COLLITO, L. FERNANDO PESSOA TEM FOME DE QUÊ? – A POESIA PESSOANA COMO INSTRUMENTO EDUCACIONAL / Pedagogia ISSN: 2238-9202 v. 4, n. 1

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FERNANDO PESSOA TEM FOME DE QUÊ? – A POESIA PESSOANA COMO INSTRUMENTO EDUCACIONAL Lucas Collito Martins (NUTRIÇÃO-UNICENTRO)1, Jefferson Olivatto da Silva2 (Orientador). Palavras-chave: Fernando Pessoa; Educação; Literatura; ensino-aprendizagem.

INTRODUÇÃO Este ensaio tenta explorar o alcance filosófico possível na poesia de Fernando Pessoa. Dedico o pressuposto central discutido nesta narrativa ao compreender das mais diversas formas das representações do comer encontradas em alguns discursos poéticos de Pessoa. Desta forma, a análise textual do poeta e a revisão bibliográfica mostram-se de instrumento decisivo para a tentativa de compreensão dos discursos através de sua polifonia existente frente a este termo. Em um segundo momento, ofereço ao leitor uma reflexão de tais interpretações possíveis da obra pessoana em uma prática metodológica em sala de aula, um desafio possível entre o ensino e a poesia.

DESENVOLVIMENTO O chamavam de Fernando, nome comum, como um individuo comum entre os demais. Insatisfeito em ser somente um, criou incontáveis “Fernandos”, chamando-os de Alberto, Álvaro, Antônio, Bernardo, Ricardo e entre outros, pois, cada um deles era Ser individualizado, único. Um Fernando plural que quis se tornar singular em diversos dele. Entendendo Fernando Pessoa, podemos observar que a construção de suas escritas através de sua heteronímia, faz uso de sua linguagem simbólica, agregando assim os mais diversos universos poéticos e de construção de representações próprios de sua escrita. Quando adentramos na mente pessoana, já nos adverte Ferreira Gullar (2002), é “mergulhar num atordoante labirinto de espelhos”. Sendo assim, percebemos que não é possível considerar uma escrita igualmente à outra, numa 1 Acadêmico do 4º ano do curso de graduação em Nutrição da UNICENTRO. Email [email protected]

2 Professor do DEPED da UNICENTRO. Email [email protected]

mesma linguagem, interpretação, influência ou realidade exposta. É importante citar aqui, que a busca por uma organização destes pensamentos transcritos sob diversos prismas dentro dos termos usados, são uma tentativa de compreender um universo polifônico do poeta, e que a todo momento são considerados novos achados, poemas não publicados, influências de época, cosmo visão do heterônimo ou pelo próprio ortônimo. Apesar do esforço que este ensaio tenta iniciar como reflexão, devemos atentar à tentativa vã citada por alguns comentaristas e críticos da poesia pessoana em compreender o significado da obra poética de Fernando Pessoa: seja devido à sua morte prematura, e a ausência de tempo para que o poeta tivesse imprimido em suas obras uma definição mais específica de seus escritos, ou seja, o fato de não se conhecer ainda todos os seus escritos, não sendo possível assim, ter uma visão global (ABDO, 2002). Entre o Universo e Confeitarias Em “Tabacaria”, poema que para alguns é chave para a compreensão de Álvaro de Campos, são expostas lembranças do poeta, como aponta Silva (2009): (Come chocolates, pequena; Come chocolates! Olha que não há mais metafísica no mundo senão chocolates. Olha que as religiões todas não ensinam mais que a confeitaria. Come, pequena suja, come! Pudesse eu comer chocolates com a mesma verdade com que comes! Mas eu penso e, ao tirar o papel de prata, que é de folha de estanho, Deito tudo para o chão, como tenho deitado a vida.)

Ainda segundo o autor, o parênteses como uma forma de interromper provisoriamente a lógica da discussão do poema, ainda se recoloca à observações do inicio do mesmo poema em que o poeta deseja ter acesso e compreensão de seus próprios pensamentos, dai a “pequena que come chocolates” como forma transcrita deste desejo do eu do poeta. Pode-se ainda observar ao pedido do poeta nesta situação. Independentemente da ordem desta, a menina se delicia com o chocolate, e mesmo assim há uma ruptura de lógica dentro da situação em que o poeta enfatiza a ação praticada, “Come chocolates, pequena; Come chocolates!”. Silva (2009) ainda coloca que tal desejo possa ser do próprio poeta, de quando estimulado na representação do comer chocolates esteja ele, não por pensamento, mas que possa ter o prazer de que não possui. Ou seja, tal prazer discutido neste momento pode-se remeter à realidade em que o autor deseja se entregar no poema exposto, onde sua vontade se estende à da menina que come chocolates sem hesitações. Mesmo no comentário em que cita

a Metafísica, o autor sabe que é a ele mesmo que se dirige. É clara a comparação que o observamos na poesia pessoana entre religião e a confeitaria, quando o autor aponta que “as religiões todas não ensinam mais que a confeitaria”. Tal comparação remete ao simples ato em comum das duas protagonistas quando em função: o deleite, o desfruto e o religare (SILVA, 2008). Logo em seguida surge o eu-social pelo adjetivo “suja” que é inserido. A partir dai é uma interconexão entre o religioso e o caráter de adulto, quando ele não pode comer como a pequena, não pode sugerir o religare exposto à altura de suas reflexões de natureza e seu Ser social. O mesmo acontece em “Aniversário”, onde o autor retoma à sua maior idade e deseja retorna-la através das lembranças destacadas, e nesta tentativa nostálgica observamos durante a narrativa um valor anafórico e semântico das repetições: No tempo em que festejavam o dia dos meus anos... Que meu amor, como uma pessoa, esse tempo! Desejo físico da alma de se encontrar ali outra vez, Por uma viagem metafísica e carnal, Com uma dualidade de eu para mim... Comer o passado como pão de fome, sem tempo de manteiga nos dentes!

