Colosso às Avessas: A Influência de “The Colossus Of Ylourgne” em “Almost Colossus”, de Hellboy.

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XII Seminário Nacional de Literatura, História e Memória e III Congresso Internacional de Pesquisa em Letras no Contexto Latino-Americano ISSN: 2175-943X

Colosso às Avessas: A Influência de “The Colossus Of Ylourgne” em “Almost Colossus”, de Hellboy. Vinícius Idalgo Becegato (UNIOESTE) RESUMO: As histórias em quadrinhos, desde seus primórdios, têm sido terreno fértil para releituras de obras literárias, adequando-as ao seu universo específico. A continuidade inerente à muitas obras dessa forma artística permite que um personagem estabeleça diversos intertextos com diversas obras ao longo de suas histórias, divididas em edições. Um dos mais notáveis exemplos é Hellboy, de Mike Mignola, que nos apresenta um mundo no qual eventos históricos e personalidades são fundidas com lendas, mitos e literatura, cujo processo de escrita deriva de extensas pesquisas literárias. No conto Quase um Deus (Almost Colossus), pode-se observar a influência do conto The Colossus of Ylourgne, do escritor americano Clark Ashton Smith, que teve muita influência com suas histórias pulp em publicações populares no início do século XX. Neste artigo, pretendemos apontar para este intertexto e colocá-lo em perspectiva com o panorama maior da continuidade da série de Hellboy, assim como observar outros intertextos e simbologias utilizadas dentro na narrativa. Também faremos uma análise imagética para extrair efeitos de sentido utilizandonos das teorias de Eisner (2010), Cagnin (2014) e outros teóricos contemporâneos que abordam o gênero das histórias em quadrinhos, bem como teóricos da intertextualidade, como Samoyault (2008). Isso tudo apontando para a complexa construção do universo fictício presente nas histórias em quadrinhos. PALAVRAS-CHAVE: Histórias em Quadrinhos; Hellboy; Intertextualidade; The Colossus of Ylourgne. ABSTRACT: Comic books, since their beginning, have been a breeding ground for reinterpretations of literary works, adapting it to its specific universe. The inherent continuity of many works of this art form allow a character to stablish intertext with various pieces along its stories, which are divided by issues. One of the most remarkable examples of that is the Hellboy series, by Mike Mignola, whose plots introduce us to a world in which historical events and figures are bound with legends, myths and literature. The writing process of Hellboy derives from extensive literary researches. In the story arch Almost Colossus, one can observe the influences of the short-story The Colossus of Ylourgne, by Clark Ashton Smith, whose short-stories were very influential in the pulp publications in early 20th century. In this article, we intend to point out to this intertext and put it in perspective with the Hellboy series. We will also observe other intertexts and symbologies present in the narrative. We will also make an imagistic analysis in order to extract meaning using the theories of Eisner (2010), Cagnin (2014) and other contemporary theorist that approach the genre of comic books, as well as intertextuality theorists, like Samoyault (2008). With that, we will point out to the complex construction of the fictional universe present in comic books. KEY-WORDS: Comic Books; Hellboy; Intertextuality; The Colossus of Ylourgne.

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INTRODUÇÃO As histórias em quadrinhos, desde seus primórdios, têm sido terreno fértil para releituras e adaptações de obras literárias, adequando-as, não apenas ao seu formato estrutural, mas, no caso das histórias de super-heróis, aos seus universos específicos. O primeiro Super-herói de quadrinhos, Superman, teve na gênese de sua concepção um personagem que unisse os atributos físicos de heróis clássicos, como Hércules, Sansão, entre outros. A continuidade inerente a muitas obras dessa forma artística permite que um personagem estabeleça diversos intertextos com diversas obras ao longo de suas histórias, as quais são divididas em edições. Um dos mais notáveis exemplos é Hellboy, de Mike Mignola, que nos apresenta um mundo no qual eventos históricos e personalidades são relocados dentro do tempo e espaço e atribuídos um novo caráter, muitas vezes amplificando suas características, como é o caso do místico russo Grigori Yefimovich Rasputin, que é retratado em períodos após a data de seu assassinato. História, lendas, mitos e literatura se fundem e, novamente, são relocados, transformados e, com isso, são atribuídos novos significados. Ao lermos um conto da série Hellboy, somos situados em um universo em que deuses lovecraftianos e entidades provenientes da mitologia leste-europeia dividem espaço com simbologia judaico-cristã e, por vezes, contextualizado temporalmente na Segunda Guerra Mundial. No conto Quase um Deus (Almost Colossus), pode-se observar a influência do conto The Colossus of Ylourgne, do escritor americano Clark Ashton Smith, e, não diferente do restante da série, percebemos um mosaico de referências presente dentro da narrativa. QUADRINHOS: IMAGEM E MOVIMENTO

