Coletividade e Tecnologia: um estudo sobre questões de acesso e uso dos espaços da cidade

May 28, 2017 | Autor: Dani Barbosa | Categoria: Urban Design
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Descrição do Produto

PPG DESIGN UnB

volume 2, n. 1, 2015

revista de Design, tecnologia e sociedade edição especial 1º seminário de pesquisa em design, tecnologia e sociedade

revista de Design, tecnologia e sociedade volume 2, número 1, 2015

revista de Design, tecnologia e sociedade volume 2, número 1, 2015

Programa de Pós-Graduação em Design Universidade de Brasília Brasília

ISSN: 2358-­9582

Universidade de Brasília

Revista de Design, Tecnologia e Sociedade

Vice-Reitora Sônia Nair Báo

Editor Virgínia Tiradentes Souto

Reitor Ivan Marques de Toledo Camargo

Decano de Pesquisa e Pós-Graduação Jaime Martins de Santana Instituto de Artes

Diretor Ricardo José Dourado Freire Vice-diretor Marcus Santos Mota

Departamento de Desenho Industrial Chefe Rogério José Camara

Sub-chefe Nayara Moreno de Siqueira Programa de Pós-Graduação em Design Coordenadora Virgínia Tiradentes Souto

Vice-Coordenadora Fátima Aparecida dos Santos

Programa de Pós-Graduação da Universidade de Brasília - PPG Design UnB

Comitê editorial Daniela Fávaro Garrossini, Fátima Aparecida dos Santos, Rogério Camara, Virgínia Tiradentes Souto Conselho Editorial Dianne Magalhães Viana, Itiro Iida, Luiz Fernando Las-Casas, Marisa Cobbe Maass, Ricardo Ramos Fragelli, Shirley Gomes Queiroz Projeto Gráfico, Capa e Diagramação Anderson Lopes de Moraes e Virgínia Tiradentes Imagem da Capa Figura 12 do capítulo Design for vunerable community, Júdice et al., página 31

Contato Programa de Pós-Graduação em Design Universidade de Brasília, Instituto de Artes, Departamento de Desenho Industrial Campus Universitário Darcy Ribeiro, Instituto Central de Ciências, Ala Norte, Módulo 18, Asa Norte, Brasilia, 70910-900 http://www.design.unb.br [email protected] Revista de Design, Tecnologia e Sociedade v. 2, n. 1, 2015, Brasília: Programa de Pós-Graduação em Design da Universidade de Brasília, 2015. 119 p. Semestral ISSN: 2358-­9582

Sumário Apresentação

Fátima Aparecida dos Santos. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 9

Design for vunerable community: the oppressed point of view

Andrea Judice, Marcelo Judice, Ilpo Koskinen. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 13

Coletividade e Tecnologia: um estudo sobre questões de acesso e uso dos espaços da cidade

Daniela Pereira Barbosa e Marisa Cobbe Maass. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 39

Características Qualitativas, Quantitativas e Quali-quantitativas de Abordagens Científicas: estudos de caso na subárea do Design Ergonômico

Luis Carlos Paschoarelli, Fausto Orsi Medola, Gabriel Henrique Cruz Bonfim. . . . . . . .65

Cultura Material: Mobiliário Brasileiro - cadeira de macarrão, produção marginal

Silvia Karla de Oliveira Saraiva, Marisa Coobe Maass. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 79

Desafios do design experiencial

Luciane Maria Fadel . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 91

Organizando big data gerado colaborativamente – um estudo de caso do Infográfico do tipo Linha do tempo do Marco Civil da Internet

Adriana Veloso Meireles, Rogério José Camara, Virgínia Tiradentes Souto . . . . . . . . 105

Apresentação

Fátima Aparecida dos Santos

Apresentamos aos pesquisadores e leitores da área de Design e áreas correlatas o

segundo número da publicação Revista de Design, Tecnologia e Sociedade. Este número congrega os textos de alguns dos pesquisadores que participaram do I Seminário de

Pesquisa em Design, Tecnologia e Sociedade realizado na UnB em dezembro de 2014.

Os textos elencados para comporem este volume reúnem a experiência de pesquisadores como o professor Luís Carlos Paschoarelli e seu grupo de pesquisa em Ergonomia

sediados na Unesp-Bauru, a professora Luciane Maria Fadel da UFSC, a pesquisadora

Andrea Castelo Branco e Marcelo Judice egressos do doutorado da Aalto University sob

orientação do professor Ilpo Koskinen, bem como, o resultado parcial de algumas pesquisas de mestrado em curso no Programa de Pós-Graduação em Design da UnB.

A pesquisa em Design quebra paradigmas a medida em que consegue construir

conhecimentos tanto específicos quanto em correlação com outras áreas do saber. Neste

número a Revista de Design, Tecnologia e Sociedade procura tangenciar as investigações em Design com abordagens de pesquisa que dialogam com áreas como a saúde pública, ergonomia, análise de dados, cidade e tecnologia.

No artigo artigo Design for Vunerable community: the Oppressed point of view propõe-se importante papel do design em uma atuação multidisciplinar dentro da Comunidade Vila

do Rosário, no Rio de Janeiro. Os investigadores co-desenvolveram, junto à comunidade,

ferramentas simples por meio das quais hábitos poderiam ser modificados. A comunidade tinha elevado número de casos de tuberculose e, por meio de uma estratégia de

aproximação, desenvolveu-se mecanismos de pertencimento, expressão e empoderamento da população local que fizeram com que os mesmos tornassem participantes efetivos das políticas de saúde para erradicação da tuberculose. A investigação mostra como o design

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Fátima Aparecida dos Santos . Apresentação

inserido dentro de ações multidisciplinares pode efetivamente melhorar a qualidade de vida de população em situação de vulnerabilidade.

A abordagem das relações tecnológicas também ocorre no artigo Coletividade e Tecnologia: um estudo sobre questões de acesso e uso dos espaços da cidade. O texto escrito por Daniela Pereira Barbosa, sob orientação de Marisa Mass, constrói a partir de índices do coletivo no espaço digital uma importante análise dos modos de pertencimento e

democratização do espaço urbano na cidade de Brasília e, propõe ainda uma análise

reversa que revela que os espaços de exclusão nos espaços digitais ocorrem em mesmo número que no espaço físico.

Os professores Luís Carlos Pascoarelli e Fausto Orsi Medola e o discente Gabriel Henrique Cruz Bonfim trazem uma reflexão acerca do Design, da Ergonomia, dos métodos de

pesquisa, da fricção entre pesquisas qualitativas e quantitativas e da importância de ambas

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para a construção de conhecimento em design. Apresentam as contribuições das pesquisas realizadas na Unesp-Bauru, PPG Design, para a subárea do Design Ergonômico.

Já a discente Silvia Karla de Oliveira Saraiva sob orientação da professora Marisa Mass apresenta um texto sensível sobre os trânsitos realizados por artefatos materiais na

dinâmica da cultura. A pesquisadora aborda o uso da “Cadeira de Macarrão” como móvel popular presente nas casas brasileiras especificamente como mobiliário das varandas do

norte e nordeste do país. Ela busca por índices sobre as origens do costume, a apropriação do material e técnica do design funcionalista e a migração dos materiais e desenho da cadeira até o uso atual.

A usabilidade, considerando a experiência do usuário ou a UX é abordada em dois dos

artigos apresentados neste número: Desafios do design experiencial autoria de Luciane Fadel e; Organizando big data gerado colaborativamente – um estudo de caso do

Infográfico do tipo Linha do tempo do Marco Civil da Internet autoria de Adriana Meireles, Rogério Camara e Virgínia Souto. Fadel aborda o tema tomando como ponto de partida a Experiência do Usuário, considerando interface, emoção, acúmulo de informações

e adaptações cognitivas necessárias para a apreensão da informação em um mundo

medido em terabytes. Já a discente Adriana Meireles e os professores Rogério Câmara e Virgínia Souto abordam o tema tendo como ponto de partida o Marco Civil da Internet. A

visualização de dados, a condição de informação disposta em interface, a construção de infografia são ponto de partida para o experimento relatado no artigo apresentado.

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Fátima Aparecida dos Santos . Apresentação

Os seis artigos são uma amostra da diversidade de temas abordadas no I Seminário

de Pesquisa em Design, Tecnologia e Sociedade ocorrido na Universidade de Brasília

em Dezembro de 2014. Sabe-se que a pesquisa em Design no mundo são recentes e

o primeiro doutorado nesta área no Brasil ainda não completou a sua primeira década.

Por outro lado os pesquisadores em design já compreenderam a importância do diálogo com outras áreas do conhecimento e perceberam o modo como elas potencializam as investigações apresentadas nesta revista.

Como sintetizador e organizador da cultura material, o design e seus processos conferem forma ao cotidiano e as pesquisas em design permitem entender não apenas essas formas mas as relações traçadas por elas com os hábitos humanos, com as novas

interfaces, com as relações entre as novas tecnologias de interfaces e comunicação e,

o dia a dia dos usuários. Assim, as pesquisas hora apresentadas abordam parte dessas dinâmicas procurando na diversidade dos temas apresentados apreender diferentes pesquisas e seus resultados.

Espera-se que este segundo número da Revista seja a semente do terceiro, quarto, quinto e contínuos números nos quais a premissa maior será a divulgação de conhecimento.

Espera-se igualmente que este veículo seja sempre um espaço democrático de divulgação dos conhecimentos em design.

Essa temática desdobra-se em duas linhas de pesquisa: Design, Cultura e Sociedade; e

Design, Informação e Inovação. Elas procuram investigar as áreas de comunicação visual, design educacional, design de mídias digitais, design de interação, design de serviços,

produção e gestão da informação, tecnologias da informação e da comunicação. Dessa forma, realizam análises e propostas sobre as dimensões estético, simbólica, poética e

socioculturais do projeto de design, voltadas especialmente para os problemas da região centro-oeste.

Desse modo, este periódico inicia a publicação dos estudos e debates sobre as temáticas

acima. Com a colaboração e a dedicação de todos, espera constituir-se em um veículo ativo e participativo para divulgar e fertilizar as pesquisas sobre design, particularmente na região centro-oeste, contribuindo para o avanço e modernização da economia e das sociedades regional e nacional.

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Design for vunerable community: the oppressed point of view Andrea Judice, Marcelo Judice, Ilpo Koskinen

This paper described the path of Vila Rosario project that had its roots in empathic design, but

finally built on Paulo Freire’s Pedagogy of the Oppressed. The study was conducted in 2005-2008 in Vila Rosario about 20 km north of downtown Rio de Janeiro. It focused on the prevention and

treatment of tuberculosis. The paper describes our design approach, process, drivers, many design outcomes, and our tests. It ends with a discussion of the implications of our approach to design. Keywords: Empathic Design; Design for Wellbeing; Constructive Design

Vila Rosario

This paper described the path of Vila Rosario project that had its roots in empathic design,

but finally built on Paulo Freire’s Pedagogy of the Oppressed to reflect its Brazilian roots. Its

subtext is how research provided evidence that pushed the designers away from the original brief’s high-tech focus to develop a series of low-tech designs.

The study was conducted in 2005-2008 in Vila Rosario about 20 km north of downtown Rio de Janeiro, and was done by two Brazilian designers, who worked with local doctors and health agents (more about this term later). The aim of the project was to help these front

line health care workers to combat tuberculosis, which was a main killer in the community.

Over the course of the project, the designers researched the main ways of contagion in the

community, created designs health members of the local community could use to teach how TB is contracted and how it can be treated, tested these designs, and finally implemented with using a mesh of traditional and new technologies. According to the original brief, the

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Andrea Judice, Marcelo Judice, Ilpo Koskinen . Design for vunerable community

study was to develop hi-tech solutions to social problems, but at the end, the project put stress on traditional technologies.

Vila Rosario is the name the Society of Fine Chemistry to Fight Against Tropical Diseases

(QTROP) gave to designate an area larger than only Vila Rosario’s neighborhood. They call the area “The Great Vila Rosario.” It is situated between the rivers Sarapui and Iguaçu, and

it is connected to the Rio de Janeiro downtown area to Guapimirim and west with the Belford Roxo Municipality by railroad (Costa-Neto 2002). Administratively the area is located in the second district of the city of Duque de Caxias (region of Gramacho).

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Figure 1. From the front of Instituto Vila Rosario. Health Agents are on the left side on the sidewalk.

Figure 2. Some of the wetlands in Vila Rosario. Lush growh benefit from heat and nutrition-rich water.

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Andrea Judice, Marcelo Judice, Ilpo Koskinen . Design for vunerable community

Vila Rosario is in the middle of a tuberculosis epidemic. Government statistics show an

alarming incidence of tuberculosis of 103 cases per 100.000 inhabitants. Vila Rosario has

the same problems as many other rural communities: no access to economic opportunities,

and little access to basic utilities and services such as running and clean water, high-quality public education, and health care (Costa-Neto 2003).

The project Vila Rosario built on empathic design (cf. Mattelmaki et al. 2014), which gave it is basic worldview of people as meaning making creatures who author their own lives

(see Battarbee 2004), and methodic tools for empathizing with people in the community (Koskinen et al. 2003). However, the project soon faced the limits of empathic design. It

had historically focused on understanding emotional user experience of ICTs, while in Vila

Rosario, the main sources of health problems were social, including illiteracy, poverty, and lacking infrastructure.

To go beyond from empathic design, Vila Rosario picked up its main cue from Pelle Ehn’s

early work in participatory design (Ehn 1988: 9). He mentions in an important footnote that early participatory design was inspired by Paulo Freire’s participatory critical pedagogy

(Freire 2005). For us, Freire gave a design process that situated our research efforts into the community and helped to integrate local and scientific knowledge. He also gave us a stepwise process to work with community response to tuberculosis.

Design for the oppressed

Paulo Freire’s pegagogy gave a process and a tried method for Brazil (see also Couto and Ribeiro 2002; Cunha 2005). Following Freire, we had to start with what people from the

community already know about their own village. This was the precondition of finding ways to conscientização (conscientization), a process of making people better aware of their reality to change it to take their own humanity into account:

The oppressed, a pedagogy which must be forged with, not for, the oppressed

(whether individuals or peoples) in the incessant struggle to regain their humanity. This pedagogy makes oppression and its causes objects of reflection by the

oppressed, and from that reflection will come their necessary engagement in the struggle for their liberation. And in the struggle this pedagogy will be made and remade. (Freire 2005: 48)

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If a designer is willing to learn from the community, he may become a co-investigator who can deepen the community’s self-knowledge. The tool for this is a project that instigates curiosity and it helps the community to discover new ways of thinking about their “thematic universe.” This, in turn, is a precondition to engagement and commitment to change.

Following Freire’s democratic philosophy, it is important to share the dialogue and to share the world with others. Fundamentally, design for the oppressed helps people to know their

reality by sharing their life histories, their knowledge, and their understanding of their ways of interpreting reality. Designer should also let the community to change her own values, ideas, attitudes, and behaviours by introducing her to the families, social groups, schools and other groups who maintain the realities that shape the community.

Ultimately, a successful project helps both parties to see their lives in different ways and to think and talk about issues that they previously would not thought or talk about.

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The instrument to change is dialogue. A genuine dialogue begins when the researcher

asks herself what she will do in that community. It starts when she begins to read about

the community. It prepares the community to research. It also prepares the researcher to

encounter the community. Finally, it prepares both parties to understand others’ premises: The pedagogy of the oppressed, as a humanist and libertarian pedagogy, has two distinct stages. In the first, the oppressed unveil the world of oppression and through the praxis commit themselves to its transformation. In the second stage, in which the reality of

oppression has already been transformed, this pedagogy ceases to belong to the oppressed and becomes a pedagogy of all people in the process of permanent liberation. In both stages, it is always through action in depth that the culture of domination is culturally

confronted. In the first stage this confrontation occurs through the change in the way the oppressed perceive the world of oppression; in the second stage, through the expulsion of the myths created and developed in the old order, which like specters haunt the new structure emerging from the revolutionary transformation. (Freire 2005: 54-55)

This approach puts the focus on the community’s self-understanding, but also situates it

to expert knowledge. He also taught us to be wary of treating ourselves as experts in our

interactions with an underdeveloped community. Here he is well in line with our inspirations in empathic and participatory design, but he also gave an ethic of respect. Rather than

teaching it better ways, this ethic told us to find ways to add quality and mutual respect to our interactions with our invisible community.

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Our approach remained indifferent voices that urge us to create agonistic designs to initiate

conscientização (see for example Markussen 2011; DiSalvo 2012). Our approach was more akin to community organizing and Brazilian social design (Couto and Ribeiro 2002: Cunha 2005) and some streams of participatory art (see Koskinen 2014). 1. Search and analyse secondary data

2. Go to the community, recruit locals to assist in design, and get immersed in data 3. Identify themes key to understanding the community and its problems

4. Iterate and return to the community until the understanding is robust enough to be accepted by the community

5. Create didactic materials with instructions and study these with the local community Table 1. Design for Hope, inspired by Paulo Freire

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Making sense of Vila Rosario

The first steps of Freirean pedagogy aim at making the resarchers wary of imposing their own visions on people studied. They need to familiarize themselves with the community

being studied and make sure their understanding is robust enough to form working base for designs to come.

ASPAS and IVR

First we did desk research and conducted a literature review. We also benchmarked Web

sites for health care and for Brazilian content. In addition, we red Dr. Costa-Neto’s studies

about Vila Rosario and consulted doctors to learn about tropical diseases (Costa-Neto 2002, 2003, 2004).

ASPAS is an ambulatory supported by the Catholic Church, that brings some relief to Vila Rosário (Figure 3.9). ASPAS allowed Instituto Vila Rosário (IVR) to use its facilities until

2008. Our main informants Drs. Castello-Branco and Costa-Neto told us about the history of the institute (also Costa-Neto 2004):

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In 2004, they had a meeting at QTROP (a Chemistry Society for fighting Tropical Diseases) where 31 participants from QTROP and from Vila Rosario took part. Together, based on some criteria and diagnosis, they did a list of 20 potentials activities to be chosen by people from the community to be approached in the

workshops. After this step, they submitted the list to community members. The

majority of the interviewees wanted to be enrolled in the courses related to sew, embroidery, and related courses (all females), herbalism, mosaic, wood and

ceramics. They started the program based on the community feedback. On the first day, there was an embroidery, sewing and textile workshop. From the 72 women enrolled, just one came to the course, and she came with her child (Field note).

The process of inhabitants being committed to a project like this is very slow process. In their opinion this situation is comprehensible, as a process like this requires new habits.

Inhabitants often are not ready for changes. But when they see their neighbours, taking part

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on the courses, afterwards earning money, and as consequence, changing their habits and improving their lives, they start to get involved in the projects.

Field studies in Instituto Vila Rosario

After desk research, we used several techniques familiar from empathic design (Koskinen et al. 2003; Mattelmaki 2006). First we created a series of cultural probes that were

administered by our friend who assisted us at this stage of research (see A. Judice 2014;

M. Judice 2014). Following Mattelmaki’s example (2006), we wanted to check whether our interpretations of the probes were correct. In contrast to her interview-based studies, our check was ethnographic fieldwork. This fieldwork consisted of a three month stay in the

village, during which time we got familiar with ASPAS and IVR, health agents and some villagers.

The health agents work to Instituto Vila Rosario, but Ataulfo de Paiva Fundation – FAP pays them. The FAP was established in 1900 with the name “Brazilian League against

tuberculosis”, and until today, it is consider by the International Union Against Tuberculosis and Lung Disease as the representative Institution of Brazil. It means that FAP is the Institution that represents Brazil abroad when the subject is tuberculosis. FAP is a

foundation with no commercial interests, so the money that the foundation collects is used for works like this intervention in Vila Rosario, or for technological improvement.

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Figure 3. ASPAS

Figure 4. Health Agents in 2008

With the FAP grant, IVR hired a group of Health Agents, women recruited from local

population. Their job was to be the foot soldiers of the campaign against tuberculosis. They

did home visits to search new cases of tuberculosis, to guide in treatment, and to make sure

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people go through the entire treatment. Health Agents came from several backgrounds, were of many ages, and had education ranging from elementary school to university

degrees. What was common to everyone was that they knew Vila Rosario and its people, and were willing to help in making it better.

There are several workflows in the Health Agent’s daily activities, including house-to-house screening process. The main steps described ahead shows a specific search for ill person, called at IVR as “active search”. These are some main steps of their work:

- Identification. First the Health Agents identify the necessity to visit a person that has symptoms of tropical diseases or are already ill. Identification can occur through a

neighbour, a friend or someone from the family, who can inform to a health agent. Also the information can reach the VRI through gossip, or the ill person may asks for help.

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- Mapping. Next Health Agents identify where the patient lives, then they mark the location on the map. These procedures help to identify who is the Health Agent in charge of the

area, and also, help to draw the boundaries of the spread of the disease. In this moment the exposure is just a hypothesis, so they will do this procedure again after talk to the patient face-to-face.

- House visit. They go to the house of the ill person. They can go in the same day they reach the information, or they can book another time. Once they have success in

speaking to the patient, they introduce themselves and explain their work. If they cannot reach her, they try to contact him again.

- Examination. Then they talk with the person and they try to make a diagnostic of the situation (not only of the disease but about all situation – house conditions, hygiene, nutrition, and so forth). They talk and observe the inhabitants habits – nutrition, job, sustenance, conditions of the house, kind of clothes, etc.

- Initial diagosis. They to identify what kind of illness affects the person and explain to the patient family and close friends the situation. At this moment they use some material to support their work, for example, booklets about illness.

- Cure. They explain the procedures that the patient must adopt before the appointment. They also ask if the ill person has any doubts, stress the importance of the treatment

and guide the patient to the treatment. They agree with the patient if they, as community

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health agents, will make the follow-up of the treatment. If the patient requires they will monitor the treatment to be sure that the patient and the family are doing everything

correctly, and to not stop the treatment too early, which is a real a problem especially in tuberculosis case. The Health agents usually follow the patient until discharge. Some cases the follow up even after discharge.

- Medical records. They fill the VRI form by handwriting to fill the database with patient’s personal data, but also add environmental, nutritional and other data.

- Entering research data. They mark in the map which illnesses had been found in the house. This is not a standard procedure, but it helps in mapping the spread and the contagion pattern of the diseases.

Two particularly interesting points stressed by the community health agents were: the

support materials they are using now are not appropriate to their work. The material has

drawings that are not connected to the community context and the content need to be more

connected also to their work. The other point was that they have difficulties to explain all the work they do to the community’s members. Sometimes, because people do not know what the community health agents do, they do not even open the door.

Projective techniques in field work

Specifically, we studied information technology and the workings of IVR. When conducting

these studies, we also used two projective techniques with health agents to learn what they were dreaming about, Magic Things (Iacucci et al. 2000) and Good Fairies, the latter being our own invention (see Table 2). These techniques revealed us the power of media over

local imagination. Especially characters and plots from telenovelas. This became a leading theme in our design program.

After many workshops, inquiries, observations, and other contacts, Health Agents started

to get used to our presence. As they were comfortable enough with us, we decided to ask them to try a new experience. We asked them to imagine a Good Fairy, and asked them

how the Fairy could help them in their work. When they were telling what they would wish from the Fairy, we also asked them to explain how they think the Fairy could help. Table 2. How would a Good Fairy help Health Agents

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Expert workshops

As Freire adamantly notes, researchers need to build their view of the community not only

on local visions, but also on expert opinion. In analyzing our data, we therefore conducted a

series of workshops with Brazilian experts to make sure we had access to a broader context than Vila Rosario alone (Figure 5).

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Figure 5. Analysing data in Brazil with psychologists, designers and doctors

Design drivers

Based on our studies, we developed two sets of drivers to give structure to our design program. The first set focused on content, the second on form.

Thematic universe as a design driver

Analysis in Freire’s pedagogy starts from identifying and describing the thematic universe of

people being taught. From our analysis, we selected five themes we wanted to address with our designs. These themes are explained in more detail in A. Judice (2014).

Diagnosis. Health Agents were not trained as medical professionals, and needed help in

preliminary diagnosis of illnesses. Many diseases have ambiguous symptoms, which only

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an experienced doctor can read. Seeing that a child has diarrhea is one thing; being sure

he has tuberculosis in its early stages is much more difficult. Health Agents needed help in recognizing symptoms and writing them down for doctors.

Communication between health agents and doctors. As the first theme suggests, the second theme was communication with doctors. This, we thought, should happen at two levels. First, Health Agents should be able to function as the doctors’ eyes, ears and hands in

more distant corners of Vila Rosario; to do this, they needed tools to work with patients and communicate their observations and actions to doctors. Second, often when the doctors

were not in the ambulatory, they still needed to be contacted. For this communication, we built a Web site.

