Coleção Nas Trilhas da Tradução: Pesquisas em Tradução v. 1

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Pesquisas em Tradução

COLEÇÃO – ‘NAS TRILHAS DA TRADUÇÃO’

VOL. I

PESQUISAS EM

TRADUÇÃO

Sumário

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2|Prefácio

Conselho Editorial Álvaro Faleiros (USP) Anasthasie Angoran (Univ. Félix Houphouët-Boigny) Carolina Paganine (UFF) Fabiele Stockmans De Nardi (UFPE) Fatiha Dechicha Parahyba (UFPE) Germana Henriques Pereira (UnB) Helena Topa Valentim (Universidade Nova de Lisboa) Ines Oseki Depre (Université d’Aix – en-Provence) José Hélder Pinheiro (UFCG) José Lambert (Katholieke Universiteit Leuven) Josilene Pinheiro-Mariz (UFCG) Luana Ferreira de Freitas (UFC) Marc Charron (Université d’Ottawa) Marcelo Paiva de Souza (UFPR) Marta Pragana Dantas (UFPB) Muguras Constantinescu (Univ. Stefan Cel Mare/Suceava) Pedro Heliodoro de Moraes Branco Tavares (USP) Philippe Humblé (Vrije Universiteit Brussel) Roberto Mulinacci (Università di Bologna) Walter Carlos Costa (UFSC/UFC)

Sumário

Pesquisas em Tradução

COLEÇÃO – ‘NAS TRILHAS DA TRADUÇÃO’

VOL. I

PESQUISAS EM

TRADUÇÃO Marie Hélène Catherine Torres (UFSC) Maura Regina da Silva Dourado (UFPB) Sinara de Oliveira Branco (UFCG) Organizadoras

Ideia João Pessoa 2014 Sumário

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4|Prefácio Todos os direitos reservados às organizadoras. A responsabilidade sobre textos e imagens é do respectivo autor. Editoração/Capa Magno Nicolau Revisão Marie Helene Catherine Torres Maura Regina da Silva Dourado Sinara de Oliveira Branco Este livro foi publicado com verba da CAPES. Projeto Dinter NF 2041/2009.

P472

Pesquisa em tradução / Marie Hélène Catherine Torres, Maura Regina da Silva Dourado, Sinara de Oliveira Branco (Orgs.). Vol. 1. Col. Nas trilhas da tradução. - João Pessoa: Ideia, 2014. 267p. ISBN 978-85-7539-851-7 1. Tradução – Interpretação CDU 82.03

EDITORA www.ideiaeditora.com.br Impresso no Brasil – Feito o Depósito Legal

Sumário

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PREFÁCIO ................................................................................................ 7 Marie Hélène Catherine TORRES Maura Regina da Silva DOURADO Sinara de Oliveira BRANCO O FABULISTA E A BIBLIOTECA ........................................................ 11 Ana Cristina Bezerril CARDOSO Claudia Borges de FAVERI POESIA, TRADUÇÃO E HIPERTEXTO .............................................. 31 Aglaé FERNANDES O OUTRO FORSTER: INICIANDO UMA TRADUÇÃO COMENTADA ........................................................................................ 51 Garibaldi Dantas de OLIVEIRA Walter COSTA GUY DE MAUPASSANT NO BRASIL: UMA QUESTÃO DE CANONE ................................................................................................. 65 Carmen Verônica de A. R. NOBREGA Marie Hélène C. TORRES POE NO BRASIL: UMA ANÁLISE DOS PARATEXTOS DAS EDIÇÕES DE BRENNO DA SILVEIRA E CLARICE LISPECTOR ... 99 Francisco Francimar de Sousa ALVES Andréia GUERINE Luana Ferreira de FREITAS OS “NÓS TEXTUAIS DE SIGNIFICADO” NAS LEGENDAS DO DOCUMENTÁRIO SAUDADE DO FUTURO ..................................... 117 Lavínia Teixeira GOMES Maria Lúcia VASCONCELLOS A (IN)VISÍVEL PRESENÇA: O TRADUTOR NO TEXTO LITERÁRIO TRADUZIDO .................................................................. 137 Marcílio Garcia de QUEIROGA

Sumário

6|Prefácio ESFERAS DE CONFLITO EM GRANDE SERTÃO: VEREDAS A REPRESENTAÇÃO DE JOCA RAMIRO E HERMÓGENES, ANALISADA POR MEIO DO MODELO HALLIDAYANO DE TRANSITIVIDADE ..............................................................................151 Daniel ALVES Maria Lúcia VASCONCELLOS ENSINO DE INGLÊS INSTRUMENTAL E TRADUÇÃO: CONCEPÇÕES DE ALUNOS ACERCA DO TEMA ..........................177 Letícia Caporlíngua GIESTA A RETEXTUALIZAÇÃO DA TRADUÇÃO AUTOMÁTICA DE ABSTRACTS NA ESFERA ACADÊMICA ...........................................199 Cleydstone Chaves dos SANTOS A TRADUÇÃO E SUAS RELAÇÕES COM O ENSINO DE LÍNGUAS ..............................................................................................229 Sinara de Oliveira BRANCO NOTAS BIO-BIBLIOGRÁFICAS DAS ORGANIZADORAS E DOS AUTORES .................................................................................261

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No ano de 2010, três universidades federais uniram-se em torno de um Projeto de Doutorado Interinstitucional na área de Estudos da Tradução (DINTER/Edital 05/2009 da CAPES – Ação Novas Fronteiras) com o objetivo de estabelecer um polo de referência no ensino, pesquisa e formação de professores-pesquisadores em Tradução na Paraíba. As instituições e seus respectivos Programas de PósGraduação são: Universidade Federal de Santa Catarina (instituição promotora) - Programa de Pós-Graduação em Estudos da Tradução (PGET), Universidade Federal da Paraíba (instituição receptora) - Programa de Pós-Graduação em Letras (PPGL) e Universidade Federal de Campina Grande (instituição associada) - Programa de Pós-Graduação em Linguagem e Ensino (POSLE). O objetivo principal do DINTER é investir na qualificação de recursos humanos das universidades, bem como em sua estrutura, com ênfase na Pós-Graduação e na pesquisa, visando formar professorespesquisadores para o ensino, a pesquisa e a extensão, no intuito de fortalecer os grupos de pesquisa na área de tradução na UFPB e UFCG. Com tais objetivos em mente, os professorespesquisadores envolvidos no Projeto – tanto doutorandos quanto colaboradores – foram convidados a participar da escrita deste livro, que apresenta a evolução da pesquisa sobre temas relevantes na área dos Estudos da Tradução, no sentido de propiciar a formação de massa crítica qualificada, expandindo o interesse pela área. Este primeiro volume da Coleção Nas Trilhas da Tradução, intitulado Pesquisas em Tradução, está dividido em Sumário

8|Prefácio doze capítulos, que tematizam a tradução das perspectivas da linguística, do ensino e da literatura. No primeiro capítulo, Cardoso e Fáveri apresentam as obras de La Fontaine no Brasil, fazendo um levantamento das traduções em língua portuguesa das fábulas lafontainianas, relacionando essas traduções ao seu público alvo. No segundo capítulo, Fernandes trata do processo de tradução do texto poético, selecionando os poemas ‘Les effarés’, de Rimbaud (1984), e ‘Balõezinhos’, de Manuel Bandeira (1924), para um estudo descritivo de como os dois poemas são distribuídos com o intuito de apresentar propostas teóricas de classificação das relações textuais surgidas no século XX. No capítulo seguinte, O Outro Forster, iniciando uma tradução comentada, Oliveira e Costa trazem um estudo sobre tradução comentada, uma das áreas mais prolíficas dos Estudos da Tradução no Brasil. Objeto de discussão de vários críticos, escritores, historiadores e leitores, como, por exemplo, José Veríssimo, Otto Maria Carpeaux e Mário de Andrade, Maupassant e a tradução de sua obra no Brasil são revisitadas por Nóbrega e Torres em Guy de Maupassant no Brasil: uma questão de cânone. Alves e Freitas analisam a importância dos paratextos das edições de Brenno da Silveira e Clarice Lispector para a análise das traduções em Poe no Brasil. No sexto capítulo do livro, Gomes e Vasconcellos investigam as referências culturais nordestinas nas legendas do documentário “Saudade do Futuro” de Marie-Clémence e Cesar Paes (2000), debruçando-se, especificamente, sobre os “nós textuais de significado”. Queiroga, em A (in)visível presença: o tradutor no texto literário traduzido, trata da presença do tradutor no texto traduzido, isto é, do estilo do tradutor e de sua voz ou presença discursiva.

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Em Esferas de Conflito em Grande Sertão: Veredas: a representação de Joca Ramiro e Hermógenes, Alves e Vasconcellos investigam o perfil ideacional de ambos os líderes, a partir de categorias do sistema de transitividade da Linguística Sistêmico-Funcional Hallidayana, desvelando os processos verbais e relacionais que, respectivamente, denunciam a natureza de Joca Ramiro e Hermógenes e o papel de liderança que desempenham em seus bandos. O capítulo de Giesta visa analisar as concepções de alunos de cursos de graduação acerca da articulação entre ensino de inglês instrumental e tradução. No penúltimo capítulo, A retextualização da tradução automática de abstracts na aula de inglês instrumental, Santos examina o relato de alunos de inglês instrumental sobre o desempenho do Google Tradutor na tradução automática de abstracts, com o intuito de discutir até que ponto atividades de retextualização de tradução automática podem trazer benefícios para o ensino-aprendizagem de língua inglesa instrumental. Finalmente, o último capítulo, A tradução e suas relações com o ensino de línguas, de Branco, tem como principal objetivo apresentar atividades de ensino de língua inglesa utilizando estratégias e categorias de tradução implementadas no projeto de pesquisa “Estratégias de Tradução e sua Relação com o Ensino de Língua Estrangeira”, desenvolvido, sob a sua coordenação, no Programa de Pós-Graduação em Linguagem e Ensino da Universidade Federal de Campina Grande (UFCG). Marie Hélène Catherine TORRES Maura Regina da Silva DOURADO Sinara de Oliveira BRANCO

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Ana Cristina Bezerril CARDOSO Universidade Federal da Paraíba

Claudia Borges de FAVERI Universidade Federal de Santa Catarina

É impossível separar a história da tradução daquela das línguas, das culturas e das literaturas – ou ainda daquela das religiões e das nações. Antoine Berman

Partindo da ideia de Michel Butor1 de que a obra de arte não é nunca a expressão de um único indivíduo mas o resultado de uma reescritura, de uma colaboração secreta, múltipla e variada, consideramos La Fontaine, como o grande renovador do gênero fábula e o primeiro dos fabulistas franceses. Vejamos o que diz o próprio autor a esse respeito no prefácio da sua primeira coletânea de fábulas: Não foi Sócrates o único a considerar como irmãs a Poesia e as fábulas. Fedro também não deixou dúvidas a esse respeito, e pela excelência de sua obra podemos avaliar a do príncipe dos filósofos. Depois de Fedro, Avieno tratou do mesmo assunto. Por fim, seguiram-nos os modernos: temos exemplos não só entre os estrangeiros, como também entre nós. É verdade que quando os nossos trabalharam nisto, a língua era tão diferente da atual que não nos resta No 1°CD da Petite histoire de la littérature française, Michel Butor defende a idéia de que a obra de arte é o resultado de vozes múltiplas (faixas 4 e 5). 1

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senão considerá-los como estrangeiros. Isto não me desviou absolutamente do meu objetivo; ao contrário, animou-me a esperança de que, mesmo não me saindo bem desta empresa, pelo menos me seria concedida a glória de tê-la iniciado. (Fábulas, prefácio 1668)2

E ainda: A união faz a força. Quem diz não sou eu, mas sim o escravo frígio, que outrora escreveu o que abaixo transcrevo, e se alguma inserção acrescentei, não foi por querer tornar meu o que é dele somente. Essa vã pretensão teve Fedro, não eu, que só quis adaptar nossos costumes de hoje ao texto original... (livro IV, XVIII)3

La Fontaine deu vida nova a esse gênero literário e talvez por tê-lo feito tão bem, vigora a ideia de que sua obra se resume às duzentas e quarenta fábulas e de que seu fazer artístico é apenas de fabulista. Dandrey (2009, p. 192) considera esse privilégio concedido às fábulas um tanto quanto injusto, face à diversidade da inspiração de La Fontaine e à variedade dos gêneros nos quais o autor se expressou. Continuando o comentário, Dandrey lista a grande e diversificada produção lafontainiana: sessenta e quatro contos, um romance em prosa entremeado de versos, um idílio heróico, dois libretos de ópera, duas tragédias (uma lírica e outra incompleta), duas comédias, um balé Neste trabalho, adotamos a tradução do prefácio, de 1668, das fábulas de La Fontaine, feita por Eugênio Amado (Ed. Itatiaia 1989). 3 Do livro primeiro ao livro sétimo, as traduções são de Eugênio Amado, a partir do livro oitavo são de Milton Amado. (Ed. Itatiaia 1989) 2

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cômico, fragmentos de um sonho, um poema científico, três epístolas críticas em verso, um poema cristão, duas paráfrases de textos sagrados, um relato de viagem, seis elegias, sátiras, odes, baladas, madrigais, sonetos, canções, epitálamos e epigramas, um pastiche, traduções de versos latinos, cartas, muitos versos de circunstância e outras obras perdidas. Esse sucesso e predileção pelas fábulas pode ser confirmado através de suas reescrituras tanto na língua/ cultura fonte quanto na língua/cultura alvo. Consideramos reescrituras as categorias elencadas por Lefevère (2007, p. 17): tradução, edição e antologização de textos, compilação de histórias da literatura e obras de referência e de crítica. Neste artigo, nosso percurso será balizado pelas reflexões de André Lefevère tal como exposto em seu trabalho Tradução, reescrita e manipulação da fama literária. Além da tradução vista como reescritura, sua perspectiva de que existe a formação de uma imagem de um determinado autor no sistema literário de acolhida assim como existe também, a possibilidade de limitação do discurso literário provocada pelo componente ideológico presente nas traduções. La Fontaine chega pela primeira vez ao Brasil, por contrabando, no original em francês. De fato, suas fábulas aqui aportam no final do século XVIII, burlando o controle de Portugal sobre a circulação de impressos. E mesmo antes, em meados do século, uma coletânea de contos e novelas chega em terras brasileiras. As primeiras traduções de sua obra datam de um pouco mais tarde. Em que medida estas reescrituras, no sentido de Lefevère (2007), serão absorvidas pelo sistema literário brasileiro, contribuindo para a consolidação de uma dada imagem do autor francês, que imagem é esta e quanto ela permanece presente nos dias atuais, são os aspectos que tentaremos aprofundar nas páginas que seguem.

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Segundo Ivan Junqueira4, em uma palestra proferida na Academia Brasileira de Letras sobre o tradutor de poesia Abgar Renault, existe no Brasil uma tradição clássica de tradução que começou no século XIX com Odorico Mendes e com o Barão de Paranapiacaba. Através de investigações realizadas nos catálogos online da Biblioteca Nacional pudemos confirmar a afirmação do acadêmico, sobretudo no que diz respeito às traduções de La Fontaine, realmente suas traduções em português do Brasil começaram a ser feitas no século XIX. Descobrimos, contudo, tradutores brasileiros do autor francês anteriores ao Barão de Paranapiacaba, considerado como o primeiro tradutor no Brasil das fábulas lafontainianas. O resultado dessa pesquisa é o que mostraremos a seguir. Por uma questão de ordem cronológica, apontaremos primeiramente a presença das obras originais de La Fontaine no Brasil. Em seguida apresentaremos o levantamento das traduções em língua portuguesa das fábulas lafontainianas e para terminar relacionaremos essas traduções e o seu público alvo. A principal fonte de investigação utilizada neste trabalho foram os catálogos online da Fundação Biblioteca Nacional. Essa escolha foi feita porque o acervo, de livros, mais completo do país está ali reunido, e ainda porque boa parte dos catálogos está disponível para o público através da internet, o que facilita a pesquisa realizada a distância. A busca nos catálogos foi feita, inicialmente, a partir da entrada: La Fontaine. Em seguida, procuramos também através de outras entradas, isto é, nomes de alguns tradutores, quando sabíamos de antemão que eles haviam realizado traduções de fábulas do autor francês. Esse foi o caso de Monteiro Disponível em: http://www.academia.org.br/abl/cgi/cgilua.exe/sys/start.htm?i nfoid=4248&sid=530,acesso 11/03/12. 4

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Lobato e de Paulo Coelho. As traduções lobatianas não estão registradas como sendo traduções de La Fontaine, mas sim, como obra original do autor brasileiro. Uma explicação possível para Lobato ser catalogado como autor das fábulas lafontainianas seria o fato de Lobato também ter escrito fábulas. Quanto à versão das fábulas de Paulo Coelho, assim como as de Lobato, não foram catalogadas como sendo uma tradução, mas como obra original desse autor. É interessante observar nesses dois casos que as noções de autor e a de tradutor, confundem-se. Embora essa separação autor / tradutor pareça bem clara nos dias atuais, constatamos que na realidade a situação é diferente, sobretudo quando o tradutor é também autor. Os acervos da Biblioteca Nacional pesquisados foram respectivamente o acervo Obras Raras e o acervo Geral-Livros. A entrada nos catálogos era sempre feita através do link Autores-Pessoas → La Fontaine. Essa escolha foi feita por uma questão metodológica e cronológica. Vejamos os resultados obtidos:  1° Acervo pesquisado: Obras Raras → Catálogo Antigo Obras Raras (obras catalogadas de 1945 a 1981) através da entrada Autores-Pessoas → 16 Hits encontramos para: lafontaine, jean de..  2° Acervo pesquisado: Obras Raras → Catálogo de Obras Raras (obras catalogadas a partir de 1982) através da entrada Autores-Pessoas →0 Hit para: lafontaine, jean de.;  3° Acervo pesquisado: Geral-Livros → Catálogo Antigo através da entrada Autores-Pessoas →6 Hits para: lafontaine, jean de., e 26 Hits para: lafontaine, jean de, 1621-1695.  4° Acervo pesquisado: Geral-Livros → Catálogo Corrente através da entrada Autores-Pessoas → 35 Hits para: lafontaine, jean de.;

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5° Acervo pesquisado: Geral-Livros → pesquisa livre → Monteiro Lobato fábulas →38 Hits para: Lobato, Monteiro. 6° Acervo pesquisado: Geral-Livros → pesquisa livre → Paulo Coelho fábulas →1 Hits para: Coelho, Paulo.

Afora a pesquisa nos catálogos da Biblioteca Nacional (doravante BN), investigamos alguns sites de venda de livros usados. Os livros encontrados foram praticamente os mesmos livros que estão catalogados na BN, salvo uma tradução de 1926 de autoria de Luiz Antonio dos Santos, sem editora. Outra publicação não registrada pela BN é a antologia de autores variados lançada pela editora BrasilAmérica do Rio de Janeiro em 1968.

Obras originais de La Fontaine no Brasil A primeira presença de que se tem notícia sobre um livro de La Fontaine no Brasil é bastante curiosa, data do século XVIII, ano de 1794 na cidade do Rio de Janeiro. Essa informação foi encontrada em uma série de docudramas de 10 episódios, feita para a TV Brasil em 2009, chamada Histórias do Brasil. No 6° episódio intitulado Leituras Perigosas, encontramos a história de um cirurgião, Manuel Toledo, que decide burlar o controle da Metrópole sobre a circulação de livros. Ele quer fazer circular obras literárias e compra de um contrabandista uma edição das Fábulas de La Fontaine5. Embora não tenhamos conseguido comprovar esse fato em relação ao livro de La Fontaine, Gomes (2007, p. 122) faz referência à extinção da Sociedade Literária do Rio Disponível em: http://tvbrasil.org.br/historiasdobrasil/ hotsite/episodio.php?ep=6, acesso em 09/03/12. 5

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de Janeiro exatamente no ano de 1794. Essa sociedade fora criada em 1786 com o apoio do vice-rei D. Luís de Vasconcelos e Sousa. A historiadora e professora Lúcia Bastos6, comentando sobre o final conturbado do século XVIII e o início do século XIX, afirma que àquela época, novas ideias estavam circulando com a independência dos Estados Unidos e com a Revolução Francesa e que no Brasil colônia, a livre circulação de livros era proibida, sendo por esse motivo, muito difícil o exercício da atividade de livreiro ou a existência de livrarias. Na América portuguesa, havia o medo de se vender qualquer tipo de livro uma vez que estes poderiam conter, como se dizia na época, as ideias perigosas dos abomináveis princípios franceses. No entanto, apesar de todas essas dificuldades, afirma Bastos, havia livros circulando. Essa afirmação é confirmada por Cláudia Heynemann, historiadora e pesquisadora do Arquivo Nacional7. Segundo Heynemann “os livros vinham de navio, mesmo. Ou por contrabando ou por americanos que tinham estado na Europa, ou por importações, ou por europeus que vinham.” Ou seja, malgrado a proibição imposta por Portugal, havia livros circulando em Portugal e no Brasil colônia. Havia bibliotecas na colônia e algumas continham, de acordo com Heynemann, “todos os autores franceses que eram, justamente, aqueles proibidos no Índex”. Heynemann cita como exemplo a biblioteca do Marquês de Pombal, que segundo ela, continha livros proibidos. A partir do levantamento realizado nos catálogos online da BN, podemos afirmar que a obra mais antiga do fabulista francês no Brasil data de 1743. Trata-se de um livro Disponível em: http://tvbrasil.org.br/historiasdobrasil/ hotsite/episodio.php?ep=6#hist, acesso em 09/03/12. 7 Disponível em: http://tvbrasil.org.br/historiasdobrasil/ hotsite/episodio.php?ep=6#hist, acesso em 09/03/12. 6

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de Contos e Novelas em verso, escrito em francês e publicado em Londres. Certamente essa obra pertencera ao acervo da biblioteca real portuguesa visto que possui o carimbo da Real Bibliotheca. Segundo Gomes (2007, p. 75-76) a biblioteca real de Portugal era uma das mais extraordinárias da Europa e seu acervo era de 60.000 volumes. O autor comenta ainda que ao fugir de Portugal em 1807 D. João VI tivera a intenção de trazer todo o acervo da biblioteca, porém, com a pressa da partida, vários caixotes de livros ficaram esquecidos no cais de Lisboa. Somente em 1811, com a vinda do arquivista real, Luiz Joaquim Marrocos, chegou a segunda e última remessa de livros. Composto por um número considerável de 31 livros, o acervo de obras originais de La Fontaine é basicamente formado por obras raras e antigas. Catalogado entre as obras em francês, há também um livro em esperanto, editado em 1906, trata-se de uma tradução de G. Vaillant de uma seleção de fábulas. Segundo as informações contidas nas fichas catalográficas da BN, alguns livros do século XVIII de autoria de La Fontaine também pertenceram à Real Bibliotheca portuguesa, visto que possuem o carimbo dessa biblioteca real. Outros livros de La Fontaine publicados no século XIX e catalogados na BN contêm uma dedicatória a D. Pedro II, isso significa que esses volumes provavelmente compunham sua biblioteca particular. Pensando no conceito de alta e baixa literatura ao qual se refere Lefevère (2007, p.15), podemos observar que desde essa época, séculos XVIII e XIX, a obra de La Fontaine é considerada alta literatura uma vez que está presente nas bibliotecas reais e que é fonte de reescrituras. Segundo esse autor, a divisão entre alta literatura e baixa literatura teria aparecido em meados do século XIX e também teria gerado uma divisão entre alta e baixa reescritura de literatura.

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Autor La Fontaine

La Fontaine

La Fontaine

La Fontaine

Título Contes et nouvelles en vers • carimbo da Real Bibliotheca Fables choisies et mises en vers • carimbo da Real Bibliotheca Contes et nouvelles en vers • carimbo da Real Bibliotheca (Casa do Infantado) Fables choisies et mises en vers

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Ano 1743

Editor Londres : [s.n.]

1756

Paris: Chez Desaint et Saillant

1762

Amsterdam : [s.n.]

1792

Lausanne: Chez François Lacnube

Quadro 1: obras do século XVIII em francês

Como mostra o quadro acima, das quatro publicações de La Fontaine existentes nos catálogos da BN, do século XVIII, três contêm o carimbo da Real Bibliotheca. Isto quer dizer que esses livros chegaram ao Brasil no início do século XIX, entre 1808 e 1811, ou seja, o ano da chegada da família real portuguesa ao Brasil e o ano da chegada da segunda remessa de livros. Já o livro Fables choisies et mises en vers que não contém o carimbo da biblioteca real, talvez tenha pertencido a uma biblioteca particular. Desses quatro livros, dois são de fábulas e dois de contos e novelas. O livro Contes et nouvelles en vers, editado em Amsterdam no ano de 1762 foi catalogado em dois acervos: o acervo Obras Raras → Catálogo Antigo Obras Raras; e o acervo Geral-Livros→ Catálogo Antigo. Os outros três livros foram catalogados apenas no acervo Geral-Livros → Catálogo Antigo.

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Autor La Fontaine

Título Fables de La Fontaine

Ano 1839

La Fontaine La Fontaine La Fontaine

Fables et œuvres diverses

1846

Fables

1855

Le premier livre des fables de La Fonatine

1874/75

La Fontaine Autor suposto La Fontaine La Fontaine Esopo

Œuvres... théâtre, fables, poésies Les intrigues de Molière et celles de sa Femme ou La Fameuse comédienne • dedicado à D. Pedro II Fables de La Fontaine

1877

Fables choisies d’Esope. Nouvelle éd. Classique en vue de l’étude simultanée de la grammaire et des racines, suivie des fables imitées d’èsope par La Fontaine et d’un lexique nouveau Psyché

1878

Fables

1883

Contes de La Fontaine avec des illustrations de Fragonard Fables

1884

Paris: A. Le Vasseur

1885

Contes et nouvelles en vers

1895

Paris: Librairie des Bibliophiles Paris: A. Le Vasseur et cie.

La Fontaine La Fontaine La Fontaine La Fontaine La Fontaine

1877

Paris: Isidore Liseux

1877

Tours: Alfred Mme. et Fils Paris: Garnier

1880

Quadro 2: obras do século XIX em francês

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Editor Paris: Armand Aubrée Paris: Lib. de F. Didot Frères Paris: Garnier Frères Paris: Lib. de L’éche de la Sorbonne Paris: Laplace

Paris: Librairie des Bibliophiles Paris: E. Plen

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Conforme se vê no quadro acima, são em número de treze as obras de La Fontaine publicadas no século XIX catalogadas na BN. A maioria dos volumes é de fábulas, oito ao todo. Há um livro de obras diversas, um sobre Molière e La Fontaine, de suposta autoria de La Fontaine e que foi dedicado a D. Pedro II, dois livros de contos e Psyché, um romance em prosa entremeado de versos, segundo o próprio autor, um récit poétique. Todos os livros foram editados na capital francesa, à exceção de um de fábulas que foi publicado em Tours. Das treze obras, cinco estão catalogadas no acervo Obras Raras → Catálogo Antigo Obras Raras e oito estão no acervo Geral-Livros → Catálogo Antigo. Curiosamente a obra Fables choisies d’Esope, de autoria do escritor grego, aparece na pesquisa → La Fontaine, fato que poderia ser explicado devido à inclusão das versões lafontainianas das fábulas gregas. Ainda nessa coleção há um livro raro de contos ilustrados por Fragonard, pintor francês de estilo rococó, do século XVIII. Autor/Tradutor La Fontaine • trad. G. Vaillant La Fontaine La Fontaine La Fontaine La Fontaine La Fontaine La Fontaine

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Título Elektitaj fabeloj, de De La Fontaine Fables de La Fontaine Fables

Ano 1906

Editor Paris: Hachette

1906

Fables de La Fontaine Contes et nouvelles Fables Fables de La Fontaine et d’autres fabulistes français

1929

Paris: Jules Tallandier Paris: Lib. A. Quillet Paris: Aux depens d’un amateur Paris: Editions Nilsson Paris Rio de Janeiro: Liv. Paulo de Azevedo & c.

1928

1931 1941? 1943?

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Les fables de La 1944 Fontaine Œuvres La Fontaine 1948 diverses ; • texte établi et annoté par P. Clarac La Fontaine par 1961 La Fontaine lui même Quadro 3: obras do século XX em francês La Fontaine

Rio de Janeiro: Americ-edit Paris: Gallimard

Paris: Ed. du Seuil

Entre as dez publicações elencadas no Quadro 3, catalogadas no acervo da BN, sete são de fábulas de La Fontaine sendo oito editadas em Paris e duas editadas em língua francesa na cidade do Rio de Janeiro. Como já mencionamos anteriormente, catalogado entre os originais de La Fontaine, encontra-se uma tradução, Elektitajfabeloj, em esperanto, feita por G. Vaillant. Trata-se de uma seleção de fábulas do autor francês. Dentro da série Écrivains de toujours da editora Éditions du Seuil, está o livro de 1961 La Fontaine par lui-même. Essa série publicou a biografia de 55 escritores. A biografia de La Fontaine tem apresentação de Pierre Clarac e foi editada8 cinco (5) vezes; em 1961, 1962, 1963,1966 e 1967. A coletânea Œuvres diverses de 1948 é outro livro sobre as obras de La Fontaine anotado e comentado por Pierre Clarac.

Disponível em: http://www.worldcat.org/title/fontaine-par-lui meme/oclc/804380/editions?editionsView=true&referer=br. Acesso em 17/03/12. 8

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Autor La Fontaine Joseph Xavier Boniface Saintine; conhecido como La Fontaine

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Título Fables Les deux pigeons, comédie-vaudeville, em quatre actes, imités de La Fontaine

Ano s.d. s.d.

Editor s.n. Marais: Imp. De Va DondeyDupré

Fables poétique choisies

s.d.

Fables • illustrées d’aquerelles par Jacques Touchet Quadro 4: livros sem data em francês

s.d.

Paris: Desaint& Saillant Paris: Aux éditions de la Belle Étoile

La Fontaine

Desses quatro livros sem data, elencados no Quadro 4, dois pertencem ao acervo Obras Raras → Catálogo Antigo Obras Raras e dois ao acervo Geral-Livros → Catálogo Antigo. Pelas pesquisas realizadas até o momento, embora não tenhamos a certeza do ano de edição, podemos deduzir que são publicações do século XVIII ou do século XIX visto que estão catalogados no acervo de obras raras e de obras antigas. Obras traduzidas de La Fontaine no Brasil Tomando como referência o acervo da BN, pode-se dizer que, no Brasil, as obras de La Fontaine começaram a existir em língua portuguesa no século XIX e que, desde então, nunca deixaram de ser traduzidas. A tradução mais antiga de uma obra lafontainiana catalogada na BN, data de 1839, e o suposto tradutor é Francisco Manoel do Nascimento. Composto por um total de oitenta e nove livros, o grupo das obras traduzidas de La Fontaine, tem como característica ser formado por um único gênero literário, isto Sumário

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é, o gênero fábula. Para os leitores brasileiros que não lêem em francês, é como se La Fontaine só tivesse escrito fábulas. Com o grande número de traduções ao longo do século XX e começo do século XXI, apesar de serem classificadas como literatura infanto-juvenil, as fábulas de La Fontaine continuam fazendo parte do cânone literário no Brasil. Entendemos como cânone literário, obras ou autores que fazem parte de um sistema literário porque são considerados como modelo da poética codificada por aquele sistema. Segundo Lefevère, (2007, p. 43) “a canonização influencia grandemente a disponibilidade de uma obra literária”. Daí, a inclusão das fábulas lafontainianas em coleções de clássicos literários universais, como, por exemplo, a coleção Grandes obras da cultura universal: clássicos de sempre da editora Itatiaia de Belo Horizonte. O fato de somente as fábulas serem traduzidas no Brasil confirma o pensamento de Lefevère quanto ao poder das reescrituras: No passado, assim como no presente, reescritores criaram imagens de um escritor, de uma obra, de um período, de um gênero e, às vezes, de toda uma literatura. Essas imagens existiam ao lado das originais com as quais elas competiam, mas as imagens sempre tenderam a alcançar mais pessoas do que a original correspondente e, assim, certamente o fazem hoje. (2007, p. 18-19)

Devido ao grande número de traduções de La Fontaine nos acervos da BN, são oitenta e nove volumes ao todo, apresentaremos no corpo deste trabalho apenas o quadro detalhado das publicações do século XIX. Quanto aos séculos XX e XXI, apresentaremos um comentário resumido das traduções.

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Pesquisas em Tradução

Tradutor Tradução [sup.] de Francisco Manoel do Nascimento

Título Fábulas escolhidas de La Fontaine

Ano 1839

Justiniano José da Rocha

Collecção de Fabulas imitadas de Esopo e de La Fontaine • dedicada a S. M. o Imperador D. Pedro II e oferecida à mocidade das escolas Collecção de fábulas imitadas de Esopo e de La Fontaine • dedicada a S. M. o Imperador D. Pedro I I – 3ª Edição Collecção de Fabulas imitadas de Esopo e de La Fontaine • dedicada a S. M. o Imperador D. Pedro II. Nova edição adoptada para leitura das escolas municipais da corte

1852

Justiniano José da Rocha

Justiniano José da Rocha

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Editor Rio de Janeiro: Typographia, Chalcographia e Livraria da Educação de C. H. Furay Rio de Janeiro: Typographia Episcopal de Agostinho de Freitas Guimarães

1863

Rio de Janeiro: Typographia Nacional

1873

Rio de Janeiro: Typographia Cinco de Março

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1883

Rio de Janeiro: Typographia Nacional

Vários tradutores

O 1° livro das fábulas • vertidas do francez e offerecidas ao governo imperial para uso das escolas de instrucção primária Fábulas de La Fontaine

1886

Barão de Paranapiacaba

Fábulas de La Fontaine

1886

Lisboa, Rio de Janeiro: David Corazzi ; José de Mello Rio de Janeiro: Imprensa Nacional

Barão de Paranapiacaba

Quadro 5: livros do século XIX em português

O acervo da BN de obras de La Fontaine traduzidas para o português no século XIX é composto por sete livros. A partir do Quadro 5 podemos constatar que todas as obras de La Fontaine em português são traduções de fábulas. Apesar de editada no Rio de Janeiro, a tradução mais antiga que ali existe é portuguesa. Ela é atribuída ao Padre Francisco Manoel do Nascimento9, um clérigo lisboeta nascido em 1734 que, fugindo da inquisição, viveu em Paris até a sua morte em 1819. Por ordem cronológica, a segunda tradução mais antiga é a de Justiniano José da Rocha, o primeiro brasileiro a traduzir no Brasil uma imitação de fábulas de La Fontaine. Seu trabalho foi dedicado a D. Pedro II e destinado ao uso em escolas primárias, tendo sido editado quatro vezes, uma

Disponível em: http://www.dec.ufcg.edu.br/ FilintEl.html. Acesso em 10/03/12. 9

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biografias/

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delas em 190710. Talvez pelo fato de ter traduzido, em verso, a totalidade das fábulas, João Cardoso de Menezes e Sousa, o Barão de Paranapiacaba, é considerado como o primeiro tradutor brasileiro de La Fontaine. A partir das traduções do século XIX, é interessante sublinhar a mudança de status da obra de La Fontaine no Brasil. Com o passar do tempo, as fábulas deixaram de ser leitura proibida, para ser leitura oficial adotada nas escolas municipais da corte além de fazer parte da biblioteca pessoal do Imperador.

Século XX e século XXI As traduções de La Fontaine do século XX catalogadas na BN somam um total de 60 publicações. Vinte e seis livros são traduções de diversos autores e trinta e quatro de Monteiro Lobato. A primeira tradução de Lobato data de 1922. Essa tradução foi reeditada com frequência e continua a sê-lo. A última tradução lobatiana de fábulas de La Fontaine, catalogada na BN, é uma edição de 2010 e trata-se de um audiolivro. Pelo que podemos constatar nos catálogos, há anos em que houve mais de uma edição das fábulas de Lobato. Assim como no século precedente, no século XXI as vinte e duas traduções de La Fontaine são de fábulas. Dessas vinte e duas traduções, dezoito foram realizadas por autores variados e quatro são reedições de Lobato. Alguns autores brasileiros além Monteiro Lobato e de Paulo Coelho, já citados anteriormente, traduziram fábulas lafontainianas. Entre eles estão Machado de Assis, Ferreira Gullar e Mário Laranjeira.

Disponível em: http://www.cdpb.org.br/dic_bio_biblio grafico_rochajustiniano.html. Acesso em 10/03/12 10

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Várias traduções são adaptações direcionadas para o público infantil. Algumas editoras como a Kuarup de Porto Alegre, a Escala Educacional, a Rideel, e a Scipione, todas editoras de São Paulo, lançaram suas adaptações de fábulas do autor francês. Público alvo O público alvo brasileiro de traduções de fábulas de La Fontaine desde o século XIX sempre foi o infanto-juvenil. As primeiras traduções brasileiras de La Fontaine, tanto a tradução de Justiniano José da Rocha quanto à tradução do Barão de Paranapiacaba, todas foram direcionadas ao público escolar. Mas, e quanto ao gênero textual das traduções? Teria um público alvo força para mudar o gênero textual de um texto fonte? Ao analisar as fichas catalográficas da BN, pudemos constatar que poucas traduções de La Fontaine são em verso, excetuando-se um pequeno número, a maioria é de adaptações em prosa. Logo, a resposta à pergunta, formulada anteriormente, é sim. A mudança no gênero textual do texto fonte talvez possa ser explicada pelo público alvo ao qual é direcionada a tradução, mas não apenas, é preciso sublinhar. O fato de a grande maioria das reescrituras brasileiras atuais serem em prosa seria explicado pelo seu público alvo, mas também por características de nosso sistema literário.

Conclusão Ao analisar as fichas catalográficas da BN de traduções de La Fontaine para o português brasileiro, pudemos constatar mais fortemente o poder das reescrituras na criação de algumas imagens atreladas ao autor. Em primeiro lugar, a Sumário

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imagem construída pelas reescrituras de La Fontaine no Brasil, é restrita a de um escritor de fábulas. Em segundo lugar, poucas são as traduções em verso, excetuando-se um pequeno número, a grande maioria é de adaptações em prosa. Ou seja, a imagem das fábulas lafontainianas em terras brasileiras é a de fábulas escritas em prosa. Em terceiro lugar, outra imagem predominante no Brasil é a de que as fábulas de La Fontaine são exclusivamente literatura infantojuvenil. Não queremos indicar com isso que La Fontaine não tenha um público leitor infanto-juvenil, em seu país de origem como em outros. Mas diferentemente daqui, em muitos outros países, e sobretudo na França, suas obras também são dirigidas ao público adulto. Constatamos, ainda, que várias edições recentes das fábulas são, na realidade, reedições de antologias antigas. Essas reedições são todas compostas pelas mesmas fábulas e pelas mesmas traduções. Os tradutores são escritores brasileiros e portugueses do século XIX. Geral-mente essas antologias possuem ilustrações de Gustave Doré, artista francês também do século XIX. Ou seja, não há mais direitos autorais a pagar nem para os tradutores nem para o ilustrador. A história das obras de La Fontaine no Brasil é, portanto, uma história construída através de suas reescrituras. A imagem do autor francês por aqui está reduzida a de um fabulista infanto-juvenil. Essa construção é resultado de diversos fatores que interagem em nosso sistema literário, no qual tradutores, editores e leitores estão envolvidos. As investigações nos catálogos da BN evidenciam a grande importância da tradução como componente fundamental do sistema literário brasileiro, na medida em que o forma e modifica a partir de seu fluxo complexo, na interação com os demais atores do sistema e na construção, muitas vezes inconsciente, de imagens próprias de uma literatura e autor estrangeiros. Sumário

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Referências BERMAN, Antoine. A prova do estrangeiro: cultura e tradução na Alemanha romântica. Trad. Maria Emília Pereira. Bauru: Editora da Universidade do Sagrado Coração, 2002. BUTOR, Michel. Petite histoire de la littérature française. Coffret composto por 6 CDs, 1 DVD e 1 livro. Paris : Carnets Nord, 2008. DANDREY, Patrick. Quand Versailles était conté - La cour de Louis XIV par les écrivains de son temps. Paris :Les belleslettres, 2009. GOMES, Laurentino. 1808: como uma rainha louca, um príncipe medroso e uma corte corrupta enganaram Napoleão e mudaram a história de Portugal e do Brasil. São Paulo: Editora Planeta do Brasil, 2007. LA FONTAINE, Jean de. Fábulas de La Fontaine. Trad. Milton Amado e Eugênio Amado. Belo Horizonte: Itatiaia, 1989. LEFEVERE, André. Tradução, reescrita e manipulação da fama literária. Trad. Claudia Matos Seligmann. Bauru, SP: Edusc, 2007.

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Aglaé FERNANDES Universidade Federal da Paraíba

Ao estrear em 1917, com A cinza das horas, Manuel Bandeira (1886-1968) tinha mais de trinta anos de idade e já acumulava boa experiência como leitor de poesia. Esta maturidade intelectual aliada a um especial talento para a assimilação de técnicas e estilos diversos favoreceu suas atividades de poeta. De fato, encontra-se em sua obra poética número elevado de textos assumidamente derivados de temas, estilos e técnicas característicos de outros autores. Para além das usuais paródias geralmente presentes nas obras de poetas da primeira fase modernista, a poética de Bandeira é marcada por uma frequência incomum de transtextualidades. Este traço técnico-estilístico presente na obra aponta para um projeto poético deliberadamente focado no dialogismo. Dentre as propostas teóricas de classificação das relações textuais surgidas no século XX, a proposta de Gérard Genette, em Palimpsestes (1982:11-12), parte da noção de hipertextualidade, que ele define como sendo “toute relation unissant un texte B à un texte antérieur A sur lequel il se greffe d’une manière qui n’est pas celle du commentaire”. Em seguida, o teórico distingue as relações de transformação e imitação que unem os textos anteriores, hipotextos, aos posteriores, hipertextos. Essas relações estão classificadas segundo o regime ou funções, a saber: lúdico, satírico e sério. Acerca das relações entre textos, Berman (2007; p. 34) avalia sua conexão com a tradução: Sumário

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Um texto pode imitar um outro texto, fazer um pastiche, uma paródia, uma recriação livre, uma paráfrase, uma citação, um comentário, ou ser uma mescla de tudo isso. Como mostraram Bakhtin, Genette ou Compagnon, há uma dimensão essencial da “literatura”. Todas essas relações hipertextuais se caracterizam por uma relação de engendramento livre, quase lúdico, a partir de um “original”. Ora, do ponto de vista da estrutura formal, essas relações estão muito próximas da tradução.

Bandeira não tinha nenhum pudor em jogar, brincar com os textos de outros poetas. Ele recorria às transtextualidades, ora desautomatizando clichês, ora como instrumentos que promoviam, virtualmente, a dilatação do seu próprio texto. Isto parecia constituir um verdadeiro laboratório de experimentos lúdico-poéticos que, ao longo dos anos, afinaram o poeta e o tradutor de poesia. Um dos inúmeros exemplos está neste despretensioso A Guimarães Rosa (BANDEIRA, 2009, p. 344), que retoma e modifica os célebres versos da Canção do Exílio, de Gonçalves Dias: Não permita Deus que eu morra Sem que ainda vote em você; Sem que, Rosa amigo, toda Quinta-feira que Deus dê, Tome chá na Academia Ao lado de vosmecê, (...).

Outro exemplo é o da Balada das Três Mulheres do Sabonete Araxá, sobre a qual Bandeira disse que “O trabalho de composição está em eu ter adequado às circunstâncias de minha vida fragmentos de poetas queridos e decorados em minha adolescência – Bilac, Castro Alves, Luís Delfino,

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Eugênio de Castro, Oscar Wilde”. (BANDEIRA, 2009, p. 600601). Em um estudo detalhado dos hipertextos de sua obra será possível encontrar todos os tipos categorizados por Genette. Algumas vezes, as transtextualidades estão anunciadas nos títulos, como em Nietzschiana; Poema desentranhado de uma prosa de Augusto Frederico Schmidt; Haicai tirado de uma falsa lira de Gonzaga; Soneto plagiado de Augusto Frederico Schmidt etc. A última parte do Mafuá do Malungo tem o título “À maneira de”, cujos poemas trazem no título o nome do poeta homenageado, indicando o estilo a partir do qual Bandeira compõe seu poema, a saber: Alberto de Oliveira; Olagário Mariano; Augusto Frederico Schmidt e E.E.Cummings. Sobre este aspecto da poética bandeiriana, Lêdo Ivo ( 2009, p. CCII) comentou: Note-se que o virtuosismo parodístico integra a constelação das habilidades de Bandeira, notável tradutor, adaptador e até desentranhador de poemas ocultos na prosa. E uma de suas realizações mais pessoais, o “Profundamente”, é na realidade uma transplantação comovente e magnífica de certos poemas do Spoon River Anthology, do poeta norte-americano Edgar Lee Masters, especialmente “The Hill” (...).

Massaud Moisés (2009, p. CCXVIII), não deixou de perceber que (...) Casimiro de Abreu empresta-lhe dois versos inteiros em “Cotovia” – “Aurora da minha vida,/ Que os anos não trazem mais!” -; Sá de Miranda, outros tantos (“Elegia de verão”): “Ó sol grande. Ó coisas./ Todas vãs, todas mudaves!”.

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Alguns hipertextos foram escritos e publicados com a expressa intenção de chacotear a “velha poesia” e divulgar o espírito lúdico largamente ostentado nos primeiros anos após a Semana. Sobre o poema Os sapos, Bandeira (2009, p. 579) confessou: A propósito desta sátira, devo dizer que a dirigi mais contra certos ridículos do pós-parnasianismo. É verdade que nos versos A grande arte é como Lavor de joalheiro parodiei o Bilac da “Profissão de fé” (“Imito o ourives quando escrevo...”). Duas carapuças havia, endereçada uma ao Hermes Fontes, outra ao Goulart de Andrade.

Adiante, ele comenta (op.cit., p. 580) Naturalmente a sátira dos ”Sapos” estava a calhar como número de combate e, com efeito, por ocasião da Semana de Arte Moderna, três anos depois, foi o meu poema bravamente declamado no Teatro Municipal de São Paulo pela voz de Ronald de Carvalho sob os apupos, os assobios, a gritaria de “foi não foi” da maioria do público, adversa ao movimento.

Três paródias, denominadas por Bandeira de “traduções para o moderno”, foram publicadas pela primeira vez em 1925, na seção “Mês modernista” do jornal A noite. Seguem os hipotextos de Bocage, Castro Alves e Joaquim Manuel de Macedo, a partir dos quais Bandeira criou os hipertextos, que aparecem à direita:

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Bocage

Bandeira

Se é doce no recente, ameno Estio Ver toucar-se a manhã de etéreas flores, E, lambendo as areias e os verdores, Mole e queixoso deslizar-se o rio; Se é doce o inocente desafio Ouvirem-se os voláteis amadores, Seus versos modulando e seus ardores Dentre os aromas de pomar sombrio; Se é doce mares, céus ver anilados Pela quadra gentil, de Amor querida, Que esperta os corações, floreia os prados, Mais doce é ver-te de meus ais vencida, Dar-me teus brandos olhos desmaiados Morte, morte de amor, melhor que a vida.

Doçura de, no estio recente, Ver a manhã toucar-se de flôres, E o rio mole queixoso Deslizar, lambendo areias e verduras: Doçura de ouvir as aves Em desafio de amôres cantos risadas Na ramagem do pomar sombrio

Adeus de Teresa - Castro Alves

Teresa – Bandeira

A vez primeira que vi Teresa, Como as plantas que arrasta a correnteza, A valsa nos levou nos giros seus... E amamos juntos... E depois na sala "Adeus" eu lhe disse a tremer co'a fala... E ela, corando, murmurou-me: "adeus".

A primeira vez que vi Teresa Achei que ela tinha pernas estúpidas Achei também que a cara parecia uma perna Quando vi Teresa de novo Achei que os olhos eram muito mais velhos que o resto do corpo

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Uma noite... entreabriu-se um reposteiro... E da alcova saía um cavaleiro Inda beijando uma mulher sem véus... Era eu... Era a pálida Teresa! "Adeus" lhe disse conservando-a presa... E ela entre beijos murmurou-me: "adeus!" Passaram tempos... séculos de delírio Prazeres divinais... gozos do Empíreo... ...Mas um dia volvi aos lares meus. Partindo eu disse – "Voltarei! descansa!..." Ela, chorando mais que uma criança, E ela em soluços murmurou-me: "adeus!" Quando voltei... era o palácio em festa!... E a voz d'Ela e de um homem lá na orquestra Preenchiam de amor o azul dos céus. Entrei!... Ela me olhou branca... surpresa! Foi a última vez que vi Teresa!... E ela arquejando murmurou-me: "adeus!"