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Assim como definido por Cagnin (2014, p. 34), as histórias em quadrinhos (HQs, ou apenas quadrinhos) contam com dois elementos para comunicar sua narrativa: a imagem e a escrita, sendo que a última pode ser opcional, pois há um grande número de quadrinhos que não apresentam sequer um balão de falas, uma caixa de narração ou legenda para situála no tempo e espaço, utilizando-se apenas do texto imagético para transmitir sua história. Porém, como Eisner (2010, p. 8) apontou, o texto escrito e o texto imagético não são estruturas fixas e isoladas uma da outra; muitas vezes elas se misturam, como em uma onomatopeia, quando vemos uma representação de uma carta, quando um balão ou o letramento são feitos de maneira estilizada para modificar o seu sentido habitual. Ainda citando Eisner (2010, p. 39.), as HQs, em sua grande maioria, transmitem suas narrativas por meio de uma sequência de imagens que representam ações e momentos significativos; esses momentos são contidos mais frequentemente nos quadrinhos, ou requadros. O requadro, geralmente, é uma representação da visão periférica do olho humano, sendo em formato retangular, quadrado ou até mesmo de forma livre. O formato desse requadro pode nos transmitir diferentes efeitos de sentido, assim como a disposição das imagens dentro da mesma. Em muitos casos, as figuras transpõem o requadro, também na tentativa de transmitir uma certa aproximação do leitor para com a ação; entretanto, optar por um requadro tradicional pode nos remeter exatamente à um método de fazer quadrinhos mais tradicional. Outro recurso de engajamento do leitor é a perspectiva em relação à ação narrada; uma visão de cima promove o distanciamento, enquanto uma perspectiva vinda de baixo pode nos causar uma sensação de enclausuramento e subjugação. A ERA MODERNA DAS HQS E O SUPER-HERÓI DESAJUSTADO Durante o final dos anos 70 e início dos 80, devido a diversas questões mercadológicas (GARCÍA, 2012, p. 119), os quadrinhos acabaram se tornando mais autocontidos; porém, também foram abertas margens para o lançamento de quadrinhos menos convencionais. Foi neste período que tivemos obras como Watchmen, Batman: O

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Cavaleiro das Trevas e Maus, obras que elevaram as HQs a um patamar de “literatura respeitável” para o mainstream. A chamada “Era Moderna das Histórias em Quadrinhos”, que teve seu início marcado pelo ano de 1986, foi um movimento desconstrucionista que repensou a forma de se fazer histórias em quadrinhos, trazendo histórias mais complexas e auto reflexivas, repensando o modelo de super-herói infalível, questionando seus valores e nos apresentando o super-herói desajustado, que age nas áreas cinzentas da moralidade. (KLOCK, apud JENKINS. 2007.) Outra coisa que podemos observar também uma tendência da mesclagem de gêneros ao gênero dos super-heróis, como as histórias de terror, de detetives com influência de narrativas pulp, da ficção científica, etc. INTERTEXTUALIDADE Gérald Genette, autor de Palimpsestes, nos apresenta cinco definições de transtextualidade. A primeira seria a intertextualidade, sendo a presença de um texto em outro; a segunda é o paratexto, que caracteriza uma menção mais distante em algum elemento do texto; o terceiro é a metatextualidade, ou “a relação do comentário que une um texto ao texto do qual ele fala” (SAMOYAULT, 2008, p. 30); o quarto é o hipertexto, o qual exploraremos mais adiante e o quinto e último sendo a arquitextualidade, que “determina o estatuto genético do texto” (op. cit.). Enquanto o intertexto é, para Genette, a presença de um texto em outro, o hipertexto seria a produção de determinado texto a partir de um texto anterior. O hipertexto apontaria para a capacidade de transformação e imitação inerente à literatura. Assim como a música e a pictografia, as histórias em quadrinhos se utilizam dessas práticas para a construção de suas obras. HELLBOY E A PLURALIDADE DE GÊNEROS

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Criado por Mike Mignola, Hellboy é um dos melhores exemplos de histórias em quadrinhos que apresentam mistura de gêneros sem prejudicar a qualidade da obra. O conceito do personagem pairava pela mente de seu criador desde 1991, porém foi apenas em 1993 que o Hellboy teve sua estreia em San Diego Comic-Con Comics #2 com duas histórias curtas independentes; desde então percebe-se dois elementos marcantes: as referências a mitologias em diversos cenários e a ficção científica aos modelos das publicações

pulp.