Persuade patients to pay attention to the symptoms of disease and to take medication. The third theme we decided to address was more didactic. Health Agents needed material they could use to teach the inhabitants about the symptoms of diseases like tuberculosis, and

to take these symptoms seriously. When they had been diagnozed, Health Agents needed

material to show that the patient needs to go through the whole cure. In particular, this is the case with tuberculosis. Medication helps with the worst symptoms in two weeks, and many

patients stop taking the drugs after this period. The full course, however, takes months, and is needed first to cure the disease and second to make sure the disease does not develop resistance to antibiotics.

Hygiene. The fourth theme went beyond medical issues to their sources. There was a need to improve the inhabitants’ understanding about the importance of hygiene. Bad hygiene is the root cause of many illnesses, and Health Agents needed material that could show

how deficient hygiene breeds illnesses through things like dirty kitchen knives, dirty water, unwashed hands, and lice.

Nutrition. The final theme we addressed was nutrition. Like in many poor neighborhoods,

people in Vila Rosario ate lots of high-energy foods that were barely nutritious. In short term, this affected immune systems and led to weaker resistance to many common diseases. The longer-term consequences, however, were more serious. If malnutrition continues for long

enough, it leads to developmental disorders; in particular the brains of children may remain underdeveloped, which can be seen in later years in cognitive deficiencies and poverty.

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Form drivers

In addition, our fieldwork taught that all our designs had to be

- Low-tech: Vila Rosario was poor and not even electricity was a certainty; - Easy to reproduce: designs should be easy to reproduce;

- Have little monetary value: installing things like Web kiosks would have been stolen: our designs had to be cheal;

- Colloquial: designs had to speak the language of the community (see Ehn 1988).

Design program 24

Our design program was built to satisfy these two sets of conditions. Topically, it focused on

tuberculosis, its contagion mechamisms, and its relationship to hygiene, and nutrition. It also set the disease into the health care context, showing people how to contact health agents and how to work with them in order to cure the bacteria. Technically, our observations led

us to build low-tech and cheap graphic designs using local elements, and play down hi-tech solutions that assumed the existence of a highly developed electronic infrastructure.

Table 3 describes our design program. At the heart of the program was the etiology and

treatment of tuberculosis and the community organization that aimed at improving the living conditions of the local population. The table shows our eight designs and their relationship

to different aspects of the thematic universe. It also provides a breakdown of the designs by their intended audience, and shows how they relate to our form drivers. The visual identity program was an extra; by providing a clear visual identity to IVR, we aimed at giving the program visibility in the community.

Fictional vila rosario

The fourth step in Freire told us to develop our designs together with people we worked with using language they understand. In our field studies, we had seen how powerful things like telenovelas and comics are in giving shape to local gossip and imagination.

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We took our cue again from Ehn (1988), who had borrowed Ludwig Wittgenstein’s notions of language games to justify using experience-near design tools instead of abstractions

from universities (Ehn 1988; Ehn and Kyng 1992). The first step in our work was creating a design library filled with graphic characters from Vila Rosario. Figure 6 illustrates some characters of the library.

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Figure 6. Some characters from fictional Vila Rosario: doctor, local young man, health agent

Designs for healt agents

Most of our graphic designs were aimed at improving quality in interactions between healt agents and their patients. We created posters and tuberculosis booklets in the form of

comics. We also created them research tools that could help them to map the disease

better for epidemiological purposes. These designs were meant to help in diagnosis, in

communicating about the treatments, and in persuading patients to take the medication as prescribed. They also described the ways in which the disease spreads and its early

symptoms. Figures 7-8 are examples of these posters, all using our fictional Rosariense as characters.

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DESIGNS

Diagnosis

THEMES

Communication

Persuasion

Hygiene

Nutrition

Health Agents

AUDIENCES

Doctors

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Other specialists

Low-tech BookWorklets Posters Games shops

High-tech Visual identity Educational Design Health Portal movies management agents’ kit

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Senior citizens

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Teenagers

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Adults

Children

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Table 3. The structure of the design program

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Figures 7-8. One of the tuberculosis posters; a poster teaching children hygienic habits; a poster teaching the proper treatment of garbage

The format of the booklets came from an observation telling that children enjoyed comics,

but patents seldom had money to buy them to them. With the format, we were also able to

communicate causalities in the disease process. Figure 9 shows a comic that taught people about the most typical symptoms of tuberculosis, and about the treatment process. The

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message was hopeful though demanding: there is a cure, but to get well, the medicine has to be taken until the disease agent has left the body completely.

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Figure 9. From a comic teaching about the symptoms of tuberculosis

Behavioral designs

Two types of designs were behavioral and meant to be put to use by the community rather than by the health agents. These designs were games aimed at children and workshops aimed at young mothers, who were key characters in teaching children to stay in good health.

An example of a game is Lazy Man, which was a card game meant to break down the fear

of authorities of various kinds (see Table 4). The game could be played from three up to six

players. The dealer deal all of the cards to the players. Some players may have more cards than others. Players look at their cards and discard any pairs they have, face up. At the

moment of discarding pairs, the player should describe the profession and why is it good for the community. If he fails to describe the profession, he/she will receive the Lazy Man card. Game scenario. Beginning with the dealer, each player takes turns offering his hand

facedown to the person on his left. That person selects a card and adds it to his or her hand. This player then sees if the selected card makes a pair with their original cards. If so, the

pair is discarded face up as well. The player who just took a card then offers his or her hand

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to the person to their left and so on. A player is allowed to shuffle his hand before offering it to the player on his left. In some variants, all players discard after the dealer has drawn.

The objective of the game was to take cards while discarding pairs until one is left with no cards. The player left with the Lazy Man (that has no matching card) loses the game. Açogueiro / Butcher

Gari / Dustman

Artesão / Artisan

Pedreiro / Bricklayer

Agente de Saúde / Health Agent Bombeiro / Fire fighter

Médico / Doctor (physician) Policial / Police officer

Carteiro / Milkman

Professora / Teacher

Enfermeira / Nurse

Verdureiro / Greengrocer

Table 4. Occupations in Lazy Man game

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To address the most important activity in nutrition, cooking, we developed a series of

workshops for the local community. These workshops took place in the ambulatory (Table 5). How to buy products and read labels

How to have your own garden

How to organize the kitchen

This workshop was based on the following observation that came from the doctors, nutritionist and Health Agents alike. When locals get extra money, women tend to buy pleasurable food stuffs high in calories but low in nutrition. To combat this habit, this workshop taught them to read labels in packages, and took them to groceries to learn to shop better. It also taught domestic budgeting and accounting.

Another observation was that as anywhere, Brazilian food culture had become industrial over the last three decades, and few people knew how to grow their own greens even though some parts of Vila Rosario is fertile and climate warm. Since the household budgets tend to be inadequate, this workshop instructed mothers to grow fruits, vegetables, and herbs (both medicinal, aromatic and culinary). They did not need to have a huge space to the kitchen garden, as they could have vertical gardens made of recycled plastic bottles that can be used to make beautiful vertical vegetable and herbs gardens. These gardens could be placed indoors where they served as decorative elements. Most families do not have the necessary utensils for preparing and eating meals, which was above all a hygiene risk. One workshop taught how to develop these out of recycled materials. For instance, the workshop taught them to make separate cutting boards for meats, poultry and vegetables.

Table 5. Workshop program built for IVR

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Health care web portal and identity program for IVR

Finally, we built a Web portal for health agents and doctors. The portal addressed one of the main problems health agents faced, communication with doctors working in the city. Health agents often faced difficulties in diagnosis and in interpreting the often very ambiguous

signals of the treatment, and needed for this reason expert advice. The doctors, however, were able to spend only a limited amount of hours in the ambulatory. Another problem it addressed was inputting the research data for evaluation and medical research.

The identity program we created for IVR gave it a unified, easily recognizable face built from local colors and flowers. With this design, we wanted to make sure people would recognize

health agents and treat them seriously as a source of relief. The program consisted of a logo

and typeface applied to the Web site (see any of the designs), all graphic designs, as well as a “uniform” for health agents, consisting of a hat, a vest, t-shirt, bag, and some accessories (for t-shirts, see Figure 4).

29

Testing the design program

When designing for people whose world is as different from the designers as Vila Rosario,

we wanted to test our designs carefully with a four-part program to make sure they are free of errors, of professional quality, and understandable down to detail. The testing program consisted of four activities.

Tests in vila rosario

A batch of tests was done in Vila Rosario with Health Agents and some of their patients.

Figure 10 is from one test. We organized tests for characters, posters, tuberculosis booklets, nutritional questionnaire, health agents’ uniform, and Vila Rosario Institute’s logo.

Some designs received negative feedback and were dropped from our design program. For example, we dropped a clownish mascot character from our program when we learned that he resembled a local character.

Most of our designs were intelligible to Health Agents. For example, the Health Agent Deolinda wrote:

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His appearance is very similar to Dr Claudio Costa Neto. He transmits a desire to transform Vila Rosario. He wants to develop our community and make it better. He transfers lots of energy to all of us.

Some designs were refined. For instance, one of our posters (Figure 11) was about the

importance of hygiene and of keeping the hands clean. The tests indicated that the poster is clear: it shows the bacteria and germs and how they get into the hands, tells people to keep

their hands clean, and that need soap for proper washing. This poster also reached not only children, but also adults. However, we learned about problems in typography and changed the letters T and P to be more legible.

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Figure 11. Example of a test of a hygiene poster

Expert tests

Next we tested our designs with specialists in tropical diseases for their medical and scientific accuracy. (Figure 12).

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Figure 12. Testing the designs with doctors

Testing cultural assumptions in windhoek, namibia

The third batch put cultural assumptions to test. The drawback of our reliance of the notion of form of life was that our designs built on Vila Rosario. For this reason, we wanted to test our designs and process in another culture. When we heard about a 2008 workshop in

Windhoek, Namibia, we joined it to study how much cultural specificity we had built into our designs (see Miettinen 2007).

We learned that our program as such is robust and works in Namibia, but the symbols

need local adaptation. We co-designed our most obviously Brazilian icons and symbols

with Namibian designers and nurses. Another thing that needed local adaptation was the disease. The main problem in Namibia was HI, not TB. The thematic universe of poverty, hygiene and nutrition, however, did not change. (Figure 13).

Figures 10 and 13: Figure 10. Participants filling the tests, Figure 13. Tests in Namibia

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Streamlining and transferability

Few designers have the luxury of spending more than a year in fieldwork. We had to

streamline our process to turn it into a proper social design tool, and the way to do it was to conduct the whole process that took us several years in about two months. An opportunity came to us through doctors in the Vila Rosario network who have been working in Vila

Mimosa, Rio de Janeiro’s main hub of prostitution and HIV/AIDS. We went to Vila Mimosa in

2010 and created designs to illustrate the transmission mechanism of HIV for the prostitutes, most of whom were illiterate.

Vila Mimosa and Namibia helped us to streamline our method into a process that could be

done in two months and that could be adapted to circumstances other than Vila Rosario. Vila Mimosa turned Vila Rosario into a prototype of a community design program (Figure 14).

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Figure 14. Design details in Vila Mimosa: instructios for protection (left) and the logo of the treatment program

The robustness of the design program

Community design is often done in a one-shot style in which a designer enters a community, organizes a workshop, and leaves after the designs are done. The community is left on

its own premises to continue the design program. This approach, we thought, was wrong,

and built on a fatal misunderstanding of how communities function. The danger was there, however. Our funding did run out one day, and as we finished our study and moved to

Brasilia, we could not keep in touch with health agents on a continuous basis anymore.

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To make sure we would not reject health agents, we decided to use new communication technologies. We are still in contact with key persons of the community using electronic

tools, especially with the health agents Clara and Joseane. Nowadays Facebook is part of

some health agents life, and it was social media that made is possible for us to keep in touch with Clara and Joseana.

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Figure 15. Health Agent are still in contact with us through Facebook

Here, the process went beyond our initial theoretical influences in empathic and participatory design. We have kept in touch with the health agents for years after our fieldwork. This has been made possible by new media, and in particular social media. The change has been amazing. When we begun our

fieldwork, most Health Agents were computer and mobile phone illiterate. Today, they are

much more fluent users of these communication technologies, and have Facebook pages.

Discussion

This paper has described a design research project conducted in Vila Rosario, Rio de

Janeiro. Vila Rosario was an impoverished neighborhood about 20 km north of downtown

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Rio de Janeiro, and about 30 km north from the famous beaches of Copacabana and

Ipanema. Its main health care issue was tuberculosis and its complications. This disease became our focus of attention: we created a design program that focused on its etiology

and treatment, and situated this program in the local community by working with local health agents and doctors who assisted them.

The project started from empathic and participatory design (see Mattelmaki et al. 2014; Ehn 1988), but finally took its form from the Brazilian teacher Paulo Freire and his philosophy

best expressed in his classic volume The Pedagogy of the Oppressed. Freire’s main focus was on what he called conscientização (conscientization), which he saw a basic condition

of changing the living circumstances of poor people in Brazil. What Freire gave us was an

approach that told us to go into the local community and study it carefully while still talking to experts. Freire also gave us a stepwise methodology for working with a local community in developing designs for it.

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In three respects, however, we went beyond Freire. First, we were worried about our cultural assumptions, and checked these in a workshop in Windhoek, Namibia. Our process worked in Namibia, but we had to redraw some of the symbols. Second, we stremlined the process by replicating our study in Vila Mimosa, Rio de Janeiro’s main red light district. This helped

us to turn our years-long process into a two-month process that could be applied anywhere in Brazil. Third, we used social networks in keeping in touch with the local community. This helped us to stay in touch and to help the locals in their design problems.

Seen from a larger perspective, the Freirean process took us to a direction quite different from current approaches in community design. Our work was certainly not technocratic,

legislating change to the community. It was not agonistic either in that we avoided using

antagonizing artistic statements as a way to conscientização (see Markussen 2011; DiSalvo 2012). Rather, our work was close to community organizing in the social sciences, and in some fields of participative art (Kester 2013). The closest analogies came, in fact, from

Brazilian social design (Couto and Ribeiro 2002; Cunha 2005), which stresses cooperation rather than agonism as a starting point for community design. The approach has many

affinities with consensus-oriented design (Winschiers-Theophilus et al. 2012), which has emerged a few years after our study.

Another aspect we learned was the importance of social media, which saw daylight during our study. Based on our experience in Vila Rosário, we can suggests that this long term

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contact should be a part of empathic and participatory design for two reasons. First, social media makes it possible for anyone in design to keep contact with people long after the

actual design phase. Second, keeping in touch does not require massive amounts of work or other resources in today’s networked world.

In some ways we learned in the process that old principles in working with communities still

work best. To propose change in a community, it is necessary to understand it well. It is also

important to work with its social organizations rather than assume an expert position. Finally, we must identify the key stakeholders to win their respect. Without them, there is no future to community design. We also learned a few things we believe are new. We were able to

build a robust process by building on Freire and philosophers like early Lukacs, early Sartre

and Marx in his back. However, we did not need to make expert or avant-garde assumptions to make our design program work. The basic beliefs of empathic design worked well in

reminding us to stay partners and interpreters rather than act as legislators who know better. During our research and after the process our status was changed by the context. We

arrived in the community as experts that would develop a portal to improve the community.

During our fieldwork we became apprentices, who wanted to learn about Vila Rosario. Over the years, we became friends and pro bono design consultants for the community.

Our final comment is about our ethics, which we shared with world design (Miettinen 2007; Winschiers-Theophilus et al. 2012). Design as usual is a privileged, first-world activity. One of our key principles in designing the world was that it is exactly poor people like

those living in Vila Rosario who deserve good design. We think we achieved this aim; at

the end of our fieldwork, one of the health agents told us that our work said to the health agents: “You are important!”

Acknowledgement

We would like to thank health agents for support and friendship, Drs. Claudio Costa-Neto

and Luiz Roberto Castello Branco for access to IVR, support, and medical expertise, CNPq for funding, UIAH for support, and our pre-examiners and examiners for their expertise.

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Costa-Neto, C. 2004. Tuberculose, Vila Rosário e a cadeia da miséria. Antigas angústias, mais

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About the authors

Andrea Judice holds a Doctoral degree in Industrial and Strategic Design from Aalto University – Finland. She has got a Master degree in Social Psychology with emphasis on ergonomics from University of Brasilia – UnB and undergraduate degree in Industrial Design from PUC-RIO. Her fields of expertise are information design, interaction design, and ergonomics. She is acting in the academic field, in order to prepare professionals that are ready to adequately answer the demands of an innovative Brazilian market. [email protected]

Marcelo Judice holds an Industrial and Strategic Design Doctoral degree from Aalto University - Finland. With interest in interface design, he holds a Master degree in Psychology from the University of Brasilia – UnB/Brazil, which advanced his experience in ergonomics. He received his Bachelor degree in Graphic Design (1996) from UnB. He’s research field is cultural design and user centered design, specially how graphic elements could be used in product interfaces in different culture. [email protected]

Ilpo Koskinen was a sociologist, but has worked as a professor of industrial design since 1999. His main research interests have been in mobile multimedia, the relationship of design and cities, and methodology in design research. His most recent book is “Design through Research: From Lab, Field, Showroom,” a book on constructive design research. He has been working as professor in Helsinki, Aarhus, Melbourne, and Hong Kong. [email protected]

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Coletividade e Tecnologia: um estudo sobre questões de acesso e uso dos espaços da cidade Daniela Pereira Barbosa e Marisa Cobbe Maass

O presente trabalho apresenta conceitos acerca da relação entre democracia de uso e

acesso aos Espaços da cidade, levando em consideração a lógica de dominação espacial, a territorialização e o advento da tecnologia. Confrontamos aqui fatores sociais, econômicos e culturais com a possibilidade de acesso a espaços específicos, abordando temáticas

como exclusão social e destinação de espaços urbanos mais valorizados para parcelas

específicas da população. A partir da análise estruturada por autores sobre os Espaços em geral, consolidamos estudos acerca de conceitos em concordância com o espaço urbano,

como direito de ocupação dos espaços da cidade (físico e tecnológico), além de realizarmos a

reflexão acerca de diversas classificações espaciais pelos autores analisados. Ainda propõe-se o confronto desta realidade com o advento da tecnologia, considerando as possibilidades de

acesso e exclusão, analisando-se ainda as fronteiras entre os espaços físico e tecnológico. Por fim, faz-se um paralelo entre exclusão social e digital, onde são percebidas intensas relações entre os dois conceitos. Percebemos que o Espaço Tecnológico, com relação a preceitos de

dominação econômica, apresenta a mesma lógica daquela presente no Espaço Físico, o que

torna a exclusão digital uma das faces da exclusão social. A democracia de uso e acesso aos

espaços urbanos, então, é dificultada quando o cidadão de baixa renda não tem a possibilidade

de ter uma educação voltada para as dinâmicas da era digital, o que causa uma dupla exclusão: social e digital.

 Palavras-chave: tecnologia, espaços, cidade, democracia.

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Daniela P. Barbosa, Marisa C. Maass . Coletividade e Tecnologia

Introdução

Os espaços urbanos são aqueles que estão, de alguma maneira, presentes no âmbito da cidade. Não é fácil conceituar uma ideia tão ampla como cidade, que envolve diversos

tipos de objetos e interações, mas é possível observar que o ambiente urbano é formado principalmente pelo conjunto de estruturas da cidade, atores1 e interações entre esses

atores e os Espaços. O conjunto urbano pode ser percebido como um universo complexo e multifacetado, onde as possibilidades de interações entre os atores do processo e os espaços são enormes.

A título de entendimento conceitual das ideias abordadas no artigo, fez-se necessária

uma divisão dos Espaços da cidade. Consideramos a tecnologia como uma das facetas do espaço urbano, e, assim, o termo “Espaço” quando utilizado sozinho é entendido

por nós como sendo amplo e engloba conceitos gerais. Quando formos tratar de um

40

espaço específico, normalmente o “físico” ou o “tecnológico”, utilizaremos a nomenclatura correspondente. Como intencionamos analisar a democracia de acesso aos espaços

urbanos, levando em consideração a atual conjuntura da nossa sociedade, que evoluiu

de maneira a valorizar fatores tecnológicos (principalmente a internet), consideramos esta

variável como um importante fator de análise. Também em concordância com autores que trabalham com a questão espacial, principalmente Milton Santos (2012), Paulo Cesar da

Costa Gomes (2013), Margaret Wertheim (2009), e ainda de acordo com outras análises acerca do ambiente virtual, como a de Caio Vassão (2008) e André Lemos (2007), que

consideram a tecnologia como mais uma camada da cidade, concordou-se em realizar uma divisão específica dos espaços urbanos que será apresentada a seguir.

Os Espaços, então, são aqui divididos, para fins didáticos, em Físico e Tecnológico, sendo a principal variável concernente a eles o fator “tempo”. O Espaço Físico é aquele em que

estejam presentes, no ambiente urbano, atores e interações no modo físico, sendo o lugar

onde o tempo de locomoção é primordial para a execução de ações. O Espaço Tecnológico, em contrapartida, é o que corresponde ao local das interações que acontecem no ambiente tecnológico, principalmente a internet e suas vertentes. Neste último espaço, percebemos

que a variável tempo não é de importância essencial, pois as relações ocorrem por meio de uma interface digital, ondo a locomoção para a execução de ações não é fundamental. A

1 Entende-se por “atores” os indivíduos, órgãos governamentais e empresariais, comércio, indústria, meios de transporte, enfim, todo e qualquer componente que coexista em uma cidade e é capaz de realizar interações com outros atores.

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Daniela P. Barbosa, Marisa C. Maass . Coletividade e Tecnologia

divisão dos espaços que foi exposta é proposta baseada nos autores citados anteriormente, mas devemos lembrar que cada um deles apresenta seus próprios estudos acerca dos Espaços, os quais serão analisados e interpretados posteriormente.

A cidade então, levando-se em consideração o uso de seus espaços, é um local que

apresenta diversos níveis espaciais, cujas interações entre os atores se comportam como fluxos dinâmicos, hegemônicos e hegemonizados que conferem hierarquias aos espaços mas que, ainda assim, é o lugar comum a todos os cidadãos que utilizam o espaço de

alguma maneira. Para melhor entendimento da relação entre acesso e uso dos lugares na cidade, é necessário compreender o conceito de Espaço, pois é ele que envolve e

estabelece as diversas ações dentro do locus urbano, como nos mostram autores como Santos (2013) e Gomes (2012).

Assim buscamos estudar as dinâmicas dos Espaços Físico e Tecnológico da cidade,

procurando entender como se estabelece a democracia de acesso a eles. A tecnologia como aliada pode ser capaz de diminuir as distâncias sociais, funcionando como fator

de encontro e meio de interação, porém, existem condições que dificultam a democracia de acesso, havendo fatores que alargam as distâncias sociais, econômicas e culturais,

contribuindo, assim, para o aumento das desigualdades em geral, tanto no Espaço Físico quanto Tecnológico. Essa realidade de exclusão nos Espaços Tecnológicos é abordada principalmente por Lemos (2007), quando disserta sobre Cidades Digitais.

Nossa principal contribuição neste artigo vem a ser no sentido do entendimento de fatores

que auxiliem na questão da democratização dos Espaços da cidade em uma realidade onde a própria tecnologia desempenha papel fundamental. O estudo dos Espaços é primordial neste aspecto, já que as realidades de convivência e interação nos espaços urbanos

correspondem à nova realidade da própria cidade e das possibilidades de vivência neste

ambiente. Mesmo carregando grandes diferenças, os espaços citados estão relacionados entre si no ambiente urbano enquanto locus de convivência e de atos, o que promove na

cidade uma nova dinâmica de ações no cotidiano, afetando a ecologia das relações entre

os atores do sistema urbano. Os fatores principais a serem considerados para a análise de democracia de acesso aos Espaços estão localizados principalmente nos âmbitos social, econômico e cultural.

