não souberam propor qualquer programação eficiente, arrastando apenas uma visão de proteccionismo paternalista com triste tradição e infeliz presente.».14

BOLSAS Nos anos 50, o país vivia sob o regime do Estado Novo e num isolamento internacional que obrigou os jovens artistas à emigração europeia – «só resta uma salvação ao pintor: o de emigrar, como nas sucessivas três gerações o fizeram Amadeo, Vieira da Silva e Fernando Lemos»15. Fenómeno migratório de finais de 50, que só foi possível com a Fundação Gulbenkian, criada (legalmente) em Julho de 56. A «fundação milagre», como lhe chama José-Augusto França, «instituída no momento exacto em que a situação económica dos artistas portugueses se tornara calamitosa, passada e repudiada também»16. Fundação que dispunha de um capital privado invejável, em relação aos modestos orçamentos culturais portugueses, estava ligada a uma notável colecção de arte organizada pelo financeiro internacional, o Sr. Calouste Sarkis Gulbenkian. A criação da Fundação Gulbenkian veio aliviar um pouco a tensão que se fazia sentir entre artistas e governo salazarista, muitos dos artistas portugueses viram nas bolsas desta instituição a única solução para escapar ao ambiente opressivo e desvalorativo da arte moderna. A Fundação Gulbenkian não se limitou à distribuição de bolsas de estudo, concedeu, também, prémios a artistas, jovens ou consagrados, organizou exposições e adquiriu obras para o seu futuro museu. Esta instituição veio, sem dúvida, com o seu elevado poder económico, contribuir para o desenvolvimento do panorama artístico nacional, dando algum optimismo. No entanto, José-Augusto França afirma em 1970 que «os bolseiros só voltam para cá, se não têm mais dinheiro em Paris, nem coragem para lá ficar; quer dizer nem possibilidades, nem talento»17. A atribuição de bolsas pela

                                                         13

PENA, Gonçalo – Ob. cit. PERNES, Fernando – Carta do Porto. Centro de Arte Contemporânea. Colóquio Artes. Nº30 (Dez. 1976), p.73. 15 FRANÇA, José-Augusto – Ob. cit., p.515. 16 IDEM, Ibidem, p.533. 17 FRANÇA, José-Augusto - A situação da arte em Portugal. Jornal de Letras e Artes. Nº273 (Janeiro 1970). Cit. por MACEDO, Rita – Artes plásticas em Portugal no período Marcelista 196814

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Fundação não era suficiente para resolver os problemas dos artistas portugueses, havia que lhes preparar o regresso.

GALERIAS Nesta altura, sentia-se a falta de um mercado nacional que estava relacionada com a ausência de galerias e com a dificuldade da própria arte moderna em impor-se. Um estudo do Observatório das Actividades Culturais18 refere que em 1962 existiam 3 galerias em Portugal, em 1973 contam-se 31, 15 em Lisboa, 11 no Porto e 5 no resto do país. Até aos anos 50 foram quatro as experiências falhadas, precisamente por não haver um público educado para a compra de obras de arte e para a sua fruição. Como já foi referido, quem comprava eram as classes abastadas, o Estado e certas instituições particulares que na época não demonstravam interesse pela arte moderna. É importante salientar que a elite cultural portuguesa privilegiava a literatura e a poesia, remetendo as artes plásticas para segundo plano. A Galeria UP (Dezembro 1932 – 1938), a primeira galeria comercial independente do Estado (Fig.1), realizou a primeira exposição de arte abstracta de Arpad Szenes e Vieira da Silva, desde Amadeo de Souza-Cardoso. A galeria chegou mesmo a assinar contratos com artistas para aí fazerem as suas exposições e manterem as suas obras em depósito para venda. Só dez anos mais tarde surgem outras tentativas, a Galeria Stop, de fugaz duração, a Buchholz, livraria alemã, e a Instanta, loja de artigos fotográficos. Estas duas últimas não conseguiram obter êxito com as suas salas de exposições. A Galeria de Março19, proposta mais séria e consistente, inicia uma nova fase no panorama das galerias. Durou cerca de dois anos (Março de 1952 – Junho de 1954) e, dirigida pelo crítico José-Augusto França e pelo pintor Fernando Lemos, acolheu todas as propostas artísticas, tendo como critério máximo a qualidade das obras. Abriu com a grande exposição de Almada Negreiros, que há onze anos não expunha individualmente, sendo o seu único êxito de vendas. O insucesso da galeria foi motivado pelo desinteresse

                                                                                                                                                                         1974. Lisboa: [s.n.], 1998. 1 vol., 286 f. Tese de mestrado defendida na Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, (exemplar policopiado), p.86. 18 SANTOS, Maria de Lourdes Lima dos; MELO, Alexandre; MARTINHO, Teresa Duarte (coord.) – Galerias de Arte em Lisboa. Lisboa: Observatório das Actividades Culturais, 2001. Colecção OBS – Pesquisas 9, p.115. 19 Vd. FRANÇA, José-Augusto - Da Galeria de Março (R.I.P.) até hoje. In FRANÇA, José-Augusto – Quinhentos Folhetins. - Ob. cit., p.186-188.

Aspectos do panorama artístico português – Anos 50 e 60: Mercado, Galerias e Coleccionismo

dos compradores pelas obras expostas, juntamente com os preços baixos que se pediam por obras de artistas consagrados, como Almada e Vieira da Silva. Não conseguiu sobreviver, faltava-lhe a «vertente comercial na manutenção de um projecto expositivo com ambições de autonomia e de independência face aos academismos.»20. Durante a sua existência fez-se o Prémio da Jovem Pintura, o Salão de Arte Abstracta e vinte e nove exposições. A década de 50, no Porto, era marcada por uma realidade bastante diferente e até avançada em relação à vida cultural lisboeta, o nível das instituições públicas era muito superior, tendo uma maior receptividade perante os artistas modernos, o que provocou uma emigração de estudantes lisboetas para o Porto. Na capital, o estudante de escultura Sebastião Fonseca escreveu um artigo, onde chegou mesmo a afirmar que para ele e para os seus colegas «era mais útil conversar com os amigos nos cafés e folhear livros de arte na vizinha livraria Bertrand do que frequentar as aulas da Escola.»21. Em 54, é criada a Academia e Galeria Alvarez22 pelos pintores Jaime Isidoro e António Sampaio com o objectivo de divulgação da arte moderna, apostando inicialmente em artistas já consagrados, a galeria23 inaugurou a 15 de Outubro com uma exposição de Carlos Botelho. O sentido de oportunidade, a capacidade de arriscar, a atitude empreendedora na organização de eventos artísticos24 e a falta de concorrência, fizeram a Galeria Alvarez evidenciar-se no comércio de arte moderna no Porto, conseguindo sempre fazer algum negócio, situação oposta ao que acontecia em Lisboa. De volta a Lisboa, em 56, a Pórtico surge de uma iniciativa de um grupo de alunos de Belas-Artes – René Bertholo, Lourdes Castro, José Escada e Costa Pinheiro, que promovia jovens pintores. Durou três anos, mantendo uma programação regular até

                                                         20

PIMENTEL, Maria Cristina (ed. lit.) - Citações, situações: uma travessia antológica. [Porto: Porto 2001 SA], 2001, p.17. 21 Cit. por ARTE portuguesa nos anos 50. Beja: Câmara Municipal; Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1992. 22 A 4 de Maio de 1954 é inaugurada a Academia Dominguez, uma academia de desenho e pintura, cuja frequência era opcional ou complementar à Escola Superior de Belas Artes do Porto (ESBAP), estando aberta também a interessados em arte e a quem gostasse de aprender. 23 «Acontece que havia necessidade da criação de uma galeria de arte, mostrar obras consagrados da arte moderna, intenção educativa para os alunos da Academia e existir um espaço para o público contactar com as novas tendências artísticas.» - cf. GALERIA Alvarez: 50 Anos Depois, 1954-2004. Porto: Galeria Alvarez, 2004. A galeria ainda hoje, é dirigida pelo pintor Jaime Isidoro e pelo seu filho, é a mais antiga galeria de arte portuguesa em actividade, sem qualquer interrupção. 24 Em 64, Jaime Isidoro abre um ateliê em Valadares, «Casa da Carruagem», onde se realizavam colóquios, exposições e happenings. 19

 

1957, ano em que foram atribuídas aos seus quatro impulsionadores bolsas da Gulbenkian. A partir da década de 60, as galerias comerciais tiveram um aumento significativo, na sua maioria apoiadas no comércio livreiro25. Consistiam em pequenas salas de exposições, que por razões económicas e de subsistência relacionavam num mesmo local a venda de livros e uma galeria de arte, criando assim um novo pólo de interesse na livraria, mantendo essa actividade com as receitas resultantes da venda de livros. Aos poucos, deixaram de ser meras salas de exposição, procurando formar uma clientela com falta de hábitos culturais. São elas: a Diário de Notícias, a Divulgação, a 111, a Bulchholz e a Quadrante. O jornal Diário de Noticias, que já tinha uma livraria, abre em 57 uma galeria dirigida por Faria de Carvalho. Embora, mais “pobre” culturalmente, tinha o apoio financeiro do jornal, o que lhe permitiu sobreviver até 69, ao contrário da Galeria de Março e da Pórtico. No início, não havendo outra galeria, a Diário de Notícias não teve dificuldades em manter a sua actividade até 1963, altura em que a sucursal lisboeta da Livraria Divulgação abre e torna-se na sua principal concorrente. A Divulgação, uma prestigiada livraria do Porto, em 58 transforma o seu primeiro andar em galeria. Foi Jaime Isidoro quem aconselhou Fernando Fernandes e organizou a primeira exposição, a 19 de Junho de 1958, com artistas da sua própria galeria. Foi a primeira a abrir uma filial em Lisboa, em 1963, diminuindo a situação de isolamento entre a capital e o Porto e divulgando o que havia de melhor tanto no campo da literatura como no campo das artes plásticas. Outras, foram as galerias que seguiram o seu exemplo, com mais ou menos sucesso. Com a saída de Fernando Pernes26, que estava encarregue pela programação da galeria, a Divulgação foi rapidamente ultrapassada, fechando as suas portas em 1968. Mais três foram as galerias, ligadas ao comércio do livro, que abriram em Lisboa. Em 64 abre a Galeria 111, dirigida por Manuel de Brito, foi sem dúvida, a galeria que melhor conseguiu ultrapassar as dificuldades financeiras através do seu sucesso comercial, criando o que já começava a ser um mercado e sobrevivendo até aos dias de hoje. A Buchholz (1965-1975), sem qualquer interesse comercial e com uma maior coerência

                                                         25

«Ninguém, no inicio da década de 60, abriria uma galeria com a intenção de vender pintura moderna.» – cf. PENA, Gonçalo – Ob. cit. 26 Fernando Pernes permaneceu na galeria um ano, promovendo exposições de jovens artistas portugueses e realizando os primeiros happenings no país.

Aspectos do panorama artístico português – Anos 50 e 60: Mercado, Galerias e Coleccionismo

programática, teve como director artístico o crítico Rui Mário Gonçalves. A Quadrante (1966-1974) dirigida por Artur Rosa, com uma programação mais vanguardista e polémica, estava orientada para a juventude, foi de certa maneira uma continuidade do projecto da Divulgação de Fernando Pernes. À semelhança das livrarias que se serviram das galerias para formar um novo pólo de interesse, também as casas de artigos decorativos, antiquários e leiloeiras o fizeram, adequando a sua experiência a novas funções. Em 68, a Galeria S. Mamede abre a partir de um antiquário. Fernando Pereira Coutinho, o proprietário, soube orientar a sua importante clientela – capitalistas, industriais e coleccionadores – para a compra de arte moderna, até aí «limitada ao gosto do quadro, do móvel e da cerâmica antiga»27. No mesmo ano surge a Galeria Dinastia, a partir de uma casa leiloeira, dirigida por Alexandre Amorim Fernandes, foi a primeira galeria portuguesa direccionada para exposições internacionais. Num clima de fraca descentralização, é de citar os exemplos de entidades promotoras de exposições, como a Biblioteca Museu Municipal de Amarante, a Câmara Municipal de Almada ou o Governo Regional do Funchal. A Galeria Ogiva, inaugurada em 1970, em Óbidos, é também um caso complementar de descentralização, idealizada pelo escultor José Aurélio, foi bem concebida e sucedida. Ao nível dos dois grandes centros, Lisboa e Porto, surgem duas grandes associações culturais, a Cooperativa de Gravadores Portugueses, C.R.L. e a ÁRVORE – Cooperativa de Actividades Artísticas. A primeira, em Lisboa, constituída em 1956 por um grupo de artistas e de amadores de arte, veio responder à necessidade de manter uma informação tanto quanto possível actualizada da modalidade, expondo obras de artistas nacionais e estrangeiros, ou mostrando os resultados dos próprios cursos de gravura que promoveu28. A segunda, inaugurada em 1963 no Porto, uma instituição cultural sem recursos financeiros organizada pelos próprios artistas «jovens, quase todos ligados às Artes Plásticas, que nos seus encontros de café facilmente constatavam a falta na cidade do Porto de um organismo que

                                                         27

FRANÇA, José-Augusto - Da Galeria de Março (R.I.P.) até hoje. In FRANÇA, José-Augusto – Quinhentos Folhetins. – Ob. cit., p.188. 28 Vd. MASCARENHAS, João Mário (coord.) - Cooperativa de Gravadores Portugueses, C.R.L. 48 anos de gravura em Portugal. Os primeiros anos (1956-74). Lisboa: Biblioteca Museu República e Resistência, 2004. 21

 

congregasse os interesses e a dinâmica desse sector, um pouco desamparado»29, era um espaço único e constituía uma alternativa às galerias.

MECENATO Paralelamente,

empresas

e

bancos

desenvolveram

iniciativas

de

mecenato,

nomeadamente a General Motors, pioneira neste tipo de patrocínios, a Sociedade Comercial Guérin e o Banco Português do Atlântico30. De maior importância, foi o Prémio Soquil31, oferecido pela Sociedade Química Industrial Lda., de Lisboa. Atribuído com regularidade e continuidade, premiando o artista que mais se destacou durante a temporada, tendo em atenção as exposições e outras manifestações públicas do artista em questão. Pela primeira vez, teve como júri um grupo constituído por elementos da associação dos críticos (AICA), acabando-se com a hipótese de os artistas avaliarem os seus pares32. É importante referir, que a prática do mecenato pelas empresas era uma forma de autopromoção, pois quem leva a cabo uma exposição ou dá um prémio, propagandeia-se, sendo este, sem dúvida, um meio de publicidade para a firma instituidora do prémio. No entanto, quando bem feito e organizado, valorizou artistas e o seu trabalho. Outros prémios, mais modestos, foram atribuídos. O mais antigo data de 53, o Prémio da Jovem Pintura33, de reduzido valor monetário e oferecido pelo Círculo de Amigos da Galeria de Março e pela Casa Ferreira. E o prémio Estímulo, organizado pela SNBA e patrocinado pelas galerias na Galeria de Verão34. Ambos tinham como objectivo divulgar e premiar o trabalho de jovens artistas. Mas não era só em Portugal que eram atribuídos

                                                         29

GONÇALVES, Egito – A Árvore - 30 anos de vida. In LIMA, Manuela de Abreu e (coord.) Árvore das Virtudes: 38 anos com a cidade. Porto: Cooperativa de Actividades Artísticas, C. R. L. D.L., 2001, p.34. 30 Vd. FRANÇA, José-Augusto – Iniciativas e prémios. In FRANÇA, José-Augusto – Quinhentos Folhetins. - Ob. cit., p.301-303. 31 Vd. FRANÇA, José-Augusto - Sobre o “Prémio SOQUIL”. In FRANÇA, José-Augusto – Quinhentos Folhetins. Ob. cit., p.311-313. 32 No ano de 1968 a Sociedade Comercial Guérin organizou uma exposição, cujo júri era constituído nomeadamente por artistas, o que provocou polémica nas nomeações. 33 No início da década de 50, com o encerramento da SNBA em 52 e com as Exposições Gerais Plásticas a perderem sentido, o aparecimento do Salão da Jovem Pintura e o do I Salão de Arte Abstracta da Galeria de Março foi importante pois, surgiram como uma alternativa aos espaços do SNI e da SNBA. Vd. FRANÇA, José-Augusto – O «Prémio da Jovem Pintura» 1953. Colóquio Artes. Nº34 (Junho 1965), p.35-40. 34 PENA, Gonçalo – Ob. cit.

Aspectos do panorama artístico português – Anos 50 e 60: Mercado, Galerias e Coleccionismo

prémios, o coleccionador Manuel Vinhas, administrador da empresa cervejas “Cuca”, patrocinou duas exposições modernas em Luanda, uma em 55 e outra em 60. Outra forma de mecenato foi o Clube dos Cem-Cem35, fundado em 66 pelo brasileiro Henrique Midling. Cem coleccionadores davam cem escudos por mês, reuniam-se mensalmente e sorteavam duas ou três obras de um artista português vivo, que normalmente estava presente nestes sorteios. Muitos eram os interessados em pertencer a este grupo, dispostos a ter um quadro de 10 contos por 100 escudos. Havia os escolhedores36 (seleccionado pelos associados) que elegiam as obras que pertenciam a jovens artistas com pouco sucesso comercial. O clube, para além de ser um bom investimento, tinha como objectivo incentivar e divulgar a arte portuguesa, apoiando os jovens artistas. As compras do Clube dos Cem-Cem ultrapassavam, anualmente, o orçamento do Museu de Arte Contemporânea. Durou três anos, acabou por não resultar devido a dois factores: quem já tinha ganho uma obra já não podia entrar no sorteio e, por isso, acabava por não pagar a cota e porque quem oferecia a casa para estes sorteios acabava por gastar muito mais do que o valor da cota.

MERCADO DE ARTE O que se fez de mais interessante culturalmente na década de 50, não se deveu ao Estado, mas sim à iniciativa de artistas e críticos, numa tentativa de «modernização dos programas da SNBA; experiências nas artes decorativas; criação da Cooperativa de Gravadores Portugueses; intervenção no ensino, no movimento das páginas culturais dos jornais; criação de galerias de arte…»37. No entanto, até ao final desta década não existe um mercado sério - «Tentar vender pintura em Portugal era como procurar vender frigoríficos no pólo Norte: as pessoas não precisavam»38 - só os pintores chamados de “académicos” tinham um público certo que comprava regularmente nas exposições na SNBA.

                                                        

35 Vd. FRANÇA, José-Augusto - Cem vezes cem. In FRANÇA, José-Augusto – Quinhentos Folhetins. - Ob. cit., p.179-182. 36 Rui Mário Gonçalves foi uma vez escolhedor, como gerente da Galeria Buchholz arranjava obras mais baratas mas de boa qualidade. 37 ARTE portuguesa nos anos 50. Beja: Câmara Municipal; Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1992. 38 FRANÇA, José-Augusto – O futuro da pintura portuguesa. Comércio do Porto. Nº292 (23 Outubro 1956), p.6.

23

 

Podemos dividir a década de 60 em dois períodos: 63-68 e 68-74. No primeiro, dá-se a multiplicação de galerias ligadas a livrarias, que procuram formar um público. Fernando Pernes afirma que «Não deixa de ser curioso notar o facto de várias das mais importantes galerias de arte lisboetas terem aparecido ligadas a livrarias, numa declarada confissão de impossível independência económica»39. As galerias tentaram implantar o gosto das artes plásticas através do livro e do seu público, uma vez que estes, tendo uma visão cultural mais abrangente, «seriam predispostos espectadores activos de pintura ou escultura»40. As exposições eram frequentadas por um pequeno público, normalmente constituído por alguns coleccionadores, pelos amigos dos artistas, “intelectuais de vanguarda” ou por uma “juventude ansiosa”. A maior parte deste público era informado e tinha um conhecimento artístico, contudo tinha dificuldades financeiras e não possuía o capital necessário para comprar e investir em arte. O comércio do livro era uma forma de sustentação económica de uma actividade regular de exposições de pintura. Com as galerias nascem os marchands, surgem de maneira organizada e com uma consciência profissional que não existia. As opiniões dividiam-se relativamente a esta “nova” profissão, por um lado os marchands eram simples intermediários que exploravam os artistas41, por outro lado eram imprescindíveis na venda do seu trabalho42. O mercado português passou de repente a existir com o aparecimento e a definição de marchands43. No segundo período dá-se um fenómeno financeiro de natureza especulativa, em que os coleccionadores compravam as obras de arte como forma de investimento. Um factor muito importante, e que contribuiu bastante para este fenómeno, foi a facilidade com que se comprava arte no exterior. Com um mercado português isolado e sem obras

                                                         39

PERNES, Fernando – Dinastia, uma nova galeria lisboeta. Colóquio Artes. Nº47 (Out. 1968), p.44. 40 IDEM, Ibidem, p.44. 41 Em 1959, Skapinakis apelidava os marchands como «cáfila perigosíssima de intermediários que insensivelmente têm não só transformado a arte em negócio mas os artistas em fornecedores, abastardando-se e corrompendo-se.» – cf. PENA, Gonçalo – Ob. cit. 42 «…estão os escritores sujeitos aos editores – e começam a estar os artistas sujeitos correspondentemente aos “marchands”. Se os primeiros não editam por conta própria, parece razoável que os segundos procurem situação semelhante.» – cf. FRANÇA, José-Augusto - Sobre os “marchands”. Diário de Lisboa, (06 Setembro 1968), p.183-185. 43 «Não se suponha, porém, que ser “marchand” é apenas saber vender: há (sobretudo!) que saber comprar, com responsabilidade cultural que, traduzida embora em lucro comercial, não deixa por isso de representar um notável papel na vida artística, considerada no seu plano mais nobre ou mais idealista.» – cf. FRANÇA, José-Augusto - A propósito do leilão dum quadro e do preço atingido. In FRANÇA, José-Augusto – Quinhentos Folhetins. Ob. cit., p.191.

Aspectos do panorama artístico português – Anos 50 e 60: Mercado, Galerias e Coleccionismo

estrangeiras que servissem de comparação para estabelecerem cotações, foi muito fácil basear o mercado em «cotações arbitrárias ditadas ao sabor da especulação»44. O valor da obra de Eduardo Viana, após a sua morte em 67, subiu em flecha, foram muitos os compradores que adquiriram as suas obras por preços baixos e que fizeram um bom negócio com a sua venda. Jaime Isidoro foi um deles, pois soube aproveitar a especulação em torno do espólio de Viana expondo as suas pinturas na Galeria Alvarez, obtendo um enorme sucesso comercial com a sua venda. No mesmo ano, as obras de Almada Negreiros estavam bem cotadas devido à procura dos seus trabalhos fora do circuito público. Três anos mais tarde, o retrato de Fernando Pessoa de Almada Negreiros atingiu o valor record de mil e trezentos contos45 vendido em leilão ao banqueiro Jorge de Brito. «Rui Mário lembrou a história dum quadro que, por 15 contos, ninguém, durante mais de um ano, comprou numa galeria que, subitamente marcado a 80, logo teve quem o levasse por 60…»46. O valor estético da obra foi secundarizado, sendo mais importante o seu valor económico, o princípio burguês prevaleceu – o que é caro é bom. Com o aparecimento das galerias os salões desertificavam-se em termos qualitativos, não tendo qualquer interesse comercial para os marchands. Os artistas passaram a ser “exclusivos” da galeria, a sua protecção «dispensava os artistas de concorrer a prémios, passando estes a medir todos os seus passos pelos dos seus empresários»47. Um bom artista só iria expor num salão se o marchand achasse que seria «uma boa oportunidade de publicidade ou de valorização do produto»48. Rocha de Sousa critica, num artigo seu, o estado do mercado português que «parece continuar a ser um mercado de bastidores feito de relações indirectas, agitado por leilões de obras de arte de artistas já mortos, baseado numa subida artificial das cotações, proposto por uma febre (momentânea?) de capitalização através do objecto artístico que atacou sobretudo a alta burguesia.»49.

                                                         44

PENA, Gonçalo – Ob. cit. O quadro foi encomendado pelo Restaurante Irmãos Unidos, em 1954, por trinta contos. Jorge de Brito ofereceu-o depois ao Museu da Cidade da Câmara de Lisboa. 46 FRANÇA, José-Augusto - “Boom” ou “Boomerang” na valorização de arte. In FRANÇA, JoséAugusto – Quinhentos Folhetins. - Ob. cit., p.194. 47 PENA, Gonçalo – Ob. cit. 48 IDEM, Ibidem. 49 SOUSA, Rocha de – Um mercado. Diário de Lisboa. (9 Jan. 1972). 45

25

 

COLECCIONISMO A nova classe liberal começa a ver na arte moderna uma forma de investimento. Uma elite financeira de grandes industriais e banqueiros começa a formar grandes colecções, como Augusto Abreu e Jorge de Brito, a partir dos contactos com Manuel de Brito (111), Jaime Isidoro (Alvarez) e Francisco Pereira Coutinho (S. Mamede) – «o trio de marchands que controlavam completamente o mercado de arte português»50. No Porto, Augusto Abreu foi um coleccionador que se destacou pela sua cultura e pelo seu conhecimento. Começou a coleccionar nos anos 50, formando um conjunto notável de obras nacionais (Alvarez, Marques de Oliveira, António Carneiro, Almada, Nadir, Costa Pinheiro, Carlos Calvet) e internacionais (Picasso, Vuillard, Toulouse-Lautrec, Léger, Robert Delaunay). Em Lisboa, Jorge de Brito reuniu também uma importante colecção nacional (Silva Porto, António Soares, Eduardo Viana, Mário Eloy, Júlio Pomar) e internacional (Klee, Matisse, Braque, Max Ernst, Giacometti, Dufy). Foi o maior coleccionador mundial da pintora Vieira da Silva, chegando ao ponto dos marchands franceses recearem que Jorge de Brito vendesse as obras da artista, desvalorizando a sua cotação no mercado. O coleccionismo em Portugal é, nesta altura, uma prática pouco comum, segundo JoséAugusto França «Não há em Portugal uma tradição de coleccionar arte, as únicas colecções do século XVIII e XIX foram de estrangeiros (o Allen, o Daupiás, o Burnay) ou de estrangeirados, embaixadores ou ‘brasileiros’ de roda parisiense. Desde o modernismo, as colecções portuguesas têm sido obra ou efeito de ‘companheirismo’ (o que é, aliás, uma bela maneira de estar presente na cultura) e muito, muito raramente, de ‘método’.»51. Estes dois coleccionadores tiveram um papel mecenático relevante no meio português, num período de grande insipiência do mercado de arte. Apoiaram artistas e marchands e, através das suas compras e vendas, contribuíram para a criação de um mercado.

Os anos 60 foram marcados pela atribuição de bolsas da Fundação Gulbenkian e pelo interesse das empresas privadas em organizar concursos e exposições de artes plásticas. Surgem galerias comerciais privadas, surgem marchands profissionais e surge

                                                         50

PENA, Gonçalo – Ob. cit. FRANÇA, José-Augusto - Segundo diálogo do coleccionador e do crítico. In FRANÇA, JoséAugusto – Quinhentos Folhetins. - Ob. cit., p.202.

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Aspectos do panorama artístico português – Anos 50 e 60: Mercado, Galerias e Coleccionismo

um mercado. Os artistas são reconhecidos por um público que aos poucos se alargava através do trabalho das galerias. Simultaneamente, há um desenvolvimento de uma crítica que é assegurada pelos órgãos informativos e culturais de maior massa de leitores. Com a ausência de apoio dos sectores públicos, «as galerias de arte constituíram praticamente o único espaço de legitimação da obra produzida por uma nova geração de artistas à qual não teriam sido concedidas outras oportunidades.»52. Com o 25 de Abril de 1974 – mudança de regime e consequente crise económica – o frágil mercado não conseguiu sobreviver, muitas foram as galerias que fecharam e as que resistiram passaram por graves dificuldades. Só a partir de 77 é que se verifica uma lenta recuperação e reanimação da actividade das galerias, o mercado retoma actividade a ritmo muito reduzido.

                                                         52

MACEDO, Rita – Ob. cit., p.80. 27

 

Capítulo II   Manuel de Brito e a sua colecção       

   

Manuel de Brito e a sua colecção 

PERCURSO Manuel de Brito nasceu a 27 de Abril de 1928, no Brasil, Rio de Janeiro. Os seus pais, Francisca e Manuel, conheceram-se em Portugal, «fugiram porque ele era casado com uma senhora com quem já não vivia há muito tempo. Quando ela descobriu que o meu pai estava no Brasil, foi para lá.»53. Ainda pequeno, foi mandado para Portugal com a mãe, enquanto o seu pai ficou no Brasil para resolver a situação e dar destino aos seus investimentos. Nos primeiros anos, Manuel recebia cartas e presentes, até que deixou de haver notícias. A mãe mandou investigar e disseram-lhe que o pai tinha morrido54. Francisca arranjou um trabalho na Papelaria Progresso como gravadora - impressora de timbragens -, ofício que aprendeu no Brasil. Era a única mulher em Portugal a fazer isto. Aos dez anos, Manuel de Brito é o “miúdo dos recados” da Papelaria Progresso, «passava dias inteiros a dar à manivela numa guilhotina, enquanto o caixeiro só acertava as medidas… Tudo o que era pesado era para o rapazinho.»55. Aprendeu tudo o que podia desde a qualidade, gramagem e espessura dos papéis até às tintas e parte gráfica, retendo toda a informação que ouvia dos mais velhos. A curiosidade e a vontade de saber mais são duas características que vão sempre acompanhar Manuel de Brito, no seu percurso profissional. Inscreveu-se no curso nocturno da Escola Comercial, trabalhava de dia e estudava à noite. «Aos catorze, ao ouvir os seus amigos dizerem que havia nos Correios um óptimo trabalho nocturno que lhes permitia passear de dia»56, Manuel troca o trabalho da Papelaria Progresso para ser boletineiro dos CTT (Fig.2), fazia o turno da noite a distribuir telegramas e estudava de dia. Entretanto, a sua mãe voltou a casar-se. Manuel vivia em conflito permanente com o padrasto, trabalhava para se tornar independente. Aos dezassete emprega-se como caixeiro, na Livraria Escolar Editora, situada na Rua da Escola Politécnica, próxima do Instituto Britânico e das Faculdades de Ciências e de Letras. Antes, ainda trabalhou numa sucursal do Diário de Notícias, foi o seu primeiro contacto com o comércio do livro.

                                                            

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TORRE, Laura Luzes - O prazer da Arte. Máxima. Nº74 (Nov. 1994), p.66. «Aos 30 anos, comecei a sentir-me inquieto, queria saber quem tinha sido o meu pai, onde e como tinha falecido e embarquei para o Brasil. Percorri várias cidades e acabei por descobri-lo. Morreu poucas horas após o nosso reencontro.» - cf. RATO, Sofia – Entrevista a Manuel de Brito. Domingo Magazine (Suplemento do Correio da Manhã). Nº8923 (26 Out. 2003), p.29. 55 IDEM, Ibidem, p.29. 56 IDEM, Ibidem, p.29. 54

31 

 

Tendo experiência de papelaria, quando começou ainda percebia pouco de livros57, contudo trabalhou «noite e dia para a casa se desenvolver e para mostrar [a sua] capacidade»58. Para substituir as folhas avulsas, inventou os cadernos universitários que tinham na capa uma lista da cor de cada faculdade, «com a venda dos cadernos, conseguimos um maior desafogo económico, e assim pude alargar a importação de livros científicos. Em pouco tempo, éramos a maior livraria de livros especializados de Lisboa.»59. Depois do sucesso dos cadernos universitários passou para primeiro empregado e rapidamente, com trinta anos, tornou-se sócio do seu patrão (Fig.3). A proximidade às faculdades e a oferta de livros especializados atraiu uma clientela constituída por professores, políticos e artistas plásticos. Faziam-se tertúlias, onde iam Almada Negreiros, Eduardo Viana, António Soares, Carlos Botelho, Abel Manta, Rómulo de Carvalho, Mário Chicó, entre outros. «Toda a minha formação mais importante vem dali, mais do que dos bancos das escolas. Foi nessa vivência excepcional que me habituei a discutir e a entender coisas de arte»60. É com as tertúlias que começa a desenvolver os seus conhecimentos em arte. A Escolar Editora foi a sua faculdade e os seus mestres os professores da Faculdade de Ciências que frequentavam a livraria.

GALERIA 111 Em 1960 a Escolar Editora abriu uma sucursal no número 111, no Campo Grande, situada entre duas grandes livrarias61, próxima de duas importantes faculdades da                                                             

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Manuel de Brito durante o seu percurso profissional reuniu inúmeras histórias curiosas e até cómicas. Numa, das muitas entrevistas que deu, conta como se foi ambientando aos livros: «Um dia entrou na livraria um homem que me perguntou se tínhamos A Chave da Electricidade. Olhei-o e pareceu-me, pelo aspecto e roupa, tratar-se de um operário. Logo pensei que ele pretendia a chave da portinhola exterior da caixa de electricidade. O que eu ignorava é que o homem se estava a referir ao título de um livro técnico. Imagine-se-lhe quando eu, muito solícito, lhe digo: ‘Não, não tenho. Mas já perguntou no sapateiro, aqui do lado? Ele é capaz de a ter.’» - cf. MAUPERRIN, Maria José – Manuel de Brito. “A minha meta nunca foi o dinheiro”. Expresso. Nº1263 (11 Jan. 1997), p.37. 58 TORRE, Laura Luzes – Ob. cit., p.69. 59 MAUPERRIN, Maria José – Ob. cit., p.35. 60 PINTO, Constança Vaz - À conversa com Manuel de Brito. Magazine Domingo. (11 Fev. 2001), p.53. 61 Jorge Silva Melo, um estudante na altura que a livraria abriu, descreve o ambiente livreiro da esquina do Campo Grande: «E naquela esquina do 111 do Campo Grande havia três livrarias: uma mais comercial, que ainda lá está, fraquita, vendendo Mourinhos e Rebelos Pintos a quem quer que passe, uma mais universitária, que já fechou e onde apareciam de vez em quando stocks fantásticos de livros de Itália (…) e havia a propriamente dita 111, a fazer esquina, de montras amplas e renovadas, onde, por esses anos, se mostravam os Brathes de Seuil e o inevitável

Manuel de Brito e a sua colecção 

Universidade Clássica, a Faculdade de Letras e a de Direito. Quando a sociedade terminou, Manuel de Brito fica com a livraria no Campo Grande, passando a chamar-se Livraria 111 (Fig.4). «Estávamos na ‘Cave do Brito’ como dizíamos familiarmente, carinhosamente»62, recorda Mário de Carvalho numa das suas crónicas para o JL, era ali que encontrava os livros estrangeiros proibidos «com que compúnhamos as bibliotecas que a PIDE63, mais tarde, iria apreender em nossas casas.». Rui Mário Gonçalves também relembra os seus tempos de estudante em que ia à livraria de Manuel de Brito - «Ali, nós íamos comprar os livros de estudo e (…) não eram apenas livros de estudo, eram também alguns livros que na altura eram proibidos e que para mim eram necessários por curiosidade cultural e, também, como instrumento de resistência moral ao regime e à época que eram os anos 50, extremamente pressionados pela censura.»64. Tudo o que referenciasse filosofia, economia, marxismo, existencialismo, reforma agrária, movimentos estudantis era considerado subversivo pela censura e pela polícia política. Vivia-se num ambiente de repressão, as capas dos livros e dos discos eram alteradas para capas de literatura de aventura e de música clássica e os livros eram encomendados em pequenas quantidades para poderem passar pela alfândega. Manuel de Brito recorda-se quando encomendou O Capital de Karl Marx: «Fiquei à espera da encomenda até que, passado algum tempo, fui chamado à PIDE. Quando entro na sala, reparo que num canto, perto de uma janela, estavam várias caixas com livros. Eram os exemplares de O Capital que eu mandara vir de França. Lá ficaram para sempre na PIDE.»65. Por vender clandestinamente livros que o regime considerava de subversivos, Manuel de Brito foi sujeito a inúmeros interrogatórios na PIDE, a julgamentos no tribunal plenário e a cerca de sessenta autos de apreensão, com as consequentes rusgas e entradas na livraria - «Uma vez foram a minha casa, onde passaram tudo a pente fino, inclusive o berço onde o meu filho estava a dormir.»66. Chegou mesmo a vender, “por

                                                                                                                                                                                     Saussure (…)» cf. MELO, Jorge Silva - Aquela esquina do Campo Grande. Magazine Artes. Nº14 (Janeiro de 2004), p.8. 62 CARVALHO, Mário de – A cave do Brito e o triunfo de Bukharine. JL: Jornal de letras, artes e ideias. Nº245 (16 a 22 Março 1987), p.19. 63 Polícia Internacional e de Defesa do Estado. 64 MANUEL de Brito. ‘Marchand’ e coleccionador de arte. Lisboa: RTP, 1994. 1 disco áudio (dvd). 65 MAUPERRIN, Maria José – Ob. cit., p.36. 66 IDEM, Ibidem, p.36.

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baixo do balcão”, reproduções da Guernica de Picasso, proibidas na altura por serem símbolo da esquerda nacional. O livreiro, nunca se tendo filiado num partido, ajudou a fugir da polícia de choque, numa manifestação, o irmão e pai de Maria Barroso, abrigou na sua cave grupos de estudantes que fugiam, igualmente, da polícia e transportou, durante a noite, estudantes universitários para fora do país. Dedicou-se à causa da liberdade, tendo sempre uma preocupação social. Sempre lutou contra o regime fascista. Procurou dinamizar a livraria com recitais67 de poesia, lançamentos literários, pequenas exposições e uma discoteca - «Antes de haver a 111, (…) eu já andava inquieto porque na livraria só se viam livros. Então fui ao Norte falar com a Rosa Ramalho (Fig.5) e passei a mostrar uns bonecos dela, mesmo antes de haver a Galeria. Também havia discos, do Chant’s du Monde e de música clássica, do Deutsch Gramophone, mas era tudo feito, como se diz no futebol, ‘com a baliza às costas’.»68. Foi Alfredo Betâmio de Almeida69, professor do liceu Pedro Nunes, quem o motivou a fazer um pequeno espaço para exposições na livraria. Quando passou para o Campo Grande perdeu a relação diária com os artistas, Betâmio disse-lhe: «você anda amargurado com a sua falta de relação com a arte, longe dos seus amigos artistas. Porque é que não faz uma galeria?»70. Manuel aceitou o desafio e destinou um cubículo na sua livraria, para expor artistas novos, à semelhança do que já era feito na Livraria                                                             

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«Como por alguma ponta se tem de começar, comecemos por dizer que o livro de Luiza Neto Jorge “Dezanove Recantos” foi apresentado ao público num recital organizado pela Livraria 111. Convém chamar o interesse de tais iniciativas, felizmente cada vez mais frequentes, sobretudo pelo esforço notável da Livraria Quadrante, e agora da Livraria 111. Estas reuniões põem o público em contacto com os autores e com as obras, restituem às obras o seu peso de falas humanas, possibilitam um confronto de perspectivas sempre útil e enriquecedor. Transforma-se assim as livrarias em locais de convívio e debate, em lugares para bons e maus encontros. A divulgação dos livros passa-se a fazer em condições bastante mais vantajosas para o leitor e para o autor. Vale a pena, pois, prosseguir com tais empreendimentos.» - cf. COELHO, Eduardo Prado - Um novo discurso? Diário de Lisboa. (26 Abril 69). 68 VASCONCELOS, Helena - Manuel de Brito. Arte de Viver. Espiral do tempo. Nº17 (Verão 2005), p.65. 69 «Lembro-me de Alfredo Betâmio de Almeida que me deu a primeira lição de arte abstracta. Na altura estava a fazer uma montra de livros daquela forma. Respondi-lhe que o que me interessava era vender e colocar em destaque as novidades, com sentido prático. Mas ele respondeu que eu podia fazer isso e ao mesmo tempo dar uma tónica mais artística. Dei-lhe, então, os livros e disse para ele fazer a montra, o que aconteceu; e enquanto fazia a montra foi-me falando dos mestres da abstracção geométrica. A partir desse dia nunca mais fiz a montra de outra forma!». Cf. AMARAL, Lúcio e Moura e CARVALHO, Rosário Correia de - Manuel de Brito em entrevista. Artcom. (19 Julho 2002). 70 VASCONCELOS, Helena - Ob. cit., p.65.