O primeiro arco de histórias de Hellboy é chamado Seed of Destruction, publicado em 1994, no qual vemos a história de origem de Hellboy. Trazido para a Terra por uma divisão paranormal da Alemanha Nazista, Hellboy é encontrado pelos Aliados e criado para ser o maior investigador paranormal do mundo, juntamente do Bureau of Paranormal Research and Defense (B.P.R.D.), uma organização de pesquisa e defesa contra eventos paranormais. Sua verdadeira origem é mantida como um mistério nas primeiras edições, porém é revelado que Hellboy é, de fato, filho de um demônio. Ele possua pele vermelha, chifres (os quais ele apara), pés em forma de cascos e sua mão direita é feita de um tipo de pedra indestrutível. Ele possui força, agilidade e resistência sobre-humanas, assim como muitos super-heróis. Como mencionado previamente, suas histórias apresentam influências de mitos e lendas, como Baba Yaga, da mitologia leste-europeia, vampiros, lobisomens, fadas, duendes e outras criaturas fantásticas. Outra característica é sua conciliação entre essas figuras mitológicas com aspectos de ficção científica e ambientação gótica. O GIGANTE DE YLOURGNE Antes de falar sobre o conto “The Colossus of Ylourgne”, falemos sobre a obra de Clark Ashton Smith. Clark Ashton Smith foi um dos mais famosos escritores de literatura pulp, conhecido como um dos “The Big Three of Weird Tales” (“Os Três Grandes do Weird Tales”), que, juntamente de H. P. Lovecraft e Robert E. Howard, compõe os maiores escritores da publicação de fantasia e horror pulp Weird Tales. Dentro de suas obras, e no conto The Colossus of Ylourgne, Ashton Smith frequentemente situava a narrativa na província fictícia de Averoigne, baseada na província francesa de Auvergne. O texto foi publicado em Junho de 1934 na revista Weird Tales. É narrada em terceira pessoa, com narrador omnisciente. O conto se inicia na cidade de Vyones, em Averoigne, onde Nathaire, um feiticeiro anão odiado por todos na cidade, juntamente de seus discípulos, teria desaparecido sem deixar nenhum vestígio ou ser visto de alguma forma. A cidade inteira estaria comentando o caso, com exceção de Garpard du Nord, um aprendiz renegado de Nathaire. Por toda a província de Averoigne, observa-se que os cadáveres de jovens que morreram de forma violenta estariam se reanimando e se dirigindo para a fortaleza de Ylourgne, um castelo com um histórico de violência. Algum tempo depois, Gaspard du Nord, sabendo que Nathaire estaria envolvido, resolve investigar a fortaleza, onde lhe é revelado que Nathaire estaria construindo, com a ajuda de seus discípulos e criaturas demoníacas, um gigante feito dos ossos e cadáveres