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(os olhos nasceram e ficaram dez anos esperando que o resto do corpo nascesse) Da terceira vez não vi mais nada Os céus se misturaram com a terra E o espírito de Deus voltou a se mover sobre a face das águas

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Macedo

Bandeira

Mulher, irmã, escuta-me: não ames. Quando a teus pés um homem terno e curvo Jurar amor, chorar pranto de sangue, Não creias, não mulher: ele te engana! As lágrimas são galas de mentira E o juramento manto da perfídia.

Teresa, se algum sujeito bancar o sentimental em cima de você E te jurar uma paixão do tamanho de um bonde Se ele chorar Se ele se rasgar todo Não acredita não Teresa Se ele se ajoelhar É lágrima de cine É tapeação Mentira CAI FORA.

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Há caso em que a relação com outro texto vem citada em epígrafe, como no poema Alegria de Nossa Senhora, de Opus 10 (1952), onde se lê “(texto de oratório extraído do poema de uma monja carmelita)”. Verifica-se também inúmeros casos de auto-hipertextualidade, a exemplo dos poemas Nova poética, que tem como hipotexto o poema Poética, ou em Antologia, este último composto inteiramente de versos de outros poemas. À parte os hipertextos antecipados pelos títulos ou indicados por outros elementos nos poemas, encontramos em O ritmo dissoluto (1924) um caso particular de hipertextualidade no poema Balõezinhos. Nele, o leitor avisado não pode deixar de perceber o quanto este texto carrega uma poeticidade que, sob diversos aspectos, se aproxima do poema “Les effarés”, de Rimbaud, (publicado em Les poètes maudits, em 1884). Seguem os poemas:

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Balõezinhos Na feira-livre do arrabaldezinho Um homem loquaz apregoa balõezinhos de cor: - "O melhor divertimento para as crianças!" Em redor dele há um ajuntamento de menininhos pobres, Fitando com olhos muito redondos os grandes balõezinhos muito redondos. No entanto a feira burburinha. Vão chegando as burguesinhas pobres, E as criadas das burguesinhas ricas, E as mulheres do povo, e as lavadeiras da redondeza. Nas bancas de peixe, Nas barraquinhas de cereais, Junto às cestas de hortaliças O tostão é regateado com acrimônia. Os meninos pobres não vêem as ervilhas tenras, Os tomatinhos vermelhos, Nem as frutas, Nem nada. Sente-se bem que para eles ali na feira os balõezinhos de cor são a única mercadoria útil [e verdadeiramente indispensável. O vendedor infatigável apregoa: - "O melhor divertimento para as crianças!" E em torno do homem loquaz os menininhos pobres fazem um círculo inamovível de desejo [e espanto. Les Effarés Noirs dans la neige et dans la brume, Au grand soupirail qui s’allume,

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Leur culs en rond, À genoux, cinq petits, - misère ! – Regardent le boulanger faire Le lourd pain blond. Ils voient le fort bras blanc qui tourne La pâte grise, et qui l’enfourne Dans un trou clair. Ils écoutent le bon pain cuire. Le boulanger au gra sourire Chante un vieil air. Ils sont blottis, pas un ne bouge, Au souffle du soupirail rouge, Chaud comme un sein. Quand, pour quelque médianoche, Façonné comme une brioche, On sort le pain, Quand, sur les poutres enfumées, Chantent les croûtes prfumées, Et les grillons, Comme ce trou chud souffle la vie, Ils ont leur âme si ravie, Sous leurs haillons, Ils se sentent si bien vivre, Les pauvres Jésus pleins de givre, Qu’ils sont là, tous, Collant leurs petits museaux roses Au grillage, grognant des choses Entre les trous,

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Tous bêtes, faisant leurs prières, Et repliés vers ces lumières Du ciel rouvert, Si fort, qu’ils crèvent leur culotte, Et que leur chemise tremblote Au vent d’hiver.

Os poemas "Les effarés" e "Balõezinhos" se distinguem, em primeiro lugar, pela forma. O primeiro, em forma fixa, é composto de doze tercetos, cujos primeiro e segundo versos são octossílabos e o terceiro tetrassílabo. Quanto à rima, obedece ao padrão aab ccb, ou seja o tetrassílabo da primeira estrofe rima com o da segunda, o da terceira com o da quarta e assim sucessivamente. Já o poema de Bandeira é composto de versos livres dispostos em seis estrofes, em que as quatro primeiras são quadras. A quinta tem um só verso e a última três versos. A diferença formal aponta, em cada um dos poemas, para o momento histórico-literário dos poetas: Rimbaud parnasiano e Bandeira deixando sua fase parnasiana e consolidando sua fase modernista. Ao fazermos uma leitura mimética dos poemas, percebemos uma distinção evidente do ponto de vista temático. Em “Les effarés”, Rimbaud colhe um instantâneo de uma cena quotidiana, onde cinco meninos observam, através de uma clarabóia, o interior de uma padaria onde um padeiro prepara pães. Em Balõezinhos, Bandeira foca as imagens de uma feira livre, onde um grupo de meninos observa balõezinhos de cor que são oferecidos por um vendedor. Observamos que os temas de onde partem os dois poemas são evidentemente diversos, porém os dois textos revelam uma derivação hipertextual. O olhar do grupo de crianças, focado em um objeto que representa o seu desejo, Sumário

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aparece no poema de Bandeira, resgatando aquele visto no poema de Rimbaud. Mas se esse olhar coletivo ante o objeto do desejo é comum aos dois poemas, a maneira com que os poetas o tratam é distinta: a partir mesmo do título, vemos que Rimbaud destaca os sujeitos da ação, enfaticamente nominados no adjetivo substantivado effarés. Já no poema de Bandeira, o destaque é o próprio objeto do desejo: balõezinhos. A ação narrada apresenta uma aproximação bem evidente quanto às figuras humanas protagonistas da cena: um adulto, do sexo masculino detém o poder sobre o objeto do desejo do grupo de meninos pobres. Em ambos os casos, vale notar, o objeto do desejo não está ao alcance. Essa impossibilidade provoca a persistência do olhar que se prolonga em torno do objeto e esse efeito de prolongamento é obtido nos dois poemas de maneira similar: no poema de Bandeira, a última estrofe retoma a descrição da visão alumbrada inscrita na primeira estrofe. Em Rimbaud, as últimas estrofes retomam a descrição dos meninos diante do seu objeto de desejo, presente nas primeiras estrofes. No desenvolvimento do poema, os dois poetas descrevem o ambiente circundante, o contexto da cena. Em Rimbaud, os detalhes da atividade do padeiro, sua atitude e os detalhes da fabricação do pão. Em Bandeira, têm-se os detalhes da feira, as consumidoras, a atividade comercial, os produtos comercializados. As precisões em Rimbaud estão principalmente na menção às cores (negros, louro, branco, cinza, vermelho), odores (crostas perfumadas) e sons (cantam, murmura). Bandeira faz evocações visuais (o movimento das pessoas, as cores das mercadorias - tomatinhos vermelhos, ou sugeridas como em ervilhas tenras), o olfato também é sugerido nas mercadorias (peixe, frutas etc.) e a audição vem no verbo burburinha. Nos dois poemas, os adjetivos qualificativos são igualmente abundantes. Sumário

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O dinamismo da ação é reforçado pela acumulação das formas verbais que se encontram exclusivamente no presente do indicativo e no gerúndio, em ambos os poemas. No de Rimbaud, temos: regardent, enfourne, écoutent, grogne, chantent, se ressentent, sont, crevent. E no participe présent, modo que corresponde em português ao gerúndio: collant, grognant, faisant. Em Bandeira encontramos: apregoa (duas vezes), há, é, vêem, sente-se, são, fazem. E os gerúndios fitando e chegando. Observe-se que são oito formas verbais no presente, em cada um dos poemas, enquanto as formas no gerúndio aparecem três vezes em “Les effarés” e duas vezes em Balõezinhos; há também o detalhe do verbo “sentir (-se)” e “se ressentir” (em francês), aproveitado pelos dois autores. Além desses aspectos, até aqui tratados, que aproximam os dois textos, vemos ainda como semelhante a atitude do eu poético que não se presentifica no texto de maneira tradicional (através de marcas de 1ª pessoa) mas deixa transparecer a subjetividade através do uso de diminutivos. A esse respeito, César Teixeira (2002, p. 226) aponta em sua leitura de Balõezinhos: Apenas aparentemente ausente, o eu lírico se inscreve no texto através de uma linguagem afetiva que acusa, desde o início, a proximidade com o ângulo de visão das crianças Na seqüência, o diminutivo, embora com sutis diferenças, continuará dando o tom fundamental da enunciação, sendo elevado à condição de um verdadeiro gesto lingüístico, já carrega uma alta dose de expressividade ao colocar em evidência a atitude do sujeito diante dos fatos observados.

Podemos falar então de um certo registro infantilizado da linguagem que, como rendimento estético, além de presentificar o eu poético, ainda envolve o leitor e potencializa o estado de alumbramento das crianças ao fitarem os balõezinhos de cor. Rimbaud se vale do mesmo efeito do Sumário

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diminutivo (petits museaux) ou ainda na repetição do adjetivo pequeno: cinq petits. O último verso do poema de Bandeira, e mais especificamente a última palavra, merecem um comentário especial. Eis o “quilométrico” verso: “E em torno do homem loquaz os menininhos pobres fazem um círculo inamovível de desejo e espanto”. Observe-se que esse último substantivo do poema, espanto, encontra-se sob a forma adjetiva – espantados - no título do poema de Rimbaud, em uma tradução mais literal. Ivo Barroso (2000,p. 327), tradutor da obra completa de Rimbaud, explica sua escolha pelo título Os alumbrado1 para sua tradução do poema “Les effarés”: Effaré tem o significado habitual de assustado, espantado, sobressaltado, assombrado, espaventado. Mas por constituir uma das palavras-chave de Rimbaud, com acepções várias segundo o contexto, procuramos dar-lhe aqui um sentido mais contundente, na linha de maravilhado, transido, estupefato, estarrecido: daí o título “os alumbrados”.

Ocorre que “alumbramento”, por sua vez, vem a ser uma das palavras-chave de Bandeira, tendo inclusive com esse título um poema em Carnaval (1919). Percebe-se, em cada um dos poemas, uma profusão de imagens que evocam a forma esférica. Eis aqui uma segunda relação hipertextual entre os dois textos: a figuração do redondo, essa forma a qual, frequentemente, é atribuído o valor de perfeição. A ênfase do redondo, no poema de Rimbaud, se verifica no adjetivo do terceiro verso, leur culs en rond, na forma verbal tourne, e em termos que designam ou evocam esferas: soupirail (duas vezes), trou (duas vezes) e mais o plural trous, sein, brioche, blottis. Já em Bandeira, a forma redonda está ostensivamente presente através dos 1

Ver a tradução de Barroso no Anexo I.

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substantivos balõezinhos, (três vezes) e mais o título, redondeza, círculo, ou ainda nomes que evocam a forma redonda, como ervilhas e tomatinhos. À parte esses substantivos, temos as expressões em redor, em torno e o próprio substantivo redondos (duas vezes), intensificado pelo advérbio muito, fazendo ainda mais ostensiva a presença do redondo. Aqui, não podemos deixar de evocar a Fenomenologia do redondo, desenvolvida por Bachelard (2000, p. 241-42), no último capítulo de A Poética do Espaço. Ali, o filósofo especula acerca da forma redonda, a partir de observações de um filósofo (Jaspers: “Todo ser parece em si redondo”), um pintor (Van Gogh: “Provavelmente, a vida é redonda”), um poeta (Joë Bousquet: “Disseram-lhe que a vida é bela. Não! A vida é redonda”) e um fabulista (La Fontaine: “Uma noz me faz redondinha”). Para inferir que O mundo é redondo ao redor do ser redondo (...). E, para um sonhador de palavras, que paz na palavra redondo! Como ela arredonda serenamente a boca, os lábios, o ser do alento!

Finalmente, conclui que os poetas que evocam a forma esférica, “sem se conhecerem, se respondem”. Apoiados nessas observações poderíamos inferir que a recorrência da forma redonda nos dois poemas produz um efeito de alento, uma compensação à frustração pelo desejo não realizado dos meninos pobres. Depois de observar os pontos que aproximam os elementos que dão poeticidade aos dois textos, somos fortemente tentados a cogitar que, em Balõezinhos, Bandeira transformou os elementos de “Les effarés” e, ao mesmo tempo, imitou sua essência poética, produzindo, contudo, um texto original. Segundo Carvalhal (2006, p. 53),

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Modernamente o conceito de imitação ou cópia perde seu caráter pejorativo, diluindo a noção de dívida antes firmada na identificação de influências. (...) Toda repetição está carregada de uma intencionalidade certa: quer dar continuidade ou quer modificar, quer subverter, enfim, quer atuar com relação ao texto antecessor. A verdade é que a repetição, quando acontece, sacode a poeira do texto anterior, atualiza-o, renova-o e (por que não dizê-lo?) o reinventa.

É pouco provável que a coincidência dos elementos poéticos em Balõezinhos e “Les effarés” seja obra o acaso. De fato, é mais provável que Bandeira tenha tomado por hipotexto o poema de Rimbaud para produzir um hipertexto, e se o fez a partir do desvio deliberado dos elementos do original (impregnados de símbolos da cultura europeia), logrou, no entanto, recuperar com precisão a poeticidade do hipotexto. Talvez o exercício poético aqui tenha partido de uma vontade consciente de descolonizar a poesia. Bandeira, imbuído do espírito modernista, teria escolhido resgatar rendimentos estéticos presentes em “Les effarés” de maneira que a poeticidade ali inscrita pudesse ser expressa em Balõezinhos através e apesar da abstenção da estrita reescrita do original, a exemplo de uma tradução. Dessa forma, Bandeira estaria reafirmando sua adesão à proposta antropófaga de Oswald de Andrade, que Carvalhal (2006, p. 80) resume nestes termos: É agora o representante da cultura periférica e dependente que investe contra a do colonizador, mutilandoa, espremendo-lhe o suco para extrair dela apenas o que lhe serve. Assimila somente o que lhe convém.

Neste caso, Bandeira teria realizado, a partir do poema de Rimbaud, um hipertexto que se apresenta como um exercício de tradução restrita aos elementos que dão Sumário

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poeticidade ao texto, e teria o objetivo de atualizar e incorporar os elementos poéticos do hipotexto ao contexto modernista. Assim, a boutade que Bandeira (2009, p. 596) relembra no Itinerário de Pasárgada, a respeito da “tradução para o moderno” do seu poema Teresa, o poema Balõezinhos seria também uma tradução “tão afastada do original, que a espíritos menos avisados pareceria criação”. Resta lembrar que, ao contrário da tradução assumida, em certos casos a forma hipertextual só é detectável pelo leitor avisado. Desta forma, o hipertexto permite ao leitor envolver-se ativamente nesse “engendramento livre, quase lúdico”, no dizer Berman (2007, p. 34), já que a ele cabe reconhecer os nexos, as similaridades e elementos que o associam ao hipotexto. Esse jogo constitui um rendimento extra e uma qualidade específica da forma hipertextual.

Referências BACHELARD, Gaston. A poética do espaço. Trad. Antonio de Pádua Danesi. São Paulo: Martins Fontes, 2000. BANDEIRA, Manuel. Poesia completa e prosa. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 2009. ____. Carnaval. In: ____. Poesia completa e prosa. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 2009. ____. Itinerário de Pasárgada. In: ____. oesia completa e prosa. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 2009. ____. (2009). Mafuá do malungo. In:____. Poesia Completa e Prosa. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, , 2009. ____. (2009). Opus 10. In:____. Poesia Completa e Prosa. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, , 2009. ____. (2009). O ritmo dissoluto. In:____. (2009). Poesia Completa e Prosa. Rio de Janeiro: Nova Aguilar . BERMAN, Antoine. A tradução e a letra ou o albergue do longínquo. Trad. Marie-Hélène Catherine Torres, Mauri Furlan e Andréia Guerini. Rio de Janeiro: 7 letras, 2007.

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CARVALHAL, Tânia Franco. Literatura comparada. São Paulo: Ática, 2006.. GENETTE, Gérard. Palimpsestes. La littérature au second dégré. Paris: Seuil, 1982. IVO, Lêdo. Estrela da vida inteira. In: “Cultura” de O Estado de São Paulo, 13/4/1986. MOISÉS, Massaud. História da literatura Brasileira: vol.3, Modernismo. São Paulo: Cultrix, p. 91-97. In: BANDEIRA, Manuel. Poesia completa e prosa. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 2009. RIMBAUD, Arthur. Arthur Rimbaud Poesia completa. Trad. Ivo Barroso. Rio de Janeiro : Topbooks, 2000. TEIXEIRA, César Mota. “A resistência do olhar”. In: Teresa Revista de Literatura Brasileira. São Paulo: Ed. 34. Nº 3, 2002.

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ANEXO I Os Alumbrados (trad. Ivo Barroso) Negros na neve e na neblina, À clarabóia que ilumina, De cócoras se pondo. Cinco meninos vêem – desgraça! – Embaixo o padeiro que amassa O louro pão redondo, O forte braço branco aperta A massa cinza e põe na aberta Furna em que arde um clarão. Ouvem o gordo pão que coze. Ri-se o padeiro à grossa voz e Engrola uma canção. Grupo transido que se apóia Ao rubro olor da clarabóia Como um seio morno. Quando nas noites de consoada Sob o formato de uma empada, Se tira o pão do forno. Sob vigas toscas enfumadas Cantam as crostas perfumadas E também cantam grilos, Como essa furna insufla vida, A alma se põe tão comovida Nos trapos a cobri-los,

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Tão bem se sentem, ajoelhados, Meninos-Jesus engelhados, Ali sem se mover. Colando as fuças cor-de-rosa, E a murmurar alguma cousa, Entre os gradis, a ver, Que tão simplórios dizem preces E tanto se inclinam sobre esses Clarões de um céu interno, Que as calças se lhe despedaçam E suas camisas esvoaçam Ao vento vil do inverno.

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Garibaldi Dantas de OLIVEIRA Universidade Federal de Campina Grande

Walter COSTA Universidade Federal de Santa Catarina

Silence itself—the things one declines to say, or is forbidden to name, the discretion that is required between the different speakers—is less the absolute limit of discourse, the other side from which it is separated by a strict boundary, than an element that functions alongside the things said, with them and in relation to them within overall strategies. There is no binary division to be made between what one says and what one does not say; we must try to determine the different ways of not saying such things.… There is not one but many silences, and they are an integral part of the strategies that underlie and permeate discourses. Michel Foucault, The History of Sexuality.

Publicado em 1972, dois anos após a sua morte aos 91 anos de idade, The other boat (FORSTER, 1989) é parte do livro de contos The life to come and other stories, até o momento um dos poucos livros de Edward Morgan Forster (mais conhecido como E.M. Forster) não traduzidos para o português. O presente texto é o início1 de uma tradução comentada do conto citado acima (The other boat) onde exponho minhas dúvidas, escolhas e dificuldades durante o 1

O texto completo tem trinta e três páginas.

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processo de trazer à luz do português do Brasil de hoje um texto escrito originalmente em inglês em 1957-8. O conto que escolhi para traduzir—diferente de outros publicados quando o autor ainda estava vivo (seu romance mais conhecido, A passage to India, publicado pela primeira vez em 1924 foi seu último romance publicado em vida2) que parecem mais sketches, fragmentos, estórias incompletas3—tem todas as características de um texto de ficção bem pensado: personagens sólidos, uma trama complexa, uma tensão e uma densidade que crescem com a narrativa, e uma modernidade explícita no que se refere aos seus temas centrais: racismo e homofobia. Concordo com Cortázar, quando ele escreve sobre o conto em geral e seus temas: Não é ruim pelo tema, porque em literatura não há temas bons ou temas ruins, há apenas um tratamento bom ou ruim do tema. Tampouco é ruim porque os personagens careçam de interesse, já que até uma pedra é interessante quando dela se ocupam um Henry James ou um Franz Kafka. Um conto é ruim quando é escrito sem a tensão que deve se manifestar desde as primeiras palavras ou as primeiras cenas. (CORTÁZAR, 1999, p. 353, itálicos meus.)

E mais tarde, mais poético e menos vago quando perguntado sobre seu conceito de conto: Muito severo: já o comparei a uma esfera. É uma coisa que tem um ciclo perfeito e implacável. Uma coisa que começa e termina tão satisfatoriamente como uma

Seu último livro de ficção publicado foi o livro de contos The Eternal Moment and Other Stories, de 1928. 3 O livro de contos The cellestal omnibus, por exemplo, publicado em 1911. 2

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esfera: nenhuma molécula pode estar fora de seus limites precisos. (BERMEJO, 2002, p.28)

Mas não só por essa razão: o conto escolhido trata de um encontro (homo) sexual entre o Ocidente e o Oriente, da negação da (homo) sexualidade, de um estrangeiro—inglês, jovem, de classe-média e militar de futuro—em espaços exóticos e erotizados e há ainda a questão da linguagem e poder, com variações sendo ridicularizadas e mal interpretadas e personagens sendo apagados pelo silêncio do preconceito e por um final quase previsivelmente infeliz: morte por assassinato e suicídio. Há também o fato de o conto ser umas das poucas obras de Forster ainda não traduzidas para o português. O conto tem dois tempos: o encontro dos dois personagens principais quando crianças numa viagem da Índia à Inglaterra e um segundo encontro, em um outro barco, cerca de dez anos depois, numa viagem em sentido contrário. Nesse texto, traduzo apenas as duas primeiras páginas, o começo da estória trágica de amor entre Lionel e Cocoanut, o início da primeira viagem: I ‘COCOANUT, come and play at soldiers.’ ‘I cannot, I am beesy.” ‘But you must, Lion wants you.’ Yes, come along, man,’ said Lionel, running up with some paper cocked hats and a sash. It was long long ago, and little boys still went to their deaths stiffly, and dressed in as many clothes as they could find. ‘I cannot, I am beesy,’

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I ‘COCOANUT, venha brincar de soldado.’ ‘Não posso, tô ocupa-a-ado.’ ‘Mas você tem que brincar, Lion quer você.’

‘É, venha com a gente,’ disse Lionel, correndo com os outros chapéus de papel e faixas. Isso foi há tanto tanto tempo, e garotos ainda iam ao encontro da morte sem se dobrar e vestidos com tantas roupas quanto podiam encontrar.

‘Não posso, tô ocupa-a-

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repeated Cocoanut. ‘But man, what are you busy about?’ ‘I have soh many things to arrange, man.’ ‘Let’s leave him and play by ourselves,’ said Olive. ‘We’ve Joan and Noel and Baby and Lieutenant Bodkin. Who wants Cocoanut?’ ‘Oh, shut up! I want him. We must have him. He’s the only one who falls down when he’s killed. All you others go on fighting long too long. The battle this morning was a perfect fast. Mother said so.’ ‘Well, I’ll die.’ ‘So you say beforehand, but when it comes to the point you won’t. Noel won’t. Joan won’t. Baby doesn’t do anything properly — of course he’s too little — and you can’t expect Lieutenant Bodkin to fall down. Cocoanut, man, do.’ ‘I — weel — not.’ ‘Cocoanut cocoanut cocoanut cocoanut cocoanut cocoanut,’ said Baby. The little boy rolled on the deck screaming happily. He liked to be pressed by these handsome good-natured children. ‘I must go and see the m’m m’m m’m,’ he said. ‘The what?’

ado,’ repetiu Cocoanut’ ‘Mas você tá tão ocupado com o quê?’ ‘Tenho mui-i-itas coisas pra arrumar.’ ‘Vamos deixar ele e brincar só a gente,’ disse Olive. ‘Temos Joan e Noel e o tenente Bodkin. Quem quer Cocoanut?’ ‘Ah, cala a boca! Eu quero ele. A gente tem que ter ele. Ele é o único que cai quando é morto. Todos vocês continuam lutando por muito muito tempo. A batalha hoje de manhã foi muito fácil. Mamãe que disse.’ ‘Bem, eu vou morrer então.’

‘Você diz isso agora, mas na hora não vai. Noel não vai. Joan não vai. Baby não faz nada certo—é claro que ele é muito pequeno—e você não pode esperar que o tenente Bodkin caia. Cocoanut, por favor, vamos lá.’ ‘Eu—vo-o-u—não.’ ‘Cocoanut cocoanut cocoanut cocoanut cocoanut cocoanut,’ disse Baby. O menino Cocoanut rolava no convés gritando alegremente. Ele gostava de ser pressionado por essas crianças bonitas e bondosas. ‘Eu tenho que ir e ver o m’m m’m m’m,’ele disse.

‘O o quê?’ (FORSTER, 1989, p. 121)

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Na primeira página do conto já encontro duas decisões (escolhas) a fazer: o nome do conto e as falas de um dos personagens principais – Cocoanut. O outro barco? Mesmo sabendo que em português (e em inglês4) barco carrega essa idéia que a embarcação não deve ser grande. Portanto The other boat é traduzido como O outro barco. Uma das personagens do primeiro romance publicado de Forster me convenceu a traduzir “boat” como “barco”: “And, Granny, when will the old ship get to Italy?’’ asked Irma. “‘Grandmother,’ dear; not ‘Granny,’”said Mrs. Herriton, giving her a kiss. “And we say ‘a boat’ or ‘a steamer’, not ‘a ship.’ Ships have sails.”5

As falas de Cocoanut (“beesy”, “soh”, “weel”) soam como se demorassem mais, como se fossem ditas de um modo preguiçoso. Ao repetir as vogais e acrescentar o “h” o narrador-autor parece querer apenas mostrar essa particularidade do personagem—por enquanto. Na verdade o que há é uma superposição de falares: o inglês padrão coexistindo com um dialeto falado pelo personagem indiano. Ao substituí-los por “ocupa-a-ado”, “mui-i-itas” e “vo-o-u” não pude evitar de repetir o que o escritor, filósofo, historiador e teórico da tradução francês Antoine Berman (2007) aponta como uma das (treze) tendências deformadoras da tradução do texto em prosa6: a destruição ou a A relatively small, usually open craft of a size that might be carried aboard a ship. (Uma embarcação relativamente pequena e geralmente aberta que pode ser carregada a bordo de um navio). 5 FORSTER, E. M. Where angels fear to tread. Edinburgh & London: William Blackwood and Sons, 1905. p.07 6 A Racionalização, que concerne às estruturas sintáticas e à pontuação do texto original; a clarificação, que define o indefinido 4

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exotização das redes de linguagens vernaculares—onde os dialetos coexistem com a norma culta (BERMAN, 2007, p. 58), e também sucumbi, talvez inconscientemente (ibid., p. 45), à deformação de empobrecer quantitativamente o conto original, já que há menos significantes na tradução (ibid., p.54). Há uma clara superposição de falares no conto original (ibid., p. 61) que não está na tradução. Essa superposição de línguas vai se repetir no conto inteiro. Há também a questão de “man” que preferi omitir. “Cara” soaria tão estranho quanto “Homem” se usado em português por crianças. Desconfio que ao omitir o termo na tradução enobreci meu texto (ibid., p. 52) talvez para evitar cair no avesso dessa deformação (portanto noutra deformação): O avesso (e o complemento) do enobrecimento é, no que concerne às passagens do original ditas “populares”, o recurso cego a uma pseudo-gíria que vulgariza o texto, ou a uma linguagem “falada” que só atesta a confusão entre o oral e o falado. (BERMAN, 2007, p. 53)

do original; o alongamento, que torna o texto traduzido mais longo; o enobrecimento, que retoriciza elegantemente o original; o empobrecimento qualitativo, que substitui termos que têm riqueza sonora e icônica ; o empobrecimento quantitativo, que gera menos significantes; a homogeneização, que unifica o que originalmente é heterogêneo; a destruição dos ritmos, que a prosa assim como a poesia tem; a destruição das redes subjacentes, que permeia a prosa onde seus significantes se correspondem e se encadeiam; a destruição dos sistematismos, que diz respeito ao tipos de frases e construções; a destruição ou exotização das redes de linguagens vernaculares; a destruição das locuções e o apagamento das superposições de línguas.

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A fala de Lionel: ‘Oh, shut up! I want him. We must have him. He’s the only one who falls down when he’s killed.’ (itálicos meus) como que prenuncia tanto o final do conto quanto a relação entre sexo e morte e/ou amor e morte que existe entre os personagens principais. Se a frase fosse traduzida como ‘Ele é o único que cai quando abatido’ haveria uma conotação de passividade e vulgaridade— ausentes no texto original, mas não implicando aqui em um “enobrecimento” (ibid., p.52) citado acima. Menino Cocoanut foi acrescentado para desambiguar. Do jeito que está em inglês é preciso ler com atenção para saber que o little boy não é Baby e sim Cocoanut. Acrescentando assim uma informação extra que não consta no texto original, acabei não apenas alongando como também clarificando o original (ibid., p. 50-1). A pontuação foi mantida na tradução embora não seja comum lermos diálogos com aspas em português; o comum seria substituí-las por travessões, destruindo assim o ritmo original do texto (ibid., pp. 55-6). Essas e outras observações foram feitas após a tradução7, porque o texto de Berman foi um suporte a posteriori; uma maneira de julgar o que posso ter feito de uma maneira quase intuitiva, embora não de uma forma ingênua8. Acredito como Berman que todo tradutor está, inconscientemente ou não, exposto a um sistema de forças deformadoras que desviam a tradução do seu foco real (ibid., p. 45) já que “elas fazem parte de seu ser - tradutor e determinam, a priori, seu desejo de traduzir”. A segunda e “Não se trata apenas de que cada tradução seja de seu tempo, mas que as questões, na tradução, vêm depois de feita.” MESCHONIC, H.Poética do traduzir. São Paulo: Perspectiva, 2010.p. 33. 8 “A tradução pode perfeitamente passar sem teoria, não sem pensamento” (BERMAN, 2007, p.19). 7

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(início da) terceira página do conto apresentam mais problemas: ‘The m’m m’m m’m. They live—oh, so many of them—in the thin part of the ship.’ ‘He means in the bow,’ said Olive. ‘Oh, come along, Lion. He’s hopeless.’ ‘What are m’m m’m m’m?’ ‘M’m.’ He whirled his arms about, and chalked some marks on the planks. ‘What are those?’ ‘M’m.’ ‘What’s their name?’ ‘They have no name.’ ‘What do they do?’ ‘They just go so and oh! And so—ever—always—’ ‘Flying fish? … Fairies? … Noughts and crosses?’ ‘They have no name.’ ‘Mother!’ said Olive to a lady who was promenading with a gentleman, ‘hasn’t everything a name?’ ‘I suppose so.’ ‘Who’s this?’ asked the lady’s companion. ‘He’s always hanging on to my children. I don’t know.’ ‘Touch of the tar-brush, eh?’ ‘Yes, but it doesn’t matter on a voyage home. I would never allow it going to India.’ They passed on, Mrs March

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‘Os m’m m’m m’m . Eles vivem—ah, tantos deles—na parte mais estreita do navio.’ ‘Ele quer dizer na proa,’ disse Olive. ‘ Ah, venha, Lion. Ele não tem jeito.’ ‘O que são m’m m’m m’m ?’ ‘M’m’. Cocoanut girou os braços e desenhou com giz umas marcas nas tábuas do navio.

‘ O que são eles?’ ‘M’m.’ ‘Qual o nome deles?’ ‘Eles não têm nome’ ‘O quê eles fazem?’ ‘Eles só vão e ah! E assim— sempre—sempre—’ ‘Peixes voadores?... Fadas?... Jogo da velha?’ ‘Eles não têm nome. ’ ‘Mãe!’Disse Olive para uma senhora que estava passeando com um cavalheiro, ‘Tudo não tem nome?’ ‘Suponho que sim.’ ‘ Quem é esse?’ Perguntou o acompanhante da senhora. ‘Ele está sempre na companhia dos meus filhos. Não sei quem é.’

‘ De raça misturada, não?’ ‘É, mas nem importa, já que estamos viajando para casa. Eu jamais permitiria se estivéssemos indo para a Índia. As crianças passaram e a senhora

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calling back, ‘Shout as much as you like, boys, but don’t scream, don’t scream.’ ‘They must have a name,’ said Lionel, recollecting, ‘because Adam named all the animals when the Bible was beginning.’ ‘They weren’t in the Bible, m’m m’m m’m; they were all the time up in the thin part of the sheep, and when you pop out they pop in, so how could Adam have?’ ‘Noah’s ark is what he’s got to now.’ Baby said ‘Noah’s ark, Noah’s ark, Noah’s ark,’ and they all bounced up and down and roared. Then, without any compact, they drifted from the saloon deck on the lower, and from the lower down the staircase that led to the forecastle, much as the weeds and jellies were drifting about outside in the tropical sea. Soldiering was forgotten, though Lionel said, ‘We may as well wear our cocked hats.’ They played with a fox-terrier, who was in the charge of a sailor, and asked the sailor himself if a roving life was a happy one. Then, drifting forward again, they climbed into the bows, where the m’m m’m m’m were said to be.

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March disse, ‘Gritem tanto quanto quiser meninos, mas não berrem, não berrem. ’ ‘Eles têm que ter um nome, ’ disse Lionel, lembrando, ‘porque Adão deu um nome a todos os animais no começo da Bíblia. ’ ‘Não estavam na Bíblia, os m’m m’m m’m; eles estavam na parte mais estreita do navilho, e quando você aparece eles desaparecem, então como era que Adão ia fazer?’ ‘A arca de Noé é o que ele tem agora. ’ Baby disse, ‘Arca de Noé, Arca de Noé, Arca de Noé,’ e eles todos pularam para cima e para baixo e fizeram barulho. Aí, sem fazerem qualquer acordo, passaram todo do convés para o convés mais baixo, e de lá escada abaixo até o castelo de proa, como se fossem iguais as algas e as águas-vivas que estavam passando lá do lado de fora, no mar tropical. Brincar de soldado foi esquecido, embora Lionel tenha dito, ‘Nós podemos também usar nossos chapéus. ’ Eles brincaram com um Fox terrier que um marinheiro estava tomando conta, e perguntaram a esse mesmo marinheiro se uma vida errante era uma vida feliz. Então,

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avançando novamente, subiram na proa, onde disseram que os m’m m’m m’m estavam. (FORSTER, 1989, p. 203-4)

Logo no início da segunda página temos “ship” e bem adiante “sheep” (que pela lógica da primeira página eu traduziria como navi-i-o), um exemplo clássico de pares mínimos em aulas tradicionais de fonética da língua inglesa para mostrar a diferença que um simples segmento, um fonema—no caso \I\ ou \i\ - pode causar se não usarmos a pronúncia considerada certa já que ship é navio e sheep é ovelha... Isso como se o contexto não existisse. Portanto, considerando o contexto do conto, eu deveria traduzir como apenas mais um exemplo do modo langoroso de falar do Cocoanut, destruindo assim mais uma vez os vernaculares ao invés de exotizá-los (BERMAN, 2007, p. 58-9) assim como apagando a superposição de línguas do original (ibid., p. 61). No entanto resolvi manter a semelhança sonora entre as duas palavras em inglês, quase um trocadilho, e criei um neologismo: “navilho”; uma palavra-valise (ou portmanteau) que funde as palavras navio+ novilho. Até visualmente (ver acima) notamos que o texto traduzido é mais longo que o original (ibid., p.51), mas não acho que seja um caso de “sobretradução” já que o inglês falado predomina nas primeiras páginas do conto com suas palavras curtas. Os “m’m m’m m’m” são murmúrios que lembram a palavra mãe em ambas as línguas e como não têm nome para o personagem da história também não têm para mim, ou melhor dizendo, ficam do jeito que estão no original. O conto trará de volta essa questão no seu desenvolvimento, mas como um bom texto, já nos dá avisos no que podemos chamar de introdução.

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Planks eu traduzi como tábuas do navio, mais uma vez alongando e clarificando (ibid., pp.50-1) e, portanto, explicitando, não para desambiguar, mas, neste caso até para redundar. É uma decisão tradutória inicial, podendo ser eliminada no processo final da tradução do conto inteiro. “Noughts and crosses”9 numa tradução “literal” seria “Nadas e cruzes” ou “Zeros e cruzes”, mas no Português do Brasil cruz é sempre a cruz cristã +, enquanto que no inglês pode ser X ou +. Resolvi novamente destruir um modo de dizer (ibid., p.59) substituindo-o por um equivalente “jogo da velha”, separando assim a expressão “d(a) sua letra (...) seu corpo mortal, (...) sua casca terrestre” (ibid., p.32). Touch of the tar-brush, de acordo com o Wiktionary: (Idiomatic, dated) pertaining to somebody of mixed racial heritage; to signify someone is commonly (though not exclusively) of South Asian or AfroCaribbean in their background and/or in their appearance. Usage notes: it was not generally used for people that were unambiguously and distinguishably biracial. More often it referred to those for whom evidence of mixed ethnic attributes were perceptibly more subtle. Since the expression is deemed to be fairly derogatory in overtone, even considered by some to be unequivocally racist, it is seldom used today.10

A aliteração em “Flying fishes...Fairies?” também não está na tradução. 10 Wiktionary contributors, 'touch of the tar brush', Wiktionary, The Free Dictionary. Disponível em: 9

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Uma expressão velha, fora de uso e racista que traduzi como de raça misturada. Que é uma expressão equivalente, uma destruição de uma elocução, um modo de dizer (ibid., p.59) que novamente foi substituído por um equivalente que não tem a força negativa da expressão no conto em inglês. No restante das páginas aqui traduzidas já se encontram presentes temas que vão “navegar” pelo conto inteiro: o inominável, as referências bíblicas, a presença da mãe, o realismo quase cruel dos olhos dos outros, algo ou alguma coisa que não se sabe ao certo onde está ou, como um desejo reprimido, está em lugar nenhum—paradoxalmente talvez em um lugar estreito, escondido, quase nãodito—como esses “m’m m’m m’m”s. Já presente também está a questão do espaço geográfico/ficcional e seus múltiplos significados especialmente nesse conto onde a direção oriente ocidente (no início do conto: ‘É, mas nem importa já que estamos viajando para casa. Eu jamais permitiria se estivéssemos indo para a Índia.’) contrasta com a direção oposta na segunda parte do mesmo, dez anos depois. Os próximos passos da pesquisa envolverão a busca por respostas mais concretas para algumas questões que apenas começam a se desenhar nesse começo de tradução.

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Referências BERMEJO, Ernesto González. Conversas com Cortázar. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 2002. Tradução Luís Carlos Cabral. BERMAN, Antoine. A tradução e a letra ou o albergue do longínquo. Rio de Janeiro: 7 Letras, 2007. Tradução de Marie-Hélène Catherine Torres, Mauri Furlan e Andréia Guerini. CORTÁZAR, Julio. Obra crítica 2. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1999. FORSTER, E.M. The life to come and other stories. Edited with an introduction by Oliver Stalybrass. Harmondsworth: Penguin, 1989.

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Carmen Verônica de A. R. NOBREGA Universidade Federal Campina Grande

Marie Hélène C. TORRES Universidade Federal Santa Catarina

Introdução Este trabalho tem por objetivo estudar o cânone de Guy de Maupassant na Biblioteca Nacional (doravante BN), Instituição Brasileira cujo nome oficial é Fundação Biblioteca Nacional, considerada pela UNESCO uma das dez maiores bibliotecas nacionais do mundo e a maior biblioteca da América Latina que mantém um dos mais completos acervos de livros do país. Para tanto, apresentaremos as ferramentas colocadas on line à disposição de pesquisadores pela BN. Usaremos como modelo o autor francês do século XIX, Guy de Maupassant, considerado um dos maiores contistas da história literária na França, apresentando a sua obra ali disponível, destacando-se as traduzidas. Temos que acrescentar que este estudo faz parte integrante de uma pesquisa maior, que estamos desenvolvendo no Doutorado em Estudos da Tradução na Universidade Federal de Santa Catarina (PGET/UFSC) que tem o objetivo de estabelecer o cânone de Maupassant no Brasil, através do estudo do paratexto e dos contos mais traduzidos nas antologias. Assim, mostraremos Maupassant enquanto escritor destacando a importância de sua obra no Brasil. Explicitaremos, ainda, as diferentes etapas da pesquisa que possiSumário

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de Maupassant no Brasil: uma questão de canone

bilitaram o mapeamento das suas obras traduzidas, cadastrada na BN, para, em seguida, analisarmos os dados coletados com o intuito de mostrar como o autor é apresentado pela BN.

Maupassant: a vida do escritor e a obra É importante ressaltar que a nossa escolha pelo contista normando se deu pela sua importância no sistema literário brasileiro e francês, visto que ele é considerado como um clássico da Literatura Francesa (BENHAMOU, 2011:58), um dos mestres do romance francês (VERÍSSIMO, 1978:208) e um dos escritores franceses mais lido (BENHAMOU, 2007:7). Muitos escritores e críticos literários também consideram Guy de Maupassant como um dos maiores contistas de todos os tempos, a exemplo de Mário de Andrade que em seu artigo, de 1938, Contos e Contistas, afirmou que ele era “o maior dos contistas existentes” e declarou que: “Si me obrigassem a escolher dentre os contos dele o que eu havia de levar comigo para a minha ilha deserta, ou levaria uns vinte de contrabando ou desistia da ilha” (ANDRADE, 1972:7). Henry René Albert Guy de Maupassant nasceu em Rouen, em 1850, na Normandia. Para Forestier (1974:LXIII), o lugar exato do seu nascimento ainda é um problema não resolvido e permanece no centro de uma discussão entre os seus biógrafos, pois a maioria das biografias de Guy de Maupassant relata que o mesmo nasceu no castelo de Miromesnil, no povoado de Tourville-sur-Arques e outras que foi em Fécamp, uma cidade litorânea da França, na região da Normandia. Mas o que se sabe é que ele passou ali os primeiros anos da sua juventude e o que importa nesta discussão não é o lugar onde ele nasceu, mas o fato de que a Sumário

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maioria dos seus textos trata desta região. (HERVOT, 2010:226). Maupassant passou sua infância em companhia do irmão mais novo Hervé e da mãe que obteve a guarda de seus filhos, após a separação de seu pai, Gustave de Maupassant, em 1860. Madame de Maupassant, nascida Laure de Poittevin, (1821-1903) era uma mulher de uma cultura literária relevante e pouco comum para a época, apaixonada, especialmente, pela literatura clássica (VASCONCELLOS, 2009:18). Segundo Hervot (2010:227), ela foi iniciada ao mundo das letras pelo seu irmão mais velho Alfred Le Poittevin, amigo de Flaubert. Com seu irmão, a mãe de Maupassant “aprendeu a escrever cartas, a se familiarizar com os clássicos, a amar Shakespeare e a falar grego, latim e italiano”, passando assim, seus conhecimentos aos filhos. A presença de Laure na vida de Maupassant foi tão marcante que os biográfos e estudiosos deste contista normando fazem menção recorrentemente a ela em seus estudos, mostrando a sua importância na carreira de seu filho como autor. Ela deu uma formação humanista aos filhos e os orientava em sua formação educacional lendo grandes obras literárias para eles (SATIAT, 2006:8). Ela teve um papel essencial na formação literária de seu filho mais velho, desde a sua mais tenra infância, e era considerada “uma mulher inteligente, sensível, apaixonada pelas artes, em especial pela literatura”, e foi a primeira e eterna crítica “a quem Maupassant confiou seus projetos e aventuras literárias” (HERVOT, 2010:225). Para Vasconcellos (2009:18), Maupassant considerava a sua mãe como a única confidente e conselheira. Ainda nesta perspectiva, Satiat (2011:66), uma das maiores estudiosas de Maupassant, afirma que ele foi para a sua mãe um filho leal e atencioso. Ela nos conta que um dia, em conversa com a sobrinha de Flaubert, Maupassant lhe disse que não acreditava na virtude de nenhuma mulher, e esta lhe perguntou: “É? E sua Sumário

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mãe?” “Mamãe, sim”, respondeu ele, confirmando toda admiração que tinha por ela que teve uma importância fundamental tanto no lado afetivo como intelectual de Maupassant e sempre o encorajava a escrever, despertando nele o interesse pela literatura. Ao perceber que ele se encaminhava para uma carreira literária, o apresentou a Gustave Flaubert, célebre romancista normando, para que ele dissesse se o seu filho estava no caminho correto (VASCONCELLOS, 2009:18). Flaubert reconheceu o seu talento imediatamente, se tornou o seu tutor e padrinho literário, e o aconselhou a só publicar suas obras quando atingisse a perfeição (SATIAT, 2006:9). Louis Forestier (1974:LXIII-LXXIX) em um estudo cronológico sobre o contista, relata que, após a separação de seus pais, ele e seu irmão Hervé vão para Étretat viver com a mãe, e o seu pai permanece em Paris, onde mais tarde Guy vai dividir com ele, um apartamento. Em 1863, ele entrou no Seminário de Yvetot, na Normandia e ali, parece que compõe seus primeiros versos. Em uma carta escrita ao seu primo Louis Le Poittevin, em abril de 1868, Maupassant relata a sua tristeza por morar naquele lugar. Em 1868 ele foi estudar, como interno, no Liceu de Rouen, e após o término de seus estudos, partiu para Paris em 1870, onde teve contato com vários escritores realistas e naturalistas da época, como Zola, Flaubert e o russo Turgueniev e ali se firmou como contista. Em Paris, ele vivia da pouca ajuda que seu pai lhe dava, até que para melhor se sustentar, assumiu um emprego burocrático, inicialmente no Ministério da Marinha, transferido, em seguida, para o Ministério da Instrução Pública. Intentando fugir do tédio do escritório, ele encontrou um passatempo: a canoagem, e com este esporte participou de alguns salvamentos de pessoas que se banhavam no Canal da Mancha, dentre estes o do poeta inglês Charles Swinburne. Ainda com a canoagem, presen-

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ciou Corot, Courbet e Monet pintarem suas telas na praia (KON, 2009:10,11). Maupassant viveu no século de grandes inovações, tais como a primeira fotografia (1816), o primeiro telefone (1876), a vacina contra a raiva (1891) e o primeiro automóvel à gasolina, em 1891 (POTELET, 2004:6). No final deste século, a França passou por um período de crise profunda, sendo neste período se percebe o rápido desenvolvimento das ciências e muitos crêem que elas responderão a todas as perguntas e resolverão todos os problemas, mas aos poucos vão percebendo que as ciências não substituem a fé e a religião, nem impedem os homens de morrer e de sofrer, não respondendo assim, às questões essenciais (TAUVEL, 2004:7). Segundo Géraudelle (1994:182), um novo espaço se abre para os escritores, no século XIX: a imprensa. Ele afirma que durante todo este século, a tiragem dos jornais não para de aumentar, atingindo todas as camadas da sociedade. Graças a um regime político liberal, a alfabetização tem o seu progresso, visto que o número de jovens de 15 a 24 anos que sabem ler passou de 500 000 a seis milhões, desenvolvendo a imprensa consideravelmente (1994:183). Com este crescimento, esta pode oferecer aos escritores, como por exemplo, Maupassant, um salário que lhes permitiu dedicação completa à sua vocação. Segundo Agard (1986:8,420) o século XIX foi marcado por mudanças econômicas, sociológicas e demográficas, além de considerar que a Revolução Industrial, os progressos das ciências exatas, experimentais e humanas criam, na segunda metade do século, a crença pautada por um progresso inevitável ligado à ciência. Mário de Andrade (1988:10) explica que neste período, na Europa, a belle époque assiste “a uma sucessão de movimentos artísticos revolucionários” e, neste contexto, promoveu-se modificações profundas, inclusive, no campo das artes. E no Brasil, para o autor, a vida literária, principalmente, na cidade do Rio de Janeiro, Sumário

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era considerada ativa, uma vez que havia encontros de escritores nas livrarias, onde eles discutiam literatura, vista por ele como “novidades”. Eram nestes locais onde eles formavam as conhecidas “rodinhas” de sociabilidades. Para Veríssimo (1977:9), os primeiros anos do século XIX são marcados pela decadência, pela completa estagnação para as letras no Brasil. A literatura, considerada por ele como “a expressão nacional”, resume-se na poesia, pois até a segunda metade deste século, esta é quase exclusivamente constituída da poesia, “se não o é totalmente”. Nesta configuração política e social foi notável a contribuição de Flaubert na vida literária de Maupassant. Discípulo de Flaubert, a quem dedicou sua primeira obra individual publicada com uma parte de seus poemas, a antologia Des vers (1880), ele chama a atenção pela diversidade temática de sua obra e por ter sido também, um dos maiores expoentes da literatura fantástica1. Seu trabalho é conhecido por retratar situações psicológicas e fazer críticas sociais. Também é caracterizado pelo seu pessimismo, pois no mundo descrito por ele, o mal parece ser mais forte que o bem (POTELET, 2004:7). O contexto citado acima influenciou também a literatura, e fez surgir a escola naturalista. Escritores escreveram romances científicos tentando explicar o destino das pessoas através de seu nascimento e suas doenças (TAUVEL, 2004:7). Do ponto de vista social, considera-se que o século XIX, na França, é o da burguesia, muito embora a população rural fosse majoritariamente predominante. Naturalista e fantástica, a obra de Maupassant é o reflexo de um fim de século “científico, angustiante e pessimista” (TAUVEL, 2004: 8). Uma literatura que se origina da imaginação, e está fundada na ficção e não existe no mundo real. Não tem preocupação em relatar fatos que existem na realidade. 1

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Otto Maria Carpeaux (1963:2425) considerava Maupassant o “mais ‘natural’ dos realistas” e não propiamente naturalista, além de afirmar que ele era pessimista por ser observador agudíssimo e que o seu nome estava ligado à “Vie Parisienne!”. Carpeaux ainda afirma que Maupassant confessou ter aprendido com Flaubert a “observação exata dos fatos exteriores e a tradução exata das impressões visuais para a língua” (1963:2424). Ele vai de um extremo a outro quando se trata de Maupassant, pois o considera um contista singular, “talvez o maior desde Boccaccio e Cervantes”, divertido, mas ao mesmo tempo monótono e sem muita cultura. Para ele, a inteligência de Maupassant está limitada à sua experiência humana, o que fez com que ele preferisse personagens simples e simplistas, mas foi com “seus defeitos” que construiu, com maestria, a sua técnica de “short story” e o chamou de mestre inigualável. Refletindo ainda, acerca do contista francês, Carpeux ele diz que ... Maupassant não tem ideal algum; senão o ideal literário de observar e reproduzir fielmente a realidade, que é tão triste. Maupassant é profundo na superficialidade, porque reconhece o “sem fundo” da superficialidade, o vazio desta vida corporal, só prazer, sempre o mesmo prazer; e, enfim, a destruição total. A angústia do desfêcho. Maupassant sempre vira o fantasma do Nada atrás das luzes impressionistas. É um dos escritores mais tristes da literatura universal (p. 2424).