Manuel de Brito e a sua colecção 

Divulgação. A galeria tinha cerca de 3 metros por 3, «cabiam seis quadros e mal»71. No início, as opções artísticas estiveram a cargo do escultor Fernando Conduto, que conhecera Manuel de Brito, por intermédio de António Areal e Rui Mário Gonçalves. Conduto, aconselhado por estes, convida a expor na 111 um «grupo restrito e exterior a qualquer sistema de reconhecimento mercantil e também crítico»72, radicado em Évora, constituído por Joaquim Bravo, Álvaro Lapa, Palolo e Charrua. A galeria inaugurou, a 3 de Fevereiro de 1964, com a primeira exposição individual de Joaquim Bravo73. Começou a sua actividade com jovens artistas, a 26 de Fevereiro e a 21 de Março, expõem individualmente pela primeira vez Lapa e Palolo, respectivamente. António Palolo acabou mesmo por se tornar num símbolo da galeria. Eurico Gonçalves, João Vieira, Santa Bárbara, António Sena, Maria Velez, Charles Gordon, Vespeira e Ferreira da Silva foram os artistas que expuseram no primeiro ano da galeria. Durante quatro ou cinco anos, Manuel de Brito manteve as duas profissões, a de livreiro e a de galerista. Nunca pensou mudar de emprego, «era apenas um livreiro com apêndice de galerista.»74.  O galerista refere, nas várias entrevistas que deu, que a abertura de um pequena sala de exposições deu-se pelo seu amor à arte e sem qualquer intuito comercial e tinha como objectivo conviver com os seus amigos, relacionar-se com os pintores da época e mostrar as obras de artistas jovens que nunca tinham exposto, ainda desconhecidos do grande público. Desejava recuperar o convívio das tertúlias que tiveram lugar na antiga livraria da Rua da Escola Politécnica. «Posso dizer-lhe que durante 5 anos não vendi um único quadro! E com exposições regulares. Mas a verdade é que nem me passava pela cabeça vender, nem tinha essa intenção, nem esse objectivo!»75. A galeria sobrevivia à custa da livraria, a venda do livro subsidiava a divulgação da obra de arte moderna. A «pequena e simpática» galeria começara bem. Para além das exposições realizavamse, tal como em outras livrarias-galerias, inúmeras sessões de lançamentos e                                                             

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IDEM, Ibidem, p.65. PINHARANDA, João – Bravo: há tanto tempo, ainda agora. Público. Nº1430 (sexta-feira, 4 Fev. 1994), p.3. 73 «As pinturas de Bravo sobre platex, uma dezena de títulos de pequenas e médias dimensões, tinham preços significativos (de três mil a sete mil escudos), num período não mercantil e para um artista que se estreava.» - cf. PINHARANDA, João – Ob. cit., p.3. 74 MARTINS, Maria João - Manuel de Brito. O marchand romântico. Jornal de letras, artes e ideias. Nº631 (21 Dezembro 1994 a 3 Janeiro 1995), p.12. 75 AVILLEZ, Maria João – Manuel de Brito, marchand e algo mais. Espaço T Magazine. Nº34 (Abril 1983), p.20. 72

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apresentações e leituras de livros76, coordenadas por Gastão Cruz. A galeria fez ainda edições de livros e de gravuras. Em 65 lançou o livro Poesia Portuguesa do Pós-Guerra 1945-1965, em 66 a versão portuguesa do Pantagruel de Rabelais, ilustrado por Pomar e em 70 a apresentação dos livros Ruy Belo e Fiama Hasse Pais Brandão. O artigo Poesia houve mais tarde do Diário de Noticias exprime e descreve bem o ambiente que se vivia na altura: «Na Galeria 111. No Brito, 111 também. Comecei por admirar um quadro de Karel Appel, de quem vai ser a próxima exposição. Admirei dois quadros espantosos de Palolo e quatro originais de Vieira da Silva. Vi a exposição do Espiga Pinto, de que gostei. E quando já toda a gente estava sentada no chão, esgotando por completo a lotação da cave na 111, começou o recital. Sem qualquer intuito comercial, o Brito manda convites. A casa enche-se de gente jovem e não jovem, que gosta de ouvir poesia. Disseram-se poemas de António Torrado. De Armando da Silva Carvalho. De Fiama Hasse Pais Brandão. De Gastão Cruz. De Luísa Neto Jorge. De Maria Terena Horta. De Rui Belo. O próprio Rui Belo se sentava no chão. A Fiama chegou atrasada, mas com um ar tranquilo e seguro que me deixou invejosa. Quanto a inveja, não posso deixar de dizer que a sinto todas as vezes que vejo o Gastão. Sei que é novo. Mas de dia para dia rejuvenesce. É impressionante. Recitaram Ana Maria Teodósio. Denis Cintra-Helena Domingos e Luís Miguel Cintra. Aqui, paro. Luís Miguel Cintra tem um olhar, uma expressão, uma sobriedade extraordinários. Nem um gesto. Apenas os olhos e a voz nos dão o poema. Houve, de facto, poesia naquela tarde da 111. E houve um grande declamador. Luís Miguel Cintra.»77. «Fazia-se um cartaz, que colocávamos na montra, a anunciar a mostra.»78. Era um ambiente de amadorismo, os cartazes eram exemplares únicos (Fig.6 e 7), artesanalmente concebidos pelos próprios artistas e expostos na montra da galeria e o catálogo era executado em duplicador e impresso em papel de embrulho (Fig.8). Os quadros não se vendiam. Não se podia contar com as instituições e museus e os coleccionadores desta época eram poucos e só compravam artistas de nome feito, não estando interessados nos jovens talentos.

                                                            

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«Ainda hoje não entendo muito bem como é que por vezes concentrávamos numa pequena cave mais de cem pessoas a assistir a um recital de poesia.» - cf. BRITO, Manuel – Galeria111. Interempresas. Nº6, [s.d.] p.51. 77 POESIA houve mais tarde. Diário Popular. (5 Junho 1969). 78 MAUPERRIN, Maria José – Ob. cit., p.38.

Manuel de Brito e a sua colecção 

Foi o artista Marcelino Vespeira que desenhou o logótipo da 111 (Fig.9), que aparece pela primeira vez no convite da exposição de Charrua a 17 de Março de 1965, foi também Vespeira que ficou encarregue pelos «primeiros catálogos da galeria dignos desse nome»79, como recorda Manuel de Brito. A orientação de Fernando Conduto apenas durou um ano, por discórdia na escolha dos artistas, «a separação é tida como certa pela recusa de Conduto de incluir Vespeira na lista de artistas da galeria.»80. Deixa a galeria e leva consigo os artistas com quem tinha trabalhado: Maria Velez, Sá Nogueira, António Sena, Charrua, entre outros. Manuel de Brito comenta: «Essa ruptura talvez tenha sido o ponto de partida para me tornar o galerista que sou.»81. Foi Fernando Pernes quem substitui Conduto, que já longe dos tempos gloriosos da Divulgação, manteve a qualidade geral das exposições sem interferir na política da galeria. É a partir de 1967, que a galeria dá um salto importante na comercialização de obras, consequência do aparecimento de um mercado de arte, até então incipiente. Com a subida em flecha do valor comercial das obras de Viana e de Almada e com a saída de Salazar da cena política, instalou-se um verdadeiro clima de confiança, o que levou muitas pessoas a investir em arte moderna, facto que também contribuiu para uma crescente actividade, em defesa da necessidade de um mercado, por parte dos críticos profissionais ao longo da década. «Havia muito dinheiro a circular, e as pessoas começavam a perceber que arte poderia ser um bom investimento.»82. Foram dois os factores que contribuíram para o sucesso de Manuel de Brito como galerista. Em 66, criou-se o Clube dos Cem-Cem que sorteava mensalmente duas ou três obras de arte pelos seus associados, onde o galerista exercia a função de tesoureiro. Dois anos depois o clube dissolve-se e Brito, ficando com o valioso espólio de contactos, com uma centena de potenciais clientes, decide formar o Clube Amigos da 111. «Em vez de institucionalizar a venda de arte a prestações, preferi criar o Clube dos Amigos da 111, que se manteria até 1970.»83. Tal como no clube anterior, os sócios pagavam cem escudos por mês, beneficiando de 10% de desconto na compra de obras de arte na 111, passando a comprar na sua galeria obras de artistas portugueses, embora tivessem                                                              79

IDEM, Ibidem, p.39. IDEM, Ibidem, p.39. 81 IDEM, Ibidem, p.39. 82 IDEM, Ibidem, p.40. 83 IDEM, Ibidem, p.40. 80

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liberdade para comprar fora do acervo da galeria - «Curiosamente, ninguém comprou noutro lado que não fosse a 111»84. É também nesta altura que Manuel de Brito conhece Jorge de Brito (Fig.10), através do artista Vespeira que se relacionava com Luís Neves, compadre e antigo colega de Jorge de Brito no Banco Espírito Santo. Manuel fica com a incumbência de escolher e comprar obras de arte para este grande banqueiro, ganhando com isso uma comissão. Jorge de Brito era um coleccionador apaixonado e com grandes possibilidades financeiras. Não comprava por interesse comercial, «estava no espírito do Jorge de Brito fazer uma fundação ou um museu. E resolveu, a partir dessa altura – se quiser, ele com a sua bolsa e eu com os meus conhecimentos -, fazer uma pinacoteca ou uma colecção apontada para um museu de arte moderna, que seria grande ou pequeno conforme o que pudesse ser feito»85, projecto que nunca se realizou. Tendo obtido a confiança do coleccionador, o galerista fez uma série de transacções. A primeira, e a mais importante, foi a transacção da maioria das pinturas do antigo «Leão de Ouro» em 1969, pertencentes a Francisco Ramos Costa, na altura exilado em Paris. É a partir deste período que se dá a profissionalização de Manuel de Brito como galerista, algo que nunca pensou fazer, «nem pensava sequer no tormento de um dia ter que decidir entre as profissões de livreiro ou de galerista. Sem nunca perder o lado livreiro, que para mim significa o mesmo que respirar, acabei por adoptar definitivamente a profissão de galerista.»86. Em 1970, a Galeria 111 ganha um espaço próprio no número 11387 (Fig.11), com as comissões que ganhava com Jorge de Brito, Manuel conseguiu investir num espaço autónomo, de características vincadamente comerciais, com um nome e um projecto a defender. «Foi a partir desse relacionamento que tive a possibilidade de ver e conviver com aquilo que nunca imaginei.»88. A partilha do pequeno espaço de exposições com a livraria havia sido, entretanto, ultrapassada e as preocupações do galerista privilegiavam um crescimento assente num grupo fidelizado de artistas com qualidade, aceitação e simpatia da crítica.                                                             

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MAUPERRIN, Maria José – Ob. cit., p.40. AVILLEZ, Maria João – Ob. cit., p. 23. 86 AMARAL, Lúcio e Moura e CARVALHO, Rosário Correia de - Ob. cit.. 87 Este novo espaço inaugurou no dia 27 de Julho, no dia da morte de Salazar, «Quando receberam a notícia, os convidados estavam sentados pelo chão da 111, de prato e copo na mão. Continuaram a comer e o meu medo era de que a PIDE entrasse por ali e nos levasse a todos presos sob a acusação de estarmos a celebrar.» - cf. LUCAS, Isabel - Manuel de Brito. A mania da arte. Semanário 2º caderno. Nº 705 (24 Maio 1997), p.7. 88 AVILLEZ, Maria João – Ob. cit., p.23. 85

Manuel de Brito e a sua colecção 

Interessante, é também a compra que Manuel de Brito faz para este coleccionador através de uma informação do marchand suíço Beyler. Dois cartões originais89 da tapeçaria de Vieira da Silva que estão na Universidade de Basileia. Ao princípio, Jorge de Brito mostrou-se resistente a esta aquisição, por os cartões serem demasiado grandes, mas o galerista acabou por convencê-lo. «Era impensável deixá-los ir parar a outras mãos que não as portuguesas, já que a universidade ia mesmo vendê-los para realizar dinheiro.»90. Com a confiança do coleccionador, ganha através de uma intensa actividade de pesquisa e aquisição das suas solicitações, a Galeria 111, vai conquistando um lugar de destaque no florescente mercado em que se precipita a arte moderna e contemporânea portuguesa. Manuel de Brito aproveita as suas viagens ao estrangeiro para visitar museus, galerias, pinacotecas e conhecer galerias de renome. É nas suas idas ao exterior que começa a contactar com alguns artistas portugueses que viviam e trabalhavam no estrangeiro, fugindo das condições políticas que existiam em Portugal. Ajudou financeiramente91, muitos destes artistas, que, na maioria das vezes, viviam em condições bastante precárias. Manuel de Brito lembra que «quando chegava a França era a felicidade para o Zé Escada, porque isso significava que ele podia almoçar todos os dias. Eu comprava dez desenhos a cem escudos, o que lhe permitia viver com menos dificuldades por mais uns tempos.»92. Adquiriu e fez entrar no país as obras que estes artistas estavam a produzir. Fez amizade com Sónia Delaunay (Fig12), «Sempre que chegava a Paris e telefonava para um dos seus secretários, ela recebia-me. (…) Apareci na sua vida numa altura em que tinha necessidade de evocar o seu passado e, sobretudo, a sua passagem por Portugal.»93. Na segunda metade da década de 60, Manuel de Brito tinha como principal objectivo trazer para Portugal as obras de artistas nacionais que estavam radicados no estrangeiro. O galerista justifica esta opção dizendo que: «Fiz o contrário do que se tenta fazer hoje,                                                             

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Actualmente pertencem à Fundação Calouste Gulbenkian. MAUPERRIN, Maria José – Ob. cit., p.39. 91 «Sempre fiz investimentos significativos na imagem dos artistas com quem trabalho, sobretudo nos momentos em que os amigos são necessários. Hoje, Pomar, Costa Pinheiro, Menez e outros têm proventos suficientes, mas houve alturas em que assim não era; ajudei-os como ajudo agora os novos.» - cf. PINHARANDA, João – Manuel de Brito 30 anos depois. Público. Nº 1430 (sextafeira, 4 Fev. 1994), p.3. 92 AMARAL, Lúcio e Moura e CARVALHO, Rosário Correia de – Ob. cit. 93 PORTAS, Catarina - O coleccionador sentimental. Diário de Notícias. Nº45575 (Domingo, 2 de Janeiro de 1994), p.3. 90

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evidentemente, há uma postura que leva os comerciantes de arte, os galeristas, a tentar fazer a exportação, a divulgação da arte portuguesa no exterior. Nessa altura, não havia nenhuma razão para que isso fosse feito, havia todas as razões para fazer o contrário.»94 Uma vez que o contexto político da época levou muitos dos nossos artistas a procurar melhores condições lá fora. Costa Pinheiro chegou mesmo a aconselhar Manuel de Brito a ir a Paris ver o trabalho dos nossos artistas portugueses: «Manuel mete-te num avião e vai a Paris, vai ver a Lourdes de Castro, o René Bertholo, vai ver o Escada, que já lá estava nessa altura, vai ver esses artistas que aqui em Portugal ninguém fala neles, estão em Paris a lutar para conseguir um lugar ao sol.»95. Veio entusiasmadíssimo. O galerista é o primeiro a manifestar esta vontade de trazer estas obras para Portugal, «Foi em função das minhas escolhas, dos artistas que eu considerei mais válidos que estavam no exterior que, regularmente, em função das minhas disponibilidades, trouxe para Portugal tudo o que podia!»96. Escada, Vieira da Silva, Lourdes Castro, Júlio Pomar, Eduardo Luiz, Jorge Martins, Costa Pinheiro, Bartolomeu dos Santos, René Bertholo, Gonçalo Duarte, mais tarde Paula Rego, eram os artistas a quem Manuel de Brito fazia as aquisições para depois trazer para Portugal (Fig.13), chegou mesmo a conseguir que alguns deles fizessem exposições em galerias francesas97, com quem tinha relações comerciais. Trazendo as obras dos artistas radicados no estrangeiro, Manuel de Brito aproveitou o «encanto provinciano» de tudo o que vinha do exterior, valorizando os artistas junto dos coleccionadores, e ao mesmo tempo garantia que os coleccionadores não fizessem a compra directa ao artista. Um ano depois da abertura da Galeria 111 em Lisboa, é inaugurada uma sucursal no Porto, chamada inicialmente de Galeria Zen, um pequeno espaço situado no nº266 da Rua D. Manuel II. Em 73, a galeria muda de instalações passando para o nº246 da mesma rua. Inaugura com uma exposição da Vieira da Silva e, embora com uma programação diferenciada e com algumas representações de artistas aí baseados, como                                                             

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MANUEL de Brito. ‘Marchand’ e coleccionador de arte. Lisboa: RTP, 1994. 1 disco áudio (dvd). ENTREVISTA feita a Costa Pinheiro. 27.04.2008. 1 disco áudio (cd). Entrevista realizada pela autora. 96 MELO, Alexandre – A arte e mercado em Portugal: inquérito às galerias e uma carreira de artista. Lisboa: Observatório das Actividades Culturais, 1999. Colecção OBS – Pesquisas 4, p.33. 97 «Ainda no começo da década de 70, num projecto com a galeria Bellechasse, em Paris, contribuímos para a apresentação de exposições de artistas portugueses. Destacamos Eduardo Luiz, Pomar, René Bertholo e Jorge Martins.» - cf. MELO, Alexandre – Ob. cit., p.35. 95

Manuel de Brito e a sua colecção 

por exemplo o caso de Ângelo, apresenta claramente uma continuidade do trabalho iniciado em Lisboa exibindo exposições comuns. Em 1990, fecha para obras durante seis anos e reabre, com a designação de Galeria 111, com uma exposição de Graça Morais. A nível internacional a Galeria 111 teve uma actividade mais limitada, destacam-se as exposições de Karel Appel (1969), Sonia Delaunay (1972) e Lindstrom (1974 e 1993). Criticado pela falta de ousadia em levar os artistas para o estrangeiro, Manuel de Brito assume e justifica a pouca aposta no plano da internacionalização: «Confesso que nunca acreditei muito que nos pudéssemos impor com a arte portuguesa no exterior sem que as estruturas culturais, as estruturas museológicas do país, o fizessem em primeiro plano. Achei que a Gulbenkian nunca tirou partido da força que tinha, em termos internacionais, para fazer permuta de exposições, para fazer intercâmbio. Obviamente, quando digo isto da única instituição que tinha uma razoável vida no nosso campo, é porque, do outro lado, não existia nada.»98. Embora, destaquem-se as numerosas importações de obras de Vieira da Silva, realizadas por Manuel de Brito, «(…) iniciando assim um fluxo de “renacionalização” da artista confirmado na década passada pela Galeria Nasoni.»99. Muitos criticaram Ana Vidigal por ter ido para a Galeria 111, porque Manuel não estava vocacionado para a exportação dos artistas dos anos 80, «mas nenhuma outra galeria fez isto com os artistas dos anos 80, os que foram para o estrangeiro e que se afirmaram que é o caso do Julião, do Pedro Cabrita, foram pessoas que fizeram por si, não foi galeria nenhuma que tratou do assunto, porque para as galerias sai-lhes muito caro exportar pintura e por isso não estão interessadas nisso. O que ele quis fazer foi trazer os artistas que estavam radicados no estrangeiro foi traze-los e dar-lhes estatuto no seu país e isso ele conseguiu.»100. Até 1974101, a Galeria 111 fez cerca de 100 exposições individuais e colectivas, em média 10 exposições por ano, com recitais de poesias e lançamentos de livros pelo meio.                                                             

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MELO, Alexandre - Manuel de Brito. Histórico mas não estático. Revista Expresso. Nº1152 (Sábado, 26 Nov. 1994), p.124. 99 PINHARANDA, João – A construção de uma colecção. Zoom (suplemento do Público). Nº1717 (18 Nov. 1994), p.14. 100 ENTREVISTA feita a Ana Vidigal. 28.03.2008. 1 disco áudio (cd). Entrevista realizada pela autora. 101 Em 1969, Rocha de Sousa reconhece «um critério de selecção e de dignidade sempre coerente com as condições do mercado e a justa promoção dos autores. É conveniente acrescentar que a Galeria 111 é das poucas galerias portuguesas, senão a única, que consegue manter um programa antigo e simultaneamente desenvolver um volume de vendas que nada tem

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Os artistas que mais exposições fizeram neste período foram António Palolo e Nikias Skapinakis com sete exposições. «(…) poderemos verificar, não apenas a continuidade do critério de promoção de uma arte praticada por jovens, como também a atenção conferida a outros artistas em idênticas condições de afirmação já divulgados noutros lugares (…)»102. Muitas galerias não conseguiram sobreviver ao 25 de Abril e muitas resistiram com dificuldades, a recessão abalou o frágil mercado. Manuel de Brito afirma que isto nunca o afectou, «tenho um acervo constituído que me garante absolutamente e giro a casa em função das realidades.»103. O facto de não ter que pagar rendas, foi um factor importante para ter aguentado passar por períodos de crise, «como tínhamos despesas relativamente pequenas, a nossa sobrevivência nunca esteve em perigo. Adoptámos sempre uma postura de gestão tendo em atenção as nossas possibilidades.»104. Embora, numa outra entrevista105 afirme que ponderou ir para o Brasil ou começar do zero em França. Manuel de Brito contribuiu enormemente para evolução do gosto, nomeadamente, junto dos estudantes universitários, visitantes assíduos que vieram a revelar-se a médio prazo como potenciais compradores e coleccionadores de arte moderna. Hoje, é a única galeria que tem desenvolvido de um modo contínuo o seu esforço comercial e público. A Galeria 111 divulgou nomes, que contribuíram para a definição do perfil da galeria, Manuel Baptista, Ângelo de Sousa, Nikias Skapinakis, Sá Nogueira, Menez, Júlio Pomar, Noronha da Costa, José Escada, Bartolomeu dos Santos, Costa Pinheiro, Lourdes Castro, Jorge Martins, João Cutileiro, Paula Rego, Eduardo Batarda, António Dacosta ou Graça Morais. Diz-se intuitivo nas escolhas dos seus artistas, tem de acreditar e de compreender os seus trabalhos e as suas cabeças, procura sempre a verdade e a autenticidade das obras através das histórias e origens que estão por detrás da sua execução artística. «Só fiquei a conhecer as razões daqueles resultados porque viajei com ele [Dacosta] para os Açores e percebi as suas fontes de inspiração, as suas origens. A Graça Morais, por                                                                                                                                                                                      de simbólico. - cf. SOUSA, Rocha de – Trajecto de uma galeria. Diário de Lisboa. (21 Agosto 1969). 102 IDEM, Ibidem. 103 PINHARANDA, João – Ob. cit., p.3. 104 ARTUR, Faria – Nem mercantilista, nem aventureiro. Diário de Notícias. (segunda-feira, 21 Março 1994), p.35. 105 Vd. COELHO, Tereza – Quadro superior. O independente. Nº 16 (22 Abril 1999), p.14-18.

Manuel de Brito e a sua colecção 

exemplo, quando se aproxima de uma exposição geralmente adoece. (…) O mesmo direi de Paula Rego. Muitas vezes ela vem a Portugal sem ninguém saber. Precisa sentir odores da nossa terra. Olhar para o nosso céu, rio e mar porque tem necessidade desse reencontro. (…) Pomar tem outra postura. Inicia um novo ciclo da sua pintura sempre que é tocado por uma determinada circunstância.»106. O galerista sempre teve uma relação de amizade e de respeito com os artistas, acompanhando muitas vezes a sua vida pessoal de perto, «só trabalho com amigos e nalguns casos não começámos assim. Quando convido alguém para a 111 só avalio a qualidade, mas a amizade acaba por acontecer. (…) A partir de uma certa altura, misturam-se os interesses legítimos (económico) com os valores da amizade. Eu tenhome dado bem com esta fórmula.»107. Nunca fez contratos escritos, existe um compromisso de exclusividade que se baseia na confiança mútua. Exige exclusividade ao artista pelo trabalho e despesas que a galeria tem, «Não é só pendurar quadros e mandar imprimir catálogos e convites para a exposição. Portanto, ao fazer este investimento comercial, não consinto que um artista esteja a vender o seu quadro particularmente. Há companheirismo no percurso, é uma questão de lealdade. Se um artista está descontente, vai-se embora e ninguém se zanga.»108. Uma das excepções é a artista Paula Rego, que ao estabelecer, em Londres, um contrato de exclusividade com a célebre Galeria Marlborough, quis manter como seu galerista, em Portugal, Manuel de Brito. Uma espécie de agradecimento pela ajuda do galerista em tempos difíceis pelos quais Paula Rego passou. A artista diz que Manuel de Brito «sempre foi comigo extremamente sério, nunca me roubou. Isto é esquisito de dizer, mas acontece muito, sabe. E foi fantástico, salvou-me de muitas situações difíceis. Manuel de Brito foi muito bom para mim quando eu precisava e a gente não esquece essas coisas, ajudou-me e comprou coisas que nessa altura eram difíceis de vender e ajudou-me financeiramente quando eu estava muito… quando eu precisava. Foi um amigo e profissionalmente foi extremamente correcto.»109 (Fig.14).

                                                            

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AFONSO, Marília – O coleccionador das obras sentidas. Artes & Leilões. Nº26 (Jan. 1995), p.22. 107 MENDES, Teixeira e ROSA, Célia - Bancos da arte. Noticias Magazine. Nº 124 (9 Out. 1994), p.39. 108 TORRE, Laura Luzes - Ob. cit., p.72. 109 ENTREVISTA feita a Paula Rego. 03.10.2008. 1 disco áudio (cd). Entrevista realizada pela autora.

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Sempre deu apoio financeiro, «sou assim uma espécie de segundo pai.»110. Numa fase posterior da galeria, paga mensalmente a certos artistas uma avença, «quando fazemos as exposições se se ganhou mais do que o crédito que eu tenho, paga-se a diferença e pronto. Se vendeu menos eles não têm que devolver, eu fico com a obra e os stocks vão engrossando»111. Miguel Telles da Gama conta como, quatro meses antes da sua primeira exposição na Galeria 111, estava aflitíssimo de dinheiro e foi falar com Manuel de Brito - «disse ao Manuel: ‘Vou-lhe pedir um favor, não sei se é possível se o Manuel não me pode comprar uma ou duas telas da minha exposição porque eu estou um bocadinho aflito de dinheiro.’ Ao que o Manuel me respondeu: ‘Oh Miguel, é prática minha querer que os meus artistas não sintam dificuldades (…), porque eu sei que isto é uma forma de eles trabalharem muito melhor do que se estiverem sempre aflitos com falta de dinheiro e portanto você faz parte dos artistas a que eu acho que devo fazer isto. Quanto é que você acha que precisa por mês?’»112. Júlio Pomar descreve como Manuel de Brito era ao mesmo tempo um galerista e um amigo, muitas vezes pondo a amizade acima dos negócios e dos seus próprios interesses. «Nunca fui um homem de grande produção, estava completamente sem reservas e não podia dar aquela resposta que o Manuel de Brito me pedia, uma exposição com meia dúzia de trabalhos, fossem eles quais fossem. Tive uma ideia, tinha feito uma série de ilustrações para o Pantagruel do Rabelais, o livro tinha saído e essa colecção de desenhos em que eu tinha investido muito, de resto a edição foi uma proposta minha e eu gostaria de a expor. Um contra, do ponto de vista do galerista, é que os desenhos já tinham proprietário, portanto, não havia uma possibilidade de comercialização, o proprietário era (…) Manuel Vinhas. (…) Portanto, ao pobre do Manuel de Brito chegavam os desenhos já sem uma possibilidade de rentabilização e Deus sabe como isso seria necessário, mas o Manuel de Brito, se por um lado, e muito bem, tem o sentido dos negócios, é comerciante, (…) por outro tem um lado, que é um lado de gostar dos seus amigos, de gostar daquilo que faz e de não contabilizar os lucros imediatos.»113. Graça Morais refere a relação de confiança que tinha com o galerista - «a grande qualidade de Manuel é gostar da pintura dos artistas com quem ele trabalha e de                                                             

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HARGREAVES, Manuela - Entrevista a Manuel de Brito na Galeria 111, Porto, Maio de 2005, in http://expressarte.weblog.com.pt/arquivo/388387.html (16/10/2007; 20h23). 111 IDEM, Ibidem. 112 ENTREVISTA feita a Miguel Telles da Gama. 19.03.2008. 1 disco áudio (cd). Entrevista realizada pela autora. 113 MANUEL de Brito. ‘Marchand’ e coleccionador de arte. Lisboa: RTP, 1994. 1 disco áudio (dvd).

Manuel de Brito e a sua colecção 

respeitar completamente o seu trabalho. (…) Eu acho que é muito bom sabermos que temos alguém que confia muito em nós e que acredita em nós, e o Manuel de Brito é essa pessoa.»114. Há, sem dúvida, uma relação diferente entre o galerista e os artistas da década de 60/70 e os artistas posteriores. Não nos podemos esquecer, que o panorama histórico dos anos 60, envolvido pela censura, contribuiu para uma maior aproximação das pessoas, o próprio meio era mais pequeno e todos se conheciam. Foi um tempo marcado pelas tertúlias, pelos recitais de poesia, pelos encontros e convívios, havia uma necessidade de falar, de trocar ideias, de discutir. Todos lutavam pela mesma causa – a liberdade. Durante as entrevistas115 feitas a alguns artistas que trabalham ou trabalharam com a galeria, nota-se uma maior cumplicidade nos artistas da “primeira geração”. Tinham uma relação de amizade bastante íntima, Manuel de Brito chegou a ser padrinho de casamento de Júlio Pomar, normalmente passavam as férias juntos (Fig.15) - «Ainda há dias me lembrava de umas férias que eu passei com o Pomar no Algarve. O Pomar nessa altura fez uma grande exposição de quadros que pintava ao ar livre. E enquanto eu fazia caça submarina e trazia todos os dias o peixe, ele pintava e dava-me oportunidade de assistir ao lado criativo em pleno.»116. Os artistas da geração de 80, que não tiveram esta convivência de “tertúlia”, não experimentaram uma relação afectiva tão íntima com o galerista, até porque não eram da mesma geração e a diferença de idades criava uma certa distância. Estes artistas viam em Manuel de Brito uma figura mais paternal, pois nesta altura já era um galerista consagrado e respeitado. Ana Vidigal descreve o galerista como uma pessoa séria e de confiança: «em termos profissionais era de um rigor espectacular, depois era uma pessoa que tinha uma…eu vou utilizar uma frase da Paula Rego porque…porque é a verdade, é a melhor maneira de definir o Manuel - ‘é a pessoa mais honesta que eu conheci ao cimo da terra’»117. Quanto à crítica que o galerista deveria ter apostado em outros períodos, em novos artistas ou em novas correntes a artista responde: «é capaz de ser verdade. Ele uma vez disse-me que estava cansado que já tinha feito pelos artistas portugueses dos anos 60 o                                                             

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MANUEL de Brito. ‘Marchand’ e coleccionador de arte. Lisboa: RTP, 1994. 1 disco áudio (dvd). Foram realizadas entrevistas a diversos artistas que tiveram um relacionamento profissional e afectivo com Manuel de Brito. 116 AMARAL, Lúcio e Moura e CARVALHO, Rosário Correia de - Ob. cit.. 117 ENTREVISTA feita a Ana Vidigal. 28.03.2008. 1 disco áudio (cd). Entrevista realizada pela autora. 115

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papel dele, o que eu acho que é verdade, que cabia agora aos outros galeristas mais novos tratarem da geração de 80.»118. Todos definem o galerista como um homem sério, de muita confiança, generoso, trabalhador, um verdadeiro negociante, bom gestor, obstinado e sobretudo muito intuitivo. A galeria está ligada à imagem dos artistas dos anos 60 e, de certa maneira, a sua consagração deu-se ao mesmo tempo que a consagração dos artistas daquela época. Numa altura em que existia uma desvalorização da arte moderna e uma ausência de mercado, a Galeria 111 incentivou a criação desse mercado de arte, estabelecendo cotações “standard” para as obras e financiou artistas para que estes pudessem produzir o seu trabalho, garantindo-lhes uma segurança económica que estes nunca haviam experimentado, tornando-os fiéis à galeria. Nunca passou pela cabeça de Manuel de Brito que a galeria acabasse por dar lucro e não tinha a certeza se seria capaz de resistir, como ele próprio diz «fui-me aguentando»119. Soube tirar partido do clima de euforia e de especulação do final dos anos 60, criando uma base sólida para a mais antiga galeria de arte lisboeta se manter até aos dias de hoje com sucesso comercial. Embora tenha começado como um hobby e sem fins comerciais, o galerista inspirava confiança e conseguiu reunir um público que sempre lhe foi muito fiel. «Foi sobretudo com as transacções para Jorge de Brito que ele ganhou dinheiro. Enquanto nós não tínhamos capital para investir, Brito já podia dar-se ao luxo de comprar, por meia dúzia de tostões, todos os quadros da primeira exposição de um artista.»120, foi assim que, com grandes vantagens, vendia esses trabalhos mais tarde. Manuel de Brito é criticado, por alguns, por ser um «bom gestor mas sem méritos dignos de nota», Gonçalo Pena defende que o galerista foi «um homem com visão, sentido de oportunidade e uma extraordinária capacidade de aprendizagem. A todas estas qualidades junta-se a habilidade do homem que as soube combinar da melhor maneira, na criação do, até aí inexistente, mercado de arte moderna em Portugal.»121. É inegável que a Galeria 111 conseguiu resistir mais de 40 anos, sem nunca fechar, com uma                                                             

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ENTREVISTA feita a Ana Vidigal. 28.03.2008. 1 disco áudio (cd). Entrevista realizada pela autora. 119 PINTO, Constança Vaz - Ob. cit., p.53. 120 MAUPERRIN, Maria José – Ob. cit., p.39. 121 PENA, Gonçalo – Instituições, galerias e mercado. In ANOS 60, anos de ruptura: uma perspectiva da arte portuguesa nos anos sessenta. Lisboa: Sociedade Lisboa 94, Livros Horizonte, cop. 1994.

Manuel de Brito e a sua colecção 

presença assinalável na conjuntura comercial e que Manuel de Brito conseguiu desenvolver um trabalho comercial de arte portuguesa numa altura em que praticamente não existia um mercado, o que dificultava a subsistência das galerias, que se mantinham abertas enquanto durava a disponibilidade financeira da pessoa que as abria. O segredo do seu sucesso diz ser o mesmo que utilizou como livreiro: «uma grande honestidade na relação com os artistas e clientes, uma grande humildade e uma boa e equilibrada gestão dos recursos.»122. Manuel de Brito criou um espaço de arte e de convívio único, determinante da vida cultural lisboeta. Revelou jovens artistas, como Palolo, e associou à galeria autores consagrados que hoje são referência nacional. A Galeria 111 foi um local onde «se estabeleceram efectivas relações de companheirismo entre o público e os artistas, e entre estes e o próprio galerista.»123.

COLECÇÃO Colecção, do latim collectiobe, significa: conjunto, reunião de objectos, compilação, ajuntamento, série, grupo. É sem dúvida uma definição bucólica para aquilo que realmente significa. Hoje, mais abrangente, não se resume a uma simples reunião de objectos, tem implícito sentidos muito mais complexos que nos fazem pensar e reflectir sobre a sua definição. Uma colecção só existe porque alguém a faz, está intrinsecamente ligada a um indivíduo, sejam quais forem as suas razões, poéticas ou, simplesmente, triviais. Sempre legítimas, são uma resposta às necessidades da natureza humana, não fosse o coleccionismo um dos hábitos mais antigos praticado pelo homem. Manuel de Brito define o coleccionismo como uma actividade apaixonante, associando o coleccionador ao pesquisador que «(…) também poderá entroncar com o lado poético, e até romântico, não excluindo o material, alarga os seus conhecimentos do Mundo e contribui para o seu prazer e felicidade. Viver e acompanhar o processo criativo é

                                                            

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PINHARANDA, João – Ob. cit., p.3. AFONSO, Simonetta Luz – Apresentação. In COLECÇÃO Manuel de Brito. Imagens da arte portuguesa do século XX. 2.ª ed. Lisboa: Instituto Português de Museus, 1995, p.10.

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apaixonante. Como pesquisador dá o seu contributo histórico à sociedade de que faz parte.»124. No mundo dos coleccionadores existem os que têm uma estratégia e os que são guiados pela emoção, intuição, instinto, coincidência e surpresa. Quando a colecção já não cabe dentro da própria casa, então começa-se a pensar numa fundação, museu ou instituição. Portugal não tem uma tradição de coleccionismo, poucos foram os coleccionadores que se destacaram na segunda metade do século XX, puros amantes e mecenas das artes, ao contrário do que se passa hoje no panorama cultural português em que o coleccionador procura essencialmente o prestígio social e a valorização comercial da obra em que investiu. O coleccionismo tornou-se mais frio e profissional e é normalmente praticado por instituições e empresas como um fundo de investimento. Augusto Abreu e Jorge de Brito foram dois coleccionadores importantíssimos desta época, cujos percursos coleccionistas vale a pena referenciar. O primeiro, dono das Agências Abreu, «muito culto e inteligente»125, iniciou a sua colecção nos anos 50. Adquiria as obras através de galerias, sobretudo galerias francesas, e de contactos com os artistas. Conhecia o meio artístico nacional, chegou a conhecer Dominguez Alvarez, Augusto Abreu era um grande admirador do seu trabalho. E apoiou muitos artistas, como Júlio Resende e Nadir126, quando este último fez a sua primeira exposição, Augusto Abreu comprou-lhe os quadros todos. Jaime Isidoro beneficiou, também, financeiramente, através da compra de quadros na sua galeria, o que o ajudou, inicialmente, a mantê-la. Foi um dos maiores coleccionadores particulares português, «este homem comprava cinco Marques de Oliveira, mas só lhe interessava um, porque lhe saía mais barato e depois pedia-me [a Jaime Isidoro] para lhe vender os que não lhe interessavam.»127. Jorge de Brito foi um coleccionador mais conhecido pela sua compra do retrato de Fernando Pessoa de Almada por 1300 contos, um valor elevadíssimo para a época, em                                                             

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BRITO, Manuel – Porquê esta minha colecção? Estas obras de arte e não outras? Ou estas e mais outras? In COLECÇÃO Manuel de Brito. Imagens da arte portuguesa do século XX. 2.ª ed. Lisboa: Instituto Português de Museus, 1995, p.11. 125 ENTREVISTA feita a Gerardo Burmester. 14.04.2008. 1 disco áudio (cd). Entrevista realizada pela autora. 126 «Após vender parte da sua colecção a Jorge de Brito telefonou a Rui Mário Gonçalves para saber o que é podia comprar, Rui Mário Gonçalves indicou-lhe que ia haver a exposição do Nadir (retrospectiva na Buchholz), Abreu perguntou-lhe se os quadros eram bons e disse que os comprava todos, por 90 contos cada um, comprou 14 quadros.» - cf. ENTREVISTA feita a Rui Mário Gonçalves. 07.04.2008. 1 disco áudio (cd). Entrevista realizada pela autora. 127 ENTREVISTA feita a Jaime Isidoro. 01.04.2008. 1 disco áudio (cd). Entrevista realizada pela autora.