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Estudo dos espaços

Os Espaços, como conceito geral, configuram-se como palco de interações diversas em um tempo específico. Essas interações podem ter vários motivos, hierarquias, forças e

direções, sendo todas essas variáveis interpretadas como fluxos no espaço que regem as relações espaciais e, em consequência, as relações sociais, econômicas e culturais. Todo esse amálgama de relações e interações é possibilitado pela existência de um Espaço comum que envolve e direciona as ações sociais. Essas interações podem ser então

visualizadas como fluxos dentro de um espaço comum. Santos (2013) nos apresenta uma consideração importante sobre a temática dos Espaços quando argumenta que:

Considerado como um todo, o espaço é teatro de fluxos com diferentes níveis, intensidades e orientações. Há fluxos hegemônicos e fluxos hegemonizados,

fluxos mais rápidos e eficazes e fluxos mais lentos. O espaço global é formado

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de todos os objetos e fluxos. (p. 49)

No presente estudo, trabalhamos com o Espaço em duas vertentes principais, o Físico e o Tecnológico dentro do locus da cidade. Vale lembrar, entretanto, que os dois não são

independentes, pois as relações existentes no grau físico refletem e influem no tecnológico e vice versa. Os espaços citados, então, configuram-se como interdependentes dentro do sistema urbano.

É-nos imprescindível estabelecer o estudo dos fluxos espaciais e das suas intensidades e orientações nos Espaços apresentados. A dinâmica existente nos espaços urbanos apresenta a ordem e direção dos fluxos de ações e interações, o que nos aponta

características acerca da democracia de uso e acesso ao locus da cidade. Fica claro concluir, a partir de observações a análises, que os fluxos são hierarquizados e

direcionados por grupos hegemônicos socioeconomicamente, o que caracteriza o tipo de relação normalmente presente no espaço urbano: a de dominação econômica. Santos (2009) apresenta de forma clara esta relação típica da cidade:

As entidades chamadas Regiões Metropolitanas surgem, pois, como soluções para viabilizar um capital que ganhava uma enorme dimensão e necessitava prevalecer-se de regulamentações específicas, além da criação de espaços

exclusivos para certas atividades e de espaços exclusivos para certos homens, espaços adrede preparados para certas utilizações e não para outras; para certas classes de homens e não para outras. (p. 131)

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Sendo assim, é possível perceber que os Espaços, como direcionadores das ações

da comunidade, são controlados por grupos que determinam a própria utilização dos

ambientes urbanos, principalmente por meio de sua categorização e hierarquização. Esse controle se dá por meio de fatores que são possibilitados pela própria lógica de uso dos

espaços, o que permite a legitimação de uso do espaço urbano por grupos dominantes.

Esses grupos, por serem detentores de poder dentro de uma lógica espacial, são capazes

de gerir os espaços de acordo com seus interesses. Podemos ainda constatar que o próprio Estado corrobora com esse cenário quando legaliza indiretamente o poder das classes

sociais mais ricas dentro de um Espaço mais central ou mais valorizado economicamente. Santos (2013) legitima essa afirmação quando argumenta que “Os espaços (...) atendem sobretudo a interesses dos atores hegemônicos da economia e da sociedade, e desse

modo são incorporados plenamente às correntes de globalização.” (p. 48) Tal característica é geradora de conflitos entre grupos sociais com interesses diversos dentro de um mesmo espaço urbano.

Levando em conta as questões de democracia nos espaços, os fenômenos urbanos

diversos que serão analisados no presente trabalho possuem em comum a dinâmica espacial que os envolvem e os moldam. A seguir, trataremos mais a fundo, conforme

sugerem Santos (2013) e Gomes (2012), da classificação e uso dos espaços de acordo com dinâmicas e características comuns à lógica de ocupação nas cidades. Todos esses eventos visam o estudo de como se dá a dominação espacial considerando o advento da tecnologia.

Classificação e uso dos Espaços

De acordo com suas características, usos, dinâmicas e fluxos de ações, os espaços

podem possuir diversas funções e representações. Dentro do espaço urbano, essas

funções podem ser motivo de encontros, segregações, conflitos etc., e existem diversas classificações quanto a esses conceitos. Para tanto, autores como Gomes (2012) e

Santos (2013) são importantes para o enfoque abordado por nós, e Gomes (2012) nos

apresenta uma importante divisão com relação ao estudo dos Espaços, classificando-os

em Nomoespaço e Genoespaço. O Nomoespaço, segundo o autor, consiste no local formal e normatizado, onde uma associação territorial comum é estabelecida em nome do bem comum da sociedade. De acordo com Gomes (2012),

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É necessário que se estabeleçam bases formais nessa associação, contratos

que limitem, coíbam e punam certas atitudes em nome do equilíbrio do conjunto. Ao mesmo tempo, essa associação deve garantir, resguardar e proteger

determinados direitos e liberdades que constituem os maiores benefícios supostos nessa cooperação. (p. 31)

O Nomoespaço, então é local de diretrizes que devem ser seguidas pelo cidadão e que

são legitimadas pelo Estado. São normas estabelecidas por poderes legítimos e se aplicam a todo e qualquer cidadão, prevendo regras de direitos, deveres e punições para que as

bases formais sejam cumpridas, considerando-se em primeiro lugar o bem da sociedade

como um todo. Sua principal característica a generalização do cidadão e a busca, por meio

de normas, pelo benefício do bem comum e da sociedade como um todo, sem distinções de qualquer espécie.

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Porém, por tratar a sociedade como um todo homogêneo no quesito de direito de ocupação territorial, e não havendo diferenciação entre grupos dentro de um mesmo espaço, a

aplicação do Nomoespaço se torna mais teórica do que prática, e o próprio autor considera

este fator. Cabe então outra divisão, proposta também por Gomes (2012), que observa o

fenômeno de ocupação dos espaços como ele se dá no dia-a-dia da cidade, não cabendo

mais o conceito de espaço igualitário e normatizado. Aqui, o autor propõe uma classificação que estaria mais de acordo com a vivência da sociedade que vai além da legislação,

levando em consideração características de grupos distintos na esfera social e como a sociedade se comporta de fato. Este espaço é chamado pelo autor de Genoespaço.

De acordo com Gomes (2012), o Genoespaço é composto pelo espaço das relações

sociais culturais, afetivas, históricas ou econômicas dentro de um território comum. É o espaço onde, segundo o autor, “o tipo de agregação social que qualifica o território é o

grupo ou a comunidade” (p. 60). Gomes (2012) entende ainda que a legitimação de uso

dos espaços se dá, baseando-se na lógica do Genoespaço, por fatores que vão além da normatização dos espaços comuns baseado em leis formais, mas sim por grupos dentro

de uma comunidade que se proclamam, por motivos diversos, detentores de uso daquele

espaço específico. No mesmo raciocínio, Gomes (2012) analisa as disputas territoriais no Genoespaço da seguinte maneira:

Obrigatoriamente estas disputas não possuem nunca um caráter cosmopolita, não sendo a dinâmica dessas lutas inclusivas, visto que se define pela

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diferenciação ontológica, constituindo-se, pois, como uma afirmação da

diferenciação de direitos em um espaço, segundo critérios de domínio e controle coletivos (p. 61)

Podemos observar então que, em paralelo com a existência de um Espaço comum que

é regido por leis específicas do Estado e que são criadas para, idealmente, democratizar o espaço urbano, temos também as regras da própria comunidade para este tipo de

ocupação. Essas regras, como citado por Gomes (2012), não têm o ideal de representar as bases da norma e de promover a ocupação igualitária por todos, mas sim de estabelecer divisões baseadas em conceitos de separação da sociedade por grupos. Essa divisão

é capaz de ditar as regras de quem pode e quem não pode ocupar e utilizar um espaço

público, e ainda apresenta a maneira correta de sua utilização de acordo com interesses de parcelas específicas da população.

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Figura 1. Representação do “Nomoespaço” de Gomes. Elaboração: Daniela Barbosa.

Figura 2. Representação do “Genoespaço” de Gomes. Elaboração: Daniela Barbosa.

É possível afirmar que o Estado se torna condescendente com essas regras quando ele garante e acaba por legitimar a posse e uso de certa parcela do espaço à população que é socioeconomicamente hegemônica. Vivenciamos então um jogo de interesses, onde as classes sociais que possuem maior

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poder aquisitivo são capazes de criar suas próprias regras quanto à utilização de uso de um espaço que por direito seria de todos, mas que, por questões socioeconômicas, pertence a eles. Essas relações podem ser percebidas o tempo todo nas cidades, principalmente nas metrópoles, e juntamente com outros fatores, colaboram para aumentar a estratificação social, o que demonstra como pode ser falha a democracia de acesso a diversos espaços da cidade.

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As regras de uso dos espaços podem ser sutis ou escancaradas, mas podemos observar algumas características comuns. Por exemplo, temos a segregação espacial quando fatores como distância, escassez de transporte público ou mesmo altos preços praticados no local funcionem como motivo de impedimento ou de dificuldade de acesso. Outros fatores como a presença de portões, cercas ou seguranças particulares em locais públicos também podem funcionar como inibidores de acesso pela população de baixa renda, que não se sente bem vinda a um local que seria de uso deles por direito. Estas atitudes, mesmo as mais simples, ajudam a aprofundar ainda mais o abismo social já tão evidente no Brasil. O espaço público, desta maneira, a cada vez que é valorizado economicamente, se torna de certa maneira mais privado, pois seu valor de uso e apropriação se torna interessante economicamente para os grupos dominantes. Também sobre a categorização do espaço, temos ainda a visão de Santos (2013), que o divide em Tecnosfera e Psicoesfera, sendo a Tecnosfera o espaço que abrange a artificialização do meio ambiente e a Psicoesfera o meio que abrange os valores, crenças, vontades e hábitos. Juntos, formam o meio técnico-científico. Nas cidades, as pessoas organizam suas vidas sociais e interações com o meio técnico-científico por meio de relações complexas com diversas instituições sociais, econômicas e culturais. A naturalização do ambiente construído, ou seja, a familiaridade com a Tecnoesfera, rege diversas das nossas ações sociais no espaço urbano. De origem extremamente complexa, essas relações envolvem a sociedade, a economia e a cultura de maneira a conduzir o cidadão no ambiente social da cidade. Com relação a isso, existem fluxos de ações que envolvem as instituições e os cidadãos no espaço urbano, o que se apresenta, enfim, como um modo de dominação do mais forte em detrimento do mais fraco economicamente.

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A Psicoesfera de Santos (2013) é um espaço presente no âmbito subjetivo, mas que interage e se manifesta afetando diretamente a Tecnoesfera. Na Psicoesfera de Santos (2013) e no Genoespaço de Gomes (2012), acreditamos ser o lugar aonde podemos entender melhor os conceitos de afetividade em um espaço público urbano, pois esta relação cidadão-cidade é percebida de maneira diferente para cada cidadão ou grupo de cidadãos, de acordo com o contexto de sua percepção sobre o espaço que o rodeia, além de influências de nível cultural e, claro, social.

É possível perceber, pela atual conjuntura social, que a tecnologia é hoje propulsora de diversas ações sociais, econômicas e culturais, além de ser um artefato capaz de envolver a sociedade de uma nova maneira, pois a tecnologia tem poder de exercer influências significativas no espaço físico, tanto no Nomoespaço quanto no Genoespaço. Isto ocorre porque, à medida que a sociedade foi se modificando, incorporou a tecnologia em suas dinâmicas de ações, incorporando também novos padrões sociais, como disseminação de informação e maior grau de comunicação, além de interação por meio da rede conectada, o que vem promovendo um altíssimo grau de dependência entre as ações sociais e a internet.

Nos dias de hoje, esta variável se tornou tão importante para a sociedade que é praticamente impossível realizar qualquer tomada de decisão, seja econômica, social ou cultural, sem envolver a internet de alguma maneira. Esta percepção da importância da internet para diversas ações urbanas influencia sobremaneira os conceitos de democracia de acesso aos Espaços da cidade, tendo em vista que fatores socioeconômicos influenciam na inclusão digital, o que influencia a inclusão social devido à importância da internet nas ações sociais. A questão da importância da tecnologia será retomada posteriormente neste artigo. Por ora, tratemos de outra questão que influencia a segregação social: a territorialização do Espaço. Território

Demarcar um território é a consolidação da legitimação de pertencimento de um

determinado espaço por um determinado grupo. O conceito de território está intimamente

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ligado ao conceito de poder, e para entender as relações espaciais, é imprescindível a compreensão da ideia de território. Gomes (2012) nos ensina que

O território é (...) parte de uma extensão física do espaço, mobilizada como

elemento decisivo de estabelecimento de um poder. Ele é assim uma parcela de um terreno utilizada como forma de expressão e exercício do controle de

outrem. Por meio desse controle é possível a imposição de regras de acesso, de circulação e de normatização de usos, de atitudes e de comportamentos sobre esse espaço. (p. 12)

O território, então, é a divisão clara das relações de poder impostas a partir das divisões observadas no Genoespaço, e apesar de vigorarem regras normatizadas, é tido como

locus de grandes tensões entre grupos distintos que buscam a apropriação de determinado espaço. Ao promover e legitimar essa categorização, temos as subdivisões do espaço

48

onde, segundo Santos (2013),

A matematização do espaço torna propícia a matematização da vida social,

conforme aos interesses hegemônicos. Assim se instalam, ao mesmo tempo,

não só as condições do maior lucro possível para os mais fortes mas também as condições para a maior alienação possível para todos. (p. 31)

Isso significa dizer que à medida que os grupos hegemônicos determinam ser, por questões

sociais, econômicas e culturais, os titulares do território e, em consequência, controladores de todas as relações que ali se configuram, os grupos oprimidos se tornam mais fracos e

condescendentes com esta realidade, sentindo que não pertencem e não podem estar em um local que seria deles por direito.

As consequências disso são a segregação e estratificação social e hierarquia de

apropriação dos espaços, territorializando-os. Os grupos sociais não hegemônicos, os

dominados, então, têm sua presença permitida no território de outrem somente por motivos específicos (força de trabalho, por exemplo), e qualquer outro tipo de relação com este espaço passa a ser criticada, dificultada e até mesmo proibida.

Levando-se em consideração essa visão sobre o território dentro de um espaço e suas possibilidades na construção da sociedade, é possível entender como se estabelecem

os conflitos sociais no que diz respeito à utilização de espaços em que regras territoriais estão já legitimadas por grupos dominantes. O Estado, como já destacamos, possui o

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controle legítimo de limites de ocupação do espaço público de um determinado lugar,

porém é possível constatar que existe também o controle legitimado por grupos sociais,

gerando fluxos de ocupação regidos por conceitos percebidos no estudo do Genoespaço.

Este segundo tipo de controle, apesar de não ser legítimo, é respeitado e obedecido pela

população, que, por meio do controle econômico e social, torna reconhecido um direito não oficial, mas real, de ocupação do espaço por certos setores da sociedade.

Para que tais regras de ocupação dos espaços sejam concretizadas, é preciso que haja a

relação do dominador e do dominado, o que controla e o que é controlado. Os controladores do espaço regem, então, a dinâmica espacial assim como a própria configuração de

desenvolvimento e lógica do espaço urbano, permitindo e gerenciando essa hierarquização do território de acordo com seus interesses. Essa relação aumenta as tensões sociais,

tornando o cidadão que não possui a hegemonia econômica um estranho, que seria impedido de ocupar certa parcela do espaço da cidade que, a princípio, é de todos.

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Espaço Físico

No ambiente urbano, o Espaço Físico corresponde a um dos espaços que possibilitam a

interação entre os atores do sistema. Em nossos estudos, corresponde a um dos principais conceitos analisados, sendo o meio onde estão as construções, relações e interações

físicas, sendo também locus de disputas e conflitos territoriais também de ordem física.

Podemos relacionar o Espaço Físico principalmente com fatores ligados à variável espaçotempo, pois este tipo de interação se torna primordial na análise deste espaço, já que o tempo é um fator essencial para a maior parte das ações aqui efetuadas.

O Espaço Físico guarda então uma importante relação com a temporalidade, já que a

maior parte das ações ali efetuadas envolve de alguma maneira esta variável. Atestamos isso, por exemplo, quando devemos lidar com a locomoção entre os lugares na cidade,

onde a variável tempo dentro do espaço é primordial para que a ação deslocamento seja

efetuada. A partir daí observamos problemas como o trânsito, que é cada vez mais comum nas grandes cidades. A partir da variável tempo, decisões são tomadas, relacionando-se horários, tipo de deslocamento, trajeto, estilo de vida e questões econômicas,

principalmente no que tange às distâncias entre localização e o tempo percorrido para as atividades do cotidiano. O tempo no espaço físico é fator de decisão para diversas outras ações, o que promove divisões socioeconômicas dentro deste espaço, pois se

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considerando o tempo percorrido, é possível privilegiar a população com maior poderio

socioeconômico. Esta divisão culmina em diversos outros fatores relacionados à qualidade de vida do cidadão em algum aspecto, e a partir daí, podemos concluir que a população

que habita em locais distantes de seu trabalho é a que mais sofre com distâncias espaciais, pois depende de mais tempo para sua locomoção. Isso sem considerar outros fatores, como qualidade do sistema de transporte e de infraestrutura, pois tudo isso faz parte diretamente de modelos de utilização do espaço em sua esfera física.

Assim, o Espaço Físico guarda intensa relação com a temporalidade na sua lógica de

pensamento e concretização das ações, mas também é importante considerar que este

espaço abarca importantes relações subjetivas de afinidade e relações de pertencimento de ordem emocional. Sendo assim, mesmo que as questões físicas e temporais sejam a principal característica deste espaço, podemos considerar que não só de matéria

apresentam-se os Espaços Físicos. A relação subjetiva de afetividade entre o cidadão e

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seu lugar é um fator importante a ser avaliado, pois os Espaços Urbanos guardam intensa

relação de pertencimento com o cidadão. Concordamos que a identificação da cidade pelo habitante, criando-se laços afetivos, apresenta um ganho social e cultural enorme, porém, se esta apropriação estiver relacionada unicamente a fatores econômicos, então se trata

de mais um fator de segregação social que dificulta a efetivação de democracia no Espaço Físico de uma cidade.

A partir de conceitos apresentados por Gomes (2012), percebemos como os cidadãos

são capazes de legitimar o uso dos espaços a partir de conceitos do Genoespaço, o que

contribui para fatores positivos culturais, como sociabilização, identificação do cidadão com

a cidade, entre outros. Porém, o próprio autor nos mostra como essa divisão por grupos não apresenta um caráter inclusivo, e sim a negação do outro. Se esta negação se apresentar por fatores econômicos, aliado à destinação deste espaço, apoiado pelo Estado, às

parcelas dominantes da população, estamos lidando com mais um fator de exclusão social, legitimado e encorajado pelo Estado.

Por meio desta reflexão, podemos perceber como a democracia nos Espaços Físicos

das cidades é complexa e como sua implementação pode ser falha, principalmente se for limitada a normas e regras que estão disponíveis em leis, mas que são desconhecidas pelos mais pobres e ignoradas pelos mais ricos. A crítica cabe à segregação social e econômica justificadas por questões de territorialização, e não simplesmente de apropriação e laços de afetividade entre habitante e espaço urbano.

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Espaço Tecnológico

Para que um espaço seja considerado real e seja vivenciado pelas pessoas, entendemos que não é preciso que ele possua coordenadas físicas. Em se tratando do Espaço

Tecnológico, que é uma das manifestações do conceito de espaço, podem-se perceber nele características reais, mas que não são físicas.

Aqui, uma das principais características é o fato da variável “tempo” não ser um fator

primordial para as tomadas de decisão, já que se trata de um local com trocas e interações efetuadas no âmbito tecnológico. Para que se façam presentes, entretanto, necessitam de interfaces, e daí são utilizados, para acesso ao Espaço Tecnológico, smartphones,

computadores, totens, caixas eletrônicos, cartões magnéticos, etc. Todos esses aparatos tecnológicos configuram-se como interface entre o Espaço Tecnológico e o usuário, que

necessita de tais objetos para adentrar e interagir no meio virtual, seja com outras pessoas, seja com objetos do próprio sistema.

A tecnologia, então, funciona como interface entre os Espaços quando intermedia as relações e interações existentes, pois segundo Johnson (2001),

A interface atua como uma espécie de tradutor, mediando entre as duas partes, tornando uma sensível para a outra. Em outras palavras, a relação governada pela interface é uma relação semântica, caracterizada por significado e expressão, não por força física. (p. 24)

Esta definição nos vale principalmente pelo conceito de tradução de universos diferentes

estruturados por forças que não são físicas. Aqui, vale lembrar que a relação intermediada pela tecnologia está presente no cotidiano pessoal e profissional das pessoas. São incontáveis, então, as possibilidades de ter a tecnologia como aliada para melhor

aproveitamento do espaço físico urbano, como a presença de totens para autoatendimento,

aplicativos que mostram o melhor trajeto, redes sociais que aproximam política e sociedade, sites que permitem acesso para interação e resolução de problemas sem a necessidade da presença física, entre outros.

A tecnologia, funcionando como interface entre os dois Espaços, pode estabelecer fortes vínculos entre o cidadão e a cidade aproximando-os e os envolvendo nas tomadas de

decisão. Porém, o oposto também é possível, já que alguns fatores influem para que a tecnologia seja mais um termo de exclusão. Temos, na realidade, duas possibilidades

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principais de desenrolo social, de um lado, com a tecnologia, o acesso a essa nova configuração dos espaços urbanos da cidade torna-se mais ampla e com vivência

possibilitada também pela internet, mas por outro lado, se a parcela mais pobre da

população não for capaz de ter esse acesso de fato, corre-se o risco de segregar toda ela, que poderia vir a torna-se, quando muito, somente um espectador do que ocorre em seu

próprio ambiente. Portanto, esta nova configuração urbana, estabelecida por meio também

de fatores tecnológicos, pode correr o risco de se tornar mais um fator de segregação social e cultural, e poderíamos ter um abismo social ainda maior.

Nesta dinâmica é onde ocorrem as interações situadas no Espaço Tecnológico que, como é possível perceber, está em sintonia com diversos conceitos muito utilizados para definir

nosso momento atual, como Sociedade da Informação, Sociedade em Rede, entre outros.

Todos estes conceitos apresentam a particularidade de condizerem com uma realidade em que as interações por meio da rede, ou seja, no Espaço Tecnológico, se tornam cada vez

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mais comuns e importantes no cotidiano.

A utilização cada vez maior do Espaço Tecnológico na sociedade tem promovido o aumento de facilidades no dia-a-dia nas cidades, e podemos observar ainda que, pela própria

evolução da sociedade e pela importância que a internet vem ganhando nos dias atuais,

algumas dessas facilidades deixaram de ser mera conveniência, passando a ser um forte fator de presença e diferenciação, sendo em alguns casos praticamente obrigatório, pois favorece pessoas conectadas em detrimento das que não possuem acesso à rede. A

partir disso, é possível perceber que o cidadão que não tem acesso a esse Espaço, passa a ser excluído digitalmente. Essa exclusão tem consequências diversas, entre elas, o agravamento da própria exclusão social.

Para os cidadãos que têm acesso à rede conectada, esta realidade já está presente em decisões diárias, sendo palco de deliberações naturais. Para entender o envoltório que o Espaço Tecnológico representa, é importante percebê-lo como um mundo interativo

em concordância e dependência com o Espaço Físico, mas com diversas características próprias, as quais serão analisadas a seguir.

O mundo Tecnológico

Temos atualmente uma geração que vivenciou a evolução da tecnologia informática,

assim como acompanhou o crescimento da importância de seu papel na sociedade: os

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atuais adultos brasileiros acompanharam a expansão da internet no Brasil. A evolução das mudanças desse cenário foi incrivelmente rápida, pois em pouco tempo, a internet veio a

infiltrar-se em tecnologias móveis, as quais também tiveram seu surgimento e apropriação

acompanhada pelas mesmas pessoas, além de abranger uma parcela maior da população devido principalmente barateamento das condições de acesso à internet se comparado à

realidade dos anos 90, pois o que antes era um artigo caro, hoje tem suas possibilidades de uso e apropriação ampliadas, aumentando também o número de indivíduos com acesso ao

Espaço Tecnológico. Esta realidade se dá principalmente pelo maior acesso à smartphones e computadores conectados, assim como o barateamento da própria tecnologia.