que lá chegavam. Gaspard é descoberto e levado a Nathaire, que estava visivelmente debilitado e próximo da morte; Gaspard é então jogado dentro de um fosso. Seguindo uma corrente de ar que corria no fosso, Gaspard consegue se escapar do fosse e presenciar o ritual de transferência da consciência de Nathaire para o gigantesco corpo artificial. Gaspard foge sem ser descoberto, e Nathaire segue por toda Averoigne destruindo todos em seu caminho e se vingando de seus perseguidores. Garpard consegue chegar em Vyones antes de Nathaire e, com seus conhecimentos de alquimia adquiridos com o próprio Nathaire, produz um pó que ele acredita poder derrotar o gigante. Gaspard sobe no topo da catedral para poder alcançar a cabeça do gigante. Quando Nathaire chega à catedral, Gaspard se revela e consegue fazer a gigantesca figura inalar o pó. A figura colossal cessou seu ataque e começou uma busca por uma cova que pudesse se deitar. É relatado que pessoas ouviram várias vozes originando do gigante, entre elas, a voz de Nathaire, protestando raivosamente. O gigante cavou uma cova com suas mãos nas margens do rio Isoile (do francês isolé, significando isolado), onde poucos se aventuravam desde o incidente. O HOMÚNCULO GIGANTE A história Quase um Deus (Almost Colossus) foi escrita como uma sequência ao arco O Despertar do Demônio (Wake the Devil), para atar as pontas soltas do arco (MIGNOLA, 2014, p. 122); porém, ela pode ser facilmente lida como uma história independente. Liz Sherman, agente do B.P.R.D., estaria em um instituto médico, perto da morte. Nos é revelado (ou contextualizado) que ela teria perdido seus poderes ao entrar em contato com um homúnculo1 inanimado em uma missão. Os agentes do B.P.R.D. estariam determinados a capturar o homúnculo. Vemos Hellboy e Katie, outra agente do B.P.R.D., em um cemitério, onde teria sido reportado o desaparecimento de 68 cadáveres. Diferentemente do conto de Ashton Smith, no qual os cadáveres se desenterravam ao despertar, aqui nos é passada a ideia de que os cadáveres tenham sido desenterrados por terceiros. Hellboy e Katie investigam a cena e determinam que os corpos não foram desenterrados por ferramentas nem carregados por um veículo. A dupla é abordada por cidadãos e eles relatam que um monstro teria sido visto na cidade, matado algumas galinhas, um cachorro e roubado uma cruz extremamente pesada, carregando-a até as montanhas. 1

Uma das criações que os alquimistas ansiavam por criar era um homúnculo: um homem pouco maior que um palmo criado a partir de produtos químicos.

No topo da montanha, vemos que o Homúnculo frente à cruz, orando para que seja destruído, pois a criatura se consideraria uma abominação. Ele é abordado por uma figura encapuzada, que o chama de irmão. O homúnculo questiona o motivo de ser chamado de irmão; a figura revela um medalhão, que parece trazer memórias à mente do homúnculo, e diz que revelará ao homúnculo os segredos de seu passado assim que ele remova a cruz de sua frente. O homúnculo levanta a cruz, porém, ela é atingida por um raio, sendo completamente destruída. O homúnculo fica surpreso por estar vivo, e enquanto o outro remove o capuz, revelando também ser um homúnculo. Entretanto, este homúnculo tem olhos vermelhos e um aspecto cadavérico. O homúnculo deformado revela ter sido criado 500 anos atrás, como um experimento de um alquimista; porém, ele teria sido um experimento parcialmente bem-sucedido, e seu criador teria descartando-o. O homúnculo mais velho revela que, por meio de sua força de vontade, conseguiu, ao longo dos anos, recobrar suas funções motoras. Ele foi atrás de seu criador que, devido a sua infâmia, foi preso por inquisidores. Quando confrontado pelo Homúnculo mais velho, o criador, já um ancião, implorou pela vida. Porém, o homúnculo não a concedeu, roubando seu amuleto e uma chave dentro de seu ventre. A chave abriria uma caixa, a qual continha diversos documentos do falecido alquimista, o que levou o homúnculo mais velho até seu irmão mais novo. O homúnculo mais novo revela ter sido feito de raízes e fluidos desperto com um relâmpago. Ele recebeu cuidados e educação de seu criador, mas após sua energia acabar, ele foi abandonado. Entretanto, ele estaria em certo estado de animação suspensa. Anos depois, com a chegada de Liz e os outros agentes da B.P.R.D., ele viu a situação como oportunidade de escapar. Projetando sua mente, o homúnculo percebeu que Liz desejava se livrar de seu poder, não percebendo que ele era parte viva de seu ser. O homúnculo absorveu toda a energia de Liz. O homúnculo mais novo demonstra remorso, mas é repreendido por seu irmão, que acreditava ser superior aos humanos. Hellboy e Katie são conduzidos a um mosteiro amaldiçoado. Lhes é revelado que ele foi construído por Mihnea II, neto de Drácula, O Empalador, fazendo menção a Vlad Tepes, um dos mais notórios e cruéis voivodas2 romenos, que inspirou Bram Stoker na criação de seu personagem do romance Drácula. Katie afirma que em 1611, um grupo de monges que habitava a locação teria divergido de suas crenças; quando foram descobertos por um grupo de cavaleiros, foram presos dentro do castelo e queimados vivos. Dentro do mosteiro, Hellboy e Katie se deparam com uma grande parede metálica. A dupla é separada por pequenos 2