Manuel de Brito e a sua colecção 

1970, tendo depois oferecido à Câmara Municipal de Lisboa. «O gesto teatral de quem tinha começado a comprar quadros a prestações ainda como bancário, e que, em vez dos salões mundanos, preferia frequentar estúdios e mesas de artistas, trazia para as primeiras páginas a vontade de mudar hábitos de empresários acomodados, que desconheciam o mecenato cultural e recusavam a arte moderna (…)»128. O dinheiro não era problema, comprou, nos finais dos anos 60, toda a colecção do primeiro modernismo português e impressionistas a Augusto Abreu, quando este precisava de capital para lançar as Agências Abreu na América Latina. Jorge de Brito depositou toda a sua confiança em Manuel de Brito encarregando-o da compra das obras para a sua colecção, cujo objectivo seria formar no futuro uma Fundação. Dois coleccionadores com um desejo insaciável e com um enorme poder económico que lhes permitia comprar desmesuradamente qualquer obra a qualquer preço, dotados de um sentido estético e gosto que determinavam as suas compras, apoiaram e tiveram um papel mecenático na carreira de muitos artistas portugueses. Em relação às galerias, estas normalmente não constroem grandes acervos, e, consoante os casos, nem sempre se pode falar em acervo com o rigor da palavra. Este está ligado a circunstâncias históricas e ao perfil de cada uma das galerias, sendo constituído, ao longo do tempo, pela aquisição de obras de artistas que vão expondo no seu espaço. Trocas e novas aquisições podem ser feitas para enriquecer este núcleo, «de tal modo que o acervo acaba por possuir a identidade de uma colecção. Essa colecção serve de garantia e promoção da própria galeria.»129 São diferentes as realidades que encontramos. Existem galerias que reúnem um pequeno núcleo durante o tempo do seu funcionamento ou mantêm nas suas reservas obras de artistas que representam. No caso de Manuel de Brito (Galeria 111) e de Jaime Isidoro (Galeria Alvarez)130, ambos formaram um vasto acervo que é hoje um documento valioso para a história                                                             

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POMAR, Alexandre - Colecção Jorge de Brito. Expresso Actual. (18 Agosto 2006), in http://alexandrepomar.typepad.com/alexandre_pomar/2007/06/jorge_de_brito_.html (18.09.2008; 15h20). 129 PIMENTEL, Maria Cristina (ed. lit.) - Citações, situações: uma travessia antológica. [Porto: Porto 2001 SA], 2001. 130 Os dois galeristas têm um percurso similar, tanto Manuel de Brito como Jaime Isidoro, viajaram bastante, estabelecendo contactos com galerias e artistas radicados no estrangeiro. Mas enquanto Jaime Isidoro apostou em artistas já consagrados, como Carlos Botelho, Dominguez Alvarez, D’Assumpção, Júlio Resende, entre outros. Manuel de Brito começou por apostar na geração mais

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contemporânea das artes plásticas em Portugal. A dimensão dos seus acervos deve-se talvez pelo contexto histórico específico das décadas de 50/60. A dificuldade que os artistas tinham em vender as suas obras e a existência de uma maior oferta em relação à procura facilitou, com certeza, a sua compra a estes galeristas. A colecção de Manuel de Brito deriva em grande parte da sua actividade como galerista, tinha um contacto directo com as obras e conseguiu reunir um grande conjunto de peças que não se vendiam nas exposições, comprando-as no encerramento destas. «Lembrome de que, quando comecei a expor a Paula Rego, não vendi absolutamente nada na primeira vez e na segunda… vendi dois quadros.»131. É o caso da pintura Cena doméstica com cão verde de Paula Rego, o galerista tentou vender esta obra durante dois anos sem êxito. Manuel de Brito afirma que  «o mérito de a ter na minha colecção não é totalmente meu»132. Muitas destas obras eram também oferecidas pelos próprios artistas, «o nosso lucro era ter uma obra correspondente à exposição. Era tudo amadorismo, com uma base de amizade, sem qualquer propósito de compensação.»133. Embora tenha referido que nunca pensou ser coleccionador, «tinha algumas memórias de um artista ou outro que mandavam algumas coisas, mas coisas que eles nem atribuem grande valor»134. Cedo lhe despertou o “bichinho” por coleccionar, começou na escola primária, coleccionava tampas de caixas de fósforos, caricas, etc. Antes de se iniciar a sua profissão de galerista, foi um coleccionador incipiente, não tendo ainda grande poder de compra adquiria reproduções dos seus três autores preferidos: Miró, Kandinsky e Klee, uma ou outra gravura e raramente comprava originais. A Pomba, de Paulo Guilherme, foi a sua primeira aquisição original, já como galerista, «O meu primeiro original foi comprado ao Guilherme Camarinha. Comprado a prestações. Não comprei pelo lado estético, mas sim porque já estava politizado. Eram símbolos de liberdade, sabe…»135. O artista relembra este episódio: «ia lá muitas vezes para ver livros de arte, mas não tinha dinheiro para os comprar, é claro, e conversávamos muito. A sua grande                                                                                                                                                                                      jovem, comprando essencialmente aos artistas emigrados que não podiam vender directamente as suas obras. 131 VASCONCELOS, Helena - Ob. cit., p.65. 132 ESTÓRIAS da pintura. Lisboa: Fado Filmes, [s.d.]. 1 disco vídeo (dvd). 133 MARTINS, Maria João - Ob. cit., p.12. 134 HARGREAVES, Manuela – Ob. cit. 135 OLIVEIRA, Luísa Soares de - Manuel de Brito ao Público. Zoom (suplemento do Público). Nº1717 (18 Nov. 1994), p.12.

Manuel de Brito e a sua colecção 

carreira de marchand iniciou-se com um desenho meu, que eu lhe vendi por cento e cinquenta escudos, coisa que muito o irritou e ainda hoje o irrita, porque ele achou caríssimo. Era uma pomba, nessa altura desenhar uma pomba era mais um acto político do que um acto de pintura. Mas ele tem a pomba ainda hoje e eu tenho a recordação desse tempo.»136. «Uma colecção que começara a fazer-se paralelamente à de Jorge de Brito»137, com as transacções que fazia ganhava dez por cento138 que logo eram convertidos na compra de obras para si, em função dos seus recursos económicos. Começou a coleccionar por gosto, criando depois uma ligação emocional com as obras que adquiria. «Comecei a coleccionar porque gostava de arte, porque gostei de algumas peças. (…) Tinha um contacto muito íntimo com muitos artistas e muitas pessoas ligadas ao meio artístico. Desenvolvi um respeito e um interesse muito grandes pelas obras de arte criadas pelos artistas e fui tentando entender o que é que representavam nas suas vidas. Não sou um coleccionador autómato, nem tenho por objectivo razões materiais ou outras que não sejam o prazer de coleccionar.»139. Por vezes comprava sem saber, seguindo apenas a sua intuição. José-Augusto França recorda uma vez que Manuel de Brito lhe mostrou um quadro que tinha adquirido à colecção Barahona140, qual não foi o seu espanto quando constatou que o galerista tinha acabado de adquirir, uma das mais importantes pinturas do século XX, A vida – Esperança, Amor, Saudade de António Carneiro. Não procurava a obra, comprava quando esta lhe provocava uma reacção e quando surgia a oportunidade. «Fiz a minha colecção ao longo de trinta anos, com muitos sacrifícios monetários mas comprando o que considerava significativo no percurso de um                                                             

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MANUEL de Brito. ‘Marchand’ e coleccionador de arte. Lisboa: RTP, 1994. 1 disco áudio (dvd). COELHO, Tereza – Ob. cit., p.18. 138 O lucro das suas transacções era também investido na Galeria 111, foi este dinheiro que lhe permitiu profissionalizar-se e destacar-se como galerista. 139 PINTO, Constança Vaz – Ob. cit., p.52. 140 «O casal Francisco Barahona e Inácia Angélica Fernandes Barahona (1844-1918), dos mais destacados membros da sociedade eborense, protagonizaram, nas duas últimas décadas do século XIX, uma série de iniciativas que visaram tanto o enriquecimento do seu espólio pessoal como introduzir alguns melhoramentos e benfeitorias na cidade que habitavam. Estas incluíram a decoração mural do átrio da sua residência (com o fresco Reconquista de Évora aos espanhóis pelo conde de Vila Flor em Junho de 1663) pelo pintor simbolista António Carneiro (1872-1930) da sua autoria possuíram ainda o conhecido tríptico A Vida (1900/1901) (…)» - cf. Colecção Barahona de Escultura. Publicado em 16/05/2006, in http://www.ipmuseus.pt/pt/noticias/H27833/TA.aspx (03/10/2008; 12h13). 137

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artista»141. Manuel de Brito nem sempre conseguiu comprar tudo aquilo que desejava, lembra uma vez que não pode comprar um quadro de Sá Nogueira por três mil escudos, um quadro que estava em exposição na sua própria galeria em 1965 - «na altura três mil escudos faziam-me falta para comprar livros para o meu negócio, para a minha livraria. Três mil escudos, na altura, era uma parte razoável de acervo e eu ganhava dinheiro era com livros não era com arte (…) Mais tarde, comprei esse quadro [High-Life] por trinta contos e é um quadro que hoje, se quisesse vender, vendia por setecentos ou oitocentos contos. Há efectivamente um timing, há um tempo de aquisição, há um saber escolher, há o feeling, há informação, há uma série de valores que tem a ver com a escolha e depois há a coragem, se se pode dizer que é coragem. Há o interesse em adquirir e em valorizar a minha colecção, ele foi sempre subjacente à minha vida profissional, quer dizer na minha casa vêm os meus amigos, os meus familiares e não há negócio de espécie nenhuma. As obras de arte que estão em minha casa são obras que são como família.»142 Manuel de Brito diz que as obras da sua colecção «são patrimonialmente meus e, por isso, não têm preço»143. No entanto, durante o seu tempo de vida e com muita pena sua, teve que se desfazer de duas obras: a primeira, um quadro de Vieira da Silva - Bahia Imaginée, 1946, Colecção João Marques Pinto -, para comprar um prédio no Porto para abrir a sucursal da Galeria 111 e, a segunda, um quadro de Júlio Pomar – Gadanheiro, 1945, Colecção Museu do Chiado - para obter o segundo espaço, no Campo Grande, que serviria para ampliar a galeria, uma área de 300 metros para a galeria e outra de 700 metros para um armazém e uma oficina. «Estão-me atravessados. Mas não peço. Faço o que quero fazer com o dinheiro que tenho. Não peço para um projecto que não sei o que vai dar. Se tiver faço.»144. Segundo o próprio Manuel de Brito, «qualquer colecção de arte tem como razão fundamental da sua existência a personalidade de quem a criou. O percurso da sua vida, desde a infância, a sua educação e cultura, sobretudo nas áreas específicas que a levam ao interesse pela arte, a convivência com artistas (…), leituras formativas e informativas, visitas a museus, e demais situações ocasionais na pirâmide social onde está inserida e,

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MAUPERRIN, Maria José – Ob. cit., p.41. MANUEL de Brito. ‘Marchand’ e coleccionador de arte. Lisboa: RTP, 1994. 1 disco áudio (dvd). 143 MARTINS, Maria João - Ob. cit., p.12. 144 COELHO, Tereza – Ob. cit., p.12. 142

Manuel de Brito e a sua colecção 

por fim, as condições materiais que possibilitem a organização da sua desejada ou possível colecção.»145. Algumas das suas escolhas estão mesmo intimamente ligadas às suas recordações de infância, por exemplo a Calçada de S. Crispim, de Carlos Botelho, (Fig.16) representa as escadinhas de São Crispim, perto do Castelo de São Jorge, onde Manuel de Brito morava quando era pequeno. É uma pintura que tem muito a ver com as suas memórias de infância. O galerista refere ainda, numa das suas muitas entrevistas, a exposição F.A.T., Fátima, azulejos e tricot de Joana Vasconcelos, «Por exemplo, as peças em tricot, recordam-me os trabalhos que eu fazia na escola primária; e gostava imenso! Embora não contemplassem o lado prático, fascinava-me o lado estético. A configuração da peça que encontrámos à entrada da Galeria, era o que eu fazia com serpentinas de Carnaval e o efeito visual era semelhante.»146. O critério usado na escolha das obras para a sua colecção é o mesmo que usava na escolha dos seus artistas: intuição. «Acho que sou essencialmente um intuitivo. Embora não ache que a intuição seja base para o desenvolvimento cultural de ninguém.»147, tem de acreditar e de compreender os artistas e as suas obras. Uma colecção feita de histórias, é o caso dos painéis de Almada Negreiros148. Em 1970, Ernesto de Sousa, após a morte de Almada Negreiros, decide fazer uma tentativa de primeira inventariação da sua obra. Desloca-se até Madrid e tenta localizar os edifícios decorados pelo artista. Encontra os murais da fachada do cinema (Fig.17) substituídos por mármores, os restos dos painéis foram depositados na cave, e os quatro painéis do hall pintados de branco. Um ano depois volta a Lisboa e encontra-se com Manuel de Brito a quem comunica as suas descobertas e respectiva documentação. «Este, com uma “fé” autêntica, concorda em que é necessário arriscar tudo para salvar o que restava dos já esquecidos painéis. (…) a sua colaboração foi total, tendo também feito a “peregrinação”

                                                            

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BRITO, Manuel – Porquê esta minha colecção? Estas obras de arte e não outras? Ou estas e mais outras? In COLECÇÃO Manuel de Brito. Imagens da arte portuguesa do século XX. 2.ª ed. Lisboa: Instituto Português de Museus, 1995, p.11. 146 MOURA, Lúcio Amaral e CARVALHO, Rosário Correia - Manuel de Brito em entrevista. (2002/07/19). In www.artcom.pt 147 COELHO, Tereza – Ob. cit., p.15. 148 Foram feitos 12 painéis (8 para a fachada e 4 para o hall) para a inauguração da aparelhagem sonora no Cine San Carlos de Madrid, a 19 de Abril de 1930. Vd. SOUSA, Ernesto de – Re começar. Almada em Madrid. Lisboa: Imprensa Nacional – Casa da Moeda, 1983. Colecção Arte e Artistas.

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a Madrid.»149. As negociações com o proprietário não foram fáceis, pois este teve, entretanto, o conhecimento da importância de Almada e do valor das suas obras e já tinha recebido uma outra proposta de aquisição. Só passado alguns meses, Ernesto volta a encontrar-se com o proprietário e entrega-lhe uma carta de Manuel de Brito contendo as últimas propostas, à qual este aceita. Durante o ano de 72, é feito o transporte dos painéis para Lisboa150, estes são entregues ao Instituto José de Figueiredo para exame e restauro. Foi esta «militância patrimonial», como refere Raquel Henriques da Silva151, que fez com que Manuel de Brito tivesse iniciativa em adquirir determinadas obras, é o caso da série dos Reis. O galerista conseguiu adquirir a pintura D. Inês de Castro (com alguma dificuldade) a um coleccionador alemão com a ajuda do próprio Costa Pinheiro. «Embora já a conhecesse de reproduções, a primeira vez que a vi estava exposta na Royal Academy, em Londres. De imediato me ocorreu um forte desejo de a trazer para Portugal.»152. Mas é a figura e a obra de Dacosta que ocupam, neste contexto, um lugar central. Em 1947 o pintor partiu para Paris, instalando-se aí definitivamente, «E, sem abandonar a pintura, deixou porém de a realizar ele próprio, durante cerca de trinta anos.»153. Depois de ter recomeçado a pintar em 1975, Manuel de Brito propõe-lhe uma exposição, quando ele estivesse pronto154. «A pedido do pintor, devia manter-se o sigilo acerca do seu                                                              149

SOUSA, Ernesto de – Ob. cit., p.42. A passagem dos painéis pela fronteira só foi conseguida porque na altura estava a dar uma importante partida de futebol. 151 SILVA, Raquel Henriques da - A colecção de Manuel de Brito. In COLECÇÃO Manuel de Brito. Imagens da arte portuguesa do século XX. 2.ª ed. Lisboa: Instituto Português de Museus, 1995. 152 BRITO, Manuel – Porquê esta minha colecção? Estas obras de arte e não outras? Ou estas e mais outras? In COLECÇÃO Manuel de Brito. Imagens da arte portuguesa do século XX. 2.ª ed. Lisboa: Instituto Português de Museus, 1995, p.12. 153 GONÇALVES, Rui Mário - António Dacosta. Catálogo da exposição António Dacosta, Galeria Zen, Porto, Julho 1984. 154 «Mas às vezes tinha um rasgo: “Acha alguma piada a isto?”. Mais raro ainda a inconfidência de um desejo, de um vago projecto: “Sabes, o que eu gostaria era de... se...” Tudo impossibilidades (...) O solitário António é um homem de companhia e a passagem dos seus amigos não passa ele sem ela. Vieram outros, alertados pela novidade, o Pedro Tamen, o Manuel de Brito. O António dizia: “Mostrar o quê, não tenho feito nada.” E surgiram os cartões com colagens de papel fino, como membranas de um espaço a dilatar-se, as tampas de caixas de cartão ou de madeira fraca, que eram os suportes que menos pareciam intimidá-lo, o quadradinho de chita às pintas, de menos de um palmo de largo, onde fez a sua aparição o signo das fontes de Sintra. E as primeiras telas cujo massacre produzia uma discreta matéria, baça e granulosa, as tonalidades surdas, o pequeno acidente justaposto e irreverente, a touche sempre sensível e os valores justíssimos.» cf. POMAR, Júlio – Santo António dos Portugueses. Catálogo da exposição António Dacosta, Fundação Calouste Gulbenkian, Lisboa, 1988. In DACOSTA, Miriam Rewald – António Dacosta. Lisboa: Quetzal Editores, Galeria 111, D.L.93 502/95, p.168. 150

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sensível e libérimo reinício, que nenhum motivo exterior deveria perturbar. Não deveria ser atraiçoada a confiança depositada por Dacosta em Manuel de Brito, em Júlio Pomar e em mim.»155. O galerista teve um papel importante no “regresso à pintura”, ao acolher, entusiasmar e encorajar o «velho mestre surrealista», que não pintava desde o início da década de 50 (Fig.18). Manuel de Brito deu espaço «à afirmação de uma das criações mais fulgurantes (…) da década, uma das mais inovadoras temática e esteticamente, a única capaz de estabelecer um diálogo profundo, não inquinado, não complexado nem magoado, entre o presente e o passado, entre a actualidade e a história, o real e o mítico na cultura nacional.»156. É então em 1983 que Dacosta faz a sua primeira exposição individual na Galeria 111, após um período de mais de vinte anos sem pintar. A colecção de Manuel de Brito é sobretudo feita de cumplicidades com os artistas, sendo o seu núcleo mais forte representativo da década de 60/70, artistas que marcaram o começo da galeria, como a Lourdes Castro, René Bertholo, Costa Pinheiro, António Palolo e artistas com quem Manuel de Brito trabalhou sistematicamente, não só como galerista, mas também como um verdadeiro amigo - António Dacosta, Júlio Pomar, Menez, Eduardo Luiz, Paula Rego e Graça Morais, todos partilhavam com Manuel de Brito uma relação afectiva profunda157. Ao longo de quatro décadas Manuel de Brito, através da Galeria 111, constituiu uma colecção onde estão representados praticamente todos os artistas que expuseram na sua galeria, tendo sido fundamental não apenas na sedimentação de um mercado de arte nacional, mas também na revelação de novos artistas e no incentivo de uma crescente aproximação entre estes e o público. A colecção ilustra grande parte da produção artística portuguesa do século XX, abrangendo obras desde 1914 até à actualidade, dando a ver um percurso de quase um século de produção nacional. Iniciada com a aquisição de uma obra de Joaquim Bravo, está estimada em mais de trezentas obras de alguns dos mais importantes artistas nacionais como Eduardo Batarda, António Dacosta, José Escada, Eduardo Luiz, Jorge Martins, Menez, Graça Morais, António Palolo, Costa Pinheiro, Júlio Pomar, Paulo Rego, Ana Vidigal e Fátima Mendonça. «(…) esta colecção regista fundamentais renovações e                                                             

155

GONÇALVES, Rui Mário – No fundo da Memoria. In GONÇALVES, Rui Mário - Pintura de António Dacosta. Macau: Galeria de Exposições Temporárias do Leal Senado, 1999, p.21. 156 PINHARANDA, João – Ob. cit., p. 13. 157 «… e eu era amigo do Almada, do Vespeira, do Pomar, até sou padrinho do casamento do Pomar, de maneira que todo este processo é um processo de amor pela arte.» - cf. HARGREAVES, Manuela - Ob. cit.

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continuidades, apresentando-se como espectacular sucessão de eventos e marcações particulares.»158. Adquiriu também, mais timidamente, algumas obras de artistas internacionais, como do francês Arman, do argentino Antonio Seguí, do belga Jean-Michel Folon, do sueco Lindstrom, do holandês Appel, do moçambicano Malangatana e de muitos outros mais «estrangeiros tenho para aí uns 20, ou 30, de vez em quando compro um quadro numa feira, e isso custa-me 20 ou 30 mil contos, quer dizer, eu não tenho outra fonte de rendimento, portanto tenho alguns estrangeiros mas não considero que a minha colecção tenha importância como valor estrangeiro.»159 Até à celebração do protocolo com a Câmara de Oeiras, a importante Colecção Manuel de Brito apenas havia sido objecto de apresentações pontuais e temporárias, é de referir a exposição feita em 1994, no Museu do Chiado, no âmbito da Lisboa – Capital Europeia da Cultura, que originou um catálogo160 onde se mostram três vastos núcleos pertencentes à colecção – Presença da História, Envolvimento(s) no(s) tempo(s) presente(s) e Escolhas electivas. O primeiro núcleo é formado por artistas de formação e obra anterior aos anos 40, Amadeo (2)161, Barradas (2), Abel Manta (3), Botelho (5), Milly Possoz (2), António Soares (3), Viana e Almada (7). O segundo abrange uma parte considerável da colecção Manuel de Brito permitindo pontuar momentos fundamentais da produção plástica portuguesa entre as décadas de 60 e 70, Lourdes de Castro (3), René Bertholo (4), Costa Pinheiro (4), Palolo (6), Eduardo Nery (2), José Escada (4), Manuel Baptista (6), José Rodrigo (6), Hogan (7). E por último o núcleo das cumplicidades formado por Dacosta (12), Menez (8), Paula Rego (15), Eduardo Luiz (16), Júlio Pomar (24), Graça Morais (5). As «lacunas e ausências» são muitas, até porque a colecção não representa todo o século XX da arte portuguesa.  «Essas lacunas são já perceptíveis a partir das suas escolhas dos anos 50, onde os abstraccionismos vão ficando sem representação de peso»162, nota-se também a falta de testemunhos de artistas ligados à performance ou à

                                                            

158

SILVA, Raquel Henriques da – Ob. cit. HARGREAVES, Manuela - Ob. cit. 160 COLECÇÃO Manuel de Brito. Imagens da arte portuguesa do século XX. 2.ª ed. Lisboa: Instituto Português de Museus, 1995. 161 Número de obras existentes no núcleo de obras da colecção afecta ao Centro de Arte Manuel de Brito. 162 PINHARANDA, João – Ob. cit., p. 13. 159

Manuel de Brito e a sua colecção 

instalação. É uma colecção onde domina a pintura, que vem de uma clara «opção figurativa» do coleccionador. Um século de arte visto através de um indivíduo marcado por um determinado gosto e pelas possibilidades da sua época, Manuel de Brito é o primeiro a assumir as falhas da sua colecção. «Para não iludir falsas expectativas, ao apresentar a minha colecção de arte chamo a atenção, mesmo estando mais bem representada nos últimos cinquenta anos, de que não tenho a pretensão de mostrar a colecção tipo ou a melhor colecção desse período. Em termos estéticos e até na sua curta história, estou consciente das suas lacunas, que contrariam a minha vontade. Nem sempre os recursos estão a par das intenções.»163. Não podemos dissociar a colecção da galeria, ambas percorreram um caminho em comum e evoluíram paralelamente ao longo o tempo. Tal como a galeria, também a colecção está ligada à imagem dos artistas dos anos 60, actualmente consagrados e figuras importantes da história da arte portuguesa. O galerista coleccionador tem a vantagem de estar já inserido no meio artístico e no próprio mercado, e por isso tem oportunidades que nenhum outro coleccionador tem. Manuel de Brito beneficiou de condições excepcionais de aquisição e garantiu meios que lhe permitiram alargar as suas compras a períodos históricos e a artistas anteriores à sua acção, como é o caso de Amadeo de Souza-Cardoso, Eduardo Viana, Francis Smith, entre outros. Nesta colecção transparece, como em qualquer outra, a imagem do seu proprietário. É evidente a preferência por alguns artistas, sendo os da “primeira geração” são os mais bem representados, tem obras significativas dos artistas do grupo “KWY”164 e dos seus próximos, tendo trabalhado com todos eles, «(…) alheando-se, por razões geográficas (ou outras) apenas, relativamente, da produção desenvolvida em torno dos “Quatro Vintes”, Porto.»165. Amigo e sobretudo admirador, Manuel de Brito fez questão de seguir as carreiras artísticas dos artistas, através da aquisição das suas obras e da realização de exposições e respectivos catálogos.

                                                             163

BRITO, Manuel – Porquê esta minha colecção? Estas obras de arte e não outras? Ou estas e mais outras? In COLECÇÃO Manuel de Brito. Imagens da arte portuguesa do século XX. 2.ª ed. Lisboa: Instituto Português de Museus, 1995, p.11. 164 Grupo formado no final da década de 50 por Lourdes Castro, René Bertholo, José Escada, Costa Pinheiro, entre outros. 165 PINHARANDA, João – Ob. cit., p. 14.

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C E N T RO D E A R T E M A N U E L D E B R I T O «No meu caso especial, gostaria que a minha colecção fosse útil na sociedade onde estou inserido. (…) Como estou consciente que possuo uma colecção com algum significado contemporâneo, é uma atitude cívica que me sabe bem assumir.»166. Manuel de Brito não queria uma fundação, dizia que «esse género de instituições está, de uma maneira geral, implícita a vaidade e a conservação de uma imagem que não corresponde ao que as pessoas realmente foram.»167. Sonhava construir uma instituição para as artes plásticas, no Campo Grande, no terreno atrás do prédio da Galeria 111. Um espaço grande para retrospectivas, uma sala pequena para os frescos de Almada Negreiros, um espaço para jovens artistas dirigida por críticos de arte, uma livraria «super especializada» em artes plásticas e arquitectura ligada a editoras internacionais, um bar e os serviços administrativos a funcionar na cave. Chegou mesmo a falar com Jorge Sampaio, quando este era o Presidente da Câmara de Lisboa, sobre este projecto, mas os proprietários dos terrenos não quiseram vender. Jorge Sampaio chegou a disponibilizar um edifício num outro local, o Palácio da Rosa (junto ao Castelo), mas Manuel de Brito não o achou indicado. O galerista continuou a procurar um espaço que fosse adequado para receber a sua colecção, mas foi com Isaltino Morais, Presidente da Câmara de Oeiras, que desde há muito tempo mostrava interesse, que encontrou a solução para levar avante o projecto que não chegou a ver concluído. Situado à beira-mar, na margem direita do estuário do Tejo, Algés foi ao longo dos séculos o local escolhido por muitas famílias nobres e/ou endinheiradas para estabelecer as suas residências de Verão. O Chalet de Miramar, integrado na Quinta de Miramar, actualmente designado por Palácio Anjos, pelas suas características intrínsecas e pela sua localização, é um edifício importante na estruturação urbanística da baixa de Algés e uma referência na arquitectura de veraneio desta freguesia. Foi mandado edificar (1880-1886) pelo negociante e capitalista Polycarpo Pecquet Ferreira dos Anjos e foi o primeiro edifício construído de raiz, na zona ribeirinha de Algés com acesso directo à praia. Para Bartolomeu dos Santos, um dos artistas que trabalhou na Galeria 111, «aquela será sempre a casa do bisavô Policarpo. Era pintada às riscas grenat e creme, o chão era de                                                             

166 167

IDEM, Ibidem, p. 14. MAUPERRIN, Maria José – Ob. cit., p.41.

Manuel de Brito e a sua colecção 

mosaico industrial e o quarto dos brinquedos ficava no alto do torreão.»168. Nessa altura, já lá vão sete décadas, o palácio era frequentado por Cesário Verde, Eça ou o Conde de Arnoso. Em 1966 a Câmara Municipal de Oeiras adquiriu o conjunto, já com uma área reduzida em relação à original devido à desanexação de parcelas, com o intuito de lhe dar uma utilização pública. Na década seguinte, foram realizados trabalhos de beneficiação do edifício e de arranjo paisagístico do parque, sendo instalados alguns serviços administrativos e mais tarde actividades de carácter cultural. Este local foi escolhido para acolher a colecção de Manuel de Brito não só pela sua afirmação enquanto projecto sustentado, mas também pelo facto de Algés ser o local de residência da família de Manuel de Brito. A reabilitação/requalificação169 (Fig.19 e 20) e ampliação deste edifício foram realizadas mediante uma proposta arquitectónica que procurou soluções de compromisso entre os elementos de relevância histórica e os condicionalismos impostos por uma arte moderna e contemporânea. Teve como objectivo preservar a essência e originalidade do edifício e, ao mesmo tempo, acrescentar um novo corpo adossado à fachada norte do palácio (Fig.21 e 22), para poder adaptá-lo à sua nova função museológica. Os dois edifícios, articulam-se através de dois corredores de vidro que “pairam” sobre lençóis de água (Fig.23 e 24), mantêm uma clara distinção entre o antigo e o novo, existindo ao mesmo tempo uma complementaridade entre eles. O Parque Botânico (Fig.25 e 26) que envolve o edifício foi igualmente objecto de intervenção, apresenta-se relvado com árvores e bancos, com um espaço de lazer com mesas e cadeiras destinado ao convívio dos mais idosos e um café com esplanada. É um espaço de acesso livre que pode ser usufruído como uma zona independente do museu, apoiado por um anfiteatro ao ar livre. O protocolo170, entre a Câmara Municipal de Oeiras e a família de Manuel de Brito, proprietários da colecção, foi assinado a 27 de Novembro de 2006. Ficou acordado que a parte da colecção171 é cedida à Câmara (a título de cedência por comodato), por um                                                             

168

LOBO, Paula – Uma Colecção privada com nível de museu. Diário de Noticias. (Terça-feira, 28 Nov. 2006), p.30. 169 As obras de reabilitação/requalificação foram custeadas parcialmente pelo Programa de Requalificação das Áreas Suburbanas da Área Metropolitana de Lisboa (PROQUAL) e pela Câmara Municipal de Oeiras. 170 Acessível no arquivo da Galeria 111. 171 Através deste protocolo foi definido um núcleo representativo da colecção afecta ao Centro de Arte, constituído por 260 obras exclusivamente portuguesas e consideradas relevantes, não incluindo peças de circunstância, múltiplos ou pequenos trabalhos.

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período de onze anos, homenagem ao nome da galeria, renovável por períodos de cinco, onde esta se compromete de apresentá-la ao público no Palácio Anjos – uma infraestrutura pública. Ainda não foi definido juridicamente o modelo, embora tenha todas as preocupações museológicas que este tem. O Centro pertence ao departamento da cultura e turismo da Câmara Municipal de Oeiras e está dependente deste organismo. Por isso, não existe um quadro de pessoal, mas sim uma equipa de quatro funcionários da câmara e uma coordenadora que gerem e tratam de todos os assuntos que dizem respeito ao Centro de Arte Manuel de Brito. A família faz a gestão da colecção e a câmara assegura os gastos do palácio, a segurança e os funcionários. Antes da abertura do Centro de Arte foram adquiridas obras de arte para suprimir algumas das lacunas que a colecção tinha, sobretudo a nível da escultura. Peças de artistas como Rui Sanches, José Pedro Croft, Rui Chafes, João Pedro Vale e Miguel Palma. A 29 de Novembro de 2006, precisamente um ano depois da morte do galerista, o Centro de Arte Manuel de Brito abriu ao público com o objectivo de promover a divulgação e o estudo da colecção, que constitui um dos mais importantes núcleos da arte portuguesa do século XX, contando já com importantes referências da produção artística mais actual. O Centro pretende ainda desenvolver um programa de exposições temporárias e de exposições itinerantes, além de um conjunto de actividades que passam pela realização de seminários, workshops, acções de carácter educativo e pedagógico, publicação de edições, iniciativas que garantirão uma dinâmica sempre renovada a este espaço. A longo prazo pretende acolher outras mostras, designadamente internacionais e fazer intercâmbios com outras instituições culturais. Desde que abriu, o Centro de Arte já realizou seis exposições, com homenagens a artistas que trabalhavam ou trabalham com a Galeria 111. A Exposição Inaugural do Centro de Arte Manuel de Brito, realizada entre 29 de Novembro de 2006 e 7 de Abril de 2007, teve como objectivo mostrar e apresentar ao público a Colecção Manuel de Brito, abrangendo obras e autores do princípio do século XX até à actualidade. Seguiu-se a exposição Dos Anos 10 aos Anos 50. Menez - Exposição Antológica. O Véu da Noiva, de Ana Vidigal e Ruth Rosengarten, de 27 de Abril a 16 de Setembro 2007. A apresentação destas três exibições enquadra-se numa lógica de programação expositiva, que pretende uma rotação dos diversos movimentos e artistas que integram a colecção.

Manuel de Brito e a sua colecção 

Na mostra Dos anos 10 aos anos 50 foram apresentados o conjunto de três baixosrelevos de Almada Negreiros: O Gato Félix, Jazz e o Marinheiro, de 1929, que faziam parte da fachada do Cine San Carlos, de Madrid, e que desde 1994 estiveram em exposição no Museu do Chiado. Menez foi a artista homenageada, é um nome de referência da colecção e inaugura um conjunto de exposições individuais de alguns dos artistas que trabalharam com a Galeria 111, cuja importância e núcleo de obras se destacam na colecção. A inclusão da obra O Véu da Noiva, de Ana Vidigal e Ruth Rosengarten, marca a contemporaneidade que se pretende incutir na dinâmica programática do Centro. Esta peça foi realizada para o Salão Nobre do Teatro Municipal Baltazar Dias no Funchal, em 2000, e foi pela primeira vez apresentada em Lisboa nesta exposição. Os Anos 60. Eduardo Luiz - Exposição Antológica, de 29 de Outubro de 2007 a 27 de Janeiro de 2008, deu continuidade à apresentação da Colecção Manuel de Brito numa perspectiva cronológica. Os Anos 70. António Dacosta - Exposição antológica, de 8 de Fevereiro a 18 de Maio de 2008. A exposição dos anos 70 mostrou a evolução de artistas já apresentados nas mostras anteriores e António Dacosta foi o artista distinguido. A exposição À Volta do Papel. 100 Artistas, de 30 de Maio a 21 de Setembro de 2008, ocupou a totalidade do espaço expositivo do Centro de Arte Manuel de Brito. Tal opção prende-se com a imensidade e riqueza das obras disponíveis e com as suas possibilidades de apresentação. O ano de 2008 termina com a exibição da exposição Anos 80. Paula Rego, de 4 de Outubro de 2008 a 18 de Janeiro de 2009. Os anos 80 mostra mais um período cronológico da colecção e a homenagem à Paula Rego dá continuidade ao intuito, do Centro de Arte, de apresentar os artistas consagrados e de referência, que detêm um núcleo importante de obras na colecção. Estão programas para o ano de 2009 mais três exposições: Anos 90. António Palolo Exposição antológica, de 30 de Janeiro a 17 de Maio de 2009; Júlio Pomar e Lourdes de Castro, de 29 de Maio a 13 de Setembro de 2009; e Anos 10. Eduardo Batarda, de 25 de Setembro de 2009 a Janeiro de 2010. Todas estas exposições pretenderam e pretendem identificar e dar a conhecer os momentos, tendências, autores e obras fundamentais, que protagonizaram a produção plástica portuguesa no decorrer do século XX.

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Capítulo III Inventário da Colecção Manuel de Brito

   

Inventário da Colecção Manuel de Brito

«As colecções dos museus devem ser documentadas de acordo com padrões profissionais. Esta catalogação deve incluir uma identificação e descrição completa de cada item, seu contexto, procedência, estado de conservação, tratamento e localização actual. Estes registos devem ser mantidos em ambiente seguro e estar apoiados por sistemas de recuperação que permitam o acesso aos dados por funcionários e outros usuários habilitados.»172

María Jesús Ávila diz que «A documentação constitui, junto com a aplicação das práticas da conservação preventiva em situações de trânsito, armazém ou exposição, a área prioritária que deve ocupar o conservador na sua acção diária em prol da conservação física da peça, pois dela dependerá em grande parte a sua longevidade.»173. Se antes, justificada pela falta de experiência, esta prática era baseada em registos pouco precisos e improvisados e não era um trabalho planificado, carecendo de efectividade e de continuidade, actualmente é a base de qualquer museu e está a ganhar uma maior importância, sobretudo na arte moderna e contemporânea, onde a documentação tem um papel fundamental, fazendo parte das práticas de conservação de uma colecção. Esta gera uma informação que não é estática e que deve estar sempre a ser actualizada. Nos museus recentemente criados uma das principais tarefas levadas a cabo é a realização de um sistema de documentação da sua colecção, no entanto a falta de meios humanos e económicos impede, muitas vezes, que grande parte destas instituições não inicie este processo. Os museus devem ser uma fonte de informação e de conhecimento registados num meio que permita ser utilizado para a realização de determinadas funções de conservação, investigação, educação, para a elaboração de uma exposição ou gestão e segurança da colecção, e pelo público como uma base de pesquisa. Para a realização do presente inventário foram contactadas instituições culturais de referência, como o Centro de Arte Moderna José de Azeredo Perdigão, a Fundação Arpad Szenes – Vieira da Silva e o Museu Nacional de Arte Contemporânea - Museu do Chiado, de modo a perceber que tipo de inventário é usado e estabelecer o melhor modelo para o conjunto de obras pertencentes à Colecção Manuel de Brito, afectas ao Centro de Arte.                                                             

172

CÓDIGO de ética para museus – ICOM, disponível em: http://www.icom.org.br/codigoeticaICOM2006.pdf (10/10/2007; 14h30). 173 ÁVILA, María Jesús – A conservação da arte contemporânea: um novo desafio para os museus. APHA.Boletim. Nº5 (Dez. 2007), p.6.

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O programa de inventário usado no Museu do Chiado é o Matriz - Inventário e Gestão de Colecções Museológicas, comum à maior parte dos museus tutelados pelo Instituto dos Museus e da Conservação (IMC). Desenvolvido pela Softlimits em parceria com o IMC, apresenta uma estrutura de dados concebida de acordo com as Normas nacionais e internacionais de referência. O Centro de Arte Moderna José de Azeredo Perdigão e a Fundação Arpad Szenes – Vieira da Silva usam o programa In-art desenvolvido pela empresa Sistemas do Futuro. É preciso sublinhar que, muitas vezes, os sistemas de fichas de inventário disponíveis não estão adequados ao tipo de peças de arte moderna e contemporânea, havendo uma lacuna na informação técnica para obras como instalações ou vídeos, onde o registo do ambiente que o artista pretende criar é extremamente importante para a fruição e compreensão da obra de arte174. Seja qual for o tipo de peça, uma ficha de inventário deve incluir um conjunto de campos essenciais, como o número de inventário, a descrição, a datação, o título e o autor da peça. Alguns campos são particularmente importantes na gestão e segurança da colecção, como o número de inventário, a localização actual e a descrição física da peça. Outros são importantes na pesquisa e acesso público, como o autor e a data de produção.

FICHA DE INVENTÁRIO A presente estrutura foi desenvolvida à semelhança de um manual de inventariação175, organizado através da definição de diversos campos que se consideram ser fundamentais para uma adequada gestão museológica destas obras. Foi elaborada uma ficha de inventário no programa Excell para quando o Centro de Arte adquirir um programa de inventário informatizado, toda a informação possa ser facilmente transferida por campos sem se desordenar ou confundir. As normas de inventário foram concebidas especificamente para esta colecção, alguns                                                             

174

«…o Matriz tem-se verificado incompleto para a arte contemporânea. Se por um lado se faz eco de aspectos materiais, técnicos, descritivos e documentais, por outro lado não guarda um lugar para descrições técnicas dos novos media, para os pormenores de composição dos materiais, para as indicações de apresentação ou para a prevenção de intervenções futuras.» - cf. ÁVILA, María Jesús – A conservação da arte contemporânea: um novo desafio para os museus. APHA. Boletim. Nº5 (Dez. 2007), p.6. 175 O inventário teve como base as normas estabelecidas pelo Instituto Português dos Museus, adaptando-as à natureza e características das peças existentes no acervo.