Sobre a evolução dessa tecnologia, podemos observar que a internet ampliou seus meios de abrangência física quando seu acesso deixou de estar restrito a um instrumento físico

e pesado: o computador de mesa. Passou então a possuir acesso móvel, com tecnologia

que permitiria a conexão em laptops, aparelhos celulares, tablets etc. Um ganho importante de a internet poder ir às ruas é que as pessoas também foram às ruas conectadas, já que

conexão e navegação passaram a ser uma extensão do ser humano, que carrega consigo a possibilidade de, a qualquer momento, adentrar no Espaço Tecnológico. Essa realidade trouxe consequências na própria questão do conceito de apropriação e uso dos espaços,

modificando as diversas relações possíveis, como as relações entre as pessoas; entre as pessoas e a cidade; além de modificar a própria paisagem urbana. Vassão (2008) realiza estudos acerca do Ambiente Urbano Aumentado, que é possibilitado principalmente pela computação ubíqua2. O autor propõe que

A Computação Ubíqua seja considerada concretamente como mais uma

camada do Ambiente Urbano, em que a computação esteja inextricavelmente

ligada à maneira como compomos o espaço, os deslocamentos, as viagens, as permanências, etc., enfim, nossa interação com o espaço urbano. Podemos,

dessa maneira, até mesmo considerar que é corolário da disseminação da Realidade Aumentada em grande escala, e promoveria uma espécie de “Ambiente Urbano Aumentado” (VASSÃO, 2008, p. 32)

2 O termo Computação Ubíqua, Computação Pervasiva ou mesmo Computação Onipresente são sinônimos, e são utilizados para descrever a onipresença da computação na sociedade, compreendendo seus usos e abrangência. Vassão utiliza-se do termo principalmente no que se refere ao ambiente urbano, revelando a onipresença da computação e informática na própria cidade.

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Estar imerso neste espaço é transportar sua psique para outro campo, onde a própria noção de espaço se confunde. Não há como negar a realidade desse mundo paralelo e nem a

influência causada no Espaço Físico, principalmente no que diz respeito à nova cultura que se expande por meio desse espaço e das tomadas de decisões nos âmbitos econômicos, sociais e culturais, que levam em consideração a internet e as novas tecnologias.

A apropriação e exploração das possibilidades de trocas no Espaço Tecnológico são

diversas, pois é um espaço que amplia a capacidade e o número de interações entre

os atores do sistema, já que promove rápida disseminação da informação. Apesar da qualidade dessa informação poder ser questionada, a diversidade de possibilidades

de exploração de trocas e intercâmbios nas várias vertentes tecnológicas é enorme, principalmente em questões referentes às facilidades e praticidades urbanas, como

interações sociais entre os atores e a cidade. Essas interações são compreendidas por relações entre habitantes, órgãos públicos, locomoção espacial, comércio, indústria,

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instituições financeiras, entre outras.

Não se deve limitar, entretanto, o Espaço Tecnológico às interações que são realizadas entre os indivíduos conectados. Muito mais do que o número e possibilidade de conexões, este

espaço possui características e desenrolo próprios, sendo compreendido por mais do que a

simples presença de indivíduos em suas redes de interconexões. “A Cidade, então, torna-se um termo frágil, pois não mais abarca suficientemente as dinâmicas políticas, sociais e

econômicas do mundo globalizado” (MAIA, 2013, p. 12). A cidade não pode ser mais definida apenas como espaços físicos urbanos, pois ela representa toda a possibilidade de conceitos e inter-relações que acontecem no ambiente urbano, tanto na realidade física quanto tecnológica, o que configura a relação também entre a cidade e o urbano.

Vassão (2008) argumenta que, “de ferramenta, o computador3 passa a ser camada do

ambiente, engendrando efetivamente um Meta-Espaço.” (VASSÃO, 2008, p. 33). Essa

realidade não é apenas um detalhe da sociedade contemporânea, pois abrange diversos fatores sociais, sendo a própria computação ubíqua e a realidade urbana aumentada

fatores que já estão presentes e são considerados importantes para tomada de decisão na organização social, em empresas, escolas, instituições, etc.

3 Vassão entende por “computador” todas as possibilidades de CPU’s conectadas, compreendendo tudo aquilo que está ligado à rede mundial de computadores. Essa realidade abarca dispositivos móveis, totens, mapas interativos etc.

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O Espaço Tecnológico apresenta, na teoria, uma abertura maior do que o Espaço Físico,

pois suas estruturas são acessíveis a toda a comunidade virtual. Há um detalhe importante nessa configuração, pois existe uma parcela da sociedade que não possui acesso à

rede ou que o possui, porém de maneira limitada. Porém, acompanhando a evolução da

sociedade conectada, podemos concluir que a tecnologia já está infiltrada de tal maneira

na cultura e sociedade contemporâneas que não é possível considerar uma realidade em que a internet não exista. Essa tendência é uma nova configuração de uso dos espaços, o que promove na sociedade em geral a necessidade de se fazer presente no Espaço

Tecnológico. A presença de todos em todo lugar, possibilitada pela ampliação da realidade e pela representação eletrônica, emerge em uma velocidade que é incompreensível pelo

ser humano e possibilitada pela tecnologia. Assim, a população excluída digitalmente não acompanha esta evolução, o que representa uma perda enorme tanto em nível social quanto cultural.

A ocupação desse espaço tecnológico é cotidiana, e a apropriação deste lugar se dá

de maneira natural e promove, em um local envolto em tecnologia e aberto a todas as pessoas conectadas, relações de aproximação, trocas e facilidades; mas também de segregação e exclusão.

Relações e interações no Espaço Tecnológico

As relações do ser humano com os espaços sempre foi fator de promoção de diversos tipos de interações, sejam elas sociais, políticas, econômicas e culturais. Todas as interações citadas estão presentes no meio urbano, mas, pensando mais a fundo no âmbito das

interações subjetivas no Espaço, percebe-se que elas são condicionadas e possibilitadas pela elevação da psique humana a outro nível de percepção da realidade, o próprio

Espaço Tecnológico. Sendo assim, a cidade também pode ser percebida e explorada na

vertente tecnológica, uma realidade paralela que se faz presente em outro nível de relação sociocultural, mas que está atrelada ao ambiente físico.

Com o advento da tecnologia, as interações entre o espaço e o cidadão são ampliados não apenas em números, mas em possibilidades, já que, por meio principalmente da internet móvel, é possível desenvolver e perceber novas maneiras de interações, o que promove

uma nova relação com a cidade. As possibilidades de interações e uso dos espaços, então, ampliam-se. A partir desta relação, é possível considerar os espaços físico e tecnológico

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como complementares, e não como concorrentes. Sobre a relação entre os Espaços Físico e Tecnológico, Almeida e Costa (2009) nos ensinam que

É certo que não podemos cair no erro de pensar a emergência do ciberespaço

como o fim do próprio espaço, mas deve-se observar o ciberespaço como sendo uma continuidade do espaço, uma nova forma de se produzir o espaço e de a sociedade contemporânea se organizar. (ALMEIDA e COSTA, p. 2)

Os autores nos mostram que o Espaço Tecnológico não é, então, um concorrente e nem

um substituto do Espaço Físico, mas uma realidade paralela presente na sociedade, que comporta e promove a interação entre os dois meios.

É certo que nossa sociedade vem sofrendo transformações devido às novas possibilidades tecnológicas, porém, ela não deve ser considerada como única variável responsável pelas

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transformações, e nem ser confiada como uma espécie de revolução cultural e tecnológica que venha solucionar os problemas existentes. Sobre a transformação social e cultural

que acontece em nosso mundo, Castells (2005) argumenta que “a tecnologia é condição

necessária mas não suficiente para a emergência de uma nova forma de organização social

baseada em redes, ou seja, na difusão de redes em todos os aspectos da atividade na base das redes de comunicação digital.” (p. 17) Com esta afirmação, o autor nos recorda sobre

a diferença entre a existência da tecnologia como fator de diferenciação somente pelo seu formato e no que diz respeito à sua utilização explorando todas as suas oportunidades. A principal diferença é o fator humano envolvido, quando à tecnologia são agregados

elementos como economia, cultura e educação por exemplo. O desafio, segundo Lemos; Rigitano e Costa (2007), “não para no acesso material às Novas Tecnologias, mas deve

ser perseguido no aprendizado crítico e criativo com o objetivo de melhorar as condições materiais e simbólicas de vida da população brasileira” (p. 17).

Estas percepções são importantes se considerarmos o tipo de relação que se quer construir entre os cidadãos e entre cidadão-cidade a partir da tecnologia. O acesso às possibilidades de interação no Espaço Tecnológico, por si só, não funcionam como trampolim social

ou cultural para a inclusão digital, mas devem ser um meio para que esta inclusão seja

implementada. Consideramos que o Espaço Tecnológico, segundo regras de dominação

social, funcione como uma extensão do que ocorre na esfera física, pois estamos lidando

com os mesmos fatores econômicos de dominação e com a mesma relação de segregação social e, agora, digital.

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A educação para a inclusão digital, além de políticas públicas para o desenvolvimento e uso consciente desta variável é o que agrega valor à tecnologia. Como explicitado por Castells

(2005) e Lemos (2007), mais do que a ferramenta, o fator humano é a verdadeira revolução digital, pois agrega o que já é realidade no mundo conectado a pessoas que não possuem acesso ou o possuem de maneira restrita. Com a inclusão digital de maneira consciente, conforme defende Lemos (2007), a inclusão social é uma das consequências, o que

apresentaria, então, maior democracia de acesso aos Espaços Físico e Tecnológico.

Democracia nos espaços

Um espaço é democrático quando o seu uso é possibilitado ao maior número possível de

pessoas, compreendendo também como se dá a relação entre cidadão e cidade, levando em conta fatores sociais e econômicos. Se um local é acessível somente a pessoas cuja

entrada e uso são pré-estabelecidos a partir de fatores socioeconômicos, então podemos concluir que o referido local não é democrático.

O acesso a espaços físicos é dificultado pela distância a ser percorrida, pelos preços

praticados em determinados locais e por intimidações por parte dos atores hegemônicos. Já no espaço tecnológico, tomando por base que representa uma extensão da lógica de dominação do espaço físico, tem seu acesso democrático dificultado principalmente por dois fatores: a dificuldade de acesso a aparelhos conectados e a dificuldade de acesso crítico e de apropriação ao conteúdo disponibilizado pela rede. A seguir faremos um apanhado de como se dá a democracia nos Espaços Físico e Tecnológico.

Democracia no Espaço Físico

O acesso igualitário de todos a todos os lugares físicos de uma cidade é uma utopia. Mesmo com a garantia normatizada de acesso livre a lugares públicos, observando o conceito de Nomoespaço, existem inúmeros casos em que grupos hegemônicos

determinam o uso daqueles espaços. O Estado, que deveria intermediar os conflitos e

garantir o acesso dos espaços públicos a todos, acaba por colaborar com a segregação quando concorda com a especulação imobiliária, o que faz com que as pessoas menos

favorecidas economicamente tenham que se afastar cada vez mais do centro urbano. Além disso, ainda privilegia locais onde o poderio socioeconômico é maior. Isso ocorre tanto com

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infraestrutura básica (fornecimento de água, energia, tratamento de esgoto etc.) quanto

às facilidades de transporte, educação e programas de acesso à cultura. Santos (2009), também acredita na existência desse espaço urbano não democrático, principalmente quando percebemos um Estado que promove a segregação, quando argumenta que:

A socialização capitalista é, pois, e sobretudo, um processo de transferência de recursos da população como um todo para algumas pessoas e firmas. Trata-se

(...) de um processo seletivo, que atinge diferentemente os atores econômicos, o que faz do Estado um motor de desigualdades, já que, por esse meio, favorece concentrações e marginalizações (p. 118).

A população, então, também se torna vítima ou cúmplice da segregação espacial quando aquela de baixa renda, por falta de oportunidades econômicas, sociais ou educacionais, aceita tais condições, se sujeitando a situações precárias de sobrevivência; enquanto a

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população com maior padrão econômico se beneficia de todos os privilégios espaciais

que envolvem a cidade, desde localização privilegiada até melhores condições de vida. Trata-se, em todas as ordens, de um espaço não democrático, com claros fatores de

exclusão social, cultural e econômico; fundamentados, organizados e com a colaboração do próprio Estado. Esta realidade social é o espelho do conceito de Genoespaço, não

tendo um caráter inclusivo e nem colaborativo. O que está em jogo aqui são os interesses de grupos dominantes, e isto implica na maior alienação possível dos grupos dominados. Assim, de acordo com o pensamento de dominação e alienação, não apenas bastaria

alocar as pessoas de baixa renda à margem da sociedade, mas sim, e principalmente,

fazê-las acreditar que elas merecem estar nesta situação. Gomes (2012) nos mostra esta realidade como uma falsa ideia de democracia e liberdade, quando argumenta que:

Idealmente, (...) trata-se de hipoteticamente de um espaço inclusivo, pois para

todos aqueles que se propuserem a obedecer à ordem é, em princípio, garantido o acesso em igualdade de situação com os outros. Na prática, essa adesão se

faz segundo os interesses daqueles que controlam a associação e pode variar em função dos diferentes contextos dos momentos. Mais uma vez, embora o direito

de acesso seja livre, ele deve sempre estar submetido à ideia do bem comum das pessoas que compõem essa associação ou a controlam. (p. 37-38)

Temos aqui o conflito entre o Nomoespaço e o Genoespaço, onde a lógica econômica e

capitalista de dominação se torna vencedora. As pessoas que não se enquadram em um

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Daniela P. Barbosa, Marisa C. Maass . Coletividade e Tecnologia

grupo específico não são bem vindas a um espaço por ele dominado que não seja como

força de trabalho. Aqui temos a exclusão social em sua face mais perversa, quando segrega espacialmente, culturalmente e socioeconomicamente certa população de uma cidade. A distribuição de espaços dentro de uma cidade segue as características econômicas

impostas pelos grupos hegemônicos, e qualquer tentativa de ruptura com tal processo é duramente reprimida. A inclusão social é uma variável que está diretamente ligada à

questão da democracia nos Espaços Físicos. Quanto mais acesso à educação, política e cultura as pessoas tiverem, mais incluídas socialmente elas serão.

Democracia no Espaço Tecnológico

A acessibilidade à sociedade digital é o principal fator de democratização do Espaço

Tecnológico. Sem acesso, o cidadão é simplesmente excluído digitalmente, porém, o

conceito de exclusão social não é tão simples. A acessibilidade digital e, em consequência, a democratização desse espaço não faz relação simplesmente com o número de pessoas conectadas, mas com a qualidade e uso dessa ferramenta. Lemos e Costa (2007) nos apresentam algumas dificuldades encontradas para a democratização desse espaço: 1. Há uso das TIC’s (Tecnologia de Informação e Comunicação) de forma

invisível e individual, de forma privada e não de forma pública ou visível; 2. Os

sistemas tendem a ser apropriados pelos mais poderosos, representando uma extraordinária extensão do poder social, econômico, cultural e geográfico de grupos já conectados; 3. Há uma conexão direta entre TIC’s, desigualdades

urbanas e o aumento do poder de corporações transnacionais. (Graham apud Lemos e Costa, p. 37)

Estas dificuldades estão ligadas principalmente não ao simples uso de um computador

ou de softwares, mas de toda uma dinâmica educativa e política que proporcionaria maior

relevância real de uso das novas tecnologias na vida dos cidadãos. A apropriação e o uso do Espaço Tecnológico devem ser conscientes e transformadores e a relação desse uso com o

conceito de democracia é fundamental para uma sociedade digitalmente igualitária. Podemos considerar então que no atual modelo de democracia dos espaços, o Espaço Tecnológico é

uma extensão da lógica de poder e dominação já existente no espaço físico. Mesmo aquele

espaço sendo convidativo e abrangente, as mesmas lógicas de dominação imperam, e quem tem acesso aos processos de mudança são justamente os detentores de poder.

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Acreditamos que os espaços Físico e Tecnológico são interdependentes, e estamos em

concordância com Lemos e Costa (2007) quando os autores sugerem que “os projetos de

inclusão digital devem contribuir para a instauração de uma nova dinâmica na cidade, para maior interseção dos espaços eletrônicos e físicos nas cibercidades contemporâneas” (p. 37-38). Assim, a lógica da inclusão digital estaria diretamente ligada à inclusão social, o

que passa a ser um projeto maior do que a possibilidade de uso de computadores ligados à rede para a população.

Considerações finais

As cidades carregam diversas configurações espaciais, sociais, econômicas e culturais que carregam a possibilidade, por si só, de promover a segregação social de ordem física. As relações entre a cidade e o cidadão são extremamente complexas e carregam toda uma

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história do urbano que tende a privilegiar os grupos hegemônicos socialmente em detrimento da parcela da população com menos poder aquisitivo. Esta configuração social dificulta a democratização de acesso e uso dos espaços físicos das cidades de uma maneira geral. A esses fatores podemos somar o interesse dos atores hegemônicos de manterem um

status quo, territorializando o espaço principalmente por meio de dificuldade de acesso através de fatores de intimidação, como muros ou cercas, seguranças particulares em espaços públicos ou mesmo com altos preços praticados em locais de seu interesse. Juntamente a isto temos o aval indireto do Estado, que acaba por legitimar essa

segregação, dando o direito de uso a espaços mais valorizados à população mais

favorecida economicamente. Um exemplo claro é o Pontão do Lago Sul de Brasília,

localizado em área nobre da capital. Além da dificuldade de acesso por meios que não

sejam o carro, ainda temos portões que cercam o espaço público, além de seguranças

particulares que inibem ações que desfavorecem o comércio local (impedem piqueniques, cobram para tirar fotos, etc.). Mesmo sendo um local público, é utilizado como se fosse

privado, pois as ações favorecem os grupos dominantes envolvidos no processo, no caso, os ricos empresários que têm comércio no local.

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Figura 3. Entrada do Pontão do Lago Sul, com guarita e priorizando os carros. Foto: Romain Moitrot

Com a tecnologia, as interações entre as estruturas urbanas e seus atores são ampliadas, assim como a possibilidade de vivenciar o Espaço Tecnológico em todas as suas

possibilidades, porém, o acesso e uso dessas tecnologias digitais não é tão simples. Apesar da incrível disseminação de conteúdo pela a internet e aparente facilidade de acesso, a

barreira econômica de aquisição de aparelhos que possibilitam o acesso à rede conectada é uma dificuldade para a inclusão digital. Além disso, apenas o acesso ao Espaço

Tecnológico não garante uma democracia de uso e apropriação dele, pois as mesmas

dominações e hierarquias que estão presentes no Espaço Físico encontram-se também no âmbito tecnológico, o que colabora com a dominação cultural, social e econômica, e que ainda expande a hegemonia social dos que são dominantes socialmente e digitalmente.

A tecnologia já está infiltrada na sociedade em todas as suas vertentes, e não há indícios que anunciem o fim da internet, pelo contrário, é previsto a sua expansão cada vez mais

maior. A possibilidade de acesso da parcela mais pobre da população aos aparelhos físicos é apenas uma das etapas para democratização do Espaço Tecnológico urbano, sendo a educação para o uso consciente desse espaço outra etapa. A exclusão digital, desta

maneira, está ligada diretamente à exclusão social, já que o acesso consciente ao Espaço Tecnológico contribui para uma maior possibilidade de acesso às novas configurações sociais e culturais que estão presentes no Espaço Físico.

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Assim, mesmo que não exista democracia de acesso pleno a nenhum dos Espaços analisados, nem o Físico e nem o Tecnológico, a maior democratização do Espaço

Tecnológico apresenta como consequência uma maior democratização do Espaço Físico

das cidades, tendo em vista que a apropriação e uso consciente dos aparatos tecnológicos

estão ligados à inclusão social, levando à maior conscientização do papel social do cidadão quanto às possibilidades de uso dos espaços das cidades.

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Sobre as autoras

Daniela Pereira Barbosa. Possui bacharelado em Desenho Industrial pela UnB com habilitações em Programação Visual e em Projeto de Produto. Concluiu, em 2014,

especialização em Docência Virtual e Presencial no Ensino Superior pela Universidade

Católica de Brasília e é mestranda em Design, Cultura e Sociedade pela Universidade de

Brasília, com defesa para julho de 2015. Trabalha na área de design editorial na editora da Câmara dos Deputados, elaborando projetos gráficos de publicações oficiais do legislativo brasileiro.

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Marisa Cobbe Maass. Professora adjunta DE e Pesquisadora da Universidade de Brasília, atua no Departamento de Desenho Industrial desde o ano 2000, na graduação e desde

2013 na pós graduação. É graduada em Arquitetura e Urbanismo (1988), mestre em Teoria da Arquitetura e Urbanismo pela Universidade de Brasília (2005) e doutora em Teoria,

História e Crítica, com estágio na Université de Paris 1 - Sorbonne (2011). Tem experiência na área de Design e Arquitetura, com ênfase em Estética aplicada ao Design, atuando

principalmente nos seguintes temas: Teoria e crítica, Estética, Teoria e História do Design e Design Educação.

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Características Qualitativas, Quantitativas e Qualiquantitativas de Abordagens Científicas: estudos de caso na subárea do Design Ergonômico Luis Carlos Paschoarelli, Fausto Orsi Medola, Gabriel Henrique Cruz Bonfim

O conhecimento científico se caracteriza como um dos principais valores humanos dos últimos

séculos. Seu desenvolvimento se dá a partir de questões e abordagens científicas, nas quais se testam hipóteses e se geram saberes. Entre as principais abordagens aceitas na comunidade acadêmica, destacam-se aquelas de ordem quantitativa e/ou qualitativa. Pesquisas na área do Design Ergonômico abordam especialmente a inter-relação entre Usuário e Interfaces Tecnológicas. Portanto, tanto abordagens quantitativas quanto qualitativas podem ser

empregadas em seus métodos. O presente texto pretende caracterizar os tipos de abordagem presentes em pesquisa científica e demonstrar três estudos de caso em que as abordagens

quantitativa e qualitativa (ou mesmo, quali-quantitativa) foram empregadas em investigações

na subárea do Design Ergonômico. A apreciação dos estudos permite concluir que diferentes formas de abordagem são encontradas em estudos na subárea Design Ergonômico, as quais podem envolver tanto dados objetivos, quanto dados subjetivos.

Palavras-chave: conhecimento científico, abordagem qualitativa, abordagem quantitativa, design ergonômico

Introdução

O estabelecimento do design enquanto área do conhecimento científico não é marcado por

nenhum evento específico, mas certamente, a sistematização da práxis do design, proposta pela Hochschule für Gestaltung - HfG-Ulm (Alemanha) no início da década de 1950, foi um fator decisivo para perceber que o Design envolve diferentes conhecimentos, e de

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diferentes áreas científicas. A partir desta percepção, inúmeras instituições, organizações, eventos e periódicos passaram a constituir os núcleos e os próprios conteúdos do conhecimento científico na área do Design.

No Brasil, a pesquisa em design foi sendo desenvolvida a partir da criação do ensino de

graduação em Design (ESDI, década de 1960). Mas se torna institucionalizada, somente a partir do início do ensino de pós-graduação (stricto-sensu) em Design (PUC-Rio, década de 1990).

A pesquisa científica na área do design apresenta os mesmos preceitos aplicados em qualquer outra área do conhecimento científico. E considerando sua ampla escala de

aplicação, o design se caracteriza pelos aspectos multidisciplinares (aborda conhecimentos de outras diferentes áreas) e interdisciplinares (transforma e gera conhecimentos com outras diferentes áreas).

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Um exemplo dos aspectos multi e interdisciplinar do design é caracterizado pela subárea Design Ergonômico, a qual agrega e relaciona conhecimentos da ergonomia e do desenho industrial. É a partir desta condição que se propõe analisar e compreender a relação entre o homem (usuário) e os produtos e sistemas (interfaces tecnológicas), com vistas a contribuir tecnologicamente para o desenvolvimento da qualidade da vida humana.

Considerando que o Design Ergonômico adota procedimentos científicos na resolução dos problemas da interação usuário X interfaces tecnológicas, parece adequado esclarecer quais tipos de abordagem são mais característicos nesta subárea do conhecimento. Portanto, o objetivo do presente estudo foi analisar os tipos de abordagens presentes em pesquisa científica e demonstrar três estudos de caso em que abordagens quantitativa, qualitativa e quali-quantitativa (ou “de métodos mistos”, segundo Creswell, 2010, p.27) foram empregadas em estudos na subárea Design Ergonômico.

Pesquisa Científica e Tipos de Abordagem

A busca pelo conhecimento é algo inerente ao ser humano e o acompanha desde o seu nascimento até o fim de sua existência. As dúvidas e questionamentos são a mola propulsora para a busca de respostas, primordialmente por meio de observações. Lakatos e Marconi (2010) diferenciam quatro tipos de conhecimento: popular, filosófico, religioso e cientifico. Segundo Chalmers (1993) o conhecimento científico não é um conhecimento

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comprovado, mas quanto maior for o número de observações e quanto maior for a variedade de condições pelas quais são realizadas as observações, maior será o nível de confiabilidade e veracidade das generalizações resultantes.