Comandantes militares eslavos.

homúnculos deformados. Enquanto cai no abismo, lutando contra as criaturas disformes, Hellboy diz “...eu te salvo num instante! Não se preocupe...” (p. 146), se referindo a Katie. Entretanto, a cena corta para o instituto onde Liz está. Abe, um dos agentes da B.P.R.D., está observando-a. Tom coloca a mão em um dos ombros de Abe e diz que o fim está próximo; nisso, Liz tenta colocar um cigarro na boca, mas acaba derrubando-o. A frase de Hellboy poderia ser dirigida tanto para Katie quanto para Liz, pois Hellboy estaria impossibilitado de salvar ambas. Hellboy teria caído no subsolo, se deparando com os espíritos dos monges, os quais ajudam o herói a achar o caminho de volta para a torre. Na torre, o homúnculo mais velho revela ao mais novo que estaria construindo um corpo gigante para os dois com cadáveres humanos. Katie é apresentada por um dos servos do homúnculo mais velho, que diz querer usá-la para batizar sua criação, mas o mais novo se opõe, tirando Katie das mãos do homúnculo servo. Hellboy aparece em cena, desmaiando o homúnculo mais novo por engano. Ultrajado, o homúnculo mais velho é visto sendo coberto por uma fumaça enquanto pragueja. A torre começa a estremecer. Hellboy, Katie e o Homúnculo mais novo fogem pela janela antes do corpo gigantesco do titã destruir completamente a torre. O titã se refere como “o Deus da Ciência”, assim como o “Deus da Fúria”. Hellboy arremessa uma árvore no pescoço do gigante, porém isso não surte efeito. O gigante pega Hellboy em sua mão e começa a esmaga-lo. O homúnculo chama a atenção de seu gigantesco irmão, dizendo estar arrependido. O gigante engole o homúnculo para que eles se tornem um. Entretanto, o homúnculo libera o poder tomado de Liz, derretendo o corpo do gigante. O homúnculo diz não ser inferior nem superior aos humanos. O gigante é destruído, mas o homúnculo sobrevive. Ele quer ser deixado sozinho, mas Hellboy quer leva-lo até Liz para que ele restitua seu poder. Hellboy convence o homúnculo ao mencionar a origem de seus poderes. No instituto, Tom diz para Hellboy que Liz teria morrido há alguns minutos, porém Hellboy não lhe dá ouvidos. Ele leva Roger, o nome dado ao homúnculo, ao lado do corpo de Liz, onde ele transfere o poder de volta ao corpo da jovem. Liz acorda confusa e Roger cai inanimado no chão. DESCOMUNAL HOMÚNCULO Em ambas as obras, temos como paratexto a figura do Colosso, monumentais esculturas que podem ser encontradas em boa parte do mundo. A versão mais notória é o Colosso de Rodes, homenageando a entidade Hélios. Porém, diferentemente das narrativas aqui

expostas, o Colosso é uma figura que simboliza proteção para a população. Ao comparar ambas as obras, vemos algumas similaridades em termos narrativos. Assim como no conto de Ashton Smith, temos na HQ o mistério em relação ao desaparecimento de cadáveres humanos. Outro elemento seria a figura antagônica centrada em Nathaire, um anão, na HQ temos o homúnculo mais velho, que, assim como Nathaire é descrito no conto, é retratado como sendo feio e deformado. Nathaire era conhecido como “corruptor da juventude”, assim como o homúnculo mais velho, que tenta corromper Roger (o homúnculo mais novo) a se juntar a ele, e, até certo ponto da narrativa, ele consegue. Roger pode não ser jovem, porém suas ações demonstram certa inocência e bondade. Tanto Nathaire quanto o homúnculo mais velho se utilizam de suas práticas para obter sua vingança ao construírem um corpo gigantesco para si mesmos; no fim, são derrotados por alguém que costumava segui-los. A figura de Gaspard du Nord estaria dividida entre Hellboy e Roger. Em alguns momentos, Hellboy se encontra em lugares semelhantes aos de Gaspard, como quando Gaspard é jogado no fosso, que é descrito estando inundado de uma água imunda; em alguns momentos seguintes, ele percebe a presença de esqueletos no chão. Hellboy, quando separado de Katie pelos homúnculos disformes, é visto no subterrâneo do mosteiro, onde há água esverdeada e os esqueletos dos monges no chão. Ambos escapam em uma escadaria em espiral; enquanto no conto isso é apresentado de maneira verbal, na HQ esse fato nos é apresentado pela imagem. Apesar de Hellboy tomar esses papeis, é Roger quem derrota o gigante, enganando-o.