Inventário da Colecção Manuel de Brito

 

termos foram pré-definidos para normalizar a linguagem e alguns campos foram suprimidos, como a “incorporação da obra”176, por não fazerem sentido neste caso específico do Centro de Arte Manuel de Brito (CAMB). Para colmatar esta lacuna existente no CAMB é, então, apresentado um modelo de inventário através de definições de elementos de descrição que se consideram ser essenciais na catalogação destas obras. A informação foi consistentemente estruturada em categorias ou campos, sendo extraída da própria peça, através de uma observação directa e objectiva – autor, descrição, matéria, estado de conservação, etc. – e completada pelos documentos escritos (história da peça) – exposições e bibliografia. Assim, foi desenvolvida uma estrutura dividida em nove separadores temáticos de conteúdos informativos e descritivos:

1.

Identificação da obra

2.

Produção

3.

Datação

4.

Localização

5.

Informação Técnica

6.

Conservação

7.

Historial da obra

8.

Bibliografia

9.

Imagem

10.

Inventariante

Espera-se, por isso, que o inventário realizado seja utilizado como um instrumento de uso corrente ao CAMB, facilitando o seu estudo e a gestão da colecção, proporcionando assim uma maior segurança das peças através do seu registo manuscrito e fotográfico.

1. Identificação da obra O campo número 1 tem como objectivo fazer o registo da informação essencial para a identificação da obra, ou seja, funciona como o bilhete de identidade de cada obra.                                                             

176

O campo “Incorporação da obra” regista a informação sobre o modo como a peça é adquirida e incorporada no museu/colecção, uma vez que o acervo do Centro de Arte é constituído por um conjunto de obras definido pelo protocolo estabelecido entre a Câmara e a Galeria não faz sentido a existência deste campo.

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1.1. Título177 - designação da obra atribuída pelo autor ou pelo qual esta foi identificada ao longo dos tempos. Sempre que possível deve-se indicar o tipo de título (título de autor, título iconográfico, título vulgarizado). Quando o título é desconhecido devese identificar o tema/assunto representado na obra.

1.2. Nº de inventário - é o número atribuído a uma obra, através do qual é feita a sua identificação. Este deve ser único dentro da colecção do museu. A inventariação de peças pertencentes a uma mesma instituição/proprietário é constituída por uma sigla (maiúscula), que identifica a instituição/proprietário em causa, seguida de uma numeração sequencial e única. Por exemplo: CAMB 0001 (Centro de Arte Manuel de Brito 0001). No caso de peças que constituam um conjunto é dado um único número de inventário ao conjunto e as peças são numeradas sequencialmente e separadas do número de inventário por uma barra (/).

1.3. Área – classifica e divide as obras por grupos estabelecidos e definidos em função da nacionalidade do autor da obra.

1.4. Categoria - classifica e divide as obras por grupos estabelecidos e definidos em função da técnica, matéria de base ou funcionalidade da peça, através de um sistema de classificação pré-definido e normalizado. Pintura – É um objecto bidimensional que compromete sempre um pigmento num aglutinante aplicado sobre uma superfície de um determinado suporte. Os mesmos pigmentos podem ser aplicados em diferentes aglutinantes, por isso é a natureza do aglutinante e não a natureza do pigmento que determina o tipo de pintura.178 Assim, uma aguarela é considerada Pintura, sendo referida como tal no campo destinado à Técnica.179 Escultura – É um objecto artístico tridimensional que ocupa um determinado espaço                                                             

177

As Normas Gerais refere que a designação Sem Título (maiúsculas) é utilizada quando é atribuída pelo próprio autor e a designação sem título (minúsculas) é utilizada quando o autor não deu intencionalmente qualquer denominação à sua obra. 178 TURNER, Jane (ed. lit.) – The dictionary of art. New York: Grove, 1996, p.783. 179 PINHO, Elsa Garret; FREITAS, Inês da Cunha – Normas gerais. Artes plásticas e artes decorativas. 2.ª ed. Lisboa: Instituto Português dos Museus, 1999, p.88.

Inventário da Colecção Manuel de Brito

 

com os seus volumes.180 Resulta do acto de esculpir ou de modelar um determinado material. Objecto - É um objecto artístico tridimensional que ocupa um determinado espaço com os seus volumes que não surge do acto de esculpir ou de modelar. Desenho – Técnica que representa as formas dos objectos por meio de linhas ou tons aplicados sobre uma superfície geralmente plana, por exemplo, papel. Nesta técnica é utilizado o lápis, carvão, pluma, pincel, caneta, giz181 ou nalgum outro meio que se centra na delimitação da forma em detrimento da aplicação da cor182. Pertencem a esta categoria o desenho aguarelado, uma sanguínea ou outro. Gravura – Técnica em que uma superfície plana e dura, normalmente metal ou madeira, é convertida numa matriz (desenho invertido), sendo a imagem dessa matriz reproduzida através de uma impressão sobre papel. Existem diferentes técnicas de gravura: a matriz feita em suporte metálico pode ser gravada com incisão directa -ponta seca ou pela acção química de ácidos - água-forte e águatinta. Existem ainda a xilogravura - matriz feita de madeira -, e a litografia – matriz -, feita de pedra calcária onde a imagem era gravada com um material gorduroso183. Assemblage – Técnica contemporânea de incorporação de materiais/objectos diversos numa obra de arte184, sejam eles, objectos recuperados e/ou elementos modelados ou talhados pelo artista185.

1.5. Dimensões – a unidade de medição dos objectos museológicos é o centímetro. Dependendo da categoria da obra, deve-se referir a altura, largura e profundidade (por esta ordem), o diâmetro e a espessura são dimensões complementares. São                                                             

180

CARVALHO, Maria João Vilhena de - Escultura. Normas de inventário. Artes plásticas e artes decorativas. Lisboa: Instituto Português dos Museus, 2004, p. 18. 181 CALVO, Ana – Conservación y restauración. Materiales, técnicas y procedimientos. De la A a la Z. Barcelona: Ediciones del Serbal, 1997, p.77. 182 Art and Architecture Thesaurus Online. Los Angeles: J. Paul Getty Trust & College Art Association, Inc., 2000. In http://www.getty.edu/vow/AATFullDisplay?find=drawing&logic=AND¬e=&page=1&subjectid=30 0033973 (10/06/2008; 11h46). 183 CALVO, Ana – Ob. cit., p.109. 184 Termo incorporado na área das artes em 1953 por Jean Dubuffet (1901–1985) para fazer referências a trabalhos, que segundo ele, “vão além das colagens”. Enciclopédia Itaú Cultural. Artes Visuais, disponível em: http://www.itaucultural.org.br/aplicExternas/enciclopedia_IC/index.cfm?fuseaction=termos_texto&c d_verbete=325 (24/02/2009; 19h53). 185 CARVALHO, Maria João Vilhena de – Ob. cit., p. 108.

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sempre consideradas as dimensões máximas da peça, livre de suportes ou molduras, quando possível, e as dimensões com moldura186. No caso de fragmentos ou de peças com contornos irregulares, as suas dimensões são determinadas em função da figura geométrica em que estes se inscrevem.187

1.6. Descrição - neste campo deve-se fazer uma pequena descrição objectiva do que se vê na peça, anotando as características físicas distintas de cada obra, como por exemplo a cor, representação ou outros elementos que são visíveis e que não podem ser descritos noutro campo. Não se deve formar juízos estéticos ou de valor de forma nem incluir informação sobre o estado de conservação da peça, danos ou restauros evidentes. A informação contida neste campo deve ser útil em caso de perda da obra, devendo ser possível reconhece-la através desta descrição188.

1.7. Inscrições – consistem numa referência textual incisiva, gravada, pintada, impressa, estampada ou manuscrita189 na obra. A assinatura não deve ser considerada inscrição, assim como, palavras ou elementos escritos que façam parte da figuração da própria peça. 1.8. Propriedade - identificação do proprietário da obra.

1.9. Instituição - identificação da instituição a que as obras estão afectas. Registar o nome completo da instituição e a referência geográfica.

1.10. Observações - neste campo deve-se colocar qualquer informação adicional que diga respeito à identificação da obra.

                                                             186

«…trata-se de um elemento importante a ter em conta em situações de mobilidade da peça e na gestão de espaços expositivos e de reserva.» - cf. CAETANO, Joaquim Oliveira - Pintura. Normas de inventário. Artes plásticas e artes decorativas. Lisboa: Instituto dos Museus e da Conservação, 2007, p.57. 187 PINHO, Elsa Garret; FREITAS, Inês da Cunha – Normas gerais. Artes plásticas e artes decorativas. 2.ª ed. Lisboa: Instituto Português dos Museus, 1999, p.52 e 53. 188 “Neste campo dever-se-á descrever objectivamente aquilo que se vê na peça e não o conhecimento que dela se tem” – cf. PINHO, Elsa Garret; FREITAS, Inês da Cunha – Ob. cit., p.7. 189 Quando manuscrita denomina-se autógrafa.

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2. Produção 2.1. Autoria - o autor é o responsável pela criação de uma obra. Para obras assinadas deve-se referir o nome do autor e o respectivo sinónimo. Se existir um pseudónimo, este prevalecerá sobre o nome próprio do autor. Nas normas de inventário é recomendado que à frente do nome de cada autor se indique, entre parêntesis, o local e data de nascimento e morte ou o período em que este esteve activo.190

2.2. Justificação de autor - para obras assinadas, a autoria é justificada registando “obra assinada”. Deve-se transcrever e/ou descrever a assinatura e indicar a sua localização na obra.191 Para obras não assinadas, a autoria é justificada através de uma aproximação tipológica/formal ou técnica com outras obras do autor devidamente assinadas; por prova documental; e por tradição ou atribuição feita.

2.3. Estilo/Movimento - o Estilo constitui uma definição generalista que agrupa concepções artísticas e técnicas. O conceito de Movimento que surge por uma necessidade própria da arte contemporânea, define a corrente artística onde a peça se insere.192 2.4. Observações - neste campo deve-se colocar qualquer informação adicional que diga respeito à datação da obra.

3. Datação Registo da data original da realização da obra, devendo ser registada da forma mais precisa possível. 3.1. Século/ano - quando a data é precisa, o ano é indicado depois do século.

3.2. Justificação da data - para obras datadas, justifica-se localizando a data na peça. Para obras não datadas, a data é justificada por aproximação formal e técnica com obras do autor ou com obras semelhantes193.                                                             

190

PINHO, Elsa Garret; FREITAS, Inês da Cunha – Ob. cit., p.40. IDEM, Ibidem, p.40. 192 IDEM, Ibidem, p.46. 193 IDEM, Ibidem, p.48. 191

71

 

4. Localização 4.1. Localização actual da peça dentro da instituição (andar, sala, armário, prateleira), inclui informação específica para que a obra possa ser facilmente localizada.

4.2. Data – Data do registo da localização actual da obra.

5. Informação técnica 5.1. Suporte - identificação do suporte utilizado no fabrico de uma peça.

5.2. Matéria - são referidos os materiais que compõem a obra (sempre que existam dúvidas recomenda-se a consulta a especialistas). As matérias usadas em processos de restauro não deverão ser referidas neste campo. 5.3. Técnica - neste campo é registado o processo ou procedimento utilizados na execução de uma obra. 5.4. Observações - qualquer informação adicional acerca da técnica da peça.

6. Conservação 6.1. Estado actual - neste campo é feita a avaliação do estado de conservação da obra, este está directamente ligado com a integridade dos materiais que a constituem. Para determinar o estado de conservação de uma peça existe uma classificação pré-definida, com o objectivo de normalizar a linguagem e a própria avaliação. Esta classificação baseia-se no registo dos dados macroscópicos resultantes da observação directa do objecto. Muito bom - obra em perfeito estado de conservação, correspondente quase totalmente ao estado inicial da peça. Se esta se apresentar sem problemas de conservação, mas com intervenções de restauro não pode ser considerada em estado “muito bom”. Bom - peça sem problemas de conservação (materiais estabilizados), mas pode apresentar algumas lacunas e/ou faltas, quer seja do suporte e/ou matéria. Regular - obra que apresenta lacunas e/ou faltas de suporte e/ou matéria e que necessita de intervenções de conservação e/ou restauro.

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Deficiente - obra em que é urgente intervir. Mau - obra que apresenta graves problemas de conservação e que não deve ser transportada e/ou movimentada. 6.2. Diagnóstico do estado actual de conservação194 – Este campo deve ser preenchido durante o processo de catalogação das obras, registando-se o estado de conservação em que se encontram através de uma observação directa do objecto, tendo como objectivo fazer uma análise global do estado actual da peça.

6.3. Intervenções anteriores - deve-se registar, sempre que possível, por ordem cronológica as intervenções de conservação e restauro anteriores, incluindo o nome do conservador/restaurador, data e a sua localização na peça195, tenham elas sido detectadas pelo exame visual ou levantadas a partir dos registos das instituições. 6.4. Pesquisa adicional - se para completar o diagnóstico do estado de conservação da peça for necessário recorrer a literatura, entrevista com o artista, exames ou análise científicas ou outros deve-se registar neste campo. 6.5. Observações - qualquer informação adicional acerca do estado de conservação da obra.

7. Historial da obra Campo que determina o percurso da obra até à actualidade. 7.1. Exposições - Registo do título, localização e data (inauguração e encerramento da exposição) de todas as exposições em que a peça esteve presente.

8. Bibliografia 8.1.

Lista da literatura existente sobre a peça em questão. Devem ser referenciados: obras gerais ou específicas em que a peça aparece citada e obras gerais ou

                                                            

194

«A observação registada sobre o estado de conservação da escultura [ou de qualquer outro tipo obra] no momento da inventariação terá implicações importantes na identidade da peça, servindo para estudo posterior, ou ainda, em caso limite de extravio, para fazer notar particularidades especiais.» - cf. CARVALHO, Maria João Vilhena de – Ob. cit., p. 93 e 94. 195 PINHO, Elsa Garret; FREITAS, Inês da Cunha – Ob. cit., p.55.

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específicas indispensáveis ao estudo e referenciação da peça.

8.2.

Correspondência - registo da correspondência existente sobre o objecto.

9. Imagem A ficha de inventário deve ser completada por uma fotografia (frente e verso) da peça, isto tem como objectivo identificar (visualmente) o objecto e consubstanciar a sua descrição e por fotografias de pormenor, tanto para registo da técnica como para registo do estado de conservação da obra.

9.1. Nº de inventário - é o número atribuído à imagem, através do qual é feita a sua identificação. Este ponto pode ser dividido em imagens gerais e de pormenor – conservação, técnica e inscrição. É dado o mesmo número de inventário da obra seguido pela inicial G (geral), C (conservação), T (técnica) e/ou I (inscrição) seguida de uma numeração sequencial.

9.2. Tipo de imagem - identificar o formato da imagem. 9.3. Data - registar a data em que foi tirada a fotografia, isto será um dado importante no caso de ter existido alguma intervenção posterior de restauro ou algum problema de conservação da peça. 9.4. Autor - registo do nome do fotógrafo.

10. Inventariantes 10.1. Inventariante – Identificação do conservador ou técnico responsável pelo registo.

10.2. Data – Data da criação, adição de informação ou alteração do registo.

IMPORTÂNCIA DO INVENTÁRIO O registo detalhado da informação técnica de cada objecto, assim como, da sua apresentação pública, se for o caso, são dois elementos importantíssimos para a futura conservação e uso expositivo da mesma. Um exemplo disto são as peças 3D e Sem

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Título, de Miguel Palma e José Pedro Croft, respectivamente. Cada vez que se pretende expor estas peças, é necessário o artista deslocar-se ao local e fazer a montagem, no primeiro caso; no segundo caso, existe um plano de montagem já pré definido. Tendo em conta que os artistas não são eternos, isto revela a importância de um registo detalhado e sistemático de como as peças devem ser montadas e expostas ao público, como forma de prolongar o tempo de vida de cada obra, assim como, todo a informação que diga respeito à montagem deve ser incorporada nas fichas de inventário. Outro aspecto importante no registo das obras desta colecção é a possibilidade de apresentarem características intangíveis, como movimento ou som. É o caso dos «modeles réduits», Bateau a quai II e Arc-en-Ciel, de René Bertholo, em que existe um sistema mecânico que dá movimento às peças, este «imprescindível para uma correcta leitura do objecto e respeito da intenção artística original»196. Foi então feito, para além do registo fotográfico, um registo audiovisual destas obras em funcionamento, embora a escultura Arc-en-Ciel já não apresente qualquer tipo de movimento, apenas o som do seu mecanismo197. É importante referir que este tipo de obras, pela sua especificidade, aconselha, numa possível intervenção de restauro, a contratação de técnicos especializados em áreas diversas, neste caso mecânica. O primeiro passo para a conservação deste tipo de obras é conhecer os seus materiais e técnicas utilizadas. Dada a sua multiplicidade encontramos frequentemente a classificação de “técnica mista”, tanto em relação ao suporte como à matéria, o que é um termo claramente impreciso em relação aos múltiplos e variados materiais que as peças contém. Sempre que possível, deve-se estabelecer a composição dos materiais (por exemplo, suporte de platex, plexiglas, acetato de celulose, etc.), o que nem sempre foi fácil, seja pela simples observação à vista desarmada, seja pela dificuldade de distinguir determinadas matérias ou, até mesmo, pela falta de documentação/informação (inexistência de fichas técnicas). Normalmente, uma vez utilizados e transformados pelo artista, os materiais básicos deixam de ser reconhecíveis com um simples exame visual. A compreensão da técnica e materiais usados numa determinada obra são também                                                              196

MACEDO, Rita – Desafios da Arte Contemporânea à Conservação e Restauro. Documentar a Arte Portuguesa dos anos 60/70. Lisboa: [s.n.], 2008. 2 vols., 399 f, 279 f. Tese de Doutoramento apresentada à Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade Nova de Lisboa, p.320. 197 «A razão por que René Bertholo acabou por abandonar a criação de objectos tridimensionais movidos a motor esteve relacionada com o facto destes se avariarem constantemente, uma vez que não estavam preparados para funcionar durante muito tempo…» - cf. MACEDO, Rita – Ob. cit., p.319.

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importantes para identificar os danos e as “imperfeições” da obra. O seu estado de conservação pode ser afectado por vários tipos de danos. Um defeito na construção de uma peça ou uma incompatibilidade dos materiais que a constituem, são exemplos de “imperfeições” inerentes. Danos biológicos causados por insectos ou fungos, que se alimentam de materiais orgânicos ou de depósitos, enfraquecem a estrutura da peça ou criam problemas como descoloração. Danos físicos causados por stress mecânico, incluem abrasão, perdas, etc. Danos químicos são o resultado de uma reacção entre um material e a fonte de energia (luz, calor) ou química (água), evidenciada pela corrosão, desvanecimento, etc. O estado de conservação de um objecto pode ser documentado por texto (descrição física),

esboço

(representação

aproximada)

e/ou

vídeo,

fotografia

ou

imagem

computorizada (representação exacta). A combinação destes métodos dá uma informação completa do estado de conservação do objecto no momento do registo. Quando se analisa e descreve o estado de conservação deve-se considerar a sua natureza, localização e extensão do dano, e usar os termos de maneira consistente, para facilitar mais tarde o preenchimento das fichas. O registo fotográfico das condições actuais de uma obra, frente e verso e pormenores, é tão importante como o registo manuscrito. É uma parte integral da documentação da colecção de um museu. Na sua forma mais básica, a fotografia de um objecto serve como documentação visual, importante na identificação das obras ou até na localização de uma obra perdida. Uma imagem de qualidade pode ser usada mais tarde como comparação para determinar se ocorreu algum dano ou progresso do seu estado de conservação desde que a obra entrou no museu. Isto é, particularmente, importante nas obras modernas e contemporâneas, onde os elementos da técnica artística, como por exemplo a exposição deliberada da tela, pode ser confundida com algum tipo de dano. Para preencher os campos da ficha de inventário é importante usar uma terminologia consistente. A informatização das fichas de inventário estimula o desenvolvimento de um vocabulário estandardizado de forma a garantir a consistência da descrição e desenvolvimentos dos registos. O glossário é uma ferramenta que facilita o preenchimento das fichas de inventário e deve acompanhar o sistema de documentação de uma colecção198.                                                             

198

O glossário que acompanha as publicações Normas de Inventário, do Instituto Português de Museus e as publicações do Ministério da Cultura Espanhol, Thesaurus anexados ao programa

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A ordenação das fichas segue a sequência do número de inventário dado a cada peça. Esta resulta, não de um critério cronológico, mas sim de um critério prático, isto porque, todas as peças da colecção encontram-se nas reservas da galeria e foi mais simples fazer o seu registo à medida que se realizava uma nova exposição no Centro de Arte. Por outro lado, aqui o acesso às obras era mais fácil e as condições de luz e de espaço199 preferíveis para a realização deste trabalho.

PROBLEMÁTICAS Durante o registo fotográfico das obras, deparamo-nos, no verso, com uma informação significativa, seja através de etiquetas, seja através de inscrições ou carimbos. As inúmeras etiquetas, correspondentes às exposições onde estiveram, referem o local da exposição e dão uma identificação geral da obra. Os carimbos, existentes sobre a grade ou tela, pertencem às marcas de materiais comerciais ou às casas de artigos de arte, como a Casa Ferreira e a Casa Varela. A maior parte das obras apresenta também, sobre o suporte, a assinatura e a data e por vezes a técnica e as medidas das obras, manuscritas pelos próprios artistas. É o caso da pintura CAMB0041 (Janela, Ângelo de Sousa) que exibe uma inscrição a azul, escrita pelo seu autor, onde este identifica o título, o autor, a data e os materiais usados na obra - «’Janela’ Por, To Angelo de Sousa, Agosto – 19 Nov 1965, Acetato de Polivinilo e alvaiade. Cartolina off-set e tistas “astralith” premier». A pintura CAMB0056 (Flores e Frutos VI, Nikias Skapinakis) mostra também uma inscrição sobre a grade, onde o artista escreveu: «Envernizado em Jan.1974». Toda esta informação, conseguida só através da obra, é extremamente valiosa e constitui um testemunho do seu percurso histórico. Assim, esta foi registada nas fichas de inventário e por fotografia. Houve uma certa dificuldade em preencher alguns campos da ficha de inventário, como por exemplo o registo da “localização da obra”, que tem como objectivo possibilitar uma boa gestão e segurança da colecção. Uma vez que estas peças estão sempre em trânsito, ou seja, permanecem no mesmo local durante um curto intervalo de tempo, optou-se por registar a localização da obra durante a realização do inventário. Idealmente, e para garantir uma maior segurança da colecção, estes campos deveriam                                                                                                                                                                                      informático de inventário nacional - DOMUS, são exemplos de glossários vinculados a um sistema de inventário que “obrigam” os museus a uma sistematização e normalização da terminologia. 199 O registo foi feito enquanto as obras estiveram em exibição no Centro.

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ser sempre actualizados, tendo como objectivo localizar a peça quando esta sai do museu, por exemplo, quando esta é emprestada a outra instituição. A maior parte, encontra-se armazenada nas reservas da galeria, sendo este o seu local habitual. O quadro em que se desenvolve a arte contemporânea é particularmente avesso ao respeito pelas “categorias” tradicionais da prática artística. Durante todo o século XX assistiu-se a uma renovação sem precedentes das técnicas e das matérias da arte, o que, em termos práticos, resulta nas dificuldades de preenchimento destes campos numa ficha de inventário, como pudemos constatar. Também o conceito de “estilo/movimento”, associado ao estudo de épocas passadas, apresenta uma dificuldade crescente de aplicação às práticas da contemporaneidade que, permanentemente, desafiam as categorias estabelecidas. Em diversos momentos ao longo deste trabalho, debatemo-nos com este problema, tendo optado, no entanto, por manter o campo com a designação indicada.

INFORMATIZAÇÃO DO INVENTÁRIO Já referimos a importância das fichas de inventário, é agora necessário perceber a importância da informatização desta informação. Um sistema informático permite armazenar informação e imagens sobre as peças de uma colecção de uma maneira muito mais flexível do que um sistema manual. Para além de possibilitar a localização das peças, preparação de listas de exposições, gestão de imagens e organização do historial de exposições, publicações, informação curatorial e de conservação, alguns sistemas permitem mesmo realizar formulários de seguro, empréstimos, recibos, etc. Um sistema informático estandardiza os métodos de registo e de documentação, facilita as correcções e actualizações e faculta, em termos de qualidade e de velocidade, a resposta a pedidos de informação. Na escolha do melhor sistema para um museu é necessário analisar: a informação que irá ser armazenada, quem irá inserir os dados, como, porquê e por quem os dados serão utilizados. Feita esta análise, a escolha pode ser feita entre: sistemas de gestão de dados para museus, sistemas elaborados sob encomenda ou sistemas projectados pelo próprio pessoal do museu. Os museus da Câmara de Oeiras, como o Museu da Fábrica da Pólvora200, utilizam um                                                             

200

O museu foi contactado para perceber que tipo de base de dados era utilizada e se se poderia aplicar o mesmo sistema ao Centro de Arte Manuel de Brito.

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sistema de gestão de dados a Versão Plus201 do programa In Patrimonium da empresa Sistemas do Futuro. As bases de dados comerciais oferecem a um museu muitas vantagens. Após a sua instalação, o sistema pode ser imediatamente usado, normalmente a empresa que faz a instalação está disponível para dar qualquer tipo de explicação sobre o funcionamento do sistema, bem como apoio técnico. O tempo dispensado neste tipo de sistema é consideravelmente menor do que num sistema projectado pelo próprio museu. No entanto, como todos sabemos, estes têm o seu custo económico e para uma colecção tão pequena, 260 obras segundo o protocolo entre a Câmara e a galeria, não se justifica este tipo de investimento. Uma vez que o Centro de Arte pertence à Câmara de Oeiras, este tem acesso a técnicos de informática202 que poderão a qualquer momento projectar um sistema de bases de dados, como o Acess. É um processo económico e flexível, capaz de ser configurado para quase todos os tipos de gestão de colecções, além de serem uma maneira económica de iniciar um sistema deste tipo e de poder ser logo elaborado para uma determinada colecção. O desenvolvimento e a manutenção de um registo actual e honesto das peças de uma colecção é uma acção prioritária na sua segurança e protecção, uma vez que as fotografias gerais e de pormenores, descrições escritas detalhadas, registos de conservação ou restauro identificam o objecto de uma maneira única. Não esquecendo nunca que «recai nos museus, pelas suas funções vertebrais de coleccionar e conservar, a principal responsabilidade neste sentido.»203. As fichas de inventário deverão servir de base para o chamado condition report, o registo exacto e informativo do estado de conservação da obra à entrada do museu. Deve dar uma descrição verbal e/ou visual da natureza, localização e extensão de cada defeito/dano de uma maneira clara e consistente204. Desde que inaugurou, o Centro de Arte Manuel de Brito recebe, em média, de 5 em 5 meses exposições temporárias que visam dar a conhecer um artista e um determinado “período” artístico. A movimentação e manuseamento destas obras é constante, daí que um bom registo da condição do                                                             

201

Actualmente existe uma versão mais recente, a Premium, que permite inventariar as peças das colecções de vários museus e visualizar, através de um filtro, apenas a colecção pertencente a um determinado museu. 202 Para a elaboração deste tipo de base de dados é necessário ter algumas bases informáticas e algum conhecimento acerca deste software. Por isso, e quando possível, o melhor é recorrer a técnicos de informática. 203 ÁVILA, María Jesús – Ob. cit., p.3. 204 DEMEROUKAS, Marie – Condition reporting. In The new museum registration methods. Washington: American Association of Museums, 1998, p.53-64.

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objecto é fundamental. É importante sublinhar que o registo do estado de conservação do objecto escrito por uma pessoa que não seja um conservador não vai ser igual ao registo feito por este.

R E C O L H A D E I N F O R M A Ç Ã O J U N T O D O S A RT I S T A S Uma das mais-valias da arte moderna e contemporânea é a presença do artista junto dos investigadores. Sendo hoje fundamental, em termos de conservação e restauro a colaboração entre o conservador e o artista, assim como em termos de exposição e de apresentação da obra ao público - «…se os materiais têm um forte sentido iconológico altamente individual na obra dos artistas contemporâneos, é necessário compreender qual a significação que o artista atribui aos materiais e técnicas com que trabalha.»205. É através do depoimento do artista que se vai preencher a lacuna de documentação sobre a sua intenção, indicações de apresentação específicas, matérias e processo de produção que este utiliza. É nos anos 70 e 80 do século XX, com o conservador restaurador do Museu de Arte Moderna de Frankfurt, Erich Gantzert-Castrillo, que a recolha de informação junto dos artistas contemporâneos começou a tornar-se consistente e programada, este «definiu um questionário escrito, com especial incidência na origem dos materiais e técnica utilizados.»206. Décadas antes, George Rueter «empreendeu a primeira recolha sistemática de informação junto dos artistas para evitar no futuro o perigo de intervenções inadequadas»207. Em 1999, na sequência do simpósio Modern Art: Who cares?, cria-se o projecto INCCA (International Network for Conservation of Contemporary Art) que constitui uma base de dados sobre os artistas internacionais, onde as informações acerca dos matérias e técnicas das obras são obtidas através de entrevistas. Deste modo, o testemunho do artista sobre os materiais e técnicas utilizadas numa determinada obra constitui uma ferramenta importantíssima na sua conservação e restauro. «Nos dias de hoje já não basta conhecer os materiais e as técnicas de restauro (…) É necessário penetrar profundamente no universo intelectual, na filosofia do artista,

                                                             205

Vd. MACEDO, Rita – Ob. cit., p.40. IDEM, Ibidem, p.40. 207 ÁVILA, María Jesús – Ob. cit., p.3. 206

Inventário da Colecção Manuel de Brito

 

porque de outro modo o ponto de partida do restauro estaria errado»208. Veronica Cavalcaute na sua apresentação La creación y implantación de la ficha de entrada para nuevas obras en el Museo de Arte Moderno de Rio de Janeiro, na 10ª Jornada de Conservación de Arte Contemporáneo209, em Madrid, falou das problemáticas do museu, que para além do seu acervo, acolhe, em regime de comodato, a Colecção de Gilberto Chateaubriand - internacionalmente conhecida como o mais completo conjunto de arte moderna e contemporânea brasileira, composta por cerca de 400 artistas. Actualmente, Gilberto Chateaubriand continua a adquirir periodicamente, peças de artistas jovens não consagrados pelo circuito de arte. Neste momento, o museu deparase com uma quantidade enorme de obras contemporâneas, compostas por uma grande diversidade de materiais e técnicas, que não vêm acompanhadas de qualquer tipo de documentação ou informação. O museu está a fazer um esforço no sentido de contactar com os artistas pedindo-lhes informações sobre as suas obras, sendo isto feito através do preenchimento de fichas previamente estabelecidas pelo museu (Fig.27) No futuro, e caso o Centro de Arte decida adquirir novas obras a artistas contemporâneos, é importante já ter consciência da relevância deste tipo de documentação, fazendo uso de uma ficha tipo, como a utilizada no Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro, para adquirir as informações relevantes na conservação e apresentação das peças.

                                                             208

ALTHÖFER, Heinz – Il restauro dell’arte moderna e contemporânea. In RIGHI, Lidia (coord.) La conservazione e il restauro oggi, Conservare L’art contemporânea. Fiesole: Nardini Editore, 1998, p.77. Apud MACEDO, Rita – Ob. cit., p.41. 209 A Jornada realizou-se no Museu Nacional Rainha Sofia nos dias 12 e 13 de Fevereiro de 2009.

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Capítulo IV Características técnicas e materiais e estado de conservação da colecção Manuel de Brito  

 

Características técnicas e materiais e estado de conservação da colecção

«Devido ao desinteresse dos criadores pela durabilidade dos objectos, e à utilização diversificada de materiais, as obras geralmente necessitam de intervenções de conservação e restauro desde muito cedo. A grande diferença relativamente à arte de períodos anteriores é que frequentemente é preciso intervir nas obras ainda durante a vida dos artistas que as criaram, ou seja, o artista vivo compensa de certa forma a falta de perspectiva histórica, uma vez que este é, à partida, uma fonte de documentação inestimável.»210

No inicio do século XX, existe não só uma mudança conceptual da produção artística, mas também uma alteração dos materiais e técnicas. É com a produção industrial que se dá a introdução de novos materiais, como por exemplo, as tintas sintéticas que vão substituindo os aglutinantes à base de óleos. Os artistas passam a usar materiais inconvencionais, que são escolhidos «não em função da sua durabilidade, mas sim em função da sua capacidade comunicativa e expressiva.».211 O artista do passado realizava os seus trabalhos segundo uma técnica rigorosa, aprovada pelas normas académicas, modificava ou subvertia os cânones tradicionais, mas sempre com relação a esta. Actualmente, o artista tem a sua própria técnica, pessoal e intransmissível. No contexto português as mudanças dão-se mais lentamente, o princípio do século é assinalado pelas «propostas de índole técnica e temática que os modernistas fazem, em confronto (…) com os procedimentos naturalistas, ditos académicos.»212, não havendo alterações significativas nas matérias utilizadas pelos artistas portugueses até aos anos 50/60.213 A partir desta década, e tomando como exemplo obras pertencentes à Colecção Manuel de Brito, passa-se de uma pintura “tradicional” para uma pintura com colagens «mesmo                                                             

210

MACEDO, Rita – Da Preservação à História da Arte Contemporânea: Intenção artística e processo criativo. APHA. Boletim. Nº5 (Dez. 2007), p.6. 211 IDEM, Ibidem, p.1. 212 CASTRO, Laura; SILVA, Raquel Henriques da – História da arte portuguesa. Época contemporânea. Lisboa: Universidade Aberta, 1997, p.97. 213 A Favrel Lisbonense, a companhia de materiais artísticos, foi a primeira a introduzir as tintas à base de resinas sintéticas, em Portugal. «Até 1974 em Portugal, todos os materiais importados eram extremamente caros, e isto era uma das razões para que os produtos da Favrel fosse tão popular entre os artistas portugueses» - cf. FERREIRA, Joana Lia; [et al] – Eternity is in love with the productions of time: Joaquim Rodrigo’s classical palette in a vinyl synthetic medium. In LEARNER, Thomas J.S.; [et al] – Modern Paints Uncovered. Los Angeles: The Getty Conservation Institute, 2007, p.43.

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que dentro dos seus limites oficinais tradicionais, dá, em muitos casos, entrada a materiais e técnicas diversas e opostas»214 (CAMB0006 - Homenagem a um crítico, Eduardo Luiz). Introduzem-se na matéria pictórica materiais não habituais, como a areia (CAMB0098 - A pedido de uma senhora japonesa, António Dacosta), a folha de ouro (CAMB0079 - Sol e CAMB0078 - Tensão de Opostos, Eduardo Nery), o papel (CAMB0002 - Sem título, João Abel Manta), o metal (CAMB0033 - Metro, Júlio Pomar) e objectos da vida quotidiana, como maços de cigarro (CAMB0022 - Highlife, Rolando Sá Nogueira), espelho (CAMB0073 - Tigre et tortues, Júlio Pomar), tecidos (CAMB0014 - A relíquia herética, Eduardo Luiz), etc. O plexiglas material de eleição da artista Lourdes Castro, utilizado nas suas “sombras” (CAMB0040 - Sombra projectada de Christa Maar), as chapas de metal e sistemas mecânicos desenvolvidos por René Bertholo (CAMB0068 - Arc en ciel e CAMB0067 Bateau à quai II) são exemplos da introdução de novos materiais industriais no âmbito da pintura-objecto. Mário Cesariny fez experimentações técnicas, onde costumava sobrepor camadas de tinta que depois friccionava, a fim de misturar as cores de forma arbitrária e às quais, por vezes, juntava café e vernizes industriais215, O mago (CAMB0067) parece ser um exemplo disto. Obras mais recentes, do inicio do século XXI, mostram como a experimentação de materiais do quotidiano é levada ao extremo, estes são trazidos para o campo das artes com funções estéticas (CAMB0115 - Mar Salgado – escultura em sal, João Pedro Vale).

S U P O RT E Das 177216 obras inventariadas, 147 são pinturas, ou pelo menos, seguem este formato variando depois a técnica e os materiais. O suporte mais utilizado é a tela (61%) assente numa grade, a madeira é pouco usada como suporte (1%), sendo substituída pelos seus

                                                             214

ÁVILA, María Jesús – A conservação da arte contemporânea: um novo desafio para os museus. APHA. Boletim. Nº5 (Dez. 2007), p.2. 215 TCHEN, Adelaide Ginga – Mário Cesariny (1923). CAMJAP: Centro de Arte Moderna José de Azeredo Perdigão, disponível em: http://www.camjap.gulbenkian.pt/l1/ar%7BD2B27546-03B0-4185-A5F80B5ACC3E203C%7D/c%7B9a7cb829-47b5-4285-8fca-aa1740d9dc79%7D/m1/T1.aspx, (10/09/2008,18h20). 216 Na realidade, são 156 obras. Contabilizando cada peça individualmente, fora dos conjuntos (Dipticos, Tripipticos e polípticos), existem 177.

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Características técnicas e materiais e estado de conservação da colecção

 

derivados – platex217 (5%) (CAMB0031 - Sem título, Joaquim Bravo) e contraplacado218 (3%) (CAMB0098 - A pedido de uma senhora japonesa, António Dacosta). A seguir à tela, o suporte mais utilizado é o papel, que agora tem um carácter independente e igual ao de uma pintura ou escultura, não é mais um estudo preparatório (Fig.28). Como consequência

muitos

artistas

apresentam

os

seus

desenhos

em

suportes

tradicionalmente usados na exibição de pinturas, sendo montados em telas (CAMB0138 Jenufa, Paula Rego), fixas a uma grade de madeira ou a aglomerado219 (CAMB0102 Subúrbio I, Júlio Pomar), ou emoldurados (CAMB0126 - Sem Título, Jorge Barradas), com um vidro de protecção por cima.

TÉCNICAS PICTÓRICAS Mesmo com a multiplicidade de materiais e de procedimentos utilizados na arte moderna e contemporânea, mantêm-se técnicas e estilos tradicionais - uma grade convencional, uma tela, uma preparação ou uma determinada técnica pictórica. A grande diferença é a introdução de novos materiais, como os produtos sintéticos e comerciais, e de técnicas, que mudam substancialmente o seu comportamento no momento da conservação. Muitas vezes, mal se conhece a sua composição, processos de envelhecimento ou o seu comportamento perante a presença e a combinação de materiais de natureza oposta, sendo um dos principais problemas da conservação da arte moderna e contemporânea. Ainda que aparentemente estejamos perante uma pintura sobre tela tradicional, é muito possível que a tela não seja de linho, mas sim de um tecido sintético, de algodão ou por uma tela constituída à base de misturas. Esta pode estar impregnada por uma carga branca industrial e não com a usual preparação de gesso ou pode não ter preparação, o que torna o suporte mais vulnerável à adesão da sujidade (CAMB0145 - Deux corbeaux e CAMB0072 - Tigre Ovale, Júlio Pomar).                                                             

217

Prensado ou platex é um derivado da madeira, formado por uma mistura de cascas de árvores com cola e posteriormente prensada. Madeiras, disponível em: http://www.jcpaiva.net/files/ensino/alunos/20022003/teses/020370017/madeiras/madeiras.htm#tipo s (27/02/2009; 14h16). 218 Contraplacado é um derivado da madeira, constituído por camadas de madeira fina, sobrepostas e coladas umas às outras com os veios cruzados. CAMEO: Conservation and Art Materials Encyclopedia Online, disponível em: http://cameo.mfa.org/browse/record.asp?subkey=7294 (27/02/2009; 13h52). 219 Aglomerado é um derivado da madeira, formado por aparas de madeira e cola que são prensadas a altas temperaturas.  CAMEO: Conservation and Art Materials Encyclopedia Online, disponível em: http://cameo.mfa.org/browse/record.asp?subkey=6880 (27/02/2009; 14h04)

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Os aglutinantes podem já não ser óleos secativos, mas sim acrílicos e os colorantes podem estar incorporados em certas cargas, facilmente alteráveis e pouco duradoiras220. Das obras inventariadas, quase metade tem como aglutinante o óleo (39%). Isto é concordante com o que já foi referido ao inicio - dentro do panorama português da segunda metade do século XX, a introdução e o uso de novos materiais deu-se mais lentamente. Ainda assim, a colecção mostra dois grandes conjuntos, um composto por pinturas a acrílico (27%) e outro por obras com diversos materiais (23%), como o plexiglas, a tinta-da-china, o pastel, o papel, etc (Fig.29). O óleo é um aglutinante relativamente durável, quando usado adequadamente. O destacamento, estalados e o levantamento da camada pictórica pode ocorrer se a tinta for usada de maneira não convencional.221 A maioria das tintas sintéticas, usadas hoje em dia, são as emulsões acrílicas, que se tornaram disponíveis nos anos 50. A sua estabilidade depende muito de como foram usadas e das condições ambiente a que estão expostas. Estas parecem menos propícias a estalar em condições ambiente moderadas, do que as pinturas a óleo, mas são materiais ainda muito recentes para determinar se defeitos similares se desenvolvem com o seu envelhecimento natural.222 Estas pinturas dispensam de uma protecção final de verniz, de maneira que estão muito mais expostas aos danos provocados pela abrasão. As características físicas deste pigmento atraem (por efeito eléctrico) o pó do ar, que se deposita sobre a pintura, tornando-as particularmente difíceis de as limpar.223 A seguir ao óleo e ao acrílico, numa percentagem menor (6%), o guache é o aglutinante mais utilizado (CAMB0120 - Fernando Pessoa, ele mesmo com a minha chávena de café, um pincel e um lápis meus e a sua caneta, António Costa Pinheiro e CAMB0080 - Sem título, António Palolo). Pigmentos e cargas são combinados com um aglutinante (uma goma) solúvel em água para produzir uma tinta que, normalmente, é mais espessa e mais opaca que a aguarela. As aplicações espessas estão propensas a estalar e destacar (CAMB0123 - Sem título, António Soares) e as superfícies mates e porosas retêm a sujidade e o pó e são difíceis de limpar, por isso é aconselhável serem                                                             

220

CALVO, Ana – Conservación y Restauración de pintura sobre lienzo. Barcelona: Ediciones del Serbal, 2002, p.176. 221 CCI Notes 10/17. Know your paintings – structure, materials and aspects of deterioration. Ottawa: Canadian Conservation Institute, 2002, p.3. 222 Na pintura acrílica o aglutinante, onde se dissolveu o pigmento, não provoca a camada de protecção natural que gera a oxidação do óleo. Cf. Ibidem, p.3. 223 Ibidem, p.3.