A ampliação do conhecimento científico se dá através da pesquisa científica, a qual depende da existência de um problema a ser analisado. Para a investigação de tal problema é preciso a utilização de um método de pesquisa. Atualmente, existem inúmeros métodos que podem ser aplicados para se chegar a um resultado, o que vai depender da especificidade e natureza de cada problema a ser analisado e também da experiência do pesquisador. De acordo com Richardson (2008), o método em pesquisa é a escolha de procedimentos sistemáticos, através dos quais procura-se descrever e explicar fenômenos. De maneira geral, pode-se classificar os métodos existentes em dois grupos: o quantitativo e o qualitativo, que coletivamente são chamados de métodos empíricos. Tais métodos diferenciam-se não apenas pela sistemática envolvida, mas em especial pela forma de abordagem do problema de pesquisa.

Enquanto a abordagem quantitativa segue o paradigma clássico, a abordagem qualitativa obedece o paradigma alternativo (TERRENCE; ESCRIVÃO FILHO, 2006). O paradigma clássico defende a ideia da existência de uma realidade externa que pode ser analisada de forma objetiva, cujos resultados da pesquisa podem ser reproduzidos e generalizados, sendo possível a obtenção de verdades universais (HAYATI; KARAMI; SLEE, 2006). Além disso, o paradigma clássico afirma que os conceitos de uma teoria devem ser baseados em algo observável e os enunciados científicos devem ser passíveis de serem verificados (TERRENCE; ESCRIVÃO FILHO, 2006). Em contrapartida, o paradigma alternativo defende a ideia de que as abordagens exclusivamente quantitativas não são satisfatórias, o que possibilita a utilização de abordagens qualitativas na pesquisa científica, as quais buscam compreender as intenções e significados das ações humanas (DENZIN; LINCOLN, 2011; ALVES-MAZZOTTI; GEWANDSZNAJDER, 2004).

De acordo com Aliaga e Gunderson (2002), pode-se entender a pesquisa quantitativa como a “explicação de fenômenos por meio da coleta de dados numéricos que serão analisados através de métodos matemáticos (em particular, os estatísticos)”. Nota-se então, que esse

tipo de pesquisa busca uma precisão dos resultados, a fim de evitar equívocos na análise e interpretação dos dados, gerando maior segurança em relação às inferências obtidas. Sua aplicação é frequente em estudos descritivos, os quais procuram relações entre variáveis, buscando descobrir características de um fenômeno (RICHARDSON, 2008).

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Nos estudos quantitativos, o pesquisador desenvolve seu trabalho partindo de um plano

muito bem estruturado e preestabelecido, formulando hipóteses a respeito do que pretende

estudar, com variáveis claramente definidas. Partindo das hipóteses é possível deduzir uma lista de consequências, cuja coleta de dados permitirá ou não a sua verificação, implicando na aceitação ou não das hipóteses (GODOY, 1995; DALFOVO; LANA; SILVEIRA, 2008).

Em geral, as características da pesquisa quantitativa são: inferência dedutiva; a realidade investigada é objetiva; a amostra é geralmente grande e determinada por critérios

estatísticos; generalização dos resultados; utilização de dados que representam uma

população específica; utilização de questionários estruturados com questões fechadas,

testes e checklists (HANCOCK, 2002; NEVES, 1996; DENZIN; LINCOLN, 2011; ALVESMAZZOTTI; GEWANDSZNAJDER, 2005; GODOY, 1995). Segundo Vergara (2005), os

principais tipos de pesquisa quantitativa são a correlacional, a survey, a experimental e a causal-comparativa.

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A pesquisa qualitativa se diferencia da quantitativa de acordo com a forma de abordagem

de uma realidade e da maneira pela qual os dados são coletados, tratados e analisados. O

método qualitativo não aplica instrumentos estatísticos para análise de um problema, uma vez que seu objetivo não é medir nem numerar os eventos estudados (RICHARDSON, 2008).

Denzin e Lincoln (2011) afirmam que a pesquisa qualitativa consiste em “um conjunto de

práticas interpretativas que faz o mundo visível”. Esse tipo de pesquisa busca a obtenção de dados descritivos de pessoas, lugares e processos interativos que acontece através do contato direto do pesquisador com aquilo que está sendo estudado, sendo que a

compreensão dos fenômenos se dá segundo a perspectiva dos sujeitos participantes (GODOY, 1995; DALFOVO; LANA;SILVEIRA, 2008).

Dessa forma é possível entender que muitos dos aspectos envolvidos em uma pesquisa qualitativa não são controláveis, mas difíceis de serem interpretados, generalizados e reproduzidos, uma vez que os sujeitos participantes irão agir segundo seus valores,

sentimentos, experiências, cultura e outros (TERRENCE; ESCRIVÃO FILHO, 2006).

Segundo Strauss e Corbin (2015), a pesquisa qualitativa conta basicamente com três

componentes: (i) os dados, que podem vir de várias fontes como entrevistas, observações, documentos, registros e gravações; (ii) os procedimentos, que podem ser utilizados

para interpretar e organizar os dados; e (iii) relatórios escritos e verbais, que podem ser apresentados em artigos, palestras, ou livros.

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As características gerais da pesquisa qualitativa são: foco na interpretação e não na

quantificação; ênfase na subjetividade; o processo de pesquisa é flexível; maior interesse pelo processo do que pelos resultados; o pesquisador exerce influência sobre a

situação de pesquisa e também é influenciado por ela; é um método indutivo; a amostra é geralmente pequena; a análise dos dados é interpretativa e descritiva; os resultados

são situacionais e limitados ao contexto (SYMON; CASSELL, 2012; ALVES-MAZZOTTI; GEWANDSZNAJDER, 2005; GODOY, 1995; HANCOCK, 2002).

Os principais tipos de abordagens qualitativas são a Fenomenologia, a Etnografia, a Teoria Fundamentada em Dados, os Estudos de Caso, a Pesquisa-ação e a Pesquisa Histórica

(HANCOCK, 2002; VERGARA, 2005). Para a coleta dos dados qualitativos destacam-se os seguintes métodos: entrevistas individuais, focus groups e observação (HANCOCK, 2002). Strauss e Corbin (2015) comentam que muitos pesquisadores coletam dados por meio de técnicas associadas a métodos qualitativos e ao final eles codificam os dados para que possam ser posteriormente analisados estatisticamente; só que na verdade, eles estão quantificando dados que são qualitativos.

De acordo com Silva e Simon (2005) a pesquisa quantitativa deve ser utilizada quando existir um problema bem definido com informações e teorias suficientes a respeito do objeto de estudo, ou seja, a abordagem quantitativa deve ser empregada quando há conhecimento das qualidades e controle daquilo que será estudado. Por outro lado,

quando os questionamentos são considerados inéditos e devem ser analisados com

maior profundidade, estudos de natureza qualitativa são mais adequados (SILVA; LOPES; BRAGA JUNIOR, 2014). Os autores ainda comentam que as abordagens quantitativas

requerem do pesquisador um extenso conhecimento sobre o que será investigado para que o instrumento de análise seja completo e contemple amplamente as dimensões do objeto

de estudo; logo, as abordagens qualitativas destinam-se a objetos cujo conhecimento tenha sido pouco estudado, a fim de obter informações empíricas da realidade (SILVA; LOPES; BRAGA JUNIOR, 2014).

No entanto, mesmo com suas especificidades, os métodos quantitativos e qualitativos não se excluem. De acordo com Creswell (2010), o desenvolvimento e a legitimidade percebida de

ambos os métodos gerou uma popularização da pesquisa de métodos mistos, a qual abrange os pontos fortes tanto da abordagem qualitativa quanto da quantitativa, proporcionando uma

maior compreensão dos problemas estudados. Sendo assim, o pesquisador pode valer-se da

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possibilidade de explicitar todos os passos da pesquisa e, ao mesmo tempo, pode prevenir a interferência de subjetividades nas conclusões obtidas (NEVES, 1996).

A utilização dos modelos em conjunto procura adotar vários métodos para análise do

objeto de estudo, através da comparação dos dados obtidos por meio das abordagens quantitativas e qualitativas. Essa combinação pode apresentar-se de forma alternada

ou simultânea a fim de responder a questão de pesquisa. Dessa forma, as abordagens quantitativas e qualitativas utilizadas em uma mesma pesquisa são adequadas para

que a subjetividade seja minimizada e, ao mesmo tempo, aproximam o pesquisador do objeto estudado, proporcionando maior credibilidade aos dados (MILES; HUBERMAN; SALDAÑA, 2014; CRESSWELL; PLANO-CLARK, 2013; FLICK, 2009; SAMPIERI; COLLADO; LUCIO, 2013).

Apesar de as estratégias dos métodos mistos não serem tão conhecidas quanto as das

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abordagens quantitativas ou qualitativas, Creswell (2010, p.39) apresenta três estratégias gerais para os procedimentos da pesquisa mista: (i) métodos mistos sequenciais - o

investigador pode iniciar por uma abordagem qualitativa e seguir com uma abordagem

quantitativa, ou vice-versa; (ii) métodos mistos concomitantes - o investigador coleta as

duas formas de dados ao mesmo tempo e depois integra as informações na interpretação dos resultados; (iii) métodos mistos transformativos - o investigador utiliza um enfoque

teórico como uma perspectiva ampla em um projeto com dados quantitativos e qualitativos, sendo que esse enfoque pode envolver uma abordagem sequencial ou concomitante.

Duffy (1987) aponta que o emprego conjunto dos métodos traz certos benefícios como: a

possibilidade de controlar vieses (pela abordagem quantitativa) e compreensão dos agentes envolvidos no fenômeno (pela abordagem qualitativa); identificação de variáveis específicas (pela abordagem quantitativa) e visão global do fenômeno (pela abordagem qualitativa);

complementação de um conjunto de fatos e causas oriundos da abordagem quantitativa com uma visão da natureza dinâmica da realidade; enriquecimento das constatações

obtidas em condições controladas com dados obtidos no contexto natural. Minayo (1994) ainda demonstra que uma das abordagens pode conduzir o investigador à escolha de

um problema particular a ser analisado em toda sua complexidade, através de métodos e técnicas da abordagem oposta.

Portanto, observa-se que apesar de as pesquisas quantitativas e qualitativas terem

abordagens e características distintas, elas não são incompatíveis. Na verdade, o seu uso

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conjunto tem demonstrado resultados confiáveis, que minimizam a subjetividade e que

respondem às principais críticas das estratégias de abordagens isoladamente: qualitativas ou quantitativas.

Estudos de Caso na subárea do Design Ergonômico

De acordo com Paschoarelli (2011), Design Ergonômico se caracteriza pela aplicação de conhecimentos ergonômicos no projeto de dispositivos tecnológicos, com o proposito de

se desenvolver interfaces seguras, confortáveis, eficientes, efetivas e aceitáveis. Para que isto se concretize, é necessário compreender a interação usuário x interface tecnológica,

definir as questões desta relação e desenvolver as informações e parâmetros necessários ao projeto.

Tais procedimentos metodológicos se caracterizam por abordagens qualitativas (por

exemplo, a percepção de conforto/desconforto) e quantitativas (por exemplo, avaliação de esforços biomecânicos), e são normalmente encontrados no Laboratório de Ergonomia e Interfaces – LEI-UNESP (Paschoarelli, 2014).

Entretanto, ao revisar outras análises (Creswell; Plano-Clark, 2013; Sampieri et al., 2013;

Miles et al., 2014; Flick et al., 2009) que fundamentam os estudos na área da Metodologia Científica, percebe-se que, de fato e habitualmente, a maioria dos estudos desenvolvidos neste laboratório apresenta caráter quali-quantitativo.

Na sequência são apresentados breves exemplos (estudos de caso) de caráter qualitativo,

quantitativo e quali-quantitativo, permitindo analisá-los sob o ponto de vista da “Metodologia Científica”.

Abordagem Qualitativa: O uso de computadores por indivíduos com tetraplegia Tal como apresentado anteriormente, a interação entre usuários e interfaces tecnológicos é o principal objeto de estudo do design ergonômico. A diversidade de usuários encontrados

numa determinada população, e a padronização proposta no desenvolvimento de dispositivos

tecnológicos, normalmente derivam em problemas de uso. Um exemplo disso é observado no uso de computadores pessoais por pessoas com deficiência motora.

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Particularmente sob este escopo, propôs-se desenvolver um estudo sobre problemas

ergonômicos vivenciados por pessoas com tetraplegia decorrente de lesão da medula espinhal. Trata-se de um grave acometimento neurológico que exige da pessoa a adaptação a um comprometimento motor severo.

O estudo, de caráter transversal e qualitativo, envolveu a realização de entrevistas com cinco sujeitos tetraplégicos (níveis de lesão medular entre o quinto e sétimo segmentos

medulares), que responderam questões sobre suas percepções com relação à interação com diferentes aspectos de uso do computador na rotina diária (Medola et al., 2015).

Os resultados demonstraram que as pessoas com tetraplegia enfrentam uma série de

problemas durante o uso de computador. Destacam-se as dificuldades na interação com os principais componentes e acessórios, tais como o teclado, mouse, cabos e outros.

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Os resultados também sugerem que o comprometimento da função motora é, em última

análise, o principal fator que limita o usuário na interação de forma independente e eficiente com o computador.

Neste sentido, evidencia-se uma importante demanda para o design ergonômico,

apresentando as dificuldades, necessidades e expectativas de usuários com alteração da função motora. Este conhecimento pode contribuir para o design de dispositivos de

tecnologia assistiva ao uso de computadores, buscando favorecer a experiência de uso de computadores de forma independente, eficiente e satisfatória por todos.

Abordagem Quantitativa: Distribuição de força de contato na face palmar

Diferentemente dos indivíduos descritos anteriormente, os quais apresentam tetraplegia e experimentam diversos problemas nas interações manuais com produtos e sistemas, os

paraplégicos, usuários de cadeiras de rodas, apresentam função preservada dos membros superiores, e dependem destes em suas atividades da vida diária, especialmente para

locomoção. As mãos são fundamentais para realizar atividades de preensão, controlando forças e precisão nos movimentos. Mas particularmente quando se trata da propulsão e condução de cadeiras de rodas, van der Woude et al. (2003) considera de extrema

importância o acoplamento estável entre mãos e aros. Dentre os inúmeros estudos nesta

área, desenvolvidos no LEI-UNESP, destaca-se aquele que propôs investigar como se dá a

distribuição das forças de contato na face palmar da mão, durante a propulsão da cadeira de

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rodas manual, utilizando dois diferentes designs de aros propulsores.

Novos designs de aros propulsores de cadeiras de rodas têm sido desenvolvidos com o

propósito de tornar a atividade dos usuários mais confortável e segura. Entretanto, torna-se necessário conhecer qual design proporciona melhor distribuição das forças de contato da face palmar da mão.

O presente estudo, de caráter transversal e quantitativo, envolveu a participação de vinte indivíduos que realizaram atividade de propulsão de cadeira de rodas (em três etapas:

largada, movimento em linha reta e frenagem), repetida duas vezes. Foram empregados dois tipos de aros: um padrão, em tubo metálico de seção circular; e um protótipo, com formato antropomorfo, produzido em resina polimérica (Medola et al., 2014).

As forças de contato sobre a superfície das mãos dos usuários foram mensuradas por meio de um par de luvas instrumentalizadas com dez sensores do tipo “force sensing

resistors” cada. A média dos valores máximos de cada sensor, para cada mão, foi usada para comparar os dois aros. O teste t de Student foi empregado para verificar diferenças significativas entre os resultados dos diferentes aros, atendendo as condições de normalidade (Shapiro–Wilk) e homogeneidade (Levene).

Os resultados apontaram que a soma das forças medidas com os 10 sensores para o

protótipo (70,89 Kgf) foi significativamente menor (p≤0,05) que no aro padrão (92,28 Kgf). A

redução das forças com o uso do protótipo foi maior na região do metacarpo (36%) do que em falanges distais (12,7%). O protótipo concebido com conceitos de ergonomia reduz as forças de contato na superfície da mão do usuário durante a propulsão manual, pois elas podem beneficiar o usuário, melhorando o conforto nas mãos e minimizando o risco de lesões.

Os dados paramétricos analisados nesse estudo o caracterizam como sendo quantitativo e demonstram um fator objetivo para conclusão dos resultados.

Abordagem Quali-Quantitativa: Percepção de esforço em atividades manuais As forças empregadas em preensões manuais são variáveis importantes para se avaliar diferentes designs de instrumentos manuais (interfaces tecnológicas). O estudo anterior evidenciou esta condição. Já em outros casos, como por exemplo, em atividades

ocupacionais, alguns esforços empregados em atividades são considerados fatores de riscos para ocorrência de patologias (Kattel et al., 1996, Aghazadeh; Mital, 1987).

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Por outro lado, avaliações ergonômicas não devem ser baseadas exclusivamente em

parâmetros objetivos (físicos). De fato, dados psicofísicos podem fornecer informações

relevantes para compreensão da interação usuário X interface tecnológica, uma vez que

complementam (de modo expressivo) a compreensão dos resultados das avaliações físicas. Exemplos deste tipo de avaliação são relatados por Razza et al. (2012), os quais avaliaram as forças de tração de 3 diferentes interfaces manuais; e por Paschoarelli et al. (2012), que

avaliaram a força de torque em outras 5 diferentes interfaces. O estudo referido nessa sessão (Razza et al., 2014) objetivou avaliar a percepção individual da força exercida nas mesmas condições dos estudos citados anteriores, usando escala de percepção visual (Visual

Analogue Scale - VAS). Os parâmetros das características individuais (lateralidade e gênero)

e elementos relacionados às tarefas foram analisados a partir do esforço percebido reportado. O estudo, de caráter transversal e quali-quantitativo, envolveu a participação de dois grupos:

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. .

Sessenta sujeitos, sendo trinta do gênero masculino e trinta do gênero feminino; e Sessenta do gênero masculino, sendo trinta destros e trinta canhotos. O protocolo

Edinburgh Inventory (Oldfield, 1971) foi aplicado para certificar a lateralidade dos indivíduos.

Foram empregadas três interfaces com diferentes espessuras (40 mm, 20 mm e 1 mm),

nas quais foram empregadas 3 tipos de preensão (pulpo-lateral, bidigital e tridigital). Nas

atividades de torque foram empregadas outras 3 diferentes interfaces (formato cilíndrico, cúbico e de seção triangular).

Os resultados indicam que os indivíduos de ambos os gêneros percebem menor esforço com a interface de 40mm de espessura, se comparadas com as demais. Também

foi percebida como a de menor esforço, a preensão pulpo-lateral. Os resultados das

atividades de torque indicaram que os sujeitos percebem um maior esforço com o uso da interface cilíndrica.

De todas as condições observadas, a percepção de esforço apresentou semelhança com

a força de preensão exercida nos estudos descritos por Razza et al. (2012) e Paschoarelli et al. (2012). Desta maneira, parâmetros psicofísicos foram úteis para identificar

elementos relacionado às tarefas, tamanho e formato das interfaces. Por outro lado,

esses parâmetros não foram robustos para identificar diferenças inter-sujeitos, tais como lateralidade ou gênero.

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Considerações Finais

Neste estudo, foram discutidas as principais características das abordagens quantitativas, qualitativas e quali-quantitativas, considerando suas aplicações e contribuições para a pesquisa na subárea do Design Ergonômico.

Para contextualizar a discussão do tema, foram apresentados estudos científicos

desenvolvidos no Laboratório de Ergonomia e Interfaces (LEI-UNESP), os quais utilizaram as diferentes abordagens na investigação das diversas relações entre usuário e interfaces tecnológicas – objetivas e subjetivas - compreendidas no processo de uso.

Quando aplicados de forma conjunta, os métodos quantitativos e qualitativos contribuem de forma complementar e, desta forma, favorecem a construção de uma visão mais completa desta interação, e a geração de conhecimento científico na área do Design.

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Sobre os autores

Luis Carlos Paschoarelli. Livre-Docente em Design Ergonômico pela UNESP (2009); possui pós-doutorado em Ergonomia (2008) pela ULisboa; doutorado em Engenharia

de Produção (2003) pela UFSCar; Mestrado em Projeto, Arte e Sociedade - Desenho

Industrial (1997) e graduação em Desenho Industrial (1994) pela UNESP. Atualmente é

o coordenador do Programa de Pós-graduação em Design - Mestrado e Doutorado - da

UNESP e “Ergonomista Sênior” da ABERGO. Está lotado no Laboratório de Ergonomia e Interfaces - Departamento de Design da FAAC/UNESP - Bauru. [email protected]

Fausto Orsi Medola. Doutor em Ciências (Bioengenharia) pelo Programa de

Pós-graduação Interunidades Bioengenharia - EESC/FMRP/IQSC - USP (2013), doutorado

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sanduíche na Georgia Institute of Technology, Atlanta, EUA. Mestrado em Bioengenharia pelo Programa de Pós-graduação Interunidades em Bioengenharia - EESC/FMRP/

IQSC - USP, e graduação em Fisioterapia pela UEL (2003). Professor Assistente Doutor - Departamento de Design da FAAC/UNESP - Bauru, e do Programa de Pós-graduação em Design - FAAC/UNESP. Principais temas de pesquisa: tecnologia assistiva, design ergonômico, biomecânica, cadeira de rodas, acessibilidade, design inclusivo. [email protected]

Gabriel Henrique Cruz Bonfim. Doutorando do programa de pós-graduação em Design da FAAC/UNESP - Bauru. Possui mestrado em Design (2014) e graduação em Desenho

Industrial (2011), ambos pela Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho. Atuou como docente nas disciplinas de Projeto e Ergonomia. Tem experiência na área de Design de Produto, com ênfase em Ergonomia, atuando principalmente com os seguintes temas: Embalagens, Usabilidade, Percepção, Acessibilidade, Design inclusivo. [email protected]

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Cultura Material: Mobiliário Brasileiro - cadeira de macarrão, produção marginal Silvia Karla de Oliveira Saraiva, Marisa Coobe Maass

O texto apresenta uma breve discussão sobre a cultura material no Brasil, voltada à produção de artefatos industrializados para uso doméstico, destacando, principalmente o mobiliário popular. Aborda-se, brevemente, a gênese dessa produção - multicultural, o percurso até os dias atuais,

pontuada, ainda, pelo mimetismo da produção estrangeira – globalizada e globalizante. Paralelo a esta produção, apresenta-se uma outra, que se desenvolve à margem daquela, mas, no entanto,

encontra seus lugares e espaços sociais, seu mercado e consumidores. Neste cenário destaca-se a cadeira de macarrão como objeto de análise, cuja presença é significativa, no cotidiano doméstico e na memória afetiva dos sujeitos comuns, em diversas cidades brasileiras.

Mobiliário Brasileiro: Percurso

A riqueza da cultura material brasileira, especialmente aquela relacionada a produção

de objetos para o uso cotidiano, está sublinhada ora pela originalidade e adaptação às

necessidades, ora pela singularidade de soluções apresentadas. De influências múltiplas

em seu percurso histórico, onde “a princípio, marca-se a influência da Metrópole, o legado nativo, a presença africana e, posteriormente, a partir da independência, a influência dos emigrantes europeus” (SANTI, 2013, p.37, grifo nosso), assim desenvolve-se ‘o fazer’

que permeia a cultura material brasileira. Neste percurso - considerando a distância e

as dificuldades de contato com a metrópole, as contingências materiais, a insipiência de recursos tecnológicos, a dependência da mão de obra escrava e a presença e cultura dos habitantes nativos - era de se esperar o entrelaçamento cultural entre pares, com influências simultâneas e marcantes, conforme descrito:

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Os colonizadores assimilaram os costumes dos nativos: nos transportes, utilizavam a

canoa, e nos usos domésticos e cotidianos, cerâmicas indígenas (panelas, jarros, potes) e artefatos de fibras vegetais (cestos, esteiras e peneiras), [...] o uso da esteira no lugar da cadeira, mobília típica de uma civilização ocidental, e o uso de redes em vez de camas, possibilitando que um único espaço tivesse múltiplos usos, como nas ocas indígenas. (SANTI, 2013, p. 39 e 40)

Superadas as dificuldades iniciais, próprias dos primeiros anos da empreitada colonizadora, novas configurações formais são impostas, e outros modos de fazer são adotados, e

neste cenário, como destaca Maria Loschiavo dos Santos (1995), o mobiliário dos colonos portugueses aqui instalados era constituído por reproduções culturais dos modelos da Metrópole: ou eram importados diretamente da Coroa ou ‘contratavam-se’ artesãos

lusitanos para executarem aqui a mobília que seria utilizada nas moradias dos funcionários e nobres da Metrópole portuguesa que residiam na então colônia, “destacando-se

80

sobremaneira as insistentes cópias de modelos europeus, que se distinguiam dos

congêneres apenas pelo uso de nossas madeiras1”. Ressalta-se ainda, o percurso de

adaptação dessas peças de mobiliário para alinharem-se as possibilidades regionais no que diz respeito aos recursos naturais, a mão-de-obra, ao clima e ainda “aos aspectos

culturais dos nativos e escravos africanos”, para os quais, certamente, aquelas peças não apresentavam nenhuma relação simbólica ou semântica com seus hábitos ou costumes.