A diversidade temática da obra de Maupassant é tão relevante que, talvez, tenha permitido esta reflexão de Carpeaux, visto que este autor afirma que “Maupassant parece muito variado” (CARPEAUX, 1963:2423). O que mais impressiona, dentre vários aspectos, na leitura da obra de Guy de Maupassant, é que ela se caracteriza por sua extrema abundância e por sua concentração no Sumário

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tempo2: em dez anos (1880 – 1890) ele escreve toda a sua obra. Lanoux (1974:IX), no prefácio do livro Contes et Nouvelles, diz que destes dez anos surgem os romances Une vie, Bel-Ami, Mont-Oriol, Pierre et Jean, Fort comme la mort e Notre Coeur, os três volumes de narrativas de viagem (Au Soleil, Sur l’eau, La vie errante). O autor ainda acrescenta que em 1885 trinta e cinco contos e crônicas aparecem nos jornais Gil Blas, Le Figaro e Le Gaulois. Maupassant também publicou seis peças de teatro, em torno de oitocentas cartas, as quais revelam a composição de sua obra, mais de duzentas e cinquenta crônicas e um livro de poemas (POTELET, 2004:7). E publicou, aproximadamente, trezentos contos e novelas, reagrupadas pela crítica em três círculos: normando, parisiense e fantástico (AGARD, 1986:412). Podemos perceber que, apesar de ter tido uma vida breve, pois morreu aos 43 anos, Maupassant, teve uma produção literária muito intensa e relevante, e mesmo com a saúde precária, causada pela sífilis contraída em sua juventude, escreveu freneticamente. O próprio Maupassant afirmou que entrara na vida literária como um meteoro (AUBEL, 2011:56). A este respeito, Lanoux (1974:X) ratifica esta afirmação ao dizer que ele apareceu na literatura como um meteoro e que a sua vida literária inteira foi meteórica. Com grande a aceitação de sua obra, Maupassant tornou-se rico e famoso. O sucesso e a riqueza abrem as portas da alta sociedade para ele. Em seu artigo sobre este contista normando, Noëlle Benhamou (2011:58) diz que para que um escritor se torne famoso, clássico e célebre é preciso certo tempo, mas Maupassant já o era quando vivo e foi o público, a crítica e os leitores que o elevaram a esta categoria. A autora acrescenta que o jornal Gil Blas, em 17 de junho de

POTELET, Hélène et DÉCOTE, Georges. Guy de Maupassant – Contes et nouvelles. Paris: Hatier, 2004:7. 2

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1885, publicou uma crítica na qual dá a Maupassant o status de “jovem mestre” (BENHAMOU, 2011:58). Em 1870, quando estudava Direito em Paris, foi convocado como soldado na região de Rouen, durante a guerra Franco-Prussiana. Em 1871, ele deixou o exército e voltou para Paris, onde se instalou e assumiu o cargo de funcionário público, mas seu sucesso como cronista e contista nos jornais Le Gaulois (1880-1890) e Gil Blas (a partir de 1881) fez com que ele se tornasse um dos escritores mais bem pagos de Paris, o que lhe permitiu sair do emprego (FORESTIER, 1974:LXIII-LXXIX). A sua vida pessoal foi intensa, frequentou muitos salões e, apesar de fazer muito sucesso com as mulheres, não dividiu sua vida com nenhuma delas. Segundo Satiat (2006:10) ele teve, secretamente, três filhos com uma modista, os quais recusou reconhecer e educar. A partir de 1888, Maupassant passou por problemas físicos e psíquicos, consequência da sífilis, e em 1892, após uma tentativa de suicídio, ele foi internado numa clínica psiquiátrica. Armand Lanoux (1974:IX) considera que foi neste momento que Maupassant morreu para a literatura, pois o autor francês não escreveu mais após este episódio. Os primeiros gêneros literários3 a que Maupassant se dedicou foram a poesia e o teatro, respectivamente. Somente a partir de 1875 escreveu contos fantásticos, novelas e romances e, em 1880, passou a escrever contos abandonando assim, a poesia. Em 1891 ele deixou de escrever novos textos em razão da doença que o consumia. No que concerne o fantástico, Maupassant foi influenciado no gênero por Edgar Allan Poe, Hoffmann e Tourgueniev. Aproximadamente trinta novelas, ou seja, dez por cento de sua produção pode NEVES, Angela das. Releituras de Guy de Maupassant. 2008. Disponível em: http://seer.fclar.unesp.br/lettres/article/ view/2039/1667 Acesso 25/05/2012 3

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ser considerada pertencente a este gênero (FÄRNOLÖF, 2007:45). Maupassant publicou sua primeira novela Boule de Suif (Bola de Sebo), pela maison de Georges Charpentier, no volume coletivo Les soirées de Médan [A noites de Médan], patrocinado por Zola, sobre o tema da guerra (KON, 2009:13). Este volume trazia além de Maupassant, cinco outros escritores como Émile Zola, Huysmans, Paul Céard, Léon Hennique e Paul Alexis. Médan era o lugar do naturalismo no final do século XIX, na França, onde jovens escritores como Maupassant e Huysmans se encontravam para discutir arte e literatura. O grupo era recebido por Zola em sua casa de campo, perto de Paris (AGARD, 1986:543). Flaubert considerou Bola de Sebo uma obra-prima e Otto Maria Carpeaux (1963:2422) disse que ela “entrou no rol das obras clássicas, com todas honras oficiais”. Segundo Benhamou (2011:58), quando da morte de Flaubert, em 1880, Maupassant se afastou, progressivamente, do grupo dos naturalistas e passou a escrever aquilo que lhe agradava, podendo voar com suas próprias asas. Para a autora, esta escolha, considerada por ela, audaciosa, permitiu à obra de Maupassant “escapar ao tempo”, lhe dando um lugar no campo da história literária. Ele passou a escrever para jornais como o Le Gaulois, Gil Blas, citados anteriormente, além de contribuir, esporadicamente, para o Le Figaro, entre 1883 a 1890, com cujo fundador teve a oportunidade de conviver. Esta colaboração com vários jornais de sua época, nos quais publicava seus contos e crônicas, além de suas narrativas de viagens e novelas, permitiu que seus escritos abordassem “preferencialmente aspectos do cotidiano” (KON, 2009:13). Mas Maupassant foi advertido constantemente por Flaubert contra os perigos e as facilidades do jornalismo, que segundo ele, era mortífero para todo escritor de respeito (RITCHIE, 2007:11). Ele ainda escreveu para outros jornais, como por exemplo, o Sumário

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L'Almanach Lorrain de Pont-à-Mousson, no qual ele publicou seu primeiro conto em 1875, «La Main d'écorché» (FORESTIER, 1974:XXVIII) sob o pseudônimo de Joseph Prunier. Conforme dito, a década de 80, do século XIX, foi marcada por sua surpreendente produção. Segundo Kon (2009:14), as coletâneas de contos surgem sucessivamente, como vemos a seguir: em 1881 ele lança La maison Tellier; Mademoiselle Fifi, em 1882; Contes de la Bécasse e Clair de Lune em 1883; em 1884 ele publica Miss Harriett, Les soeurs Rondoli e Yvette; no ano de 1885 Contes du jours et de la nuit; La petite Roque, Monsieur Parent, Toine, em 1886; Le Horla em 1887; em 1888 Le rosier de Madame Husson; La main gauche, em 1889 e L’inutile beauté, em 1890. Maupassant descreveu, com espírito de justiça e de humor, a vida de seus personagens. A concisão, recurso estético que o tornou conhecido e admirado como um dos maiores contistas de todos os tempos (DIAS, 2012:1) é encontrada em suas obras e o fez ser tomado por modelo por vários contistas no mundo inteiro. O seu estilo é antes de tudo, o da forma breve, não é sutil, pois os efeitos estão sempre evidentes nele e, ao fazer uma descrição, muda de estilo, começando um novo parágrafo, enriquecendo as imagens e prolongando as frases4. Benhamou (2011:58) enfatiza, em seu artigo Faiseur ou précurseur?, que Maupassant aliou, nos temas de sua obra, o antigo e o novo, a tradição formal e a modernidade, o clássico e o moderno, e Aubel (2011:56) o vê próximo, tanto quanto possível, de um artista puro, à maneira de Van Gogh, com quem, segundo ele, o escritor francês tem afinidades. No texto “Alguns livros de 1900”, Veríssimo (1977:131) cita Ganton Deschamps, cronista do Le Temps, quando este fez http://www.french.hku.hk/dcmScreen/lang3035/ lang3035_maupassant.htm 4

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considerações mostrando a “filiação do conto nacional aos fabliaux franceses medievais”, e diz que Maupassant possuía “a veia libertina dos velhos poetas dos Fabliaux”, acrescida de ceticismo, de ironia e de malícia moderna. Ainda para Aubel (2011:56), Maupassant era um homem próximo dos humildes, mas hostil com as ideias revolucionárias, um pacifista que sonhava com a revanche contra os prucianos, fiel no que diz respeito à amizade e que proclamava, para quem quisesse ouvi-lo, a sua necessidade de independência. Homem sensível, que conheceu o sofrimento, por experiência própria, criou seus personagens que vivem sempre sob pressões sociais e têm a hipocrísia, tão desprezada por ele, como uma constante em suas narrativas. O pessimismo, característico do escritor, não o permite ver uma mudança nesta natureza humana, assim, ele retrata personagens frustrados, tristes, ingênuos, operários explorados, entre outros (MEYER, 2003:1). Pesquisando na BN do Rio de Janeiro A pesquisa referente a este autor francês foi realizada, on line, na Biblioteca Nacional, do Rio de Janeio, visto que esta oferece um acervo bastante significativo disponível ao público tanto on line quanto em sua sede. A história da BN começa quando a imprensa surgiu no Brasil, após a chegada da família Real, em 1808 e com ela, a Real Biblioteca. Oscar Mendes (1977:3), nos diz que a vantagem da vinda de D. João VI e da Corte Portuguesa ao Brasil foi a instalação da Imprensa Régia e de Tipografias no país, de onde começaram a ser impressos livros, revistas e outras publicações. A partir daí, as pessoas passaram a ter mais contato com estes tipos de impressos, e puderam acompanhar os fatos culturais e políticos da sociedade brasileira. A partir de 1812, segundo o autor, surgiram várias revistas e as primeiras maniSumário

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festações da crítica literária no Brasil. O ano de 1810 é considerado oficialmente como o da fundação da Real Biblioteca. O acervo da BN nos possibilitou ter acesso à relação das obras originais de Maupassant, das traduzidas para a língua portuguesa, para o inglês, espanhol, alemão e português de Portugal. Ao iniciarmos a nossa busca, escolhemos no site o item Catálogo - “acervo – obras raras” visando mapear as obras do autor acima citado, cadastradas nesta categoria, contudo, não foi encontrado nenhum registro neste sentido, fato pelo qual nos detivemos somente no item Catálogo – acervo geral - livros. Neste item encontramos 97 links e 156 palavras a partir da entrada da palavra Maupassant na pesquisa livre. Quando introduzimos também a palavra Guy na pesquisa com o intuito de encontrar uma relação maior de obras, percebemos que aparecem 358 links, mas não se referem somente ao nosso autor, pois existem vários escritores cadastrados com este nome, além de trabalhos de outros estudiosos que têm o nome de Guy de Maupassant no título. Portanto, a escolha pela palavra Maupassant foi feita por uma questão prática. A primeira obra original de Maupassant, que encontramos registrada na BN, é uma crônica intitulada Émile Zola publicada pela Editora A. Quantin, datada de 1883, em Paris. Maupassant passou a ser conhecido no Brasil quando publicou, na França, sua primeira novela, Boule de Suif, em 1880, cujo sucesso foi imediato (TAUVEL, 2004:6). Neste período, o público brasileiro conheceu, através de jornais e revistas, a sua obra, visto que ele foi lido e comentado por jornais como Gazeta de Notícias, Correio Paulistano, Jornal do Commercio e o Estado de São Paulo (NEVES,2007:6). A partir de então, as traduções brasileiras foram publicadas em livros. A primeira tradução, registrada na BN, em língua portuguesa, foi Pedro e João, de 1895, Sumário

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publicada pela Livraria de A. M. Pereira. Posteriormente, foram feitas e refeitas várias traduções de sua obra até nossos dias. O livro original de sua primeira novela, Boule de suif, não consta no acervo on line da BN, o que nos impede dizer em que data ela chegou ao Brasil, mas a sua tradução, Bola de Sebo, publicada pela Gráfico Ed. Unitas, de São Paulo, está registrada com a data de 1933(?). Esta interrogação nos leva a crer que a data está ilegível. Um fator importante que deve ser ressaltado é que constam, no site da Biblioteca Nacional, obras originais e traduções cadastradas sem data, não nos permitindo pontuá-las cronologicamente. Além disso, alguns cadastros das traduções não citam o nome do tradutor, nos impossibilitando saber se o seu nome não consta no livro porque não era costume da época evidenciá-lo ou se o livro está danificado e a identificação não foi possível durante a catalogação. O nome do tradutor aparece pela primeira vez no catálago da BN, na obra “Segredos do coração” (Notre coeur), em 1944, pela Editora J. Olympio, com a tradução de Alvaro Gonçalves. O livro Les cousines de la Colonelle foi traduzido, em 1972, no Brasil, por Howard Nelson e está cadastrado na BN como sendo de autoria de Guy de Maupassant (Guy de Maupassant - As sobrinhas do coronel - Edições MM – 1972), inclusive em sites de vendas de livros5. Publicado em dois volumes, o livro é de autoria da Vicomtesse de Coeur Brûlant (1881), um equívoco que foi corrigido na França em 1920, mas ignorado pelos editores brasileiros6. Foram encontradas quarenta e duas obras em língua estrangeira, sendo duas em alemão, uma em espanhol, trinta e oito em francês e outra em inglês. A obra Le Horla aparece http://maupassant.free.fr/cadre.php?page=oeuvre http://books.google.com.br/books/about/Les_cousines_de_la_ colonelle.html?id=0Xn_PQAACAAJ&redir_esc=y 5 6

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em três momentos distintos: em 1887, 1905 e em 1987. O romance Bel ami, em oito, sendo que só em uma consta o nome do tradutor, o que não nos permite saber se as outras sete obras são traduções, são originais ou edições brasileiras em francês, visto que tanto em português como em francês o título é o mesmo. As editoras mais presentes são da P. Ollendorff, com treze publicações (1884, 1887, 1890, 1891, 1895, 19 ..(?), 1905, 1906, 1908, 1911, 1987, 19... (?), 19... (?) e da Albin Michel com oito publicações, em uma delas não pudemos identificar a data, (19 ...(?), quatro obras publicadas em 1925 e três em 1927. A Editora Gallimard é a última que se encontra resgistrada com data (1974 – 1979). Encontramos na BN oitenta e três obras traduzidas para o português, dentre as quais apenas trinta e seis citam os tradutores. Os que mais traduziram Maupassant, foram Paulo Mendes Campos e José Thomaz Brum. Esse último, além de traduzir três obras, selecionou e prefaciou uma delas, conforme cadastro. Observamos que alguns títulos dos contos e/ou das antologias são repetidos, mas que foram publicados em datas diferentes, por isso, não podemos identificar se são reedições ou novas traduções, visto que o cadastro não traz o nome do tradutor nem diz a edição. Somente poderemos sanar estas dúvidas após uma pesquisa in loco na BN. A Biblioteca Nacional registra o ano de 1953 como o que tem um maior número de traduções publicadas, com dezesseis obras traduzidas, cuja relação se encontra em anexo. A obra mais traduzida, publicada isoladamente, encontrada na BN, é a Bola de Sebo com onze traduções, em períodos diferentes (Ver anexo), seguida de Uma vida com seis. Bel ami registra sete, mas como afirmamos anteriormente, não podemos classificá-las como tradução, pois só uma traz o nome do tradutor. Maupassant continua sendo traduzido até os dias de hoje e um dos últimos trabalhos de

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tradução de sua obra foi feito pelo escritor e tradutor gaúcho Amilcar Bettega (2009) que traduziu 125 de seus contos. As várias imagens das capas dos livros traduzidos de Maupassant, no Brasil, fazem parte, também, da nossa pesquisa. Dentre as várias existentes, selecionamos algumas, para apresentarmos ao leitor, a título de conhecimento. As primeiras trazem o nome do tradutor, as outras não o citam. Traduzido por Paulo Mendes Campos

Tradução de Amilcar Bettega

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Tradutor: Augusto de Sousa

Tradução de Elias Davidovich

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Tradutor não mencionado:

Outras capas poderiam ter sido colocadas para título de informação, mas como são inúmeras, optamos por estas com o intuito de ilustramos o nosso trabalho. A nossa pesquisa se concentrou nas traduções da obra de Maupassant cadastrada na BN, mas salientamos que, além das traduções para o português do Brasil, outras são citadas em estudos sobre o contista normando. Farhat (2007:103) fala sobre traduções da obra de Maupassant no mundo arabe, Dranenko (2007:81) apresenta a tradução de Sumário

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sua obra na Ucrânia e Dulau (2007:91) mostra este trabalho na Romênia7. O site da Câmara Municipal de Lisboa traz uma informação importante referente à tradução de contos de Maupassant em Portugal. Ele relata que José Saramago prefaciou e traduziu trinta e cinco contos deste grande escritor normando, o que evidencia cada vez mais a sua importância como contista, dado o reconhecimento de Saramago no sistema literário internacional8. A Biblioteca Nacional, apresenta, on line, sete antologias francesas, uma em inglês e vinte e seis brasileiras cadastradas. Trinta e três obras são de edição francesa, e sete originais, de edições brasileiras. As antologias traduzidas para o português estão elencadas, a seguir, por ordem crescente de data: Contos (1946), Bola de sebo e outros contos (1948), Novelas e contos (1951), Bola de Sebo e outras histórias (1953), Contos da galinhola (1953), As irmãs Rondoli e contos do dia e da noite (1956), Contos da galinhola (1956), Contos escolhidos (1956), Histórias eternas (1959), Bola de sebo e outros contos e novelas (1970), Contos escolhidos (1971), Contos de Guy de Maupassant (1985), O Horla e outras histórias (1986), Bola de Sebo e outros contos (1986), Bola de sebo e outros contos (1987), Bola de sebo e outras histórias (1988), Os melhores contos de Guy de Maupassant (1988), Bola de sebo e outras histórias (1993), O abandonado e outros contos (1997), Contos fantásticos: O Horla & outras histórias (1997), Os anos cor de Rosa e a casa turca (1998), Bola de sebo e outras histórias (1998), Madame Hermet e outros contos fantásticos (1999), Contos fantásticos: O Horla & outras histórias (1999), Bola de sebo e outros contos (2003), 125 contos de Guy de Maupassant (2009). http://www.numilog.com/LIVRES/FICHES/1878.Livre Farhat (2007:103), Dranenko (2007:81) e Dulau (2007:91) In: BENHAMOU, Noëlle. Guy de Maupassant – Études réunies par Noëlle Benhamou. Amsterdam/New York: Rodopi, 2007. 7 8

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Podemos observar que, no cadastro da BN, as antologias traduzidas têm um espaço de tempo considerável entre uma publicação e outra. Por exemplo, Histórias eternas foi cadastrada como que publicada em 1959 e somente em 1970 é que surge Bola de sebo e outros contos e novelas. Depois de 1971, com contos escolhidos, apenas em 1985 aparece outra publicação, Contos de Guy de Maupassant. A penúltima publicação foi no ano de 2003 e a última seis anos depois, em 2009.

Conclusão Este sobrevoo sobre a obra de Maupassant na Biblioteca Nacional aponta para a necessidade de uma ampliação da pesquisa, por considerarmos que esta apenas introduz o leque de informações abrangentes existentes no Brasil, no que concerne o contista normando, além de nos indicar a importância da tradução para o sistema literário nacional. Tradução que, ao longo do tempo, nos tem permitido o acesso a várias culturas e a concepções de mundo e de linguagem (ens), colocando-nos em contato direto com o pensamento de uma época. A imagem de Maupassant no Brasil passa obrigatoriamente pela tradução de sua obra, a qual foi foi lida, citada e discutida por vários críticos, escritores, historiadores e leitores, dentre os quais destacamos José Veríssimo, Otto Maria Carpeaux e Mário de Andrade, já citados anteriormente. Apesar de Maupassant ter sido apresentado aos leitores brasileiros positivamente, percebemos que a sua obra e o material à disposição de pesquisadores e estudiosos ainda é escasso o que torna mais difícil a nossa investigação. Por que Maupassant? Pela riqueza das suas ideias, pela diversidade de assuntos, pela variedade de temas, por sua Sumário

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de Maupassant no Brasil: uma questão de canone

contribuição à literatura francesa e à brasileira, enfim, pelo escritor fantástico que soube descrever com um talento magistral a sociedade da sua época e nos apresentar os desejos e obsessões da alma humana. Jules Renard resumiu Maupassant em uma frase, a qual foi publicada pelo Journal em 13 de fevereiro de 1893: “Eu amo Maupassant porque ele parece escrever para mim e não para ele” (“J’aime Maupassant parce qu’il me semble écrire pour moi, non pour lui. » Jules Renard (Journal, 13 février 1893)).

Referências AGARD, Brigitte et ali. Le XIXe Siècle em Littérature. Paris: Hachette, 1986:8,421,420,543. ANDRADE, Mário de. Contos e contistas. O empalhador de passarinho. 3. ed. São Paulo: Brasiliense; Martins; INL, 1972: 7-10. O artigo data de 13 set. 1938. ______. Seleção de textos, notas, estudos bibliográfico, histórico e crítico por: João Luiz Lafetá. 2ª ed. São Paulo. Nova Cultural, 1988. AUBEL, François et ali. Le Mystère Maupassant. Le Magazine Littéraire. Paris: G. Canale, 2011:56 BENHAMOU, Noëlle. Guy de Maupassant – Études réunies par Noëlle Benhamou. Amsterdam/New York: Rodopi, 2007:7. ______. Faiseur ou précurseur?. Le Magazine Littéraire. Paris: G. Canale, 2011:58. BETTEGA, Amilcar. 125 Contos de Guy de Maupassant. Seleção e apresentação de Noemi Moritz Kon. Tradução Amilcar Bettega. São Paulo: Companhia das Letras, 2009:9-25, 821. BETTEGA, Amilcar. Entrevista: Obra de Guy de Maupassant é revisitada. Diário de Santa Maria, Disponível em: Acesso em: em 01/07/2009 CARPEAUX, Otto Maria. História da Literatura Ocidental. Rio de Janeiro: O Cruzeiro, 1963:2422-2433. v. V. DIAS, Alice. A obra romanesca de Guy de Maupassant – primeira parte. 2012:1.

Sumário

Pesquisas em Tradução

| 85

Disponível em: . Acesso em 05/10/2012. FÄRNOLÖF, Hans. De la motivation du fantastique. In BENHAMOU, N. (org.) Guy de Maupassant – Études réunies par Noëlle Benhamou. Amsterdam/New York: Rodopi, 2007:45. FORESTIER, Louis. Contes et Nouvelles. Introduction, texte établi et annoté. Chronologie et avertissement. Paris: Gallimard, 1974: XXILXXXV. GÉRAUDELLE, Alain. Le Horla et autres contes fantastiques. Paris: Hachette, 1994:182-183. HERVOT, Brigitte. A mentora literária de Guy de Maupassant. São Paulo: Lettres Françaises, 2010. p. 225-252. LANOUX, Armand. Maupassant Vivant. Contes et Nouvelles. Paris: Gallimard, 1974 : IX-XIX. KON,Noemi Moritz. 125 Contos de Guy de Maupassant. Seleção e apresentação de Noemi Moritz Kon. Tradução Amilcar Bettega. São Paulo: Companhia das Letras, 2009:13. MASSON, Nicole. La Littérature Française. Paris: Eyrolles, 2007. MAUPASSANT, Guy. 125 contos de Guy de Maupassant. Seleção e apresentação de Noemi Moritz Kon; tradução de Amilcar Bettega – São Paulo: Companhia das Letras, 2009. __________________. Contes et nouvelles. Préface d’Armand LANOUX. Introduction de Louis FORESTIER. Paris: Gallimard, 1974. MAUPASSANT, Guy de. Le roman. Romans. Texte établi par Louis Forestier. Paris: Gallimard, 1987. (Bilbiothèque de la Pléiade). pp. 703-715. MENDES, Oscar. Um crítico julgador. In: VERÍSSIMO, José. Alguns livros de 1900. Estudos de Literatura Brasileira. 3ª série. Belo Horizonte: Ed. Itatiaia, 1977:3-8. MEYER, Denis C. Force et suggestion. University of Hong Kong(2003-2009). Disponível em: http://www.french.hku.hk/dcmScreen/lang3035/lang3035_mau passant.htm Acesso em 06/10/2012. NEVES, A. das. A volta do Horla: a recepção de Guy de Maupassant no Brasil. 2007. 288 f. Dissertação (Mestrado em Língua e Literatura Francesa)- Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências

Sumário

86 | G u y

de Maupassant no Brasil: uma questão de canone

Humanas, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2007.(Banco de Teses da Capes). _______, Angela das. Releituras de Guy de Maupassant. Disponível em http://seer.fclar.unesp.br/lettres/ article/view/2039/1667 Acesso 25/05/2012. POTELET, Hélène et ali. Guy de Maupassant Contes et Nouvelles. Paris : Hatier, 2004:4-10. RITCHIE, Adrian. Maupassant em 1881: entre le conte et la chronique. In: Guy de Maupassant – Études réunies par Noëlle Benhamou. Amsterdam/New York: Rodopi, 2007:11. SANTOS, Maria dos Remédios Moraes. Traduction en portugais du conte Une heure Ou la Vision de Charles Nodier. São luiz, Ma: 2002. (Monografia). SATIAT, Nadine. Maupassant – le papa de Simon et autres nouvelles. Paris: Flammarion, 2006:7-17. ______________. Maman, oui. Le Magazine Littéraire. Paris: G. Canale, 2011:66. SOUZA, Felipe Freitas de. Um estudo em tradução cultural no século XIX: Rui Barbosa e o ensino de desenho. Revista Espaço Aacadêmico. Nº 113. Outubro 2010. em:http://periodicos.uem.br/ojs/index.php/EspacoAcademico/a rticle/viewFile/10223/6 50, em 10 de junho de 2012. TAUVEL, Jean-Paul. Cinq Contes – Guy de Maupassant. Paris: Hachette, 2004:5-8. VASCONCELLOS, Marianna Fernandes de. Maupassant entre jornalismo e literatura. (Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa de Pos-Graduacao em Letras Neolatinas da Universidade Federal do Rio de Janeiro), Rio de Janeiro, 2009. (Banco de Teses da Capes). VERÍSSIMO, José. Alguns livros de 1900. Estudos de Literatura Brasileira. 3ª série. Introdução de Oscar Mendes. Belo Horizonte: Ed. Itatiaia, 1977:9,131-134. VERÍSSIMO, José. Teoria, crítica e história literária. (Seleção e apresentação de João Alexandre Barbosa). Rio de Janeiro: LTC – Livros Técnicos e Científicos Editora S.A., 1978: 208.

Sumário

Pesquisas em Tradução

| 87

ANEXOS 1. As obras originais em língua francesa cadastradas na BN

Autor 1.Guy de Maupassant 2.Guy de Maupassant 3.Guy de Maupassant 4.Guy de Maupassant 5.Guy de Maupassant 6.Guy de Maupassant 7.Guy de Maupassant 8.Guy de Maupassant 9.Guy de Maupassant 10.Guy de Maupassant 11.Guy de Maupassant 12.Guy de Maupassant 13.Guy de Maupassant

Sumário

Título Émile Zola

Editora A. Quantin

Ano 1883

Les soeurs Rondoli

P. Ollendorff

1884

La petite Roque

V. Havard

1886

Le Horla

Paul Ollendorff

1887

Au soleil

V. Harvard

1888

L’inutile beauté

Victor – Havard P. Ollendorff

1890

Musotte, pièce en trois actes Bel-ami

P. Ollendorff

1891

P. Ollendorff

1895

Miss Harriet

P. Ollendorff

19.. (?)

La petite Roque

Michel

19.. (?)

Contes choisis

P. Ollendorff

1905

Le horla

Société D’Éditions Littéraires et Artistiques – Libr. P. Ollendorff

1905

Notre coeur

1890

88 | G u y

de Maupassant no Brasil: uma questão de canone

14.Guy de Maupassant

Fort comme la mort

15.Guy de Maupassant 16.Guy de Maupassant 17.Guy de Maupassant 18.Guy de Maupassant 19.Guy de Maupassant 20.Guy de Maupassant

21.Guy de Maupassant 22.Guy de Maupassant 23.Guy de Maupassant 24.Guy de Maupassant 25.Guy de Maupassant 26.Guy de Maupassant 27.Guy de Maupassant

Sumário

1905

Yvette

Société D’Éditions Littéraires et Artistiques – Libr. P. Ollendorff P. Ollendorff

Pierre et Jean

P. Ollendorff

1908

Contes de La bécasse

Paris: L. Conard,

1908

Oeuvres complètes de Guy de Maupassant Contes de Normandie et d’ailleurs Oeuvres choisies de Guy de Maupassant; poésies, contes, Roman et nouvelles, théatre Sur l’eau

L. Conard

1908 – 10

Lib. D. Ollendorff

1911

C.Delagrave

1911

1925

Sur l’eau

C. Marpon et E. Flammarion A. Michel

Monsieur parent

A. Michel

1925

Au soleil

A. Michel

1925

Les manches d’un bourgeois de Paris Le rosier de Mme. Husson Les soeurs Rondeli

A. Michel

1925

Albin Michel

1927

A. Michel

1927

1906

1925

Pesquisas em Tradução

28.Guy de Maupassant 29.Guy de Maupassant 30Guy de Maupassant 31.Guy de Maupassant 32.Guy de Maupassant 33.Guy de Maupassant 34.Guy de Maupassant 35.Guy de Maupassant 36.Guy de Maupassant 37.Guy de Maupassant 38.Guy de Maupassant

Des vers

A. Michel

1927

Yvette

Amerc. Edit.

1943 ?

Vingt contes

Americ-Edit.

194 ?

Pierre et Jean

Americ. Edit.

194 ?

Fort comme la mort Correspondance inédite Le Horla

Americ Edit.

1944

D. Wapler

1951

Paul Ollendorff

1987

Conte et nouvelles

Gallimard

Le rosier de Mme Husson Fort comme la mort L’héritage

P. Ollendorff

1974 – 1979 19 ?

P. Ollendorff

?

C. Marpon et E. Flammarion

?

2. Obras traduzidas de Maupassant cadastradas na BN

Autor 1.Guy de Maupassant 2.Guy de Maupassant 3.Guy de Maupassant 4.Guy de Maupassant

Sumário

| 89

Título Pedro e João Vogando

Tradutor -------------

Ano 1895

-------------

Editora Liv. de A. M. Pereira Laemmert

Forte como a morte Pedro e João

-------------

Laemmert

1897

-------------

Laemmert

18- ?

1896

90 | G u y

de Maupassant no Brasil: uma questão de canone

5.Guy de Maupassant 6.Guy de Maupassant 7.Guy de Maupassant 8.Guy de Maupassant 9.Guy de Maupassant 10.Guy de Maupassant 11.Guy de Maupassant 12.Guy de Maupassant 13.Guy de Maupassant 14.Guy de Maupassant 15.Guy de Maupassant

16.Guy de Maupassant

Sumário

Pedro e João Bola de Sebo Segredos do coração Forte como a morte

Ed. Universal Gráfico Ed. Unitas J. Olympio

1932

J. Olympio

1944

Ed. Vecch

1944

-------------

Liv. Globo

1946

Bola de sebo e outros contos Novelas e contos Uma vida, Pedro e João Bola de Sebo e outras histórias

-------------

Edições Miniatura

1948

-------------

Ed. Globo

1951

-------------

W. M. Jackson

1952

-------------

Ed. Saraiva

1953

O vestal da senhora Husson

Wilson Martins e Joaquim Novas Teixeira

Martins

1953

As termas de MontOriol Contos

------------------------Tradução de Alvaro Gonçalves Tradução de Accioly Neto -------------

1933 ? 1944

Pesquisas em Tradução

17.Guy de Maupassant 18.Guy de Maupassant 19.Guy de Maupassant 20.Guy de Maupassant 21.Guy de Maupassant 22.Guy de Maupassant 23.Guy de Maupassant 24.Guy de Maupassant 25.Guy de Maupassant 26.Guy de Maupassant

27.Guy de Maupassant 28.Guy de Maupassant 29.Guy de Maupassant 30.Guy de Maupassant 31.Guy de Maupassant

Sumário

Forte como a morte Pai Milon

-------------

Liv. Martins

1953

-------------

1953

Nosso Coração Bel – Ami

-------------

Uma vida

-------------

Monte Oriel Contos da galinhola Monsieur Parent A pensão Tellier Os domingos de um burguês de Paris As irmãs Rondoli Tonico

-------------

Liv. Martins Liv. Martins Liv. Martins Liv. Martins Liv. Martins Liv. Martins Liv. Martins Liv. Martins Liv. Martins

1953

Ivete

-------------

Caprichos do coração Luisa La Roque e o Horla

-------------

Liv. Martins Liv. Martins Liv. Martins Liv. Martins Liv. Martins

1953

-------------

-------------------------------------------------

-------------------------

-------------

1953 1953 1953 1953 1953 1953 1953 1953

1953 1953 1953

| 91

92 | G u y

de Maupassant no Brasil: uma questão de canone

32.Guy de Maupassant 33.Guy de Maupassant 34.Guy de Maupassant 35.Guy de Maupassant 36.Guy de Maupassant 37.Guy de Maupassant 38.Guy de Maupassant

Mademoiselle Fifi Pedro e João Bel – Ami

-------------

O Prazer

-------------

A pensão Tellier Ivete

-------------

Vogando

-------------

39.Guy de Maupassant

42.Guy de Maupassant

Os domingos de um burguês de Paris Caprichos do coração e Misti. As irmãs Rondoli e contos do dia e da noite Contos da galinhola

43.Guy de Maupassant 44.Guy de Maupassant

40.Guy de Maupassant

41.Guy de Maupassant

Sumário

-------------

Liv. Martins Liv. Martins Liv. Martins Casa Ed. Vecchi Liv. Martins Liv. Martins Livraria Americana

1953

-------------

Liv. Martins

1955

-------------

Liv. Martins

1955

-------------

Liv. Martins

1956

------------

Liv. Martins

1956

Luisa La Roque

Lauro Almeida

Liv. Martins

1956

Bel-ami

-------------

Liv. Martins

1956

-------------

-------------

1953 1953, 1956 1954 1955 1955 ?

Pesquisas em Tradução

45.Guy de Maupassant 46.Guy de Maupassant

47.Guy de Maupassant 48.Guy de Maupassant

Contos escolhidos Uma vida

49.Guy de Maupassant

Histórias eternas Bola de sebo e outros contos e novelas Bola de Sebo

50.Guy de Maupassant

Mademoiselle Fifi

51.Guy de Maupassant

Contos escolhidos Mille. Fifi

52.Guy de Maupassant 53.Guy de Maupassant 54.Guy de Maupassant 55.Guy de Maupassant

Sumário

A inconstante Bel Ami

Bel Ami

-------------

Ed.Melhora mentos

1956

Departamento Editorial de W. M. Jackson Inc.

W.M. Jackson Inc.

1959

-------------

Ed. Cultrix

1959

------------

Civilização Brasileira

1970

Bruguera

1971

Aurea Brito Weisemberg Edmundo Lys

Bruguera

1971

Bruguera

1971

-------------

Ed. Três

1974

-------------

Clube do Livro Circulo do Livro

1976

Abril Cultural

1981

| 93

Edmundo Lys

-------------

Clovis Ramalhete

1981 (?)

94 | G u y

de Maupassant no Brasil: uma questão de canone

56.Guy de Maupassant

57.Guy de Maupassant 58.Guy de Maupassant 59.Guy de Maupassant

Contos de Guy de Maupassant Uma vida O Horla e outras histórias Bola de Sebo e outros contos

Ondina Ferreira

Cultrix

1985

Ascendino Leite José Thomaz Brum Mario Quintana, Casimiro Fernande s e Justino Martins Marques Rebelo

Abril Cultural L&M

1985

Globo

1986

Tecnoprint

1986 (?)

1986

60.Guy de Maupassant

Uma vida

61.Guy de Maupassant

Bola de sebo e outros contos

Mario Quintana, Casimiro Fernande s e Justino Martins

Globo

1987

62.Guy de Maupassant

Bola de sebo e outras histórias Pensão Tellier Os melhores contos de Guy de Maupassant

Paulo Mendes Campos

Scipione

1988

Augusto de Sousa Ondina Ferreira

Tecnoprint

1988

Círculo do Livro

1988

63.Guy de Maupassant 64.Guy de Maupassant

Sumário

Pesquisas em Tradução

65.Guy de Maupassant 66.Guy de Maupassant

Gustave Flaubert Uma vida

Betty Joyce Elias Davidovich

Pontes

1990

Tecnoprint

1991

67.Guy de Maupassant

Pensão Tellier

Augusto de Sousa

Ediouro

1993

68.Guy de Maupassant

O cordão

Paraula

1993

69.Guy de Maupassant

Bola de sebo e outras histórias Forte como a morte

Elisa Tamajusu ku ... [et al] Paulo Mendes Campos

Scipione

1993

Sergio Rubens

Ediouro

1993

Marques Rebelo Plínio Augusto Coelho

Ediouro

1993

Scrinium

1997

70.Guy de Maupassant

71.Guy de Maupassant 72.Guy de Maupassant

Uma vida

73.Guy de Maupassant

A herança

Augusto de Souza

Ediouro

1997

74.Guy de Maupassant

Contos fantástico s: O Horla & outras histórias

José Thomaz Brum

L&M

1997

Sumário

O abandona do e outros contos

| 95

96 | G u y

de Maupassant no Brasil: uma questão de canone

75.Guy de Maupassant

76.Guy de Maupassant

77.Guy de Maupassant

78.Guy de Maupassant

79.Guy de Maupassant

80.Guy de Maupassant 81.Guy de Maupassant

Os anos cor de Rosa, casa turca Bola de sebo e outras histórias Madame Hermet e outros contos fantásticos

Contos fantásticos: O Horla & outras histórias Bola de sebo e outros contos A noite: pesadelo 125 contos

82.Guy de Maupassant

Bel Ami

83.Guy de Maupassant

O Horla

Sumário

Clémence M. C. JouëtPastré Paulo Mendes Campos

Cone Sul

1998

Scipione

1998

Carmen Lúcia Cruz Lima Gerlach e Maria Jose Werner Salles José Thomaz Brum

Editora da UFSC

1999

L&PM

1999

Pietro Nassetti

M. Claret

2003

José Bento Ferreira Amilcar Bettega

CosacNaify

2004

Companhia das Letras

2009

Leila de Aguiar Costa -------------

Estação Liberdade

2011

Artes e Ofícios

Pesquisas em Tradução

3.Obras de Maupassant em espanhol, alemão e inglês 1.Guy de Maupassant 2.Guy de Maupassant 3.Guy de Maupassant 4.Guy de Maupassant

Sumário

La loca Ein menschenleben (roman) Die schnepfe Short Stories

Casa Ed. Mauci E. Fleischel

1905

E. Fleisachel & co. J. M. Dent & sons itd

1919

1919

1951

| 97

98 | P o e

no Brasil: uma análise dos paratextos...

Sumário

Pesquisas em Tradução

| 99

Francisco Francimar de Sousa ALVES Universidade Federal de Campina Grande

Andreia GUERINI PGET/UFSC Luana Ferreira de FREITAS Universidade Federal do Ceará

Genette em Paratextos Editoriais define paratexto como “o reforço e o acompanhamento de certo número de produções, verbais ou não, como um nome de autor, um título, um prefácio, ilustrações, que nunca sabemos se devemos considerar parte dele”, mas que, de qualquer forma, cercam e prolongam o texto, “exatamente para apresentá-lo” (2009, p. 9, grifo do autor). Os paratextos consistem, portanto, de elementos informativos e significantes na construção de uma obra e caracterizam-se por serem “facilitadores” da leitura, ajudando a explicá-la. Esses componentes podem ser também subtítulo, dados sobre o autor, posfácio, glossário, notas de pé de página, além de outros. Assumindo a função de mediadores entre o texto e o leitor podem, como observa Figueiredo, “potencialmente influenciar a leitura e a recepção do texto” (2010, p. 118), e ainda serem decisivos no momento de comprar ou não uma obra traduzida, pois dentre as várias funções exercidas pelos paratextos estão a informativa, a Sumário

100 | P o e

n o B r a s i l : u m a a n á l i s e d o s p a r a t e xt o s . . .

comercial, a explicativa, a metatradutória e a canônica (FIGUEIREDO, 2005, sp). Devido à importância que esses textos de acompanhamento assumem nos livros traduzidos, o objetivo deste artigo é examinar alguns paratextos presentes em duas coletâneas de contos de Edgar Allan Poe traduzidas para o português do Brasil: Histórias Extraordinárias (1970), de Brenno Silveira, e Histórias Extraordinárias de Allan Poe (2003), de Clarice Lispector. O fato de as antologias escolhidas para análise terem sido publicadas com um lapso de mais de 30 anos foi determinante para que se verificasse eventuais semelhanças quanto aos elementos paratextuais, e por uma apresentar tradução integral (Histórias Extraordinárias/1970) e a outra ser uma adaptação (Histórias Extraordinárias de Allan Poe/2003). Como se sabe, Edgar Allan Poe (1809-1849) teve um percurso de vida conturbado, desregrado e aventureiro. Apesar de seus desacertos, deixou um legado de grandes obras como poemas românticos, histórias de horror e mistério, sátiras, contos policiais e ensaios críticos e filosóficos. Sua criatividade atraiu a admiração e o elogio de renomados simbolistas franceses, como Baudelaire, Mallarmé e Valéry, e a simpatia do famoso poeta português, Fernando Pessoa. A crítica é unânime ao informar que a fama de Poe está relacionada à sua genialidade como escritor de histórias fantásticas e poemas românticos e que o seu sucesso veio a se consolidar através da França, especialmente a partir da publicação de Baudelaire do primeiro volume de traduções de treze contos com o título de Histoires Extraordinaires (1856), dos originais de Poe (25 contos), escritos entre 1832 e 1845, que o escritor americano teve sua obra reconhecida na França e, em seguida, em várias partes do mundo ocidental. A primeira edição (tradução anônima a partir do francês) de contos de Poe no Brasil foi a coletânea Novellas Extraordinárias, publicada por H. Garnier, Livreiro-Editor, no ano de 1903. O livro, que traz como título “Traducção Sumário

Pesquisas em Tradução

| 101

Brasileira”, é composto de dezoito contos e o poema “O Corvo (Gênese de um poema)”, versão em prosa de “The Raven”, elaborada por Baudelaire. Contudo, sobre esta edição, Denise Bottmann diz não poder afirmar se é simplesmente cópia ou se realmente é uma “traducção brasileira” de direito próprio, pois não lhe são atribuídos os devidos créditos e também há posteriores menções a uma tradução portuguesa idêntica a ela (2010, p. 3). A primeira tradução efetivamente brasileira (a partir do francês), ainda segundo Bottmann1, tem como autor Affonso de Escragnolles Taunay, publicada em 1927 pela Editora Melhoramentos, coletânea composta de nove contos sob o título de Histórias Exquisitas. Entretanto, a primeira tradução2 de quase toda a obra do autor, em português brasileiro, foi publicada pela Editora Globo de Porto Alegre, em 1944. Araújo acredita tratar-se do melhor material de tradução das obras de Poe para o português, mesmo contendo muitos erros e, apesar da capa aludir a ‘Obras Completas’, não contém toda a produção de Poe (2002, p. 139). Dos 69 contos do autor, 66 foram lançados nessa edição3. Oscar Mendes organizou o volume e traduziu a prosa, e Milton Amado a poesia (DAGHLIAN, 2003, p. 46). Foi em 1965 que uma nova e bem apresentada edição desta tradução, publicada em papel-bíblia pela Editora Aguilar, passou a ser considerada como uma espécie de edição definitiva das obras de Poe (Idem). É importante salientar que, antes da publicação das obras completas em 1944, outras coletâneas (não-completas) foram apresentadas Ver “sobra e falta, Poe X” e “XLVII, primeiro livro de Poe em tradução brasileira”. Disponível em: . Acesso em: 18.06.12. 2 Poesia e Prosa de Edgar Allan Poe. Porto Alegre, Globo, 1944, 3 vols., 1500p. (Araújo, 2002, p. 139). 3 Ver “Poe XLII, primeira parcial”. Disponível em: . Acesso em: 06.06.12. 1

Sumário

102 | P o e

n o B r a s i l : u m a a n á l i s e d o s p a r a t e xt o s . . .

ao público brasileiro. Outrossim, o reconhecimento literário de Poe no Brasil é notável pelo significativo número de traduções publicadas e de tradutores envolvidos4. Figueiredo, ao tratar das traduções de contos de Poe em Portugal, observa que, a partir do início do século XX, as antologias e os livros independentes têm apresentado paratextos muito variados, sobretudo prefácios de vários tipos, sendo mais frequentes os biográficos e/ou biobibliográficos, aqueles que se centram sobre a vida e a obra do poeta (2009, p. 90). Quanto às traduções do autor no Brasil, os elementos paratextuais também têm se apresentado de forma bastante diversificada, principalmente no que diz respeito aos títulos e desenhos de capa, que chamam imediatamente a atenção do leitor. Títulos como Histórias Extraordinárias, Contos de Terror e Mistério, A Carta Roubada e outras histórias de crime e mistério são alguns dentre os muitos já lançados no mercado. Após esse breve relato biobibliográfico de Poe e conforme informado na introdução deste capítulo, uma das antologias aqui analisadas é a intitulada Histórias Extraordinárias5, publicada pela Civilização Brasileira, em 1970. O livro traz uma seleção de treze contos traduzidos (em sua maioria) por Brenno Silveira. Quanto ao tradutor e essa tradução, Bottmann afirma:

José Paulo Paes, Brenno Silveira e Oscar Mendes são alguns entre os muitos que traduziram contos de Poe no Brasil. 5 Inicialmente uma seleção de onze contos traduzidos por Brenno Silveira foi publicada com o título de Antologia de contos de Edgar Allan Poe, pela Civilização Brasileira, em 1959. Em 1970, a mesma editora relança a coletânea com o título de Histórias Extraordinárias acrescida de dois contos: “William Wilson” (tradução de Berenice Xavier) e “Nunca Aposte a Cabeça com o Diabo” (tradução de Oscar Mendes e Milton Amado). (Ver “as histórias extraordinárias começam a se espalhar”. Disponível em: . Acesso em: 08.06.12). 4

Sumário

Pesquisas em Tradução

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As traduções de Brenno Silveira analisadas pelas articulistas saíram inicialmente em 1959, numa coletânea que ele próprio selecionou e traduziu, publicada pela editora Civilização Brasileira com o título de Antologia de Contos de Edgard Allan Poe, dado este que não consta do referido artigo. Apenas em 1970, a Civilização Brasileira altera o título dessa coletânea para Histórias Extraordinárias, que então se manteve por várias décadas em seus licenciamentos para o Círculo do Livro, a Abril Cultural e a Nova Cultural, até data recente, quando a mesma coletânea foi reeditada pela Best Bolso com o título de Antologia de contos extraordinários, com a devida menção à responsabilidade de Brenno pela seleção dos contos.6

Partindo dos aspectos morfológicos (capa, contracapa, página de rosto), essa edição, de 245 páginas, exibe na capa o nome do autor (na cor verde), o título da obra (em letras maiúsculas grandes na cor vermelha) e o nome da editora também na cor vermelha, mas em fonte pequena. Além desses dados, a capa traz uma ilustração (na cor preta) de dois morcegos e um rosto humano. O título da obra (em letras maiúsculas na cor preta) e o nome do autor (em letras minúsculas na cor laranja) são repetidos na lombada do livro. A contracapa fornece alguma descrição sobre o autor e a obra traduzida, tipo de informação batizado por Genette de press release, ou seja, “um texto curto (geralmente de meia a uma página) que descreve, à maneira de resumo ou de qualquer outro meio, e de modo normalmente elogioso, a obra a que se refere” (2009, p. 97). Sendo assim, o título da BOTTMANN, Denise. Em defesa de Brenno Silveira. Domínios de Lingu@gem. Revista Eletrônica de Linguística. Vol. 6, n° 1 – 1° Semestre 2012 - ISSN 1980-5799, pp. 560-564). Disponível em: . 6

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obra (em letras maiúsculas na cor verde) e o nome do autor (em maiúsculas nas cores verde e preta) são apresentados da seguinte forma: HISTÓRIAS EXTRAORDINÁRIAS reúne as melhores e mais famosas narrativas de EDGAR ALLAN POE – inclusive os contos Nunca Aposte Sua Cabeça Com o Diabo, Metzengerstein e William Wilson, que foram recentemente filmados por Frederico Fellini, Louis Malle e Roger Vadim. Mestre do conto de terror e de mistério, criador do gênero policial, EDGAR ALLAN POE é uma das figuras máximas da literatura norte-americana e universal, sabendo, como poucos escritores, aliar, em suas imortais histórias, fantasia e equilíbrio, devaneio e realismo, lirismo e pânico.