Fig. X: Os diferentes momentos de Gaspard du Nord apresentados na HQ. Fonte: https://goo.gl/XOCYQP (acesso 24/11/2015). Um elemento marcante da HQ são as transições de cena, que são feitas com grande fluidez; em um quadro temos um close-up dos olhos de Liz, no outro temos uma visão um pouco mais afastada do rosto de uma escultura de um túmulo, com expressão e posição similar à de Liz. A pele de Liz fica a cada quadro mais pálida, atingindo um tom acinzentado, assim como a cor da estátua; o texto escrito parece predizer o possível destino da personagem.

Fig 3.: Transição que dá ideia de continuidade da cena. Fonte: Op. cit. Outro elemento que podemos observar são as cores usadas em flashbacks. O primeiro flashback que vemos é narrada por Leach; enquanto a situação está estável, vemos tons de cinza esverdeado, dando um ar de serenidade; temos um quadro intermediário, que mostra Liz aproximando sua mão de Roger (que estava em sua forma inanimada) vemos um brilho em tons entre amarelo e laranja; no quadro seguinte, que contém a frase “...e desencadeou o maior inferno”, vemos que as cores são substituídas por tons de predominância laranja e amarelo. Outro fator a se mencionar é o uso de perspectiva, que é vista nem de cima nem de baixo, mas na altura dos olhos; porém, com o foco levemente alterado dos eventos narrados, dando um certo ar de impessoalidade, como o relato de um agente.

Fig 3.: Momento de transição de tom representado pela fagulha. Fonte: Op. cit. Mais adiante, quando o homúnculo mais velho conta sua história para Roger, as cores predominantes são em tons de vermelho, indicando a índole maligna do personagem. Quando Roger conta sua versão da história, vemos os mesmos tons de verde e amarelo com laranja, tons mais frios; sua perspectiva é muito similar à de Leach, mostrando que Roger é honesto em suas palavras.

Fig 3.: Perspectiva do homúnculo mais velho fazendo contraste com a perspectiva de Roger. Fonte: Op. cit. Outra instância é no momento em que o senhor camponês está relatando a história perversa por trás do monastério de Capatineni; devido à sordidez e crueldade dos eventos narrados, usa-se cores nos tons vermelhos, alaranjados e amarelos. A narrativa é inteira feita por requadros fechados, como containers (EISNER, 2010, p. 44), porém, isso não trabalha em seu detrimento. Hellboy é uma série que sempre nos remete ao passado; tendo isso em vista, é apenas natural que a maneira de se fazer quadrinhos seja uma maneira mais tradicional. Porém, Mike Mignola consegue, por meio de sua arte, com o trabalho nas cores, enfoques e perspectivas, trazer um ar de novo na maneira antiga de fazer histórias em quadrinhos. No clímax da história, a sequência de requadros pequenos que predominou por toda a narrativa é quebrada com a aparição do colosso; temos uma imagem de página inteira (chamada de splashpage), e uma sequência de requadros maiores são adicionados em pontos chave para dar uma ideia de grandeza ao colosso. Seus balões de fala e letramento estilizado também projetam sua imagem. Nas histórias de Mike Mignola, um elemento bastante distinto é o enfoque em elementos do cenário para acentuar o tom, assim como transmitir um maior significado para a obra. Por exemplo, no momento acima citado não é apresentada a cena completa, mas apenas alguns detalhes, como um dos monges queimando frente a uma cruz invertida e uma figura demoníaca. O camponês menciona que durante o incêndio causado no mosteiro foi avistada a figura de um demônio. Entretanto, vemos posteriormente uma figura exatamente igual como uma gárgula na parede do subsolo. Tendo em vista que é uma história de um camponês, poderia se argumentar que se trata de apenas uma lenda, deixando certa ambiguidade em relação ao que é mostrado. Isso vai contra o que Eisner (2010, p. 127) diz sobre o texto imagético deixar pouca

ou nenhuma margem para interpretação.