Mais tarde, outros fatores – especialmente a chegada da família Real em 1808 em solo brasileiro – trouxeram novas perspectivas para a produção material local, incentivadas

principalmente pela assinatura de tratados comerciais com outros países, favorecendo

a importação de móveis de nacionalidade inglesa, francesa e austríaca, além de outros produtos (idem, 1995, p 15). Certamente, a presença destes novos artefatos e estilos

gerou um novo olhar sobre a produção material local, entretanto, conforme afirma Maria Angélica Santi,

Das características adquiridas, algumas permearam todo o seu processo de

desenvolvimento, tais como: a prática empírica, o espírito artesanal da produção do qual decorre a falta de método e de padronização, e a dependência cultural de modelos hegemônicos. (SANTI, 2013, p. 37)

1 Cedro, canela, o jacarandá-da-baía, o vinhático e a suaçucanga, madeira clara que lembra o marfim, utilizada nos adornos marchetados. (CANTI, Tilde. Apud SANTI, Maria Angélica: Mobiliário no Brasil: origens da produção e da industrialização. São Paulo: Editora Senac, 2013, p.43)

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Tais aspectos permearam toda a história e repercutiram na produção industrializada, no período moderno, dos artefatos e mobiliário nacionais. E, de fato, como observa Dijon de Moraes (2006) o mobiliário brasileiro percorre uma trajetória complexa, assinalada

entre a mestiçagem2 e a mimese3. E, só recentemente, estas características atribuídas

e determinantes à cultura brasileira – multicultural, multiétnica, mestiça – vêm sendo valorizadas em um contexto global – de comércio e consumo – no qual o design desempenha papel de destaque. E, neste cenário

O design brasileiro começa a se distanciar da prática de mimese e das referências provenientes do exterior e a apontar (fruto, na verdade, do seu percurso e do seu amadurecimento) em direção a uma referência própria como modelo possível.

Começa, então, a partir dos anos oitenta, a surgir, através do multiculturalismo e

mestiçagem local, novas referências projetuais que, de forma correta, coloca em evidência e reflete a vasta gama de elementos da cultura brasileira híbrida e das nuances do nosso próprio país. (MORAES, 2006, p. 192 e 193)

Concorda-se com o autor Dijon de Moraes, que dessa heterogeneidade resultou um fazer

(ação) marcado pela agregação, integração, combinação e intercâmbio dessas influências que resultam em uma prática adaptativa, mutável, misturada, na qual ‘tudo’ (multiplicidade de influências) está presente e ao mesmo tempo falta-lhe uma especificidade que

determine sua identidade. Dada essa multiplicidade e variedade de contribuições culturais,

o design brasileiro, até hoje, apresenta lacunas, no que se refere a identificar o que poderia ser denominado como genuinamente ou essencialmente brasileiro. Embora, o autor

afirme que seja esse “multiculturalismo brasileiro [...] um novo e possível modelo para o

desenvolvimento do design local, pois sugere que o mesmo vem se harmonizar com o

modelo de globalização” (MORAES, 2006, p. 193, grifo nosso) em andamento, e também enfatiza que,

2 “O design brasileiro do modelo pós-moderno dos anos oitenta não produziu em quantidade significativa, é verdade, mas certamente iniciou um novo processo para o reconhecimento de uma estética brasileira multicultural e mestiça. A nova realidade nos conduziu a esse novo modelo, que começou a pôr em evidência uma estética múltipla, em que se nota uma forte presença de signos híbridos e de uma energia particularmente brasileira.” (MORAES, Dijon de. Análise do design brasileiro: entre mimese e mestiçagem. São Paulo: Edgard Blucher, 2006, p. 179) 3 “É exatamente neste cenário que o design brasileiro se estabelece, tomando como referencia principal a mimese dos modelos projetuais provenientes do exterior, que, agindo de forma acentuada, alia-se tenuamente aos valores autóctones nacionais. [...], e prossegue adiante em uma espécie de contínuo metabolismo e metamorfose correlata”. (ibidem, pag. 77)

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É importante perceber que este modelo de globalização em curso traz, de forma

acentuada, para dentro da Cultura do Design, elementos, códigos e conceitos de

sentidos múltiplos, plurais, híbridos e sincréticos, mas, ao mesmo tempo, tende a valorizar o lado “sólido” (a essência) da cultura local [...] o design nesse contexto

passa a ser entendido como metáfora de um conjunto de significados (conceitos) e de significância (valor), [...]. Existe ainda a questão da estética, que passa do

âmbito subjetivo para seguir a ética e o modelo comportamental de determinados grupos sociais. (Ibidem, p.192)

Mobiliário popular

Nesse contexto - de multiculturalismo, pluralismo, hibridismo e sincretismo, agora

observados enquanto fatores possíveis e positivos - encontra-se também o design voltado

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para a categoria definida economicamente como popular4, mas, ainda envolto e sob

influência daquele passado de mimese (cópia, imitação); com o agravante do descaso

pois o que se observa é que não há sequer interesse (intenção) de imprimir nas propostas formais e estéticas a ele disponibilizadas, referenciais ‘autênticos’ que possam dialogar

com esse sistema de conceitos e valores acima destacados. Ora, considerando que, o que mais conta nos produtos dessa categoria é o baixo custo, em detrimento muitas vezes do

projeto, aliado a uma interpretação semântica – imposta e, as vezes pejorativa – do ‘gosto’ popular, é previsto que a estes produtos, derivados do conceito popular, sejam atribuídos

impermanências de diversas categorias – materiais, estéticas, simbólicas e outras – que em nada contribuem para o desenvolvimento do design local/nacional. O antropólogo argentino Néstor Garcia Canclini, nos dá elementos para compreensão do popular, definindo com pontualidade o termo, possibilita inferir como o design popular é pensado:

A noção de popular construída pelos meios de comunicação, e em boa parte aceita

pelos estudos nesse campo, segue a lógica do mercado. “Popular” é o que se vende

maciçamente, o que agrada a multidões. [...] O popular não consiste no que o povo é

ou tem, mas no qual é acessível para ele, no que gosta, no que merece sua adesão ou usa com frequência [...]. Para o mercado e para a mídia o popular não interessa como

4 Entendido como aquele projetado (para) e consumido pelas classes sociais cuja posição institucionalizada se define como classe C, D, E. Nestas classes estariam os brasileiros com baixo poder de consumo. (Disponível em: . Acesso em: 09 nov. 2014)

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tradição que perdura. Ao contrário, uma lei da obsolescência incessante nos acostumou

a que popular, precisamente por ser o lugar do êxito, seja também o da fugacidade e do esquecimento. [...] O popular massivo é o que não permanece, não se acumular como experiência nem se enriquece com o adquirido. (CANCLINI, p. 260, p.261)

Portanto, salienta-se a necessidade de repensar a cultura material, especialmente

dos artefatos de uso cotidiano (domésticos), para que possa, de fato, contribuir para o

desenvolvimento e aperfeiçoamento dos indivíduos e grupos sociais no que diz respeito a

“auto-expressão e a soberania” (Ono, 2006, p.19), e oferecer produtos mais adequados ao atendimento das funções tangíveis e intangíveis necessárias as satisfações e demandas dos usuários e consumidores.

Globalização: homogeneização, identidade e contramovimentos

Assim, a produção de artefatos (industrializados) para o consumidor situado na faixa

classificada como popular enfrenta esse ‘descaso’ quanto a aplicação do Design como ferramenta essencial para atender o mais amplamente suas necessidades, em sua

dimensão objetiva e subjetiva, “dentro da complexa teia de funções e significados em que percepções, ações e relações se entrelaçam, no contexto de espaço e tempo em que se inserem, buscando a adequação dos objetos às necessidades e anseios das pessoas” (idem, p. 47). No entanto, no juízo sobre produto popular prevalece a idéia do barato

associado à baixa qualidade material, formal, conceitual e estética. Observa-se que os

produtos industrializados, disponibilizados ao mercado brasileiro, nem sempre contemplam as particularidades estéticas e de uso que demandam os consumidores, enquanto grupo

portador de individualidades e interesses distintos, localizado em um contexto globalizado mas múltiplo e diverso, tornando-se cada vez mais complexo atender suas demandas. E, como aponta Moraes (2006, p.179) “a decodificação do próprio pluralismo étnico e

estético local [...] em que se nota uma forte presença de signos híbridos e de uma energia particularmente brasileira” desponta como desafio a ser enfrentado para o design e produção local.

O hiato existente entre o projeto, a produção e o consumidor/usuário enfraquece o processo de identificação e interação entre os sujeitos envolvidos, que promove uma relação de

distanciamento e indiferença a ser superado, com repercussões inclusive nas questões de sustentabilidade e ambientais. E, como bem expõe Adrian Forty (2007, p.21), os artefatos

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que um determinado grupo ou cultura ostenta, compõem uma “gramática básica do

repertório da imagética” social e cultural na qual os sujeitos, sociais e culturais, se afirmam. Portanto, “um dos aspectos de compreensão mais difícil nesses processos adequação ou não dos produtos industrializados às expectativas dos consumidores/ usuários é o

papel desempenhado pelas idéias, pelo que as pessoas pensam do mundo em que vivem” (idem, p.15, grifo nosso).

Dijon de Moraes (2006, p.41) destaca outro fator que contribui, consideravelmente, para a permanência desse quadro no mercado brasileiro que, embora também apontado por

outros autores, é ainda uma dificuldade patente no âmbito do design nacional: “a distância existente entre designers e empresas que nos deixou à margem da competição mundial no campo do design e dos artefatos industriais”. O Design muitas vezes interpretado,

equivocadamente, como ‘artigo de luxo’ sofre o estigma da exceção, ou seja, se crê que a inserção do design onera o produto e por isso estará disponível apenas àqueles que

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podem custeá-lo, restringindo-se seu campo de ação, e perpetuando-se a convicção de que a ausência ou a cópia do projeto/produto/design torna o produto economicamente ‘mais’

viável. Realidade sentida no mercado interno de produção de bens de consumo5 duráveis,

principalmente no que se refere à produção de produtos populares, com algumas exceções. Nesse panorama, não é incomum ocorrer, após a aquisição/compra de um produto, a adequação ou customização deste, - ou “bricolagem” (Certeau, 1994, p.92) - pelo

consumidor às suas expectativas de uso e expressão. Outra ocorrência neste cenário é o consumo/uso (apropriação), seguido da reapropriação e posterior ressignificação por um

grupo social específico de um artefato que lhe é determinado (imposto), neste caso há uma aceitação do ‘objeto’ mas estes são, prontamente, reinterpretados conforme os valores e interesses (sociais, afetivos, estéticos, de uso e outros) do grupo que os consome.

Esse movimento descompassado entre a cultura material (industrializada, homogênea

e globalizada) e os sujeitos que a consomem, justifica-se pela fragmentação6 existente 5 “O próprio conceito de “consumo” vai além do processo passivo de absorção, apropriação de bens e satisfação de necessidades, trazendo em si o caráter ativo da relação das pessoas com os objetos, a coletividade e o mundo, enfim, do processo cultural”. (ONO, Maristela Mitsuko. Design e Cultura: sintonia essencial. Curitiba: Edição da Autora, 2006. p.17) 6 Os bens culturais acumulados na história pertencem àqueles que dispõem de meios para apropriar-se deles, não se constituindo, [...] propriedade comum da sociedade, pois, para sua compreensão, é necessária a posse e a capacidade de decifrar códigos. Isto constitui uma barreira considerável tanto ao acesso, quanto ao entendimento dos significados dos artefatos que compõem a cultura material, e, extensivamente, à padronização dos mesmos e à homogeneização da cultura. (Bourdieu ,1983. Apud ONO, Maristela Mitsuko. Design e Cultura: sintonia essencial. Curitiba: Edição da Autora, 2006. p.26)

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na sociedade que, em oposição à padronização, reage, consumindo diferenciadamente o que lhe é disponibilizado pela cultura ou ordem econômica dominante. Portanto, “em

contrapartida ao movimento de massificação do mundo, contra-movimentos no sentido

da particularização, da diferenciação e da individualização em que os indivíduos e grupos

sociais buscam imprimir a sua marca própria” (ONO, 2006, p.16), ocorrem continuamente

e discretamente entre os diferentes grupos (sociais e de consumo) imprimindo novos usos/ práticas, sentidos e valores aos artefatos que absorvem.

Todavia, é uma equação existente na qual os diversos elementos e sujeitos envolvidos buscam equilibrar-se em um ambiente pouco favorável, pois os interesses múltiplos e

polarizados tendem a rivalizar, tendo por consequência, ou a imposição formal e cultural

(violência simbólica) do produto – nem sempre síntese de identidade - ou então a rejeição

ou adequação do mesmo aos anseios do grupo social que dele se apropria. Nesse contexto Moraes (2006, p.191) afirma que,

O fenômeno da globalização, como modelo impreciso e controverso, possibilitou, é verdade (através dos meios tecnológicos e informáticos), uma maior interação entre diferentes povos do planeta, mas também é verdade que colocou em

cheque as especificidades da cultura local, disseminou a incerteza e provocou radicais transformações no contexto comportamental.

Design marginal: a cadeira de macarrão

A busca por diferenciação em uma cultura homogeneizada, imposta, pode se manifestar de diversas maneiras: através da ‘customização’, pelo uso diferenciado de um produto padronizado, contrapondo-se ao consumo passivo, estabelecendo outros significados

aos artefatos, ou ainda, promovendo novas redes de comércio/consumo, contestando,

desta maneira, a ordem econômica dominante. Assim, a parcela ‘dominada’ da sociedade - organismo heterogêneo - reage, expondo, através de sua “criatividade multiforme e

disseminada” (Ono, 2006), suas artimanhas de enfrentamento a uma cultura com a qual

não se identifica, e age na periferia, à margem do sistema. A essa ação reativa ao sistema Michel de Certeau esclarece que:

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A figura atual de uma marginalidade não é mais a de pequenos grupos, mas uma marginalidade de massa; atividade cultural dos não produtores, uma atividade não assinada, não legível, mas simbolizada, e que é a única possível a todos

aqueles que no entanto pagam, comprando-os, os produtos-espetáculos onde se soletra uma economia produtivista. Ela se universaliza. Essa marginalidade se tornou maioria silenciosa. (CERTEAU, 1994, p. 44)

Certeau caracteriza essa ação como uma reapropriação do sistema produzido, onde os

consumidores utilizam técnicas de reemprego para (re)criar suas práticas cotidianas, seus

valores e resignificar os objetos (signos), manipulando-os e realocando-os em seu “contorno sociocultural” (Canclini, 2008, p.200). Não há aqui, o interesse – por parte do dominado - de impor-se frente a essa produção racionalizada, mas ‘sobreviver’ e qualificar-se em

meio ao barulho e indiferença dessa produção e expor a pluralidade desconsiderada e o

desconforto (objetivo e subjetivo) causado por esta indiferença. É uma forma de metaforizar

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a ordem dominante, fazendo-a funcionar em outro status, modificando-a sem deixá-la,

empregando-a de outra maneira à revelia do que foi determinado (Certeau,1994, p.52 -95). Essa produção, a qual não é dada voz, “é astuciosa, é dispersa, mas ao mesmo tempo ela se insinua ubiquamente, silenciosa e quase invisível, pois não se faz notar com produtos

próprios, mas nas maneiras de empregar os produtos impostos” (Ibidem, p. 39) por aquela produção racionalizada.

Nessa equação observa-se um outro problema: os artefatos adaptados, metaforizados, reapropriados, engendrados, redesenhados, muito embora se consolidem enquanto

“veículos de interação e troca social, suprimem outras qualidades inerentes ao produto” (Forty, 2007, p.10, p.105, grifo nosso). Nesta condição,

O produto apropriado carrega consigo mesmo o sentido de design póvero ou

de um produto que apresenta, como resultado final, características de segunda ordem, quando confrontado com artefatos industriais que apresentam maiores qualidades tecnológicas (Moraes, 2006, p. 123).

Um bom exemplo desses desvios ou alternativas a essa produção industrializada,

indiferente e globalizada é a chamada cadeira de macarrão. Comercializadas informalmente em praças e por ambulantes, as cadeiras de macarrão, também conhecidas por cadeiras de fio ou cadeiras espaguete, estão presentes em inúmeras residências pelo país, especialmente nas regiões norte, nordeste e centro oeste.

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A cadeira de macarrão é um artefato que está associada a um costume ainda observado

nestas regiões – do sentar-se a porta, nas calçadas, à tarde para contemplação e conversas informais entre vizinhos. Os atributos plásticos e estéticos (seu design) são seus diferenciais e, por certo, causa da preferência no costume observado, e como assinala Braudrillard

(2002, p.14) “o meio ambiente cotidiano permanece, em larga medida, um sistema “abstrato”: nele os múltiplos objetos acham-se em geral isolados de sua função, é o homem que lhes assegura, na medida de suas necessidades, sua existência em um contexto funcional”.

Entende-se que a função do sentar-se, geralmente atribuída as cadeiras, aqui, no caso da

cadeira de macarrão, é estendida, ampliada, pois ao sentar-se acrescenta-se o contemplar, o

descanso contemplativo, o conversar, o socializar-se. E a forma da cadeira, em suas diversas propostas, favorece as funções que lhe são atribuídas.

Observa-se que o comércio e consumo desse artefato estão presentes em diversas cidades das regiões apontadas. Acredita-se que o sistema de crediário proposto pelo comércio

ambulante, e talvez o preço desses produtos fomentaria esse comércio. Há uma variação do tipo funcional de cadeira comercializada: cadeiras de macarrão de pé (sem balanço)

adulto e infantil e cadeiras de macarrão de balanço, também adulto e infantil. Essa variação também incide sobre a plástica e valor monetário desses produtos. Ela está inserida no ambiente local com uma presença colorida e leve. É um artefato presente na cultura

e cotidiano local que apresenta uma maneira própria de concepção e fabricação, não acadêmicas, mas tradicionais no sentido da relação com a cultura local.

O design da cadeira de macarrão é singular, a estrutura metálica – com pés, de balanço,

com braço, sem braço, infantil ou adulto – e a superfície do assento e encosto de ‘baguete’ de PVC, obedecem a um fazer que não segue, necessariamente, um projeto. É um fazer

tradicional, difundido entre pessoas que se prestam ao oficio do ‘enrolar cadeira’, ou seja, tecer o tubo de PVC na estrutura de metal; esta estrutura geralmente é confeccionada

seguindo um gabarito (modelo) que mantém um padrão formal. Então, o fazer da cadeira de macarrão poderia ser dito como vernacular, entendido como um campo que “não aponta um estudo acadêmico prévio. O campo é criado a partir da cultura popular, da região em que

está inserido.” E, “apesar de serem concebidos de modos diferenciados, são espaços que

convivem com a mesma sociedade, em um mesmo período, atendendo a necessidades de grupos sociais distintos” (Amaral & Queiroz, 2011). A Fabricação ou confecção da cadeira

acontece, basicamente, em duas etapas: a primeira seria a montagem da estrutura metálica e a segunda seria a de ‘enrolar o macarrão ou fio’ na estrutura metálica. Inclusive, há mão

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de obra especializada na função de enrolar o fio (baguete de PVC), completamente manual, conhecido como enrolador de cadeira. É possível que o sistema fabril desse artefato

empregue inúmeras pessoas, muitos dos quais jovens, e fomenta a geração de renda local, tanto na produção quanto na comercialização do produto.

O comércio da cadeira se mantêm porque há demanda nas regiões observadas. E essa demanda está ancorada, acredita-se, na identificação dos sujeitos com o objeto. Essa

identificação, possivelmente, assenta-se também na adequação morfológica do artefato

com os usos que lhe são propostos. Esse contexto gera uma cadeia, uma “rede” (Costa,

2010 p.86) que fomenta a produção, o comércio, o consumo e, por fim, a manutenção do

costume do sentar-se a porta. Sustenta um costume e esse costume sustenta, como nota

Ono (2006), “a valorização e o respeito aos referenciais e contextos culturais locais” e gera uma identidade, uma vez que “os objetos [...] são o que usamos para nos definir, para sinalizar o que somos e o que não somos” (Sudijic, 2010 p.21).

88

No caso particular da confecção da cadeira de macarrão, objeto marginal à produção de

massa, observa-se esta peculiaridade característica do ‘brasileiro comum’ das adaptações e improvisos das formas (das coisas) para que atendam a determinados usos e costumes locais, particularidades e não determinados pelo sistema de produção/consumo. Ela, a cadeira, em si é uma transgressão, uma apropriação, adaptação, uma simbiose entre

percepções, necessidades e oportunidades não detectadas pelo sistema de produção, e

que se mantém apesar dos avanços da homogeneização e indiferença (as peculiaridades culturais e outras) dos produtos disponíveis para consumo popular7. Seu modo de

produção, comércio e consumo/uso, também, foge do estabelecido pela ordem econômica. E, como observa Michel de Certeau,

[...] diante de uma produção racionalizada, [...] posta-se uma produção de tipo totalmente diverso, qualificada como “consumo”, assinalada por [...] suas

“piratarias”, sua clandestinidade [...], pois ela quase não se faz notar por produtos próprios (onde teria seu lugar?) mas por uma arte de utilizar aqueles que lhe são impostos. (CERTEAU,1994, p.94, grifo nosso)

7 A cultura popular se fabrica no cotidiano, em atividades ao mesmo tempo comuns e renovadas a cada dia” (CERTEAU, Michel de. Apud ONO, Maristela Mitsuko. Design e Cultura: sintonia essencial. Curitiba: Edição da Autora, 2006. p.17)

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Inicialmente, projetada por um designer austríaco, chamado Martin Eisler, a cadeira

de macarrão, furtivamente, incorporou e adaptou outros materiais e formas ao gosto e

conformidades locais, através dos sujeitos que orbitam entorno de sua produção, comércio e usos. E assim se apresenta a cadeira de macarrão, objeto apropriado, adaptado e

resignificado entre seus usuários. Enquanto artefato encontrou seu campo, seu público, não foi rechaçado, mas adequado, adaptado e, confirmando Braudel8 “nenhuma civilização diz

não ao conjunto dos novos bens, mas cada uma delas lhes dá uma significação particular”.

Pois, “a criatividade popular é multiforme e disseminada, e a partir da mesma constituem-se diversas maneiras de utilizar produtos impostos” (Ono, 2006, p.17).

Referências AMARAL, Claudia Francia do, QUEIROZ, Leila Lemgruber. O Design vernacular nos espaços

contemporâneos. In: IX Simpósio Interdisciplinar do LaRS: Palavras e Coisas. Rio de Janeiro: Departamento de Artes e Design, PUC-Rio, 2011.

BAUDRILLARD, Jean. O sistema dos Objetos. Coleção Debates. 4. Ed. São Paulo: Perspectiva, 2002. CANCLINI, Néstor Garcia. Culturas Híbridas: estratégias para entrar na modernidade. São Paulo: EDUSP, 1997.

CERTEAU, Michel. A Invenção do cotidiano: 1, Artes de fazer. Tradução de Ephraim Ferreira Alves. Petrópolis, RJ: 1994

COSTA, Carlos Zibel. Além das formas: introdução ao pensamento contemporâneo no design, nas artes e na arquitetura. São Paulo: 2010.

FORTY, Adrian. Objetos de desejo: design e sociedade desde 1750. Tradução: Pedro Maia Soares. São Paulo: Cosac Naify,2007.

MORAES, Dijon de. Análise do design brasileiro: entre mimese e mestiçagem. São Paulo: Edgard Blucher, 2006.

ONO, Maristela Mitsuko. Design e Cultura: sintonia essencial. Curitiba: Edição da Autora, 2006.

SANTI, Maria Angélica: Mobiliário no Brasil: origens da produção e da industrialização. São Paulo: Editora Senac, 2013.

SANTOS, M. C. Loschiavo dos. Móvel moderno no Brasil. São Paulo: Studio Nobel: FAPESP: Editora da Universidade de São Paulo, 1995.

SUDJIC, Deyan. A linguagem das coisas. Tradução de Adalgisa Campos da Silva. – Rio de Janeiro: Intrínseca, 2010.