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Características técnicas e materiais e estado de conservação da colecção

 

protegidas com uma moldura apropriada.224 A aguarela e o pastel também fazem parte desta colecção, existem duas pinturas a aguarela (CAMB0135 - O Inferno e CAMB0136 - Paraíso, Menez) e duas pinturas a pastel (CAMB0141 - Lenda do Fogo e CAMB0132 - Maria Moisés, Paula Rego), todas emolduradas e com um vidro de protecção. As aguarelas constituem pigmentos misturados com gomas solúveis em água e são geralmente executadas em papel. O seu emolduramento é recomendado, porque a natureza porosa do suporte e o seu aglutinante torna-a susceptível aos danos por sujidade, pó e outros poluentes. A exposição à luz também deve ser minimizada, pois pode causar o desvanecimento das cores.225 O pastel é composto por partículas de pigmentos e uma pequena proporção de aglutinante, este dá coesão e dureza ao pastel, mas não contribui muito para a adesão das partículas ao suporte. É caracterizado pela perda em pó, tem tendência a pulverizar e a lascar. Para evitar isto, precauções devem ser tomadas para minimizar a vibração e o choque durante o manuseamento, a exposição e armazenamento. O emolduramento vai ajudar a proteger a superfície frágil.226 Importante, é também referir, o uso de tintas off-set e de acetato de polivinilo na pintura CAMB0041 – Janela, Ângelo de Sousa, segundo indicação do pintor no verso. A camada branca do fundo é constituída por alvaiade (branco de chumbo) e acetato de polivinilo e o rectângulo colorido é constituído por cartolina com tintas off-set. Estas são uma tinta utilizada num processo de impressão de imagem indirecta chamado de litografia offset227, são geralmente mais finas e de mais rápida secagem do que as tintas de litografia.

VERNIZES E CAMADAS DE ACABAMENTO Raramente as pinturas contemporâneas têm um verniz tradicional à base de uma resina natural ou sintética. Normalmente, não apresentam uma camada de protecção de verniz, as pinturas a acrílico dispensam este tipo de camada, tornando a superfície pictórica                                                             

224

Ibidem, p.3.  Ibidem, p.3. 226 Ibidem, p.3. 227 Desenvolvido em 1870, este duplo processo de impressão primeiro transfere a imagem de uma chapa metálica para um rolo de borracha e, depois, do rolo para o papel impresso final. CAMEO: Conservation and Art Materials Encyclopedia Online, disponível em: http://cameo.mfa.org/materials/record.asp?key=2170&subkey=6548&Search=Search&MaterialNa me=off+set&submit.x=0&submit.y=0 (19/02/2009; 19h47). 225

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vulnerável a abrasões, riscos e fricções que vão polir a superfície, alterando o seu brilho.228 A maior parte das pinturas desta colecção não apresenta uma camada de verniz, 17 pinturas estão, ou pelo menos aparentam, estar envernizadas, nomeadamente as pinturas do Eduardo Luiz e do Nikias Skapinakis. A pintura CAMB0056 - Flores e Frutos VI apresenta, sobre a travessa horizontal da grade, uma inscrição, onde o autor refere que esta foi envernizada um ano após a realização da obra ("Nikias Skapinakis, Flores e Frutos VI - Homenagem a Zurbaran, Fev.73, Envernizado em Jan.1974”). Um caso particular, é a pintura CAMB0077 - Sem título de Víctor Fortes, que se apresenta parcialmente envernizada, ou seja, apenas duas faixas verticais, têm verniz, uma opção estética do próprio artista.

MATERIAIS COMERCIAIS O uso de materiais comerciais torna-se comum, as telas e as grades utilizadas mostram carimbos correspondentes à sua marca. Cinquenta e nove obras (33%) apresentam uma preparação comercial branca (Fig.30), visível nas margens da tela (CAMB0108 - Sem título, Ilda David e CAMB0025 - Susan and Bartolomeu, Paula Rego), existem seis telas com um carimbo no verso, três são da marca Talens® (CAMB0024 - Café, Rolando Sá Nogueira) e oito grades exibem um carimbo correspondente à marca de fabrico, Casa Varela e Casa Ferreira (CAMB0030 - Sem título, Manuel Baptista e CAMB0057 - Frutos e Flores, Nikias Skapinakis).

TIPOS DE ALTERAÇÕES/DANOS A conservação de uma obra contemporânea não deveria colocar problemas teóricos ou práticos diferente da arte mais antiga, pelo contrário, a proximidade do tempo deveria garantir menos problemas. Um dos critérios da arte actual é a busca de novidade e de originalidade através da matéria. A introdução de novos e diversos materiais, muito diferentes dos utilizados no passado, torna-nos ignorantes em relação ao seu processo de envelhecimento e à estabilidade das obras. A matéria utilizada na obra contemporânea é dotada de um elevado «grau de significado», o que implica uma menor possibilidade de restauro e por conseguinte o conservador restaurador deve levar a cabo                                                             

228

SELECTION criteria for contemporary paintings on canvas. In RICHARD, Mervin; MECKLENBURG, Marion F.; MERRILL, Ross M. (ed.) – Art in transit. Handbook for packing and transporting paintings. Washington: National Gallery of art, cop. 1997, p.3.

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Características técnicas e materiais e estado de conservação da colecção

 

uma prévia investigação e uma planificação muito cuidadosa das intervenções229. No caso das obras antigas é relativamente simples conhecer as diferentes fases do ciclo vital de cada componente e as possíveis influências de uns sobre os outros, devido à experiência que já possuímos e que nos permite prever as possíveis consequências das operações de restauro. A problemática é outra nas obras contemporâneas, sobretudo se foram empregues materiais ou métodos novos, juntando o problema de reconhecer os ditos materiais e técnicas e de os identificar sem a ajuda de experiências precedentes. A conservação de uma obra é determinada por três factores: os materiais que a constituem, a técnica de execução e condições internas e externas do museu, edifício ou lugar onde se encontra a obra230. As causas de alteração podem derivar da natureza do processo de degradação: •

Natural ou intrínseca à obra, devido aos seus materiais, técnica e envelhecimento;



Abiótica ou externa, derivadas das condições ambiente, como a humidade, a temperatura, a poluição e a iluminação;



Biológica: causada pelos microrganismos (bactérias e fungos), insectos, vegetais e animais (roedores, aves ou mamíferos);



Humana: causada pela manipulação, actos de vandalismo e, até, por restauros deficientes.231

O dano que afecta um maior número de obras (29%) é biológico, causado por insectos (Fig.31). A superfície pictórica das obras exibe pequenos pontos acastanhados correspondentes a excrementos de mosca. Esta actua indirectamente sobre a camada pictórica, produzindo, através dos seus excrementos, um ponto escuro, sobretudo nos tons claros232, cujo conteúdo ácido (ácido úrico) ataca a própria matéria e deixa manchas e aureolas.233 É possível remover o excremento, mas este, devido à sua composição,                                                              229

SCICOLONE, Giovanna C. – Restauración de la pintura contemporánea. De las técnicas de intervención tradicionales a las nuevas metodologías. Traducción de Adriadna Viñas. Hondarribia: Editorial Nerea, 2002, p.18. 230 MONTORSI, Paolo – Una teoria de la restauración del arte contemporâneo. In RIGHI, Lidia (cord.) – Conservar el arte contemporâneo. Traducción de Adriadna Viñas. San Sebastián: Editorial Nerea, 2006, p.13. 231 BUCK, Rebecca A.; GILMORE, Jean A. (ed.) – The new museum registration methods. Washinton: American Association of Museums, 1998., p.54. 232 CALVO, Ana – Ob. cit., p.131. 233 Não foi encontrada bibliografia referente ao aparecimento de excrementos de mosca sobre superfícies pictóricas, no entanto existe um artigo que trata o tema dos excrementos de morcegos. Vd. TORRE Y ARREDONDO, Sebastián de la – Accion destructora de los murciélagos en las

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provoca pequenos pontos de descoloração permanente da camada pictórica. O aparecimento dos excrementos de mosca é justificado pela existência de um campo, com animais de quinta, localizado por trás da Galeria 111, o que facilita a circulação destes insectos, nas reservas, por entre os quadros. A alteração natural, causada pela perda da camada pictórica, surge como a segunda causa mais frequente (24%) (Fig.32). Esta pode dever-se à perda de adesão das camadas superiores (CAMB0005 - L'ardoise cassée, Eduardo Luiz) ou de todas as camadas (CAMB0142 - Lela playing with Gremlin, Paula Rego), a tensões ou a abrasão superficial (CAMB0069 - O caso dos ovos estrelados, René Bertholo). Os movimentos da tela com as flutuações de humidade relativa e os materiais constituintes da camada de preparação, assim como a sua forma de aplicação, são determinantes para a formação deste tipo de alterações. Por exemplo, a pintura CAMB0026 (Sem Título, Paula Rego) apresenta levantamentos da camada pictórica azul e preta por falta de adesão, acompanhados por lacunas da mesma. O levantamento da camada pictórica, por estalado ou por falta de adesão às camadas inferiores, preparação ou suporte, constitui 9% das alterações. Na pintura (CAMB0028 - Le jardin, Vieira da Silva) os estalados estão a provocar o levantamento da camada pictórica, pondo em perigo o seu destacamento. Um caso particular é a peça (CAMB0050 - Sem Título, Víctor Fortes) que apresenta o levantamento da camada pictórica vermelha em forma de pequenas bolhas. Estes levantamentos, normalmente, produzidos por calor ou por movimentos do suporte, podem manifestar-se localmente ou de forma generalizada e em muitos casos, dada a sua vulnerabilidade a mais ligeira abrasão causa a perda de partículas de pintura, o que não é o caso.234 As deformações do suporte (12%) (Fig.32) surgem como uma alteração natural, devido aos materiais e à construção das obras, e como uma alteração causada pela acção humana, causada por um manuseamento deficiente. A primeira aparece como causa de deformação em 14 peças. A deformação do suporte, pode ser causada pelas diferentes respostas do papel e da tela ao adesivo, isto é visível na obra CAMB0022 (Highlife, Rolando Sá Nogueira). A falta de adesão do papel ao suporte de madeira também causa deformação, formando bolsas de ar, é o caso da obra CAMB0101 (Café, Júlio Pomar).                                                                                                                                                                                      obras de arte. Informes y trabajos del Instituto de Conservación y Restauración de Obras de Arte, Arqueología y Etnología. Madrid: Dirección General de Bellas Artes. Nº7 (1968), p.7–17. 234 CALVO, Ana – Ob. cit., p.145.

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Características técnicas e materiais e estado de conservação da colecção

 

Apesar da composição de materiais celulósicos similares, devido a diferenças na estrutura e método de manufactura e de preparação, os suportes reagem de maneira diferente a alterações das condições ambientais. Muitas vezes este tipo de peça apresenta deteriorações e danos associados com as diferenças físicas inerentes entre os suportes e com o efeito adverso da deterioração e envelhecimento dos adesivos. Problemas de deformação, de enrugamento e de fixação desigual podem surgir, devido às diferentes respostas do papel aos adesivos aquosos. As questões associadas com a expansão e a contracção incluem stress mecânico, corte/fractura e perda de adesão. O amarelecimento, manchas, enfraquecimento e alterações da reversibilidade estão associadas à oxidação e ao envelhecimento do adesivo. O aspecto estético do papel, normalmente, altera-se – tom, textura e flexibilidade – e pode aumentar durante ou depois da montagem235. Uma grade deficiente também pode causar a deformação do suporte, na pintura CAMB0009 (A gaveta desabitada, Eduardo Luiz) existe uma falta de madeira na travessa da grade, que causa uma deformação pontual na tela. Ou a simples deformação do suporte de platex da peça CAMB0049 (Os ofícios - fabriqueta clandestina de gravatas, Artur Cruzeiro Seixas), que apesar de ser mais resistente do que uma tábua de madeira, também pode deformar. As restantes dez obras têm falta de tensão da tela. Esta pode depender de factores como os materiais presentes, as dimensões da pintura e as condições ambiente que a envolvem.236 No entanto, é de se esperar, e deve-se permitir, que haja uma movimentação da tela originada pelas flutuações sazonais. A deformação convexa ou côncava dos cantos é comum e, geralmente, é causada por um estiramento deficiente da tela. Algumas grades, apesar da falta de cunhas ou de serem não extensíveis, permitiram conservar as telas bem tensadas ao longo do tempo, isto é possível, quando as condições ambiente são constantes. Segundo Nicolaus237, a tensão normal de uma tela é de 100-200 N/m ou 10-20 kg/m, esta tensão ideal não se mantém permanente, devido às                                                             

235

VOLENT, Paula – Contemporary Techniques of mounting paper to canvas. The paper conservator. Vol. 10, (1986), p.18-23. 236 Não nos podemos esquecer que a suporte têxtil é higroscópico e, que por isso, a sua resposta dimensional vai depender também da humidade. Uma tela engradada e sujeita a valores elevados de humidade relativa vai reduzir, consideravelmente, a sua tensão. MICHALSKI, Stefan – Paintings – Their response to temperature, relative humidity, shock, and vibration. In MECKLENBURG, Marion F. (ed.) – Art in transit. Studies in the transport of paintings. Washington: National Gallery of Art, 1991, p.226. 237 NICOLAUS, Knut – The restoration of paintings. Köln: Könemann, 1999, p.84.

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flutuações da humidade relativa e da temperatura, causando a perda de tensão.238 Por isso é necessário vigiar as obras e tensioná-las quando necessário. As grades extensíveis, com cunhas nos cantos, ajustam a tensão da tela e previnem o aparecimento de deformações ou vincos, assim a falta de cunhas pode contribuir para uma tensão deficiente da tela. Nas grades extensíveis a tensão consegue-se com o bater das cunhas, este sistema, apesar de ser habitualmente usado, não é o ideal, pois provoca a vibração da tela e causa uma maior tensão nos ângulos. A maioria das pinturas tem uma grade extensível e estão emolduradas por um caixilho fixo à grade com parafusos, colocados lateralmente. A ausência de molduras ou a sua substituição por caixilhos fixos à grade é uma característica da pintura contemporânea.239 Estes podem ser uma questão estética procurada pelo artista ou uma questão de gosto do próprio coleccionador. Normalmente, os artistas entregavam à Galeria as suas obras engradadas e, algumas vezes, emolduradas toscamente. Desde muito cedo que a Galeria começou a recorrer a um emoldurador para haver uma melhor apresentação dos trabalhos, montando depois uma oficina de molduras. Quando necessário, a galeria substitui as grades empenadas. As dez obras com falta de tensão, duas têm grades não extensíveis e oito têm grades extensíveis, quase todas estão emolduradas por um caixilho fixo lateralmente ou por uma moldura fixa, no verso, da grade. A pintura CAMB0153 (Cão/Longinus, Eduardo Batarda), com uma grade extensível, sem cunhas e sem moldura, é a única que não se apresenta laça, a deformação da margem inferior da tela é causada pela deslocação, para baixo, das travessas verticais da grade. Existem obras que têm uma grade extensível, mas que estão emolduradas. Comparando com as que referimos atrás, estas apresentam-se bem tensadas e sem deformações (CAMB0142 - Lela playing with Gremlin, Paula Rego e CAMB0043 - D. Inês de Castro, António Costa Pinheiro). A deformação das telas é assim causada pela movimentação das travessas da grade, quando estas não estão emolduradas, uma vez que não existe nada que restrinja o seu movimento, e pelas grades serem fixas, seja pela sua construção original, seja pela existência de uma moldura, estes sistemas não permitem tensar as telas. Outro exemplo, é a pintura                                                              238

As flutuações da humidade relativa também vão alterar as propriedades de um suporte têxtil. O conteúdo de água aumenta e a sua flexibilidade, a condutividade térmica e a elasticidade também aumentam, enquanto a sua força, resistência química e tensão diminuem, levando a alterações de dimensão e do comportamento mecânico da tela. Cf. NICOLAUS, Knut – Ob. cit., p.84. 239 CALVO, Ana – Ob. cit., p.329.

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Características técnicas e materiais e estado de conservação da colecção

 

CAMB0015 (Portrait Classique, Eduardo Luiz) que apresenta uma deformação causada pela deslocação das travessas, neste caso da travessa horizontal superior. A ausência de cunhas pode não ser uma causa directa das deformações da tela, pelo contrário, esta até pode apresentar-se bem tensada, veja-se o caso da obra CAMB0088 (Sem título, Fernando Calhau) que só tem uma cunha no canto superior direito e não exibe qualquer deformação ou falta de tensão. A deformação como alteração causada pela acção humana, causada por um manuseamento deficiente surge em cinco obras, três apresentam uma deformação do suporte e/ou da camada pictórica originada por impacto, por exemplo a peça CAMB0042 (D. João II, António Costa Pinheiro) e as peças CAMB0105/4 e 10 (Calendário I, João Leonardo) que apresentam a deformação de alguns maços de cigarros. A alteração biológica causada por microrganismos e insectos xilófagos é a quarta causa de alteração mais frequente (Fig.31), o primeiro assume uma importância relevante no caso do suporte de tela e o segundo no caso do suporte de madeira, pois estas constituem fontes de nutrientes ideais, tanto para os microrganismos, como para os insectos xilófagos. A elevada humidade relativa juntamente com a existência de sujidade e pó (que absorvem a humidade) causam a degradação da pintura e favorece o desenvolvimento de fungos, criando um ambiente propício ao seu desenvolvimento. Nas peças inventariadas, duas apresentam ataque biológico sobre o verso da tela (CAMB0021 - Sem Título, Marcelino Vespeira e CAMB0058 - Sem Título, Luís Dourdil), que aparece sob a forma de pequenas manchas de coloração castanha240. Muitas vezes os fungos aparecem sobre o verso das telas devido à existência de celulose e/ou de uma camada de cola, entre a tela e a preparação, sendo os suportes têxteis de fibras naturais, devido à sua composição e às suas qualidades higroscópicas, são mais propensas ao aparecimento de microrganismos. Os ácidos orgânicos libertados pelos fungos aceleram o enfraquecimento e perda das propriedades elásticas das fibras da tela, destacamento da preparação e camada pictórica.241 Apesar de as pinturas sobre tela serem geralmente atacadas pelo verso, estas podem exibir microrganismos sobre a superfície pictórica, por exemplo, se forem armazenadas                                                             

240

Os fungos que atacam a celulose e a hemicelulose têm uma coloração castanha, enquanto os que atacam a lenhina têm uma coloração esbranquiçada. Cf. CALVO, Ana - Ob. cit., p.131. 241 VORONINA, L. L. – Problems on combating the mould fungi destroying the painting work. ICOM Committee for conservation, 4th Triennial Meeting, Venice 1975. Preprints. Paris: ICCOM, 1975, p.2.

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num local com uma humidade relativa muito elevada, se estiverem sujas e com pó e se a pintura tiver como aglutinantes cola animal, caseína, tempera de ovo, emulsão de tempera e óleo, assim como resinas damar, mastic e resinas artificiais.242 É difícil afirmar, com certeza, sem o auxílio de exames apropriados e só a olho nu de que se trata de um ataque de fungos. No entanto, as quatro pinturas apresentam todas, sobre a sua superfície pictórica, manchas pequenas e arredondadas, amarelas ou castanhas, de aspecto baço, sobre uma determinada cor ou suporte (papel ou tecido). O género de manchas é muito similar em todas, o que leva a crer, que se trata do mesmo tipo de alteração. Exemplos disto são as pinturas: CAMB0075 (A expansão do universo com um poema de Novalis, Jorge Martins) que exibe as tais manchas sobre a camada pictórica preta, CAMB0077 (Sem título, Víctor Fortes) existem acentuadas manchas baças acastanhadas sobre a camada pictórica sem verniz, vermelha e cinzenta, ou CAMB0120 (Fernando Pessoa, ele mesmo com a minha chávena de café, um pincel e um lápis meus e a sua caneta, António Costa Pinheiro) que mostra manchas amareladas sobre o fundo azul. Na pintura CAMB0029 (Circo da Luz, Nikias Skapinakis) com manchas baças, de cor bege, sobre o fundo azul, é difícil perceber se estas correspondem a um ataque de microrganismos, pois o género de manchas não é parecido com o que aparece nas outras pinturas, sendo a sua origem desconhecida. Os fungos conseguem destruir completamente a madeira em poucos anos, enquanto os insectos requerem longos períodos de tempo para causar a mesma quantidade de destruição. O seu ciclo de vida divide-se em quatro fases – ovo, larva, pupa e insecto, sendo o período mais longo o da larva, podendo durar vários anos.243 Oito peças apresentam ataque de insectos xilófagos, cinco na grade (CAMB0155 - Sem Título, Manuel Baptista) e três no suporte de madeira (CAMB0098/3 - A pedido de uma senhora japonesa, António Dacosta). Normalmente, os insectos adultos evitam sair pelas superfícies pintadas e envernizadas, escolhendo o lado da madeira, isto porque preferem consumir a matéria orgânica. Os estalados (12%) (Fig.32) constituem uma alteração humana ou natural, dependendo da sua origem. O estalado mecânico surge nas pinturas sob a forma de um estalado circular, este tipo de padrão é, normalmente, causado por uma força aplicada num determinado ponto da superfície pictórica (CAMB0010 - Le bilboquet, Eduardo Luiz e                                                             

242 243

NICOLAUS, Knut – Ob. cit., p.204. IDEM, Ibidem, p.28.

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Características técnicas e materiais e estado de conservação da colecção

 

CAMB0021 - Sem título, Marcelino Vespeira), este representa uma alteração causada pela acção humana. Outro tipo de estalados são aqueles inerentes aos processos de envelhecimento e de secagem da matéria. O estalado prematuro ou de secagem afecta fundamentalmente as obras contemporâneas, surge por “defeitos” da técnica empregue, por excesso de produtos secativos. Tem origem no stress mecânico produzido pela evaporação das partes voláteis, dentro das camadas, ou pela formação de elementos gasosos durante o processo de assentamento244. Normalmente, limitam-se à camada ou às camadas que estão em stress e não penetram em toda a estrutura (do suporte à superfície) como o estalado de envelhecimento (CAMB0028 - Le jardin, Vieira da Silva e CAMB0090 - O filósofo, António Dacosta). O estalado de envelhecimento é uma manifestação da idade de uma pintura, é atribuído na maioria das vezes ao stress mecânico originado pelas mudanças ambientais245 (CAMB0032 - Mono sábio e CAMB0034 - Vincennes VI, Júlio Pomar). Em princípio, os estalados não são considerados como uma alteração objecto de restauro, excepto em casos onde estejam a provocar o levantamento da camada pictórica (CAMB0028 - Le jardin, Vieira da Silva). A falta de adesão e o consequente perigo de destacamento da camada pictórica compromete o estado de conservação da obra, este surge como uma alteração natural (6%). A pintura CAMB0028 (Le jardin, Vieira da Silva), a escultura CAMB0115 (Mar salgado, João Pedro Vale) ou o baixo-relevo CAMB0046/2 (Jazz, José de Almada Negreiros) exibem o levantamento da camada pictórica acompanhado pelo perigo de destacamento da mesma. Nas peças CAMB0116 (Sem Título, José Pedro Croft) e CAMB0042 (D. João II, António Costa Pinheiro), apesar de não ser visível a falta de adesão da camada pictórica, a quantidade de lacunas sobre a superfície aponta para esta possibilidade. Três peças apresentam rasgões sobre o suporte de papel (CAMB0120 - Fernando Pessoa, ele mesmo com a minha chávena de café, um pincel e um lápis meus e a sua caneta, António Costa Pinheiro) e uma peça sobre o suporte de malha acrílica (CAMB0156 - Pega, Joana Vasconcelos). Os rasgões constituem uma alteração causada pela acção humana (3%), causada pelo manuseamento deficiente das obras (Fig.32). Os produtos de corrosão das peças metálicas das obras constituem uma alteração                                                              244

SCICOLONE, Giovanna C. – Ob. cit., p.58. WILLIGEN, P. de - A mathematical study on craquelure and other mechanical damage in paintings. Delft: Delft University Press, 1999, p.15.

245

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causada por factores naturais e abióticos (3%) (Fig.32). A CAMB0033 (Metro, Júlio Pomar), a CAMB0055 (Sem título, António Charrua) e a CAMB0116 (Sem Título, José Pedro Croft) aparentam ser ferrugem, devido à sua cor. A peça metálica da pintura CAMB0033 exibe pequenas manchas castanhas, irregulares e aleatórias sobre a superfície, esta parece ser a típica camada de óxidos de ferro formados em condições secas e não poluídas.246 Já a peça metálica da obra CAMB0055 apresenta sobre toda a peça uma camada uniforme acastanhada e, pontualmente, manchas alaranjadas. Geralmente, os produtos de corrosão acastanhados evoluem para um produto mais espesso e colorido, chamado de ferrugem.247 A estrutura de ferro da obra CAMB0116 também mostra ferrugem. Quando a ferrugem apresenta cores mais vivas corresponde a uma corrosão mais activa, o que não parece ser o caso. A escultura CAMB0087 (Sem título, José Rodrigues) apresenta lateralmente uma camada verde, fina e compacta, que parece corresponder a sais de cobre hidratados. Esta apresenta-se coerente, aderente à superfície e lisa, características de uma corrosão estável. A face de cima da escultura exibe crostas circulares de cor verde-esmeralda escuro, que poderá corresponder a sulfatos de cobre, um produto de corrosão do cobre relativamente estável, nos sítios onde estas crostas já saltaram é visível uma coloração verde pálida248. A corrosão uniforme é caracterizada por uma reacção de corrosão, mais ou menos, generalizada sobre toda a superfície do metal exposto, normalmente, esta forma de corrosão não é preocupante, uma vez que a evolução da degradação da peça pode ser visualmente acompanhada.249 Existem obras (2%) (Fig.32), como a CAMB0059 e CAMB0021 (Vermelho aberto - grito liberto e Sem Título, Marcelino Vespeira) ou a CAMB0062 (Sem Título, João Navarro Hogan), que apresentam manchas esbranquiçadas sobre as camadas pictóricas de cor escura. No início, pensou-se que estas pudessem corresponder a um ataque biológico,

                                                             246

SILVA, Rui – Notas de apoio à disciplina Diagnóstico e Conservação de Metais. Lisboa: DCMFCT-UNL, 2004, p.49. 247 IDEM, Ibidem, p.49. 248 «Alguns autores apontam para a formação de sulfuretos de cobre, como o Cu2S e o CuS, nos estágios iniciais da acção dos sulfatos (só nos primeiros dias). No entanto, como em atmosferas arejadas estes sulfuretos são instáveis, rapidamente oxidam para a forma de sulfatos.» - cf. IDEM, Ibidem, p.28. 249 IDEM, Ibidem, p.13.

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Características técnicas e materiais e estado de conservação da colecção

 

mas consultando a literatura250, verificou-se como sendo mais provável corresponder a um branqueamento da camada pictórica, até porque o desenvolvimento de fungos sobre esta camada (normalmente constituída por matéria inorgânica) é pouco provável, uma vez que estes preferem meios orgânicos. O branqueamento é essencialmente um fenómeno de superfícies causado por uma alteração natural. As cores escuras, que contêm uma maior proporção de aglutinante apresentam com frequência este problema que, segundo Koller e Bermester, se explica pela existência de ácidos gordos no aglutinante óleo. Se o aglutinante não é misturado com pigmentos básicos, como o branco de chumbo, que consome os ácidos gordos livres pela formação de sabão, estes permanecem móveis na camada pictórica, migrando para a superfície, cristalizam formando uma camada esbranquiçada. Este processo de oxidação e de migração que ilustra o mecanismo de branqueamento não revela de facto as causas deste fenómeno. Não existe uma explicação óbvia para que só em alguns casos os ácidos gordos migrem para a superfície. Assim, causas não associadas ao óleo devem ser consideradas, em particular a pigmentação e os problemas derivados disso251. Existem pinturas (11%), cuja intervenção de restauro (alteração causada pela acção humana) causa uma alteração estética da superfície pictórica, seja pelo retoque estar fora do tom, seja pelas diferenças de brilho em relação ao original. Exemplos disto, são as pinturas: CAMB0074 (Cena doméstica com cão verde, Paula Rego), com um retoque fora de tom, sobre uma pequena lacuna, na margem esquerda, inferior; CAMB0010 (Le bilboquet, Eduardo Luiz), com um retoque baço sobre o fundo preto; e CAMB0044 (D. Sebastião, António Costa Pinheiro) que apresenta um retoque e massa com uma cor e textura diferente do original. O baixo-relevo CAMB0046/3 (Bar de Marinheiros, José de Almada Negreiros) apresenta, para além da intervenção de restauro, uma intervenção                                                             

250

O branqueamento da superfície pictórica das pinturas de Rothko, em 1974, foi atribuído a um problema de fungos. Este branco foi examinado e foi identificado como um ácido gordo. Após repetida exposição à humidade da instalação num ambiente de cimento fresco, a antigos tratamentos e a condições climáticas ambiente, a gordura da gema formou ácidos gordos que, acompanhados ou mesmo ajudados pelo plasticizante, gradualmente difundidos pela superfície das pinturas formaram depósitos cristalinos. Vd. MANCUSI-UNGARO, Carol – The Rothko Chapel: treatment of the black-form triptychs. In MILLS, John S., SMITH, Perry (ed.) - Cleaning, Retouching and Coatings. Preprints of the contributions to Brussels Congress, 3-7 September 1990. Londres: IIC, 1990, p.134-137. 251 KOLLER, J., BURMESTER, A. – Blanching of unvarnished modern paintings: a case study on a painting by Serge Poliakoff. In MILLS, John S., SMITH, Perry (ed.) - Cleaning, Retouching and Coatings. Preprints of the contributions to Brussels Congress, 3-7 September 1990. Londres: IIC, 1990, p.141.

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histórica, o painel esquerdo apresenta-se coberto por uma camada de tinta branca aplicada, provavelmente, durante uma remodelação do hall do Cinema San Carlos de Madrid.252 Existem obras (6%) que exibem sobre a superfície pictórica manchas de tom mais escuro, cuja origem é desconhecida (Fig.32). É o caso da obra CAMB0049 (Os ofícios fabriqueta clandestina de gravatas, Artur Cruzeiro Seixas) ou CAMB0068 (Arc-en-Ciel, René Bertholo). Os objectos CAMB0105/1, 2, 6 e 7 (Calendário I, João Leonardo) mostram manchas amareladas e/ou acastanhadas que parecem corresponder a sujidade. Os três painéis do Almada Negreiros também apresentam a superfície pictórica manchada e amarelada, o que poderá corresponder a uma possível camada de verniz e/ou sujidade.253 Concluindo, a alteração natural e biótica, originada pelo tipo de materiais e técnicas utilizadas na construção das obras e pelas condições ambiente, é a causa mais frequente (46%) apresentada pelas obras da colecção (Fig.31). Este tipo de peças apresenta materiais diversos, que por vezes podem ser incompatíveis, e que podem produzir reacções químicas. A alteração biológica, originada pelas moscas, insectos xilófagos e fungos, constitui 29% e a alteração humana, causada por um manuseamento deficiente e por restauros, constitui 19%. A alteração estética, com origem desconhecida, é a causa que menos afecta as peças (6%).

SISTEMA DE SUSPENSÃO Um único ponto de suspensão na obra vai criar um esforço, no verso da grade ou moldura, enfraquecendo os cantos. Para uma suspensão segura, as pinturas precisam de estar bem fixas nas suas molduras, e terem dois pontos de suspensão, este sistema é o indicado para uma pintura pequena/média e deve ser forte o suficiente para aguentar o peso da obra sem a entortar. Numa pintura grande e/ou pesada o sistema de suspensão deve ser diferente, a obra deve ser assente numa espécie de “prateleira” para distribuir uniformemente o peso ao longo da sua parte inferior e os dispositivos de suspensão

                                                             252

«Os painéis do hall tinham sido pintados da cor da parede e estavam revestidos na sua maior parte por cartazes de cinema, etc.» - cf. SOUSA, Ernesto de – Recomeçar. Almada em Madrid. [S.l.]: Imprensa Nacional – Casa da Moeda, 1983, p.41. 253 Quando intervencionadas pelo Instituto Português de Conservação e Restauro, foi decidido, como critério de limpeza, deixar esta velatura amarelada.

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Características técnicas e materiais e estado de conservação da colecção

 

devem ser usados nas margens superiores e/ou laterais para fixar a peça à parede.254 Os painéis de José de Almada Negreiros (CAMB0046/1-3), são obras extremamente pesadas. Durante a sua exibição no Centro de Arte, estas foram assentes sobre uma base metálica e fixas à parede por seis ganchos metálicos, revestidos com uma protecção de plástico transparente, dois em cima e quatro em baixo. Os dispositivos de suspensão foram fixos à parede e não à obra. Quase todas as pinturas têm, no verso sobre cada travessa vertical, um arame que une dois camarões fechados. Os fios usados como sistema de suspensão de pinturas não são recomendados. Estes podem ganhar corrosão e enfraquecer, as pinturas podem sair facilmente da sua posição original e o excesso de fio pode danificar o verso da tela.255 Actualmente, este constitui um sistema antigo, que já não é mais usado, por isso aconselha-se a sua remoção. Os dois camarões fechados que existem em cada travessa vertical são encaixados em escápulas (ganchos metálicos) fixos à parede, este é um sistema mais seguro de pendurar as pinturas. As chapas para quadros permitem que a pintura esteja mais junta à parede e provocam menos danos em armazenamento do que os camarões, que são mais salientes. Porém, os camarões facilitam e permitem pendurar a peça de uma maneira mais segura. Em relação ao material do sistema de suspensão, este não deve oxidar. A oxidação das peças causa a perda de força, havendo o risco de estas se partirem, colocando a obra em perigo. Todas as peças metálicas – escápulas, camarões, cabos ou fios – mesmo as de boa qualidade, devem ser periodicamente verificadas, as escápulas podem não estar bem presos à parede, os parafusos podem sair da madeira, o fio pode gastar-se e romper.

E S T A DO D E C O N S E RV A Ç Ã O Mais de metade das obras inventariadas está em “Bom” estado de conservação (60%), ou seja, a peça não apresenta problemas de conservação, os seus materiais estão estáveis, mas exibem algumas lacunas e/ou deformações, quer seja do suporte, quer                                                             

254

HANGING paintings securely. reCollections - Caring for Collections Across Australia (Heritage Collections Council), disponível em: http://archive.amol.org.au/recollections/1/4/07.htm (06/03/2009; 12h22). 255 CCI Notes 10/3. Storage and display. Guidelines for paintings. Ottawa: Canadian Conservation Institute, [s.d.], p.4.