A impossibilidade de retomar o passado e vive-lo com visão atual de que o poeta expõe é visível na última linha da estrofe. (SARAMAGO, 1997) Já em “Uma vontade física de comer o Universo”, o poeta expõe não só seu lado de exaltação à industrialização social (não sendo difícil encontra entre obras de Álvaro Campos), mas também a busca do poeta a algo que tinge à uma ansiedade emocional: Uma vontade física de comer o Universo Toma às vezes o lugar do meu pensamento... Uma fúria desmedida A conquistar a pose como que observadora Dos céus e das estrelas Persegue-me como um remorso de não ter cometido um crime.

É através deste comer físico pela vontade expressada que observamos que o autor não deixa sequer um caminho claro ao quê ele almeja, mostrando seus desejos e interrogações nesta ode. Desta forma, podemos observar através de alguns escritos do poeta sua interpretação e julgamento de espaço e tempo ao qual se coloca e toda uma gama de situações que o afligem (ABDO, 2002).

A partir disto, uma pergunta torna-se necessária: como utilizar tais análises poéticas do autor português dentro da sala de aula? Esta se torna uma consequência do atual discurso da narrativa frente à pratica possível entre alunos e professores. Pessoa em Sala É inegável a possibilidade da ontologia poética brasileira/portuguesa com a rotina de leituras interdisciplinares que envolva tanto o lirismo da Literatura quanto o rigor das Ciências (VIERNE, 1998). Como observamos em momento anterior, a obra pessoana pode ser uma boa escolha no diálogo educacional, uma vez que o docente redirecione o uso da linguagem ao público alvo em que se desdobra seu conteúdo programático. Feito isso, Fernando Pessoa pode ser facilmente escolhido neste meio também porque a própria personalidade do autor era rica e generosa, capaz de se deixar possuir por outras almas poéticas, com vidas particulares, amores, medos, depressões. Enfim, tudo em si era dele e dos outros, de seus heterônimos. Isso não é novo, tão pouco inovador na educação. “Como entendia o filósofo/educador Jean-Jacques Rousseau, muito antes da geometria da razão a humanidade tinha o imaginário da poesia” (Zanetic, 1998). Este fato nos mostra como a escrita lírica e suas narrativas ainda valem (e podem ser retomadas com frequência na prática diária) de arma para a metodologia educacional, deixando de lado a ideia de que isto é obrigação de disciplinas específicas (Língua Portuguesa, Literatura, Gramática). Faz-se necessário tornar possível o diálogo com este novo sujeito que surge em sala, que manifesta as suas dúvidas em respeito às novas interpretações que lhes são apresentadas de fenômenos familiares no cotidiano. Embora isso, não devemos esquecer das dificuldades intrínsecas à pratica, como lembra Vierne: “As relações entre a ciência e a literatura nem sempre são tão simples. Se a ciência, como entendida no presente artigo, isto é, todos os conhecimentos que o homem adquire progressivamente sobre o meio que vive, bem como sobre si mesmo, modifica nossa “visão de mundo”, a literatura por seu lado e antes dela a tradição oral sempre traduziram as mudanças que ocorreram na concepção do homem sobre a sua relação com o mundo, que é também relação com os outros e consigo mesmo.” (Vierne, 1994).

Sabedores das dificuldades a frente, é necessário se pensar na prática, nos materiais correlacionados, nas metodologias e tantas outras direções possíveis.

CONSIDERAÇÕES FINAIS Espero ter aqui evidenciado brevemente, a possibilidade de nos apropriarmos do texto do poeta e aplicá-lo ao processo de “transmissão cultural do conhecimento”, uma vez que o saber científico se apresenta como um conjunto de símbolos que podem ser interpretados a partir de um novo sujeito emergindo como protagonista nos processos de ensino-aprendizagem. Para tentar deflagrar à pergunta feita inicio deste trabalho, poderíamos expressar que Pessoa tinha fome de viver, de forma dramática, como ele mesmo se posicionava, para tanto, poderíamos citar aqui sua frase “navegar é preciso, viver não é preciso” onde o autor aponta não só a era marítima de Portugal, mas toda a sua condição de homem e aprendizado na vida. REFERÊNCIAS GULLAR,

Ferreira.

Cultura

posta

em

questão:

Vanguarda

e

subdesenvolvimento: ensaios sobre arte. José Olympio. 2002. SARAMAGO, José. Caderno de Lanzarote. São Paulo: Companhia das Letras. 1997. ABDO, Sandra Neves. Fernando Pessoa: poeta cético?. 2002. Tese de Doutorado. Programa de Doutorado em Literatura Portuguesa, Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, USP. São Paulo. DA SILVA, Anaxsuell Fernando. A Religiosidade em Pessoa. 2008. Dissertação de Mestrado. Programa de Pós-graduação em Ciências Sociais, UFRG. Natal. DA SILVA, Anaxsuell Fernando. Fernando Pessoa: Religiosidade na Poesia. INTERAÇÕES-Cultura e Comunidade. 2009. VIERNE, S. Ligações tempestuosas: a ciência e a literatura. In: CORBOZ, A. et al. A ciência e o imaginário. Brasília: UNB, 1994. ZANETIC, J. Ensino de física através de sua história e filosofia para quem gosta de literatura. In: VI ENCONTRO DE PESQUISADORES EM ENSINO DE FÍSICA, 6, 1998, Florianópolis. Anais.Florianópolis: Sociedade Brasileira de Física, 1998.

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