8 BRAUDEL, Fernand, Écríts sur l´histoire. 1969. Apud: ONO, Maristela Mitsuko. Design e Cultura: sintonia essencial. Curitiba: Edição da Autora, 2006. p.17)

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Silvia K. de O. Saraiva, Marisa C. Maass . Cultura Material

Sobre as autoras

Silvia Karla de Oliveira Saraiva. Mestranda do Programa de Pós-graduação em Design

da Universidade de Brasília (PPG|Design/UnB) 2014/15, na Linha de Pesquisa em Design,

Cultura e Sociedade. Especialização em Metodologia do Ensino Superior pela Universidade Federal do Maranhão (2004). Graduada em Desenho Industrial pela Universidade Federal do Maranhão (1998). Docente dos Cursos de Design Bacharelado e de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Ceuma (UniCeuma) desde 2005. [email protected]

Marisa Coobbe Maass. Professora adjunta DE e Pesquisadora da Universidade de

Brasília, atua no Departamento de Desenho Industrial desde o ano 2000, na graduação

e desde 2013 na pós-graduação. É graduada em Arquitetura e Urbanismo (1988), mestre

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em Teoria da Arquitetura e Urbanismo pela Universidade de Brasília (2005) e doutora

em Teoria, História e Crítica, com estágio sanduíche na Université de Paris 1 - Sorbonne

(2011). Tem experiência na área de Design e Arquitetura, com ênfase em Estética aplicada ao Design, atuando principalmente nos seguintes temas: Teoria e crítica, Estética, Teoria e História do Design e Design Educação. [email protected]

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Desafios do design experiencial Luciane Maria Fadel

Este artigo explora trajetórias do design experiencial e algumas questões sobre esse tema. Para tanto, o artigo inicia com uma breve história da interação humano-computador para

situar a experiencia e segue com a revisão bibliográfica sobre as bases teóricas do design

experiencial. O resultado dessa contrução ė uma trajetória entre o concreto e a experiencia onde várias questões ainda precisam ser respondidas e outras elaboradas. Palavras-chave: design, emoção, experiência

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Introdução

Ao pisar pela primeira vez no The Ledge em Chicago(ver Figura 1), pude compreender o

que significa criar objetos que proporcionam uma experiência ótima. Nesse caso, o design atua na reinvenção da sacada pela simples troca de seu material. O The Ledge é uma

sacada em vidro que fica a 103 andares de altura, e provoca todos os sentidos que tentam lhe afastar do perigo. Enquanto o sangue ferve , o corpo formiga, o coração palpita o lado

racional aconselha a só experimentar um pouquinho, já que seus olhos testemunham várias pessoas pisando no precipício sem qualquer dano. Então, o confronto sentidos x racional é levado ao extremo ao colocar o pé no vidro, pois, enquanto a visão diz que o chão não

esta ali, o tato responde que você não vai cair. O chão existe. Não dá pra ver, mas existe. E esse delicioso conflito provoca o corpo e a mente, e viver o inusitado da vontade de rir.

Espero que minha cafeteira não me provoque tanto, mas como muitos produtos do design ela poderia ser recriada para provocar experiências ótimas.

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Luciane M. Fadel . Desafios do design experiencial

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Figura 1. Foto na sacada ´The Ledge` no Skydeck, Chicago (autora)

E estas experiências são relatadas por vários pesquisadores, como Buxton (2007)que

descreve suas experiências com diversos espremedores de laranja. Mas, o conhecimento sobre projetos em design dá suporte para criar produtos, quando pensamos em material, forma, cor, tamanho, suporte, tecnologia, ergonomia, usabilidade etc. Esses são dados e

escolhas técnicas, numéricas, proporcionais, baseadas em fatos e tabelas comprovadas. Mas, projetar experiência nos tira o chão, pois isso significa realmente praticar o design centrado no usuário, o qual tem que invariavelmente entender o humano.

Para colaborar na construção desse entendimento, esse artigo descreve alguns dos

desafios do design experiencial, ou design centrado no usuário numa abordagem do design de interface.

Primórdios do design de interface

Ao olharmos para a história do computador ficam evidentes algumas das escolhas feitas

em relação à interface e ao hardware. O design do ENIAC de 1945 (considerado o primeiro

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Luciane M. Fadel . Desafios do design experiencial

computador digital eletrônico de grande escala) proporcionava uma interação direta com o

usuário, uma vez que essa interação ocorria através da manipulação dos cabos. A interface era o próprio hardware da máquina que se alterava conforme as conexões dos cabos eram

feitas. Dessa forma o usuário tinha total controle da máquina, mas também precisava saber exatamente onde conectar os cabos para funcionar, pois o objetivo era operar a máquina.

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Figura 2. ENIAC sendo operado por duas mulheres (fotografia pertencente ao Exército dos Estados Unidos (U.S. Army) em http://pt.wikipedia.org/wiki/ENIAC

Ao avançar para 1965, as máquinas ainda apresentam sua arquitetura aparente, como o PDP-8 da DEC de 12 bits com switches de configurações de 3 bits no painel frontal. Ou

seja, o objetivo continuava sendo operar a máquina e o usuário precisava ser conhecedor de sua arquitetura. Mesmo não tendo acesso a máquina, como no caso dos cartões

perfurados como forma de entrada de dados, o usuário continuava restrito as engenharias,

até que a interface com o usuário passa a ser por comando de linha. Nessa fase do design de interface era preciso lembrar-se de muitos comandos e a “Ajuda ou Help” passa a ser fundamental. Assim, o sistema era considerado ‘user friendly’ se a Ajuda era clara e os termos fáceis de serem lembrados (Rettig, 2008).

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Um marco na história do design de interface foi a demonstração de Doug Englebart

em 1968 quando ele falou de algumas de suas ideias: o mouse, o hipertexto, objetos dinâmicos na interface, link dinâmico de arquivos, e até duas pessoas em lugares

distintos se comunicando através de áudio e vídeo (The Demo). Englebart, Sutherland e

outros deixaram de se preocupar em como operar a máquina para começaram a projetar ferramentas úteis para as pessoas. Englebart perseguia o uso do computador para aumentar o intelecto humano.

Nessa fase do desenvolvimento da interface era preciso mudar o foco do controle do

computador para usar as aplicações e ferramentas. Assim, buscou-se formas para usar a capacidade da máquina sem que o usuário ter que se adaptar.

Até que em 1979 é lançado o Visicalc (planilha de cálculo) de Dan Bricklin e as pessoas

tinham uma razão para ter um computador. Além de ter a necessidade de fazer uma planilha

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de cálculos as pessoas também tinham a necessidade de escrever. E o uso do computador se torna real com Wordstar de Seymour Rubenstein & John Barnaby também em 1979. O WordStar tinha uma interface muito complicada, mas uma vez que você investisse tempo

para aprender, era muito poderoso. O Wordstar era muito complexo mas mesmo assim muito popular, o que causava competição e crítica. Já o Visicalc foi vencido pelo Lotus 1-2-3 por

esse ser mais fácil de usar e por rodar no IBM. Seu uso em grandes companhias enfatizou o

fácil de usar, de aprender, a redução de erros e economia de tempo. Isto levou a uma ênfase em fazer uma tarefa ao invés de uma ferramenta com bons controles.

Outro marco na história do design de interface foi o lançamento do Macintosh em 1984

durante o intervalo do Superbowl. Aproveitando que o mundo tinha lido o livro de George Orwell “1984” a propaganda para lançamento mostra a sociedade zumbi imaginada pelo autor sendo libertada por uma mulher (Apple?) que lança um martelo no Big Brother

castrador. E assim também, o mundo se libertou dos comandos de linha pelos ícones e

gráficos e tudo ficou mais colorido. Uma interface gráfica permite tentar fazer alguma coisa, o que permite um leigo (não engenheiro) a utilizar o computador.

Depois de 20 anos tentando ajudar as pessoas a realizar suas tarefas entende-se

que o sucesso de um produto depende de se encaixar num contexto, de atender as

características dos indivíduos e padrão de vida. Ainda, requer ir além das necessidades expressas para prever as necessidades latentes e escondidas.

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Inicia-se o ciclo das conexões dinâmicas, onde os dispositivos são ecossistemas, a

computação se torna invisível, o conteúdo é dinâmico e distribuído, a estrutura é dinâmica, a forma é dinâmica, a audiência é dinâmica, e distribuída bem como o uso é dinâmico e distribuído. Agora, as máquinas começam a ficar em segundo plano e projetamos o

que acontece entre as pessoas através das máquinas (Rettig, 2008). Ou seja, o design centra-se no usuário e não mais no sistema, na tecnologia ou no produto. Com isso o

designer precisa compreender quem é o usuário, o que quer, o que é como ele sente, o que ele percebe, como e porque ele usa um programa, entre tantas outras perguntas que se pode formular sobre esse usuário.

Mas essas perguntas têm sido feitas há algum tempo. Em 1988, Carrol e Thomas (1988) afirmavam que um dos principais componentes da usabilidade é a diversão. Ao terminar seu artigo intitulado ‘Fun’ esses autores escreveram:

‘Nos sabemos que muitas pessoas vão ler nosso artigo como uma piada.

Assim, nós somos vítimas de nossa análise: existem riscos sobre ser sério em

relação ao divertimento. Mesmo assim, vamos continuar a ver, sem humor, uma década toda de pesquisa falhar por não atingir o nível que poderia no projeto

de sistemas que as pessoas realmente querem usar, por ignorar um item que

poderia ser um determinante importante no julgamento subjetivo da usabilidade a diversão’ (p.23).

Esse tema só voltou a ser discutido quase uma década depois quando em 1996 Alben

(1996 ) determina a experiência estética como uma qualidade da tecnologia. A estética é

entendida nesse artigo como a capacidade do produto em excitar um ou mais sentidos. A resposta a essa excitação é visceral na forma de medo, excitação, conforto, estranheza, percepção de rapidez, de tempo, etc. Ou seja, muitas vezes a resposta é uma emoção.

As emoções

A resposta emocional também não é novidade no design de interfaces, afinal essa resposta foi tratada como o eixo de satisfação da usabilidade. Porém, pouco se dominava sobre como projetar ou medir um grau de satisfação percebido em relação ao uso de uma

interface. Mas, com os avanços da neurociência sobre as emoções trouxeram um novo

olhar sobre este tema. Por exemplo, Paul Ekman determinou 6 emoções como básicas:

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Luciane M. Fadel . Desafios do design experiencial

raiva, tristeza, medo, surpresa, nojo e alegria. Ou seja, essas emoções são independentes de raça ou cultura e são identificadas pela expressão facial. Antônio Damásio (1994)

relacionou as emoções a nossa capacidade de escolha e afirmou que Descartes estava

errado quando afirmou que “Penso logo existo”. Para ele a afirmação mais precisa seria “Penso, sinto logo existo”.

As pesquisas atuais enfatizam a importância de um sistema afetivo para um grande

espectro de processos centrais, como a tomada de decisão, ou bem estar. O projeto Affective Computing foi um dos pioneiros a focar na afeição em Interação Humano-

Computador - IHC (Picard, 2000). Este projeto envolve a dimensão dos computadores

com emoções. Neste sentido os estudos voltam-se predominantemente a construção de

mecanismos e produtos para acalmar usuários nervosos com a tecnologia. Por exemplo, `Interacting with Computers’ Special Issue da série Affective Computing tem uma série de exemplos de sistemas interativos para ajudar usuários bravos.

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Embora este seja um importante campo de estudo, a dimensão da experiência do usuário (UX) volta-se as consequências afetivas da interação humano e tecnologia. UX está

interessada em entender o papel das afeiçoes como antecessor, como consequência

e mediador no uso da tecnologia. Além disto, é focada nas afeiçoes positivas. Prevenir

frustração e desapontamentos sempre foi um objetivo central da IHC. O que é novidade em UX é o foco em emoções positivas como alegria, diversão e orgulho.

Um exemplo disso, é o Gustbowl (Hoog, Keller, & Stappers, 2004), uma ferramenta

de comunicação projetada para conectar pais e filhos. Através de uma análise inicial

detectou-se que este tipo de comunicação é predominantemente emocional e construída

sobre rituais afetivos. O Gustbowl são realmente tigelas colocadas pela casa que transmite uma imagem dos objetos depositados nela.

Outro exemplo vem Millard e Hole (2008) que criaram uma interface de usuário motivacional para software de call-centre. Este trabalho partiu da necessidade dos agentes de call-

centre de verificar a qualidade de interação com seus clientes. Para tanto eles costumam ter diários. Assim Millard e e Hole projetaram os moodies que capturam a qualidade de interação em cada ligação.

Em geral existem dois modos de se tratar emoções em UX: uma linha de pesquisas foca na importância das emoções como consequência do uso do produto. A outra linha de pesquisa

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Luciane M. Fadel . Desafios do design experiencial

concentra-se na sua importância das emoções como antecedente no uso do produto e na sua avaliação.

E quais são os desafios para as futuras pesquisas? Uma questão central é como os

requisitos afetivos podem ser coletados e transformados em produtos como Gustbowl. Pode a tecnologia ser um veiculo para manter e regular afeições? É possível projetar emoções?

Ou são as emoções efêmeras? Ou em outras palavras, se emoções são produtos de muitos aspectos diferentes, os designers não podem ter a habilidade de exercer um controle

necessário pra produzir determinadas emoções. Logo, os designers podem estabelecer o contexto para determinada emoção e não a emoção. E quais seriam os efeitos deste

controle afetivo no julgamento e comportamento (como gostar, estar disposto a pagar)?

Como as emoções são viscerais, ou seja, ocorrem como resposta do corpo as percepções dos sentidos (estética), elas podem expressar a percepção do usuário em relação ao uso

de uma interface. E por ocorrer sem qualquer processo cognitivo, as respostas emocionais podem ser a primeira manifestação da experiência do usuário.

Experiência do usuário

O termo experiência do usuário tem sido largamente utilizado pela indústria e pesquisadores com os mais diferentes significados. Numa tentativa de conceituar a experiência do usuário

(UX) os pesquisadores Law, Vermeeren, Hassenzahl e Blythe editaram o documento ‘Toward a UX Manifesto’ em 2007. É a partir deste manifesto que este artigo define experiência do

usuário como o conjunto de interações entre humano-produto considerando todos os aspectos desta experimentação – físico, emocional, social e estético.

Os aspectos físicos envolvem as qualidades do produto como tamanho, cor, forma, material etc. Os aspectos emocionais envolvem as predisposições do usuário, suas expectativas, necessidades, motivações, humor, etc. Os aspectos sociais focam nas qualidades do

produto que afetam as relações entre indivíduos. Nesta categoria, as reações acontecem em decorrência das ações do(s) outro(s) participante(s) e também em relação ao produto em si.

E os aspectos estéticos envolvem a gama de qualidades do produto que afetam os sentidos. Antes, porém deste manifesto algumas publicações como ‘Estudos empíricos sobre a

experiência do usuário’, tentavam definir mesmo provisoriamente o termo experiência do

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usuário. Desta forma e após analise do material publicado até então, os autores Hassenzahl e Tractinsky (2006) verificaram que a experiência do usuário era tratada segundo três perspectivas:

1. Tratar as necessidades humanas além do instrumental; 2. Tratar os aspectos afetivos e emocionais; 3. Tratar a natureza da experiência.

A partir desta analise os autores sugerem três perspectivas para definir UX: além do instrumental, emoção e afeição e experimental (ver Figura 3).

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Figura 3. Facetas da UX (Hassenzahl & Tractinsky, 2006, p. 95)

Desta forma nenhuma destas perspectivas sozinha poderia definir UX em sua completude. UX é uma abordagem que preenche mais do que as necessidades instrumentais

reconhecendo o uso de um produto como subjetivo, situado, complexo e dinâmico. Mas

UX é também uma consequência do estado emocional do sujeito, das características do sistema (complexidade, proposta, usabilidade, funcionalidade etc.) e seu contexto (ou

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ambiente) onde as interações ocorrem (espaço social, organizacional, uso voluntário, etc.). Obviamente isto cria inúmeras oportunidades de projetar a experiência e com isto muitos

desafios, como por exemplo, definir quais são os atributos dos produtos que correspondem a cada necessidade.

Para Hassenzahl (2007) a experiência do usuário poderia ser descrita através de um modelo pragmático-hedônico. As duas dimensões deste modelo correspondem ao

pragmatismo, o qual se refere à habilidade do produto em dar suporte ao ‘fazer’, como

por exemplo ‘realizar uma chamada telefônica’, encontrar uma referencia’, etc. A segunda dimensão, hedônica, se refere à habilidade do produto em dar suporte ao ‘ser’, como por

exemplo, ser competente, ser especial, etc. Esta dimensão pode ser interpretada em como as outras pessoas irão perceber o usuário e se relacionam aos estímulos (crescimento

pessoal, aumento do conhecimento) identificação (auto expressão, interação) e evocação (memória).

Este modelo multidimensional explicitamente relaciona os atributos do produto com

necessidades e valores. A novidade do produto e os desafios que isto implica, por exemplo, contribui na qualidade hedônica, a qual é relevante porque tenta preencher a uma

necessidade humana – a necessidade de ser estimulado, de aumentar seu conhecimento e de crescimento.

Já Roto (2007) afirma que enquanto usabilidade é um atributo do produto a UX é pessoal,

uma percepção em relação ao produto. Para a autora, antes de uma pessoa interagir com um produto ela tem expectativa sobre isto (ver Figura 4). Assim o usuário irá avaliar quão

bom é a experiência propriamente dita contra aquilo que ela esperava ser. Na experiência de usuário com produtos o sucesso de negócio depende de uma relação a longo termo

com o usuário. E a investigação da experiência durante a interação pode levar a propor

modificações nos produtos, quando se entende quais fatores criam uma boa UX. Os três

componentes que afetam a UX nesse momento são retratados na Figura 4. Para Roto, para melhorar o produto o componente Sistema é o mais significativo.

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Figura 4. UX durante interação (Roto, 2007, p. 32)

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Neste trabalho entende-se que o usuário interage com os elementos do produto projetado

para criar uma experiência especifica a qual muda no tempo. Esta também foi a abordagem de Kort, Vermeeren e Fokker (2007) em seu modelo de UX mostrado na Figura 4.

No modelo de Kort, Vermeeren e Fokker a UX se baseia nos elementos de design, o círculo externo relaciona as fases gerais do processo de Sense-Making (o ato de fazer sentido)

o que resulta na experiência do usuário. A estratégia proposta pela abordagem do SenseMaking entende que os humanos têm a capacidade de se compreender mutuamente apesar de cada um de ver as coisas de pontos de vista diferentes.

O circulo interno no modelo da Figura 5 posiciona os três aspectos da UX que levam a emoção e que o designer intencionalmente cria através do uso dos elementos de

design. Assim, os aspectos composicionais são os aspectos da experiência criados pelo designer pela estruturação da interação com o produto. Estes aspectos estão relacionados com usabilidade, pragmatismo e características comportamentais do

produto. Por isso, estes aspectos composicionais podem resultar no sentimento de ter entendido como o produto funciona.

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Figura 5. Modelo de UX (Kort, Vermeeren, & Fokker, 2007, p. 58)

Já os aspectos estéticos da experiência se relacionam com a capacidade do produto

deliciar um ou mais modalidades sensoriais. Estão relacionados à aparência, textura, som, cor, formas, composição, etc. Os aspectos de significação estão relacionados

com a intenção do designer em atingir objetivos do usuário de mais alta ordem, como

necessidades e desejos. Como colocado por Desmet e Hekkert (2002) estes aspectos se relacionam com a cognição. Através de processos cognitivos os usuários são capazes de

reconhecer metáforas, atribuir personalidade e outras características expressivas e avaliar o significado pessoal ou simbólico de um produto.

Projetar centrado no usuário requer que o designer tenha meios de enxergar a experiência, de falar sobre ela, de analisar as relações entre suas partes e entender como a tecnologia poderia participar para tornar a experiência mais satisfatória.

Considerações finais

O desenvolvimento da experiência do usuário é motivado pelo comércio que é sensível a

mudança do clima dos negócios, pelos designers que buscam novas oportunidades, e pela

comunidade cientifica que integra novos olhares e abre espaço para os sistemas afetivos e a interconexão com cognição.

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Além disso, a valorização dos aspectos positivos da tecnologia tem sido abordada por

pesquisadores como Seligman e Csikszentmihaly (2000). Eles clamam por uma psicologia positiva, que trabalhe com as forças humanas e promova o bem estar ao invés das

fraquezas. Com esta abordagem a experiência do usuário foca em como criar experiências de qualidade e não apenas prevenir problemas de usabilidade.

E muitas perguntas sobre a experiência do usuário se apresentam e desafiam novos

comportamentos. Como por exemplo, entender a necessidade não instrumental. E, depois traduzir isto em qualidade do produto. Ou ainda, é preciso verificar como os atributos

do produto se encaixam em quais necessidades. Talvez a pergunta mais intrigante seja

como a qualidade como um todo de um produto interativo é percebida, dado os aspectos pragmáticos e hedônicos e necessidades subjetivas. E, com isso, outras perguntas se

formam, como por exemplo, sobre a relação da percepção da qualidade instrumental e não instrumental que pode ser dependente (Tractinsky, Katz, & Ikar, 2000) ou independente

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(Hassenzahl, 2003). Seriam as necessidades igualmente importantes? Ou formam uma

hierarquia como sugerido por Jordan? Podemos criar modelos dinâmicos de qualidade?

Como projetamos para necessidades particulares? Todas essas questões nos permitem

investigar diferentes aspectos daquilo que experimentamos e observamos, e o resultado pode levar a construção de uma coletânea da experiência humano-produto.

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Luciane M. Fadel . Desafios do design experiencial

Sobre a autora

Luciane Maria Fadel. Possui graduação em Comunicação Visual pela Universidade

Federal do Paraná (1987), graduação em Engenharia da Computação pela Pontifícia

Universidade Católica do Paraná (1994), graduação em Licenciatura Em 2o Grau pela

Universidade Tecnológica Federal do Paraná (1992), mestrado em Ciências da Computação pela Universidade Federal de Santa Catarina (2001) e doutorado em Typography &

Graphic Communication - University of Reading (2007). Atualmente é professora adjunto do Departamento de Expressão Gráfica da Universidade Federal de Santa Catarina.

Co-lidera o Grupo de Pesquisa Núcleo de Acessibilidade Digital e Tecnologias Assistivas e participa do Grupo de Estudo de Ambiente Hipermídia voltado ao processo de Ensino-

Aprendizagem e do Grupo Laboratório de Orientação da Gênese Organizacional - LOGO da UFSC. Tem experiência na área de Design Experiencial com ênfase em Interação Humano Computador, atuando principalmente nos seguintes temas: design de interação, interface,

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user experience e acessibilidade. [email protected]

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Organizando big data gerado colaborativamente – um estudo de caso do Infográfico do tipo Linha do tempo do Marco Civil da Internet Adriana Veloso Meireles, Rogério José Camara, Virgínia Tiradentes Souto

Analisa-se neste artigo os resultados da construção colaborativa de um infográfico de linha do tempo sobre o tema do Marco Civil da Internet. O objetivo é verificar a visualização e

organização da informação advinda de diversas fontes em um resultado interativo e que atenda aos princípios de usabilidade e experiência do usuário. Conceito como o big data, design de informação e interação e visualização de dados serão descritos para abordar o paradoxo da organização de grandes volumes de informação. Além disso, faz-se necessário explicar as

etapas do processamento do big data, adotadas como critérios utilizados na análise do estudo de caso. Em seguida apresenta-se o estudo de caso proposto, a construção colaborativa da

linha do tempo do Marco Civil da Internet. Para tanto descreve-se a metodologia utilizada na coleta de dados e o conjunto de ferramentas e aplicativos adotados durante esta etapa do

estudo empírico. O resultado, que chegou a quase oitenta contribuições em quinze dias, é

analisado a partir dos critérios de processamento do big data; a aquisição dos dados, o acesso e escolha da arquitetura da informação e a análise e manipulação dos dados. Em seguida

avalia-se a linha do tempo construída colaborativamente e com relação aos seus aspectos

visuais, funcionais e de interação. A partir do experimento empírico foi possível concluir que a ferramenta utilizada apresenta suas limitações, mas que ainda assim proporciona um alto

nível de interatividade e interoperabilidade. Além disso, destaca-se que foi possível por meio de ferramentas digitais propor, divulgar e sistematizar no formato de infográfico do tipo linha do

tempo a proposta de construir de forma colaborativa a narrativa sobre a jornada do Marco Civil da Internet. Por fim, são apresentadas as considerações finais sobre possíveis melhorias nas formas de visualização da informação e na aplicação da ferramenta.