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seja da matéria, estalados mecânicos, produtos de corrosão, intervenções de restauro e/ou ataque biológico (excrementos de mosca, fungos ou insectos xilófagos), tudo o que constitua uma alteração à sua forma original (Fig.33). Na pintura CAMB0010 (Le bilboquet, Eduardo Luiz) a camada pictórica apresenta-se estável e com uma boa adesão ao suporte, no entanto a tela apresenta deformações convexas nos quatro cantos e um estalado circular do lado esquerdo, sobre a camada pictórica preta, que parece ter sido originado por impacto. Ou na pintura CAMB0020 (Sem Título, Marcelino Vespeira) a camada pictórica exibe, em algumas zonas, um estalado e existem, pontualmente, pequenos pontos acastanhados sobre a superfície pictórica, que parecem corresponder a excrementos de mosca. O objecto CAMB0105/2 (Calendário I, João Leonardo) apresenta, pontualmente, ligeiras deformações de alguns maços e pontos pretos correspondentes a excrementos de mosca. Tanto o espelho como o vidro do objecto CAMB0116 (Sem Título, José Pedro Croft) encontram-se em boas condições, no entanto a sua estrutura metálica mostra lacunas da policromia acompanhada por produtos de corrosão alaranjados (ferrugem). É possível observar ainda, à superfície deste metal, manchas esbranquiçadas que parecem corresponder a um branqueamento da camada pictórica. 31% das obras estão em “Muito bom” estado de conservação, o que significa que o seu estado actual corresponde a uma aproximação, quase total, do seu estado original. “Quase total” porque a obra desde o momento da sua criação está, inevitavelmente, vulnerável à alteração física, no entanto não mostra problemas de conservação. No caso das pinturas, a camada pictórica apresenta-se estável e sem lacunas e com uma boa adesão ao suporte, embora possa exibir estalados prematuros ou de secagem e de envelhecimento. Desde que estes não provoquem o perigo de destacamento ou levantamento da camada, não constituem um risco para o seu estado de conservação, fazem parte do seu processo de envelhecimento e são intrínsecos à obra. A pintura CAMB0090 (O filósofo, António Dacosta) apresenta a camada pictórica estável e com uma boa adesão ao suporte e com um estalado de envelhecimento. Ou a pintura CAMB0001 (O mago, Mário Cesariny) as camadas pictóricas apresentam-se com uma boa adesão e o suporte estável, ao centro da pintura, junto ao círculo, é possível observar um estalado pontual que penetra a camada pictórica branca. Provavelmente, foi causado pela sobreposição de camadas, a camada inferior não estava completamente seca quando a camada superior foi aplicada. Das obras inventariadas, 15% apresentam-se em estado “regular”, estas exibem lacunas

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Características técnicas e materiais e estado de conservação da colecção

 

e/ou faltas de suporte e/ou de matéria e necessitam de uma intervenção de conservação e/ou restauro. A obra CAMB0028 (Le jardin, Maria Vieira da Silva) exibe estalados que estão a provocar o levantamento da camada pictórica (branca, verde e azul e figura azul do lado inferior esquerdo) e a camada pictórica branca apresenta pouca adesão à camada inferior, estando em perigo de destacamento. O sistema mecânico da obra CAMB0068 (Arc-enCiel, René Bertholo) não funciona, a peça liga mas não há qualquer movimento, sendo este «imprescindível para uma correcta leitura do objecto e respeito da intenção artística original»256. O canto superior direito e margem inferior, da pintura CAMB0101 (Café, Júlio Pomar), exibem bolsas de ar, relativos ao levantamento do papel, a falta de adesão ao suporte de madeira está a causar problemas de deformação no suporte de papel. O sal colado à superfície da escultura CAMB0115 (Mar salgado, João Pedro Vale) apresenta-se estável, contudo são visíveis destacamentos e faltas em alguns pontos mais expostos e salientes da peça (zonas mais sujeitas a factores de deterioração) acompanhadas por zonas de risco de perda de sal, causadas, provavelmente, pelo seu transporte e manuseamento. A obra não deve ser transportada e/ou movimentada e sobretudo deve-se evitar, sempre que possível, o seu manuseamento, uma vez que o sal se destaca facilmente da superfície da peça. O suporte de papel da pintura CAMB0123 (Sem título, António Soares) exibe deformações convexas e côncavas, bastante acentuadas, nas áreas não pintadas, provavelmente estas correspondem a uma reacção do papel à humidade. O tecido do verso, da peça CAMB0156 (Pega, Joana Vasconcelos), apresenta três rasgões com cerca de 2-4 cm sobre a malha acrílica vermelha (verso da obra) e as pontas, junto às argolas metálicas – sistema de sustentação da peça, alguns pontos encontram-se rasgados. Quando exposta, o peso da peça, faz com que os rasgões existentes cedam mais, estes deveriam ser unidos e as zonas junto às argolas reforçadas. A pintura CAMB0098/2 (A pedido de uma senhora japonesa, António Dacosta) exibe uma fenda vertical no canto superior direito. A madeira é um material higroscópico, contrai quando liberta vapor de água e expande quando absorve vapor de água, a sua dimensão                                                              256

MACEDO, Rita – Desafios da Arte Contemporânea à Conservação e Restauro. Documentar a Arte Portuguesa dos anos 60/70. Lisboa: [s.n.], 2008. 2 vols., 399 f, 279 f. Tese de Doutoramento apresentada à Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade Nova de Lisboa, p.320;

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altera-se à medida que contrai e expande, a madeira ajusta-se até alcançar um estado de equilíbrio com o ambiente.257 Como o suporte desta peça está restringido pelo caixilho e pela grade, a madeira não consegue expandir, o que provavelmente causou a abertura de uma fenda pelo verso. A pintura CAMB0098/3 (A pedido de uma senhora japonesa, António Dacosta) apresenta, tanto pela frente como pelo verso, furos circulares com cerca de 1 mm correspondentes à saída de insectos xilófagos. O ataque xilófago apresenta-se bastante acentuado pelo verso da pintura, na metade inferior, não havendo certezas de que este está inactivo. Também a obra CAMB0155 (Sem título, Manuel Baptista) apresenta, pelo verso, sobre a grade, pequenos furos ovais e circulares com cerca de 2 mm, correspondentes a orifícios de saída de insectos xilófagos, assim como, vestígios de serrim claro, o que poderá indicar um ataque xilófago activo. O serrim que saem dos orifícios de saída, podem indicar um ataque activo. Para detectar a infestação, deve ser feita a quarentena e a inspecção cuidada de todas as peças e materiais que entram no museu. Para nos certificarmos que o ataque está inactivo deve-se colocar a obra sobre um cartão preto, sem a movimentar, e ir inspeccionando durante algum tempo para ver se o serrim continua a cair. As peças infestadas deveriam ser isoladas da colecção para prevenir que a infestação se espalhe para as outras peças, a quarentena é essencial para a detectar e prevenir. Idealmente, deveria existir uma sala de inspecção, de preferência longe das reservas e zonas de exposição. As peças nas reservas e em exibição devem ser inspeccionadas mensalmente para detectar algum tipo de infestação, este é aproximadamente o tempo pelo qual muitos insectos passam de um estado de desenvolvimento para outro.258

                                                             257

NICOLAUS, Knut – Ob. cit., p.19. CCI Notes 3/2. Detecting infestations: facility inspection procedure and checklist. Ottawa: Canadian Conservation Institute, [s.d.] p.1. 258

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Capítulo V O Centro de Arte Manuel de Brito: questões de conservação preventiva 

O Centro de Arte Manuel de Brito: Questões de Conservação Preventiva

«Por definição, os museus têm quatro funções clássicas: coleccionam, preservam, estudam e apresentam ou interpretam as suas colecções para o público à luz da investigação que realizam. Preservar é a mais fundamental destas responsabilidades, dado que, sem ela, a investigação e apresentação não são possíveis e a colecção perde sentido. Conservação é a tecnologia que torna a preservação possível»259 Stefan Michalski analisa a conservação em duas formas distintas: a primeira, no sentido da preservação do suporte material dos objectos, e a segunda, na sua relação com as outras áreas da actividade museológica. Dennis Guillemard diz que «a verdadeira fórmula da conservação é prever e prevenir»260. Preservar não é mais do que «evitar que alguma coisa sofra dano, protegendo-a de um eventual agressor (...) manter as propriedades ou qualidades de alguma coisa...»261 sem haver qualquer classificação ou definição dos possíveis factores de deterioração, distinguindo-se assim da Conservação Preventiva, cujas medidas são definidas a partir destes factores. «A problemática da Conservação Preventiva encontra-se resumida, de forma lapidar, num velho adágio popular: “Mais vale prevenir do que remediar”. Trata-se, com efeito, de prevenir no sentido de “acautelar-se contra” a acção dos factores de degradação, forma eufemística de designar a acção do tempo, da natureza e dos homens»262. É definida como um conjunto de medidas e acções que têm o objectivo de evitar e de minimizar as deteriorações ou perdas futuras dos bens culturais, através da formulação e implementação de políticas e de procedimentos263, para além de que tem também como objectivo preservar a autenticidade da obra, evitando as possíveis intervenções de restauro. Começa pelo conhecimento dos materiais que constituem a obra e dos factores potenciais de alteração e de como estes se manifestam nas peças. Os métodos e meios                                                             

259

WARD, Philip R. – The nature of conservation: a race against time. California: Getty Conservation Institute, c1986. Apud CASANOVAS, Luís Efrem Elias – Conservação preventiva e preservação das obras de arte: condições-ambiente e espaços museológicos em Portugal. Lisboa: Santa Casa da Misericórdia; Inapa, 2008, p.18. 260 GUILLEMARD, Dennis – La conservation preventive. Une alternative à la restauration dês objets ethnographiques, Thèse de doctorat, Presses Universitaires du Septentrion, Villeneuve d’Asq, Novembro 1995, p.7. Apud CASANOVAS, Luís Efrem Elias – Ob. cit., p.47. 261 CASANOVAS, Luís Efrem Elias – Ob. cit. p.41. 262 CASANOVAS, Luís Elias – A conservação Preventiva: o conceito, a sua evolução e enquadramento. A classificação dos factores de degradação. Boletim do Centro de Estudos, Conservação e Restauro dos Açores. Nº9 (Set. 2003), p.35-38. 263 FISHER, Genevieve – Collections management. Preventive care. In BUCK, Rebecca A.; GILMORE, Jean A. (ed.) – The new museum registration methods. Washington: American Association of Museums, 1998, p.103.

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preventivos não são de aplicação directa sobre a obra, pois não interferem com os seus materiais ou com a sua estrutura e não modificam a sua aparência. O inventário, o armazenamento, o manuseamento, a manutenção, a embalagem e transporte, a segurança, o controlo das condições ambiente (luz, humidade, poluição, infestação), os planos de emergência, a formação de funcionários, a sensibilização do público e a conformidade a normas jurídicas, constituem as medidas e as acções da conservação preventiva.264 «Se aceitamos a definição mais elementar de conservação como sendo a protecção das obras culturais da deterioração e da perda, então a conservação do património contribui para a memória, ela mesma fundamental para a existência da humanidade»265. Este capítulo será, portanto, dedicado à avaliação e a propostas no âmbito da conservação preventiva aplicada às condições existentes no CAMB. Procurar-se-á, num primeiro momento, uma análise genérica sobre as práticas recomendadas e as referências internacionais mais relevantes sobre a matéria. Esta avaliação será depois concretizada em casos pontuais relativos à colecção de obras de arte inventariada e ao Centro de Arte a que pertencem. E D I F Í C I O E E N V O L V E NT E O Palácio Anjos, situado à beira-mar em Algés, constitui hoje uma referência na arquitectura de veraneio desta freguesia. Situa-se numa zona urbana, na Alameda Hermano Patrone, rua bastante movimentada e com tráfego intenso, paralela à Avenida Marginal. As duas ruas estão separadas pelo jardim municipal, por uma bomba de gasolina e pela estação de caminhos-de-ferro de Algés. Este local foi escolhido para acolher e expor a Colecção Manuel de Brito em mostras temporárias, mas a maior parte das obras permanece nas reservas da Galeria 111. Para poder adaptá-lo à sua nova função museológica o palácio sofreu obras de reabilitação e de requalificação e foi ampliado. O parque envolvente foi igualmente objecto de intervenção, apresenta-se relvado com árvores e bancos, é um espaço de acesso livre que pode ser usufruído como uma zona                                                              264

TERMINOLOGIA para a definição da conservação-restauro do património cultural material. Resolução aprovada pelos membros do ICOM-CC durante o 15.º Encontro Trienal, Nova Dehli, 22-23 de Setembro de 2008. Tradução de Francisca Figueira. Conservar Património. Nº6(Dez. 2007), p.55. 265 MANTERO, Frank. In The Getty Conservation Institute Newsletter, vol.15, nº1, 2000. Apud CASANOVAS, Luís Efrem Elias – Ob. cit., p.22.

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O Centro de Arte Manuel de Brito: Questões de Conservação Preventiva

independente do museu, apoiado por um anfiteatro, um espaço de lazer com mesas e cadeiras destinado ao convívio dos mais idosos e um café com esplanada. Um edifício seguro e sem problemas é crucial na preservação e estado de conservação das peças que este acolhe e abriga. No entanto, existem questões relacionadas com erros estruturais, infiltrações e outros que podem ocorrer. O Centro de Arte não é excepção, este apresentava uma infiltração de água numa das paredes da sala multiusos, que foi arranjada com a reparação do revestimento da parede, e uma infiltração de água na sala do varandim, através da cobertura, que também foi solucionada através do isolamento das clarabóias. Actualmente, existe uma infiltração de água nas reservas, que neste momento está a ser estudada, não existindo uma certeza quanto à sua origem. Um manuseamento cuidado e um armazenamento das obras num ambiente limpo e estável podem prevenir danos e abrandar as alterações físicas das peças, estima-se que a falta de uma rotina de manutenção é responsável por 95% dos tratamentos de restauro e que 5% resultam de um manuseamento inapropriado.266 Medidas como uma limpeza cuidada e frequente de todas as áreas; uma remoção diária do lixo; limpeza e desinfecção regular de contentores; uma verificação periódica e frequente do estado da construção; e um correcto isolamento de portas, janelas e outras aberturas (quando necessário, com instalação de grelhas), são de grande importância para a manutenção do edifício. A equipa do museu tem também um papel relevante na preservação do palácio e da colecção, devendo estar sensibilizada para o controlo de infestações, para não comer ou beber em locais não apropriados, para inspeccionar o pó nas reservas e salas de exposição (registar os dados referentes à acumulação de pó desde a última limpeza, bem como o tempo decorrido desde então) e para observar regularmente e detalhadamente os bens culturais com vista a detectar alterações. A limpeza eficaz e regular em conjunto com uma boa manutenção dos espaços museológicos contribui para a correcta conservação dos bens culturais. Durante a limpeza dos pavimentos deve-se evitar a vassoura, pois esta contribui para a disseminação do pó, dando-se preferência aos aspiradores267. Na lavagem do pavimento

                                                            

266

FISHER, Genevieve – Ob.cit., p.103. Devem ser utilizados aspiradores com filtros que retenham eficazmente as partículas (filtros Hepa®). Os aspiradores de uso corrente têm filtros de baixa qualidade que libertam novamente poeiras para o meio ambiente. – cf. CAMACHO, Clara (coord.) - Plano de Conservação

267

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deve ser utilizada apenas água, pois a maioria dos detergentes contêm substâncias (como o amoníaco ou o ácido acético) que, caso não sejam devidamente eliminadas, podem ser prejudiciais à estabilidade dos bens culturais. Quando não é possível evitar o uso de detergentes, deve-se confirmar se estes são adequados. As acções de limpeza devem ser realizadas utilizando a menor quantidade de água possível, tendo-se o cuidado de secar muito bem as superfícies, para evitar que o equilíbrio ambiental não se altere de forma brusca. Para além da limpeza diária, deve ser implementado um plano que permita a limpeza correcta de todas as áreas, pelo menos, quatro vezes por ano.268 Isto é, também, muito importante no controlo integrado de infestações, onde uma limpeza bem gerida garante a eliminação de cerca de 80% das pragas no interior do edifício.269 O Centro de Arte é limpo todos os dias, antes de abrir, o pavimento das salas de exposição, é limpo com esfregona, água e um produto próprio para o chão de madeira. ESPAÇO MUSEOLÓGICO O Centro está organizado e dividido em três espaços: público, administrativo e de serviços. É composto por espaços de acolhimento, de exposição, de reservas e de serviços técnicos e administrativos e por espaços adequados ao cumprimento das restantes funções museológicas, designadamente centro de documentação e área para actividades educativas. A organização do centro está disposta em quatro andares – cave, piso 0, piso 1 e piso 2. A entrada e saída do público é feita pela frente do edifício, no piso 0 (Fig.34), que dá acesso à recepção e vendas de publicações, tudo na mesma zona. Passando a recepção existe um pequeno corredor que faz a comunicação para os seguintes espaços: °

Duas salas de exposição temporária – sala 0A e 0B (Fig.36 e 37), a mais pequena tem uma área reservada à visualização de um filme relacionado com a colecção (Fig.38), com cerca de 10 lugares, e a maior está ligada por dois corredores (Fig.39) a outra sala – sala do varandim (Fig.40), correspondente ao novo corpo do edifício;

°

A zona multiusos, separada das salas de exposição, é utilizada para diversas finalidades, desde workshops, concertos, exposições temporárias e actividades do

                                                                                                                                                                                     Preventiva. Bases orientadoras, normas e procedimentos. Colecção Temas de Museologia. Lisboa: Instituto dos Museus e da Conservação, 2007, p.80. 268 IDEM, Ibidem, p.81. 269 IDEM, Ibidem, p.115.

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serviço educativo. °

Duas casas de banho públicas;

°

Elevador e escada de uso público (Fig.41) existentes no corredor de acesso (Fig.42). E um monta-cargas (Fig.43) localizado no novo corpo, utilizado, exclusivamente, para o transporte de obras quer para as salas de exposição quer para a reserva.

O piso 1 é composto por: °

Duas salas de exposição temporária – sala 1A e 1B (Fig.44 e 45), tal como no piso 0, a sala maior é ampliada pelo novo corpo – mezzanine (Fig.46);

°

E cafetaria (que ainda não se encontra em funcionamento).

O piso 2 é ocupado pelos serviços administrativos, área de acesso reservado, inclui gabinetes, sala de reuniões e centro de documentação, que ainda não tem uma data prevista para o seu funcionamento. A reserva (Fig.47, 48 e 49), instalada numa área individualizada, situa-se na cave do novo corpo. De acesso restrito, está equipada com um sistema de ar condicionado270 e uma estante móvel271 (Fig.50 e 51), que armazena e permite um fácil acesso e observação das pinturas. As estantes de armazenamento são utilizadas para organizar o espaço de forma eficiente e para facilitar o seu acesso, dando ao mesmo tempo, suporte físico apropriado e protecção ambiental às obras. Este tipo de estantes são consideradas o melhor sistema para armazenar as pinturas, consistem numa grade em rede de suspensão vertical (Fig.52). Têm como vantagem o melhor aproveitamento do espaço e asseguram um armazenamento adequado para as pinturas, já que se depositam da mesma maneira que se expõem. Assim assegura-se a estabilidade dos materiais e não se submete a obra a alterações desnecessárias. No entanto, este sistema obriga a deslocar todas as estruturas verticais para aceder à que está ao fundo, o que prevê um movimento desnecessário das obras e um risco de choque das peças armazenadas, por isso o seu manuseamento deve ser sempre feito com cuidado. É importante referir também que as peças estão suspensas na grelha com ganchos de metal em “s”. Estes ganchos são, normalmente, usados no armazenamento temporário, dão uma maior                                                              270

Este sistema deixou de funcionar em Março/Abril de 2008. Estante de aço com pintura por tecnologia electrostática epoxy, que assenta em charriots metálicos, que deslizam sobre ralis galvanizados, com chão de compensação em aglomerado de madeira de alta densidade, com revestimento melamínico, perfil de alumínio anti-derrapante, biselado e grampeado (Fig.53). Dados fornecidos pela Jeset Portugal.

271

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flexibilidade e adequam-se a diferentes tamanhos da peça. São precisas duas pessoas para retirar ou colocar a pintura na estante e quando se retira alguma peça deve-se ter a certeza de que nenhum gancho cai por cima de uma obra que esteja por baixo. Vale a pena, um museu investir num equipamento de armazenamento de boa qualidade, pois este pode ajudar a proteger e a preservar a colecção. Visto que um equipamento de armazenamento bem projectado deve ser pensado como a primeira forma de conservação preventiva, «a primeira linha de defesa em garantir a longevidade da colecção»272, deve encorajar uma organização lógica dentro da colecção e promover um manuseamento cuidado. Existem algumas regras de segurança que se devem ter em conta no armazenamento das peças: deve-se evitar o contacto directo entre objectos que podem encontrar-se sobrepostos, interpondo um material inerte e macio; as peças não devem estar colocadas directamente sobre o solo, devendo estar elevadas pelo menos a 10 cm para evitar choques acidentais e diminuir danos causados por inundações; para minimizar o pó a cobertura das peças é um método de baixo custo e fácil de usar, pode ser feita com musselina de algodão se a circulação de ar e a redução da luz forem importantes, ou de um filme de plástico inerte, como uma folha de polietileno273, se a redução do movimento de ar e a visibilidade dos objectos for essencial. Estas coberturas não devem tocar nos objectos.274 Embora a reserva raramente seja limpa, por ser de acesso restrito, a sua limpeza é indispensável, pois é um factor essencial quando se pretende uma correcta conservação do acervo. É aconselhável que esta seja limpa de 15 em 15 dias por uma pessoa previamente treinada ou acompanhada e supervisionada por um responsável. As reservas são o espaço onde se armazenam as obras que não estão expostas, devem ser espaços controlados e estáveis. Tanto as condições climáticas como a iluminação devem estar dentro dos parâmetros recomendados. No entanto, não é preciso manter o nível de conforto estabelecido para o público. Em relação à iluminação, esta só deve                                                             

272

FITZGERALD, G. R. – Form-fitted pallets for the storage of large fossils. Geological Curator. Nº5(1987), p.72. Apud MOORE, Barbara P.; WILLIAMS, Stephen L. – Storage Equipment. In ROSE, C. L.; HAWKS, C. A.; GENOWAYS, H. H. (ed.) – Storage of Natural History Collections: a preventive conservation approach. Iowa City: The Society for the Preservation of Natural History Collections, 1995, p.255. 273 Neste deve-se verificar várias vezes a peça para evitar problemas de condensação e de fungos. 274 SWAIN, Lynn – Storage. In BUCK, Rebecca A.; GILMORE, Jean A. (ed.) – Ob. cit., p.112.

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estar ligada enquanto existem pessoas a trabalhar neste espaço, assim evitam-se os efeitos acumulativos da luz sobre os materiais mais sensíveis, como o papel, a fotografia e certos pigmentos. Idealmente, as reservas deveriam ter áreas físicas distintas, como áreas de armazenamento temporárias para objectos que estão em trânsito, um sítio onde investigadores possam estudar a colecção, um espaço para o depósito de materiais necessários para o armazenamento das peças e para que o objecto que vai entrar ou sair do museu possa estar durante um determinado período, para fazer a transição de ambientes diferentes e alcançar o seu equilíbrio no novo ambiente. A área de armazenamento temporário serve também para monitorizar e isolar os objectos do resto da colecção que apresentam vestígios de ataque biológico, onde se possa proceder à sua observação e tratamento (caso seja necessário), antes da sua entrada, nas áreas de reserva ou de exposição. Porque diferentes materiais têm requisitos de preservação variados é importante seleccionar o equipamento que irá dar protecção contra os agentes de alteração que apresentam as maiores ameaças a uma dada colecção num espaço particular. Como este é um investimento a longo prazo, deve-se investir na boa qualidade do equipamento, composto por materiais estáveis e camadas de acabamento não reactivas. As alterações de objectos causadas pelos materiais de acondicionamento são variadas. Frequentemente, as fontes de alteração envolvem materiais, como a madeira, pintura, adesivos, tecidos, polímeros modernos e compostos. A alteração muitas vezes não envolve o contacto com o objecto, sendo normalmente causada pela presença de gases perigosos. Os materiais de acondicionamento devem ser, sobretudo, não abrasivos, quimicamente inertes e capazes de isolar e de proteger as obras de arte dos agentes nocivos externos. A madeira ou os compostos de madeira devem ser evitados, devido aos ácidos que esta liberta (ácido fórmico, ácido acético e formaldeídos). Isto não significa que se deve descartar o seu uso, apenas que é melhor evitar que esta entre em contacto directo com a obra. A madeira é utilizada na fabricação de caixas no transporte e armazenamento de obras de arte (Fig.54). Para evitar que os agentes nocivos, que este material liberta, cheguem a afectar o objecto é necessário proteger as faces interiores da caixa com um material isolante e protector. A madeira seleccionada deve estar sempre livre de nós, seca, aclimatada e envelhecida para reduzir os seus movimentos.

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Há instituições que optam por armazenar as obras dentro das suas caixas, isto permite poupar espaço e manter a obra em condições estáveis de temperatura e de HR, proporcionando o isolamento a qualquer tipo de agente nocivo. No entanto, é necessário realizar inspecções regulares, para certificar que as condições da obra e da caixa estão estáveis. É o caso dos painéis de Almada Negreiros que estão embalados dentro de caixas de madeira (Fig.55). O facto de serem muito pesados, condiciona o seu armazenamento, assim foram deixados dentro das caixas, dispostos na horizontal, e colocados sobre o pavimento das reservas, separados deste por uma espuma de alta densidade de polietileno. Os materiais plásticos e, nomeadamente, as espumas, devido às suas características isoladoras e de resistência, utilizam-se sobretudo como revestimento interior das caixas, tanto de madeira como de cartão duro ou outros materiais, ou como material de embalagem/revestimento. Actualmente a variedade de materiais plásticos comercializados é enorme. No acondicionamento das obras de arte usam-se principalmente duas famílias: polietileno e poliestireno. Embora o poliuretano275 tenham uma excelente capacidade de amortecer choques e vibrações, usam-se de modo muito restrito devido ao seu envelhecimento pouco estável, por emitir vapores nocivos às obras e pelo seu alto nível de compactação que não o torna recomendável para a embalagem de objectos pesados. No entanto, é possível usá-lo como apoio de obras, ainda que para esta função seja melhor o polietileno, já que se compacta menos e tem uma superfície pouco abrasiva.276 As espumas de polietileno possuem excelentes qualidades tanto de isolamento térmico como vibratório. Não absorve humidade nem sujidade superficial, é muito resistente aos agentes químicos e apresenta uma boa resistência à tracção e ruptura. O poliestireno é um dos termoplásticos mais usados na fabricação de espumas, é incolor, muito resistente, duro, não é afectado pela temperatura ou humidade relativa e funciona como um bom isolador térmico, vibratório e acústico. Dentro da família do poliestireno existe: o poliestireno modificado, o poliestireno não modificado e o poliestireno de alto impacto HIPS (High Impact Poly Sterine). O seu uso decaiu muito na última década, já que não proporciona uma boa protecção das obras, pode marcar superfícies delicadas, provocar                                                             

275

A célula aberta desta espuma favorece a acumulação de humidade relativa e de sujidade superficial, propiciando a aparição de microrganismos. 276 ROTAECHE GONZÁLEZ de UBIETA, Mikel – Transporte, depósito y manipulación de obras de arte. Madrid: Editorial Síntesis, D.L. 2007, p.116.

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problemas de manipulação, ao ocultar a forma do objecto que está a proteger e aderir à superfície em caso de condensação de HR à superfície.277 Apesar da bibliografia existente afirmar que as espumas têm uma vida longa, não é recomendável usar uma caixa durante mais de quatro anos.278 Isto porque o uso, a fricção e a pressão acaba por desgastar a superfície destes materiais. Este desgaste afecta sobretudo as espumas que estão em contacto directo com a obra, perdendo parte das suas qualidades protectoras, existe ainda a possibilidade destas se tornarem rígidas devido à pressão exercida pelo peso da própria obra. No acondicionamento das obras existem vários tipos de películas usadas no seu revestimento e embalagem, sendo as mais adequadas, para entrar em contacto directo com a obra de arte e cumprir a função de camada de protecção, aquelas que não são abrasivas, que têm pH neutro, que permitem a circulação de humidade e que não provoquem a condensação desta à superfície da obra em questão. O bullkraft® é uma película resistente composta por duas faces diferenciadas: a primeira de polietileno, um plástico de bolha de ar, e a segunda de papel craft. É impermeável pela parte plástica, é resistente e protege as peças das abrasões, no entanto não é reutilizável, porque o papel craft acidifica-se com o tempo e as bolhas vão perdendo o ar do seu enchimento. Utilizase na embalagem de obras bidimensionais e de objectos de dimensões reduzidas. A face de plástico de bolha deve estar virado para a face da obra, para que possa desempenhar a sua função de amortecimento, mas esta não deve entrar em contacto directo com a obra. O cell-aire®, um polietileno de baixa densidade, é estável e inerte, suave ao tacto, não abrasivo e resistente à tracção física. Possui uma boa capacidade de isolamento térmico e de resistência à humidade e ao vapor. É ideal para o acondicionamento das obras de arte, adaptando-se a quase qualquer superfície. O papel tissue, filme de polietileno, de pH neutro, apresenta uma grande resistência à torção, tracção e ruptura, e não é abrasivo. Tem um bom envelhecimento e pode ser reutilizado. É apropriado para todo o tipo de acondicionamento, sobretudo pinturas e pode entrar em contacto com praticamente todos os materiais.279 Na reserva existem esculturas que não têm embalagem, umas estão sobre uma palete de                                                              277

IDEM, Ibidem, p.114. IDEM, Ibidem, p.123. 279 IDEM, Ibidem, p.118. 278

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madeira e outras sobre espumas de polietileno (de alta densidade) que as separa do pavimento. As paletes de madeira não estão em contacto directo com as obras, tendo uma espuma de alta densidade de polietileno no meio, no entanto a escultura CAMB0115 Mar salgado, João Pedro Vale está sobre uma palete forrada por um tecido preto, cuja textura se assemelha à textura de uma carpete, não sendo o mais apropriado para esta peça, uma vez que a sua superfície, composta por sal, é bastante frágil e apresenta-se em destacamento. O melinex®280 poderia ser uma boa opção para colocar entre a escultura e a palete, uma vez que a sua superfície macia não vai “agarrar” o sal da escultura. Todas estão cobertas por tissue, excepto o objecto CAMB0116, Sem Título, José Pedro Croft. É aconselhável cobrir os objectos que não têm embalagem com um filme que os proteja do pó, uma vez que as reservas raramente são limpas, por exemplo, embalar o vidro e o espelho com uma película de cell-aire®, já que são materiais frágeis e quebradiços. O objecto CAMB0118 - 3D, Miguel Palma, é o único que está assente directamente sobre o pavimento, isto porque a sua estrutura tem uns pés de borracha de cerca de 10 cm, no entanto é aconselhável evitar o contacto directo de qualquer parte da obra, seja ele qual for, com o pavimento. Havendo o risco de infiltrações no edifício, como o passado já o demonstrou, a elevação das obras em relação ao solo vai prevenir danos que possam ocorrer. PROJECTO EXPOSITIVO Segundo Herreman281, uma exposição é um meio de comunicação baseado nos objectos e nos seus elementos complementares, apresentados num espaço predeterminado, que usa técnicas de interpretação especiais e sequências de aprendizagem que visam a transmissão e a comunicação dos conceitos, dos valores e/ou do conhecimento. É numa exposição que se estabelece o contacto directo entre o visitante e a colecção do museu. É aqui que cada indivíduo, independentemente da sua idade, estatuto social e económico, sozinho ou fazendo parte de um grupo, tem oportunidade e espaço de ver o “objecto real”, e com a ajuda de certas técnicas de exposição, de comunicar ou interagir                                                             

280

É um filme de poliéster, transparente, anti-estática, inerte e bastante resistente, que actua como barreira isolante de gases, vapores e eléctrica. Não contém aditivos ou plastificantes. É neutro, estável e durável. 281 HERREMAN, Yani – Display, exhibts and exhibitions. In BOYLAN, Patrick J. (coord./ed.) Running a museum: a practical handbook. Paris: ICOM, 2004, pp. 91-104.

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com a peça. O Centro de Arte não tem uma exposição permanente pelo que todas as áreas são passíveis de serem ocupadas por exposições temporárias. A colecção é apresentada com mostras que focam artistas, épocas ou núcleos e divide-se em blocos expositivos. É rotativa e pretende mostrar o panorama artístico da arte portuguesa, dentro da colecção. Em média são feitas três exposições por ano, no futuro a ideia é receber e expor obras exteriores à Colecção de Manuel de Brito. As exposições temporárias constituem hoje um agente de grande importância na dinâmica e funcionamento de um museu e sucedem-se cada vez mais rápido. A realização de exposições temporárias são o meio de garantir o retorno de visitantes regulares, desperta um novo interesse entre aqueles que ainda não visitaram o museu e esperançosamente atrai a atenção de turistas culturais e permite-nos abordar temas e assuntos que, normalmente, uma exposição permanente não faz, trazendo o factor novidade ao museu. Sem as exposições temporárias os museus, tal como os conhecemos hoje, deixariam de existir, já que cada vez se delega mais nestes acontecimentos a política expositiva das instituições.282 Mas é também o grande número de exposições que hoje se realiza, que coloca inúmeros problemas no quadro da conservação preventiva. As exposições merecem uma atenção muito especial, já que envolvem aspectos de grande fragilidade e susceptibilidade para as obras que contemplam. Alguns desses aspectos serão focados em seguida. TRANSPORTE E MANUSEAMENTO O desenvolvimento de uma exposição é um processo complexo e juntamente com a comunicação, design e serviços ao visitante precisa de ter em consideração factores que possam afectar a preservação e conservação da colecção. Ao entrarmos na sala de exposição temos a ilusão de que a peça sempre esteve ali, em perfeito estado, e ao fim de alguns meses as obras desaparecem e são substituídas por outras diferentes. O processo de disposição das peças e os seus procedimentos auxiliares, bem como a sua embalagem e transporte podem ser prejudiciais à preservação, uma vez que estes podem expor os objectos a um ambiente menos controlado, como elevados níveis de luz, pó, poluentes, risco de infestações, stress mecânico e estrutural devido ao movimento, vibração e mudanças de ambiente.                                                             

282

ROTAECHE GONZÁLEZ de UBIETA, Mikel – Ob. cit., p.10.

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Todo o processo de movimento que implique a saída exterior de uma obra é um factor de risco para o seu estado de conservação, os agentes nocivos actuam pouco a pouco sobre as obras e os seus efeitos, em muitas ocasiões, são silenciosos e cumulativos.283 Os danos nas obras raramente ocorrem de causas naturais, normalmente, são causados pelos danos incorridos devido a um manuseamento incorrecto, instalações inseguras ou acidentes durante a instalação, desinstalação, embalagem ou desembalagem das obras.284 A Colecção Manuel de Brito é uma colecção activa, ou seja, com objectos dentro e fora do Centro de Arte, manuseados e movimentados com alguma frequência, em média, de 5 em 5 meses é apresentada uma nova exposição. A protecção adequada dos objectos para a sua manipulação e transporte constitui, por isso, um factor fundamental na sua conservação preventiva. O meio de transporte mais utilizado na ligação do museu ou do local onde se encontra a obra para o lugar de exposição é o terrestre. Normalmente, quando a deslocação é feita dentro das fronteiras nacionais usa-se o camião. Este é o meio mais utilizado, a nível mundial, no transporte de obras de arte, todas as operações de empréstimo ou de movimento das obras usam em algum momento esta modalidade, já que é o único modo de chegar às instituições que conservam as obras de arte. O desenvolvimento que este sector teve nos últimos tempos aumentou notavelmente as medidas de segurança e de controlo, convertendo-o num meio de transporte fiável e eficiente a todos os níveis. Além do mais, o transporte por camião oferece a vantagem de que a carga e descarga da obra só são feitas uma vez e, em princípio, é a mesma equipa que vai realizar todas estas operações, ao contrário do transporte aéreo e marítimo285. No transporte e manipulação das obras existem dois agentes potenciais de degradação – a vibração e o choque. Os estudos realizados neste campo por Stephan Michalski e Paul Marcon286, do Canadian Conservation Institute e Mervin Richard287, da National Gallery de                                                             

283

IDEM, Ibidem, p.51. CRITERIA for the selection of paintings for loan. In RICHARD, Mervin; MECKLENBURG, Marion F.; MERRILL, Ross M. (ed.) – Art in transit. Handbook for packing and transporting paintings. Washington: National Gallery of Art, cop. 1997, p.2. 285 ROTAECHE GONZÁLEZ de Ubieta, Mikel – Ob. cit., p.53. 286 Vd. MICHALSKI, Stefan, MARCON, Paul – Mechanical risks to large paintings such as Guernica during transit. In El Guernica y los problemas éticos y técnicos de la manipulación de obras de arte. Santander: Fundación Marcelino Botín, 2000, p.87-98. 287 Vd. RICHARD, Mervin; MECKLENBURG, Marion F.; MERRILL, Ross M. (ed.) – Art in transit. Handbook for packing and transporting paintings. Washington: National Gallery of art, cop. 1997. 284

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Washington, demonstram que o efeito continuado e repetido da vibração pode ser tão prejudicial como a exposição a contrastes bruscos de temperatura e humidade. Para compreender melhor o fenómeno das vibrações é preciso entender que quando um objecto sólido recebe um impacto, este vai provocar um movimento rítmico no objecto até que a energia se dissipe. Tanto a vibração como o choque medem-se mediante a unidade G, um G equivale ao peso do objecto em estado de repouso. Uma vibração ou choque momentâneo de 100 G provoca a pressão de 100 vezes o peso do objecto sobre todas as suas partes.288 No estudo realizado por Marcon e Michalski estabelece-se que o pior impacto que uma obra bidimensional muito delicada, com destacamentos da camada pictórica e estalados muito abertos, pode sofrer corresponde a 65 G, com uma queda de 75 cm de altura. O resto das pinturas estudadas possui uma fragilidade entre 100 e 140 G à mesma altura.289 Dentro das categorias comerciais de fragilidade ao choque (ver Tabela 1) as pinturas não são “extremamente frágeis” ou “muito delicada”, são apenas “delicadas”. Michalski refere que não podemos confundir a fragilidade com a debilidade. Uma escultura de gesso com uma saliência é mais frágil do que uma pintura sobre tela. Isto porque para que o óleo estale e corra o risco de destacamento é preciso uma força muito maior do que a necessária para partir a escultura. O próprio peso da tela não é capaz de provocar tais danos enquanto o gesso sim.290 De qualquer modo, a conclusão a que se pode chegar é que só se observam danos causados pela vibração quando é aplicada uma fonte activa de força irreal numa pintura extremamente frágil (o que é pouco comum) num período de tempo irrealista e é necessário um golpe muito forte para provocar um dano irreversível, algo que é pouco habitual, mas que pode ocorrer. Com uma boa embalagem, um bom veículo (com suspensão a ar), com a imobilização da obra dentro do veículo e um manuseamento cuidado, as pinturas estarão expostas a choques até 10G. Daí a necessidade de desenvolver sistemas de embalagem cada vez mais efectivos e resistentes291. Há cerca de setenta anos os materiais habituais para embalar as obras de arte eram mantas, algodão, papel craft e até palha. É a partir da segunda metade do século XX que se                                                             

288

ROTAECHE GONZÁLEZ de UBIETA, Mikel – Ob. cit., p. 105. MICHALSKI, Stefan, MARCON, Paul – Ob. cit., p.94. 290 IDEM, Ibidem, p.94. 291 Soluções para o design de embalagens para obras de arte podem ser solucionadas por um software criado e disponibilizado pelo Canadian Conservation Institute, disponível em: http://www.cci-icc.gc.ca/crc/tools-outils/padcad-eng.aspx (28/03/2009; 22h14). 289

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começam a empregar materiais específicos como espumas ou papel siliconado. O aperfeiçoamento destes materiais, ao longo do tempo, tem sido desenvolvido, a variedade de materiais de embalagem é cada vez mais ampla e específica, por isso é muito importante conhecer as suas características e propriedades para aproveitar todas as suas qualidades. Estes materiais não são só necessários para o transporte das obras, são também muito importantes no armazenamento das obras e no seu manuseamento. Os materiais que se utilizam para embalar as obras de arte devem ser sobretudo estáveis perante agentes nocivos.292 O cell-aire®, um filme de polietileno de baixa densidade, material inerte, possui excelentes propriedades de resistência, boa capacidade de absorção a choques e vibrações e é resistente à água. É o material mais usado no acondicionamento de obras durante o seu transporte (Fig.56). A experiência diz-nos que o risco para níveis de choque elevados não ocorre durante os 1000 km de transporte de obra dentro de um veículo, mas sim durante os 100 m de transporte, entre o veículo e a sala do museu, onde estão as obras. E o risco de maior choque e colisão ocorrem em menos de 10 m, de uma parede para a outra, quando a pintura não está embalada e é movimentada de uma sala para outra ou das reservas para a sala de exposição.293 Assim sendo, o requisito mais importante, no manuseamento e movimentação segura das obras de arte dentro do museu, é uma equipa de transporte que trabalhe bem, que esteja familiarizada com os procedimentos correctos, que tenha a habilidade de trabalhar de uma maneira metódica e cuidadosa e com formação e treino neste tipo de transporte. Ao contrário do que muita gente crê, a maior taxa de incidentes dá-se precisamente no momento que parece ser o menos perigoso. Esta é a razão principal para que o movimento de obras deve ser sempre acompanhado e supervisionado por um conservador responsável. No entanto, deve-se salientar que normalmente a taxa de incidente é baixa devido à experiência de todos os profissionais envolvidos. Antes do manuseamento de uma obra devem-se ter em conta algumas regras básicas. Nunca realizar em simultâneo qualquer outra actividade (beber, comer, fumar ou falar ao telefone); usar luvas de características apropriadas ao tipo de objecto a manusear294,                                                             

292

ROTAECHE GONZÁLEZ de UBIETA, Mikel – Ob. cit., p.99. MICHALSKI, Stefan, MARCON, Paul – Ob. cit., p.97. 294 As luvas protegem os objectos de gordura, humidade, ácidos fracos e sais libertados pelas mãos. Estes compostos podem causar a corrosão de metais, tornar os materiais orgânicos mais susceptíveis a ataques biológicos, além de sujarem os objectos. No entanto, as luvas podem 293

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evitar luvas de algodão no manuseamento de objectos muito pequenos ou com superfícies muito lisas (como vidros), havendo o risco de o objecto escorregar, em alternativa pode-se usar luvas de vinil, látex ou nitrilo; utilizar sempre as duas mãos e nunca manusear dois objectos em simultâneo; e ter atenção ao vestuário e aos adereços da pessoa que vai manusear a peça, como colares e pulseiras, pois facilmente podem enganchar ou danificar os objectos. Nestes casos, aconselha-se que os adereços sejam retirados e que seja vestida uma bata.295 No caso especifico das pinturas, deve-se evitar tocar na superfície pictórica e evitar introduzir os dedos entre o verso da pintura e a grade, pois isto pode provocar deformações no suporte, abertura de estalados ou destacamentos, duas pessoas, a não ser que a obra seja muito pequena, devem sempre agarrar as pinturas pela base e margens laterais, manipulando-as na vertical. É muito importante respeitar a direcção do movimento da obra, com o objectivo de reduzir a sua vibração. Este deve ser perpendicular ao seu posicionamento de exposição, ou seja, uma obra bidimensional, como a pintura, não deve ser movimentada na direcção paralela à parede em que se encontra exposta, para evitar que o ar, ao chocar com o suporte da tela, provoque o seu movimento, como uma vela de barco. Este tipo de golpe de ar pode provocar a deformação do suporte, aparecimento de microfissuras, aumento do estalado e até a perda de camada pictórica.296 Uma semana antes da inauguração de uma exposição, o Centro de Arte é fechado. Uma equipa especializada no transporte e manuseamento de obras, constituída por 4/5 pessoas, faz a desmontagem e montagem da exposição. As pinturas são retiradas das paredes e são embaladas em cell-aire®, em cima de uma mesa previamente montada para isto (Fig.57-60), assim como as esculturas e os objectos (Fig.61-64). Depois desta primeira fase, vem um camião (Fig.65), da galeria para o Centro, com as obras para a exposição seguinte. Estas vêm todas embaladas em cell-aire® ou bullkraft® e imobilizadas com cintas às paredes da caixa do camião (Fig.66 e 67) e são retiradas uma a uma para a sala de exposição correspondente (Fig.68-71), sendo depois desembaladas e colocadas nas paredes (Fig.72 e 73). É de notar que as peças que têm um vidro de protecção por cima, vêm com uma fita adesiva azul, de fácil remoção e que não deixa                                                                                                                                                                                      diminuir a sensibilidade ao tacto e, se estas não tiverem o tamanho correcto, o risco de deixar cair um objecto é elevado. - cf. CAMACHO, Clara (coord.) – Ob. cit., p.84. 295 CAMACHO, Clara (coord.) – Ob. cit., p.84. 296 ROTAECHE GONZÁLEZ de UBIETA, Mikel – Ob. cit., p.57.