No final da contracapa há também uma informação acerca da editora, resumida na frase (de autoelogio): “Mais um lançamento de categoria da CIVILIZAÇÃO BRASILEIRA”:

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O livro também consta de badanas (orelhas), uma na capa, outra na contracapa, apresentando um texto que mescla informações sobre a obra, como: “Esta antologia reúne alguns dos melhores e mais famosos contos de Edgar Allan Poe...”; sobre Poe: “Homem de vida inquieta, ser atormentado pela angústia, alma possuída de súcubos e íncubos...”; sua teoria do conto: “Em famoso ensaio sobre o conto, Poe ressalta as condições essenciais para a sua execução: brevidade e unidade de impressão...”, e finaliza apontando a importância da obra do autor para a literatura universal: “Poe é, reconhecidamente, um momento alto do espírito criativo que reformula o universo e o devolve ao comum dos homens sob a forma de arte imperecível”. Esse texto informativo que tem como título “Edgar Allan Poe e o conto policial, de mistério e de terror” é assinado por Mariano Torres. É importante frisar que nada é dito a respeito de Torres ou do tradutor, figuras que contribuíram (em maior ou menor grau), para que a obra existisse. No entanto, não conhecemos o perfil desses agentes responsáveis, direta (o tradutor) ou indiretamente (Torres), pela obra traduzida. Enquanto muitas referências são atribuídas a Poe e sua obra, nenhum comentário é atribuído ao tradutor. No que toca ao interior do livro, a página de rosto consta apenas o título; no verso desta a editora informa o nome da coleção ao passo que a divulga, podendo ser, portanto, uma estratégia comercial, pois induz (indiretamente) o leitor a ler outras obras da mesma coleção: COLEÇÃO SEMPRE-VIVA Obras Célebres da Literatura Universal Volume 8

Na página seguinte, constam o nome do autor, o título da obra (na cor verde) e o nome do tradutor, organizador e prefaciador, Brenno Silveira. Na parte inferior da página, Sumário

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aparece o nome da editora acompanhado do logotipo. O verso desta traz o número do exemplar, o nome de quem desenhou a capa, e o endereço da editora precedido da observação: “Direitos desta tradução reservados à EDITORA CIVILIZAÇÃO BRASILEIRA S.A.”, e, por fim, data da publicação (1970) acompanhada da frase nos dois idiomas: “Impresso no Brasil/Printed in Brazil”. A página posterior traz o índice com a relação dos treze contos7 narrados na obra: “A Queda da Casa de Usher”, “O Barril de Amontillado”, “O Gato Preto”, “Berenice”, “Manuscrito Encontrado numa Garrafa”, “William Wilson”, “Os Crimes da Rua Morgue”, “O Mistério de Marie Rogêt”, “A Carta Roubada”, “Metzengerstein”, “Nunca Aposte a Cabeça com o Diabo”, “O Duque de L’Omelette” e “O Poço e o Pêndulo”. Vale ressaltar que, na primeira página de “William Wilson”, há uma nota de rodapé informando que a tradução é de Berenice Xavier; outra, na última página de “Nunca Aposte a Cabeça com o Diabo”, informa em nota: “A tradução deste conto foi gentilmente cedida pela Editora Globo, Porto Alegre”, sendo, portanto, de Oscar Mendes, tradutor de quase toda a obra de Poe em prosa. O verso da página que contém o índice aparece em branco. Em seguida, há um prefácio assinado por Brenno Silveira que se estende por cerca de dez páginas dedicadas à biografia do autor e sua obra. Na página seguinte, cujo verso se encontra em branco, o título da coletânea e o nome do autor se repetem. A última página da obra informa o nome da gráfica onde o livro foi impresso, acompanhado do Títulos originais: “The Fall of the House of Usher”, “The Cask of Amontillado”, “The Black Cat”, “Berenice”, “Manuscript Found in a Bottle”, “William Wilson”, “The Murders in the Rue Morgue”, “The Mystery of Marie Roget”, “The Purloined Letter”, “Metzengerstein”, “Never Bet the Devil Your Head”, “The Duc de L’Omelette”, and “The Pit and the Pendulum”. 7

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logotipo, e se soma a endereço, telefones, cidade, país, ano de publicação e caixa postal. Essas informações, a princípio, podem parecer desnecessárias; contudo, elas são importantes para o receptor da publicação que valoriza o título que está adquirindo. Por um lado, o leitor tem o direito de saber a origem da obra, por outro, a editora adquire maior credibilidade diante do seu público. Genette (2009, p. 34), ao se referir à descrição de elementos tipográficos de uma obra, observa que “o leitor tem o direito e até às vezes o dever de saber em que caracteres é composto o livro que tem em mãos, e não se pode exigir dele que saiba reconhecê-los por si só” (grifo do autor). A segunda antologia é uma adaptação da escritora, jornalista e tradutora Clarice Lispector, uma reedição da Ediouro (2003), intitulada Histórias Extraordinárias de Allan Poe. A coletânea, com dezoito contos selecionados e adaptados por Lispector, recebeu esse título em 1985, ano da primeira edição8 na Coleção Elefante, mais tarde na Coleção Clássicos para o jovem leitor. Em 2005, a Ediouro lança a mesma seleção com o título de Histórias Extraordinárias. A capa exibe título (na cor preta e em plano de fundo branco), nome do autor, logotipo da editora além de outras informações inerentes ao tipo de leitura presente na obra: 1. título da série (clássicos para o jovem leitor) no alto da página, à direita, deixando claro que se trata de uma leitura dirigida a um público específico; Em 1974, a Ediouro lança a coletânea 7 de Allan Poe, seleção e adaptação de Clarice Lispector, Coleção Calouro. Em 1975, a editora lança na mesma coleção, 11 de Allan Poe, também com seleção e adaptação de Lispector. Em 1985, esses dezoito contos foram reunidos e lançados com o título de Histórias Extraordinárias de Allan Poe [uma das várias antologias publicadas com o título de Histórias Extraordinárias], primeiro na Coleção Elefante, depois em outras (Ver “Poe contista em o livro no Brasil I”. Disponível em: . Acesso em: 18.06.12). 8

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2. nome de quem traduziu e adaptou os contos (abaixo do nome do autor) ao pé da página, sinalizando tratar-se de uma tradução/adaptação, não de uma tradução em si, como na antologia anterior. Devo observar que, raramente, o nome do tradutor é apresentado nas capas das publicações, mas, tendo em vista a fama da Clarice escritora, é possível inferir que a decisão do editor em colocar o seu nome na capa tenha sido uma estratégia comercial. 3. gravura (colorida) de um cemitério no centro da página, o que leva o leitor imaginar que a coletânea narra histórias relacionadas à morte, tema recorrente nos contos de Poe. Exceto a ilustração toda a parte externa do livro (capa, contracapa e lombada) apresenta-se na cor rosa. Quanto ao fato de Histórias Extraordinárias de Allan Poe ser um texto adaptado para um público-alvo, resultando em um tipo de reescritura que visa atrair o leitor infanto-juvenil, diferentemente de uma tradução em si, que pretende atingir um público mais adulto, como é o caso da coletânea traduzida por Brenno Silveira, vale citar a afirmação de Torres (2011), que vai diferenciar os dois termos em questão, “tradução” e “adaptação”: A adaptação não é, então, aceita como sendo uma tradução, ou ainda, como o precisa Bastin, o conceito de adaptação requer reconhecimento da tradução como não adaptação. A tradução é uma não adaptação, mas a adaptação comporta operações tradutórias ligadas a um texto-fonte. E é esse último ponto de interseção entre tradução e adaptação que, finalmente, permite aproximar os dois termos. A adaptação, na maioria das vezes, sugere rearranjo e modificação, quando se trata de passar de um gênero a outro (romance-teatro, cinema-romance-literatura

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para crianças). O fato de encontrar tradução e adaptação juntas traz à tona a hipótese de uma tradução bastante livre, as duas noções estando ligadas a um texto-fonte (pp. 28-9).

Ao considerar a citação acima, o leitor, portanto, não pode esperar de um texto adaptado ou de uma adaptação cinematográfica, uma correspondência “fiel” ao texto-fonte, visto que em qualquer adaptação haverá sempre uma maior liberdade de escolhas de quem está manipulando um texto alheio. Torres ao afirmar que “A tradução é uma não adaptação” (op.cit., p. 28), sugere que o tradutor não tem exatamente a mesma liberdade de escolhas de quem, ao mesmo tempo, traduz e adapta uma obra, pois tais opções interferem bruscamente no texto original, como é o caso de omissões, acréscimos, alterações frasais entre outras. Isso pode ser per-cebido na grande diferença referente ao número de páginas entre as duas coletâneas em análise: a primeira, tradução de treze contos, consta de 237 páginas de texto narrado; a segunda, adaptação de dezoito contos, é composta de 134 páginas de narrativa. Vale lembrar que, na maioria das vezes, a adaptação sugere rearranjo e modificação, quando se trata de passar de um gênero a outro e, a combinação de tradução e adaptação possibilita a escritura de um texto bastante livre (cf. TORRES, op.cit., p. 29). Com relação à lombada do livro, o título, o nome do autor e o logotipo da editora são repetidos, contudo, também aparece uma numeração que leva a crer ser o número da série. Já a contracapa repete o título da obra (como apresentado na capa) centralizado no alto da página. O ISBN, o logotipo e o site da editora estão localizados linearmente ao pé da página. Entre esses dois blocos de informação há um breve texto que se inicia com duas perguntas que dão indícios sobre o tipo de narrativa existente na coletânea: Sumário

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“Quem nunca sentiu medo, em um lugar sombrio ou deserto? Quem não adora a sensação de pavor suscitada por um bom livro de mistério ou um filme de terror?”. O mesmo texto também fornece comentários elogiosos sobre o autor: “Edgar Allan Poe, um dos maiores escritores americanos do século XIX, foi o precursor de um gênero (...)” e sobre a tradutora: “Clarice Lispector, grande escritora que colaborou para a renovação da literatura brasileira a partir da década de 1940”. As duas perguntas iniciais buscam despertar no leitor a curiosidade em uma leitura voltada para a temática fantasmagórica das histórias presentes na obra. A mesma estratégia que visa atingir o leitor adepto ao gênero gótico pode ser justificada em relação aos elogios tecidos, simultaneamente, a autor e tradutora. Poe, escritor canônico da literatura universal; Lispector, conceituada escritora no âmbito nacional.

No que concerne ao interior do livro, a página de rosto traz, exceto a ilustração, as mesmas informações contidas na capa (títulos da coletânea e da série, nomes do autor e da Sumário

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tradutora, e nome/logotipo da editora), acrescidas da edição (“reformulada”), do número de (re)impressões (3ª reimpressão) e site da editora. No verso há uma série de informações, que um leitor mais atento poderá buscar, conforme sequência apresentada na própria página: 1. No alto, indicação dos direitos autorais (Copyright © Ediouro Publicações S.A.). 2. Observação quanto aos direitos autorais (Todos os direitos reservados e protegidos pela Lei 9.610 de 19/02/1998. É proibida a reprodução total ou parcial, por quaisquer meios, sem autorização prévia, por escrito, da Editora). 3. Corpo editorial com os nomes dos profissionais e/ou empresas gráficas responsáveis por: Coordenação editorial, Revisão de texto, Edição de arte, Coordenação de produção editorial, Coordenação de PCP (Planejamento e Controle da Produção), Editoração eletrônica, e Imagem da capa. 4. Ficha catalográfica acompanhada do enunciado: “Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)/(Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)”. Uma das informações contidas nesta ficha é o ano de nascimento e morte da escritora-tradutora (1925-1977). É pertinente observar que Clarice nasceu em 1920, contrariamente à informação anunciada. 5. Menção ao “Índice para catálogo sistemático: 1. Literatura infanto-juvenil; 2. Literatura juvenil”. 6. Nome da editora (Ediouro Publicações S/A), seguido do nome da cidade (Rio de Janeiro), endereço, telefone, fax, e-mail e site. Na terceira página, consta o índice com a lista do conteúdo, incluindo “Introdução”, “Biobibliografia” e os de-

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zoito contos9 selecionados e adaptados para a coletânea: “O gato preto”, “A máscara da morte rubra”, “O caso do Valdemar”, “Manuscrito encontrado numa garrafa”, “Enterro prematuro”, “Os crimes da rua Morgue”, “A queda da Casa de Usher”, “Os dentes de Berenice”, “Nunca aposte sua cabeça com o Diabo”, “O Duque De L’Omelette”, “William Wilson”, “O retrato oval”, “O coração denunciador”, “O Diabo no campanário”, “O barril de Amontillado”, “Metezengerstein”, “Ligéia” e “Deus (Revelação Magnética)”. O verso dessa página apresenta-se em branco. Na quinta e sexta páginas, há introdução (sem assinatura), cujo primeiro parágrafo é “do comentário de Charles Baudelaire, grande amigo do poeta”, conforme indicado entre parênteses, abaixo da palavra “introdução”. Nos próximos cinco parágrafos são tecidos comentários elogiosos sobre Poe com frases do tipo: “Como poeta, Edgar Allan Poe representa, quase sozinho, o movimento romântico na América”, “Nenhum homem jamais contou com maior magia as exceções da vida humana e da natureza”, “Não é fácil recontar, resumindo, uma história de Edgar A. Poe”. Em seguida, entre as páginas 7 e 140, os contos são recontados. As três páginas subsequentes apresentam uma “Biobibliografia” do autor. Finalmente, ao pé da última página do livro, é encontrada a seguinte informação: “Esta obra foi impressa com miolo em papel offset 75g e capa em cartão supremo 250g na Ediouro Gráfica”. Títulos originais: “The Black Cat”, “The Masque of the Red Death”, “The Facts in the Case of M. Valdemar”, “MS Found in a Bottle”, “The Premature Burial”, “The Murders in the Rue Morgue”, “The Fall of the House of Usher”, “Berenice”, “Never Bet the Devil your Head”, “The Duc de L’Omelette”, “William Wilson”, “The Oval Portrait”, “The Tell-Tale Heart”, “The Devil in the Belfry”, “The Cask of Amontillado”, “Metzengerstein”, “Ligeia”, and “Mesmeric Revelation”. 9

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Em suma, vale salientar algumas diferenças e semelhanças que podem ser verificadas entre as duas publicações: a Ediouro tece (na contracapa) algum comentário acerca da tradutora; a Civilização Brasileira, ao contrário, nada diz a respeito do tradutor. Esta lacuna é indicativa da invisibilidade do tradutor, o que será discutido oportunamente. A edição da Civilização Brasileira apresenta notas de pé de página (seis delas são do tradutor); a Ediouro não apresenta qualquer nota, mas, por tratar-se de uma adaptação, a linguagem está voltada para um público mais jovem; assim, a nota de rodapé poderia se tornar enfadonha para o leitor; nenhuma das antologias presta informações a respeito dos critérios utilizados pelos tradutores no processo tradutório; dez contos se repetem nas duas coletâneas: “O gato preto”, “Manuscrito encontrado numa garrafa”, “Os crimes da rua Morgue”, “A queda da Casa de Usher”, “Berenice”10 “Nunca aposte sua cabeça com o Diabo”11, “O Duque De L’Omelette”, “William Wilson”, “O barril de Amontillado”, “Metezengerstein”. Vale observar que alguns contos são recorrentes na maioria das antologias. Para concluir, podemos afirmar que os paratextos presentes nas duas antologias apresentam pelo menos três funções: informativa, comercial e canonizadora. Assim, no que concerne à função informativa, ambas as publicações fornecem dados referentes à vida, obra e temática do autor, contudo, a coletânea traduzida e adaptada por Lispector concentra menos informações do que a traduzida por Silveira, talvez por se tratar de uma adaptação dirigida a um público mais jovem, a editora não tenha se preocupado em fornecer maiores detalhes nesse aspecto. As duas antologias têm cunho comercial no sentido de apelarem para a atenção Na tradução de Lispector o título é “Os dentes de Berenice”. Na tradução de Silveira o título é “Nunca Aposte a Cabeça com o Diabo”. 10 11

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do leitor através do título, das ilustrações de capa (cemitério e morcegos) e de resumo na contracapa (press release). A grande maioria de títulos e capas de coletâneas traduzidas de Poe está relacionada ao mistério, ao sombrio, ao pavor, ao crime. As coletâneas analisadas também detêm uma função canonizadora: primeiro, por serem narrativas de um escritor de fama mundial (o mestre do conto fantástico); segundo, por serem publicações de editoras bem conceituadas; e terceiro, por serem traduções de escritores-tradutores consagrados na década de 70. Nesse ponto, Figueiredo observa que “a antologização e os prefácios da autoria de figuras consagradas ou pelo menos detentoras de algum peso cultural no sistema importador funcionam como tentativa de canonizar [perpetuar, no caso de Poe] os autores antologiados” (2009, p. 91). Silveira é autor de um dos primeiros livros sobre tradução (A arte de traduzir), uma referência no Brasil. Além de contos de Poe, também traduziu obras de escritores como Vladimir Nabokov e Henry James. Lispector foi jornalista, tradutora e, principalmente, renomada romancista e escritora de contos de destaque como “A hora da estrela”, “Água Viva” e “Laços de Família” além de crônicas e obras de literatura infantil. No que concerne aos paratextos das edições acima analisadas, podemos dizer que é marcante a presença de certos discursos de acompanhamento como prefácio, introdução, apresentação, elementos que buscam uma melhor receptividade no polissistema literário nacional dos contos de Poe. Por se tratar de um escritor de fama mundial é promissor ao mercado editorial publicar traduções de suas obras, o que justifica o interesse de muitas editoras. Globo, Ediouro, Civilização Brasileira, Cultrix e L&PM, estão entre as muitas que já publicaram a prosa e/ou a poesia do autor. Vale ressaltar que, nos últimos oito meses de 2012, três editoras lançaram coletâneas de contos de Poe no Brasil, a Sumário

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saber: Martin Claret, Tordesilhas e Besouro Box. O montante de 528 traduções desde a primeira antologia lançada em 1903 está distribuído em 145 publicações12, variando de um a 22 contos (por publicação) e envolvendo o trabalho de cerca de 80 tradutores. Referências ARAÚJO, Ricardo. Edgar Allan Poe: um homem em sua sombra. Cotia/SP: Ateliê Editorial, 2002. BOTTMANN, Denise. “Alguns aspectos da presença de Edgar Allan Poe no Brasil”. Tradução em Revista, vol. 8, 2010/1, pp. 01-19. DAGHLIAN, Carlos. “A recepção de Poe na literatura brasileira”. Fragmentos (UFSC), nº 25, Florianópolis, jul-dez/2003, p. 45-54. Disponível em: FIGUEIREDO, Vivina Almeida Carreira de Campos. “Fortuna literária de Edgar Allan Poe traduzido em Portugal”. Cadernos de Tradução (UFSC), v. 2, n0 24. Florianópolis: Núcleo de tradução, 2009, p. 65-94. Disponível em: ___________. “A paratextualidade na reescrita portuguesa dos contos de Edgar Allan Poe”. In: Revista Anglo Saxonica, Ser. III, n. 1, 2010. Disponível em: ___________. “Joyce em Português europeu. As funções dos paratextos em Dubliners e A Portrait of the Artist as a Young Man”. O Língua. Revista Digital sobre Tradução, n. 6, abril/2005. Disponível em: GENETTE, Gerard. Paratextos editoriais. Tradução de Álvaro Faleiros. São Paulo: Ateliê Editorial, 2009. Agradecemos a Denise Bottmann por essa informação. Devo observar que nesse número inclui The Narrative of Arthur Gordon Pym of Nantucket, único romance de Poe. 12

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POE, Edgar Allan. Histórias Extraordinárias. Tradução de Brenno Silveira. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1970. ________. Histórias Extraordinárias de Allan Poe. Trad. e adaptação de Clarice Lispector. São Paulo: Ediouro, 2003. TORRES, Marie Hélène Catherine Torres. Traduzir o Brasil Literário: Paratexto e discurso de acompanhamento. Trad. do francês: Marlova Aseff e Eleonora Castelli. Tubarão: Copiart, 2011, vol. 1.

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Lavínia Teixeira GOMES Universidade Federal da Paraíba

Maria Lúcia VASCONCELLOS Universidade Federal de Santa Catarina

Breve panorama da tradução audiovisual nos Estudos da Tradução O presente artigo situa-se na área de conhecimento da tradução audiovisual (doravante TAV), ramo que ganhou interesse no meio acadêmico, enquanto modo de tradução, a partir dos anos 80, atingindo seu auge na década de 90 (DIAZ CINTAS, 2008, FRANCO; ARAÚJO, 2011). Objetivamos apresentar algumas reflexões sobre o tratamento dado ao que Lewis (1985) denomina “nós textuais de significado” nas legendas do documentário Saudade do Futuro. Antes de explanarmos o que sejam “nós textuais de significado” faz-se necessário distinguirmos os termos “legenda” e “legendagem” que são utilizados ao longo deste artigo e que podem ser indevidamente confundidos. Tomamos a definição dada por Dias Cintas que define o termo “legenda” como sendo

Direção de Marie-Clémence e Cesar Paes. Produção Francobrasileira, 2000. Duração 94 minutos. 1

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“ N ó s T e xt u a i s d e S i g n i f i c a d o ” n a s l e g e n d a s . . .

[...] uma prática de tradução que consiste em apresentar, em geral sobre a parte inferior da tela, mas nem sempre (no Japão as legendas são colocadas na vertical do lado direito da tela), um texto escrito que tenta restituir: o diálogo original dos locutores, que eles estejam ou não na tela; os elementos discursivos que aparecem na imagem [...]; outros elementos discursivos que fazem parte da trilha sonora, como as músicas, as vozes que emanam da televisão, da rádio, ou de computadores, etc.” (2008, p. 27-28).2

Deste modo, a legenda3 refere-se ao material textual que será inserido na tela, enquanto que o termo “legendagem” refere-se a todo o processo, i.e, da etapa de marcação das legendas até sua revisão e gravação (ARAÚJO, 2006, p. 158). Quanto ao profissional que traduz os diálogos em legendas e as insere na tela, eles podem ser dois: o legendador e o legendista. Alvarenga (1998, p. 215) define “legendador” como sendo o técnico que insere as legendas no material visual, enquanto que o “legendista” é aquele que faz a tradução do texto oral para o texto escrito (a legenda). Muitas vezes o próprio o legendista (o tradutor) é o próprio legendador. Autores como Martinez (2007) e Carvalho (2010) preferem chamar os tradutores para legendas de legendadores. Neste artigo é utilizado o termo “legendador”

Original : Le sous-titre peut être défini comme une pratique de traduction qui consiste à présenter en général sur la partie inférieure de l’écran, mais pas toujours (au Japon, les sous-titres sont disposés verticalement sur le côté droit de l’écran) un texte écrit qui s’attache à restituer : le dialogue original des locuteurs, qu’ils soient ou non à l’écran ; les éléments discursifs qui apparaissent à l’image […] ; d’autres éléments discursifs qui font partie de la bande son, comme les chansons, les voix émanant de postes de télévision, de radios ou d’ordinateurs, etc. 3 Fazemos referência aqui às legendas para ouvintes. 2

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para fazer referência ao profissional que traduz os diálogos orais para, em seguida, inseri-los no formato das legendas. O artigo “La traduction audiovisuelle: un genre en expansion”4 de Gambier (2004, p. 2-3) é bastante esclarecedor ao situar a legendagem dentro do campo de conhecimento da TAV, distinguindo, com mais detalhes, outros modos de tradução pertencentes a este campo disciplinar, a saber: tradução de roteiro, feita para projetos de realização cinematográfica ou televisiva; legendagem intralinguística (ou closed caption) para surdos e deficientes auditivos; legendagem interlinguística (ou open caption) legendagem monolíngue ou bilíngue; legendagem em tempo real; dublagem; interpretação consecutiva ou simultânea em rádio ou televisão; o voice-over ou meia-dublagem (superposição da voz na língua de chegada sobre a da língua de partida); o comentário livre, com explicitações, informações, comentários; o subtítulo (utilizado em peças de teatro ou ópera e projetado em tempo real); tradução à prima vista, realizada a partir de um roteiro ou de uma legenda já feita em outra língua; a audiodescrição (intra ou interlingual); e, por fim, a produção multilinguística ou remakes de filmes adaptados para um mercado e/ou público específico(s). Essa classificação desenvolvida por Gambier retrata a complexidade e extensão do campo da tradução audiovisual, onde a imagem, o verbal e o áudio se entrelaçam. O autor, querendo combater a visão reducionista que ainda permeia a TAV, salienta que [...] ela (A TAV) é uma tradução seletiva com adaptação, compensação, reformulação e não somente perdas! [...] Ela é tradução se ela é vista como um todo, levando em conta o gênero, os estilos de filmes e programas, os receptores na sua diversidade sócio-

4

Tradução: A tradução audiovisual: un gênero em expansão.

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“ N ó s T e xt u a i s d e S i g n i f i c a d o ” n a s l e g e n d a s . . .

cultural e em sua diversidade de hábitos de leitura, assim como a multimodalidade da comunicação AV (visual, verbal, áudio). (GAMBIER, ibid., p. 5)5. [itálico meu]

Considerada também tradução, mas com suas especificidades, a legendagem somente começou a interessar ao meio acadêmico a partir dos anos 90. Esse interesse tardio da comunidade acadêmica, aponta Diaz Cintas (2008), vem do fato de que muitos estudiosos não consideravam a legendagem uma verdadeira tradução, em função das restrições impostas pelo espaço e tempo e que limitam consideravelmente o produto final. A evolução do conceito de tradução nos Estudos da Tradução (doravante ET) contribuiu consideravelmente para a aceitação de novas práticas tradutórias derivadas das novas realidades, como afirma Diaz Cintas: [...] começamos há pouco a considerar o conceito de tradução de um ponto de vista mais flexível, mais heterogêneo e menos rígido, que deve necessariamente levar em conta uma grande variedade de realidades empíricas e que permite reconhecer a natureza evolutiva das práticas profissionais no campo do audiovisual. [...] a tradução é considerada de agora em diante, pela maioria dos pesquisadores, como um termo mais flexível e mais geral, que pode se adaptar às novas realidades em vez de negligenciar práticas Original : La TAV est une traduction qui n'est pas plus "contrainte", pas plus "un mal nécessaire" que d'autres types ; elle est une traduction sélective avec adaptation, compensation, reformulation et pas seulement pertes ! […]. Elle est traduction si celle-ci est vue comme un tout, prenant en compte les genres, les styles de films et de programmes, les récepteurs dans leur diversité socio-culturelle et leur diversité dans les habitudes de lecture, ainsi que la multimodalité de la communication AV (visuel, verbal, audio). 5

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que não entrariam no quadro pomposo e ultrapassado de um conceito inventado há vários séculos quando o cinema, a televisão e computadores ainda não existiam.” (DIAZ CINTAS, 2008, p. 28)6

Graças à evolução do conceito de tradução, a legendagem foi, aos poucos, obtendo espaço e sendo considerado como um legítimo campo disciplinar. Gambier (2006) também chama a atenção para o ganho de interesse da TAV nos anos 90 em seu artigo “Orientations de la recherche en traduction audiovisuelle” 7 , salientando o início de pesquisas que dão ênfase a questões ligadas à legendagem, como teses de doutorado (WHITMAN-LINSEN, 1992; MACHADO, 1993; TOMASZKIEWCZ, 1993; DANAN, 1994) ou o trabalho de Baker et al. de 1984 sobre a legenda para surdos e deficientes auditivos. Esses foram alguns trabalhos que contribuíram, segundo o autor, “para a emergência da TAV como ao menos um sub-domínio dos Estudos da Tradução” (GAMBIER, 2006, p. 263). Assim percebe-se a integração da TAV como parte do campo disciplinar Estudos da Tradução e como objeto de investigação legitimado na área, com sistematização técnico-científica e metalinguagem próprias, impondo-se enquanto novo campo de conhecimento na comunidade acadêmica. Original : […] on commence depuis peu à considérer le concept de traduction d’un point de vue beaucoup plus souple, plus hétérogène et moins figé, qui doit nécessairement prendre en compte une grande variété de réalités empiriques et qui permet de reconnaître la nature évolutive des pratiques professionnelles dans le domaine de l’audiovisuel. […] la traduction est désormais considérée, par la plupart des chercheurs, comme un terme plus flexible et plus général, qui peut s’adapter aux nouvelles réalités au lieu de négliger des pratiques qui n’entreraient pas dans le cadre guindé et dépassé d’un concept inventé il y a plusieurs siècles alors que le cinéma, la télévision et les ordinateurs n’existaient pas encore. 7 Tradução : Orientações da pesquisa em tradução audiovisual. 6

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A legenda de documentários: um gênero à parte A escolha pelo gênero documentário se justifica pelo fato de que este gênero ainda é pouco explorado nos ET. Os estudos sobre legendagem tratam essencialmente de filmes de ficção de longa ou curta metragem, de seriados, novelas, teatro filmado, ou de filmes com audiodescrição nos quais o material textual é “claramente definido, visível, e que serve subsequentemente de eventuais modificações” (KAUFFMANN, 2008, p. 70); em outras palavras, antes de ser levado à tela, a obra de ficção é inicialmente um texto escrito (roteiro). Kaufmann8 (2008) tenta explicar o motivo desta falta de interesse pelos gêneros não-ficcionais e pressupõe que [...] os filmes de ficção exijam primeiro uma exegese para serem compreendidos e depois traduzidos, da mesma maneira em que traduzimos uma obra literária e o vouloir-dire de seu autor, enquanto que os filmes e programas que refletem a realidade ou a comentam podem ser simplesmente traduzidos reproduzindo objetivamente o que foi gravado na hora. (p.70).

De acordo com Franco (2000, 2001) e Kauffmann (2004, 2008) pode-se pensar que há uma exigência maior em torno da tradução de filmes ficcionais, que demandaria um trabalho mais complexo em torno da língua, enquanto que os documentários (ou filmes não-ficcionais), gênero artístico considerado menor (cf. KAUFFMANN, 2004), por se preocupar em reproduzir a ‘realidade’ tal e qual, não exigiria Original : […] les films de fiction exigent d’abord une exégèse pour être compris puis traduits, à la manière dont on analyse une œuvre littéraire et le vouloir-dire de son auteur, tandis que les films, émission et programmes qui rendent compte de la réalité ou la commentent peuvent être simplement traduits en reproduisant objectivement ce qui a été enregistré sur le vif. 8

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tanta criatividade e, portanto, seria “aos olhos dos pesquisadores uma atividade objetiva, sem problemas (e então sem interesse)” (KAUFFMAN, 2004, p. 149). Gambier e SumoelaSalmifonte (1994) ressaltam “a forte tradição literária que permeia os Estudos da Tradução em geral e os Estudos de Tradução audiovisual em particular” (apud. FRANCO, 2002, p. 67), estabelecendo modelos teóricos e de análise baseados na ficção. O documentário nos estudos sobre TAV, segundo Kauffman (2008, p. 69), além de ser um gênero pouco explorado é também um gênero à parte. Isto se dá pelas diferenças encontradas entre o gênero ficcional do nãoficcional. Dentre elas, está o fato de que, diferentemente dos filmes para cinema ou televisão e dos seriados, o documentário não se apoia em um texto redigido por um autor antes de ir para a tela. Ele é produzido com a intenção de tentar dar conta da realidade in situ aos espectadores. Portanto, o legendador terá de dar conta dos diálogos que não foram escritos anteriormente, mas sobretudo gravados in loco. O termo documentário, na área do Cinema e História é, segundo Dias (2009), difícil de definir. Os intensos debates na área não encontraram um consenso. Ramos (2008), renomado pesquisador em Cinema, em sua obra “Mas afinal...o que é mesmo documentário?” busca essa definição. De acordo com o autor, o conceito não evoluiu juntamente com a evolução do documentário, ficando atrelado a sua forma clássica até o fim dos anos 50. Somente nos anos 90 os filmes não-ficcionais, que fugiam à forma clássica do documentário, ganharam o status de documentário. O autor define o termo documentário a partir de sua diferença com o filme de ficção e afirma que o documentário estabelece uma ligação com o mundo histórico, com a linha do tempo da humanidade, enquanto que a narrativa ficcional se constrói graças ao campo da imaginação. Mas o autor reconhece que essas duas Sumário

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formas de narração podem se nutrir uma da outra. Por isso, tenta estabelecer suas diferenças através de parâmetros formais: Em sua forma de estabelecer asserções sobre o mundo, o documentário caracteriza-se pela presença de procedimentos que o singularizam com relação ao campo ficcional. O documentário, antes de tudo, é definido pela intenção de seu autor de fazer um documentário [...]. Podemos, igualmente, destacar como próprios à narrativa documentária: presença de locução (voz over), presença de entrevistas ou depoimentos, utilização de imagens de arquivo, rara utilização de atores profissionais [...]. Procedimentos como câmara na mão, imagem tremida, improvisação, utilização de roteiros abertos, ênfase na indeterminação da tomada pertencem ao campo estilístico do documentário, embora não exclusivamente. (RAMOS, 2008, p.25) [itálico do autor]

Nesse sentido, mesmo que o filme de ficção busque recursos do documentário, como a locução, câmera na mão ou imagens de arquivo, características fílmicas inicialmente do documentário, a intenção do cineasta de filmes ficcionais não será a mesma. Enquanto que o objetivo do filme é entreter o espectador, o documentário tem a intenção de querer fazer asserções sobre fatos ou realidades existente no mundo histórico. O estudo das legendas do documentário “Saudade do futuro”, objeto de estudo da presente pesquisa, vem assim trazer uma contribuição para a área dos ET, visto que o gênero documentário ainda é pouco explorado. Ao ter como objetivo registrar/documentar eventos ou aspectos de um grupo social, o documentário se apresenta como ilustração de uma fonte de material de pesquisa a ser explorado.

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Documentário “Saudade do Futuro”: contexto de produção e recepção O presente trabalho examina uma seleção de legendas retiradas do documentário “Saudade do Futuro”, produção francesa9 de 2000 e legendado em francês, inglês, espanhol e italiano. Dirigido e filmado no Brasil por Marie-Clémence e Cesar Paes, o documentário busca registrar o cotidiano e as vivências de uma parte do povo nordestino que imigra para São Paulo, em busca de melhores condições de trabalho e de vida, e que se instala em situação de cidadão de fronteira, um pouco paulistano e um pouco nordestino. Durante 90 minutos, os protagonistas, provindos de diversos meios sociais, narram sua trajetória na grande metrópole ao som de ritmos do nordeste. De acordo com a informação veiculada em seu site oficial10, o documentário foi produzido para um público estrangeiro, essencialmente europeu. Exibido nas salas de cinema na Suíça, França e na cidade de Nova York, participou de 68 festivais, dos quais 3 no Brasil, 11 na França, 11 nos Estados Unidos, 3 na Suíça, 3 no Canadá, 6 na Itália, 5 na Bélgica, 1 na Colômbia, 1 no Equador, 3 no Portugal, 4 na Espanha, 1 em Israel, 2 na República Tcheca, 3 na Inglaterra, 1 na Turquia, 3 na Alemanha, 1 na Austrália, 2 na Argentina, 2 na Dinamarca, 1 nos Países Baixos e 1 na Noruega. Foi também comercializado o CD “Saudade do Futuro” com 20 músicas, sendo 19 contempladas gravadas em estúdio durante a filmagem do documentário. As canções foram todas traduzidas em francês e inglês. Em relação ao trabalho de legendagem, de acordo com as informações cedidas por Cesar Paes, os procedimentos adotados pelos produtores foram os seguintes: (i) transcrição do material sonoro da montagem definitiva do documentário; (ii) realização de uma primeira legendagem do 9

Co-produção: Portugal, Bélgica, Brasil. Site oficial: www.saudadedofuturo.com

10

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português para o francês; (iii) revisão das legendas, pelo escritor Yvez Nilly (releitura e ajustes); (iv) realização da legenda em inglês a partir das legendas em francês; (iv) realização das legendas em espanhol e alemão a partir de todas as legendas anteriores. Quadro teórico, objetivo e procedimentos da análise A análise, de caráter essencialmente qualitativo, tem como objeto de estudo os termos ligados à cultura nordestina, i.e, às referências culturais, coletadas a partir das legendas em francês; segundo Mailhac (1996, p. 173), entende-se como ‘referência cultural’ “qualquer referência a uma entidade cultural que, por causa de sua distância a partir da cultura de destino, é caracterizada por um grau suficiente de opacidade do ponto de vista do leitor alvo, a fim de constituir um problema de tradução". Essas referências culturais são observadas com o apoio do conceito de “nós textuais de significado”, que, segundo Lewis (1985, p. 271) se referem aos momentos no texto de partida carregados de significado semântico ou proposicional. No sentido adotado no estudo de Medeiros (2003, p. 12) sobre as legendas em inglês de filmes brasileiros de termos ligados à cultura, esses “nós” são referências a componentes culturais tais como: referências a locais, alimentos ou bebidas regionais, costumes sociais ligados a crenças religiosas, festivais locais, referências históricas, celebridades contemporâneas, empresas locais, marcas, instituições locais e elementos tipicamente ligados a uma determinada região, país, cidade ou vilarejo. Em seu artigo Culture’s specific itens in translation, Aixelá (1996) adota o termo culture-specific itens (CSIs) para se referir ao que chamamos de Itens de Especificidade Cultural (IECs). Segundo o autor, um IEC se expressa “por meio de objetos e de sistemas de classificação e medição cuja

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utilização é restrita à cultura de origem, ou por meio da transcrição de opiniões, e a descrição de hábitos igualmente alheios à cultura receptora11”(p.56). O autor estabelece uma classificação das estratégias de tradução relacionadas aos IECs a partir da natureza de conservação ou de substituição desses “nós textuais de significado. Para Aixelá (op.cit.), a condensação é percebida através de cinco (05) tipos de estratégias: (a) repetição – quando o termo original permanece no texto-alvo; (b) adaptação ortográfica – quando o texto-alvo se adapta ao alfabeto da cultura receptora; (c) tradução linguística – quando há transparência linguística entre os itens ou uma tradução pré-estabelecida na língua de chegada; (d) glosa extratextual – quando o tradutor oferece uma informação extra ao leitor; (e) glosa intratextual – quando a glosa faz parte integrante do texto-alvo. E a substituição pelas seguintes estratégias: (a) sinonímia – quando o tradutor evita a repetição do item através de um sinônimo; (b) universalização limitada – substituição de um termo obscuro para o leitor, por um item da cultura-fonte mais próximo; (c) universalização absoluta – escolha por um item neutro apagando qualquer conotação estrangeira; (d) naturalização – o tradutor trás o item para o contexto da cultura alvo; (e) exclusão – o tradutor exclui o item ou porque não o acha relevante ou muito obscuro; (f) criação autônoma – acréscimo de referência cultural ao texto-alvo. Outras estratégias são definidas por Aixelá como a “compensação”, ou seja, a exclusão e depois criação autônoma no texto-alvo, o “deslocamento”, quando o item é deslocado para outra parte do texto e por fim a atenuação, quando o termo é atenuado por outro mais adequado à cultura receptora. Original: Are usually expressed in a text by means of objects and of systems of classification and measurement whose use is restricted to the source culture, or by means of the transcrition of opinions and the description of habits equally alien to the receiving cultures. 11

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Portanto, a partir da localização dos “nós textuais de significado”, procedeu-se à classificação acima, desenvolvida por Aixelá (1996), para analisar os itens de especificidade cultural (IEC) e seu tratamento dado pelo legendador. A seleção e análise do tratamento dos nós textuais de significados nas legendas do documentário “Saudade do futuro” é um estudo preliminar de um projeto de doutorado em andamento. Portanto, a utilização dessa classificação não é definitiva, podendo ser reformulada posteriormente por outras contribuições do mesmo gênero. Análise dos dados A análise dos dados da pesquisa gerou os resultados descritos e comentados abaixo. Os dados selecionados contêm 44 itens de especificidade cultural, dos quais 10 foram excluídos (Ex), conforme apresentado nos quadros 1 e 2. As colunas dos quadros representam respectivamente: o IEC (item de especificidade cultural) seguido de seu código de localização no documentário (inicial do nome do capítulo do documentário) e número de localização da legenda (ex. E1) em parênteses; a legenda em francês (LF), e sua Back Translation (BT), i.e., uma tradução direta em português da legenda em francês, sem levar em conta as rimas dos versos; e por fim, os tipos de categoria, baseado na classificação de Aixelá (op.cit.) utilizados na tradução do texto oral em português para a legenda em francês. IEC Levar peia (C18) Nordestino é chamado baiano (P8)

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LF Des mots blessants “Nordestinos” sont appelés “Baianos”

BT Palavras afiadas os nordestinos são chamados baianos

Categoria Universalização absoluta Repetição

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Viola (P12)

Choro na guela (P22) Favelas (P24)

Porte le deuil

fieis instrumentos os camponeses mestiços Está de luto

favelas

favelas

Favela (P5)

bidonville

favela

Universalização limitada

Viola (P31)

guitare

Violão

Câmara Cascudo (P39) Repente (P48) Cantador (P49) preto, branco e sarará (No1) FEBEM (No6)

Câmara Cascudo

Câmara Cascudo

Universalização limitada Repetição

repente

repente

Repetição

troubadour

trovador

noir, blanc ou rouquin orphelinat

negro, branco ou ruivo orfanato

Universalização limitada Universalização absoluta

Guaraná (No15)

guaraná

guaraná

Repetição

Forró e mazurka (No21) Saudade (I2) O crente e o cachaceiro (I14) Falar arrastadinho (Ex1)

Forró e mazurka

Forró e mazurka

Repetição

saudade Le sobre du soûl

saudade O sóbrio do bêbado

Repetição Universalização limitada

Trainer les mots

Arrastar as palavras

Universalização absoluta

Caboclo(P16)

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fiers instruments Les paysans métis

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Universalização absoluta Universalização limitada Universalização absoluta Repetição

Universalização absoluta

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Tem neto de italiano dizendo “oxente bichinho” (Ex2) Forró pé de serra (Ex3) Pé de serra (Ex4)

Les petits-fils d’italiens rajoutent les mains

os netos de italianos acrescentam as mãos

Universalização absoluta

Forró pied-dela-butte talus

Forró pé de colina serra

Universalização limitada Universalização limitada

Mundiça (I19) Caipirinha (No27) Côco (I16)

famille

Família

caipirinhas

caipirinhas

Universalização absoluta Repetição

Noix de coco

Côco

Lascando (I19) Abraçar (C13) Coalhada (C17) Cuscuz (C17)

insulter

insultar

embrasser

beijar

Petit caillé coucous

Pequeno qualhado cuscuz

Itapemirim (C21) Galinhada (S6) Macaxeira (S10) Sem vergonheza (S14) Pandeiro (S16) trombadinha (No29)

bus

ônibus

Poulet au pot manioc

Prato à base de galinha mandioca

baratin

Blá blá blá

tambourin

tambourin

C’est mal famé

Tem má fama

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Universalização limitada Universalização limitada Universalização limitada Universalização limitada Universalização limitada Universalização absoluta Universalização limitada Universalização limitada Universalização limitada Universalização limitada Compensação

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Quadro 1 – Itens de especificidade cultural presentes na legenda Itens Excluídos Cenas de “repente”

Dança/ Gênero musical Alimentos

Côco (No16, I2, S5); cantoria (No40); embolada (S5); embolar (No16) Batata (No18), cará (No18), rapadura (I16); cana de açúcar (No21)

Festa popu-lar Dialeto

Reizado (No22)

Cenas de “cantoria” ou “repente de viola”12

“de coca”13 (I5); buchu (C14);14 embuchada (C15)15; Quadro 2 - Itens de especificidade cultural excluídos na legenda

Em relação ao Quadro 2 - Itens de especificidade cultural excluídos na legenda, foi observado que houve um maior número de exclusões nas cenas de “repente” do que nas de “cantoria”. O que pode levar à suposição de que a exclusão poderia ser induzida pelo fator tempo/espaço, pois o repente é um gênero musical com velocidade mais rápida do que a cantoria. Além dessa hipótese motivada por limites O termo repente nordestino remete, mais comumente, a dois tipos de poéticas improvisadas distintas. Uma que se utiliza da viola, denomidada repente de viola, e outra acompanhada pelo pendeiro ou pelo ganzá (espécie de chocalho), denominada de coco de embolada. Apesar de ambas pautarem-se no improviso dos versos cantados, são poéticas orais regidas por regras diferenciadas. 13 De cócoras. 14 Barriga. 15 Engravidar. 12

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espaço-temporais, outra hipótese emitida está relacionada ao fato de que o item excluído seja um item não pertencente à cultura de chegada, como nos exemplos dos itens acima. Deste modo, elaborou-se uma classificação das exclusões conforme o tema: dança ou gênero musical, alimentos, festa popular e dialeto. Categoria Número de ocorrências (Total = 34) Substituição Universalização limitada 16 Universalização absoluta 09 Compensação 01 Quadro 3 – Ocorrência dos IECs

Conservação Repetição 08

Percebe-se no Quadro 03, sobre a ocorrência dos IECs, que dos 34 IEC traduzidos, houve mais Substituição dos que Conservação dos IECs. Entre as ocorrências de Substituição, perceberam-se três tipos de tratamento dado pelo legendador. Houve 16 casos de Universalização limitada, i.e., quando o tradutor substitui um termo obscuro para o leitor por um item da cultura-fonte mais próximo; 09 ocorrências de Universalização absoluta, no qual privilegia-se um item neutro apagando qualquer conotação estrangeira e 01 caso de Compensação, i. e., quando o legendador exclui um item, mas acrescenta algum tipo de referência cultural ao textoalvo (criação autônoma). Entre as ocorrências caracterizando a natureza de Conservação dos IECs, percebeu-se somente 08 casos de Repetição, quando o termo original permanece no texto-alvo, reforçando o caráter exótico ou arcaico do item. Portanto, constata-se que o tradutor utilizou mais o procedimento de Substituição do que Conservação dos IECs. Quanto aos itens repetidos na legenda, percebe-se que ele confirma o que disse Aixelá sobre o reforço da imagem “exótico” do item, como por exemplos, os itens “nordestinos/baianos” (P8), “favelas” (P24), “repente” P(48), “guaraSumário

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ná”(N15), “forró”(N21), “saudade”(I12). O item “favela” (P5) foi retomado em outro momento e substituído por “bidonville”, item mais conhecido para a cultura receptora, sendo classificado pela categoria “Universalização limitada”. Quanto a essa categoria, ela teve o maior número de ocorrências dentre o tratamento por Substituição. O tradutor substituiu o item considerado obscuro para a cultura receptora por um item já conhecido. Como por exemplo nos itens “guitarre” (P31) para “viola”, “troubadour” (P49) para “cantador”, “forró pied-de-la-butte” (EX3) para “forró pé de serra”, “embrasser” (C13) para “abraçar”, “le sobre et le soûl”(I14) para “crente e cachaceiro” ou ainda “Noix de coco”(I16) para “côco”. Quanto às escolhas por um item neutro que apague qualquer conotação estrangeira (Univerzalização absoluta), as ocorrências foram menores que a Universalização limitada. A exemplo do itens “choro na guela” P22 “porte le deuil”, “trainer les mots” (EX1), ou “famille” (I19) para o item “mundiça”, nos levando a emitir a hipótese de que o legendador tenta preservar a cultura do texto-fonte. Conclusão Apresentamos uma análise preliminar de nossa fonte de dados retirada do documentário “Saudade do futuro” de Marie-Clémence e Cesar Paes (2000). Alguns trechos das legendas do documentário foram analisados de acordo com o conceito de “nós textuais de significado” de Lewis (1985) e as categorias de “itens de especificidade cultural” IEC proposta por Aixelá (1996). “Nós textuais” remetem ao “sistema de nós que é a cadeia de valores que liga o costume,

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o uso útil, e linguística comum”.16 Essa cadeia de valores representa os momentos no texto-fonte carregados de significado semântico ou proposicional de uma cultura específica. Neste estudo piloto, após a localização dos nós textuais de significado, procedeu-se a uma categorização através da tipologia de análise dos “itens de especificidade cultural”. Dos 44 IECS analisados, 16 foram apresentaram uma Universalização limitada, i.e, quando o tradutor procura um item mais próximo à cultura de chegada. Algumas hipóteses foram levantadas em relação à exclusão de alguns IECs. A primeira está relacionada ao tempo/espaço das legendas em trechos de repente e de cantoria devido à diferença de ritmo entre esses dois gêneros musicais. A segunda hipótese diz respeito à ausência do IEC na cultura de chegada, o que levaria o tradutor a excluir totalmente o referido item no texto de chegada. Os resultados do estudo piloto aqui relatado apontam para a necessidade de ampliação dos quadros teóricos que informam a pesquisa, uma vez que, para dar conta da natureza complexa dos IEC na TAV, e no tratamento dado à cultura de um povo, de uma região, no caso, à cultura nordestina, de suas referências, de suas expressões regionais, dos ditados populares, e de suas representações, conforme “imaginada” pelos produtores do documentário. A ampliação do quadro teórico-metodológico em análises posteriores será parte da contribuição pretendida pela pesquisa de doutorado, em andamento.