Palavras-chave: design de interação, visualização de dados, big data, colaboração em rede, infográficos.

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Adriana V. Meireles, Rogério J. Camara, Virgínia T. Souto . Organizando big data gerado colaborativamente

Introdução

Uma busca na ferramenta Google pela expressão “Marco Civil da Internet”, em maio de 2014, retorna aproximadamente 4.250.000 resultados. O Marco Civil da Internet,

tornou-se, no último 23 de abril, a Lei 12.965/20141, sendo a primeira legislação brasileira construída de forma colaborativa entre governo e sociedade utilizando a internet como plataforma de debate.

Os mais de 4 milhões de resultados sobre o tema são conhecidos como big data. que segundo Tien (2013, p. 127) “é o termo aplicado ao conjunto de dados cujo tamanho

está além da habilidade das ferramentas disponíveis para realizar sua aquisição, acesso,

análise e ou aplicação em um tempo razoável”. Sabe-se que com o excesso de informação da atualidade as pessoas estão cada vez com mais dificuldade de processar, assimilar e compreender a informação do mundo.

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Sendo assim, a visualização das informações por meio de infográficos, material multimídia entre outros, desempenha um importante papel na organização dos dados já que ajuda as pessoas a compreenderem mais facilmente as informações. Além disso, conforme

pontua McNely (2012) diante do excesso de informações do big data é preciso adotar

uma abordagem que atenda a escala humana, apresentando as informações de forma

contextualizada, relevante e significativa. Outro fator que se deve levar em conta é que as

informações publicadas na internet são de múltiplas origens e o paradigma da comunicação

linear, em que há um emissor para muitos receptores, não se aplica nesta mídia. Na internet todos são produtores e consumidores de conteúdo.

Como organizar um grande volume de informações provenientes de diversas fontes

sobre determinado tema? Como garantir a visibilidade da diversidade inerente aos dados

produzidos por vários autores? O objetivo deste estudo é verificar, com base em um estudo

de caso, a visualização da informação gerada colaborativamente em um infográfico interativo do tipo linha do tempo. Para tanto, será utilizado como tema o Marco Civil da Internet, já

citado como exemplo nesta introdução. Para tanto, alguns conceitos serão tratados antes da apresentação do estudo de caso. Parte-se do desafio de organizar a big data. Em

seguida, se destaca a relevância dos infográficos na visualização de dados e a importância do design de informação e interação na organização de dados gerados colaborativamente. 1 Lei 12.965 . Acessado em 18/05/2014.

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Adriana V. Meireles, Rogério J. Camara, Virgínia T. Souto . Organizando big data gerado colaborativamente

Por fim, apresenta-se o estudo de caso e a ferramenta utilizada, bem como sua análise e as considerações finais com base em aspectos visuais, funcionais e de interação.

Big Data, Infografia, design da informação e interação

A International Data Corporation2 estima que a quantidade de dados criados e

compartilhados a cada ano crescerá exponencialmente entre 2010 e 2020. A medida

em que o volume de informações disponíveis online cresce, se faz necessário facilitar

a forma de processamento e compreensão destes dados. McNely (2012) destaca que,

nos últimos anos, a área de tecnologia da informação e comunicação tem focado muito

mais na infraestrutura de armazenamento e processamento dos dados do que em formas de transformar estas informações em dados inteligíveis para uma comunidade mais

ampla. Sendo assim, entende-se que o design de informação e interação possuem papel

fundamental para tornar-se um grande volume de dados cada vez mais compreensível para os usuários finais e internautas.

Processamento da Big Data

Segundo Tien (2013) a análise do big data deve levar em conta quatro componentes de

seu processamento que são: “(1) a aquisição - inclusive como os dados são capturados,

(2) acesso - — indexação de dados, armazenagem, compartilhamento e arquivamento, (3) análise (analise e manipulação de dados); e 4) aplicação (a publicação dos dados)” (Tien,

2013, p. 133, tradução dos autores). Por esta perspectiva a visualização de dados trabalha

exatamente na última etapa do processamento do Big Data que é a forma como eles serão apresentados ao público.

Mas antes as informações passam por um processo de manipulação, também conhecido como data mining. Isto tudo depende e varia de acordo com a forma como foram

indexados e catalogados, a tecnologia empregada em sua taxonomia. Entretanto esta

engenharia reversa tem início na forma como os dados são obtidos, ou seja a aquisição das informações.

2

International Data Corporation. Disponível em . Acessado em 18/05/2014.

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De forma semelhante, Fisher et all (2012), problematizam o estado da arte da análise da big data e propõe uma forma de canalização do volume de informações e critérios

metodológicos para sua avaliação. De acordo com os autores o fio condutor do trabalho do processamento da big data é composta de cinco etapas, são elas; (1) aquisição,

“ou de onde os dados de seu big data veio” (Fisher et all, 2012, p. 54); (2) a escolha da arquitetura, que se refere à plataforma onde os dados serão processados, como por

exemplo, máquinas virtuais em sistemas hospedados na nuvem; (3) a formatação dos

dados na arquitetura escolhida, que se refere ao upload dos dados na plataforma escolhida, lembrando-se sempre de que “os sistemas que operam na nuvem possuem um sistema de armazenamento de dados diferente das máquinas de computação pessoal” (Fisher et all,

2012, p. 55); (4) a programação, que envolve tanto a escrita de código para processamento da informação como também a prática de debbuging, um processo de “busca por possíveis erros, iteração, modificar o código para que funcione e visualização para ser capaz de

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interpretar os resultados” (Fisher et all, 2012, p. 56); e por fim a (5) reflexão sobre os resultados, que necessariamente deve envolver o usuário final para que o todo este processo seja iterativo e se retroalimente.

É possível identificar semelhanças entre ambas as propostas dos diferentes autores no

processamento do big data. Por isso estes critérios serão utilizados na análise do estudo de caso.

Visualização do Big Data: Infográficos

Siricharoen (2013) enumera uma série de tipos de infográficos e ferramentas para

produzi-los e destaca que “a base dos infográficos é composta por três grandes partes;

visualização, conteúdo e conhecimento” (Siricharoen, p. 173, 2013). Com relação aos tipos de infográficos Siricharoen (2013) destaca que existem quatro tipos principais que levam

em conta a usabilidade, são eles; com base em estatísticas, linha do tempo, processos e

localização (p.171). Já as ferramentas apresentadas compõe uma diversidade de funções e características, entretanto possuem um aspecto em comum; em todas elas apenas um

usuário controla a entrada de dados. Neste sentido, perde-se a diversidade e possibilidade de demonstrar visualmente a colaboração em rede. De fato, “cabe indagar sobre o futuro

da organização da informação em ambientes colaborativos” (Moura, 2008) e ferramentas capazes de demonstrar visualmente a participação social de diversos atores.

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Design da informação e interação em projetos colaborativos

Saffer (2010), destaca alguns princípios do design de interação que podem ser utilizados durante o processo de design, em especial em sua etapa de refinamento. Dentre estes

princípios é extremamente relevante para este estudo de caso o fato de que os objetos podem ser manipulados de forma direta ou indireta (Saffer, 2010). Isto quer dizer que o usuário final pode ter acesso direto ao banco de dados de determinada informação ou

infográfico, como também manipular dados que já foram previamente tratados, como ocorre na maioria das vezes. No caso do Marco Civil da Internet é importante destacar que o texto final do projeto teve cerca de 5 mil colaborações diretas, se somadas as duas etapas, a

consulta pública no site Culturadigital.br/marcovcivil e a consulta no portal e-Democracia da Câmara dos Deputados3. Já as contribuições indiretas, por meio da participação em

petições públicas, chegam a quase 500 mil pessoas mobilizadas, se somada a petição

contra o PL 84/19994 e as assinaturas colhidas pelo projeto Avaaz5 pedindo a aprovação do Marco Civil da Internet na Câmara dos Deputados.



É uma escala que aumenta em 100 vezes o volume de dados e informações. Esta

variação acontece principalmente porque no primeiro caso, de contribuição direta com o

texto, os internautas precisavam de fato ler e escrever sobre o assunto, enquanto que na assinatura das petições a interação se dava com apenas poucos cliques. Tal realidade chama a atenção para o fato de que “dentro do processo do trabalho colaborativo, é

necessário eliminar barreiras tecnológicas e cognitivas, visando facilitar a interação entre

os usuários e a troca de informações que são imprescindíveis para o desenvolvimento do projeto” (Duque e Vieira, 2008). Sendo assim, é importante destacar que a construção de

ferramentas colaborativas devem levar em conta as metas de usabilidade e da experiência do usuário, abaixo conceituadas.

Além destes, outro princípio do design de interação extremamente relevante para a análise 3 O que é o Marco Civil da Internet? Disponível em . Acessado em 18/05/2014. 4 Pelo veto ao projeto de cibercrimes - Em defesa da liberdade e do progresso do conhecimento na Internet Brasileira. Disponível em < http://www.petitiononline.com/veto2008/petition.html >. Acessado em 18/05/2014.

5 Manifestantes entregam ao Senado 350 mil assinaturas pela aprovação do marco civil da internet. Disponível em < http://www12.senado.gov.br/noticias/materias/2014/04/22/manifestantes-levam-ao-senado-350-mil-assinaturaspela-aprovacao-do-marco-civil-da-internet>. Acessado em 18/05/2014.

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do estudo de caso é o “feedback, termo muito utilizado no design de interação, como uma indicação de que algo aconteceu” (SAFFER, p. 131, 2010). O feedback é fundamental para que o usuário compreenda como o sistema reagiu a sua interação, para verificar como sua ação modificou o comportamento do sistema. Sendo assim, destaca-se a

importância da aplicação destes princípios ao lidar com grandes volumes de informação, a

big data. Para que os dados sejam compreensíveis os princípios de usabilidade devem ser atendidos, sendo também fundamental que a experiência do usuário seja levada em conta para promover uma interação que gere resultados positivos. Pontuadas estas questões,

prossegue-se com a apresentação do estudo de caso analisado na quarta e quinta parte do presente artigo.

Estudo de caso: Construção colaborativa da linha do tempo do Marco Civil da Internet 110

O Marco Civil da Internet nasce a partir de uma reação da sociedade civil ao PL 84/19996,

que buscava regulamentar a internet por meio da criminalização do internauta. A partir da

mobilização contra este projeto surge a proposta de construir o Marco Civil da Internet, com vistas a estabelecer princípios, garantias, direitos e deveres dos usuários da Internet no Brasil, antes de criminalizá-los.

Em 2009, a proposta foi incorporada pelo Governo Federal, que lança uma consulta

pública online7 por meio do site sobre o projeto. Tal fato marca o início de um processo colaborativo que envolveu milhares de pessoas ao longo de cinco anos, constituindo

uma rede de colaboradores mobilizada em torno do tema. O Marco Civil da Internet foi sancionado dia 23 de abril pela Presidenta Dilma Rousseff na abertura do NetMundial, evento internacional sobre os princípios da governança da internet, conforme era a

expectativa da rede de mobilização em torno do projeto. A proposta de análise do presente artigo é verificar como esta rede construiu de forma colaborativa uma linha do tempo interativa que conta esta jornada.

6 PL 84/1999. Disponível em . Acessado em 22/5/2015. 7

Disponível em http://culturadigital.br/marcocivil . Acessado em 22/5/2015.

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Metodologia: a ferramenta: Timeline JS e a coleta de dados

Optou-se pelo uso do Timeline JS8, “um aplicativo open source que permite que as

pessoas construam linhas do tempo visualmente ricas e interativas”, uma iniciativa

da Knight Lab Projects, da Northwestern University9. O aplicativo, por meio de uma

planilha publicada online, gera um infográfico do tipo linha do tempo. O fato de poder ser

compartilhada possibilita que mais de uma pessoa inclua as informações, que vão desde

links e URLs a material multimídia, como vídeos, tweets, imagens e sites. O diferencial do

Timeline JS, que já foi utilizado pela revista Time e o Le Monde Francês, é que ele pode ser

construído colaborativamente, já que o aplicativo gera a linha do tempo interativa a partir de uma planilha compartilhada no Google Drive.

A proposta de construção colaborativa da linha do tempo foi apresentada para a Rede de Acompanhamento à Governança da Internet no Brasil. O grupo é composto por cerca de 300 ativistas pelos direitos humanos na internet e se organiza e se comunica a partir de uma lista de discussão e uma sala de conversa no Telegram10, ferramenta open source

alternativa ao Whatsapp11. Os ativistas receberam a proposta com bons olhos e divulgaram

o link para as contribuições em seus ambientes de colaboração. Para apresentar uma

interface mais agradável à rede de colaboradores foi elaborado um formulário online12

com as informações que compõe a planilha. Além disso, o link para o formulário que foi

divulgado pelo Twitter do Marco Civil13, que possuía 4128 seguidores, em 06/06/2014. É

importante observar que o formulário não alimenta a planilha final diretamente. Por isso foi colocado à escolha dos usuários a decisão sobre usabilidade ou interatividade. Isto quer dizer que as pessoas que optaram por preencher o formulário colocaram a usabilidade

em primeiro lugar. Já os colaboradores que solicitaram o acesso direto à planilha puderam 8

Timeline JS. Disponível em < http://timeline.knightlab.com/>. Acessado em 18/05/2014.

10

Telegram. Disponível em < https://telegram.org/>. Acessado em 28/05/2014.

9 Northwestern University Knight Lab. Disponível em< http://knightlab.northwestern.edu/about/>. Acessado em 18/05/2014. 11

Whatsapp < http://www.whatsapp.com/?l=pt_br>. Acessado em 28/05/2014.

Jornada do Marco Civil da Internet. Disponível em < 12 https://docs.google.com/forms/d/1Nl5HT3TiMQLxtBico_YLSwg5NbWoHp1Hy9ZD9YX-P-k/>. Acessado em 28/05/2014. 13

Twitter oficial do Marco Civil. Disponível em < http://twitter.com/marcocivil>. Acessado em

28/05/2014.

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enviar suas contribuições e visualizá-las em tempo real. O formulário ficou aberto para

colaborações do dia 25 de maio ao dia 08 de junho. A seguir analisa-se os resultados e

questões teóricas que sugiram durante a aplicação da proposta de construção colaborativa da linha do tempo do Marco Civil da Internet.

Resultados e discussão Da rede dos ativistas apenas uma pessoa solicitou acesso direto à planilha que gerava a

visualização em tempo real, ou seja, primou pela experiência em detrimento à usabilidade. O restante optou por não ver os resultados em tempo real e preencher o formulário.

Ao todo recebeu-se quase 80 contribuições. Dentre elas observa-se uma diversidade de

112

fontes e de tipos de mídia, que variam desde jornais oficiais como o Globo à blogs de

ativistas como o Xô Censura14 e o Marco Civil Já. O material apresenta diversidade no tipo

de mídia, que inclui vídeos e imagens, conforme pode-se observar na Figura 1 abaixo.

Figura 1: A linha do tempo do Marco Civil da Internet gerada colaborativamente

Para a análise dos resultados do experimento empírico foram utilizados como referência

os critérios de processamento da big data propostos por Tien (2013, p. 133) e Fisher et al

(2012). Para concluir a análise dos resultados, em termos de visualização da informação no infográfico do tipo linha do tempo no estudo de caso da construção colaborativa da linha do tempo do Marco Civil da Internet também serão avaliados os aspectos visuais, funcionais e de interação.

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Blog Xô Censura. Disponível em < http://xocensura.wordpress.com/>. Acessado em 28/05/2014.

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Aquisição de dados

A forma com que os dados foram coletados no estudo de caso representa a grande

inovação não apenas do estudo empírico como também indica possibilidades de novos formatos de fontes de estudos. Isto porque, em geral, mesmo com um alto volume de

dados disponível online, sua aquisição por meio de diferentes bancos de dados, ou até mesmo de fontes, deve ser padronizada para tornar-se utilizável em um resultado final

compreensível e de fácil visualização. Neste sentido ao compartilhar a forma de aquisição

das informações, já em um formato estruturado de formulário e planilha, foi possível agregar informações de diversas fontes de forma já padronizada. Assim foi possível ultrapassar os

limites impostos na coleta de dados por um único pesquisador e incorporar a diversidade de fontes no resultado final.

Acesso e escolha de arquitetura

Com relação a escolha da arquitetura em que os dados seriam armazenados ela foi feita antes de sua coleta, o que de certa forma facilitou a primeira etapa e já impôs algumas

restrições e limites. A utilização da ferramenta Timeline JS já determinava a forma como os dados seriam acessados, armazenados, compartilhados e indexados. O fato do aplicativo

ter seu código fonte aberto permite que sejam feitas alterações nestes formatos, mas para este estudo de caso optou-se pela utilização dos padrões propostos pela ferramenta. De forma que a linha do tempo se encontra armazenada na nuvem, acessível a qualquer

pessoa com o endereço e conexão à internet e utiliza como arquitetura o java script, base da programação do aplicativo.

Sendo assim, a escolha prévia da ferramenta também já englobou outros dois aspectos

citados por Fisher et all (2012) que são a formatação dos dados na arquitetura escolhida e sua a programação. É dizer, dado os limites do estudo de caso, a coleta das informações

foi feita após a escolha da ferramenta e isto facilitou tanto o seu processamento, como por

outro lado, impôs alguns limites e restrições à coleta de dados. Dentre estes limites pode-se destacar a hierarquização da informação, estruturada apenas com relação à sua data e não com relação a seu nível de importância, por exemplo. Ainda assim, é importante ressaltar

que para aplicações futuras o fato da ferramenta ter seu código aberto possibilita que seja

customizável e adaptada aos mais diferentes usos e necessidades de visualização, como, por exemplo, a visualização por meio de tipos de mídia (áudio, vídeo, links, imagens ou mapas).

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Análise e manipulação dos dados

Conforme destacou-se ao longo do presente artigo a aquisição dos dados neste estudo

empírico de construção colaborativa de informações sobre um tema específico, no caso o

Marco Civil da Internet, diferenciou-se de outras iniciativas justamente pelo fato de que as fontes eram múltiplas. Em geral, a coleta de dados é feita por um ou mais pesquisadores

envolvidos em um estudo específico. Em outras ocasiões a coleta é feita a partir de bases de dados disponíveis na internet e posteriormente analisada ou manipulada.

Sendo assim, neste estudo de caso os dados não foram manipulados, até porque, isso

poderia ser caracterizado com censura às contribuições. Ainda assim, ao disponibilizar o arquivo final que gera o infográfico permite-se que cada um dos colaboradores edite sua própria linha do tempo, a partir do que julga como mais relevante e importante.

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Aspectos visuais, funcionais e de interação da aplicação

O resultado final da linha do tempo contou com quase oitenta contribuições, em sua maioria

mais recentes. Tal fato fez com que muitos dos dados ficassem sobrepostos na visualização das informações mais recentes, conforme observa-se nas imagens abaixo.

Figura 2: Resultado final do infográfico.

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Portanto, pode-se concluir que a ferramenta, em termos visuais, não é adequada para a apresentação de dados concatenados no mesmo espaço do tempo, mostrando-se mais

adequada para exibir a visualização de eventos mais espaçados no tempo, como é o caso das entradas no período de 2007 a 2011. Abaixo no detalhe pode-se observar como as informações ficam emboladas na parte inferior do infográfico.

Figura 3: Detalhe da parte inferior do infográfico.

O excesso de entradas dificulta inclusive a visualização das miniaturas na parte inferior do infográfico, conforme se observa a partir do segundo semestre de 2013. Por outro lado, no período anterior de 2007 a 2011, observa-se que a ferramenta Timeline JS é

visualmente agradável e atende à sua funcionalidade de possibilitar que o usuário visualize o desenvolvimento de ações em determinado período de tempo, mostrando-se como extremamente útil como aplicativo de design da informação e interação.

Com relação ao número de entradas, no próprio site da ferramenta, seus desenvolvedores sugerem o número máximo de entradas seja de 30. Sendo assim, no presente estudo de caso, há de se levar em conta que a aplicação é utilizada com o dobro de sua suposta capacidade de processamento.

Em termos funcionais observa-se que o excesso de entradas também prejudica a

visualização e interação com o infográfico. Isto ocorre por questões técnicas. É dizer, como

a programação do aplicativo carrega localmente, ao abrir o infográfico com 80 contribuições o navegador está de fato em busca de 80 páginas da internet, o que diante de conexões lentas, pode apresentar atraso no carregamento das informações.

Por outro lado, um aspecto positivo que merece ser destacado é que o aplicativo funciona em dispositivos móveis como celulares e tablets sem a necessidade de instalação de

plug-ins adicionais não compatíveis com estas tecnologias, como, por exemplo, o Flash.

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Sendo assim, em termos de funcionalidade a ferramenta atende o requisito básicos de

interoperabilidade, ou seja, funciona em diversos dispositivos e sistemas operacionais.

Já em termos de interatividade a aplicação se destaca. Além de agregar diversos tipos de mídia, permite que os usuários manipulem as informações tanto no momento de seleção dos dados a comporem a linha do tempo, como também durante a navegação em sua

apresentação final. É possível assistir ao vídeos sem sair da aplicação, ir e voltar no tempo

em telas de toque, além de realizar zoom conforme a preferência de cada usuário. A seguir apresenta-se alguns dos destaques da navegação e interatividade.

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Figura 4: Reprodução de vídeo.

Figura 5: Zoom na parte inferior.

Estes exemplos demonstram que em termos de interatividade a ferramenta Timeline JS

atende aos princípios de usabilidade, como feedback, facilidade de uso e de aprendizagem,

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dentre outras, além de garantir uma experiência agradável e intuitiva. Destaque para

a possibilidade de navegar com o mouse over e visualizar assim as entradas de forma individualizada (Figura 6).

Figura 6: Navegação por entradas com mouse over

Considerações finais

Conseguiu-se por meio de ferramentas digitais propor, divulgar e sistematizar no formato de infográfico do tipo linha do tempo a proposta de construir de forma colaborativa a narrativa sobre a jornada do Marco Civil da Internet. Observa-se também que foi fundamental

“eliminar barreiras tecnológicas e cognitivas, visando facilitar a interação entre os usuários e a troca de informações” (Duque e Vieira, 2008), ao disponibilizar aos colaboradores

o formulário a ser preenchido para alimentar a planilha que gerava a visualização das

informações. Pode-se afirmar isto devido ao fato de que, ao menos neste experimento, as manipulações diretas (Saffer, 2010) foram mínimas, já que requeriam a utilização de uma

planilha eletrônica. De todos os colaboradores apenas um usuário optou por acesso direto à fonte de alimentação da linha do tempo.

Dito isto, o que se pode concluir a ferramenta Timeline JS mostrou-se como adequada para a visualização da informação gerada colaborativamente em um infográfico

interativo de linha do tempo. Melhorias são sempre possíveis e desejadas. Para futuros experimentos empíricos, em se tratando da limitação da ferramenta e levando em

consideração o big data, sugere-se o desenvolvimento de mecanismos de priorização

para indexar as entradas mais relevantes. O resultado do experimento está disponível online na seguinte URL: http://goo.gl/CF7lNq

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Sobre os autores

Adriana Veloso Meireles. Mestranda em Design da Informação e Interação pela

Universidade de Brasília e Especialista em Design de Interação pela PUC Minas (2011)

pesquisa e trabalha com cultura digital desde 2001. É bacharel em Comunicação Social –

habilitação em Jornalismo – pelo Centro Universitário de Belo Horizonte (2008) e já publicou livros, artigos científicos, reportagens em jornais e revistas, além de portais na internet

sobre tecnologia, interatividade, cultura, comunicação, design, inovação e participação social.

[email protected]

Rogério José Camara. Doutor em Comunicação pela UFRJ, professor na graduação em

Design e nos Programas de Pós Graduação em Design e em Arte. Pesquisador nas linhas de Design de Informação e em Arte e Tecnologia. Tem investigado as relações textuais entre as escritas poéticas e urbanas, a relação entre poética e design. [email protected]

Virgínia Tiradentes Souto. PhD, Universidade de Brasília. Coordenadora do Programa

de Pós-Graduação em Design da UnB, é também membro do Departamento de Desenho Industrial e do Programa de Pós-Graduação em Arte, ambos da UnB. Tem mestrado e

doutorado em Tipografia e Comunicação Gráfica pela Universidade de Reading, Inglaterra. Suas principais áreas de pesquisa são: Design de Informação e Design de Mídias Digitais. [email protected]

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