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resíduos, para proteger a obra em caso de quebra do vidro (Fig.74 e 75). A desmontagem e montagem são processos muito metódicos e organizados e cada pessoa sabe a sua função, de maneira a agilizar todo o processo. No transporte de uma colecção os efeitos da humidade relativa (HR) devem também ser considerados. A HR baixa, os materiais perdem a ductilidade e não resistem tão bem a deformações. Muitos materiais tornam-se sensíveis a fracturas e mais predispostos a quebrar, comportando-se mais como um vidro ou uma cerâmica. Um impacto que deforma ligeiramente uma pintura a 50% de HR pode causar a sua ruptura a 15%. Manter a HR acima dos 40% dá uma margem de segurança razoável durante o transporte das obras e reduz o potencial dano durante o seu manuseamento. Ambos os extremos, HR elevada (objecto flexível, mas fraco) e HR baixa (objecto forte, mas quebradiço) deve ser evitado em colecções de uso activo.297 Defeitos e estalados pré-existentes, presentes na maioria dos objectos de museu, representam sítios de concentração intensa de stress onde futuras rupturas ou destacamentos se podem propagar.298 Antes de manusear uma peça esta deve ser observada atentamente de modo a identificar os seus pontos frágeis e os seus pontos seguros, evitando as zonas vulneráveis ou salientes (como asas, pegas, cabos, bordos) e zonas mais débeis, que foram submetidas a restauro. O estado de conservação dos objectos pode condicionar o seu manuseamento. No caso das peças inventariadas existem obras que requerem mais cuidado ou não devem ser manuseadas antes de uma intervenção de restauro, é o caso das obras que apresentam um estado regular, como a pintura CAMB0028 - Le jardin, Vieira da Silva, cujos estalados estão a provocar o levantamento da camada pictórica, pondo em perigo o seu destacamento ou a obra CAMB0115 - Mar salgado, João Pedro Vale, com zonas de risco de perda de sal. Foi desenvolvido, há alguns anos na Tate Gallery, dois sistemas para dar estabilidade ao suporte têxtil das pinturas, este consiste em usar reentelagens sem a aplicação de adesivos (loose lining)299 ou um forro entre a grade e a tela, também sem adesivo                                                             

297

ERHARDT, David, MECKLENBURG, Marion – Relative humidity re-examined. In ROY, Ashok; SMITH, Perry (ed.) - Preventive Conservation Practice, Theory and Research. Preprints of the contributions to the Ottawa Congress, 12-16 September 1994. London: The International Institute for Conservation of Historic and Artistic Works, cop. 1994, p.35. 298 IDEM, Ibidem, p.35. 299 Neste tipo de procedimento a tela de apoio é fixa à grade, antes de se voltar a colocar a tela original, a tela vai servir de reforço e de protecção no verso da original. Normalmente, este é feito quando uma grade é substituída ou quando a tela original tem margem suficiente para isto (não deve ter camada pictórica).

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(stretcher lining). O stretcher lining foi um sistema desenvolvido por Peter Booth300 para reduzir a vibração de uma pintura sobre tela301. Não é necessário desengradar a pintura, o forro, normalmente de poliéster, é colocado entre a tela e a grade. Este deve ter, aproximadamente, o mesmo tamanho que a pintura, os cantos e as zonas de intersecção das travessas da grade devem ser cortados, para o forro encaixar bem entre a tela e a grade, depois este deve ser fixo à grade com agrafos (Fig.76). Com este tipo de procedimento, há um risco menor de estalados relacionados com a grade que se desenvolvem com o impacto e o forro amortece e elimina completamente a vibração das pinturas302, sobretudo nas pinturas de grandes dimensões (Tabela 2). Esta prática é rápida e reversível, podem-se até fazer vários forros de diversos tamanhos para depois ser utilizado no transporte das obras. Embalagens de boa qualidade, o transporte disponível, um manuseamento cuidado, uma boa preparação para a exposição e uma simples protecção do verso podem prevenir o dano mecânico de pinturas frágeis. Isto requer diligência, recursos, planos e pessoal adequado. Michalski e Marcon levantam uma questão importante: será que uma pintura única e de grande valor exige tais necessidades? Claro. E todas as exposições que se deslocam comandam tais necessidades? Infelizmente não. A questão não é mais o conhecimento inadequado, mas sim os recursos inadequados. CONDIÇÕES AMBIENTE Criar as condições ambiente apropriadas é um passo importante na conservação e preservação de uma colecção. O ambiente de um museu é composto por vários elementos, como a temperatura, humidade relativa, luz, poluentes e partículas. Todos são importantes, embora uns sejam mais complexos do que outros. Enquanto poluentes, partículas e luz303 devem ser reduzidos a níveis práticos baixos, a temperatura e a humidade relativa (HR) são dois factores interdependentes e os seus efeitos nos objectos são mais variáveis e complexos.                                                             

300

Vd. BOOTH, Peter – Stretcher design: problems and solutions. The Conservator. Nº13(1989), p. 31-40. 301 O procedimento não deve ser confundido com a chamada reentelagem, adesão de uma tela nova à original. 302 A bolsa de ar que se cria entre a tela original e o forro inibe, sensivelmente, a tendência da tela original oscilar perigosamente ao mover-se a pintura. Quanto mais fechado for o tecido da tela usada maior é a eficácia desta protecção. 303 A luz seja um agente mais complexo, as suas especificações podem ser reduzidas ao princípio básico de usar a quantidade mínima de luz visível necessária para iluminar o objecto.

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Até há uns anos, a temperatura era considerada como um factor determinante na climatização de um museu. Actualmente, é um factor secundário comparado com os efeitos que produzem a HR, a poluição e a luz. O intervalo de temperatura apropriada para museus, excepto para casos especiais e reservas, está restrito a valores de conforto humano e a um intervalo relativamente estreito, entre 17-24 ºC, devendo-se evitar as alterações bruscas dia/noite, ao longo do ano e na mudança das estações. O problema maior que apresenta é a sua influência na HR, dado que quando a temperatura aumenta a humidade diminui e vice-versa.304 Embora existam já parâmetros estabelecidos e orientações gerais para certos tipos de objectos e de materiais, não existem valores ou intervalos óptimos e óbvios para uma determinada colecção. Qual é então a origem dos valores gerais recomendados (55% e 21ºC)? Michalski traçou a sua derivação e mostrou que estes foram originalmente determinados mais pelo controlo mecânico e pelo clima local do que por alguma pesquisa que tivesse como objectivo determinar um valor de HR que reduzisse os danos nos objectos. No início do século XX, o engenheiro inglês MacIntyre propôs os valores de 5560% de HR, baseado no clima de Londres e no controlo mecânico. Durante os anos 30, a Galeria Nacional de Londres determinou o conteúdo médio anual de humidade na madeira e deduziu a HR média de 58%. Assim, os argumentos do controlo mecânico e da média anual convergiram para valores de 55-60% de HR305. Os números foram aceites e tornaram-se valores de referência. Em 78, Thomson publica The Museum Environment onde define os limites para as flutuações de temperatura e HR baseadas no grau de estabilidade alcançado para um bom controlo mecânico. Thomson seleccionou 55% de HR como um valor médio entre o intervalo limite mais elevado, 65-70% - para prevenir o crescimento de fungos - e o intervalo limite mais baixo, 40-45% - quebra de materiais, como a madeira e o marfim -, sublinhando que a HR deve ser mantida estável ou, pelo menos, com flutuações mínimas (±5 % HR e ±1ºC)306. Ao manter a HR no intervalo 50-60% foram reduzidos os danos visíveis nas obras, como estalados, destacamentos, deformações e fungos. Ainda hoje, muito museus tentam alcançar tais valores, pressupondo que quanto mais afastados estiverem destes, maiores                                                             

304

HERNÁNDEZ HERNÁNDEZ, Francisca – Manual de Museologia. Madrid: Editorial Síntesis, 2001, p.241. 305 MICHALSKI, Stefan – Relative Humidity: A discussion of correct/incorrect values. In BRIDGLAND, Janet – Preprints, 10th Triennial Meeting, Washington, DC, USA, 22-27 August 1993. Paris: ICOM Committee for Conservation, 1993, p. 624. 306 THOMSON, G. The museum environment. 2ª Edição. London: Butterworths, 1986, p.118.

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serão os danos nas suas colecções. No entanto, devemos ter em conta que a redução dos danos é causada mais pela estabilização da HR e pelo afastamento de extremos do que pelos seus valores específicos e que a tolerância de muitos materiais pode ser maior do que estes limites. Outro problema com que os museus se deparam é manter uma flutuação de ±3% HR, que em condições ambiente reais é virtualmente impossível de ser alcançada. «A humidade relativa e a temperatura não constituem, em si mesmas, um perigo, embora a tendência na nossa actividade seja de se mencionar que a ‘HR (ou a temperatura) causam danos’»307. Michalski refere no seu artigo Relative Humidity and Temperature Guidelines: What's Happening?308 que, em vez de estipularem um valor impossível de HR “correcto”, os cientistas do CCI determinaram os vários tipos de HR incorrectos e sublinharam os benefícios de cada nível de controlo alcançado. É um retorno à noção de senso comum de se evitar extremos, aumentado pelo conhecimento científico de efeitos mais subtis. Michalski desenvolveu uma tabela309 onde aborda os problemas do controle das condições ambiente que constituem perigos e onde identifica a humidade relativa e temperatura incorrectas e os seus efeitos nas obras/materiais num museu. As três formas de temperatura incorrecta para um museu são: demasiado elevada, superior e inferior a um valor crítico e flutuações em torno de uma média. Resumindo um pouco os dados da tabela, podemos perceber que a temperatura demasiado elevada é um problema para as obras que contêm ceras ou resinas (amolecem a 30ºC), que a temperatura muito baixa é um problema para os plásticos e pinturas, porque torna-os quebradiços e que muito elevada é inapropriada para materiais que se degradam quimicamente durante o tempo de vida humana, como películas de papel, nitrato, filmes de acetato e objectos de borracha. As flutuações de temperatura podem também danificar objectos que sejam compostos por camadas frágeis cujos movimentos se encontrem limitados. Analisando agora a HR, existem quatro situações reais que podem ocorrer num museu: humidade visível, superior ou inferior a um valor crítico, acima de 0% e flutuações em                                                             

307

MICHALSKI, Stefan – As condições ambiente ideais, a gestão de riscos, um capítulo do Manual da ASHRAE – American Society of Heating and Air Condition Engineers, as flutuações comprovadas e por fim um modelo integrado de análise de riscos. Disponível em: http://si.artes.ucp.pt/citar/en/areas/02/results.php (20/05/2008; 13h07). 308 MICHALSKI, Stefan - Relative Humidity and Temperature Guidelines: What's Happening? Disponível em: http://www.museumclimatecontrols.com/doc/Relative%20Humidity%20and%20Temperature%20G uidelines.pdf (23/12/2008; 18h43). 309 Ver Tabela 3.

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torno de uma média. A humidade visível causa o crescimento de fungos e rápida corrosão a partir de 75% e para valores superiores o perigo cresce rapidamente. Michalski explica que 80% está muito mais incorrecto do que 75%, que 85% está muito mais incorrecto do que 80%, e assim por diante até 100%.310 Por exemplo, à temperatura ambiente, o tempo que os fungos demoram a aparecer nos objectos mais susceptíveis, é de aproximadamente dois meses a 75% de HR e de aproximadamente dois dias a 90% de HR. A humidade relativa superior ou inferior a um valor crítico afecta os minerais que hidratam ou desidratam num determinado valor de HR. Além das colecções da história natural, isto aplica-se aos objectos metálicos contaminados (particularmente objectos marinhos ou arqueológicos) e a alguns tipos de vidro. Qualquer HR acima de 0% está incorrecto para objectos que se degradam quimicamente num tempo de vida humana através de algum processo que requer humidade. Os exemplos mais conhecidos são películas de papel e de acetato. Os dados sugerem que se a humidade realmente alcançar os 0%, estes processos parariam. No entanto, manter a HR abaixo de 5% é impraticável. As flutuações incorrectas de HR produzem alterações nas dimensões e nas propriedades mecânicas de materiais orgânicos311 e podem causar danos directos, por exemplo, em objectos que contém camadas, cujos movimentos se encontrem limitados, e sensíveis à humidade. Isto, naturalmente, inclui a maioria de muitas colecções de museu. Determinadas peças, especialmente as que foram recentemente restauradas, podem igualmente ser muito susceptíveis ou vulneráveis e exigir protecção especial. A HR elevada, acima dos 80%, a cola amolece e o adesivo perde a força. A HR baixa, os materiais encolhem e endurecem, o que pode levar à sua fractura. Flutuações moderadas na HR produzem problemas mínimos em materiais que estão livres de se expandir e de contrair. As grandes flutuações de humidade suficientes para causarem fracturas visíveis num único ciclo podem ser consideradas “flutuações críticas”.312 A fadiga mecânica mostra que as flutuações que estão abaixo de um nível crítico danificarão somente objectos em desenvolvimentos muito pequenos. Nos conjuntos complexos como a                                                             

310

MICHALSKI, Stefan – As condições ambiente ideais, a gestão de riscos, um capítulo do Manual da ASHRAE – Ob. cit. 311 A difusão da humidade dentro e fora dos objectos não é instantânea, nem é a mesma em diferentes materiais. 312 MICHALSKI, Stefan – As condições ambiente ideais, a gestão de riscos, um capítulo do Manual da ASHRAE – Ob. cit.

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mobília ou as pinturas, cada subconjunto tem a sua própria flutuação crítica. Consequentemente, o problema transforma-se em como saber todos os valores críticos. A aproximação mais simples é rever a história local. Qual é a flutuação maior que durou o suficiente para que a colecção inteira respondesse? Esta é a flutuação confirmada313 da colecção. Por exemplo, se num museu a flutuação é de ±25% (média anual) todas as flutuações que sejam inferiores a este valor somente causam danos cumulativos muito lentos. Se as futuras condições ambiente não ultrapassarem as condições do passado, então o risco de futuras deteriorações mecânicas é mínimo. Outra aproximação a determinar flutuações críticas é fazer análises. As flutuações de humidade, geralmente, provocam maiores diferenças de contracção nos objectos do que as flutuações de temperatura, é a resposta à humidade que maior distingue a vulnerabilidade dos objectos às flutuações. Actualmente, a pesquisa sobre pinturas e a madeira sugerem que as flutuações críticas para a maioria dos objectos começam a ±25%. Os danos que surgem nos objectos sugerem que as flutuações devem alcançar valores para além de ±25% para causar danos visíveis repentinos. A história também demonstra que muitos conjuntos toleram flutuações extremas de ±40% sem danos visíveis, se estão livres de se moverem314. Todos os objectos toleram algum grau de flutuação, embora esta tolerância varie amplamente e os objectos que constrangem o movimento acima do seu limite elástico são os mais vulneráveis a flutuações. Michalski sublinha no seu artigo315, «se aprendemos alguma coisa nos últimos 20 anos como utilizadores de sistemas de ar condicionado, é a importância da segurança.». É melhor um sistema fácil de se manter que dê ±20%HR e ±5ºC do que um sistema difícil de se manter que dê ±5%HR e ±1ºC a maioria do tempo, existindo um maior risco de falhar durante condições quentes ou de humidade. Para colecções dominadas por                                                             

313

«A HR, ou a T, confirmada é a maior flutuação à qual o objecto foi sujeito no passado, ou só o valor mais baixo e o mais elevado do passado.». - cf. MICHALSKI, Stefan – As condições ambiente ideais, a gestão de riscos, um capítulo do Manual da ASHRAE – American Society of Heating and Air Condition Engineers, as flutuações comprovadas e por fim um modelo integrado de análise de riscos.” Disponível em: http://si.artes.ucp.pt/citar/en/areas/02/results.php (20/05/2008; 13h07). 314 Alguns objectos, particularmente as pinturas a óleo sobre tela e madeira, acumulam estalados depois de décadas de grandes flutuações. Assim sendo a maioria dos objectos pode ser considerada de vulnerabilidade média, o que significa que só flutuações extremas de (±40%HR) têm uma probabilidade maior de causar um único ciclo de fractura. - cf. MICHALSKI, Stefan – Guidelines for humidity and temperature for Canadian Archives. Technical Bulletin 23. Ottawa: Canadian Conservation Institute, 2000, p.4. 315 MICHALSKI, Stefan – Guidelines for humidity and temperature for Canadian Archives. - Ob. cit., p.9.

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materiais orgânicos rígidos, como a madeira e a pintura, devemos aceitar que os dados são suportados pelo senso comum e não pelos números mágicos. Os declives de HR podem ter sido definidos pela ciência, mas a sua localização ainda depende da experiência. No geral, riscos elevados começam fora do intervalo 25-75% de HR. Ligeiros danos mecânicos irão acumular-se em conjuntos/obras vulneráveis a ±20% de HR, mas isto é virtualmente eliminado por ±10% de HR na madeira e ±5% na pintura. Se o controlo apertado sacrifica a longo prazo a segurança do intervalo de 25-75% de HR, Michalski316 acredita que isto é contraproducente para o bem-estar da maioria da colecção. As deteriorações químicas, biológicas e mecânicas, todas crescem acentuadamente depois dos 75% e aumentam significativamente para cada desenvolvimento de 100%. Até valores de 60-65% de HR poucas espécies biológicas conseguem crescer, só a partir de valores acima de 75% é que existe o perigo real de crescimento biológico. No geral, vários dias de humidade acima de 80% causam o crescimento de fungos em objectos que estejam sujos. Papel limpo, pinturas e têxteis são normalmente afectados a valores acima de 90%.317 Muitos processos químicos dependem da presença de água e envolvem muitos tipos de materiais, incluindo metais, vidros e materiais orgânicos e inorgânicos. Por exemplo, a corrosão de muitos metais é acelerada por uma HR elevada, por isso valores baixos de HR dão uma margem maior de segurança e ajudam a prevenir reacções de corrosão. É uma realidade que os bens culturais são frágeis e respondem a alterações quando são extraídos do seu local de origem e convertidos em objectos em trânsito. O equilíbrio que alcançaram no meio, durante um lento processo de adaptação, quebra-se bruscamente, com consequências que frequentemente comprometem a sua preservação no futuro. A maioria dos danos ocorre quando as obras que estão aclimatizadas a HR elevadas são movidas para condições “óptimas” ou secas.318 Se as flutuações do passado não provocaram fracturas, e a resistência do material não se alterou muito, então, não há nenhuma razão para pensar numa fractura futura                                                             

316

Vd. MICHALSKI, Stefan – Relative Humidity: A discussion of correct/incorrect values.- Ob. cit., p.624-629 317 MICHALSKI, Stefan – Relative Humidity and temperature guidelines. What’s happening? - Ob. cit. 318 ASHLEY-SMITH, Jonathan, UMNEY, Nick, FORD, David – Let’s be honest – Realistic environmental parameters for loaned objects. In Roy, Ashok; Smith, Perry (ed.) - Preventive conservation. Practice, theory and research. Preprints of the contributions of the Ottawa Congress, 12-16 Sept. 1994. London: IIC, 1994, p.29.

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provocada pelas mesmas flutuações — «Quanto pior for o passado, melhor será o futuro».319 Muitas vezes os museus gastam muito tempo e dinheiro a monitorizar a temperatura, humidade relativa, luz e poluentes e, normalmente, estes dados são recolhidos e armazenados, tendo pouco valor como base do controlo ambiental. A monitorização da temperatura e da HR é essencial para caracterizar as condições ambiente ao longo do tempo numa reserva, numa sala de exposição ou outro local. Os dados obtidos são fundamentais para, quando necessário, implementar estratégias que melhorem as condições e verificar se a sua aplicação produz os resultados desejados. Para registar flutuações ao longo do tempo, durante algumas horas, dias ou meses, é necessário utilizar aparelhos de registo contínuo, como o termohigrógrafo ou o data logger digital. Antes de se iniciar a monitorização, é necessário escolher correctamente os locais para efectuar as medições. Um aparelho colocado na proximidade de um aquecedor, de uma porta mal calafetada (ou que seja permanentemente aberta e fechada) ou sob luz directa do sol, dá indicações incorrectas das condições ambiente gerais de um determinado local.320 Sendo esta uma colecção em trânsito permanente, era importante perceber qual a relação entre os valores de temperatura/HR das reservas da galeria e os valores de temperatura/HR das salas de exposição do Centro de Arte. Sendo estes, espaços totalmente diferentes. O primeiro, é o local onde as obras passam a maior parte do tempo, ou seja, é o local a que estão habituadas, com cerca de 700 m2, tem apenas dois desumidificadores que estão permanentemente ligados, dia e noite, o espaço é aberto e não tem janelas, apenas pequenas clarabóias no tecto que deixam entrar pouca luz, que dão para uns terraços que estão por cima; o segundo, é o local onde as obras passam um curto período de tempo, em média, cerca de 4 a 5 meses, todas as salas têm um sistema de ar condicionado que controla a temperatura e a HR (Fig.77), que está permanentemente ligado, dia e noite. O objectivo foi comparar os valores a que as peças normalmente estão acostumadas com os valores do Centro de Arte, onde as obras ficam alguns meses.

                                                            

319

MICHALSKI, Stefan. As condições ambiente ideais, a gestão de riscos, um capítulo do Manual da ASHRAE – Ob. cit. 320 CAMACHO, Clara (coord.) – Ob. cit., p.104.

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MONITORIZAÇÃO E CONTROLO AMBIENTAL O controlo das condições ambiente é fundamental na prevenção de danos, mais do que manter a temperatura a 20ºC ±2 e a humidade relativa a 50% ±5, é importante limitar as suas variações, manter o ambiente estável e os objectos limpos. Tendo em conta que o objecto é sensível às flutuações destes parâmetros, estes podem causar o ataque biológico, deterioração química, o destacamento das camadas de acabamento e danos estruturais e mecânicos nas obras. Existem três propriedades importantes na monitorização dos dados: intervalo – valores absolutos máximo e mínimo, média – valor médio e a variação – a proporção e a extensão da flutuação dentro de um determinado período de tempo.321 É também indispensável322 recolher simultaneamente dados do ambiente exterior, o mais próximo possível do edifício do museu, com vista a comparar com os registos internos323 e é conveniente que decorra pelo menos um ano de recolha de dados, para acompanhar o comportamento do edifício nas diversas condições ambiente. Foi colocado a 27 de Março de 2008, um termohigrógrafo324 na reserva da Galeria 111, onde se encontra a maioria das peças da colecção. O aparelho foi colocado num local longe das portas e da luz directa do sol, para evitar leituras incorrectas das condições ambiente e foi calibrado com um psicrómetro325. O registo durou aproximadamente um

                                                            

321

CAMACHO, Clara (coord.) – Ob. cit., p.193. «When we look for evidence from buildings without climate control, to test the reality of humidity and thermal buffering, it turns out that there are almost no usable data. The kilometers of thermohygrograph charts and the gigabytes of digital climate data from museum interiors are of no use if there are no matching data from the outside climate.» - cf. PADFIEL, Tim; LARSEN, Poul Klenz – How to design museums with a naturally stable climate. Studies in Conservation. Nº49 (2004), p.134. 323 «Há duas razões para as manter [as condições-ambiente] tão perto quanto possível da média das condições exteriores, seja qual for a localização do museu; primeiro, porque a madeira velha ou nova está adaptada à humidade média habitual; depois, porque, quanto mais perto estivermos das condições externas, menor serão os custos de funcionamento do ar condicionado» THOMSON, Garry - Ob. cit., p.89. 324 Termohigrógrafo da marca SATO, Nº 7006-00, modelo Mini - α (alpha). Este tipo de equipamento tem como sensores uma tira bimetálica envelhecida para a temperatura e uma bobina sensível à humidade, mede temperaturas entre -15ºC e 50ºC e humidades entre 10 a 100% e tem como margem de erro ±2ºC (+10 - 30ºC) para a T e 5% (+18 – 28ºC, 30 - 90%) para a HR. 325 O psicrómetro consiste em dois termómetros: um lê a temperatura do espaço e outro lê o efeito de refrigeração da água à medida que esta evapora de um pavio que está agarrado à ponta do termómetro quando o ar do espaço passa por ele a uma determinada velocidade. O grau da evaporação é uma consequência da HR e por isso é considerada uma primeira referência. - cf. WEINTRAUB, Steven, WOLF, Sara J. – Environmental monitoring. In ROSE, C. L.; HAWKS, C. A.; 322

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O Centro de Arte Manuel de Brito: Questões de Conservação Preventiva

ano - 27 de Março de 2008 até 20 de Março de 2009326. O termohigrógrafo (Fig.78) regista, por meio da expansão e contracção de um elemento higroscópico, as oscilações da humidade num tambor rotatório. Dá uma leitura por inspecção visual e um feedback imediato, no entanto exige a mudança das folhas semanalmente ou mensalmente e uma análise trabalhosa dos dados dos gráficos. Analisando os dados recolhidos, através do termohigrógrafo, concluímos que a humidade relativa mínima que ocorreu mais frequentemente327 durante o período de registo foi de 55% e que a humidade relativa máxima foi de 70%, tendo sido eliminadas as flutuações demasiado curtas e os valores exageradamente elevados (90%), ocorridos num curto período para serem considerados.328 Assim sendo, podemos tomar como flutuação de humidade relativa confirmada para esta colecção os valores entre 55 e 70%, ignorando os extremos máximos de 87 e 90% ocorridos nos meses de Janeiro e Fevereiro, correspondentes a valores de ocorrências sazonais de curta duração. Na implementação de uma estratégia de controlo ambiental, o objectivo é providenciar condições que impeçam valores extremos e rápidas oscilações de temperatura e humidade relativa. Analisando o gráfico 1 e comparando a Tabela 9 com a Tabela 13 (ver anexo I) concluímos que os valores de humidade relativa mais elevados ocorrem durante os meses de Dezembro, Janeiro e Fevereiro, meses onde a humidade relativa média exterior atinge os 70-79% e a temperatura média exterior varia entre os 10,6-12,4ºC. Os valores mais baixos ocorrem em Junho, Julho e Agosto, meses mais quentes e secos, onde a humidade relativa média exterior ronda os 61-64% e a temperatura média exterior os 22-22,7ºC. A transição de uma estação para outra deve ser gradual, as oscilações mensais dos registos da reserva não ultrapassam os 6%, havendo uma subida de 10%                                                                                                                                                                                      GENOWAYS, H. H. (ed.) – Storage of Natural History Collections: a preventive conservation approach. Iowa City: The Society for the Preservation of Natural History Collections, 1995, p.190. 326 Entre 10 e 27 de Janeiro de 2009 não existem registos de HR e T porque o termohigrógrafo ficou sem pilha. 327 «A necessária análise dos dados termohigrográficos poderá fornecer não só a frequência de cada flutuação mas também a sua duração. Como primeira aproximação, a duração e a frequência estão relacionadas (…) utilizando a possibilidade de somar as ocorrências será provavelmente mais frutuosa e mais fácil de utilizar em termos de interpretação dos valores das ocorrências sazonais de curta duração que se poderão sobrepor.» - cf. MICHALSKI, Stefan – As condições ambientais ideais, a gestão de riscos, um capítulo do Manual da ASHRAE – Ob. cit.. 328 As flutuações curtas e extremas do passado, ou seja, que duram menos tempo do que o tempo de resposta de alguns dos objectos da colecção. Não podem ser utilizadas para determinar o equilíbrio do valor confirmado da HR, podem só fornecer uma HR confirmada de uma certa duração. - cf. IDEM, Ibidem.

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da humidade relativa média na transição do mês de Novembro para Dezembro. Não existem oscilações bruscas da humidade relativa ou da temperatura, embora durante os meses de Dezembro, Janeiro e Fevereiro a humidade relativa atingiu valores entre 80 a 90%, em períodos de tempo contínuos, o que pode constituir um risco para o crescimento de fungos nas obras, sobretudo se estas estiverem com pó e sujidade. Normalmente, em pinturas e têxteis limpos só acima de 90%, é que se dá o desenvolvimento de fungos. Não conhecendo a história passada (humidade relativa e temperatura anteriores a este estudo) é difícil perceber se o facto da HR atingir os 90% na reserva da galeria constitui um risco, na teoria sim, mas só com uma observação regular das obras, na reserva da galeria, é que se poderia chegar a alguma conclusão. No entanto, das peças inventariadas, apenas duas apresentam ataque biológico sobre o verso da tela e quatro mostram, sobre a superfície pictórica, manchas pequenas e arredondadas, amarelas ou castanhas, de aspecto baço que parecem corresponder a fungos. Estas constituem uma pequena percentagem de obras afectadas por este tipo de alteração, sendo que a maior parte das peças não apresenta qualquer vestígio de microrganismos, o que indica que as peças, em princípio, toleram bem valores de 90% (em termos do crescimento de fungos). Michalski concluiu da análise da literatura que valores até 60% de humidade devem prevenir o crescimento de fungos e que valores acima de 75% representam perigo real do seu crescimento. Num intervalo de 90-75% uma redução de 10% reduz o risco de crescimento de fungos, assim como, descer a temperatura de 30ºC para 10ºC.329 No entanto, não nos podemos esquecer que esta análise tem como base o clima do Canadá - nos meses de Verão a HR e a temperatura são elevadas. A conclusão de Michalski não faz sentido dentro da nossa realidade, isto porque a HR relativa atinge o seu máximo nos meses de Inverno, onde a temperatura ronda os 12ºC - a temperaturas baixas o crescimento de fungos é diminuído330. Isto quer dizer que apesar da HR, em Portugal, poder atingir valores acima de 75% não constitui para nós um perigo real, pois a temperatura é sempre baixa o que não permite um desenvolvimento significativo de fungos. Durante estes meses, Dezembro, Janeiro e Fevereiro, a temperatura média interior atinge                                                             

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MICHALSKI, Stefan – Relative humidity in Museums, Galleries, and Archives: Specification and Control. In ROSE, William B.; TEN-WOLDE, Anton (ed.) - Bugs, Mold and Rot II, Proceedings of the Workshop, Nov. 16-17, 1993. Washington: National Institute of Building Sciences, 1993, p.53. 330 FLORIAN, Mary-Lou E. – Fungal Facts. Solving fungal problems in heritage collections. London: Archetype Publications, 2002, p.56.

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o seu valor mais baixo, cerca de 14ºC e a temperatura média exterior atinge os 11ºC, as baixas temperaturas tornam a pintura mais frágil e mais susceptível de danos quando esta é movida. Aumentar a temperatura uns graus no inverno vai ajudar a diminuir a humidade relativa a um nível mais aceitável e a evitar possíveis danos mecânicos nas obras. No entanto, é importante referir a importância do mobiliário e de todos os materiais higroscópicos existentes dentro das reservas da galeria (madeira, papel) cuja acção pode explicar a estabilização da humidade relativa neste espaço331. Os registos de temperatura e de HR no Centro de Arte iniciaram-se no dia 20 de Dezembro de 2007, através de três data loggers332 (Fig.79) colocados no piso 0, sala 0A e sala 0B (sensor 3 e 2) (Fig.80) e no piso 1, sala 1B (sensor 1). Este sistema baseia-se na utilização de unidades independentes (data loggers) que armazenam os dados durante um determinado período de tempo, sendo posteriormente descarregados num computador para análise e avaliação. Tem como desvantagem não permitir a detecção imediata de problemas, uma vez que os dados recolhidos estão inacessíveis até à sua passagem para o computador333. No entanto permitem facilmente, através do computador, a conversão de dados numéricos em gráficos e podem instantaneamente calcular a média, os máximos e os mínimos da temperatura e HR, assim como, de facilitar a comparação de dados de diferentes localizações. Analisando as Tabelas 17, 18, 19 e 20 referentes aos meses de Abril, Junho, Outubro e Dezembro das condições ambiente do Centro de Arte, verificamos que, no geral, os valores de humidade relativa variam entre 45-65%, no entanto, observam-se valores muito baixos, entre 27-40%, sobretudo nos meses de Outubro e Dezembro, meses mais                                                             

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«(…) a influência do mobiliário, dos tecidos e da taxa de ventilação, só muito recentemente se começaram a estudar e, por isso, considerámos importante fazer uma breve análise de situação actual recorrendo a um documento editado por Kaìsa Svennberg da Universidade de Lund [Moisture Buffering in the Indoor Environment – Report TVBH – 1016 Lund 2006] que nele reuniu um conjunto de trabalhos abordando vários aspectos do papel das superfícies higroscópicas na estabilização da humidade relativa ambiente.» - cf. CASANOVAS, Luís Efrem Elias – Ob. cit., p.210. 332 Data logger modelo Tandd RTR-53, precisão de ±0,3ºC e ±5% (em 25 a 50% de HR). 333 O Engº Luís Elias Casanovas refere a sua preferência pelo termohigrógrafo, «visto que esta opção não decorre de um capricho historicista mas baseia-se no facto de o registo dos primeiros ser de leitura muito mais fácil porque a inércia dos materiais utilizados nos sensores não lhes permite registar as variações muito pequenas, mas muito frequentes, que tornam os registos dos data loggers num emaranhado de riscos de interpretação, por vezes difícil e de duvidosa utilidade, sobretudo no tocante à humidade relativa. Cremos que isto se deve, possivelmente, ao facto do comportamento de um feixe de cabelos estar mais próximo das reacções de um espaço, onde coabitam habitualmente os mais diversos materiais, do que os rigorosos sensores dos data loggers…» - cf. CASANOVAS, Luís Efrem Elias – Ob. cit., p.210.

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frios em que a humidade relativa deveria ser mais elevada334 (Ver tabela 20), valores pouco coerentes para o clima do nosso país. Podemos colocar duas hipóteses para a ocorrência destes valores, a primeira é que o facto dos data loggers só terem sido calibrados uma vez, desde que foram adquiridos, pode ter levado a um erro de leitura, a segunda é que o ar condicionado não está a conseguir manter valores de humidade relativa aceitáveis, sendo difícil para este equipamento, devido à sua sensibilidade às flutuações exteriores335, garantir uma estabilidade minimamente razoável, causando no interior flutuações muito rápidas não dando tempo ao objecto de se aclimatizar. No dia 25 de Março de 2009, foram feitas medições com o psicrómetro para verificar se realmente existia algum erro na medição feita pelos data loggers, chegando-se à conclusão que havia uma diferença de cerca de 15%, entre os registos do psicrómetro e do data logger336, assim medições de 20% podem ser na realidade 35%, um valor baixo, mas mais aceitável. Isto pode ainda ser justificado pelo aquecimento ligado durante os meses de Inverno (o aumento da temperatura vai diminuir a humidade).337 De qualquer maneira, estes valores não são recomendáveis para esta colecção que está habituada a “viver” em condições de humidade relativa elevada. Sendo o nosso clima irregular e segundo o Engº Luís Elias Casanovas «não devemos adoptar, em Portugal, valores de referência para as condições-ambiente em espaços museológicos sem tomarmos as medidas adequadas para responder de forma eficaz, mas realista, às suas inevitáveis variações, sobretudo no que à humidade diz respeito, por forma a conseguirmos um equilíbrio adequado entre o clima exterior e essas condições-ambiente.»338. Os efeitos de humidade relativa vão também depender da natureza dos materiais. Os objectos de natureza orgânica são higroscópicos - podem absorver e libertar a humidade -, por isso estão sempre à procura de um equilíbrio com o meio. Abaixo de 40%, a estrutura dos materiais orgânicos pode contrair, aumentar de rigidez e tornar-se quebradiça a HR elevada humedecem e aumentam de volume. A resposta de uma obra                                                             

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«Entre nós, o panorama é diferente, sendo, na estação fria, a humidade relativa ambiente normalmente muito elevada, o que tem como consequência, de acordo com o atrás referido, que, na estação quente, a humidade da estrutura, nomeadamente das paredes, se liberta, contribuindo para assegurar uma razoável estabilidade dos valores da humidade relativa ambiente.» CASANOVAS, Luís Efrem Elias – Ob. cit., p.152. 335 Vd. CASANOVAS, Luís Efrem Elias – Ob. cit., p.139. 336 Ver tabela 8. 337 Era aconselhável colocar numa das salas de exposição do Centro um termohigrógrafo durante dois meses para comparar os valores registados com os exteriores e com os do data logger. 338 CASANOVAS, Luís Efrem Elias – Ob. cit., 151.