Original : The us-system, that is, the chain of values linking the usual, the useful, and common linguistic usage. [Tradução da autora] 16

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Referências ALVARENGA, L. Subtitler: legendador ou legendista. In: Anais do I Congresso Ibero-Americano de tradução e Interpretação (I CIATI): Tradução, Intepretação e Cultura na Era da Globalização. São Paulo: UNIBERO, 1998. p. 214-216. AIXELA, J. F. (1996). “Culture-specific items in translation” In Alvarez, R & VIDAL, C (1996). Translation, Power, subversion. Cleveland/Bristol/Adelaide: Multilingual Matters. Ltd. ARAÚJO, V. L. S. O processo de legendagem no Brasil. Revista do GELNE, Fortaleza, v. 1/2, n˚ 1, PP. 156-159, 2006. CARVALHO, C. A. Singularidade, transgressão e ética na legendagem. Linguagem em Foco, n. 2, p. 27-38, 2009. DIAS, R. F. “Em busca da definição: Mas afinal...o que é mesmo documentário? De Fernão Pessoa Ramos” in Revista de História e Estudos Culturais, vol. 6 , n˚ 2, pp. 1-11. 2009. Disponível em . DIAZ CINTAS. “Pour une classification des sous-titres à l’époque du numérique” in La traduction audiovisuelle: Approche interdisciplinaire du sous-titrage. Coll. Traducto. Bruxelles: De Boeck, pp. 27-41, 2008. ______. Entrevista com Jorge Díaz Cintas, por Eliana P. C. Franco e Vera Lúcia Santiago Araújo, in Cadernos de Tradução, vol.16, pp. 311-323, 2006. FRANCO, E. P. C. “Voiced-over Television Documentaires: Terminological and conceptual issues for their research. Dans Target 13 (2), pp. 289-304, 2001. FRANCO, E. P. C.; ARAÚJO, V. L. S. “Questões terminológicoconceituais no campo da tradução audiovisual (TAV), in Tradução em Revista 11, v. 2, pp. 1-23, 2011. GAMBIER, Y. (2004). “La traduction audiovisuelle: un genre en expansion” in Meta: journal des traducteurs, vol. 49, nº 1, pp. 1-11. GAMBIER, Y.“Orientations de la recherche en traduction audiovisuelle” in Target, n°18, vol. 2, pp. 261-293, 2006. KAUFMANN, F. “Les sous-titrage des documentaires: défis et enjeux de l’établissement du texte de départ” in La traduction audiovisuelle: Approche interdisciplinaire du sous-titrage. Coll. Traducto. Bruxelles: De Boeck, pp. 69-83, 2008.

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______. “Un exemple d’effet pervers de l’uniformisation linguistique dans La traduction d’un documentaire: de l’hébreu dês immigrants de “Saint-Jean” au français normatif d’ARTE” in Meta: journal des traducteurs, vol 149, n˚ 1, pp. 148-160, 2004. LEWIS, P. E. (1985). “The measure of translation effects” in Venuti, L. (Ed.) The translation studies reader. London/New York: Routledge, pp. 264-283. MAILHAC, J-P. “Evaluation criteria for the translation of cultual references” in Harris, G.T. (Ed). On translating French literature and film. Amsterdam/Atlanta: Rodopi, pp. 173-188, 1996. MARTINEZ, S. L. Tradução para legendas: uma proposta para a formação de profissionais. Rio de Janeiro, 2007. Dissertação (Mestrado em Letras Estudos da Linguagem). Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro. RAMOS, F. P. Mas afinal...o que é documentário? São Paulo: SENAC, SP, pp. 376-377, 2008.

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Marcílio Garcia de QUEIROGA Universidade Federal de Campina Grande

As reflexões acerca da presença do tradutor no texto traduzido têm sido cada vez mais constantes e profícuas no âmbito acadêmico e de maneira mais acentuada na área dos estudos da tradução. Especificamente, os tópicos mais discutidos discorrem acerca de estilo – principalmente no que concerne às idiossincrasias dos tradutores – e voz ou presença discursiva. Vários são os teóricos que se debruçaram sobre a questão da presença/ voz do tradutor em textos traduzidos, lançando olhares distintos sobre ela. Entre esses estudiosos destacamos: Baker (2000), Hermans (2010) e Schiavi (1996), nos quais nos concentraremos com maior afinco. A título de esclarecimento, pontuamos que as reflexões que ora se iniciam acerca do tradutor estão centradas especificamente naquele que traduz textos narrativos ficcionais. A discussão sobre a presença do tradutor suscita uma série de questões que circundam a própria atividade, o processo e o produto “tradução”. Tradicionalmente vista como produto de qualidade e importância secundárias, a tradução no meio cultural da sociedade ocidental deve ser transparente e reproduzir de maneira similar, integral e fluida o original (HERMANS, 2010, p. 209). Diante desta visão limitam-se os espaços no que concerne às considerações acerca da manifestação explícita do tradutor e, como Sumário

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( i n ) v i s í v e l p r e s e n ç a : o t r a d u t o r n o t e xt o . . .

assinala Baker (2000), impossibilita-se a percepção e/ou a análise do estilo do tradutor. Venuti (1995) usa o termo “invisibilidade” para apresentar a situação e a atividade do tradutor da cultura angloamericana contemporânea. O estudioso aponta aspectos como as decisões coercivas advindas de grupos políticos/ sociais ou daqueles que ditam o mercado editorial, como argumento para a invisibilidade do tradutor. Dois termos são cunhados por Venuti com o intuito de explicitar as estratégias de tradução adotadas por aquela cultura, são eles: domesticação e estrangeirização. O primeiro é apontado como o método que envolve uma redução do texto estrangeiro aos valores culturais da língua-alvo, enquanto que o segundo é assinalado como o método de pressão etnodesviante dos valores da língua-alvo com o intuito de registrar as diferenças linguísticas e culturais do texto estrangeiro. Na tradução estrangeirizante, assinalada por Venuti como aquela a ser adotada, o tradutor e a tradução tornam-se visíveis, convenções da cultura-alvo são quebradas a fim de que se mantenham as características do “estrangeiro”. Já as traduções domesticadoras primam pela transparência, leiturabilidade e fluidez dos textos criando a ilusão de que não são traduções, o objetivo é minimizar os traços que denunciariam a obra como sendo uma tradução. Este cerceamento do outro estrangeiro enfatiza a hegemonia da cultura-alvo permitindo que a cultura dominante, no caso a anglófona, estabeleça cada vez mais o seu papel de dominadora, perpetuando os antigos papeis de colonizador e colonizado, este último sempre submisso aos ditames do primeiro. Optando-se por uma tradução domesticadora privamos o leitor do contato com o ‘Outro estrangeiro’ (BRITTO, 2010). Conforme Britto (2010, p. 138), “é preciso forçar o leitor a sair da tranquilidade de seu mundo conhecido e obrigá-lo a enfrentar o Outro em toda a sua estranheza. Assim, a atitude estrangeirizante seria, ao menos Sumário

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nesse caso, mais ética do que a domesticadora.” Jeremy Munday (2001, p.148) esclarece que, embora advogue pela estrangeirização, Venuti é consciente das contradições geradas pelo termo. A tradução estrangeirizante é, também, um ato domesticador, pois ao traduzir um texto-fonte para uma cultura-alvo cria-se uma dependência em relação aos valores dessa cultura para que o texto se torne visível. Independente de serem traduções estrangeirizantes ou domesticadoras, Hermans (2010) defende que o tradutor está sempre presente no texto traduzido, embora a ilusão de transparência faça com que os leitores acreditem que não estão lendo uma tradução. Esse jogo ilusório causa, assim, uma espécie de “apagamento” do tradutor. Hermans (2010) compara a paradoxal relação da tradução feita por intérpretes à do texto escrito e ficcional. No caso do intérprete, a presença física dos dois atores é partilhada em um dado espaço, ainda que se crie a ilusão de que o intérprete é o porta-voz fiel do discurso traduzido, enquanto que na ficção traduzida o que se encontra diante de nós é somente o texto; a voz primeira está ausente e por mais que consideremos que o que se encontra ali é a presença discursiva do tradutor, o leitor requererá a única voz na qual depositará confiança: a do autor. Nesse sentido torna-se válido o questionamento de Hermans (2010, p.197): “De quem é a voz que chega até nós quando lemos um romance traduzido?”. Muitas são as indagações do teórico acerca desta questão: A ilusão de “Estou lendo Dostoiévski” resume-se a isto? O tradutor, o trabalho manual realizado, desaparece sem deixar qualquer traço textual, falando inteiramente sob apagamento? Os tradutores podem

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usurpar a voz original e ao mesmo tempo marcar o seu próprio espaço enunciativo?1 (2010, p.197)

Na tentativa de responder às questões apontadas, Hermans recorre à narratologia2 e apresenta um esquema padrão em que não há distinção entre textos traduzidos e originais. Assim, aparecem nesta ordem na primeira parte do esquema: Autor biográfico → Autor implicado → Narrador → Texto; e na segunda parte: Leitor biográfico → Leitor implicado → Narratário → Texto. Seguindo esta lógica e transferindo-a para o campo da tradução, Hermans (2010, p. 197-8) lança uma série de perguntas: há um Tradutor biográfico que ocupa de forma semelhante o lugar do Autor biográfico e se firma como uma entidade firmemente localizada fora do discurso narrativo? Concernente à tradução há uma manutenção dos elementos narrativos da mesma forma que no original? Se no texto-fonte o que lemos é o discurso produzido por um narrador, no texto traduzido quem articula o discurso? O narrador é o mesmo que opera no texto-fonte? Is the illusion of ‘I am reading Dostoyevsky’ all there is to it? Does the translator, the manual labour done, disappear without textual trace, speaking entirely ‘under erasure’? Can translators usurp the original voice and in the same move evacuate their own enunciatory space? Todas as traduções do inglês para o português realizadas neste artigo são minhas. 2 A narratologia é uma área de reflexão teórico-metodológica autônoma centrada na narrativa como modo de representação literária e não-literária, bem como na análise de textos narrativos. (...) Ao contemplar prioritariamente as propriedades modais da narrativa, não privilegia exclusivamente os textos narrativos literários, nem se restringe aos textos narrativos verbais; ela visa também práticas narrativas como o cinema, a história em quadrinhos ou a narrativa de imprensa. (REIS & LOPES, 2002, 7980) 1

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Considerando que a narratologia - área de estudo da qual o teórico em apreço lança mão para por em prática sua tese - não faz distinção entre originais e traduções, pode-se afirmar que os modelos narratológicos disponíveis podem ser aplicados tanto a textos originais quanto traduzidos. Hermans (id. Ibid.) alerta para o fato de que esses modelos negligenciam um aspecto relevante nos textos traduzidos e que não pode ser suprimido deles: a presença do tradutor. Em suma: o que diferencia textos traduzidos de originais é o fato de aqueles conterem a voz do tradutor. O discurso narrativo traduzido, afirma-se, sempre implica mais que uma voz no texto, mais que uma presença discursiva. Em algumas narrativas, talvez, esta ‘outra’ voz nunca se manifeste de forma clara, embora seja postulada sob a força daqueles casos em que está manifestamente presente e discernível. É somente, creio eu, a ideologia da tradução, a ilusão de transparência e coincidência, a ilusão de uma voz única no texto, que nos cega para a presença desta outra voz. [grifo nosso] (HERMANS, 2010, p. 198) 3

Hermans não nos oferece um modelo que possa situar o tradutor no esquema narratológico acima apresentado. Essa é uma das lacunas apresentadas em seu trabalho. Nesse sentido, o trabalho de Schiavi (1996) colabora para uma ampliação da discussão acerca da presença do tradutor. Translated narrative discourse, it will be claimed, always implies more than one voice in the text, more than one discursive presence. It may be that in many narratives this ‘other’ voice never clearly manifests itself, nevertheless be postulated, on the strength of those cases where it is manifestly present and discernible. And it is only, I submit, the ideology of translation, the illusion of transparency and coincidence, the illusion of the one voice, that blinds us to the presence of this other voice. 3

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Apoiando-se em Chatman (1990, p. 75), cujo argumento é o de que “o autor real se retira do texto logo que ele é impresso e o que permanece são os princípios inventivos e a intenção do texto”, Schiavi apresenta o tradutor como uma espécie de interceptor do processo comunicativo, que transmite a mensagem reprocessada para o leitor. Ao interpretar o texto original, ao adotar certas normas, estratégias e métodos específicos, o tradutor constroi uma nova relação entre o que chamamos “texto traduzido” e o novo grupo de leitores (SCHIAVI, 1996, p. 15). Ou seja, o leitor implicado do texto original é diferente do leitor implicado da tradução, criado pelo tradutor, e mesmo que haja pontos comuns eles não são idênticos. O modelo narratológico do texto narrativo traduzido proposto por Schiavi se resume à seguinte forma: Autor real → Autor implicado → Narrador do texto-fonte → Narrador do texto-fonte → Leitor Implicado do texto-fonte → Tradutor implicado do texto-alvo → Narrador do texto-alvo → Narratário do texto-alvo → Leitor implicado do texto-alvo → Leitor real da tradução. O autor real do texto fonte e o leitor real da tradução, situados nos dois pólos do modelo, comunicam-se através do tradutor real, o qual ocupa uma posição externa. É o tradutor real que, mantendo o papel de transmissor, possibilita a condução do texto-fonte através do tradutor implicado, elemento textual interno. Narrador, narratário e leitor implicado do texto-alvo, gerados pelo tradutor implicado, tanto podem se assemelhar quanto diferir dos mesmos elementos presentes no texto-fonte. Schiavi argumenta que, se há um tradutor implicado, logo há um leitor de tradução implicado, mas não explica como o tradutor se relaciona com o tradutor implícito e como este se relaciona com o narrador. Dito isso, o diagrama de Schiavi mostra que o narrador não é apenas uma entidade inventada pelo

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autor implicado, mas uma entidade re-processada por um tradutor implícito. (BOSSEUAUX, 2007, p.20)4

O modelo apresentado por Schiavi, mesmo não sendo tão esclarecedor no que se refere às relações estabelecidas por/entre os diversos elementos internos da narrativa traduzida e externos a ela, é admirável no destaque dado à elaboração de um modelo comunicativo que salienta a presença da voz do tradutor. Segundo O’Sullivan (2006) “a presença discursiva do tradutor (implicado) está de fato nos textos traduzidos e pode manifestar-se como uma voz que não é a do narrador do texto-fonte”. O que se pode concluir do que já foi exposto até aqui partindo das considerações de Hermans e Schiavi, principalmente, é que há, no texto traduzido, duas vozes que se fazem notar (implícita ou explicitamente): a do narrador do texto-fonte e a do tradutor. Essa segunda voz é o que Hermans (2010) intitula “voz do tradutor”, um indício da presença discursiva deste, que pode se dar de forma mais ou menos presente ou permanecer completamente escondida sob a figura do narrador. Como, afinal, o tradutor se manifesta através do texto traduzido? Vejamos as considerações de Hermans e Baker acerca deste tópico. Hermans (2010, p.199) assinala que o seu interesse na investigação sobre a voz do tradutor reside em exemplos onde o tradutor mostra traços de uma presença discursiva que difere da do narrador e aponta casos onde a voz do narrador “surge das sombras” para intervir diretamente em Schiavi argues that because there is an implied translator, there is also an implied reader of translation but she does not explain how the translator relates to the implied translator and how the latter relates to the narrator. Having said this, Schiavi’s diagram shows that the narrator is no longer merely an entity invented by an implied author, but an entity that is re-processed by an implied translator. 4

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um texto no qual o leitor foi levado a acreditar que apenas uma voz se manifestava. No primeiro caso, o autor explicita que as traduções escritas normalmente visam a um público que está afastado temporal, linguística e geograficamente do endereçado pelo texto-fonte, de tal forma que o texto traduzido, em toda a sua orquestração narrativa, se refere a um leitor implicado diferente daquele do texto-fonte e o discurso opera em um novo contexto pragmático. Nesse caso situam-se esclarecimentos sobre aspectos culturais e históricos incorporados aos textos ou referências e alusões necessárias para a comunicação efetiva com o novo público leitor. O tradutor precisará se fazer notar no texto ao prestar esclarecimentos durante o desenvolvimento da narrativa. No segundo caso podemos inserir exemplos de autoreferencialidade linguística, não restritos apenas a textos narrativos, incluindo-se, aqui, as notas e comentários acrescentados pelos tradutores com vistas ao esclarecimento de especificidades das línguas traduzidas (HERMANS, 2010, p.199). A conclusão de Hermans após analisar o romance Max Havelaar de Multatuli (a edição analisada pelo autor é a de 1875) é de que a voz do tradutor está “sempre” presente no texto traduzido, atuando como co-produtor do discurso, ainda que em alguns momentos esteja escondido sob a figura do narrador. O texto de Hermans discute diversos aspectos do romance de Multatuli apresentados de acordo com os casos supracitados, mas, como percebemos, a preocupação do teórico está em analisar a voz do tradutor por meio de paratextos ou notas auto-referenciais através das quais o sujeito da fala é identificado, e estão presentes em número considerável no romance analisado. O que é problemático é que nem todos os textos traduzidos apresentam elementos paratextuais em volume suficiente para uma análise mais acurada da presença do tradutor. Há casos de traduções em que não figura o nome do tradutor na capa ou contracapa – Sumário

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exceto na ficha catalográfica -, quaisquer tipos de notas, sejam elas finais ou de rodapé ou informações acerca do tradutor. Se as possibilidades apresentadas pelo teórico não são aplicáveis em alguns casos, dada a ausência ou inexistência dos elementos paratextuais usados como exemplo, questionamo-nos sobre quais seriam os elementos a serem utilizados como referência para análise/detecção da voz ou presença discursiva do tradutor. O viés adotado por Baker (2000) é diferenciado do de Hermans e Schiavi - considerando que ambos tiveram como ponto de entrada o campo da narratologia - e parece surgir como uma possibilidade para o estudo da voz do tradutor. Baker apresenta elementos para um estudo da voz do tradutor mais centrado no estilo, considerando a descrição de padrões preferidos ou recorrentes de comportamento linguístico dos tradutores. A estudiosa faz um levantamento dos estudos feitos acerca da presença discursiva ou voz do tradutor visando encontrar indícios para uma análise mais profunda concernente ao estilo. No entanto, conclui diante do material analisado que muito pouco foi feito na área dos estudos da tradução acerca deste tópico. Embora considere a abordagem de Hermans superficial para a análise da voz do tradutor, Baker considera de suma importância o conceito de voz do tradutor apresentado por aquele teórico. Estilo, na compreensão de Baker (2000, p. 245), “é um tipo de impressão digital que se expressa em uma variedade de características linguísticas ou não-linguísticas”. Esta concepção vai além do que propõe o conceito de voz do tradutor de Hermans, uma vez que a noção de estilo deve incluir a escolha do tradutor (literário) quanto ao tipo de material a traduzir, onde este será aplicável, o uso consistente de estratégias específicas, incluindo-se aqui o uso de prefácios ou posfácios, notas de rodapé, comentários no corpo do

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texto etc. Mais relevante: o estudo do estilo do tradutor deve focar na forma de expressão típica de um tradutor, ao invés de casos de intervenção aberta. (BAKER, 2000, p.245)5

Em outras palavras, o interesse de Baker acerca do estilo do tradutor centra-se em características linguísticas mais que literárias em sintonia com a estilística forense, cujo foco “são os hábitos linguísticos sutis que estão além do controle do escritor e nós, como receptores, registramos de forma subliminar, na maioria das vezes” (BAKER, 2010, p.246)6. Ao invés de escolhas individuais Baker declara estar interessada em padrões de escolha, sejam eles conscientes ou não. Essa seleção justifica-se, segundo a autora, por não possuir uma ferramenta metodológica capaz de isolar características estilísticas que possam ser atribuídas ao tradutor e confrontá-las com as marcas que são mero reflexo de características estilísticas do original. Baker apresenta as dificuldades encontradas para a realização de sua pesquisa, tais como: a falta de um banco de dados consistente para a análise de hábitos linguísticos e, mais especificamente, de um banco de dados de traduções, excluídas pela linguística de corpus, por serem considerados textos sem representação para o estudo da língua.

the notion of style might include the (literary) translator’s choice of the type of material to translate, where applicable, and his or her consistent use of specific strategies, including the use of prefaces or afterwords, footnotes, glossing in the body of the text, etc. More crucially, a study of a translator’s style must focus on the manner of expression that is typical of a translator, rather than simply instances of open intervention. 6 linguistic habits which are largely beyond the conscious control of the writer and which we, as receivers, register mostly subliminally. 5

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Para a realização de seu estudo a pesquisadora recorre aos dados do Translational English Corpus (TEC) e nos oferece uma série de questionamentos que podem ser considerados quando do estudo do estilo individual do tradutor: (a) A preferência do tradutor por opções linguísticas específicas é independente do estilo do autor original? ; (b) É independente das preferências gerais da línguafonte, e possivelmente das normas e poéticas de dado socioleto? ; (c) se a resposta por positiva em ambos os casos, é possível explicar estas preferências em termos de posicionamento social, cultural ou ideológico do tradutor? (BAKER, 2000, p.248)7

Embora Baker legitime as indagações supracitadas, admite não ter resposta para elas, uma vez que exigem um período de tempo razoável para serem satisfatoriamente respondidas e, de no período da realização da pesquisa, haver uma lacuna nos estudos descritivos com larga escala de dados. O desafio de continuidade do trabalho é lançado para os pesquisadores da área. O que se segue após essas considerações é a apresentação de um estudo de caso no qual Baker analisou a frequência do verbo SAY nos textos de dois tradutores: Peter Bush e Peter Clark, o primeiro traduzindo do português brasileiro a obra Turbulence (Chico Buarque) e do espanhol as obras Quarantine (Juan Goytisolo), Strawberry and Chocolate (Senel Paz) Forbidden Territory e Realms of Strife (Juan Goytisolo) e o segundo (a) Is a translator’s preference for specific linguistic options independent of the style of the original author?; (b) Is it independent of general preferences of the source language, and possibly the norms or poetics of a given sociolect?; (c) If the answer is yes in both cases, is it possible to explain those preferences in terms of the social, cultural or ideological positioning of the individual translator? 7

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traduzindo do árabe as obras Dubai Tales (Muhammad al Murr) Grandfather’s Tale e Sabriya (Ulfat Idilbi). Em ambos os casos a língua de chegada foi o inglês. Os textos analisados estão elencados no TEC nas categorias de ficção e biografia/ autobiografia. Foram observadas a razão forma/item, o tamanho médio da sentença, variação entre textos, frequência e padronização do verbo SAY. Um dado importante é que não foram acessados os dados dos textos originais. Baker declara que parece razoável que consultas ao texto-fonte sejam feitas a posteriori, assim como observações acerca das influências da língua fonte ou do autor no estilo do tradutor. Por não ter proficiência nas línguas dos tradutores que pesquisou, a autora afirma que não foi possível realizar tais ações em sua pesquisa. A pesquisadora em tela admite que a sua pesquisa tenha muitos aspectos a serem desenvolvidos e a metodologia aplicada em pequena escala impossibilitou-a de fixar variáveis que englobassem todo um conjunto de características atribuídas aos tradutores. Baker (2000) conclui sua pesquisa com uma incitação aos teóricos da tradução, convocando-os a desenvolver mais estudos acerca do estilo e da voz do tradutor, ao menos na tradução literária, com o argumento de que a tradução é uma atividade criativa e não uma reprodução, sendo assim, devemos explorar o estilo do ponto de vista do tradutor, invés do autor. Mesmo apresentando lacunas em seus trabalhos, como vimos ao longo deste artigo, Hermans, Schiavi e Baker trouxeram contribuições relevantes para as pesquisas acerca da voz e estilo do tradutor. Antes de tudo, deram visibilidade a este tópico no âmbito dos estudos da tradução, provando, através de suas pesquisas, que o tradutor, de fato, se imprime no texto traduzido, seja através de elementos narrativos, paratextuais ou linguísticos. Os espaços em suas pesquisas não são apontados aqui como falhas, mas como desafios para os pesquisadores da área. Bastante desafiador Sumário

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seria um trabalho que pudesse considerar senão todos, mas parte dos elementos propostos pelos três pesquisadores aqui discutidos. Baker, por exemplo, sugere que elementos da linguística podem ser analisados em conjunto com elementos paratextuais na busca por uma caracterização do estilo. Schiavi sugere a ampliação de um modelo que, embora pautado no campo da narratologia também se apropriará em algum momento de aspectos linguísticos. Como se pode perceber, há um longo caminho a percorrer, principalmente no que concerne ao desenvolvimento de uma metodologia efetiva, capaz de capturar as marcas deixadas pelo tradutor no texto traduzido.

Referências BAKER, Mona. Towards a Methodology for Investigating the Style of a Literary Translator’. In: Target 12 (2): 241-266. BOUSSEAUX, Charlotte. How Does it Feel? Point of View in Translation. New York: Rodopi, 2007. BRITTO, Paulo Henriques. O tradutor como mediador cultural. Synergies Brésil, PUC-Rio, n. 2, 2010, pp. 135-41. CHATMAN, Seymour. Coming to Terms: The Rhetoric of Narrative in Fiction and Film. Ithaca-London: Cornell University Press, 1990. HERMANS, Theo. The translator’s voice in translated narrative. In: BAKER, Mona. Critical readings in Translation Studies. London: Routledge, 2010. pp. 193-212. MUNDAY, Jeremy. Introducing Translation studies: theories and applications. London and New York: Routledge, 2001. O’SULLIVAN, Emer. Narratology meets Translation Studies, or the voice of the translator in children’s literature. In: LATHEY, Gillian. The translation of Children’s Literature: a reader. United Kingdom: Multilingual Matters, 2006. pp.98-109.

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REIS, Carlos & LOPES, Ana Cristina M. Dicionário de teoria da narrativa. São Paulo: Ática, 2000. pp.78. SCHIAVI, Giuliana. ‘There Is Always a Teller in a Tale’. In: Target 8(1): 1-21, 1996. VENUTI, Lawrence. The Translator’s Invisibility. New York and London: Routledge, 1995.

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Daniel ALVES Universidade Federal da Paraíba

Maria Lúcia VASCONCELLOS Universidade Federal de Santa Catarina

INTRODUÇÃO O artigo aqui apresentado faz parte de uma pesquisa de doutoramento, desenvolvida no âmbito do projeto Dinter Novas Fronteiras – um convênio de aperfeiçoamento docente firmado entre as Universidades Federais de Santa Catarina, da Paraíba e de Campina Grande. Trata-se de uma pesquisa em andamento, desenvolvida a partir do corpus paralelo constituído pelos romances Grande Sertão: Veredas (de Guimarães Rosa) e sua tradução The Devil to Pay in the Backlands (por James L. Taylor e Harriet de Onís). Este artigo apresenta um recorte da pesquisa, em que é analisada a representação dos líderes de bandos litigantes no romance Grande Sertão: Veredas, de Guimarães Rosa. Para tanto, são adotados procedimentos de levantamento de dados com desenho metodológico baseado em premissas da Linguística de Corpus. Sumário

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d e c o n f l i t o e m G r a n d e S e r t ã o: V e r e d a s . . .

A classificação dos dados, por sua vez, é baseada em categorias do sistema de transitividade da Linguística Sistêmico-Funcional Hallidayana, a partir do levantamento de processos na configuração experiencial.O levantamento de dados tem como ponto de partida dois nódulos, a saber: ‘Joca Ramiro’ e ‘Hermógenes’. A escolha desses nódulos foi baseada no papel desempenhado por esses personagens no romance: ambos constituem figuras de liderança de diferentes bandos de jagunços litigantes. A partir dessa análise, o artigo aqui apresentado tenta responder às seguintes perguntas de pesquisa: há diferenças nos perfis ideacionais dos líderes analisados? Em caso afirmativo, como essas diferenças contribuem para diferentes construções dos líderes dos grupos? O artigo está organizado em quatro seções, além desta introdução, a saber: Revisão Teórica, que apresenta o sistema de transitividade da Linguística Sistêmico-Funcional Hallidayana; Metodologia, que apresenta a seleção e a construção do corpus de pesquisa, bem como os passos adotados para levantar os dados e os procedimentos adotados para classificá-los; Análise de dados e discussão, em que são feitas análises dos dados selecionados e apontadas leituras desses dados; e Considerações finais, em que são retomadas as observações feitas ao longo do trabalho e são apontados futuros desenvolvimentos previstos para esta pesquisa de doutoramento. O Sistema de Hallydaiano de Transitividade Nesta seção, serão apresentados os principais elementos que constituem o sistema Hallydaiano de Transitividade, bem como a visão da Linguística Sistêmico-Funcional acerca da realidade e alguns estudos que empregam esse sistema para fazer análises linguístico-literárias. Sumário

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A partir de uma perspectiva baseada na Linguística Sistêmico-Funcional, a realidade pode ser vista como um fluxo contínuo de eventos (goings-on), com diferentes graus de (in)dependência entre eles. A percepção humana acerca desse fluxo de eventos, no entanto, é limitada – o que nos leva, como seres humanos, a desenvolver uma percepção fracionada acerca da realidade. Segundo Halliday e Matthiessen (2004), já na infância começamos a separar o que acontece em nossa realidade externa e o que acontece em nossa realidade interna – e assim passamos a desenvolver processos materiais e mentais para construir essa diferença. Posteriormente, começamos a precisar de processos que nos ajudem a formular generalizações e a relacionar itens – o que nos leva a desenvolver processos relacionais. A separação entre os três processos principais (material, mental e relacional), no entanto, não é rígida, havendo processos intermediários que respondem pela transição entre eles. Assim, desenvolvemos outros processos intermediários para nos auxiliar na representação de nossa experiência no mundo. Esses processos intermediários são os comportamentais, que nos permitem representar manifestações externas de fenômenos da consciência (como sorrir, e estados fisiológicos, como dormir – por exemplo); os processos verbais, que nos permitem dizer e construir significados por processos de fala; e os processos existenciais, que nos permitem representar a existência e os acontecimentos. Essa formulação do sistema de transitividade apresentada por Halliday e Matthiessen (2004) segue uma linha teórica desenvolvida por Halliday ao longo das décadas de 1960, 1970, 1980 e 1990 e não pretende se apresentar como uma proposta de categorias estanques, mas de uma classificação que vê divisões fluídas entre os processos. Metaforicamente, os seis processos frequentemente são representados em um círculo de cores, como o mostrado a seguir (retirado de Barroso, 2009 p. 51). Sumário

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d e c o n f l i t o e m G r a n d e S e r t ã o: V e r e d a s . . .

Figura 1 – Disco de processos, retirado de Barroso (2009, p.51)

A disposição dos processos e a representação por cores indicam a fluidez entre as diferentes categorias e a nãoadoção de divisões estanques entre eles. Ao postular diferenças entre os tipos de processos, a Linguística Sistêmico-Funcional também postula diferenças entre os participantes envolvidos nesses processos. A seguir, é apresentado um esquema desses participantes e os papéis que eles desempenham em orações. Antes de apresentar o esquema, no entanto, vale ressaltar que as divisões entre os tipos de participantes, assim como dos processos, também não são estanques:

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Pesquisas em Tradução

Tipo de Processo

Participante

Ator

Material Meta

Escopo

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Participante obrigatório em processos materiais, o ator é responsável pela ação que altera a realidade externa a ele. O ator pode ser responsável por processos que têm resultado restrito a ele próprio (em orações intransitivas) ou que têm impacto sobre outros participantes (em orações transitivas) e pode ser representado de duas formas: operativo (ativo) ou receptivo (passivo). Em orações transitivas, é o participante que sofre o impacto da ação do ator. Apesar de o termo meta implicar uma relação de direcionalidade, a ideia mais central é ‘aquele a quem o processo se estende’. O escopo pode construir o domínio em que o processo se desenvolve ou construir o processo em si, por termos gerais ou específicos. A distinção entre Escopo e Meta nem sempre é simples: um mesmo grupo nominal pode ser interpretado como Escopo ou Meta – um critério para identificar o Escopo é que ele não é afetado de qualquer forma pelo processo.

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d e c o n f l i t o e m G r a n d e S e r t ã o: V e r e d a s . . .

Beneficiário

Cliente

Atributo

Mental

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Experienciador

Beneficiários ocorrem em orações transitivas transformativas de extensão e, nessa categoria, ocorrem em orações que denotam transferência de bens. Assim como a meta, tanto cliente quanto beneficiário são afetados pelo processo Cliente pode ser construído de forma semelhante à meta, especialmente em orações materiais do tipo criativo. Realizado por um grupo nominal que denota a existência de um ser humano (em especial um pronome pessoal) e mais comumente um papel de fala. Assim como a meta, cliente e beneficiário são afetados pelo processo (o cliente, beneficiando-se do processo). Fortemente ligado a orações relacionais, o atributo pode aparecer em orações materiais, mas de forma mais restrita: indicando a elaboração de um resultado do processo e podendo ser usado para a construção do resultado qualitativo do ator ou da meta (após o processo ser concluído). Em orações que indicam percepção, o experienciador é construído como um ser dotado de consciência (podendo ser: a) um ser humano; b) um ser não-humano, mas humanizado; ou c) uma entidade coletiva com características humanas).

Pesquisas em Tradução

Fenômeno

Portador

Relacional

Atributo

Identificado

Identificador

Dizente

Verbal

Receptor

Verbiagem

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Aquilo que é sentido, pensado, desejado ou percebido em orações mentais. Em orações relacionais atributivas, é o grupo nominal caracterizado pelo atributo ou, em outras palavras, o grupo que “carrega” (fazendo aqui referência a uma possível tradução da palavra ‘Carry’, da qual ‘carrier’ se deriva, em inglês) o atributo. Em orações relacionais atributivas, é o grupo nominal que caracteriza o portador; normalmente, esse grupo nominal é indefinido, não podendo ser um nome próprio ou pronome. Em orações relacionais identificadoras, é o participante identificado pelo identificador. Em orações relacionais identificadoras, é o participante que traz uma identificação do identificado. O dizente é o participante que expressa uma fala ou se posiciona, em uma situação de elocução. Receptor é aquele para quem a fala é dirigida; realizado por um grupo nominal que tipicamente denota um ser dotado de consciência, um coletivo ou instituição. As possibilidades de realização do receptor dependem da seleção do grupo verbal. Função que corresponde ao que é dito ou relatado; pode ser o conteúdo do que é dito, o nome da situação de fala.

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Ocorre apenas em um sub-tipo de oração verbal, construindo a Alvo entidade relacionada ao processo de fala. Participante que apresenta um comportamento. Normalmente, é um ser dotado de consciência, já que se trata de um participante Comportante ligado a processos tipicamente humanos, mas que realiza Comporta processos com características mental materiais. Participante análogo ao ‘Escopo’ dos processos materiais, apresenta Behaviour o comportamento em orações comportamentais. Entidade que existe ou evento que acontece; qualquer tipo de Existenfenômeno pode ser construído em Existente cial um processo existencial: pessoa, objeto, instituição, abstração, ação ou evento. Quadro 1 – Resumo de participantes segundo o tipo de processo, formulado a partir de Halliday e Matthiessen (2004, p. 170-259)

Outros detalhes sobre a diferenciação entre os tipos de processos serão apresentados na seção 0 deste artigo, ao serem expostos os critérios para classificação dos dados aqui analisados. Neste ponto do artigo, será apontada a maleabilidade dessa teoria como ferramenta para estudar a representação da realidade. A seguir, serão resumidos os resultados de Souza (2008) e Rosa Jr. (2010), de forma a mostrar a a atualidade do sistema de transitividade hallidayano como ferramenta de análise. Souza (2008) investiga 18 hinos nacionais de países de língua inglesa, distribuídos em três partes do mundo, Caribe, América do Sul e África, observando estrutura genérica, Sumário

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configurações de transitividade e recursos atitudinais empregados para construir significados interpessoais. Os resultados de Souza (2008) mostraram uma predileção por processos materiais (56% dos casos), o que indica que os hinos constroem imagens de ações concretas nos domínios da experiência humana, realizadas pelos cidadãos, que são apresentados como atores de tais ações. Rosa Jr. (2010), por sua vez, se propõe a analisar os textos verbais e visuais de cartas de tarô. Utilizando a Gramática do Design Visual de Kress e van Leeuwen (1996) e a Linguística Sistêmico-Funcional de Halliday e Matthiessen (2004) como aportes teóricos, o pesquisador analisa a transitividade dos processos para investigar a construção de significados. A análise da transitividade feita por Rosa Jr. mostra que, na construção textual apresentada nas cartas de tarô, são privilegiadas as construções fatos e acontecimentos (representados, nos dados, pela alta ocorrência de processos materiais: 45,2%), seguidas, de perto, pela construção de descrições e caracterizações (caracterizada, nas cartas, pela também alta frequência de processos relacionais: 41,1%). Por fim, são identificáveis nas cartas construções de sentimentos e percepções (pelo uso de processos mentais, mas com um percentual inferior aos dois anteriores: 13,7%). Os resultados, para Rosa Jr. (2010) podem ser considerados esperados, considerando a estrutura prototípica de consultas tarológicas. Não foram encontradas, no corpus de Rosa Jr., ocorrências de processos comportamentais, existenciais ou verbais – fato também esperado, segundo o autor, por não se tratar de processos que fazem parte do universo de expectativas de uma consulta tarológica prototípica. Após vislumbrar, por meio das pesquisas de Souza (2008) e de Rosa Jr. (2010), a viabilidade de uso do sistema hallidayano de transitividade como ferramenta de análise, a próxima seção apresentará brevemente o corpus desta

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pesquisa e também delineará os passos adotados para o levantamento dos dados e sua classificação para análise. Levantamento de dados O corpus investigado neste trabalho foi composto pelo romance Grande Sertão: Veredas, de Guimarães Rosa. Publicado em 19561, o romance apresenta a narrativa de Riobaldo, um ex-jagunço que conta sua história de vida a um interlocutor não identificado. Adotando uma estrutura não linear, sem divisões de capítulos, com digressões e omissões, Riobaldo narra histórias de conflitos, disputas de poder, acordos faustianos e amores impossíveis no sertão brasileiro, mais especificamente, na região do sertão localizada entre os estados de Minas Gerais, Goiás e Bahia. Para o trabalho aqui apresentado, foi analisada uma versão digitalizada do corpus, por meio do software AntConc (versão 3.2.4w). Trata-se de um software gratuito que permite levantar dados de forma sistemática, para serem analisados semi-automaticamente. O software emprega conceitos da Linguística de Corpus em sua concepção e permite, ao pesquisador, adotar essa abordagem metodológica. Utilizando a função de concordanciador do software AntConc (versão 3.2.4w), foram levantadas todas as ocorrências dos nódulos ‘Joca Ramiro’ e ‘Hermógenes’. A escolha dos nódulos, mencionada anteriormente, foi relacionada ao tema aqui pesquisado: Joca Ramiro representa, na narrativa, a idealização do líder, enquanto Hermógenes representa o antagonista (líder do bando antagonista). Os exemplos a

GUIMARÃES ROSA, João. Grande Sertão: Veredas. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 1994. Disponível em: último acesso em: 12 de outubro de 2011. 1

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seguir, retirados do corpus da pesquisa, buscam mostrar isso: Exemplo 1. Que um homem antigo... Seu Joãozinho Bem-Bem, o mais bravo de todos, ninguém nunca pôde decifrar como ele por dentro consistia. Joca Ramiro grande homem príncipe! era político. Exemplo 2. Como que brilhava ele todo. Porque Joca Ramiro era mesmo assim sobre os homens, ele tinha uma luz, rei da natureza. Exemplo 3. Mas o Hermógenes era fel dormido, flagelo com frieza. Ele gostava de matar, por seu miúdo regozijo. Nem contava valentias, vivia dizendo que não era mau. Exemplo 4. E – para o resto – ele apontou com o dedo. O Hermógenes, mor maldito! Ele vinha errado de mim, os Hermógenes, eles. Davam arte de contornar da banda do norte, às tantas.

Os exemplos 1 e 2 mostram a idealização da imagem de Joca Ramiro – construído com características de bravura e nobreza; enquanto os exemplos 3 e 4 mostram que a imagem de Hermógenes é construída de forma antagônica, como um ser monstruoso, cuja maldade é um dos seus atributos mais destacados. Essa construção da imagem de Hermógenes como inimigo condiz com a afirmação de Baker (2010, p.198) de que em narrativas, o inimigo tende a ser o “mal, ameaçador, perigosamente fora de controle e intransigente”, representando o oposto de tudo que o grupo que se opõe a esse inimigo valoriza e preza. Foram levantadas 185 ocorrências do nódulo ‘Joca Ramiro’ e 282 ocorrências do nódulo ‘Hermógenes’. A diferença está ligada, principalmente, à participação de cada personagem no romance. Enquanto Joca Ramiro tem uma participação limitada (por ser assassinado por Hermógenes, na metade do romance), Hermógenes se mantém vivo, e Sumário

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presente, do começo ao fim da narrativa. As figuras a seguir representam graficamente a participação dos dois personagens em Grande Sertão: Veredas. Cada traço preto representa, graficamente, um ponto em que o nome (de cada um deles) aparece no romance. Na Figura 2, é possível ver a concentração da participação de Joca Ramiro até a metade do romance, enquanto na Figura 3, é possível ver que a presença de Hermógenes no romance abrange do princípio ao fim da história.

Figura 2- Representação gráfica da distribuição de ‘Joca Ramiro’ no corpus analisado

Figura 3- Representação gráfica da distribuição de ‘Hermógenes’ no corpus analisado

Para efetuar a análise aqui proposta, o primeiro passo foi delimitar os dados levantados. Inicialmente, foram excluídas as linhas de ocorrência em que os nódulos pesquisados (‘Joca Ramiro’ e ‘Hermógenes’) não eram participantes plenos de algum processo. Essa decisão teve como objetivo selecionar as linhas de concordância que permitissem traçar um perfil ideacional dos personagens a partir dos processos realizados por eles. Foram excluídas, assim, ocorrências como as apresentadas nos exemplos listados a seguir (em que os nódulos, em negrito, não se mostram diretamente ligados a processos): Sumário

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Exemplo 5. Todo o mundo, então, todos, tinham de viver honrando a figura daquele, de Joca Ramiro, feito fosse Cristo Nosso Senhor, o exato?! E por aí eu já tinha pitado dois cigarros. Exemplo 6. Seria que me desvalesse a presença dele comigo, pelos perigos que eu visse virem a ele, no meio do combate; ou seria que a lembrança de ter Diadorim junto, naquilo, me desgostasse, por me enfraquecer, agora eu assim, duro ferro diante do Hermógenes, leão coração? Se sei, sei. Porque era como eu estava.

Em seguida, no caso do nódulo de pesquisa ‘Hermógenes’, foram excluídas as ocorrências em que a palavra se referia ao ‘bando dos Hermógenes’ e não ao personagem ‘Hermógenes’, como mostram os exemplos a seguir (em que Hermógenes se refere a uma entidade coletiva e não ao personagem Hermógenes em si): Exemplo 7. Constava que João Goanhá torasse para a Bahia, e que o Antenor seguindo rumo em beira do Ramalhada, com um punhado dos Hermógenes. Novas ordens, muitas ordens. Alaripe ia vir com Titão Passos. Titão Passos chamou a gente: Diadorim e eu. Se tinha um roteiro, sendo para ser: Exemplo 8. Zé Bebelo Vaz Ramiro-viva o nome! A gente vinha sobre o rastro deles, dos Hermógenes – por matar, por acabar com eles, por perseguir. No borrusco, o Hermógenes corria, longes, de nós, sempre. Às artes que fugiam.

Após essas etapas de delimitação dos dados, das 185 linhas de concordância com o nódulo ‘Joca Ramiro’ que foram levantadas, 107 não foram consideradas para a análise. E das 282 linhas de concordância de ‘Hermógenes’, 188 não foram consideradas para a análise aqui proposta.

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Para facilitar a leitura, essas informações foram diagramadas na tabela a seguir:

Total de ocorrências levantadas Total de linhas de concordância excluídas Total de processos classificados

Joca Ramiro

Hermógenes

185 107

100,0% 57,8%

282 188

100,0% 66,7%

78

42,2%

94

33,3%

Tabela 1- Total de ocorrências levantadas e de dados selecionados para análise

A próxima seção apresenta os critérios utilizados na classificação das 78 ocorrências de ‘Joca Ramiro’ e das 94 ocorrências de ‘Hermógenes’ analisadas neste trabalho. Classificação dos dados Como explicado na seção 0, para este trabalho, foram levantadas todas as ocorrências de ‘Joca Ramiro’ e ‘Hermógenes’ no corpus analisado. As ocorrências foram analisadas contextualmente em suas linhas de concordância e foram selecionadas para análise as linhas de concordância em que esses personagens eram participantes plenos de processos. Das linhas de concordância selecionadas, foram analisados os processos ligados a cada um dos personagens, seguindo a proposta de transitividade de Halliday e Matthiessen (2004). Assim, os processos foram classificados em seis tipos (materiais, mentais, relacionais, comportamentais, verbais e existenciais), seguindo os seguintes critérios:

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a) Foram classificadas como orações materiais as marcadas por processos que indicam ações e acontecimentos cujo fluxo de eventos realizado se dá na realidade concreta. A seguir, exemplos de processos classificados como materiais, no corpus. Exemplo 9. Aí o forte bando tinha de se aluir para adiante, em redobro de marcha – iam para ferrar fogo, em lugar e hora determinados – semelhante se soube. Tempo de beberem um café. Mas Joca Ramiro veio de lá, em alargados vagarosos passos, queria correr o acampamento, saudar um e outro, a palavrinha que fosse, um dito de apreço e apraz. Exemplo 10. Parecia mesmo querer fazer raiva no outro, em vez de tomar cautela? Vi que tudo era enfinta; mas podia dar em mal. O Hermógenes pulou passo, fez menção de reluzir faca. Se teve mão em si, foi por forte costume. E Joca Ramiro também tinha atalhado, com uma aspação: Os exemplos 9 e 10 mostram que os processos (nos casos, os verbos vir, e pular, em suas formas finitas) indicam ações e movimentos que ocorrem na realidade exterior aos participantes (Joca Ramiro e Hermógenes, respectivamente) a que estão ligados. b) Foram classificadas como orações mentais as marcadas por processos que se desenvolvem na realidade interna dos personagens, mostrando a forma como o mundo é experienciado no âmbito da consciência. Como a narrativa é contada por um narrador participante, não onisciente, no entanto, o número desses processos foi baixo. Sumário

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Exemplo 11. O Hermógenes botava pontas de olhar, some escuro, nuns visos. Só Candelário, ficado em pé, sacudia o moroso das pernas. Joca Ramiro deve de ter percebido aquele repiquete. Porque ele sobre se virou, para Só Candelário, ao de indagar: – “Meu compadre, que é que se acha?” Exemplo 12. Noção dos inimigos nossos, que, seja lá por onde, puxavam posse de sua munição e de suas montadas e cargas, socorridos de tudo quanto careciam. – “Um Hermógenes quer tomar conta do sertão dos Gerais...” eu tirei liberdade para dizer. Os processos nos exemplos 11 e 12 (respectivamente, os verbos perceber e querer, em suas formas finitas) apontam aspectos relativos a percepções, conhecimentos e intenções dos personagens – revelando, portanto, traços da realidade interna (mental) desses personagens. c) Foram classificadas como orações relacionais as marcadas por processos que indicam caracterizações e definições. Os exemplos a seguir mostram exemplos de orações relacionais em que essas caracterizações e definições são mais marcadas, mas também podem ser classificadas como relacionais as orações (e os processos) que apresentam noções de intensidade, posse ou circunstância.