Fig 3.: Gárgula ou criatura real? Fonte: Op. cit. Em outro momento, quando Hellboy e Katie estão entrando no mosteiro, temos como foco duas estátuas nas paredes, nos dando a ideia de que eles estão sendo observados. Suas posições nos dão uma ideia de um certo estranhamento, passando a ideia de que a construção fosse uma espécie de entidade viva. O fato do homúnculo mais velho querer se unir com o mais novo revela um intertexto que vai além do conto de Ashton Smith. Mais adiante, quando o homúnculo mais velho leva Roger para seu laboratório, vemos a seguinte imagem:

Fig 3.: Detalhe na parede do laboratório. Fonte: Op. cit. Isso nos remete ao discurso de Aristófanes em O Banquete, de Platão, em que ele diz que a natureza humana era ter três sexos: o masculino, o feminino e o andrógino. Porém eles se voltaram contra os deuses; como punição, Zeus ordenou que Apolo os dividisse em dois. Divididos em homens e mulheres, cada pessoa procura seu complemento. O mesmo pode-se dizer do homúnculo mais velho que busca em Roger seu complemento. Aristófanes, ainda falando sobre os sexos, disse: “Eis por que eram três os gêneros, e tal a sua constituição, porque o masculino de início era descendente do sol, o feminino da terra, e o que tinha de ambos era da lua, pois também a lua tem de ambos” (PLATÃO). Então temos Roger, que foi desperto por uma chama enérgica adquirida de Liz, simbolizando o sol, e o homúnculo mais velho, que saiu do fosso por sua força de vontade, representando a terra. O homúnculo mais velho almejaria atingir

a lua, que seria o corpo gigante que ele produziu. Essa analogia nos é apresentada de maneira mais sutil, quando o homúnculo mais velho apresenta o medalhão de seu criador para Roger. Quando o homúnculo mais velho mata seu criador, este estaria com uma chave em seu ventre e um medalhão, que são pegos por aquele. Este é o medalhão:

Fig 3.: O medalhão arrancado do alquimista. Fonte: Op. cit. Vemos gravado no medalhão um sol com uma pequena lua. Esses podem ser interpretados como os objetivos do homúnculo mais velho: encontrar o sol para se tornar a lua. CONCLUSÃO Desde o seu início, as histórias em quadrinhos tiveram uma grande evolução em termos artísticos; em especial o gênero de super-heróis. A amalgama narrativa formada traz uma leitura que ao mesmo tempo entretém e oculta uma certa profundidade. As referências variam da literatura pulp, literatura romântica, figuras históricas até a mitos gregos. Não apenas isso, mas trabalhar uma história dentro de uma série e torna-la acessível a leitores casuais. REFERÊNCIAS Ashton Smith, Clark. The Colossus of Ylourgne. Alien Ebooks, 2009. Cagnin, Antonio Luís. Os quadrinhos. São Paulo: Criativo, 2014. EISNER, Will. Quadrinhos A Arte Sequencial. São Paulo: Martins Fontes, 2010. GARCÍA, Santiago. A Novela Gráfica. São Paulo: Martins Fontes, 2012. JENKINS, Henry. Just men in capes? (Part one), 2007 http://henryjenkins.org/2007/03/just_men_in_capes.html. Acesso em 21/05/2015. MIGNOLA, Mike. Hellboy: Seed of Destruction. Milwaukie, Dark Horse Books. 2003. MIGNOLA, Mike. Hellboy: Edição Histórica, Volume 3: O Caixão Acorrentado. 2 ed. São Paulo, Mythos Editora, 2014. SAMOYAULT, Tiphaine. A Intertextualidade. São Paulo: Aderaldo & Rothschild, 2008.

Mignola, Mike. Hellboy: Almost Colossus - animations. https://www.darkhorse.com/Features/Animations/11/Hellboy-Almost-Colossus?part_num=4 (Acesso em 24/11/2015) PLATÃO. O Banquete (O amor, o belo) http://www.dominiopublico.gov.br/pesquisa/DetalheObraForm.do?select_action=&co_obra=227 9 (Acesso em 20/11/2015)

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