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ao seu ambiente vai variar de uma peça para outra, dependendo dos materiais presentes e na reacção individual de cada material. Por exemplo, quando a HR desce, a pintura, preparação e aglutinante perdem água, contraem e tornam-se cada vez mais duros e frágeis. Nestas condições, as camadas estão muito mais stressadas e a sua capacidade para acomodar mudanças dimensionais sem estalar é reduzida. No entanto, acima de aproximadamente 85% de HR, a tela pode ter tendência a contrair. A expansão e a contracção da madeira da grade também vão afectar a resposta da pintura às flutuações de HR.339 Comparando os meses de Abril, Junho, Outubro e Dezembro, dos registos da Galeria 111 e com os do Centro de Arte, podemos observar que os gráficos da primeira variam entre 60 e 70%, excepto nos meses de Outubro e de Dezembro, onde há uma variação maior, no entanto apresentam um gráfico linear e sem grandes oscilações. Enquanto nos gráficos do segundo observam-se vários picos correspondentes a variações da humidade relativa, esta não é tão constante, o que nos leva a crer, como já foi referido atrás, que o facto de o Centro ter um controlo do ambiente feito por um sistema de ar condicionado não assegura valores de humidade relativa constantes. Por outro lado, a reserva da galeria, que apenas tem dois desumidificadores permanentemente ligados, consegue manter valores mais constantes e sem grandes variações. A mesma comparação pode ser feita com os dados recolhidos, na reserva e na sala multiusos do Centro, durante uma semana (de 21 a 29 de Maio)340 cujos valores variam entre 60 e 70% de HR, espaços que não têm qualquer sistema de ar condicionado, o que indica que este influencia as condições ambiente, que por vezes não são as mais indicadas. A humidade pode penetrar desde o exterior através das fissuras das paredes, de coberturas deficientes, por evaporação das conduções das águas próximas, por águas subterrâneas em contacto com o edifício. Desde o interior, pela limpeza do chão e pela transpiração e respiração dos visitantes, sobretudo quando o número é excessivo, podendo elevar consideravelmente a humidade nos dias chuvosos.341 Dos dados analisados e registados pelo data logger foram isoladas algumas datas que pareciam ser importantes analisar: os dias de inauguração das exposições no Centro onde a afluência do público chegou às 385 pessoas durante um período de algumas horas e as várias                                                             

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CCI Notes 10/9. Keying out of paintings. Ottawa: Canadian Conservation Institute, 2002, p.1. Ver Tabela 14, 15 e 16. 341 HERNÁNDEZ HERNÁNDEZ, Francisca – Manual de Museologia. Madrid: Editorial Síntesis, 2001, p.237. 340

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actividades promovidas pelo serviço educativo, que engloba a dormida de um grupo 40 pessoas, no piso 0 e sala multiusos, no aniversário do Centro (Sonharte). Em relação às inaugurações dos dias 8 de Fevereiro, 30 de Maio e 3 de Outubro de 2008 e 30 de Janeiro de 2009, foram analisados os parâmetros entre as 15h e as 02h342. Às 20/21h verificaram-se343 os valores máximos de humidade relativa. No geral, estes são relativamente baixos para o número de pessoas que foram às inaugurações, por exemplo no dia 3 de Outubro estiveram 385 pessoas e o valor máximo de humidade relativa é de 40% e da temperatura de 25ºC, era de se esperar, com este número de pessoas a respirar dentro de um espaço fechado, mesmo que não estivessem todas ao mesmo tempo no mesmo sítio, que a HR aumentasse ligeiramente mais do que 5 ou 6%344, no entanto, também devemos ter em conta que ao subir a temperatura a humidade relativa baixa. Foram comparados os dados dos dias das exposições (Tabela 22) com os dados dos dias anteriores (Tabela 23) e verificou-se que os parâmetros de humidade relativa e de temperatura são muito mais constantes, havendo uma ligeira diminuição dos parâmetros a partir das 21 horas, enquanto nos dias das inaugurações existe um ligeiro aumento atingindo valores máximos às 20h, para depois descerem à medida que o tempo passa. Nos dias das inaugurações observa-se também, uma diminuição da humidade relativa e um ligeiro aumento da temperatura, coerente com o que já tínhamos verificado atrás. Em relação ao evento Sonharte, onde 40 pessoas (adultos e crianças) dormiram no Centro de Arte, observam-se um aumento dos valores de humidade relativa, cerca de 8%, entre as 00 e 09h, sobretudo no sensor 3 (piso 0, sala 0B), local onde, provavelmente, dormiram mais pessoas por ser um espaço maior, com um máximo de 53% às 21h (ver Tabela 24). Para terminar, um dos problemas que se coloca na análise destes dados é a adaptação dos objectos à climatização345, já que não se deve submeter uma pintura a uma alteração

                                                            

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As inaugurações das exposições têm sempre início às 18h30. Ver Tabela 17. 344 A título de curiosidade, «Um adulto, vestido normalmente e em actividade moderada num espaço que se encontre a 24ºC de temperatura e 60% de humidade relativa liberta 58g de vapor de água por hora: num museu que tenha 600 visitantes por dia e 6 horas de tempo de abertura serão quase 6 Kg de vapor de água/hora ou seja mais de 30 litros de água ao fim do dia». - cf. CASANOVAS, Luís Efrem Elias – Ob. cit., p.94. 345 «quando um objecto orgânico sensível ficou estabilizado num ambiente particular, mantendo essas condições, sejam elas quais forem, reduzem-se ao máximo os riscos de deterioração» - cf. 343

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brusca, por muito boas que sejam as novas condições estabelecidas. Não nos podemos esquecer que as obras estão armazenadas numa reserva em que os valores de HR rondam os 55-70% e que cada vez que há uma exposição temporária no Centro de Arte, estas obras passam 4 a 5 meses num ambiente em que os valores de humidade relativa rondam os 40-55%, existe uma diferença de 15% entre cada espaço. Quando o meio onde uma determinada peça “habita” muda, os materiais do objecto tendem a mover-se, aclimatizam-se e sofrem modificações, adaptando-se346. A flutuação da temperatura através dos materiais e o seu transporte por ar estão bem compreendidos. No entanto, a flutuação da humidade ainda está por se compreender347. Michalski desenvolveu uma tabela onde estabeleceu o risco de fractura em materiais orgânicos devido à flutuação de HR (Ver tabela 25), onde verificamos que o risco de fractura num objecto só é grave a ±40%. O mais importante não é tanto o intervalo de flutuação, mas sim manter sempre as peças num ambiente constante, sobretudo sem alterações bruscas. Apesar das obras inventariadas terem sido examinadas e fotografadas não houve um acompanhamento regular ou uma inspecção periódica. Assim, não podemos afirmar com certeza que os 4 ou 5 meses que as obras passam no Centro causem efectivamente alterações. O registo que foi feito deve servir de base para uma análise mais completa, ou seja, avaliar se as condições ambiente no futuro são as mesmas, não só em termos de valores extremos, mas também nas condições que antecederam esses extremos e qual o comportamento das obras neste ambiente, assim como, verificar qual o papel do ar condicionado na estabilidade das condições ambiente, tendo sempre em conta que é muito difícil alcançar valores ideais, sendo preferível conseguir a estabilidade e evitar as rápidas flutuações. O registo dos parâmetros de HR e temperatura devem ser continuados e as obras devem ser acompanhadas de perto durante a permanência no museu, para haver deduções mais conclusivas e claras.

                                                                                                                                                                                     GUICHEN, Gaël de – Le Climat dans musée, Roma: ICCROM, 1980, p.66. Apud CASANOVAS, Luís Efrem Elias – Ob. cit., p.65. 346 CALVO, Ana – Conservación en exposiciones temporales: ¡Las obras de arte están vivas! In GIL, José Manuel Iglesias (ed.) - Cursos sobre el Patrimonio Histórico 2: actas de los VIII Cursos Monográficos sobre el Patrimonio Histórico. Santander: Universidad de Cantabria; Reinosa: Ayuntamiento, 1998, p.228. 347 PADFIEL, Tim; LARSEN, Poul Klenz – How to design museums with a naturally stable climate. Studies in Conservation. Nº49 (2004), p.133.

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ILUMINAÇÃO A iluminação das salas de exposição deve ser feita de acordo com a especificidade das peças expostas. Níveis de luz muito altos podem aquecer o objecto e aumentar a sua temperatura, provocando a sua degradação. Existem três tipos de radiação que afectam o objecto: radiação visível, radiação ultravioleta (UV) e radiação infravermelha (IV), ambas invisíveis. As radiações UV, de ondas-curtas e inferiores a 400 nanómetros, produzem efeitos fotoquímicos e são muito perigosas para os materiais orgânicos. As radiações IV, produzem-se acima dos 700 nanómetros e os seus efeitos térmicos podem transformar-se em químicos, produzindo alterações nos objectos.348 Embora a luz constitua um factor de dano permanente e irreversível nos objectos, é um factor que é fácil de controlar. Para minimizar os seus efeitos, os objectos devem ser expostos a valores inferiores aos aconselhados e não devem ser desnecessariamente expostos à acção da luz. Os níveis de iluminação de referência recomendados, para minimizar os danos que estes podem causar, baseados em estudos científicos, para materiais pouco sensíveis (cerâmica, porcelana, pedra, metais, vidro e jóias) são de 300 lux; para objectos sensíveis (pintura a óleo, a acrílico, material de arquivo, materiais orgânicos não pintados, esculturas policromadas, couro, lacas e marfim) de 150-200 lux e para objectos muito sensíveis (têxteis, aguarelas, pasteis, estampas, desenhos, manuscritos, pinturas a têmpera, papeis pintados, pergaminhos, materiais tingidos, pigmentos de origem animal ou vegetal, colecções de ciência natural, guaches e couros tingidos) de 50 lux.349 Hoje existem tabelas350 com valores máximos recomendados de exposição à luz e à radiação UV. Considera-se a acumulação da exposição a uma intensidade de luz durante um período de tempo. A mesma quantidade de danos pode ser causada tanto por uma luz forte num curto período de tempo ou por uma luz fraca num longo período, por exemplo, 50 lux durante 100 horas causam o mesmo efeito de degradação que 5000 lux durante 1 hora. Por esta razão, a iluminação recomendada para objectos numa exibição é baseada num

                                                            

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HERNÁNDEZ HERNÁNDEZ, Francisca – Ob. cit., p.245. CALVO, Ana – Conservación y Restauración de pintura sobre lienzo. Barcelona: Ediciones del Serbal, 2002, p.168. 350 Ver Tabelas 4 e 5. 349

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número total de lux por ano.351 Existem dois tipos de luz: a natural que tem origem no sol e a artificial que tem origem nas lâmpadas. A luz solar é a mais perigosa para os objectos, seguida das luzes incandescente e fluorescente, devido à sua intensidade e aos altos componentes de UV e IV, por isso deve-se evitar a exposição dos objectos sensíveis à luz directa do sol (a qualquer hora do dia ou época do ano). Contudo, a quantidade de luz do dia que entra no edifício pode ser reduzida por persianas ou cortinas em pano-cru e a radiação UV pode ser filtrada por películas aplicadas directamente no vidro das janelas.352 As lâmpadas fluorescentes e de halogéneo (incandescente) emitem altas quantidades de radiação UV, o uso de filtros UV e de difusores acrílicos reduzem a quantidade desta radiação, caracterizam-se pela alta eficácia luminosa, pela sua longa vida e pela sua baixa emissão de calor. As lâmpadas incandescentes de tungsténio emitem altas quantidades de radiação IV e baixas quantidades de UV, oferecem uma boa qualidade de luz, são mais quentes e mais acolhedoras e permitem distinguir bem as cores, mas são de pouca duração e o seu consumo de energia é elevado. A distribuição é demasiado uniforme, por isso é utilizada em projectores.353 Os tipos de lâmpadas recomendadas nas áreas de exibição são: lâmpadas incandescentes, fluorescentes com baixa radiação UV (para materiais sensíveis ao calor) e lâmpadas de sódio de alta pressão com corrector de cor. Para as áreas de reserva as lâmpadas recomendadas são as de sódio a alta pressão (menos usadas, devido ao fraco índice de restituição de cores) e as fluorescentes de baixa UV.354 Qualquer que seja o tipo de iluminação utilizado aconselha-se a colocação de películas UV de modo a filtrar o mais possível estas radiações. Os filtros UV têm um limite de tempo de utilização, devendo ser periodicamente substituídos. No Centro de Arte a iluminação artificial355 é feita através de focos de luz com lâmpadas de halogéneo com reflector dicróico, ou seja, reflecte a radiação visível e absorve a                                                             

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WEINTRAUB, Steven, WOLF, Sara J. – Environmental monitoring. In ROSE, C. L.; HAWKS, C. A.; GENOWAYS, H. H. (ed.) – Storage of Natural History Collections: a preventive conservation approach. Iowa City: The Society for the Preservation of Natural History Collections, 1995, p.195. 352 BUCK, Rebecca A.; GILMORE, Jean A. (ed.) – Ob. cit., p.106. 353 HERNÁNDEZ HERNÁNDEZ, Francisca – Ob. cit., p.247. 354 BUCK, Rebecca A.; GILMORE, Jean A. (ed.) – Ob. cit., p.106. 355 O Centro de Arte ainda não possui sensores luxímetros para medir a intensidade de luz da iluminação artificial.

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radiação infravermelha, mas não bloqueia a radiação UV. Estes estão colocados no tecto, encaixados em calhas, podem movimentar-se de um lado ao outro da sala e a sua direcção pode ser manipulada (Fig.81 e 82). As salas de exposição só se encontram iluminadas durante o tempo em que o museu está aberto ao público - de terça a domingo entre as 11h30 e as 18h00, e nos dias de inauguração de uma nova exposição até às 24h00. No dia 27 de Abril foram feitas medições da intensidade de luz e da radiação UV com um luxímetro, da parte da manhã, das 10h às 11h30. Houve alguma dificuldade em fazer estas medições porque o tempo apresentava-se bastante instável, tanto estava sol como nublado, o que dificultou a leitura dos dados. Na prática, o problema maior põe-se no controlo da luz natural, que varia com a hora do dia ou do ano Analisando a informação obtida (Tabela 6 e 7 e Fig.100 e 101), podemos concluir que em relação às pinturas que estão em salas onde a luz natural não interfere (piso 0, salas 0A e 0B) não há qualquer risco tanto a nível da intensidade da luz como da radiação UV, apesar de se ter comprovado que as lâmpadas usadas no Centro de Arte emitirem níveis de elevados de radiação. No entanto, a distância entre os focos de luz e as pinturas é o suficiente para evitar que estas radiações atinjam as obras. A maior parte das janelas existentes no edifício do Centro de Arte estão tapadas por um painel de madeira (Fig.83), que serve de parede para as pinturas. As restantes três, no piso 0, apresentam o vidro tapado com tissue e têm uma persiana branca por cima (Fig.84) e a mais pequena e mais estreita, não tem qualquer protecção, mas como é uma janela interior, o sol não bate directamente por ali. No piso 1, na sala de exposição 1A, existe ainda uma janela que está tapada com uma persiana branca. Observando a Tabela 6 e 7 (ver anexo I) concluímos que o facto de existir uma persiana e tissue sobre o vidro das janelas não bloqueia a passagem de radiações UV para dentro do edifício, sendo os valores registados superiores a 75 μW/lm (ver tabela 4) e inferiores ou igual a 30 μW/lm nas janelas que não têm qualquer tipo de protecção (comparação dos níveis de radiação UV que entram numa janela com protecção e numa janela sem protecção). Existem ainda dois corredores de vidro, nos dois pisos, que fazem a ligação do corpo antigo do edifício com o novo, que também não têm qualquer tipo de protecção e por onde entra bastante luz solar e radiação UV (Fig.85). É, por isso, recomendável colocar sobre as entradas de luz filtros UV. Estes existem na forma de vidros laminados ou películas. Alguns filtros têm a capacidade de, não só reduzir a radiação UV em mais de

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99%, como também de reduzir o calor e a transmissão da luz visível. Até porque, a uma determinada hora do dia, por volta das 13h, um feixe de luz natural entra pelo corredor de vidro, do lado direito, no piso 1 e atinge a pintura que está exposta sobre a parede da sala do varandim, no piso 0 (Fig.86, 87 e 88). Em relação às obras que estão em salas onde a luz natural interfere (piso 0, sala do varandim e corredor e piso1, sala 1A, 1B e mezzanine), vinda das janelas e dos corredores de vidro (Fig.89, 90 e 91), as pinturas menos expostas à luz apresentam valores inferiores a 200 lm/m2 e a 75 μW/lm. As pinturas mais expostas à luz, sobretudo as que estão situadas em paredes mais próximas dos corredores de vidro, apresentam valores superiores a 200 lm/m2 e a 75 μW/lm. Seria necessário tomar medidas no sentido de bloquear a entrada de níveis de radiação UV e de intensidade de luz tão elevados, sendo os corredores de vidro o principal problema, pois deixam entrar bastante luz, radiação UV e calor, a aplicação de um filtro sobre os vidros seria por isso uma boa opção356. P O L U E NT E S Os poluentes, compostos químicos do ambiente do museu, no estado sólido, líquido ou gasoso, podem causar alterações nos objectos. Os poluentes sob a forma de gás têm na indústria externa e emissão de veículos automóveis (dióxido de enxofre e dióxido de nitrogénio), nos materiais dentro de um museu (vapores emitidos pela madeira, camadas ou outros objectos) ou nos próprios visitantes (presença de oxigénio). Líquidos que podem contaminar os objectos incluem a migração dos plasticizantes dos plásticos e a gordura depositada por manuseamento incorrecto. O contaminante sólido mais comum é o sal (aerotransportado ou do manuseamento) e o pó.357 Existem procedimentos básicos para proteger as obras dos poluentes, como: manter as portas e janelas fechadas e devidamente calafetadas; instalar filtros de poluentes no sistema de ar condicionado e tratamento de ar; usar materiais recomendados no                                                             

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Segundo Thomson, não é possível responder com certeza à pergunta: o que é que causa mais danos, a radiação visível ou a radiação UV?, porque muitos materiais só desvanecem com radiação a determinados comprimentos de onda. No entanto, Thomson assume com segurança, que sob luz natural não filtrada, que pequenas quantidades de UV vão causar danos maiores nos objectos do que toda a radiação visível. - cf. THOMSON, Garry – Ob. cit., p.15. 357 ROSE, Carolyn L., HAWKS, Catharine A. - a preventive conservation approach to the storage of collection. In ROSE, C. L.; HAWKS, C. A.; GENOWAYS, H. H. (ed.) – Storage of Natural History Collections: a preventive conservation approach. Iowa City: The Society for the Preservation of Natural History Collections, 1995, p.14

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equipamento expositivo, de armazenamento e de acondicionamento, como vitrinas, plintos, molduras, prateleiras ou outras estruturas, estes devem ser seguros, neutros, estáveis, funcionais, resistentes e compatíveis com a natureza dos bens culturais a que se destinam; e pode-se utilizar, em pequenos volumes de ar, materiais adsorventes de poluentes, como carvão activado.358 SEGURANÇA A segurança, tanto das obras como do público, é essencial em qualquer museu. Este deve dispor de condições de segurança que garantam a protecção e integridade dos bens culturais, dos visitantes, do pessoal e das próprias instalações, nomeadamente através de meios mecânicos, físicos ou electrónicos que assegurem a prevenção, protecção física, vigilância, detecção e alarme. Em todo o caso, é de salientar o papel insubstituível da vigilância humana na preservação do edifício e da colecção. A segurança do edifício é feita por um vigilante durante o dia e outro durante a noite, que estão na recepção, e por um sistema de videovigilância constituído por dezasseis câmaras de vídeo no interior (Fig.92) do edifico e quatro no exterior. Existem ainda as assistentes de sala que para além de darem informações aos visitantes também têm um papel de vigilância das salas de exposição, de modo a assegurar que nenhum visitante toque ou mexa nas peças expostas. E todas as janelas têm uma grade de metal no interior (Fig.93) para evitar o roubo ou vandalismo. Nas salas de exposição não existe uma barreira que separe e impeça a aproximação do público às obras (Fig.94), é uma situação de risco, uma vez que a vigilância humana é insuficiente (duas assistentes, uma para cada piso), embora exista um circuito fechado de vídeo vigilância em cada sala, este equipamento não substitui a supervisão humana. A colocação de vidros sobretudo em obras mais pequenas e de sinalética no chão são duas medidas simples que podem ser aplicadas para diminuir os riscos da segurança das peças expostas. A actualização frequente do inventário constitui também uma importante medida de segurança, uma vez que o registo, manuscrito e fotográfico, permite-nos localizar, identificar e controlar as peças da colecção. Na segurança do edifício o fogo constitui um perigo omnipresente que pode acontecer a qualquer altura e em qualquer lugar. As instalações eléctricas e os sistemas de aquecimento existentes devem ser periodicamente verificados. Todos os espaços devem                                                             

358

CAMACHO, Clara (coord.) – Ob. cit., p.64.

142

 

O Centro de Arte Manuel de Brito: Questões de Conservação Preventiva

estar equipados com sistemas de detecção e de extinção de incêndios. O Centro possui um plano de emergência/segurança, com sinalização (Fig.95, 96 e 97) que indica as saídas de emergência e os meios de combate a incêndios, como extintores e mangueiras (Fig.98 e 99). Tem ainda um alarme contra incêndios ligado directamente aos Bombeiros de Algés, um alarme de sistema de intrusão e um controlo de vídeo de vigilância exterior. A formação e treino regular do pessoal da instituição na utilização de extintores e de outros meios de combate ao fogo, atribuindo a cada um uma missão específica em caso de incêndio, constitui também uma importante medida de segurança. A Conservação Preventiva concentrava-se, quase exclusivamente, no controlo das condições ambiente e na segurança. É em 1990, em Dresden, com Michalski a apresentar a matriz do Canadian Conservation Institute359, que se dá a concretização da Conservação Preventiva, como disciplina. A matriz propõe nove factores de deterioração: Agentes físicos; Roubo, vandalismo e transporte; Fogo; Água; Pragas; Poluentes; Luz, UV; Temperatura incorrecta; Humidade relativa incorrecta. Revendo a ordem destes agentes, é interessante notar que os factores a que, normalmente, damos mais atenção (HR, temperatura e luz) são, por vezes, os que causam menos danos em relação aos restantes. Por esta razão, um plano de emergência, protecção contra incêndios, segurança e suportes apropriados são considerados fundamentais na preservação das colecções. No entanto, o Engº Luís Elias Casanovas, analisa esta proposta à luz da nossa realidade, propondo um outro tipo de classificação, onde divide os factores de degradação em: Fundamentais, Secundários e Acidentais. «Os primeiros são aqueles com os quais o conservador e museólogo se confrontam de forma permanente, cuja acção nunca se pode considerar resolvida, que constituem, por isso, motivo constante de atenção e vigilância e cuja responsabilidade não podem delegar, antes têm de assumir por inteiro. São eles, e por ordem de gravidade, a luz, a poluição, a humidade relativa e a temperatura. No segundo grupo, surgem os factores de degradação cuja ocorrência não tem, usualmente, a premência dos fundamentais e cujo estudo e análise pode ser confiado a especialistas. É por isso mesmo que os designamos como secundários, e são eles os                                                             

359

Vd. Preservation Framework Online. Dísponível em: http://www.cci-icc.gc.ca/tools/framework/index_e.aspx?content=framework (24/04/2009; 16h17).

143

 

parasitas (as infestações), a embalagem, o transporte e o manuseio, etc. Temos, por último, os acidentais que, por definição, podem nunca ocorrer e são felizmente raros entre nós: o fogo, as catástrofes naturais e o vandalismo»360. Assim, entende-se por avaliação de riscos a identificação dos factores presentes num museu que podem influenciar ou contribuir para a degradação activa dos bens culturais, avaliar a magnitude de cada risco em termos de frequência e severidade, identificar as possíveis estratégias de mitigação e avaliar os custos e benefícios de cada estratégia. Segundo Michalski a maioria da preservação é alcançada por uma curta lista de recomendações que podemos chamar de “Estratégias básicas de preservação”.361 A manutenção e uma boa construção do edifício, assim como, a organização e limpeza362 das reservas e espaços de exposição são essenciais para a segurança das obras - para que os objectos possam ser armazenados com cuidado e para que a inspecção e os exames sejam possíveis; um inventário actualizado da colecção, com a localização das peças e das fotografias para a identificação do objecto, tem um papel relevante na recuperação da peça, se esta for roubada ou perdida, e na identificação de novos danos; a inspecção regular363 das colecções, nas reservas e nas exibições, torna-se especialmente importante nos museus que têm recursos limitados para outras estratégias da preservação; quando necessário o uso de embalagens ou de barreiras364 para isolar a peça do pó e da sujidade - estas devem ser, preferencialmente, herméticas, impermeáveis e resistentes a pragas; o uso de placas de protecção do verso, resistentes e inertes, em pinturas delicadas ou de grandes dimensões, para suportar e obstruir os agentes que possam atacar pelo verso; formação e treino da equipa de funcionários do museu; sistema de detecção para ladrões (humano ou electrónico), de preferência com um tempo de resposta menor do que o tempo que o intruso demora a arrombar uma janela ou uma porta; sistema de supressão automático de fogo, isto é, sistemas de extinção de incêndios; controlo da humidade através da reparação das fugas de água e                                                             

360

CASANOVAS, Luís Efrem Elias – Ob. cit., p.71. MICHALSKI, Stefan - Care and Preservation of Collections. In BOYLAN, Patrick J. (coord./ed.) Running a Museum: A Practical Handbook. Paris: ICOM, 2004, P.57. 362 Significa suficientemente limpo para que as pragas não façam habitats, para que os metais não acumulem poeira corrosiva, e para que objectos poroso e difíceis de limpar não estejam sujos. - cf. IDEM, Ibidem. 363 O período de tempo entre as inspecções nunca deve ser menos do que o tempo que demora o amadurecimento dos ovos (aproximadamente 3 semanas para a traça da roupa). - cf. IDEM, Ibidem, P.57. 364 O polietileno ou o poliéster transparente são os de maior confiança. - cf. IDEM, Ibidem, P.57. 361

144

 

O Centro de Arte Manuel de Brito: Questões de Conservação Preventiva

da ventilação para impedir a condensação; e evitar luz intensa e luz solar directa sobre qualquer obra, sobretudo sobre obras muito sensíveis à luz. P R O P O S T A S D E C O N S E R V A Ç Ã O P R E V E N T I V A E C U R A T IV A Dependendo dos danos de cada obra podem ser tomadas diferentes medidas com diferentes objectivos: «(…) se uma colecção ou um objecto apresentam sinais inequívocos de degradação, há que intervir de imediato: estamos no domínio da conservação preventiva, temos de agir sobre o meio ambiente ou, directamente, sobre o objecto para reduzir os riscos potenciais de deterioração. Se não há risco de perda imediata, mas o objecto apresenta indícios de um processo de degradação em curso, estamos perante um caso de conservação curativa: intervenção sobre os efeitos da degradação. Se não há risco imediato e se o que está em causa é facilitar, ou tornar possível, a leitura de um objecto, entramos na área do restauro»365. No caso especifico desta colecção e deste museu existem algumas medidas de conservação preventiva e curativa366 que podem ser tomadas com o objectivo de minimizar os processos de degradação activos ou de reforçar a estrutura da obra. Dentro das medidas de conservação curativa é aconselhável remover as etiquetas colocadas directamente sobre o verso da tela, pois estas podem ocasionar rigidez e deformações367 (Jenufa e Sem título de Paula Rego e Paisagem-2 de Guilherme Parente). Remover camarões que apresentam corrosão ou que não desempenham nenhum papel na sustentação da obra, assim como, eliminar fios e arames. Tirar todos os pregos que fixam a pintura à moldura, sendo este considerado hoje em dia um sistema já arcaico uma vez que existem alternativas, como o uso de pequenas placas metálicas, feitas em aço inoxidável e que são aparafusadas sobre as travessas da moldura, permitem uma boa fixação da pintura à moldura sem deixar marcas ou danificar a grade.                                                             

365

CASANOVAS, Luís Elias – A conservação Preventiva: o conceito, a sua evolução e enquadramento. A classificação dos factores de degradação. Boletim do Centro de Estudos, Conservação e Restauro dos Açores. Nº9 (Set. 2003), p.36. 366 «Compreende todas as acções que incidem sobre um bem ou grupo de bens culturais, com o objectivo de deter processos de degradação activos ou reforçar a sua estrutura.» - cf. TERMINOLOGIA para a definição da conservação-restauro do património cultural material. Resolução aprovada pelos membros do ICOM-CC durante o 15.º Encontro Trienal, Nova Dehli, 22-23 de Setembro de 2008. Tradução de Francisca Figueira. Conservar Património. Nº6(Dez. 2007), p.56. 367 CALVO, Ana – Ob. cit., p.139.

145

 

Limpeza dos pequenos pontos acastanhados correspondentes a excrementos de mosca, assim como das manchas amareladas, de aspecto baço, que parecem corresponder a fungos, com o objectivo de restabelecer a leitura visual da peça e de assegurar uma melhor conservação das peças. Tendo em conta que não é a limpeza das manchas que vai prevenir o aparecimento deste ataque biológico, mas sim um controlo ambiente adequado e uma embalagem e acondicionamento eficaz na reserva. Fixação dos levantamentos da camada pictórica, causados quer por estalados quer pela falta de adesão às camadas inferiores, preparação ou suporte, evitando assim a sua possível perda. E verificação das grades e cunhas, de modo a eliminar as deformações existentes nos suportes têxteis. O controlo de infestações através da inspecção visual é uma importante medida de prevenção. O objecto de que se suspeita de ataque biológico deve ser isolado e, devem ser seguidos os procedimentos semelhantes aos utilizados na entrada de novas peças no museu: inspecção, quarentena e, se necessário, tratamento. Uma primeira observação pode revelar a presença de casulos de traças ou danos causados pela presença de insectos, mas larvas (como as do caruncho) ou ovos de insectos, dificilmente são visíveis. Por esse motivo deve existir um período de quarentena em que a peça, com possível ataque biológico activo, é isolada até à confirmação da não existência de infestação. Deste modo, pode ser evitada a contaminação do acervo. Em relação aos fungos, existem algumas precauções que inibem o seu desenvolvimento, como a existência de uma ventilação adequada, a limpeza regular e o controlo da humidade relativa. Os objectos em trânsito muitas vezes sofrem danos, mas a causa raramente é o ambiente dentro das salas de exposição do museu a quem as peças foram emprestadas. Os danos são mais frequentemente causados pelo manuseamento, por embalagens débeis ou por outras circunstâncias durante o seu transporte. Os procedimentos que reduzem significativamente os riscos inerentes à circulação externa das obras são: o conhecimento do estado de conservação da peça; o manuseamento

correcto;

a

embalagem

própria

(com

materiais

criteriosamente

seleccionados); o acompanhamento realizado por técnicos do museu experientes; o

146

 

O Centro de Arte Manuel de Brito: Questões de Conservação Preventiva

transporte apropriado368 e a colocação em instalações seguras e com condições ambiente adequadas. A peça deve ser cuidadosamente examinada antes do seu transporte ser autorizado, para ver se esta se encontra apta para viajar, para ser manuseada ou para ir para um ambiente diferente. Deve-se sempre conferir se as molduras estão sadias, se o verso está suficientemente rígido para aguentar algum tipo de choque moderado sem o vidro partir e se o verso não permite a entrada de pó. Devese verificar se as pinturas estão seguras nas suas molduras, se as cunhas estão todas presentes e fixas nos seus sítios. É aconselhável em pinturas de grandes dimensões colocar o sistema strecher lining entre o verso da pintura e o meio da cruzeta para evitar a vibração durante o seu transporte. Examinar os efeitos da HR não nos leva a convergir para um valor ideal. Entre 40 a 60% há uma diminuição dos danos mais visíveis, que muitas vezes, são os mais rápidos ataque biológico, danos mecânicos e fluorescências de sais comuns. As formas menos óbvias de danos são consideradas como lentas, mas de contínua degradação em materiais orgânicos e onde valores de HR mais baixos são mais desejados. Observando a Fig.102369 a redução dos danos mecânicos é o único factor que parece opor-se a todos os outros em valores de HR abaixo de 25-30%. Este conflito – dano mecânico versus degradação química – é uma consideração importante na selecção de um valor de HR mais apropriado e para qual não há resolução óbvia.370 Na escolha de um valor ou intervalo de HR para esta colecção foi necessário determinar os factores relevantes, avaliar a sua importância e seleccionar um valor ou intervalo que fosse o melhor compromisso em minimizar a sobreposição de efeitos. Daí terem-se chegado aos valores confirmados de 50 e 70%. Existem tabelas com valores teóricos optimizados de temperatura e humidade relativa para diversos materiais e tipologias de acervo, no entanto recomenda-se precaução na sua aplicação porque, mais importante que valores incorrectos são as oscilações bruscas, susceptíveis de causar danos                                                             

368

Os meios de transporte a utilizar devem ser ponderados em termos de segurança máxima para garantir a integridade patrimonial e física dos objectos, sendo aconselhável recorrer a empresas especializadas. 369 Marion Mecklenburg e David Erhardt apresentaram em 1994, em Ottawa, o seu trabalho Relative Humidity re-examined -, em que referem que importa olhar o problema das condições ambiente partindo dos diferentes tipos de objectos/materiais. 370 ERHARDT, David, MECKLENBURG, Marion – Relative humidity re-examined. In ROY, Ashok; SMITH, Perry (ed.) - Preventive Conservation Practice, Theory and Research. Preprints of the contributions to the Ottawa Congress, 12-16 September 1994. London: The International Institute for Conservation of Historic and Artistic Works, cop. 1994, p.37.

147

 

consideráveis. Sempre que se verificar que o acervo se encontra estável, as condições de humidade relativa e de temperatura devem ser mantidas. Podemos concluir que não existe um valor ideal de HR para museus, apenas valores e intervalos que minimizam tipos específicos de alteração em materiais e objectos. Valores extremos e alterações rápidas ou largas de HR devem ser evitadas.  

148

 

Conclusão  

«Se a arte contemporânea tende, como, verificámos, para a desmaterialização do suporte ou para a sua relativização, a conservação implica cada vez mais a inscrição da informação, ou seja, a produção de registos documentais da obra ou de aspectos que com ela estejam relacionados, sejam eles escritos, orais, fotográficos ou fílmicos. Interessa salientar que a documentação é uma forma de conservação»370

Procurou-se partir do contexto histórico da segunda metade do século XX, passando pela formação da Galeria 111 e do percurso individual de Manuel de Brito, perceber a formação e a origem desta colecção, para depois nos focarmos na inventariação de cada peça, nos seus problemas de conservação, na identificação dos seus materiais e técnicas e, finalmente, abordamos a inserção desta colecção no Centro de Arte Manuel de Brito. A documentação como forma de memória, de identidade, de testemunho, de registo e de conservação

foram

conceitos

base

que

enquadraram

o

inventário

realizado.

Conseguiram-se inventariar 156 obras durante as exposições realizadas no Centro de Arte. Tentou-se, em cada ficha de inventário, fazer um registo das exposições em que cada obra participou, das condições de apresentação, se foi o caso disso, bibliografia, registo fotográfico (frente e verso e de pormenores), procurou-se descrever, com a máxima precisão, as técnicas e materiais utilizados, sendo esta uma informação importantíssima no levantamento e compreensão do estado de conservação de cada obra. Verifica-se que existem alguns campos que necessitariam de ser desenvolvidos e completados, como o “Historial da obra” e a “Bibliografia”, assim como a “Categoria” e o “Estilo/Movimento”, onde existiu alguma dificuldade em inserir determinadas obras em certas categorias e estilos. O facto de não existir qualquer tipo de ficha técnica ou de documentação referente às obras também não facilitou, em alguns casos, a determinação da datação e da técnica, que só à vista desarmada foi uma tarefa que se revelou complicada e onde surgiram algumas dúvidas, sendo aqui importante o

                                                            

370

MACEDO, Rita – Desafios da Arte Contemporânea à Conservação e Restauro. Documentar a Arte Portuguesa dos anos 60/70. Lisboa: [s.n.], 2008. 2 vols., 399 f, 279 f. Tese de Doutoramento apresentada à Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade Nova de Lisboa, p.357.

151

 

testemunho dos artistas371 ou o recurso a métodos de exame e análise para confirmar as técnicas aplicadas. O inventário da colecção permite seguir a própria evolução da arte no século XX, bem como as suas novidades e permanências, nomeadamente do ponto de vista dos materiais e das técnicas. Assim, a maioria das obras inventariadas segue o formato da pintura, podendo depois variar a técnica e os materiais. O suporte mais utilizado é a tela, logo seguida pelo papel que deixa de ter uma atribuição secundária. E a madeira é substituída pelos seus derivados – platex e contraplacado. As técnicas e os estilos tradicionais mantêm-se, mas com a introdução de novos materiais, como os produtos sintéticos e comerciais, cuja composição, processos de envelhecimento ou o seu comportamento perante a presença e a combinação de materiais de natureza oposta, é um dos principais problemas da conservação da arte moderna e contemporânea. O óleo continua a ser o aglutinante mais usado, visto que, no panorama português, a introdução e o uso de novos materiais deu-se mais lentamente. Quase metade das obras tem como aglutinante o óleo, as restantes têm o acrílico, pastel, aguarela, tinta-da-china. O inventário de uma colecção também se afigura um instrumento de suporte aos momentos em que a obra é exposta. Neste campo, sentiu-se também uma lacuna a nível da documentação relacionada com a disposição física e apresentação pública de algumas obras, particularmente as que requerem instalações específicas, sendo este um elemento relevante para apoiar a exposição das mesmas, já que nem sempre a presença ou a colaboração dos artistas é viável. Deste modo, é aconselhável fazer um registo rigoroso, acompanhado por fotografias e planos, da montagem da peça para a exposição. Conseguiu-se assim dar uma ferramenta de trabalho essencial no dia-a-dia do CAMB, elaborando-se

um

inventário

despretensioso

e

aberto

a

alterações

e

a

um

desenvolvimento mais profundo. A possibilidade de informatização das fichas de inventário, irá permitir armazenar a informação de uma maneira muito mais flexível do que num sistema manual, para além de proporcionar uma série de meios como, por exemplo, a fácil localização das peças, a gestão de imagens e organização do historial de exposições, de facilitar correcções e actualizações e a resposta a pedidos de informação. Outro aspecto importante é o facto das fichas de inventário poderem servir de base para                                                             

371

«Verificámos também que o levantamento rigoroso dos materiais utilizados por cada artista, no âmbito das entrevistas, não é exequível ou fiável, (…) ao fim de alguns anos os autores raramente se lembram com rigor dos materiais que utilizaram.» - cf. MACEDO, Rita – Ob. cit., p.362.

152   

o chamado condition report, o registo exacto e informativo do estado de conservação da obra à entrada do museu. Com a rotatividade das exposições a movimentação e manuseamento destas obras é constante, daí que um bom registo da condição do objecto seja fundamental. Analisando os diferentes problemas de conservação, que este tipo de obras de arte da segunda metade do século XX, levanta em relação à arte antiga, quer pelo uso de diversos materiais quer pelo uso de novas técnicas, pretendeu-se dar ênfase à conservação desta colecção e este foi um dos objectivos alcançados. Ao contrário do que se poderia pensar, chegou-se à conclusão que estas obras apresentam-se, no geral, em bom estado de conservação, os seus materiais estão estáveis, mas exibem algumas lacunas e/ou deformações, quer seja do suporte, quer seja da matéria, estalados mecânicos, produtos de corrosão, intervenções de restauro e/ou ataque biológico (excrementos de mosca, fungos ou insectos xilófagos), tudo o que constitua uma alteração à sua forma original. Procurou-se assim estabelecer medidas de conservação preventiva e curativa com base na bibliografia de referência e na avaliação do estado de conservação das obras, tendo em conta a especificidade e o contexto em que estas obras se inserem, com o objectivo de que esta colecção se conserve nas melhores condições possíveis. Assim, pareceu-nos importante propor a fixação da camada pictórica em destacamento, para evitar a sua possível perda, sobretudo durante o seu transporte e manuseamento, tal como a verificação de grades e de cunhas para eliminar as deformações da tela, a remoção dos sistemas de suspensão que estão no verso das obras e não têm qualquer função ou remover os pequenos excrementos de mosca. O estudo foi completado com normas de embalagem, manuseamento e de transporte e com a avaliação do edifício e das condições ambiente. Sendo relevante um manuseamento cuidado das peças, seguindo as regras recomendadas, uma vez que esta colecção é frequentemente movimentada. A manipulação e transporte constitui, por isso, um factor fundamental na conservação preventiva. A cada exposição feita é importante considerar se o estado de conservação de cada obra permite que esta seja exposta e a viabilidade do seu transporte, daí a importância de um conservador-restaurador no acompanhamento deste processo. Essencial também é dar continuidade ao estudo iniciado das condições ambiente e acompanhar a evolução individual de cada peça, para perceber melhor se o ambiente do CAMB é realmente adequado a este tipo de colecção. Mais do que alcançar os valores

153

 

mágicos de humidade relativa e de temperatura, pensamos que é importante alcançar a estabilidade, fixando os valores mínimos e máximos que se considerem aceitáveis tendo como base o passado desta colecção - «Quanto pior for o passado, melhor será o futuro»372, incorporando-a na realidade museológica dos objectos, do edifício e do público. Ao escrever a conclusão deste trabalho é necessário afirmar que esta dissertação é um estudo ainda em aberto. Não é o final, é apenas o início, o ponto de partida de um aprofundamento de uma série de sugestões, de recomendações e de pistas de trabalho que importará verificar no decurso da normal actividade do Centro de Arte, no sentido de as consolidar e validar ou, pelo contrário, no sentido de as renovar em função de novos problemas detectados e das necessidades entretanto surgidas. Procurou-se realizar este estudo sob um ponto de vista prático e real, sendo a premissa principal o desenvolvimento de um instrumento prático, mais do que teórico. Este será provavelmente, o melhor modo de aplicar esta dissertação, numa abordagem dinâmica que a relação entre teoria e prática exige.

                                                                                 372

MICHALSKI, Stefan. As condições ambiente ideais, a gestão de riscos, um capítulo do Manual da ASHRAE – American Society of Heating and Air Conditioning Engineers, as flutuações comprovadas e por fim um modelo integrado de análise de riscos. Disponível em: http://si.artes.ucp.pt/citar/en/areas/02/results.php (20/05/2008; 13h07).

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