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Exemplo 13. Ser dono definito de mim, era o que eu queria, queria. Mas Diadorim sabia disso, parece que não deixava: – “Riobaldo, escuta, pois então: Joca Ramiro era o meu pai...” – ele disse – não sei se estava pálido muito, e depois foi que se avermelhou. Devido o que, abaixou o rosto, para mais perto de mim Exemplo 14. Desarreei, peei o animal, caí e dormi. Mas, no extremo de adormecer, ainda intruji duas coisas, em cruz: que Medeiro Vaz estava insensato? – e que o Hermógenes era pactário! Tomo que essas traves fecharam meus olhos. De Diadorim, aí jaz que descansando do meu lado, assim ouvi: O verbo ‘ser’, que pode ser visto nos exemplos 13 e 14, foi o mais frequente entre os processos relacionais verificados – o que corresponde às expectativas da classificação, dada a frequente utilização desse verbo na realização de orações relacionais de caracterização/definição. d) Foram classificadas como orações comportamentais as marcadas por processos que denotam comportamentos fisiológicos e/ou psicológicos. Trata-se de processos tipicamente humanos que podem ser vistos como parcialmente materiais e parcialmente mentais. A seguir, alguns exemplos retirados do corpus. Exemplo 15. brincando com a morte, que para cada hora livrava. Ao que bastava Joca Ramiro perder um ponto da paciência, um pouco. Só que, por sorte, paciência Joca Ramiro nunca perdia; motejou, não mais: – “Adianta querer saber muita coisa? O senhor sabia, lá para cima – me disseram. Sumário

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Exemplo 16. – foi um tirotear forte, fogo por salvas. Ah, então era outra partida de zé-bebelos que deviam de estar chegando, drongo deles, cavaleiros. O Hermógenes esticou o pescoço, rijo ouvindo. Soante que atiravam, sucedidos, o tiroteio foi mudando de feição. Nos exemplos 15 e 16, são apresentados exemplos de orações classificadas como comportamentais. No primeiro caso, é apresentada a situação de ‘Perder a paciência’ e no segundo, ‘esticar o pescoço, ouvindo’. Nesses casos, os comportantes são seres conscientes, mas os processos têm um grau de materialidade – o que justifica a classificação como processos comportamentais. e) Foram classificadas como orações verbais as marcadas por processos introdutores da fala, que possibilitam o estabelecimento de passagens dialógicas. A seguir, alguns exemplos de processos verbais. Exemplo 17. Com o que, todo o mundo parado, formaram uns silêncios. Menos no mais, Joca Ramiro ia falar as palavras consagradas? – “O senhor pediu julgamento...” – ele perguntou, com voz cheia, em beleza de calma. Exemplo 18. Do escurão, tudo é mesmo possível. No outro lado, o Hermógenes sussurrou ordens. Deitamos. Eu estava atrás duma árvore, uma almêcega. Mais atrás de mim, o riacho, passante por suas pedras. Nos exemplos 17 e 18, são apresentadas orações de processos verbais, marcadas pelos de elocução ‘falar’ e ‘sussurrar’.

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f) Por fim, foram classificadas como orações existenciais as marcadas por processos que indicam existências ou acontecimentos. A seguir, são mostrados alguns exemplos. Exemplo 19. O Gavião-Cujo levantou um braço, pedindo prazo. À fé, quase gritou: – “Mataram Joca Ramiro!...” Aí estralasse tudo – no meio ouvi um uivo doido de Diadorim : todos os homens se encostavam nas armas. Aí, ei, feras! Exemplo 20. – “O Hermógenes está morto, remorto matado...” – quem falou foi o João Curiol. Morto... Remorto... O do Demo... Havia nenhum Hermógenes mais. Assim de certo resumido – do jeito de quem cravado com um rombo esfaqueante se sangra todo, no vão-do-pescoço: O exemplo 20 é marcante dos processos existenciais: ao empregar o verbo ‘haver’, com o sentido de ‘existir’, é apontada uma relação de existência mais clara. Em relação ao primeiro e ao segundo exemplos, no entanto, a classificação da oração como existencial foi baseada na posposição do sujeito (nos casos, Joca Ramiro) em relação ao processo – o que nos permite enxergá-lo como um participante introduzido no texto – de forma que é possível ver a estrutura como agnata de ‘surgiu/apareceu/ desapareceu o Joca Ramiro’. Assim como no caso dos processos mentais, não houve muitas ocorrências de orações existenciais nos dados levantados para este artigo. g) Por fim, nos casos problemáticos - no que diz respeito à definição da natureza do processo foram classificados por uma lógica de formações agnatas. Os exemplos apresentados a seguir foram considerados casos problemáticos: Sumário

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Exemplo 21. por gestos que Zé Bebelo estava gira da idéia, outros quadrando um calado de mau sinal. Até o que disse: – “De lá não sai barca!” Assim se diz. Joca Ramiro não reveio logo. Mexeu com as sobrancelhas. Só, daí: – “O senhor veio querendo desnortear, desencaminhar os sertanejos de seu costume velho de lei. Exemplo 22. Eu ainda mudei distância de uns passos: aproveitei tapação duma árvore de boa grossura – um araçáde-pomba, fechado. De sovigia, o Hermógenes não me largava. Doesse na gente, mesmo aquele principiozinho de madrugada. Apertava a necessidade. O exemplo 21 foi classificado como oração verbal, por partir do entendimento de que ‘reveio’ estava sendo utilizados com um sentido próximo ao do verbo ‘ordenar’, que, por sua vez. Já o exemplo 22 foi classificado como comportamental, por entender que ‘me largava’ estava sendo utilizado com um sentido próximo de ‘obser-vava/vigiava’. Ao utilizar o critério de buscar sentidos próximos, a metodologia aqui empregada adotou um prin-cípio semelhante ao apontado por Halliday e Matthiessen (2004) de utilizar formas ágnatas para classificar processos. A próxima seção apresentará os números resultantes da classificação descrita nesta seção, tentando apresentar possíveis leituras de seu significado. ANÁLISE DE DADOS E DISCUSSÃO Como descrito na seção Erro! Fonte de referência não encontrada., os dados referentes às ocorrências de ‘Joca Sumário

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Ramiro’ e ‘Hermógenes’ foram levantados e classificados, seguindo a proposta de Halliday e Matthiessen (2004). Em seguida, os resultados foram esquematizados numericamente e organizados na tabela apresentada a seguir:

Material Mental Relacional Comportamental Verbal Existencial Total de processos classificados

Joca Ramiro Freq. % 17 21,8% 5 6,4% 22 28,2% 9 11,5% 23 29,5% 2 2,6% 78 100,0%

Hermógenes Freq. % 24 25,5% 1 1,1% 38 40,4% 11 11,7% 18 19,1% 2 2,1% 94 100,0%

Tabela 2- Transitividade dos processos ligados aos personagens Joca Ramiro e Hermógenes

A tabela 2 apresenta os processos que têm Joca Ramiro como participante. Desses, os principais são de natureza verbal (29,5%), seguidos de perto pelos de natureza relacional (28,2%). Já no caso de Hermógenes, os principais processos são de natureza relacional (40,4%), seguidos pelos de natureza material (25,5%). Isso indica que a construção do personagem de Joca Ramiro tende a privilegiar passagens dialógicas (o que mostra uma característica de maior comunicação, em que o personagem fala, pergunta, diz) enquanto a construção do personagem de Hermógenes privilegia a construção do mundo físico. Interessante verificar, nessa primazia dos processos verbais que têm Joca Ramiro como participante, a presença de processos que remetem a ações que se concluem na fala

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(atos de fala). A seguir, são apresentados alguns desses exemplos. Exemplo 23. Trabalho de idéia em aperto, pelo pão de salvar sua vida da estrosca. Imediato, Joca Ramiro deu a vez a Só Candelário, não deixando frouxura de tempo para mais motim: – “Hê, e você, compadre? Qual é a acusação que se tem?” Exemplo 24. Se afundava para os altos. – “Apraz ao senhor, compadre Ricardão?” – Joca Ramiro solicitou, passando a vez. Aquele retardou tanto para começar a dizer, que pensei fosse ficar para sempre calado. Ele era o famoso Ricardão, o homem Exemplo 25. Só que uns peixes tem, que nadam rio-arriba, da barra às cabeceiras. Lei é lei? Loas! Quem julga, já morreu. Viver é muito perigoso, mesmo. Nisso, Joca Ramiro já tinha transferido a mão de fala a Titão Passos – esse era como um filho de Joca Ramiro, estava com ele nos segredos simples da amizade. Essa característica verbal (como dizente) de Joca Ramiro seria um dos fatores que contribuem para a construção da liderança do personagem de forma idealizada, como mencionado anteriormente neste trabalho. O personagem não apenas se comunica com seus jagunços como também sua fala tem a legitimidade suficiente para, por si só, executar ações – como se pode ver nos exemplos 23, 24 e 25, que mostram Joca Ramiro passando o turno de fala a seus companheiros – um ato que, pode-se assim dizer, legitimado a partir do momento que é pronunciado pelo líder. Nos perfis ideacionais também se destaca a diferença (proporcional) entre os processos mentais: 6,4% dos proSumário

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cessos cujo participante é Joca Ramiro são mentais, contra 1,1% dos processos cujo participante é Hermógenes (um número quase seis vezes menor). O exemplo 26, mostrado a seguir, apresenta um dos processos mentais ligados a Joca Ramiro e o exemplo 27, também a seguir, apresenta o único processo mental ligado a Hermógenes (entre os dados levantados): Exemplo 26. Questionou-se a respeito disso? Tinham barulhos na voz. Mesmo os chefes entre si cochicharam. Mas Joca Ramiro sabia represar os excessos, Joca Ramiro era mesmo o tutumumbuca, grande maioral. Temperou somente: – “Mas ele não falou o nome-damãe, amigo...” Exemplo 27. Noção dos inimigos nossos, que, seja lá por onde, puxavam posse de sua munição e de suas montadas e cargas, socorridos de tudo quanto careciam. – “Um Hermógenes quer tomar conta do sertão dos Gerais...” – eu tirei liberdade para dizer. Mesmo mais indiretas disse; e isso me realiviou, no dizer, pouco somente O exemplo 26 mostra Joca Ramiro como expe-rienciador do processo mental ‘sabia’. Já o exemplo 27 mostra Hermógenes experienciador do processo represen-tado pelo sintagma verbal ‘querer tomar conta’. Como apontado na Tabela 2, proporcionalmente, Joca Ramiro se apresenta como participante em processos mentais mais frequentemente – o que, de certa forma, reforça sua característica humana como ser dotado de consciência – do que Hermógenes. Pode-se dizer que as diferenças nos perfis ideacionais dos personagens Joca Ramiro e Hermógenes contribuem Sumário

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para a construção de uma contraposição entre eles: se por um lado há um líder (Joca Ramiro) com mais características dialógicas e reflexivas, por outro, há um líder (Hermógenes) com mais características mais ligada à construção do mundo físico e à execução de processos na realidade material. Essa contraposição condiz com a proposição de Baker (2010, p.198) de que em narrativas, um lado tende a representar seu o inimigo ressaltando, nele, as características que são opostas a tudo que esse lado inimigo valoriza e preza, de forma a justificar a necessidade do conflito contra esse inimigo. A seção seguinte apresenta as considerações finais deste trabalho, fazendo um apanhado dos objetivos, das perguntas de pesquisa e apresentando as próximas etapas da pesquisa em desenvolvimento.

CONSIDERAÇÕES FINAIS Este artigo se propôs a analisar os perfis ideacionais dos personagens ‘Joca Ramiro’ e ‘Hermógenes’ no romance Grande Sertão: Veredas, de Guimarães Rosa, com vistas a estabelecer as diferenças linguísticas na construção dos personagens que se apresentam em uma relação de conflito no romance. A escolha dos dois personagens foi tomada pelo fato de se tratar de líderes de bandos litigantes e, como tal, como figuras representativas do litígio em questão. Os dados foram levantados por meio de uma metodologia de corpus e classificados segundo o modelo de transitividade de Halliday e Matthiessen (2004). A análise dos perfis ideacionais permitiu visualizar diferenças na construção dos personagens analisados: Joca Ramiro é participante de mais processos de natureza verbal (29,5%) e de natureza relacional (28,2%); enquanto Hermógenes é participante de mais processos de natureza relaSumário

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cional (40,4%) e de natureza material (25,5%). Construções que destacam a natureza dos dois líderes e o papel de liderança que eles desempenham em seus bandos. Desenvolvimentos futuros deste trabalho analisarão os perfis ideacionais dos personagens ‘Joca Ramiro’ e ‘Hermógenes’ na tradução do romance Grande Sertão: Veredas para o inglês – intitulada The devil to pay in the backlands2, traduzida por James L. Taylor e Harriet de Onís, publicada em 1963, tentando aprofundar as investigações a construção linguística do conflito e sua relação com a investigação aqui proposta. A partir dessa análise, objetiva-se verificar se há diferenças na construção do conflito nas duas línguas (português e inglês) e se tais diferenças – caso elas sejam verificadas – se devem a questões relativas aos dois sistemas linguísticos em contato, ou ao resultado de decisões dos tradutores.

Referências ANTHONY, Laurence. AntConc3.2.4w. Tokyo, Japão: Waseda University, 2011 – disponível em: - último acesso em 4 de janeiro de 2012. BAKER, Mona. ‘Interpreters and Translators in the War Zone: Narrated and Narrators’. In: The Translator. Vol. 16, N. 2, p. 197222, 2010.

GUIMARÃES ROSA, João. The Devil to Pay in the Backlands. Trad. James L. Taylor e Harriet de Onís. New York: Knopf, 1963. 2

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BARROSO, Suzana de Carvalho. Tematização e representação da prática docente: análise sistêmico-funcional da construção discursiva da profissão e da identidade doprofessor de inglês como língua estrangeira. Rio de Janeiro: dissertação (mestrado). Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, 2009 – disponível em - último acesso em 4 de outubro de 2012. KRESS, G.; VAN LEEUWEN, T.. Reading images. London/New York, Routledge.1996. PARO, Vitor Henrique. ‘Implicações do caráter político da educação para a administração da escola pública’ In: Educação e Pesquisa, São Paulo, v.28, n.2, p. 11-23, jul./dez. 2002 – disponível em: - último acesso em 20 de janeiro de 2012. ROSA Jr, Carlos Alberto Ribeiro Santa. Cartas Marcadas: Multimodalidade discursiva e Transitividade em baralhos de tarô. Recife: dissertação (mestrado). Universidade Federal de Pernambuco, 2010 – disponível em: último acesso em 30 de dezembro de 2011. SOUZA, Anderson Alves de. "Do the right, be firm, be fair": A systemic functional investigation of national anthems written in English. Santa Catarina: Tese (doutorado) Universidade Federal de Santa Catarina, 2008 – disponível em: último acesso em 30 de dezembro de 2011.

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Letícia Caporlíngua GIESTA Universidade Federal de Campina Grande

Introdução O título desse capítulo reflete a essência do trabalho que objetivou analisar as concepções de alunos de cursos de graduação acerca da articulação entre ensino de inglês instrumental e tradução. O texto relata um estudo com pressupostos epistemológicos qualitativos, no qual a consideração das concepções dos sujeitos do processo de ensinoaprendizagem é relevante, tanto na construção do conhecimento científico, como na comunicação, sensibilização, interação, dialogicidade e, consequentemente, na aprendizagem significativa. Valoriza as concepções dos estudantes na veiculação de conhecimentos inerentes à teoria e à prática cotidiana de sala de aula e, no caso específico da abordagem temática desse capítulo, o uso ou não da tradução no ensinar e aprender língua inglesa (LI) na disciplina de inglês instrumental (I.I.). O tema tradução raramente aparece na teoria sobre I.I. e está presente na sala de aula. Assim, a consolidação de um panorama exploratório acerca das concepções de alunos que cursam a disciplina de I.I. em cursos de graduação pode elucidar o que os sujeitos empiricamente adquiriram ao longo de sua história de vida, de aprendizagem e no I.I. na escola. Sumário

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Então, a partir de entrevistas feitas com alunos da educação superior, este estudo torna possível ampliar o escopo de contextualização de um estudo mais aprofundado sobre o tema: ensino de I.I. e tradução. Nessa perpectiva, os resultados dessa pesquisa exploratória podem contribuir na ampliação das discussões e surgimento de novos questionamentos que motivem estudos ou práticas pedagógicas no I.I. e nos Estudos da Tradução. Este capítulo expõe uma síntese de trabalhos realizados acerca do uso da tradução no ensino de Língua Estrangeira (LE); aponta considerações sobre estudos de concepções de estudantes acerca de tradução no ensino de LE; e uma análise de concepções de estudantes universitários acerca de tradução no ensino de LE, na disciplina de I.I., e ao longo de suas experiências na aprendizagem de inglês no cotidiano e na escola. Tradução no ensino de língua estrangeira Não é desconhecido que a discussão sobre a utilização da tradução no ensino de LE é vasta em posicionamentos “contra” e “a favor” desta prática, bem como, a relevância desta discussão; entretanto, não é objetivo deste texto fazer este aprofundamento. Aqui é feita uma referência a opiniões de autores para subsidiar, de forma sucinta, a problematização do estudo aqui relatado, o qual, como afirmado no início deste capítulo, está apoiado na concepção de que não pode ser negado que, tácita ou explicitamente, em práticas pedagógicas ou não, ao acessar um texto em LE, estudantes fazem uso da tradução nas mais variadas formas, como estratégia para entender o que leem. Este procedimento de tradução usado pelos estudantes não significa seguir passos formais de uma tradução técnica, nem que o professor de LE tenha que ensinar como se traduz um texto, constitui uma Sumário

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estratégia buscada por alunos para aproximar o texto escrito em LE à língua materna (LM) e entender o que lê. Os benefícios da tradução, no entender de Ridd (2000), ultrapassam os seus possíveis efeitos negativos. Para o autor, a presença da tradução em aulas com propósitos comunicativos, ensino por tarefas, aprendizagem centrada no aluno e pedagogia crítica combinam perfeitamente. Juntam-se a esta opinião ideias de Cook (1998), Malmkjaer (1998), entre outros, que reconhecem a tradução como elemento presente e fundamental nas aulas de ensino de LE, e ainda que os referidos autores considerem a contribuição de outros autores que se colocam “contra” o uso da tradução no ensino de LE, julgam que a tradução pedagógica conquistou espaço e respeitabilidade como procedimento e objeto de investigação. Ridd considera que: Se antes era necessário abordar com cautela extrema a questão da tradução no ensino de línguas [...] hoje é possível pensar e pesquisar a questão em ambiente de maior distensão e menor ranço, ainda que algumas instituições insistam em rejeitá-la de antemão. Não se discute mais se a tradução tem lugar relevante no ensino/aprendizagem de línguas. Discute-se agora que funções ela pode e deve desempenhar e por que meios obter o maior proveito de uma atividade complexa, rica, instigante e necessária. É uma atividade que exige uma postura mais aberta e reflexiva de quem ensina línguas, muitos ainda muito acostumados às certezas e facilidades propiciadas por métodos e abordagens desenvolvidos no século 20, pouco apropriados aos desafios lançados pelo mundo em fluxo que conhecemos no século 21 (RIDD, 2009, p. 142).

Com objetivo de discutir sobre o uso da tradução no ensino-aprendizagem de LE, Romanelli (2009) propõe Sumário

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analisar os “motivos não somente linguísticos, mas também ideológicos e políticos que essa discussão envolve, e reavaliar as vantagens desta técnica didática” (ROMANELLI, 2009, p. 200), atentando a trabalhos publicados sobre o assunto no Brasil e no exterior. O autor esclarece que não faz apologia ao uso da tradução no ensino-aprendizagem de LE, por reconhecer que o emprego excessivo ou inapropriado pode ser negativo para fins didáticos. Romanelli (2009) considera que a discussão sobre o uso da tradução no ensino de LE diminuiu com a adesão de teóricos e práticos aos pressupostos da abordagem comunicativa, pois houve a redução do uso da tradução de forma explícita e afirma que para os adeptos a esta abordagem o uso da tradução no ensino de LE passou, em geral, a ser julgado “desnecessário e até desaconselhável” (ROMANELLI, 2009, p. 200). Para Romanelli, apesar das críticas e obscuridade do papel da tradução por algum tempo, é comum identificar professores e estudantes que usam a LM para se aproximarem da LE com o uso da tradução. Romanelli (2009) extrapola a argumentação teórica apresentando atividades didáticas utilizando a tradução em aulas de LE. Calvo-Capilla e Ridd (2009), em artigo que tratam da tradução na aprendizagem de línguas próximas, assinalam que antes de ser rejeitada no ensino de LE, a tradução ocorria na transposição de palavras, muitas vezes descontextualizadas, ou “como empreitada de cunho literário além da capacidade comunicativa dos aprendizes” (CALVOCAPILLA; RIDD, 2009, p. 162). Ao longo do tempo, em abordagens que acompanhavam propostas linguísticas e/ou pedagógicas, não se ensinava a traduzir para auxiliar a aprender a LE. A tradução como instrumento pedagógico comunicativo, para estes autores, passa a ser apontada em trabalhos publicados por, entre outros, Lavault (1985), que estimula a recuperação da tradução com fins pedagógicos, Sumário

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tendo como modelo o ensino de tradução profissional e o conceito de tradução interpretativa de Delisle (1988). A tradução “volta a figurar entre as propostas de pesquisadores como atividade comunicativa com foco no sentido que, dada a alta carga cognitiva, permite trabalhar de forma consciente o contraste entre as línguas” (CALVO-CAPILLA; RIDD, 2009, p. 150). Em uma leitura crítica de trabalhos acadêmicos brasileiros, como de Romanelli (2006), Welker (2004), Hargreaves (2004), Checchia (2002) e Hinojosa e Lima (2008), que versam sobre as possíveis vantagens e desvantagens do uso da tradução no ensino de LE, Bohunovsky (2011) afirma que trabalhos, ao abordarem a tradução no contexto de ensino de LE, são fundamentados em conceitos de tradução na visão do senso comum, fragilizando a reflexão teórica sobre essa atividade e desconsiderando as indagações feitas há décadas por estudiosos da área. A autora conclui que a consequência da falta de clareza argumentativa e terminológica encontrada na análise pode ser atribuída à falta de diálogo entre a área de ensino de LE e os Estudos da Tradução que “há algumas décadas, vem colocando em questão a visão do senso comum a respeito do processo tradutório” (BOHUNOVSKY, 2011, p. 215). Sugere a intensificação do diálogo entre os que se dedicam aos Estudos da Tradução no ensino de LE, pois contribuiriam “para discussões mais esclarecedoras e ricas sobre esse tema, se levassem em consideração as teorias e os debates que têm sido desenvolvidos na área da tradução nas últimas décadas” (BOHUNOVSKY, 2011, p. 215). Objetivando instigar essa discussão, o presente trabalho traz o relato de um estudo junto a estudantes de cursos de graduação, de modo a conhecer suas percepções acerca da tradução no I.I.. Focaliza concepções desses alunos sobre tradução e seu uso, ou não, no processo de ensinoaprendizagem de LE, tanto nessa disciplina no curso atual, Sumário

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como em sua vida escolar. Dessa forma, este trabalho ressalta as construções conceituais dos alunos, a princípio formuladas a partir do senso comum sobre o uso de tradução no ensinar e no aprender uma LE através da disciplina de I.I.. A suposição de que as concepções sejam fundamentadas no senso comum se dá devido ao fato de que os alunos não necessitem se apropriar de conceitos teóricos acerca do tema. Valoriza-se aqui o ponto de vista dos estudantes, suas ações, reações e percepções diante do que lhes é proposto em práticas pedagógicas do I.I..

Estudo de concepções e sua importância para o uso da tradução no ensino de LE O objetivo do I.I. não é traduzir, nem formar tradutores. Conforme Pinto (2009, p. 85): [...]o ensino de inglês instrumental sofreu uma série de modificações ao longo dos anos. Houve, a princípio, uma mudança de enfoque, que passou do controle sobre a compreensão do leitor para o controle interno do aluno. A ênfase inicial no uso de materiais de ensino refletiu-se no interesse posterior nos processos mentais que ajudassem os leitores a adquirir o autocontrole sobre suas próprias estratégias de compreensão.

Implícito neste estudo está o conceito de concepção fundamentado em Giordan e De Vecchi (1996, p. 94-95), considerado: [...] um processo pessoal, através do qual um aprendente estrutura progressivamente os conhecimentos que integra. [...] A 'concepção', tal como a reconhe-

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cemos, não é portanto produto, mas sim o processo de uma atividade de construção mental do real. Essa elaboração efetua-se, é claro, a partir das informações que o aprendente recebe pelo intermédio de seus sentidos, mas também das relações que mantém com outrem, indivíduos ou grupos, durante sua história, e que permanecem gravadas em sua memória.

No estudo acerca de concepções, é importante elucidar o que se entende por informação-conhecimento-saber. Neste estudo, são articulados conceitos de Charlot (2000; 2005), que considera a informação como um dado exterior ao sujeito, que pode ser armazenada e utilizada em qualquer momento. Conhecimento é decorrência da vivência pessoal, é subjetiva e intransmissível. Assim como a informação, o saber está "sob a primazia da objetividade"; mas, é uma informação de que o sujeito se apropria. Desse ponto de vista, é também conhecimento, porém desvinculado do "invólucro dogmático no qual a subjetividade tende a instalá-lo" (CHARLOT, 2000, p. 61).

O saber é, portanto, [...] produzido pelo sujeito confrontado a outros sujeitos, é construído em "quadros metodológicos". [...] A análise parece-me pertinente: não há saber senão para um sujeito, não há saber senão organizado de acordo com relações internas, não há saber se não produzido em uma "confrontação interpessoal" (CHARLOT, 2000, p. 61).

Nesse enfoque, o estudo de concepções de estudantes no ensino de LE pode favorecer a identificação de significados atribuídos por eles na construção do conhecimento, nas relações que estabelecem no cotidiano e espaços Sumário

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educativos em contato com a LE, bem como, considerar a característica do I.I. de preparação das atividades a partir das necessidades discentes. Implica valorizar a interação, estimulando compartilhamento de uma intenção particular, que pode repassar informações, modificar pontos de vistas, construindo conhecimentos, desconstruindo preconceitos, transformando potencialidades, sedimentando saberes. A negociação de significados na explicitação de concepções pelos aprendizes permite que discentes e docentes compreendam que certas ações e concepções podem ser influenciadas pela cultura, contexto espaço-temporal, comunicação interpessoal e concepções individuais ou do grupo, interferindo na assimilação consciente de conhecimentos e habilidades. Esta declaração não implica a ideia de que o processo dialógico não ocorra em abordagens de ensino de LE com outras características, apenas aqui é enfatizada a importância atribuída ao fato de que a aprendizagem ocorre no processo de efetiva comunicação e que esta não é uma prática generalizada e explícita em aulas de I.I.. Como saber o que o aluno almeja, pensa, vivenciou se não se pergunta e não se analisa sua resposta? O estudo de concepções dos estudantes pode representar uma diferença de como o ensinoaprendizagem é percebido.

Método Como procedimento de coleta de dados foram realizadas entrevistas com roteiro semiestruturado, que, com a autorização dos sujeitos pesquisados, foram anotadas e posteriormente revistas por eles. Também, contou-se com a observação realizada durante cada entrevista. Para a análise de dados utilizou-se a análise de conteúdo, fundamentada em Triviños (1987). Foram entrevistados 50 alunos da Sumário

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disciplina I.I. dos cursos de: Licenciatura em Ciências Biológicas, Física, Matemática e Química; Bacharelado em Enfermagem e Farmácia. Desta forma, o estudo aqui relatado reafirma princípios da pesquisa qualitativa, ao buscar entender os sujeitos a partir de seus pontos de vista, considerando que “'ponto de vista' é um construto de investigação. Entender os sujeitos com base nesta ideia pode, consequentemente, forçar a experiência que os sujeitos têm do mundo a algo que lhes é estranho" (BOGDAN; BIKLEN, 1994, p.54). E, por ser uma pesquisa exploratória que aborda o ensinar e aprender em sala de aula, envolve ideias como as Giordan e De Vecchi (1996) que explicam: [...] a construção do conhecimento passa pela tomada em consideração das concepções dos aprendentes, que essas evoluem a partir de um questionamento através de atividades de confrontação com as concepções dos outros e com os fatos. Essas atividades permitem formular problemas científicos, procurar elementos de resposta, analisar esses últimos, estabelecer assim novas relações entre as aquisições pontuais, e isso em ligação com as representações prévias (GIORDAN; DE VECCHI, 1996, p. 195).

As reflexões acerca das informações obtidas, analisadas à luz do aporte teórico, serão sintetizadas a seguir.

As concepções dos estudantes: tradução e o seu uso no ensino de I.I. A entrevista teve roteiro com questões que buscaram saber: (1) se os professores de inglês nos ensinos Fundamental e Médio eram formados em Letras- Inglês; (2) o que o aluno entrevistado faz primeiro quando vai ler um Sumário

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texto em LI; (2) qual a maior dificuldade na leitura de um texto em inglês; (4) se é possível que um aprendiz iniciante de inglês leia um texto nessa língua sem traduzir; (5) para que o aluno necessita do I.I.; (6) se havia algum tema de seu interesse específico para a leitura em inglês na sua vida acadêmica atual; (7) quais as características das aulas de inglês na escola; (8) quais as principais atividades proporcionadas neste âmbito voltadas ao ensino de inglês; (9) como eram sugeridas as atividades de ensino-aprendizagem. A característica da entrevista permitiu que entrevistados e entrevistadora extrapolassem o roteiro das perguntas, acrescentando explicitações, exemplos, comentários, dependendo da emoção, envolvimento, memória, significado dado à questão pelos respondentes. Aqui são descritos resultados do estudo na ordem do roteiro de entrevista, apontando os principais elementos analisados, visando favorecer a compreensão por parte do leitor, que segue a narrativa da seção da forma como foi conduzida no processo de coleta de dados. O capítulo apresenta um estudo de concepções numa pesquisa qualitativa, que, por natureza, não estabelece hipóteses, nem prejulga os sujeitos pesquisados. As questões são objetivas, exigindo respostas discursivas, subjetivas, típicas de entrevista com roteiro semiestruturado. A entrevista obtém dados descritivos na linguagem do sujeito, embebido em sua subjetividade, assim, o pesquisador pode desenvolver de forma intuitiva uma ideia sobre como os sujeitos interpretam aspectos do mundo (BOGDAN; BIKLEN, 1994). Em resposta à primeira questão, todos citaram a formação de seus professores de Inglês nos ensino Fundamental e Médio, manifestando certa criticidade a esse respeito, o que pode ser visualizado na apresentação dos resultados, que indicou uma diversidade na formação dos professores. Sumário

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Os professores de I.I., na escolarização anterior dos alunos entrevistados, são, em suas lembranças, em geral, formados em Letras e até alguns em Letras e Pedagogia. Houve quem julgasse que seus professores tivessem sido improvisados e quem avaliou terem seus professores um “inglês bem básico”. Dois entrevistados mencionaram que os professores lecionavam outras disciplinas na escola, como Geografia, Matemática e Física. A inclusão dessa questão se dá pelo fato de valorizar a formação do professor de Inglês. A formação em Letras Inglês pode supor um conhecimento teórico mais amplo acerca dos pressupostos de I.I.. Isso realmente acontece? O aluno percebe essa diferença? O fato de o aluno ter conhecimento sobre a formação do docente e informar qual é, pode ser decisiva na compreensão do comportamento didático desse professor. À pergunta “O que você faz primeiro quando vai ler um texto em língua inglesa”, as respostas apontam que os alunos: procuram as palavras conhecidas num primeiro contato com o texto; outros procuram identificar do que trata o texto; e dois afirmaram logo procurar um dicionário, embora não tenham explicitado como o utilizariam. Foi frequente a alusão à tradução como um recurso nos procedimentos. Esta questão realça a expectativa positiva do docente e do pesquisador em relação ao que os alunos podem oferecer, já que são sujeitos complexos, pensantes, reflexivos, produtores de conhecimento, protagonistas de sua própria história e formação acadêmica e profissional. Não houve hesitação dos alunos para responder a esta pergunta. Todos eles sabiam descrever os procedimentos que utilizavam. Estas respostas podem, na perspectiva da pesquisa qualitativa, constituir um achado importante por evidenciar o conhecimento e reação dos estudantes diante de um texto em LE, inclusive quebrando preconceitos que circundam a Sumário

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questão. As respostas denotaram que os alunos têm adotado estratégias para ler texto em inglês, que podem ter sido ensinadas ou adotadas espontaneamente; as quais vêm sendo bem-sucedidas ou não, na leitura de qualquer tipo de texto; mas constitui um dado a ser conhecido sem preconceitos pelo professor de I.I., de modo a que este possa planejar aulas mais aproximadas às características discentes, a um diálogo profícuo para os auxiliar a aperfeiçoar a leitura que faz em LI. Perguntados sobre qual a maior dificuldade na leitura de um texto em inglês, os entrevistados apontaram: (a) conjugação verbal; (b) restrição de vocabulário; (c) diferenças do idioma; (d) ordem das palavras nas frases; (e) gramática; (f) tentar entender o sentido das frases no contexto do texto; (g) diversidade de significados de uma mesma palavra dependendo do contexto; (h) as gírias, palavras desconhecidas. Pouco menos de um quarto dos entrevistados afirmou ser a pronúncia sua maior dificuldade, pois afeta a compreensão do texto, mesmo em leitura silenciosa. Um dos alunos disse não ter ideia acerca de suas dificuldades; dois consideram que tudo é difícil; um explicou que “por não saber a língua, não passa nada na cabeça”. A quarta questão da entrevista tratava se é possível que um aprendiz iniciante de inglês leia um texto nessa língua sem traduzir. Com exceção de um aluno entrevistado, todos fazem uso da tradução para ler textos em LE. Desses, dez dizem que para abrirem mão da tradução como estratégia na leitura em inglês “depende do texto”. Seis consideram que, embora não consigam entender o texto todo, conseguem identificar o sentido do texto. O estudante que respondeu não utilizar a tradução na leitura em LE, diz ser possível ao leitor recorrer a associações para compreender o texto.

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Aqui se busca conhecer através das respostas dos estudantes sua concepção de tradução e a forma como a utilizam e se a utilizam no contato com o texto em LE. A seguir, foi perguntado aos estudantes para que o I.I. é necessário. No entender dos estudantes, a necessidade do I.I. se concentra na importância para ampliar os conhecimentos gerais e aprimorar a leitura. Seis destes disseram ainda ser para aperfeiçoar a gramática; houve também quem julgasse necessário para ajudar na tradução de textos e outros três de que ajudaria na pronúncia. Um destacou a necessidade de I.I. para “abrir novos caminhos, conhecer novas culturas e ler artigos” e outros, ainda, destacaram a leitura de textos de sua área de estudos. Ao responderem sobre algum tema de seu interesse específico para a leitura em inglês na sua vida acadêmica atual, foram apontados pelos entrevistados textos sobre sua área específica e indicações de acordo com interesses individuais tais como: microbiologia clínica; fisiologia humana; e gírias (o entrevistado que afirmou ter dificuldades em ler textos em que encontre tais palavras). Com a intenção de compreender como os alunos, que estudaram inglês por cerca de sete anos na escola básica, têm concebido esta atividade em sua formação foi perguntado: quais as características das aulas de inglês na escola; quais as principais atividades; como eram sugeridas as atividades? Os alunos foram bastante espontâneos em suas respostas e em síntese responderam que as características das aulas de inglês na escola tinham forte foco na gramática, sendo enfatizado o verbo “to be”, além da tradução de textos, principalmente de letras de músicas. Os alunos descreveram que utilizavam dicionários para a realização das atividades e houve comentários sobre a dificuldade em saber a palavra correspondente correta, devido à quantidade de opções presentes no dicionário. Referiram-se, também, a atividades que envolviam características de diferentes gêneros textuais. Sumário

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Ao citar algumas das falas dos estudantes, parte de suas manifestações a esta questão é aqui ilustrada e a seguir comentada: “As aulas de inglês que eu mais gostava eram do Fundamental, aonde a professora fazia dinâmicas, músicas, brincadeiras, etc.”. “O professor dava um pouco de gramática e pedia para traduzir texto”. “Aplicava a parte gramatical, trabalhava com textos, traduções e interpretações”. “Um pouco de tradução de texto, e tive um professor que parecia mais que dava aula de português (gramática) só que em inglês”. “Passava música para a gente traduzir, dava gramática, raramente dava um texto para interpretação”. “Verbo to be”. “O meu professor ensinava várias coisas, pois ele tentava fazer com que os alunos aprendessem o inglês se divertindo, fazendo leituras, gramática, estudando letras musicais, etc.”. “Professor dava gramática e textos complementares para auxiliar na fixação. Também pedia para montar um dicionário com as palavras já dominadas ao longo do ano”. “O professor colocava frases em inglês no quadro e todos tinham que colocar a frase em português”. “Eu tinha mais aulas com o monitor do que com o professor”. “Aprendíamos letras, números, cores. Depois vocabulário, falsos cognatos, ‘to be’ e mais tarde textos e interpretação com o dicionário”. “Usava o Google Tradutor e copiava textos para treinar a escrita”. Quadro 1: Excertos de falas dos estudantes

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Nas falas dos estudantes, há evidências de que o inglês trabalhado na escola visou diversificar os procedimentos de ensino nas aulas com músicas e atividades que pudessem ser mais atraentes e voltadas ao cotidiano dos estudantes, aliando à leitura e à gramática, na tentativa de atender requisitos presentes nos programas curriculares, no vestibular ou no Exame Nacional de Ensino Médio - ENEM. Entretanto, segundo os alunos, muitos professores se mostravam desmotivados e sem acreditar que poderiam realmente fazer a diferença na formação dos estudantes. Um dos alunos mencionou que a característica da prova do ENEM é diferente do que é feito na escola, e que ficou assustado ao deparar-se com questões na prova que jamais vira nem parecidas, tanto no conteúdo quanto na forma. Ele acredita que o inglês da escola deveria tê-lo preparado para fazer tais questões, pois estas tinham relação com o que se discute na atualidade. Na concepção dos alunos, as aulas de inglês cumpriam os objetivos numa ação meramente didática. Para alguns dos entrevistados, sua própria relação com a LE nas aulas era de realizar exercícios com fins de avaliação em provas internas ou externas ao meio escolar. Entretanto, implícito em suas falas também é possível perceber o interesse em que a interação consciente com o texto favorecesse sua formação de leitores responsáveis e autônomos. Ainda que os entrevistados desconheçam pressupostos teóricos que defendem atividades que incentivem e permitam tal interação, eles desejariam ter aulas de LE que contribuíssem também para tomarem decisões mais independentes, utilizando aquilo que aprenderam em aula em outros momentos da vida, incorporando o conhecimento à sua identidade e fazendo novas associações. Pode-se inferir sobre esta expectativa dos entrevistados ao considerar suas indicações sobre as necessidades do I.I. em sua formação, quais sejam: para ampliar os conhecimentos gerais e aprimorar a leitura; Sumário

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aperfeiçoar a gramática; ajudar na tradução de textos, ajudar na pronúncia; e “abrir novos caminhos, conhecer novas culturas e ler artigos” bem como, a leitura de textos de sua área de estudos. Expectativas que remetem a características do I.I. com ênfase em tarefas comunicativas. Segundo Corte e Fischer (2010), baseadas em Nunan (2004), essas tarefas envolvem: -

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criar situações de aprendizagem para que os alunos desempenhem no contexto escolar tarefas semelhantes às que vivenciarão na vida real, o professor deve tomar o cuidado de fornecer as ferramentas necessárias para a execução da tarefa solicitada e, ao mesmo tempo, retirar o apoio na medida em que os alunos tornam-se independentes; criar uma seqüência instrucional em que as tarefas fluam de uma para outra, de forma lógica e coerente, guiando os alunos em uma seqüência até o momento de serem capazes de realizar a tarefa pedagógica final; os alunos devem ter contato com os itens lingüísticos em uma variedade de contextos ao longo de um período de tempo; a maior parte da aula deveria ser voltada à criação de oportunidades para os alunos usarem a língua; o aluno precisa entender claramente as relações sistêmicas entre forma, função e significado; as tarefas reprodutivas precedem as tarefas criativas; criarem oportunidades para que os alunos reflitam sobre o quê e de que forma aprendem (CORTE; FISCHER, 2010, p. 5-7).

As aulas de inglês, nas concepções em geral dos alunos, apresentam características semelhantes em suas descrições individuais e trouxeram uma reflexão que tacitamente denuncia a falta de uma proposta contínua de aulas de inglês, considerando o conhecimento prévio dos alunos e com metas definidas quanto ao que se pretende Sumário

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alcançar a cada período letivo. Manifestaram que, em muitos casos, as aulas de inglês desde o Ensino Fundamental ao final do Ensino Médio têm o mesmo conteúdo. A tradução integra as atividades de leitura em LE, na fala dos alunos. Todos eles mencionaram mais de uma vez o uso da tradução no ensino de inglês, com exceção de um aluno que acredita ser prejudicial traduzir. Todos os outros entrevistados afirmaram terem sido estimulados a traduzir, seja utilizando o dicionário, seja procurando as palavras mais conhecidas e parecidas com português e, em outra etapa da leitura, traduzir os textos para interpretação. O aluno que disse defender a leitura sem tradução deu o exemplo da palavra “butterfly”, que, segundo seus professores anteriores, mostra que é inútil traduzir, já que “butter” é manteiga e “fly” é voar, dessa forma os alunos não têm como saber o que significa realmente a palavra no contexto. A defesa desse aluno é, então, que em níveis iniciais o estudante faça associações e só traduza em alguns casos. Manifesta-se aqui a escolha teórico-metodológica, pedagógica ou linguística do professor e a adesão do aluno a ela, que como foi focalizado neste texto, integra a discussão acerca da pertinência ou não do uso da tradução no ensino de LE e, como tal deve ser respeitada, ainda que se valorizem e se defendam as produções acadêmicas e práticas pedagógicas que adotam a tradução neste ensino, desde que comprometidas com a informação, o conhecimento e o saber do aluno. Nesse comprometimento, ressalta-se que a distinção de informações relevantes das irrelevantes em textos acadêmicos trabalhados com estudantes tem se mostrado um obstáculo no entendimento de textos na LE, segundo autores como Corte e Fischer (2010), tendo esta distinção, ligação direta com os objetivos de leitura dos textos. As autoras valorizam ações pedagógicas em que os estudantes sejam incentivados a “tomar decisões sobre o quê, quando e como Sumário

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selecionar as informações, tornando-se cientes da importância do desenvolvimento dessa competência para sua prática cotidiana de leitura de textos acadêmicos” (CORTE; FISCHER, 2010, p. 3).

Considerações finais Este estudo, que objetivou analisar concepções de estudantes universitários sobre a tradução no I.I. na educação básica e superior, permitiu reunir elementos de contextualização para uma pesquisa e para planejamento de aulas dessa disciplina que visem focalizar tradução como estratégia no ensino de LE. A pesquisa viabilizou identificar necessidades dos alunos, valorizar conhecimentos prévios dos mesmos, nem sempre para conservá-los, mas também para que seja objeto de discussão e de desconstrução por eles mesmos, por professores e por pesquisadores voltados aos Estudos da Tradução e àqueles que tratam do ensino de LE. O estudo possibilitou, como defendem autores citados, sublinhar a necessidade de que se explicite o papel da tradução no ensino de LE, no caso específico, na percepção dos estudantes entrevistados. Os relatos mostram que, com uma exceção, os alunos não acreditam ser possível ler em uma LE com a qual não se têm familiaridade sem traduzir; para todos os alunos a tradução era uma prática constante nas aulas de LE nas escolas, em sua maioria sendo apresentada em diferentes etapas da leitura e diversos gêneros textuais. No entanto, nenhum aluno acusou ter sido incentivado a refletir sobre o fazer tradutório ao traduzir. O que aponta para a constatação de que as aulas de LE geral ou de I.I. não visam preparar tradutores ou treinar para traduzir, objetivam sim, entre outros objetivos e em diversas abordagens teóricometodológicas, favorecer aos estudantes o uso desta LE na Sumário

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leitura de textos, nas mais variadas fontes, para que ampliem sua busca de informação acerca de conteúdos específicos da licenciatura que cursam. Este texto destaca a valorização da formação de alunos autônomos, que aprendam a tomar decisões conscientes quando necessárias, buscando informações, adquirindo conhecimento de como selecionar as informações do texto; que saibam fazer uso da tradução como atividade que permita, na aproximação da LE com a LM, que se conscientize de aspectos culturais e linguísticos, identifique coincidências e diferenças, promovendo uma aprendizagem mais significativa; assim como, a formação de alunos universitários e profissionais que buscam e se responsabilizam pelo seu próprio conhecimento utilizando a LE a favor desse intento. O texto ressalta, ainda, a importância de que os Estudos da Tradução estimulem pesquisas e discussões que focalizem o ensinar e aprender no I.I., levando em consideração as concepções de alunos desta disciplina acerca de conceitos e práticas pedagógicas, de modo a explicitar teorias implícitas nestes conceitos e práticas, em âmbitos da educação básica e superior.

Referências BOGDAN, R; BIKLEN, S. Investigação qualitativa em educação: uma introdução à teoria dos métodos. Porto: Porto Editora,1994. BOHUNOVSKY, R. A tradução no ensino de línguas: vocabulário, gramática, pragmática ou consciência cultural? Trabalhos em Linguística Aplicada, Campinas, 50(1), jan./jun. 2011. BRUNER, J. Atos de significação. Porto Alegre: Artes Médicas, 1997. CALVO CAPILLA, M. C.; RIDD, M. A tradução como atividade contrastiva e de conscientização na aprendizagem de línguas

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próximas. Horizontes de Linguística Aplicada, v. 8, n. 2, p. 150-169, 2009. CELANI, M. A. A. Revivendo a aventura: desafios, encontros e desencontros. IN: CELANI, M. A. A.; FREIRE, M. M. & RAMOS, R de C G (Orgs.). A abordagem instrumental no Brasil: um projeto, seus percursos e seus desdobramentos. Campinas: Mercado de Letras; São Paulo: EDUC, 2009. CELANI, M. A. A.; FREIRE, M. M. & RAMOS, R de C G (Orgs.). A abordagem instrumental no Brasil: um projeto, seus percursos e seus desdobramentos. Campinas: Mercado de Letras; São Paulo: EDUC, 2009. CHARLOT, B. Relação com o saber, formação de professores e globalização questões para a educação hoje. Porto Alegre: Artmed, 2005. CHARLOT, B. Da relação com o saber: elementos para uma teoria. Porto Alegre: Artmed, 2000. COOK, G. Use of translation in language teaching. In.: BAKER, M. (Ed.), Routledge Encyclopedia of Translation Studies. London: Routledge, p. 117-120, 1998. CORTE, A. C. O.; FISCHER, C. R. Seleção de informação relevante: um desafio nos cursos de leitura para fins acadêmicos. The ESPecialist, São Paulo, v. 31, n. 1, p. 1-20, 2010. COSTA, W. C. Tradução e ensino de línguas. In: BOHN, H.; VANDRESEN, P. Tópicos de Lingüística Aplicada. Florianópolis: Ed. UFSC, 1998. FLOWERDEW, J.; PEACOCK, M. (Eds.). Research perspectives on English for academic purposes. Cambridge University Press, 2001. FREIRE, M. Prefácio. IN: CELANI, M. A. A.; FREIRE, M. M. & RAMOS, R de C G (Orgs.). A abordagem instrumental no Brasil: um projeto, seus percursos e seus desdobramentos. Campinas: Mercado de Letras; São Paulo: EDUC, 2009. GIORDAN, A.; DE VECCHI, G. As origens do saber: das concepções dos aprendentes aos conceitos científicos. 2. ed. Porto Alegre: Artes Médicas, 1996. MALMKJAER, K. Introduction: Language teaching and translation. In: MALMKJAER, K.(Ed.) Translation and language teaching. Manchester: St. Jerome, 1998. p. 1-11.

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PINTO, A. P. O inglês instrumental na UFPE: contribuições, tendências e mudanças. IN: CELANI, M. A. A.; FREIRE, M. M. & RAMOS, R de C G (Orgs.). A abordagem instrumental no Brasil: um projeto, seus percursos e seus desdobramentos. Campinas: Mercado de Letras; São Paulo: EDUC, 2009. RAMOS, R. de C. G. A história da abordagem instrumental na PUCSP. IN: CELANI, M. A. A.; FREIRE, M. M. & RAMOS, R de C G (Orgs.). A abordagem instrumental no Brasil: um projeto, seus percursos e seus desdobramentos. Campinas: Mercado de Letras; São Paulo: EDUC, 2009. RIDD, M. D. Out of exile: a new role for translation in the teaching/ learning of foreign languages. In: SEDYCIAS, J. Tópicos em Linguística Aplicada. Brasília: Ed. Plano, 2000. RIDD, M. D. Apresentação do organizador. Horizontes de Linguística Aplicada, v. 8, n. 2, p. 142-149, 2009. ROMANELLI, S. O uso da tradução no ensino-aprendizagem das línguas estrangeiras Revista Horizontes de Linguística Aplicada, v. 8, n. 2, p. 200-219, 2009. TORO, C. Translation studies: an overview. Cadernos de Tradução, XX. Florianópolis: UFSC, p. 9-42, 2007. TRIVIÑOS, Augusto Nibaldo Silva. Introdução à pesquisa em ciências sociais a pesquisa qualitativa em educação. São Paulo, Atlas, 1987. VENUTI, L. The translation studies reader. 2 ed. London & New York: Routledge, 2004.

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de inglês instrumental e tradução...

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Cleydstone Chaves dos SANTOS Universidade Federal de Campina Grande

Introdução Recentemente com o advento da internet, as ferramentas de tradução automática (doravante TA) têm ganhado cada vez mais espaço no mundo moderno, fazendo parte de seu cotidiano e adentrando em diversos setores da sociedade (SMITH, 2001). Seja para uma simples consulta de um termo desconhecido na língua estrangeira por usuários leigos e/ou até mesmo para a tradução em massa de manuais de instrução, boletins de tempo, listas de especificações técnicas por empresas como: Xerox, Ericsson, Osram, SAP, Ford, General Motors dentre outras (SMITH, 2001), pode-se afirmar que a TA faz parte da vida da sociedade digitalizada. Como resultado, não se pode negar que tais ferramentas realizam uma tradução que atende a diversos fins sociais. Além disso, desde o aparecimento delas tem se observado um avanço (SOMERS, 1998; KOEHN, 2010) no que diz respeito à qualidade das suas traduções (NIÑO, 2004; 2009; PYM, 2011; SANTOS, 2011). Consequentemente, muitas dessas ferramentas podem ser facilmente acessadas através de diversos dispositivos eletrônicos, tais como: desktops, laptops, ipads, tablets, aparelhos de celulares, dentre outros. Atualmente, o público acadêmico tem constantemente recorrido a tais ferramentas Sumário

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para traduções de alguns gêneros textuais da esfera acadêmica (SANTOS, 2011), de modo que se torna imprescindível lançar mãos da TA no contexto de ensino acadêmico. Isto porque segundo Niño (2004) muitos aprendizes de línguas estrangeiras, nesse caso específico a língua inglesa, têm recorrido a este tipo de tradução, acessando-a através de dispositivos eletrônicos diversos a partir dos quais ela pode ser facilmente utilizada. Assim, imerso numa abordagem pedagógica dessas ferramentas de TA, o aluno usuário pode vir a compreender a dimensão de suas potencialidades bem como a extensão de suas limitações na crescente relação homem-máquina no contexto atual de ensino-aprendizagem de uma língua estrangeira. Além do mais, lançar mão dos mecanismos de ferramentas de TA em sala de aula pode fomentar um momento de reflexão, tanto para professores quanto para alunos, sobre algumas questões de caráter fundamental no que tange às distinções e particularidades de ambas as línguas envolvidas nos processos da TA, conforme sugere Santos (2012):a) reconhecimento da TA enquanto ferramenta de acesso à informação e ao conhecimento como inclusão social e b) uso da TA como fomento à importância da tradução nas diversas áreas do saber. Consequentemente precisa-se levar em conta o papel da tradução e novas tecnologias na mediação do saber e na formação acadêmica e profissional. Embarcando nessa perspectiva, este capítulo visa analisar o relato de alunos de inglês instrumental sobre o desempenho do Google Tradutor na tradução automática de abstracts, com o intuito de discutir até que ponto atividades de retextualização da TA podem trazer benefícios para o ensino-aprendizagem de língua inglesa instrumental.

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A aula de língua inglesa instrumental e a tradução automática Segundo Celani (1998), foi em meados da década de 70 que a abordagem da língua inglesa (doravante L2) com enfoque instrumental em leitura ganhou força no Brasil. Isto se deu em virtude da necessidade de leitura de textos acadêmicos de cunho científicos pela comunidade discente dos centros universitários. Consequentemente, por volta dos anos oitenta, iniciava-se a transição das práticas de leitura em L2 oriundas dos preceitos da Gramática e Tradução para a abordagem das estratégias de leitura: skimming, scanning, inferência contextual, reconhecimento de cognatos e falsos cognatos dentre outras, mesmo embora fossem marcante traços de uma prática de leitura através da decodificação do código linguístico (GRELLET, 1981), e da tradução literal, desconsiderando os fins comunicativos da mesma. O uso dessas estratégias na aula de inglês instrumental, todavia, foi revelando uma prática de leitura de caráter especulativo (HOLLAS, 2002). Isto porque tinha como ênfase o emprego constante de inferências, visando checar a compreensão do assunto do texto sem levar em conta a importância das relações intra e extratextuais através das estruturas linguísticas. Atualmente, o boom da abordagem de gêneros textuais, que se configura como a “nova tendência” no ensino de língua materna (L1), também vem encontrando espaço na aula de língua inglesa instrumental, no entanto ainda associada às práticas anteriormente citadas (FIORI & SOUZA, 2005). Nesse contexto atual, sabe-se que uma disciplina de língua inglesa instrumental, no ensino superior federal, usualmente compreende um curso de 60h ou 75h aula que, por sua vez, pode não dar conta da gama de particularidades Sumário

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inerentes a um idioma, mesmo embora seja direcionado unicamente a desenvolver a habilidade de leitura. Além do mais, como toda outra disciplina dessa natureza, para que ela possa conceder aos seus aprendizes subsídios sólidos favoráveis a uma leitura que lhes permita compreender as relações intra e extratextuais, é necessário que tais aprendizes pelo menos apresentem um conhecimento prévio de natureza linguística. Em virtude dessa realidade, surge mais um dilema na sala de aula de inglês instrumental resultante do tamanho abismo entre “leitores em L2” e a gama de gêneros textuais de cunho acadêmico que esses leitores, oriundos dos cursos de graduação, precisam compreender na esfera acadêmica. Nesse contexto, no entanto, há como restringir o número de textos, os gêneros textuais em que se configuram bem como os meios utilizados para suporte à compreensão. Em contrapartida, fora dele não há como lidar com os artifícios que graduandos não proficientes utilizam para suas leituras de textos acadêmicos diversos em L2. Em vista disso, na tentativa de minimizar tal dilema, algumas pesquisas apontam o uso de dicionários convencionais e eletrônicos (LEFFA, 2001) bem como programas de tradução automática (NIÑO, 2004; 2005; 2009) como apoio à leitura de textos acadêmicos diversos dentro e fora do contexto de sala de aula de inglês instrumental (SANTOS, 2011a; 20112b). Como resultado desse uso de artifícios diversos a fim de compreender tal lacuna em L2, e possivelmente preenchê-la, alunos de alguns cursos de graduação, diante da gama de textos acadêmicos de leitura obrigatória na L2, acaba recorrendo a programas de tradução automática nas leituras extraclasse, e os subutilizando já que não tem havido devida instrução formal para isso (NIÑO, 2004; 2009; PYM, 2011; SANTOS, 2011) novamente. Contudo, essa subutilização dos sistemas de TA tem corroborando para sua marginalização em face da tradução Sumário

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humana, de modo que muitos usuários, leigos concernente ao seu escopo e limitações, acabam fazendo comparações grosseiras entre ambos os resultados((HUTCHINS & SOMERS, 1992; WEININGER, 2004) . E, portanto, revela-se a tal ignorância acerca dos propósitos projetados para os atuais sistemas de TA, ou seja, o de ferramentas digitais a serviço imediato da própria tradução e da comunicação humana. Em face de tal inovação tecnológica, num curso de língua inglesa instrumental, não basta transferir conhecimento linguístico e ou sobre estratégias de leitura. Ou ainda sobre como lidar com a diversidade de gêneros textuais acadêmicos, se falta aos alunos leitores em L2 tempo para maturidade da língua alvo bem como o conhecimento adequado de uma gama de dispositivos e aplicativos que podem auxiliar o processo de ensino-aprendizagem da leitura em L2. Se em sala de aula, o aluno de leitura em L2 alcança com muita dificuldade a compreensão de partes de um texto, ainda que tenha tido um conjunto de técnicas aliado ao discurso do professor lhe guiando a uma possível compreensão (CORACINI, 1998), o que esperar fora dele? Assim, não há como mensurar até que ponto um curso dessa natureza possa contribuir para o desenvolvimento da proficiência de leitura em L2 de um aprendiz iniciante. Em contrapartida, outros estudos apontam que a busca por programas de TA vem aumentando, para fins diversos nos contextos de sala de aula bem como fora dela (SANTOS, 2012), de modo que não se pode ignorar sua existência (SOMERS, 2001), sua eficácia de acordo com o contexto de uso (SMITH, 2001) nem sequer suas aplicações na aula de línguas estrangeiras (NIÑO, 2005). Entretanto, não se pretende aqui a consagração da TA como solução dos problemas existentes no ensino de leitura em L2. Ao contrário, discute-se o seu uso como uma das novas tecnologias que pode dar suporte no contexto de sala Sumário

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de aula. A TA, no entanto, poderia servir como mais uma ferramenta pedagógica na abordagem à leitura em L2, uma vez que, como já mencionado, um número considerável de indivíduos vem lançando mão de aplicativos e ferra-mentas dessa natureza na tradução de certa quantidade de gêneros textuais na esfera acadêmica (SANTOS, 2012). O advento da relação homem-máquina Desde os primórdios da história da humanidade, o homem tem buscado ferramentas para facilitar a realização do seu trabalho (cf. MANACORDA, 1995). Um grande exemplo dessa proeza de natureza humana se deu durante a Revolução Industrial, que, por sua vez, culminou numa série de novos aparatos de caráter maquinofatureiro influenciando e permeando não apenas o setor industrial, bem como outros setores da sociedade: imprensa, educação, comunicação, música etc. Desde então, a máquina tem existido como ferramenta de apoio ao homem nas mais diversas atividades de natureza distinta: doméstica, profissional e acadêmica. No entanto, a aceitação da inserção desses aparatos no seio das sociedades tem sido vista, de certa forma, como uma tendência de substituição à mão de obra humana. A chamada terceira revolução industrial, resultante do advento da inteligência artificial, vem concretizando de alguma forma tal receio por parte das sociedades que testemunharam a primeira e segunda revolução industrial. Muitos setores da sociedade admitiram máquinas (industrial, bancário, educacional dentre outros) como verdadeiros funcionários devido a uma série de características que elas podem apresentar em virtude de seu caráter de automação, tais como: agilidade, precisão e produção em massa. Além disso, o baixo custo para os empresários, tendo apenas que Sumário

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gastar com a manutenção e não mais com salários, férias e planos de saúde de seus funcionários. Portanto, o que, a princípio pode parecer um assustador devaneio, tornou-se, na verdade, um reflexo do boom tecnológico da contemporaneidade, exigindo agora da mão de obra humana mais qualificação para operação dessas máquinas. No setor educacional, por exemplo, tem-se as atividades acadêmicas referentes às ciências humanas. Nelas, o impacto de novas tecnologias apesar de constante ainda é de lenta absorção, andando a verdadeiros passos largos, sendo então subutilizadas até sua utilização adequada. Isso pode ser explicado a partir do próprio desenvolvimento tecnológico, que, por sua vez, visa a atender o mercado industrial com fins lucrativos para os seus patenteadores, sendo em grande parte, resultante de pesquisas de cursos de graduação, mestrado e doutorado dos centros de ciências tecnológicas. Exemplificando esse discurso, tem-se o advento do computador. E, como se pode testemunhar, ele se tornou uma ferramenta tecnológica indispensável nos diversos setores da sociedade, incluindo a educação, resultando nos dias atuais na corrida para inclusão digital.

A relação homem-máquina através da TA Em meados da década de 50, através do advento do computador, a tradução encontrou seu viés automático, o que, a princípio, parecia uma tentativa mascarada de substituir a tradução humana, tornou-se uma ferramenta cuja função é de auxiliar “o usuário que também é tradutor” a partir de “um sistema de tradução por máquina que é uma ferramenta válida e confiável, que pode lhe fazer ganhar tempo e eficiência” (ALFARO & DIAS, 1998, p. 370). A TA, como atualmente é

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conhecida, resulta da convergência do constante diálogo entre várias áreas do saber: “(...) o desenvolvimento da TA no cenário internacional pode ser atribuído a fatores, tais como: primeiramente, a crescente produção científica das seguintes áreas: 1) Ciências da computação (GOUTE et al., 2009; KOEHN, 2010) no Canadá e nos Estados Unidos; 2) Inteligência artificial (RUSSEL & NORVIG, 2004) Inglaterra e Estados Unidos; 3) Linguística computacional (WILKS, 2009) no Japão (...)”. (SANTOS, 2011, pp. 167-177)

Nesse âmbito, Smith (2001) também acredita que tradutores humanos possam se beneficiar de ferramentas de TA. Para ele, elas podem desempenhar tarefas mais mecânicas que tomariam muito tempo dos tradutores humanos, restando-lhes o trabalho de revisão do estilo: “(...)it frees him/her from the most boring and toilsome part of the translation process. Although some technical translators insist on seeing MT as a threat, in fact it is more of an aid, since it handles the most mechanical aspects of the work while the human translator continues to be essential to translate more complex text and to review the MT output (...)”(SMITH, 2001, p. 40)1.

Eles os dispensam das partes mais chatas e trabalhosas do processo de tradução. Embora alguns tradutores técnicos insistem em ver a TA como uma ameaça, na verdade, é mais um auxílio, uma vez que lida com os aspectos mais mecânicos do trabalho, enquanto o tradutor humano continua a ser essencial para traduzir o texto mais complexo e para rever a produção da TA.(Tradução automática fornecida pelo Google tradutor- acesso em 28 de setembro de 2011- Revisão minha) 1

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Experiências com retextualização em tradução automática em sala de aula: Segundo Niño (2009), a tarefa de retextualização é denominada de atividade de pós-edição em TA, uma vez que passa necessariamente por alguns estágios, os quais podem permitir ao seu usuário uma maior reflexão sobre ambas as línguas, a de partida e a de chegada, uma vez que lhes concede a revisão de pontos gramaticais, lexicais e de precisão estilística, ficando, assim, entre uma atividade de leitura e escrita: the nature of MT post-editing lies somewhere in the middle of translation and writing skills as it involves being constrained by a source text and still having to consider correction and revision issues such as grammatical, lexical and stylistic accuracy(NIÑO, 2004, p. 116)

Para Allen (2003), todavia, a tarefa de retextualização é sinônimo de pós-edição, já que pode ser caracterizada como uma atividade que exige do aluno-usuário da TA modificar e ou corrigir de um texto pré-traduzido por processos automáticos: The task of the post editor is to edit, modify and/or correct a pre-translated text that has been processed by a machine translation system from a source language into (a) target language(s). He goes on to say that “post-editing entalis correction of a pre-translated text rather than translation from scratch) (ALLEN 2003, p. 26).

Nessa linha de pensamento, os procedimentos de retextualização seguem a noção descrita na tabela a seguir segundo a visão do seguintes teóricos: Flower & Hayes Sumário

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(1981) na linha da geração de revisão; Beeby (1996) com a proposta de reformulação e finalmente Hutchins & Somers (1992) com a noção de pós-edição. GERAÇÃO

TRADUÇÃO

COMPREENSÃO

ANÁLISE

DEVERBAZAÇÃO

TRANSFERÊNCIA/ INTERLÍNGUA GERAÇÃO

REFORMULAÇÃO

REVISÃO EDIÇÃO Flower & Hayes Beeby (1996) (1981) Tabela 01- Modelos de retextualização

PÓS-EDIÇÃO EM TA Hutchins & Somers (1992)

Entretanto, será a proposta de Hutchins & Somers (1992) que se adequa à discussão ao longo deste capítulo, já que lança mão da pós-edição em TA, eixo que melhor descreve questões de retextualização. Como resultado, não se pode negar, a existência de pontos convergentes entre a tarefa de retextualização no contexto da tradução automática com a noção de Interlíngua de Selinker (1969), como se percebe na figura abaixo: Língua materna Língua alvo

Interlíngua

Figura 01- A noção de interlíngua.

Contudo, a ideia consolidada anteriormente ainda pode ser adaptada para a seguinte noção na figura 02 logo abaixo: Língua materna Tradução automática Língua alvo Figura 02- A tradução automática enquanto produto inacabado.

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Além do mais, é possível, segundo Niño, observar a importância de se compreender a Teoria da não-binariedade (PYM, 1992) que defende que uma tradução não pode simplesmente resultar num produto de natureza dicotômica certa ou errada. Tal teoria serve de suporte na compreensão dos processos de retextualização, como se pode conferir na figura abaixo:

Tradução errada

Figura 03- Teoria da não binariedade

Consequentemente, adaptando essa concepção à TA, pode-se conceber que não há uma versão definitiva de seus resultados, nem tampouco uma tradução errada, como se observa na figura anterior. Isto ocorre porque são disponibilizadas ao usuário cerca de três ou cinco TA alternativas para as partes do texto fonte, de modo que é decisão do usuário e não da máquina, a partir de seu conhecimento sobre ambas as línguas envolvidas, através de retextualizações do resultado apresentado, tomar as decisões cabíveis, como se vê na figura a seguir:

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TA

Retextualização da TA

Figura 04- traduções alternativas da TA

Metodologia O presente estudo, de natureza quantitativo-qualitativa, foi realizado com alunos do curso de graduação em Música do Campus I da UFCG no período de 2012.1, dentre outros 11 cursos de graduação. Tais cursos são atendidos pela disciplina língua inglesa instrumental, vinculada à Unidade Acadêmica de Letras-UAL. A escolha ocorreu em virtude do alto percentual de usuários da TA neste curso, segundo os relatos de Santos (2012)2 num estudo sobre a tradução automática de gêneros textuais na esfera acadêmica. Nele o referido autor investiga a incidência e as razões de textos traduzidos automaticamente por alunos de 12 cursos de graduação na UFCG. Como se vê nas tabelas 02 e 03 a seguir:

SANTOS, Cleydstone Chaves. A tradução automática de gêneros textuais na esfera acadêmica. III SINALGE, UEPB, Campina Grande, 2012. – 2

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Pesquisas em Tradução

ÁREAS 1 - Exatas Curso 1- Engenharia Civil Curso 2- Engenharia Elétrica Curso 3 - Engenharia Mecânica Curso 4-Engenharia de Minas Curso 5-Ciências da Computação

ÁREAS 2 Humanas Curso 1- Letras Curso 2- História Curso 3- Música Curso 4Geografia

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Área 3 - Saúde. Curso 1Medicina Curso 2Fisioterapia Curso 3Psicologia Curso 4Odontologia

Tabela 02- Identificação da área e do curso.

Ou seja: A1

A2

A3

C1

C1

C1

C2

C2

C2

C3

C3

C3

C4

C4

C4

C5 Tabela 03- Referência do curso

Consequentemente, o autor revela a maior recorrência à TA por usuários da área das Ciências Humanas pertencentes ao curso de graduação de música. No gráfico abaixo o curso é representado pela referência C3.

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Gráfico – 01- Percentual de usuários e não-usuários de alguns cursos de A2

A investigação dos abstracts, todavia, também resulta dos relatos do mesmo estudo. Santos argumenta que tais gêneros, devido a sua constância na esfera acadêmica, são mais frequentemente traduzidos automaticamente.

Gráfico 02- Percentual dos gêneros textuais mais traduzidos automaticamente por áreas.

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Gráfico 03- Percentual dos gêneros textuais mais traduzidos automaticamente por áreas.

Procedimentos da coleta - Instrução formal sobre o uso da TA Após levar em conta o estudo realizado por Santos (2012) para escolha do grupo e do gênero textual a ser investigado, partiu-se para a instrução formal sobre a retextualização com a TA. Os alunos-participantes do estudo tiveram 60hs aula na disciplina de inglês instrumental sendo um ¼ das aulas voltado para o estudo das características macro e microestruturais do gênero textual acadêmico “abstract”, outro ¼ das aulas foi dedicado à instrução formal de retextualização em TA tomando como parâmetro os estudos de Niño (2004; 2005; 2009).

A coleta de dados Baseado em Niño (op. cit), foram realizados alguns relatórios sobre o desempenho da tradução automática de abstracts por alunos do curso de graduação em Música divididos em dez grupos com quatro componentes cada. Nos relatórios, os alunos-participantes observaram o desempenho da TA, através da ferramenta gratuita online Google Tradutor tendo em vista seu fácil acesso e alto índice de usuários conforme dados cedidos pelo, na reconstrução Sumário

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de aspectos macro e microestruturais do texto fonte no par linguístico inglês-português. Isto porque processo de leitura da disciplina inglês instrumental, ofertada pela UAL (UFCGCampus I), aborda textos em inglês para sua compreensão através da língua materna do aprendiz, ou seja, o português. Como resultado, foram obtidos dez relatórios. A discussão a seguir contempla os resultados apresentados apenas por um relatório devido à extensão de cada um deles para o presente capítulo. Discussão dos dados O relatório de desempenho do tradutor automático realizado pelos alunos de música sobre o desempenho do Google Tradutor apresenta duas partes, uma voltada para o relato dos aspectos macroestruturais da TA do abstract, e outro para os microestruturais, como é reforçado na introdução do relatório pelos próprios alunos-partcipantes. “(...) O objetivo desse relatório é analisar parâmetros macroestruturais e microestruturais, da tradução de um resumo do português para o inglês usando a ferramenta Google Tradutor (...)”

Primeiramente, tem-se o texto fonte apresentado pelo grupo de alunos-participantes, seguido da TA do mesmo: Resumo: Este trabalho apresenta uma análise do comercial KOMPLETE 8 ULTIMATE da empresa Native Instruments. Descreve-se o comercial baseado nas teorias de Durandi (1997), Marcushi (2004) e Rebouças (2010). Nesse estudo, observou-se, de forma crítica, a linguagem referente às características do gênero textual bem como alguns aspectos do comercial: efeitos visuais e sonoros. Concluí-se a importância dessa análise no que diz respeito aos meios utilizados durante o processo da repercussão publicitária. Palavras-chave: Tecnologia musical, gênero textual e comercial.

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A TA do texto fonte anterior: Abstract: This paper presents an analysis of the commercial/advertisement KOMPLETE 8 ULTIMATE from the Native Instruments company. It describes the commercial based on the theories of Durandin (1997), Marcushi (2004) e Rebouças (2010). In this study, we observed in a critical way the language regarding to the characteristics of the genre as well as some aspects of the commercial/advertisement: visual and sound effects. We concluded the importance of this analysis concerning to the means used during the publicity replication process. Keywords: Music technology, genre and commercial.

Referente aos aspectos macroestruturais do gênero textual abstract, o referido grupo aborda as seguintes partes: objetivo, temática, abordagem, resultados e conclusão, que foram contemplados no processo de TA, a partir de um texto fonte, resumo acadêmico, para um texto de chegada, um abstract automaticamente traduzido, de modo que ao receber o input desse gênero textual, a ferramenta analisa os seus padrões macroestruturais: organização, padronização, marcas formais do estilo, formatação, dentre outros. Considerando o processo anterior, percebe-se que para cada trecho traduzido automaticamente, é possível se observar uma ligeira reflexão sobre o processo de tradução através dos resultados apresentados pela TA por parte dos alunos-participantes, dado que vem corroborar as pesquisas de Niño (2009) quando relata que a pós-edição ou retextualização em TA proporciona ao aluno-usuário um momento de reflexão e aprendizagem sobre o funcionamento de ambas as línguas envolvidas. A princípio, esta noção pode ser identificada, até mesmo no trecho inicial do relato apresentado, sobre a

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manutenção da ideia principal do texto fonte na TA do abstract: A partir dos dados fornecidos ao programa de tradução automática (Google Tradutor), foi feita a tradução do português para o inglês e não houve modificações no gênero textual, mantendo sua idéia principal, como se ver a seguir. Trecho 01 – Introdução do Relatório.

Quanto à reconstrução do objetivo e da temática do texto fonte, eles são apenas vagamente explorados, de modo que não se identifica no relato fortes indícios do caráter do gênero textual do texto fonte e ou da TA: a) This paper presents an analysis of commercial KOMPLETE 8 ULTIMATE company Native Instruments. It describes the commercial based on the theories of Durandin (1997), Marcush (2004) and Reboucas (2010). Objetivo e temática claramente traduzidos, manteve a mesma estrutura do texto em português. Trecho 02 – Objetivo e temática.

Tal relato vem de encontro à noção da TA enquanto produto inacabado, gerando um paradoxo no que diz respeito ao próprio sistema da TA em sua atual conjuntura, já que adaptando à Teoria da Interlíngua (SELINKER, 1969) aos textos traduzidos automaticamente, obtêm-se resultados caracteristicamente de natureza interlingual. Esse não aprofundamento do relato da macroestrutura da TA do texto fonte é também visto no relato sobre a reconstrução das seguintes partes do abstract: resultados, abordagem e conclusão, como se pode verificar nos trechos abaixo:

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Pesquisas em Tradução

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b) In this study, is in a critical way, the language regarding the characteristics of the genre as well as some aspects of business: visual and sound effects. Resultado e abordagem não sofreram nenhuma modifição siguinificativa. Trecho 03 – Abordagem e resultados.

c) We concluded the importance of this analysis with regard to the means used during the publicity value. Conclusão permaneceu com a mesma definição morfológico macroestrutural. Trecho 04 – Conclusão.

É importante lembrar que embora não tenha havido ênfase no relato da macroestrutura da TA do referido abstract, é visível que o tradutor automático não a negligenciou dado esse também enfatizado no relato dos alunosparticipantes em todos os trechos citados anteriormente, de modo que se pode concluir que na reconstrução macroestrutural do texto fonte, o tradutor automático gera um texto alvo, que embora apresente incoerências em sua microestrutura, reconhece e reconstrói sua macroestrutura, de modo binário, contradizendo à Teoria de Pym (1992):

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Reconstrução da Macroestrutura do Texto fonte

Macroestrutura TA da Macroestrutura do Texto fontedo Texto fonte Resumo: Este trabalho apresenta uma análise do comercial KOMPLETE 8 ULTIMATE da empresa Native Instruments. Descreve-se o comercial baseado nas teorias de Durandi (1997), Marcushi (2004) e Rebouças (2010). Nesse estudo, observou-se, de forma crítica, a linguagem referente às características do gênero textual bem como alguns aspectos do comercial: efeitos visuais e sonoros. Concluí-se a importância dessa análise no que diz respeito aos meios utilizados durante o processo da repercussão publicitária. Palavras-chave: Tecnologia musical, gênero textual e comercial.

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Abstract: This paper presents an analysis of the commercial/advertisement KOMPLETE 8 ULTIMATE from the Native Instruments company. It describes the commercial based on the theories of Durandin (1997), Marcushi (2004) e Rebouças (2010). In this study, we observed in a critical way the language regarding to the characteristics of the genre as well as some aspects of the commercial/ advertisement: visual and sound effects. We concluded the importance of this analysis concerning to the means used during the publicity replication process. Keywords: Music technology, genre and commercial.

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Neste sentido, é plausível afirmar que na reconstrução da macroestrutura do abstract em questão, a TA apresenta um comportamento de caráter binário. Sendo assim, para cada dado macroestrutural do texto fonte, a TA disponibiliza um equivalente, rejeitando a noção de traduções alternativas, como na figura abaixo:

Macroestrutura da TA do resumo acadêmico

Macroestrutu ra da TA do resumo acadêmico

Figura 05- Rejeição das traduções alternativas da TA

Concernente aos aspectos microestruturais, os usuários são mais minuciosos, apontando incoerências de cunho morfológico, sintático, semântico e pragmático. Contudo, apesar de os alunos–participantes terem relatado questões de ordem sintática e pragmática, o fizeram “inconscientemente”, uma vez que mencionam apenas o morfológico e o semântico. Constatação essa que pode ser encontrada nos relatos a seguir. No relato inicial dos aspectos microestruturais da TA do abstract, percebe-se a visão que o grupo tem dos resultados da ferramenta. A noção de problema atribuída à atividade de retextualização retrata a TA como uma ferramenta de natureza mecânica e de cunho tradicional, podendo ser rotulada enquanto mera tarefa de correção de erros, nem sequer uma análise contrastiva de ambos os idiomas

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envolvidos. Essa descrição pode ser encontrada logo a seguir: Ao analisarmos os parâmetros microestruturais, observamos alguns problemas: 1. Problema morfológico, o artigo (the), não foi utilizado na tradução instantânea, porém, ao clicar na palavra, observamos que a ferramenta mostra a opção correta com o artigo incluído, como mostra a figura 1.

Figura 1 Trecho 05- Questão de ordem morfológica

Esta proposta difere consideravelmente da tarefa de retextualização, que por sua vez, visa muito além de apenas corrigir a interlíngua da TA, mas, sobretudo gerar uma reflexão com relação ao funcionamento de ambas as línguas envolvidas e dos mecanismos que a ferramenta de TA dispõe para reconstruir o texto fonte em questão, como se marca no trecho 06, apesar da troca entre natureza semântica e sintática: Trecho 06- Questão de ordem sintática. 2. Na figura 2, o contexto apresenta um problema semântico, a palavra (observou-se) simplesmente é excluída do contexto, pois esse tipo de flexão verbal não existe na língua inglesa, o tradutor apenas mostra a palavra (study) uma melhor contextualização empregada seria: (It was observed).

Figura 2

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É notável que a ideia de retextualização enquanto resolução de problemas persista ao longo do relato dos alunos-participantes. O trecho 07 a seguir traz exemplos evidentes desta questão. 3. Na figura 3, o contexto apresenta um problema morfológico, na tradução instantânea o tradutor não inclui a preposição (to), porém, o mesmo nos dar a opção correta ao clicarmos na palavra.

Figura 3 Trecho 07- Retextualização enquanto resolução de problemas.

Ao relatarem as escolhas do tradutor automático no trecho 08, os parte dos alunos-participantes, cerca de 45%, evidenciam o caráter de correção de um texto pré-traduzido, conforme acredita Allen (2003), bem como refletem maturidade diante das escolhas propostas, tendo em vista o repertório linguístico que a ferramenta de TA disponibiliza para seu usuário dado o gênero textual em questão. Dados esse que poder comprovado no trecho a seguir da referida TA do abstract em questão:

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4. Na figura 4, apresenta um erro não de natureza semântica, e sim uma situação denominada, expansão de memória, com a palavra composta, (gênero textual), na tradução a palavra (textual) é omitida, pois, a palavra do inglês (genre), refere-se somente a (gênero textual), ao clicar na palavra a ferramenta nos apresenta novas opções, incluindo a menos usual (textual genre).

Figura 4 Trecho 08- Repertório da ferramenta de TA.

Não obstante às particularidades de cada idioma no trecho anterior, o aspecto pragmático das línguas envolvidas não é substancialmente explorado, de modo que a ênfase do relato está na escolha lexical e não no porquê e/ou no “como” essa escolha ocorrera. Alguns aspectos morfológicos, do idioma do texto de chegada, são mais explorados em detrimento da própria sintaxe do texto automaticamente traduzido, como se verifica no trecho 09 abaixo: Trecho 09- Aspectos morfológicos em detrimento dos sintáticos. 5. Na figura 5 mais um erro morfológico de mesma natureza da figura 2.

Figura 5

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6. Na figura 6, outro problema semântico surge, ao traduzir a palavra (comercial), a ferramenta traduz a palavra para (business), que quer dizer negócios, mas, apresenta a opção correta (commercial) ao buscarmos nas opções do programa. 7.

Figura 6 Trecho 10- Aspectos semânticos equivalentes na microestrutura fornecida pela TA.

Enfim, nos dois últimos trechos dos relatos da microestrutura da TA fornecida pela ferramenta em questão, pode-se verificar a concepção de equivalência e nãoequivalência como postula Baker (2011)3 na reconstrução de elementos microestruturais através da semântica de ambos os textos, por parte dos alunos-participantes: Retomando o trecho anterior, é possível hipotetizar que caso os alunos-participantes não tivessem conhecimento de alguns aspectos pragmáticos da língua-alvo do texto de chegada, referente aos termos “business” e “commercial”, poderiam não atribuir as traduções alternativas fornecidas pela TA o teor de equivalência para o qual foram desenvolvidas. Contudo, ainda continuem chamando de erro ou

Neste contexto equivalências remetem ao fluxo de informação do texto fonte no texto de chegada, não apenas no plano dos significados, mas como também dos sentidos. 3

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problema os primeiros resultados disponibilizados pela ferramenta. Semelhantemente, no último trecho do relatório, os alunos-participantes se deparam com um caso de não-equivalência, de modo que nem o resultado parcial fornecido pela ferramenta de TA tampouco as traduções alternativas reconstroem o sentido esperado. 8. O sentido da expressão (processo da repercussão publicitária), foi alterado na tradução por (publicity value) que quer dizer, (valor da publicidade), apresentando então, mais um erro semântico, como mostra a figura 7.

Figura 7 Trecho 10- Aspectos semânticos não-equivalentes na microestrutura fornecida pela TA.

Por conseguinte, observando a conclusão do relatório de desempenho da ferramenta de tradução automática, percebe-se em primeira instância que os resultados analisados revelam que a realização dessa atividade, no contexto de ensino de inglês instrumental, pode permitir ao alunousuário da TA a escolha de uma opção, dentre um leque de opções, oferecida pela ferramenta Google Tradutor. Isto ocorre não apenas acerca dos diversos aspectos de natureza linguística que possam convergir ou divergir entre o par linguístico envolvido, mas como também pode proporcionar à compreensão da relação homem-máquina através da variada gama de dispositivos eletrônicos e suas ferramentas de trabalho a serviço da comunicação, cons-

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truindo uma base sólida de cunho interativo entre o alunousuário da TA e o par-linguístico que se deseja traduzir.

CONCLUSÃO Após o relato de desempenho do programa na tradução do então abstract, concluí-se que houve alterações ao longo do texto nos níveis: semântico e morfológico surgiram também, casos de expansão de memória como foi apresentado em alguns dos exemplos. Ao verificarmos usando os artifícios do programa, em que ele nos fornece outras opções de tradução, na maioria das vezes as opções fornecia trechos apropriados. Em fim, apresentamos o resumo e o abstract remodelados. Trecho 11- Conclusão do relatório de TA apresentado pelos alunosparticipantes.

Consequentemente, pode-se haver maior entendimento acerca das potencialidades da TA bem como maior tolerância no que concerne seus resultados de acordo com suas limitações, na abrangência de seu escopo, e do seu papel fundamental enquanto ferramenta de apoio ao usuário.

Considerações finais Este capítulo buscou analisar o relato de alunos de inglês instrumental sobre o desempenho do Google Tradutor na tradução automática de abstracts e consequentemente discutir até que ponto atividades de retextualização realizadas com TA podem trazer benefícios para o ensinoaprendizagem de língua inglesa instrumental.

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Ao longo dessa discussão, constatou-se que a TA passa a ser reconhecida enquanto ferramenta de acesso à informação, contribuindo, assim, para possível armazenamento de conhecimento, uma vez que através dela muita informação de trechos de textos ou até textos completos são disponibilizados ao aluno-usuário. Também, verificou-se que o uso das ferramentas de TA, no contexto de sala de aula de inglês instrumental, acaba fomentando o valor da tradução em detrimento do conhecimento de uma língua estrangeira, evidenciando que saber uma língua estrangeira não significa necessariamente saber traduzir, embora a recíproca seja verdadeira. No que se refere ao relatório de desempenho da ferramenta de TA de abstracts, constatou-se uma tendência de cunho superficial com relação ao relato dos aspectos de cunho macroestruturais, não sendo enfatizados os passos tomados pela ferramenta na reconstrução da reorganização do abstract enquanto gênero textual. Contudo, também houve reflexão acerca das marcas formais do referido gênero no par linguístico envolvido. Quanto ao relato dos aspectos microestruturais, apesar da omissão de aspectos caracteristicamente pragmáticos ou troca entre sintaxe e semântica, observou-se maior cuidado dos alunos-participantes na busca pela compreensão da TA do abstract e do texto fonte em língua materna. Não obstante à tentativa de compreender o funcionamento do mecanismo de escolhas da ferramenta de TA, o relatório apresenta clareza no que diz respeito ao relato da reconstrução da microestrutura, evidenciando o envolvimento dos alunosparticipantes envolvidos nesta tarefa. Portanto, percebe-se que o caminho trilhado até então na utilização de uma ferramenta de TA , gratuita e disponível online, como é o caso do Google Tradutor, cada vez mais permite aguçar a criatividade de qualquer educador de línguas na busca pela melhoria de sua prática Sumário

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de ensino inserida numa concepção multimodal mediante o desenfreado e constante avanço tecnológico.

Referências ALFARO, C & M.C.P. DIAS. Tradução Automática: uma ferramenta de auxílio ao tradutor. UFSC, Cadernos de tradução, volº01, nº03, 1998. ALLEN, J. Post-editing. In Somers, H.L. (Ed.) Computers and Translation: A Translators Guide. Amsterdam: John Benjamins, 2003. BEEBY L. A. Teaching translation from Spanish to English. Ottawa, University of Ottawa Press, 1996. FERNANDES,L.P & SANTOS, Cleydstone Chaves. Da antiguidade à era informatizada: um breve percurso historico da tradução no ensino de linguas estrangeiras. VII SELIMEL, UAL, UFCG, 2011. GOUTTE, Cyril et al. Learning machine translation. Massachussets, MIT press, 2009. HUTCHINS, W.J. and Somers, H.L. An Introduction to Machine Translation.London, Academic Press Limited, 1992. HUTCHINS, W, John. Machine translation: a brief history. In: KOERNER, E.F.K. and ASHER, R.E. Concise history of the language sciences: from the Sumerians to the cognitivists. Oxford, Oxford: Pergamon Press, 1995. Pages 431-445. ___________________. Retrospect and prospect in computer-based translation. Proceedings from the Singapore MT Summit, University of East Aglia, Singapore, 1999. _____________________. Machine translation In: CLASSE, Olive. Encyclopedia of literary translation into English. London, Fitzroy Dearborn Publishers, University of East Anglia, 2000, p. 884-885. KOEHN, Phillip. Statistical machine translation. Cambridge, Cambridge university press, 2010. MANACORDA, Mario Alighiero. História da educação: da antiguidade aos nossos dias. São Paulo , Cortez , 1995.

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Sinara de Oliveira BRANCO Universidade Federal de Campina Grande

Introdução O objetivo deste capítulo é de apresentar atividades de ensino de língua inglesa utilizando estratégias e categorias de tradução implementadas no projeto de pesquisa desenvolvido no Programa de Pós-Graduação em Linguagem e Ensino da Universidade Federal de Campina Grande (UFCG). O projeto Estratégias de Tradução e sua Relação com o Ensino de Língua Estrangeira teve início no ano de 2009 e será concluído no ano de 2014. Os resultados demonstram como a área de Estudos da Tradução tem dialogado com o Ensino de Línguas Estrangeiras no Brasil, desde a primeira década do século XXI, e como o desenvolvimento de pesquisas na área interdisciplinar de tradução e ensino vem ocorrendo, segundo pesquisadores e teorias específicas. O projeto tem como foco o discurso oral e escrito, bem como um estudo utilizando imagens, eluci-

Agradeço ao POSLE-UFCG pelo apoio recebido para o desenvolvimento desta pesquisa, bem como aos alunos da graduação e da pós-graduação, que me auxiliaram ora na coleta ora na aplicação e discussão das atividades, concordando com gravações de aulas e com o uso de dados coletados das aulas em publicações aqui citadas. Agradeço também o apoio do Grupo de Pesquisa cadastrado no CNPq Tradução: Teoria, Prática e Formação do Professor. 1

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dando a tradução intersemiótica. O objetivo inicial do projeto foi identificar quais Estratégias de Tradução, de acordo com Chesterman (1997), são utilizadas pelos estudantes de nível intermediário de língua inglesa do Curso de Letras-Inglês da UFCG, em atividades orais e escritas, levando em consideração a Abordagem Funcionalista da Tradução de Nord (1997). Com o avanço da pesquisa, o objetivo inicial foi ampliado, a partir da visão sobre as Categorias de Tradução (JAKOBSON, 2000) e sobre a Semiótica (PEIRCE, 1839-1914), e decidiu-se observar, também, de que forma as Categorias de Tradução são aplicadas no ensino de língua inglesa como língua estrangeira por alunos e professores. Para discussão dos resultados, serão apresentados modelos de atividades de tradução desenvolvidas com os estudantes da graduação que, além de terem cursado disciplinas de Língua Inglesa, também cursaram a disciplina Teoria e Prática de Tradução e Língua Inglesa. Espera-se que os modelos de atividades sejam úteis para ilustrar como a tradução pode auxiliar os estudantes não apenas em questões tradutórias, mas também para fazer associações entre teoria e prática de questões linguísticas e literárias, além de reforçar a necessidade de uma formação de professores que inclua aspectos que envolvam teorias da Tradução. Ainda são escassas as pesquisas envolvendo os Estudos da Tradução e o Ensino de Línguas Estrangeiras. Segundo Carreres (2006)2, a rejeição ao Método Gramática e Tradução, que foi acompanhada pela chegada do Método Áudio-lingual e do Método Comunicativo, ofereceu oportunidade para que se examinasse com mais cuidado o potencial e as limitações do uso da tradução no ensino de línguas estrangeiras. Segundo a autora, após a década de Disponível em , acesso em 05 de setembro de 2008. 2

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1990, importantes trabalhos têm sido desenvolvidos, especificamente na área de Ensino da Tradução. Entretanto, é necessário que haja mais pesquisa que envolva a prática e a aplicação da tradução ao ensino de línguas estrangeiras. Tal necessidade pode ser comprovada ao se observar estudantes de cursos de Licenciatura em Letras-Inglês no Brasil. Esses professores em formação compartilham a mesma língua materna (LM) e, portanto, tendem a recorrer a traduções ou adaptações da língua portuguesa ao produzirem discursos orais e/ou escritos em língua estrangeira sem que tal fato seja questionado ou discutido em sala de aula, o que gera a conclusão de que a tradução continua, de fato, negligenciada da formação de professores em cursos de Letras. Seguindo esse raciocínio, reforça-se a importância de um estudo mais aprofundado de como o uso da tradução pode ser utilizado de maneira eficaz em sala de aula, contribuindo para um uso mais eficiente da língua materna no ensino de línguas estrangeiras. Pensando especificamente nos Estudos da Tradução, Holmes (1988, p. 111, tradução minha) afirma que a tradução representa um modelo crítico e conclusivo do que acontece na interface entre os estudos linguísticos, literários e culturais. Assim sendo, segundo o autor, é natural que disciplinas divergentes, como Linguística, Literatura, Estudos Culturais, Semiótica, Teoria da Comunicação, Filosofia, Psicologia e outras, levem em consideração os Estudos da Tradução (ET). O comentário de Holmes deixa clara a natureza interdisciplinar dos ET e demonstra que as mais diferentes correntes teóricas podem contribuir para o desenvolvimento do fenômeno tradutório, assim como o fenômeno tradutório também pode contribuir para o desenvolvimento de diferentes correntes teóricas, como é o caso do Ensino de Línguas Estrangeiras relacionado à tradução. Os ET não podem ser considerados um estudo isolado e independente de outras disciplinas. Para que a Sumário

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tradução aconteça, de forma prática e teórica, ela se nutre do que acontece no mundo científico como um todo. Na pesquisa em relato, o interesse é, primordialmente, investigar produções orais e escritas em sala de aula que demonstrem ter influência da tradução, devido à pouca familiaridade com a língua estrangeira e, consequentemente, fazendo com que se recorra à língua materna. Para tanto, os autores que servem de base são Nord (1991 e 1997), com a Abordagem Funcionalista; Chesterman (1997) e sua sugestão de Estratégias de Tradução; Bassnett e Lefèvere (1990) e os Estudos Culturais relacionados à Tradução; Venuti (2000), apresentando questões relacionadas ao poder entre línguas no contexto atual; Jakobson e as Categorias de Tradução (1959, publicado em VENUTI, 2000); Baker (1995 e 1998), com seus Estudos de Corpora e outros que foram sendo incluídos à medida que o estudo se desenvolvia, como Santaella (2005), citando Pierce (1839-1914) e os estudos semióticos, e Oustinoff (2011), com a descrição históricometodológica dos ET. A tradução pode ser definida como uma operação de transmissão de mensagem de um sistema linguístico para outro. Ela foi utilizada como ferramenta principal para atingir o objetivo de aprender Latim para leitura. Esta foi a origem do Método de Ensino Gramática e Tradução, que, de acordo com Leffa (1988), funcionava da seguinte maneira: i) o professor dava explicações utilizando a língua materna dos alunos; ii) os aprendizes memorizavam uma lista de palavras em Latim; iii) os aprendizes aprendiam regras linguísticas para relacionar as palavras memorizadas em frases; e iv) os aprendizes faziam exercícios de tradução. O principal objetivo do método era capacitar os aprendizes a lerem textos literários e religiosos, e o método atendia a esse objetivo. No século XIX, o Método Gramática e Tradução foi deixado de lado, pois outras línguas entraram em cena e a comunicação falada tornou-se o ponto mais importante para Sumário

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o aprendizado de línguas estrangeiras. Atualmente, a tradução está retornando, com novos conceitos e uma definição e propósito bem diferentes daquele utilizado para o aprendizado do Latim. O sutil retorno da tradução à sala de aula de LE faz com que seja repensada como ela pode ser utilizada de maneira positiva no contexto de ensino de línguas estrangeiras. No Século XXI, pode-se afirmar que a tradução é vista como uma atividade comunicativa, utilizada em vários contextos e situações, em linguagem verbal e não verbal. De acordo com Lucindo (1997), o uso da tradução em sala de aula torna os alunos mais ativos e eles passam a participar mais das atividades em sala de aula. Essa afirmação pode ser comprovada através das atividades desenvolvidas e aplicadas em sala de aula durante a vigência deste projeto. Hurtado Albir (1998), por sua vez, acredita que o uso da tradução em sala de aula possui dois aspectos: i) tradução interiorizada – feita por todo aprendiz de língua estrangeira; ii) tradução pedagógica – utilizada em sala de aula como ferramenta pedagógica para reforçar e verificar a aprendizagem utilizando textos, análise contrastiva e reflexão. A tradução também pode ser utilizada como atividade para explicação de conteúdo específico ou como exercícios variados trabalhando as quatro habilidades (leitura, escrita, escuta e fala). Entretanto, seu uso através de estratégias de tradução literal ou da categoria de tradução interlingual deve ser controlado e restrito a determinadas situações. A tradução deve ser usada em contextos específicos e não para traduzir palavras ou frases isoladas. Como exercício e em contexto verbal, a tradução está dividida em três fases: compreensão; entendimento da idéia exposta de forma oral ou escrita e, então, ‘esquecimento’ das palavras, desverbalizando o texto, tendo em mente o significado. Finalmente, deve-se encontrar a melhor forma de reexpressar tal discurso na língua-alvo, mantendo a mensagem do texto original o Sumário

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mais próximo possível do texto-alvo. Tais atividades devem ainda envolver aspectos linguísticos e não linguísticos para que os alunos percebam a necessidade de mudar e adequar a linguagem a cada (con)texto e situação. A intenção é de desenvolver o léxico, a visão crítica de língua e aspectos culturais das línguas envolvidas de forma dinâmica. Seguindo as idéias acima, Costa (1988) afirma que, ao usar a tradução em sala de aula, o professor deve levar em consideração alguns pontos: i) a orientação da tradução; ii) a tradução oral e escrita e iii) a sua utilização como procedimento de aprendizado e/ou avaliação. O autor afirma ainda que o ensino de línguas pode ganhar uma perspectiva cultural, ajudando a identificar dificuldades de aprendizagem relacionadas a aspectos culturais das línguas. Com relação a aspectos cognitivos, Rodrigues (1997) afirma que analisar o processo tradutório oferece a possibilidade de se criar um novo caminho para o ensino da tradução e também para o ensino de línguas, uma vez que a tradução está ligada a outras disciplinas e áreas, como o Ensino de Línguas Estrangeiras, Cognição, Psicolinguística, Análise do Discurso e outras. Nord (1988), por sua vez, propõe que o ensino da tradução deva ser dirigido à análise textual. A autora sugere ainda que há a possibilidade de usar a prática da tradução em aulas de tradução utilizando estratégias de tradução, pois elas auxiliam o processo tradutório, e essa ideia foi seguida durante o desenvolvimento deste projeto de pesquisa, com foco não ao ensino de tradução, mas de LE. Em si tratando do uso de tradução na perspectiva do professor, Holden e Rogers (2001) afirmam que nem sempre o professor não nativo está seguro a respeito do uso de algumas estruturas e usos específicos de língua, devido ao fato de não ter conhecimento suficiente sobre o contexto cultural de algumas destas estruturas ou de textos escritos em inglês, também tendo dificuldade com relação à Sumário

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pronúncia de palavras desconhecidas. Em alguns casos, o pouco conhecimento da própria língua materna gera dificuldades para a comunicação em língua estrangeira. Para sanar essas dificuldades, um estudo comparativo das duas línguas utilizando corpora específicos, por exemplo, pode contribuir para um maior conhecimento sintático, semântico e pragmático das estruturas identificadas, facilitando uma comunicação – oral e escrita – mais segura por parte de professores e alunos. Medgyes (1994) complementa essa ideia afirmando que, ao ensinar língua inglesa como falantes não nativos do inglês, deve-se desenvolver três componentes específicos: a) proficiência na língua; b) compreensão cultural e da língua em si; e c) habilidade pedagógica. Portanto, a investigação sobre tradução no sentido de desenvolver um estudo comparativo das duas línguas contribui para tal proficiência, compreensão e habilidade pedagógica. Concepção do Termo ‘Tradução’ Baker (1998, p. 273) apresenta uma definição para o termo ‘Translatability’ [Traduzibilidade] na enciclopédia Routledge Encyclopedia of Translation Studies, explicando que o termo é compreendido como a capacidade que alguns tipos de significados têm de serem transferidos de uma língua para outra sem que haja mudanças radicais. Esta parece ser uma definição mais linguística e ‘tradicional’, baseada na transferência de significado e estrutura de uma língua para outra. Bell (1991, pp. 05, 06 e 13), por sua vez, afirma que tradução é a expressão em outra língua (ou língua-alvo) de algo que foi expresso na língua de origem, preservando a equivalência semântica e estilística. Essa também é uma visão mais tradicional, semelhante à de Baker, que parece favorecer o texto original.

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Holz-Mänttäri (1984, p. 17), citada por Nord (1997), assume uma abordagem funcionalista para a Tradução e afirma que evita utilizar o termo tradução, pois pretende evitar conceitos tradicionais e expectativas ligadas ao termo. Para Holz-Mänttäri, tradução é a cooperação intercultural – é o processo de produção de certo tipo de transmissor de mensagem, coordenando a cooperação de ação e comunicação. Para Holz-Mänttäri, tradução é mais que um termo a ser definido. É, de fato, um processo utilizado para atingir certos propósitos – a visão da autora é, portanto, mais pragmática. Seguindo com uma linha mais funcionalista, antes de definir o termo, Nord (ibid.) também cita Vermeer ([1978] 1983b, 49), que inclui a interpretação na definição por ele oferecida, afirmando que tradução é um tipo de transferência na qual signos comunicativos verbais e não verbais são transferidos de uma língua para outra, sendo um tipo de ação humana. Esta definição parece ser mais apropriada ao contexto de investigação apresentado aqui, pois lida com um contexto de comunicação verbal, com usos de linguagem não verbal que influencia a fala. Finalmente, Nord (ibid., p. 28) apresenta a sua contribuição e define tradução como sendo a produção de um texto-alvo funcional, mantendo relação com um dado texto original (neste caso, a tradução imediata de uma estrutura de língua portuguesa para língua inglesa) que é especificado de acordo com a função pretendida do texto alvo (escopo da tradução). Nord acrescenta a idéia de que a tradução promove um ato comunicativo que não seria possível de acontecer devido a barreiras culturais e linguísticas. Este é, precisamente, o trabalho de traduzir – comunicação não apenas de palavras, mas, principalmente, de idéias direcionadas a um contexto específico. Ao falar sobre as Estratégias de Tradução, Chesterman (2000) argumenta que a tradução pode ter duas funções, dependendo do propósito do trabalho de tradução: transferir Sumário

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e/ou preservar o significado. Tal idéia está relacionada à colocação de Nord acima, oferecendo um olhar funcionalista à tradução. Klein-Braley e Franklin (1998, p. 55-56), por sua vez, definem o termo como “transferência de conteúdo de uma cultura para outra”, sendo a definição que mais parece se adequar ao contexto da pesquisa e, portanto, sendo a definição aqui adotada, sem descartar as considerações dos demais autores totalmente, pois apresentam detalhes relevantes e que se complementam com relação à definição de tradução. Estudos da Tradução: Estratégias de Tradução de Chesterman (1997) e Categorias de Tradução de Jakobson (1959/2000) Na área de Estudos da Tradução, Chesterman3 (1997) afirma que significados não são mais vistos seguindo uma visão tradicional e convencional, como sendo algo objetivo, estável, fora de um contexto específico. Os significados em contexto de tradução são, na verdade, mutáveis, apresentam deslizes, nunca sendo originais; mas sempre relativos. Esta afirmação ilumina a visão da tradução que se pretende lançar aqui – uma visão funcional, descritiva, que vai além da estrutura, significado e propósito imediatos do texto original, sem foco em estruturas linguísticas específicas e com foco na tradução produzida em sala de aula pelos alunos de língua inglesa. Chesterman (ibid.) aponta duas classes de estratégias como sendo principais: ‘estratégias de redução’, que mudam ou reduzem a mensagem de alguma forma, e ‘estratégias de realização’, que buscam preservar a mensagem mudando o Idéia original de Chesterman (1997, p. 29): “Meanings are no longer seen as primarily conventional, objective, stable, existing ‘out there’; rather, they are ever-shifting, ever-slippery, never original, always relative.” 3

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meio, tal como o uso de paráfrase, aproximação, reestruturação, etc. O autor parece favorecer um tipo de tradução que oferece maior liberdade para o tradutor produzir seu trabalho, reduzindo informações ou utilizando outra estratégia (parafraseando, reestruturando, etc.) para chegar a um texto-alvo que comunique a mensagem de maneira satisfatória. Chesterman (ibid., p. 92) apresenta uma taxonomia de estratégias de tradução que está dividida em três grupos: Estratégias Sintáticas G1: Tradução Literal G2: Calque, Empréstimo G3: Transposição

Estratégias Semânticas S1: Sinonímia

Estratégias Pragmáticas Pr1: Filtro Cultural

S2: Antonímia

G4: Deslocamento de Unidade G5: Mudança Estrutural de Frase G6: Mudança Estrutural de Oração G7: Mudança Estrutural de Período G8: Mudança de Coesão G9: Deslocamento de Nível G10: Mudança de Esquema

S4: Conversão S5: Mudança de Abstração

Pr2: Mudança de Explicitação Pr3: Mudança de Informação Pr4: Mudança Interpessoal Pr5: Mudança de Elocução

S6: Mudança de Distribuição

Pr6: Mudança de Coerência

S7: Mudança de Ênfase

Pr7: Tradução Parcial

S8: Paráfrase

Pr8: Mudança de Visibilidade Pr9: Reedição

S3: Hiponímia

S9: Mudança de tropos S10: Outras mudanças semânticas

Pr10: Outras mudanças pragmáticas

Tabela 1. Estratégias de Tradução de Chesterman (1997).

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Em outro artigo, acrescentei que Chesterman utiliza uma ordem crescente de estratégias, sendo as primeiras relacionadas às menores representações linguísticas, como a palavra, por exemplo, e as maiores, sendo mais generalistas, buscando englobar ideias gerais. Como Chesterman utiliza a divisão de sua taxonomia em estratégias sintáticas, semânticas e pragmáticas, o autor utiliza as abreviações ‘G’ para as estratégias sintáticas, que estão mais próximas do nível estrutural das línguas (gramática); ‘S’ para as estratégias Semânticas; e ‘Pr’ para as estratégias Pragmáticas (BRANCO, 2010). Seguindo as ideias apresentadas, é proposta aqui a utilização de atividades que apliquem estes conceitos, juntamente com as Categorias de Tradução de Jakobson (1959/ 2000, p. 114), a saber: 1. Intralingual: interpretação de signos verbais através de outros signos da mesma língua. 2. Interlingual: interpretação de signos verbais através de outra língua. 3. Intersemiótica: tradução ou ‘transmutação’ – interpretação de signos verbais através de sistemas de signos não verbais (In: VENUTI, 2000, p. 114). Jakobson apresenta uma proposta de categorias de tradução que vão além da tradução de textos verbais de uma língua para outra, sugerindo a prática de tradução dentro da mesma língua, com uso de paráfrase, por exemplo. A utilização de figuras e expressões faciais são possibilidades de tradução intersemiótica. Já a tradução entre línguas pode ocorrer em situações e atividades específicas, sem causar prejuízo ao desenvolvimento da aula ou à assimilação da língua estrangeira por parte do estudante, desde que bem preparada e com objetivos definidos, tanto para o professor quanto para os aprendizes.

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Durante as aulas de Língua Inglesa em nível intermediário, foi observado que a estratégia literal é utilizada com frequência em linguagem oral, produzindo discursos não comuns em língua inglesa, como por exemplo: a) “My brother lives in a house very large.” b) “Top models are weaks.” c) “Second Bakhtin, language…” 4 Mesmo em fase já considerada com conhecimento linguístico a respeito de ordem estrutural de adjetivos e uso da forma plural, ao se comunicarem oralmente e também em forma escrita, os estudantes tendem a manter a forma estrutural da língua materna e usar traduções literais em nível estrutural, utilizando a categoria de tradução interlingual de forma equivocada. O mesmo ocorre ao utilizar expressões ou outras formas gramaticais, como foi a tentativa da estudante ao mencionar Bakhtin utilizando ‘second’ ao invés de ‘according to’ (de acordo com, segundo), por exemplo. Apesar de esses erros acontecerem com certa frequência, é importante alertar que, mesmo tendo consciência das limitações linguísticas, ao terem conhecimento a respeito das categorias de tradução e das estratégias de tradução, os estudantes geralmente demonstram, de fato, maior motivação para utilizar a língua inglesa, recorrendo ao apoio da língua materna em tradução interlingual em último caso, o que considero positivo no desenvolvimento linguístico e na construção de um falante de LE mais autônomo e consciente. Estudos da Tradução: A Abordagem Funcionalista de Nord (1997) A Abordagem Funcionalista de Nord (1997) defende que, ao traduzir, é importante levar em consideração o leitor 4

Exemplos extraídos de Branco (2009).

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do texto traduzido e o contexto como pontos principais para uma tradução ser realizada. O texto original deve servir como ajuda para o desenvolvimento do produto tradutório, embora o texto traduzido não deva necessariamente refletir a ‘imagem idêntica’ do texto original. Esta posição indica que o tradutor tem uma idéia clara de qual é o propósito de seu trabalho e segue uma forma de guia que o ajuda a se manter no caminho almejado para a realização de um trabalho que atinja as expectativas esperadas. O guia seguido pelo tradutor pode ser uma série de estratégias de tradução, por exemplo. Seguindo esta idéia, as estratégias de Chesterman (1997) apresentadas anteriormente parecem estar em harmonia com os pontos apresentados sobre a Abordagem Funcionalista de Nord. Os dois teóricos percebem a importância de oferecer um texto-alvo que siga uma orientação voltada ao leitor de tal texto, sem ignorar o texto original. As teorias de Nord e Chesterman foram, portanto, utilizadas para direcionar o trabalho voltado ao ensino de LE, objetivando a utilização de estratégias e categorias de tradução mais adequadas ao contexto de sala de aula. De acordo com Nord (1991, p. 28), não pode haver um processo de ‘tradução’ sem um texto original. Deve haver certa relação entre o texto original e o texto-alvo. Entretanto, a qualidade e quantidade dessa relação são especificadas pelo escopo (função) da tradução. O escopo da tradução oferecerá os critérios para a decisão sobre que elementos do texto original podem ser ‘preservados’ e quais podem ou devem ser adaptados ao texto-alvo. Como pode ser observado, apesar da Abordagem Funcionalista marcar a importância do texto-alvo, ela não negligencia a importância do texto original e destaca a importância do texto original para a produção de um texto-alvo aceito pelo público alvo. Neste sentido, Nord (ibid., p. 72) destaca que na cultura ocidental são esperados dois pontos específicos de um texto alvo: funcionalidade e também lealdade ao remetente do Sumário

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texto original e sua intenção. Nord explica que ser ‘leal’, segundo o Funcionalismo, diz respeito à intenção do autor do texto original, e não à estrutura do texto em si. Cada texto deve ter uma função específica, mas o tradutor deve ser leal à intenção do autor, adaptando a estrutura do texto-alvo a uma função (escopo) diferente, se for o caso. Para ter uma idéia clara sobre o que o texto original trata e qual a intenção do autor, o tradutor tem que analisar o texto original cuidadosamente. O tradutor profissional lê cada novo texto original usando sua experiência de leitor crítico além de tradutor. Esta experiência forma um modelo no qual o tradutor integra os resultados de cada novo texto original. O conhecimento a respeito da cultura estrangeira deve torná-lo apto para reconstruir as reações possíveis de um leitor do texto original (no caso do texto alvo – escrito ou falado – necessitar de uma ‘imitação’ das funções do texto original), considerando que o seu conhecimento da cultura brasileira o ajude a antecipar as reações possíveis do leitor do texto brasileiro e, assim, verificar a adequação funcional da tradução produzida (NORD, 1991, p. 11). Nesse caso, de acordo com Nord, para o texto alvo alcançar seus propósitos específicos, é necessário que o tradutor preencha os seguintes requisitos: (i) O tradutor deve ter conhecimento suficiente tanto da língua e cultura original quanto da língua e cultura-alvo; (ii) O tradutor deve saber lidar com ambas as línguas para analisar o texto original, produzir um texto-alvo e fazer pesquisa para realizar seu trabalho. Se o tradutor preencher os requisitos acima, significa dizer que o mesmo tem consciência de que ele não é o remetente da mensagem do texto original, mas um produtor textual na cultura-alvo (NORD, ibid., p. 11), usando um texto produzido anteriormente em outro contexto e cultura para comunicar as idéias a uma audiência específica. Portanto, ao falar em competência tradutória, o processo de tradução está longe de ser considerado ‘simples’ e exige alto nível de Sumário

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comando de ambas as línguas envolvidas, além de concentração e atenção para manter a idéia principal do texto original presente no texto-alvo e também manter a comunicação ‘bem sincronizada’. Estes são pontos importantes ao se considerar o contexto de ensino de línguas estrangeiras, pois, evidentemente, os estudantes ainda não têm tal domínio das línguas e não são tradutores. Os estudantes (professores em formação, neste caso), semelhantemente ao tradutor em formação, devem ser expostos a (con)textos diferentes, tendo a oportunidade de encarar situações de tomadas de decisão envolvendo situações específicas e contextos culturais diferentes entre a língua inglesa e a portuguesa. Tal exposição é importante, pois, segundo Nord (ibid.), usos de língua específicos estão presentes em locais diferentes, com variações linguísticas específicas, em contextos e situações específicos, influenciando como o tradutor deve analisar o texto original. Portanto, alguns aspectos, além dos aspectos linguísticos, devem ser destacados, tais como condições políticas, culturais e também o processo de comunicação intercultural – (i) quem produz o texto original; (ii) quem solicita a tradução do texto original; (iii) o texto original em si; (iv) quem recebe o texto original e o traduz; (v) o texto-alvo em si; e (vi) quem lê o texto-alvo. Como pode ser observado, o processo tradutório envolve participantes diferentes, incluindo leitores. Tal processo não pode estar relacionado apenas ao propósito do texto original, mas, principalmente, a como o texto-alvo vai funcionar no contexto a que ele se destina, baseando-se na função comunicativa do texto original. De acordo com a Abordagem Funcionalista, o processo para a produção de um texto traduzido com orientação voltada ao leitor-alvo vai da análise do texto original até quem receberá o texto-alvo – sendo todos estes passos necessários. A Abordagem Funcionalista é baseada na importância de saber qual é o propósito de um trabalho de tradução, Sumário

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marcando, portanto, que o texto original não é a referência principal para uma tradução. Nord (1997, p. 04) cita Reiss e Vermeer (1978/1983) ao dizer que o que deve prevalecer é o propósito do texto traduzido para determinar métodos e estratégias de tradução, e não a função do texto original. Nord (1991, p. 16) já tinha mencionado que, de acordo com a visão dinâmica do texto adotada por ela, um texto não tem uma função; a função só é atribuída ao texto através do leitor no ato da recepção do texto. É a recepção do texto que encerra a situação comunicativa e define a função do texto: o texto como um ato comunicativo torna-se ‘completo’ pelo leitor. Vermeer (2002, p. 221) defende a idéia de que qualquer tradução é uma ação com um propósito. O autor apresenta uma explicação para o termo skopos como sendo um termo técnico, utilizado para especificar o objetivo ou propósito de uma tradução. Vermeer enfatiza que o tradutor precisa ter uma noção clara do objetivo de um determinado trabalho de tradução. Após conhecer o objetivo da tradução, o tradutor pode produzir um texto-alvo que atenda às necessidades do cliente e do leitor. Vermeer (ibid.) apresenta ainda a orientação de cada texto – o texto original orientado para a cultura original e o texto alvo orientado para a cultura alvo, definindo, assim, o papel do texto original e do texto alvo. O autor explica o papel dos textos original e alvo dizendo que os dois textos podem diferir bastante, não apenas na formulação e distribuição do conteúdo, mas também no que diz respeito aos objetivos que são traçados para cada texto. Nord (1991, p. 28) concorda com a visão acima ao mencionar que tradução é a produção de um texto alvo funcional, mantendo relação com um texto original. Tal relação é especificada de acordo com a função pretendida ou exigida do texto alvo (escopo da tradução). A autora quer dizer que, embora não seguindo a produção de uma traduSumário

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ção baseada na orientação do texto original, é necessário manter uma relação entre texto original e texto alvo. Entretanto, até onde essa relação existe depende do escopo da tradução e também da decisão de quais elementos do texto original podem ser ‘preservados’, que elementos podem ser ‘adaptados’ ou mesmo que elementos podem ser deixados fora da tradução. Apresentação de Modelos de Atividades de Tradução para Aplicação em Aulas de LE Esta sessão é dedicada à descrição das atividades utilizadas nas aulas de Língua Inglesa durante os semestres de 2009 a 2011 no Curso de Letras-Inglês da UFCG. É necessário informar que grande parte das atividades não foi criada no projeto, mas adaptada de livros didáticos ou de antigas aplicações em sala de aula. Ou seja, muitas podem ser consideradas tradicionais. O que importa, no entanto, é o objetivo atual de aplicação de cada uma delas e o olhar voltado à tradução e ao grupo e contexto. À medida que as atividades eram aplicadas, seguiam-se discussões com o grupo, gerando reflexão relevante do ponto de vista da pesquisa e do professor em formação. Passo agora a descrever as atividades.

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Quadrinhos Atividade

Descrição Aqui, duas versões dos quadrinhos são apresentadas para promover uma discussão partindo das estratégias de tradução utilizadas até a temática explorada. Dependendo do nível da turma, a discussão pode ser conduzida em LE, com espaços para o uso da LM quando necessário. Habilidades trabalhadas: leitura, escrita, escuta e fala. Nesse caso, os quadrinhos foram apresentados na LE e os alunos leram a história e interpretaram o tema: Salário de professores e trabalhar ‘por amor’. Em seguida, os alunos produziram versões em LM para a história e adaptaram os quadrinhos ao ambiente de ensino deles, propondo, inclusive, mudança do nome de alguns personagens. Por exemplo, a professora recebeu o nome de uma professora do curso. Habilidades trabalhadas: leitura, escrita, escuta e fala.

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Música Atividades Qualquer estilo de música: Rock, Rap, Country, Clássica etc.

Descrição a) A música pode ser trabalhada como uma atividade de preencher lacunas ou de observar uma figura e marcar os pontos da figura que correspondem à letra da música (envolvendo atividade intersemiótica). Após o preenchimento dos espaços, é promovida uma discussão sobre a letra evitando a tradução literal e promovendo o uso da categoria de tradução intralingual, com interpretação da mensagem da música. Habilidades trabalhadas: leitura, escrita, escuta e fala. b) Os alunos acompanham a música assistindo ao vídeo clipe e depois observam letra e tradução e fazem observações acerca da letra e da temática explorada, podendo mencionar o vídeo clipe para interpretação da letra (atividade intersemiótica). Também podem ser incluídos textos críticos que comentem sobre a música, cantor, banda para que sejam incluídos na discussão. Após a conclusão da discussão, pedir que os alunos produzam um texto escrito sobre o tema abordado5. Habilidades trabalhadas: leitura, escrita, escuta e fala.

Ver exemplo de uma atividade nesse estilo em Branco (2010), disponível em acesso em 03 de abril de 2012. 5

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Poesia Atividades The Philosophers Russell Edson (1994) I think, therefore I am, said a man whose mother quickly hit him on the head, saying, I hit my son on his head, therefore I am. No, no, you’ve got it all wrong, cried the man. So she hit him on the head again and cried, therefore I am. You’re not, not that way; you’re supposed to think, not hit, cried the man. ...I think, therefore I am, said the man. I hit, therefore we both are, the hitter and the one who gets hit, said the man’s mother. But at this point the man had ceased to be; unconscious he could not think. But hit mother could. So she thought, I am, and so is my unconscious son, even if he doesn’t know it...

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Descrição Nesse caso, o objetivo da atividade pode ser promover uma discussão com os estudantes sobre a importância do ato reflexivo e sobre questões gerais evolvendo o ensino e a vida acadêmica, por exemplo. Como a aula é de língua, o poema é utilizado para instigar a discussão e não exatamente para promover uma discussão sobre literatura. Um auxílio à interpretação pode ser o uso de imagens que auxiliem na questão interpretativa, por exemplo:

Habilidades trabalhadas: leitura, escrita, escuta e fala.

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Texto Literário Atividades Textos literários em geral podem ser utilizados, por exemplo, As Viagens de Gulliver, Chapeuzinho Vermelho, Peter Pan, Alice no País das Maravilhas, etc.

Descrição O trabalho com texto literário e com poesia aproxima o estudante do mundo literário e o motiva para a leitura e trabalho com mais criatividade em sala de aula. A partir da leitura do texto, são marcadas discussões sobre a história e tarefas são desenvolvidas pelo grupo, como teatro – os estudantes representam cenas da obra; comparação da obra em língua inglesa e da obra em LM, discutindo questões culturais de adaptação, estratégias e categorias de tradução etc.; os alunos produzem uma nova história em LM, adaptando a história a uma realidade cultural brasileira escolhida6. Habilidades trabalhadas: leitura, escrita, escuta e fala.

Texto Jornalístico Atividades Qualquer notícia de jornal ou revista (entretenimento, política, esporte, notícia local ou internacional, etc.) pode ser usada.

Descrição Apresenta-se o tema aos estudantes e promove-se uma discussão sobre o assunto. Em seguida, eles recebem o texto em inglês e, após a leitura, o professor propõe uma tradução de tal texto, informando qual será o propósito do trabalho (uma nova publicação em jornal local, por exemplo). Após traduzirem o texto, os estudantes recebem uma tradução oficial do texto e comparam o trabalho por eles realizado com o de um profissional. Em muitos pontos eles vão mostrar onde o trabalho em sala de aula apresentou falhas, bem como pontos em que o trabalho deles pode ter apresentado tão bons (ou melhores) resultados quanto o texto produzido por um tradutor profissional. Habilidades trabalhadas: leitura, escrita, escuta e fala.

Ver exemplo de uma atividade nesse estilo em Branco (2010), disponível em , acesso em 03 de abril de 2012. 6

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Linguística Atividades Back translation Exemplo: Translate the following sentences into English: a) O ex-governador da Califórnia, Arnold Schwarzenegger, disse que teve um filho com uma empregada há mais de dez anos. (Former California Governor Arnold Schwarzenegger has acknowledged he fathered a child with a member of his household staff more than 10 years ago.) b) O episódio levou à separação do casal, anunciada oficialmente na semana passada, depois de uma união de 25 anos e quatro filhos. (The former actor and his wife Maria Shriver said they were separating after 25 years of marriage.) c) Observe os dois textos e aponte diferenças (linguísticas, textuais, de conteúdo, oferecendo explicações baseadas na leitura do texto sobre back translation.

Descrição Para essa atividade, é importante trabalhar o conceito de back translation (retradução) anteriormente e escolher um texto que já tenha sido traduzido. Os alunos traduzem para o português e depois traduzem as frases de volta para o inglês, finalmente comparando suas produções com o texto original e apontando as falhas de produção. Com uma atividade desse tipo, é possível trabalhar questões de sintaxe, por exemplo, tanto em LM quanto em LE, além de questões semânticas e pragmáticas envolvendo as estratégias de Chesterman7. Habilidades trabalhadas: leitura, escrita, escuta e fala.

Ver exemplo de uma atividade nesse estilo em Branco (2012), disponível em acesso em 30 de junho de 2012. 7

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Pesquisas em Tradução Traduzindo idioms (expressões idiomáticas) Exemplo: Translate the following idioms into Portuguese and check which translation strategies you use to do it. Explain why you possibly use different strategies for some of the idioms: a) Birds of a feather flock together. b) In unity there is strength. c) It takes two to tango. d) A man is known by the company he keeps. e) Misery loves company. f) There’s no place like home. g) Too many cooks spoil the broth. h) Two heads are better than one. i) Two’s company, but three’s a crowd. j) A miss is as good as a mile. Parafraseando e explicando o significado de termos e frases a) Rewrite each pair of sentence as one sentence, and include the word given. Make any necessary changes. b) Rewrite each formal sentence as an informal one, ending with the word given.

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Nessa atividade, os estudantes têm a oportunidade de discutir questões culturais e temporais relevantes ao desenvolvimento da tarefa. Eles observam que, nesse caso, a tradução literal geralmente não é a melhor opção, funcionando bem em casos específicos. Eles vão buscando os procedimentos que consideram mais apropriados e, ao concluir a tarefa, discute-se as opções e quais traduções parecem mais apropriadas. Habilidades trabalhadas: leitura, escrita, escuta e fala.

O trabalho com metalinguagem faz com que o estudante desenvolva a habilidade de se expressar de formas variadas para exprimir suas ideias, tornando-o mais seguro sobre suas argumentações. As atividades aqui propostas são comuns em livros didáticos, nesse caso, estão presentes no livro Recycling Advanced English, de Clare West, reforçando a ideia de que a Tradução sempre esteve em sala de aula de LE. Habilidades trabalhadas: leitura, escrita, escuta e fala.

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c) Match each phrasal verb with the correct definition. d) Complete each sentence so that it means the same as the one before. e) Explain the difference in meaning between each pair of sentences.

Imagens Atividades

Descrição

Mesmo estando em LM, a charge ao lado pode ser utilizada em aula de LE para discussão sobre variação linguística, por exemplo, e para tratar de questões envolvendo tradução interlingual e estratégias de tradução. Além da discussão sobre o que a imagem representa em contexto brasileiro, a questão da linguagem pode ser trabalhada para discussão sobre linguagem formal/informal, contexto e situação, tradução e genros textuais. Habilidades trabalhadas: leitura, escrita, escuta e fala.

Os estudantes recebem cópia da imagem com balões em branco e produzem a história de acordo com a imaginação de cada um. Após a conclusão da história, eles trabalham em pares para comparar os textos e, finalmente, recebem a história original e discutem até que ponto eles fizeram uma interpretação diferente do original e discutem, também, questões sobre

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interpretação, adaptação e adequação voltadas ao propósito do grupo – se estudantes de curso de Leitura, Tradução, LE etc. Habilidades trabalhadas: escuta, leitura e fala.

Picture Dictation Once upon a time, there was a little girl who lived in a village near the forest. Whenever she went out, the little girl wore a red riding cloak, so everyone in the village called her Little Red Riding Hood. One morning, Little Red Riding Hood asked her mother if she could go to visit her grandmother as it had been awhile since they'd seen each other. "That's a good idea," her mother said. So they packed a nice basket for Little Red Riding Hood to take to her grandmother. When the basket was ready, the little girl put on her red cloak and kissed her mother goodbye. "Remember, go straight to Grandma's house," her mother cautioned. "Don't dawdle along the way and please don't talk to strangers! The woods are dangerous." "Don't worry, mommy," said Little Red Riding Hood, "I'll be careful." But when Little Red Riding Hood noticed some lovely flowers in the

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a) Os estudantes ouvem a leitura de um texto, que pode ser descritivo ou de qualquer outro gênero e, à medida que escutam a leitura, vão produzindo um desenho que represente o que ouvem. Ao concluírem, comparam as imagens e discutem sobre o que lhes chamou mais atenção com relação à leitura. b) Após essa primeira atividade, cada estudante recebe uma figura e vai descrevê-la para um colega criar a imagem do que está ouvindo. Mais uma vez, ao concluírem a atividade, eles comparam o desenho com a imagem descrita e discutem o desenvolvimento da tarefa. Mesmo reclamando, a princípio, do fato que ‘não sabem desenhar’ a atividade é geralmente desenvolvida com envolvimento e o resultado é satisfatório, pois o propósito não é criar desenhos perfeitos, mas representação não verbal do que se ouve. Habilidades trabalhadas: leitura, escuta e fala.

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woods, she forgot her promise to her mother. She picked a few, watched the butterflies flit about for awhile, listened to the frogs croaking and then picked a few more. Little Red Riding Hood was enjoying the warm summer day so much, that she didn't notice a dark shadow approaching out of the forest behind her... Disponível em < http://www.dltkteach.com/rhymes/littlered/1.ht m> acesso em 04 de abril de 2012.

Cinema Atividades

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Descrição Aplicação de cinema em sala de aula tem usos variados. Cenas podem ser trabalhadas para discussão de temas específicos, ou pontos gramaticais podem ser explorados nos diálogos de personagens. Há ainda a possibilidade de se trabalhar de forma intersemiótica unindo cenas, imagens específicas, trilha sonora e artigos, entrevistas sobre a obra cinematográfica com grupos de níveis variados, além da possibilidade de discussão sobre legendagem, auxílio das imagens na interpretação das cenas etc. Nesse caso, são utilizadas imagens dos filmes Cidade de Deus e Gangues de Nova York com a possibilidade de se discutir questões sobre violência e formação de gangues/quadrilhas em grandes capitais, por exemplo.

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Internet Atividades http://www.youtube.com/ ?gl=BR&hl=pt http://www.ingredientx.com/ watch/tales/ http://www.bbc.co.uk/ http://googlebr.englishtown.com/ online/lp/ BRD_STD_PP_LP26&ps=y

Descrição Os recursos fornecidos na atualidade através da Internet são infinitos. Muitos sites educativos podem ser utilizados em sala de aula para desenvolvimento de temas específicos e sites como Youtube, tales of mere existance, BBC e de cursos de idiomas podem ser trabalhados em momentos específicos de uma aula proporcionando atividades motivadoras e desafiadoras.

Corpora Linguísticos Atividades British National Corpus (BNC) http://www.natcorp.ox.ac.uk/ About the BNC The British National Corpus (BNC) is a 100 million word collection of samples of written and spoken language from a wide range of sources, designed to represent a wide crosssection of current British English, both spoken and written. [more] Search the Corpus Type a word or phrase in the search box and press the Go button to see up to 50 random hits from the corpus. Parte superior do formulário Look up: You can search for a single word or a phrase, restrict searches by part of speech, search in parts of the corpus only, and much more. The search result will show the total frequency in the corpus and up to 50 examples. [more information]

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Descrição Os corpora linguísticos podem ser utilizados em sala de aula para promover discussões sobre temas específicos e sobre uso de linguagem de forma mais realista. Questões sobre uso de língua podem ser verificadas instantaneamente em sala de aula ou pesquisas podem ser feitas pelos estudantes, que desenvolvem familiaridade e maior curiosidade sobre usos de língua a partir do conhecimento sobre corpora.

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Conclusão Pesquisadores da área de Estudos da Tradução e Ensino de Línguas Estrangeiras têm se esforçado para coletar amostras de atividades variadas para exemplificar a eficácia do uso de tradução no ensino de LE no Século XXI e reforçar as teorias discutidas e descritas, com o intuito de buscar respostas e sugestões de como auxiliar o aprendiz de LE a se tornar um falante de LE mais autônomo, fazendo melhor uso do seu conhecimento prévio de LM. O uso de atividades de tradução tem se mostrado válido e necessário para favorecer a pesquisa na área, tornando-a cada vez mais representativa, bem como auxiliando professores e estudantes em sala de aula de LE. Outro ponto positivo sobre o uso de atividades de tradução em sala de aula de LE é que, apesar da ainda possível resistência que esse tipo de trabalho apresenta, é compensador ver os resultados após a compilação, organização e investigação do corpus e seus resultados. Pensando nesses pontos e mantendo o foco no ambiente de sala de aula de LE discutido neste capítulo, volto a afirmar a importância de envolver o estudante (de tradução ou de LE) e o professor em formação em um trabalho de análise da(s) língua(s) estudada(s) por um ângulo mais abrangente, não reprimindo o estudante e professor em formação em sua forma de pensar e trabalhar as línguas envolvidas no processo de aprendizagem de LE ou de tradução. Rajagopalan (2003) afirma que a consequência de uma visão limitadora sobre as línguas gera uma visão de superioridade da LE sobre a LM, fazendo com que os esforços didáticos se voltem para a aquisição de uma ‘competência perfeita’, que é um conceito suspeito relacionado ao domínio que o falante nativo supostamente possui da sua língua. Essa visão é antiquada e preconceituosa, fazendo com que o estudante crie a ilusão de que vai aprender um idioma superior a sua LM e que, a partir de um ilusório domínio da Sumário

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LE, como se fosse um falante nativo, sua autoestima será maior. Essa expectativa gera uma influência negativa na motivação, segurança e, consequentemente, na aprendizagem do aprendiz. Segundo o autor, deve-se respeitar o espaço da LM em sala de aula, pois ela faz parte da formação do estudante, além de constituir a sua base de informação para que possa desenvolver conhecimentos sobre outros códigos linguísticos. Quanto melhor e maior for o conhecimento e domínio do estudante de sua LM, melhor será o seu desenvolvimento em LE. Ainda segundo Rajagopalan (ibid., p. 69), “quem transita entre diversos idiomas está redefinindo sua própria identidade. Quem aprende uma língua nova está se redefinindo como uma nova pessoa”. Levando em consideração os pontos argumentados acima, Rajagopalan (ibid., p. 70) segue afirmando que “é na linguagem e através dela que as nossas personalidades são constantemente submetidas a um processo de reformulação”. O autor parece sugerir formas de análise linguística e de aplicação destas análises ao ensino de LE, de forma que apresentem novas propostas de atividades que facilitem o uso das línguas em sala de aula; e eu acrescento que tais considerações podem também ser aplicadas em contexto de ensino de tradução, bem como da aplicação da tradução ao ensino de LE, como aqui demonstrado. A aplicação de atividades de tradução ao ensino de LE ou ao ensino de tradução, bem como à pesquisa na área de Estudos da Tradução, apresenta o uso da linguagem de forma real, trazendo ao ambiente de ensino a cultura estudada e outras formas de pensar e agir que podem ser discutidas e descritas em sala de aula através de diversos enfoques linguísticos, fazendo com que a ideia do ‘uso real da língua’ ganhe outras dimensões.

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AGLAÉ FERNANDES, professora de Língua e Literatura Francesa no Departamento de Letras Estrangeiras Modernas, da Universidade Federal da Paraíba. É mestre em Letras, com a dissertação “Palavras navegáveis: um estudo da poética de Lúcio Lins”. É doutoranda do Projeto Dinter em Estudos da Tradução UFSC/UFPB/UFCG. ([email protected]) ANA CRISTINA BEZERRIL CARDOSO é professora de língua francesa e de teorias da tradução no Departamento de Letras Estrangeiras Modernas da Universidade Federal da Paraíba. Graduada em Direito e em Letras-Francês pela UFPB e mestre em Letras pela mesma universidade, com a dissertação “Les Serments de Strasbourg”: importância histórica e filológica na consolidação do francês.É doutoranda do Projeto Dinter em Estudos da Tradução UFSC/UFPB/UFCG, onde desenvolve uma pesquisa sobre história e análise de traduções brasileiras de fábulas La Fontaine. ([email protected]) CARMEN VERÔNICA DE ALMEIDA RIBEIRO NÓBREGA, graduada em Letras – Português/Francês pela Universidade Estadual da Paraíba/UEPB, mestrado em Educação pela Universidade Federal da Paraíba/UFPB e professora da área de Línguas Estrangeiras na Unidade Acadêmica de Letras da Universidade Federal de Campina Grande/UFCG, Campus I desde janeiro de 1995. É doutoranda do Projeto Dinter em Estudos da Tradução UFSC/UFPB/UFCG. ([email protected])

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bio-bliográficas das organizadoras e dos autores

CLEYDSTONE CHAVES DOS SANTOS possui graduação em Letras Estrangeiras Modernas - Inglês pela UFPB (1999) Francês pela UFCG (2004) e mestrado em Letras pela UFPB (2006). Também tem formação linguística em alemão e espanhol pela UFCG (2005). Atualmente é professor assistente padrão II na Unidade Acadêmica de Letras - UAL na UFCG. Tem experiência na área de Letras com ênfase em linguística aplicada, atuando principalmente nos seguintes temas: novas tecnologias no processo ensino-aprendizagem de língua estrangeira sob uma perspectiva sociocultural; e o papel da língua materna no processo ensino-aprendizagem de língua estrangeira. É doutorando do Projeto Dinter em Estudos da Tradução UFSC/UFPB/UFCG, pesquisando sobre as implicações pedagógicas da tradução automática na aula de língua inglesa instrumental. ([email protected]) DANIEL ALVES é mestre em linguística aplicada pela Universidade Federal de Minas Gerais, Doutorando em Estudos da Tradução do programa de Estudos da Tradução (PGET/UFSC) e professor do curso de Bacharelado em Tradução da Universidade Federal da Paraíba. ([email protected]) FRANCISCO FRANCIMAR DE SOUSA ALVES possui graduação em Letras – Português/Inglês pela Universidade Estadual da Paraíba/UEPB, mestrado em Letras/Inglês pela Universidade Federal da Paraíba/UFPB e é professor da área de Língua Inglesa na Universidade Federal de Campina Grande/UFCG, Campus de Cajazeiras-PB, desde julho/ 2002. É doutorando do Projeto Dinter em Estudos da Tradução UFSC/UFPB/UFCG. GARIBALDI DANTAS DE OLIVEIRA é professor na Unidade Acadêmica de Letras da Universidade Federal de Campina Grande (UFCG), onde leciona Literatura Americana e Literatura Inglesa. É doutorando do Projeto Dinter em Estudos da Tradução UFSC/UFPB/UFCG. ([email protected])

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Pesquisas em Tradução

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LAVÍNIA TEIXEIRA GOMES é professora Assistente II (DE) de Língua Francesa no curso de Letras da Universidade Federal da Paraíba (UFPB) e é doutoranda do Programa de Pós-Graduação em Estudos da Tradução (PGET) da Universidade Federal de Santa Catarina onde desenvolve sua pesquisa sobre a tradução audiovisual de gêneros não ficcionais. Possui graduação em Letras, licenciatura em vernáculo e francês pela Universidade Federal da Paraíba (2002). Obteve em 2001 o Máster I em Francês Língua Estrangeira pela Universidade de Poitiers, França, e realizou o Mestrado em "Didactologie des langues et des cultures" pela Universidade Paris III Sorbonne-Nouvelle em 2004. ([email protected]) LETÍCIA CAPORLINGUA GIESTA é doutoranda DINTER em Estudos da Tradução UFSC/UFPB/ UFCG. Possui mestrado em Letras pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (2007) e graduação em Letras Português Inglês pela Universidade Federal do Rio Grande (2000). Atualmente é Professora na Universidade Federal de Campina Grande. Atua e realiza estudos na área de Estudos da tradução; Ensino de Língua inglesa e Linguística, com ênfase em Linguística Aplicada, principalmente nos seguintes temas: aquisição da linguagem, linguagem e desenvolvimento, leitura, livros didáticos, concepções sobre o ensinar e aprender, inglês instrumental e inglês para crianças. ([email protected]) LUANA FERREIRA DE FREITAS concluiu doutorado em Teoria Literária na Universidade Federal de Santa Catarina em 2007 e pós-doutorado em Estudos da Traduação, na mesma instituição, em 2010. Atua na área de Letras, pesquisando literatura inglesa do século XVIII (sobretudo a obra de Lawrence Sterne) e Estudos da Tradução (especialmente autoria, tradução literária e estilo, literatura brasileira traduzida e literatura estrangeira traduzida no Brasil). ([email protected])

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bio-bliográficas das organizadoras e dos autores

MARCÍLIO GARCIA DE QUEIROGA possui graduação em Letras – Português/Inglês pela Universidade Federal de Campina Grande (UFCG/CFP), é mestre em Literatura e Cultura pela Universidade Federal da Paraíba – UFPB e professor da área de Língua Inglesa da Universidade Federal de Campina Grande (UFCG/₢FP). É doutorando do Projeto Dinter em Estudos da Tradução UFSC/UFPB/ UFCG, onde desenvolve pesquisa acerca da voz do tradutor na literatura infanto-juvenil. ([email protected]) MARIA LUCIA VASCONCELLOS é Professora Associada da Universidade Federal de Santa Catarina, com atuação nos Programas de Pós-Graduação em Estudos da Tradução (PGET) e Pós-Graduação em Inglês (PGI). Seus interesses de pesquisa concentram-se em : (1) Análise Textual e Tradução, dimensão explorada na interface entre Estudos da Tradução e Linguística Sistêmico-Funcional (LSF), com o apoio de meto-dologias de corpus; (ii) Mapeamentos do campo disciplinar Estudos da Tradução, inlcuindo-se aqui a gradual inserção de Tradução e Interpretação de Línguas de Sinal TILS, no cenário da pós-graduação brasileira ; (iii) Formação de tradutores. Em 2012, realizou etapa internacional de estágio pós-doutoral, junto ao Departament de Traducció y Interpretació da Universitat Autònoma de Barcelona (UAB), sob a supervisão da Profª Drª Amparo Hurtado Albir, catedrática e pesquisadora principal do Grupo de Pesquisa PACTE (grupsderecerca.uab.cat/pacte/en). A partir desse estágio, inclui-se entre seus interesses de pesquisa a Didática de Tradução com base na Abordagem por Tarefas de Tradução e na Formação baseada em Competência Tradutória. ([email protected]) MARIE HÉLÈNE CATHERINE TORRES é professora Associada da Universidade Federal de Santa Catarina onde atua na graduação em Letras Estrangeiras e no Programa de Pós-Graduação em Estudos da Tradução. Possui PósDoutorado pela Universidade de Minas Gerais (2011) e Doutorado em Estudos em Tradução - Katholieke

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Pesquisas em Tradução

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Universiteit Leuven (2001). Foi coordenadora da PósGraduação em Estudos da Tradução de 2003 a 2007 e coorde-nadora da Especialização em Formação de Professores de Tradu-ção Literária de 2008 a 2009. Coordena atualmente o Doutorado Interinstitucional (DINTER) da PGET/UFSC com a UFPB de 2010 a 2014. Tem experiência na área de Letras, com ênfase em Literatura e em Tradução, atuando principalmente nos seguintes temas: literatura nacional e literatura traduzida, teoria e história da tradução, literatura de língua francesa traduzida no Brasil e estudos em tradução. Publicou recentemente entre outros Variations sur l´étranger dans les lettres: cent ans de traductions françaises des lettres brésiliennes (2004, pela Artois Presses Université), Literatura Traduzida/Literatura Nacional (em co-autoria, pela 7Letras em2008), o Dicionário de Tradutores Literários do Brasil (em co-autoria online), Literatura e tradução : textos selecionados de José Lambert (em co-autoria, pela 7Letras em2011), Traduzir o Brasil Literário : paratexto e discurso de acompanhamento (2011). Traduziu A tradução e a letra ou o albergue do longinquo de Antoine Berman (2007). ([email protected]) MAURA REGINA DOURADO possui Mestrado (1991) e Doutorado (1999) em Língua Inglesa pela Universidade Federal de Santa Catarina. Cursou estágio pós-doutoral na Universidade de Estocolmo (2005-2007), período em que trabalhou com a transposição dos Parâmetros Curriculares Nacionais e dos Referencias Curriculares para línguas estrangeiras do estado da Paraíba para uma série didática adotada pela Secretaria de Educação do Estado da Paraíba (SEC-PB). È professora associada da UFPB, onde atua nas áreas de Estágio Super-visionado e Linguística no Departamento de Letras Estran-geiras Modernas (DLEM). É Coordenadora Operacional do Dinter em Estudos da Tradução entre a UFSC, UFPB e UFCG (2009-2014) e Coorde-nadora PIBID de Licenciatura Inglês (2014-2018). Sua área de pesquisa e produção acadê-mica envolve o processo deensino e aprendizagem de línguas estrangeiras

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bio-bliográficas das organizadoras e dos autores

em contexto escolar no ensino básico e superior, formação de professores, avaliação e elaboração de materiais didáticos, avaliação da aprendizagem, currículo, abordagens críticas de ensino de línguas, tradução de ensi-namentos sagrados e terminologia na área da espiritua-lidade. ([email protected]) PABLO DANIEL ANDRADA é escritor e tradutor argentino que leciona língua espanhola na UFPB – Universidade Federal da Paraíba. Exerceu as atividades de músico, pintor e jornalista, cursou letras e se dedicou ao ensino e pesquisa de literatura e teoria literária. Como pesquisador começou na UFPA de Belém do Pará, mas logo fez mestrado no Rio, na UFF, com pesquisa na área de literatura hispanoamericana. Começou o doutorado em Literatura Comparada, mas mudou para a área de Estudos da Tradução na UFSC. Sua pesquisa atual, focalizada na poesia de Augusto dos Anjos, procura aproximar a prosódia da estética, tentando dar conta dos laços que existem com a essência da metáfora. ([email protected]) SINARA DE OLIVEIRA BRANCO é Mestre (2000) e Doutora (2007) pelo Programa de Pós-Graduação em Inglês (PGI) da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Professora e pesquisadora do Curso de Letras da Univer-sidade Federal de Campina Grande (UFCG) com pesquisa na área de Estudos da Tradução. Coordenadora da área de Língua Inglesa da Unidade Acadêmica de Letras e Coorde-nadora do Laboratório de Pesquisa do Programa de Pós-Graduação em Linguagem e Ensino (POSLE). Membro do Núcleo Docente Estruturante (NDE) do Curso de Letras-Inglês da UFCG. Orientadora de Monografia, PIBIC, Mestra-do e Doutorado. Líder do Grupo de Pesquisa cadas-trado no Diretório de Grupos de Pesquisa do CNPq Tradução: Teoria, Prática e Formação do Professor. Membro do Corpo Editorial das Revistas Ariús, Leia Escola, Fólio, Littera e Ciência e Saúde. Pesquisadora com produção bibliográfica e participação em eventos nacionais e internacionais. Tradutora

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Pesquisas em Tradução

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técnica de textos acadêmicos (inglês/português e português/inglês) nas áreas de saúde e tecnologia. ([email protected]) WALTER CARLOS COSTA estudou filologia românica ena Katholieke Universiteit Leuven, Bélgica. Realizou doutorado sobre as traduções de Jorge Luis Borges para o inglês pela University of Birmingham, Reino Unido, e pós-doutorado pela UFMG. É professor do Departamento de Língua e Literatura Estrangeiras da Universidade Federal de Santa Catarina, pesquisando literatura hispano-americana (sobretudo a obra de Jorge Luis Borges), literatura comparada, estudos da tradução (especialmente a conexão entre literatura traduzida e literatura nacional) e literatura fantástica francesa. Atualmente está em colaboração técnica no Departamento de Letras Estrangeiras da Universidade Federal do Ceará. ([email protected])

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bio-bliográficas das organizadoras e dos autores

Pesquisas em Tradução

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bio-bliográficas das organizadoras e dos autores

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