“COM AS CORES DO VENTO COLORIR”: UMA PROPOSTA DE UTILIZAÇÃO DO DESENHO ANIMADO NA AULA DE HISTÓRIA

July 13, 2017 | Autor: Maíra Ielena | Categoria: History Education, Walt Disney Company, Cartoons, Ensino de História, Desenho Animado
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Por "desenhos históricos" entenda-se desenhos animados de longametragem que tenham um cunho histórico. Sobre a classificação de "filmes históricos", ver o capítulo I.
NÓVOA, Jorge. Apologia da relação cinema-história. O Olho da História. Salvador, nº 1. Disponível em: . Acesso em 11 de setembro de 2006.

FERRO, Marc. Cinema e história. Trad. Flávia Nascimento. RJ: Paz e Terra, 1992. p. 86.
FERRO, Marc. Cinema e história. Trad. Flávia Nascimento. RJ: Paz e Terra, 1992. p. 87
FERRO, Marc. Cinema e história. Trad. Flávia Nascimento. RJ: Paz e Terra, 1992. p. 88.
NOVA, Cristiane. O cinema e o conhecimento da história. O olho da história. Salvador, nº 3. Disponível em: < http://www.oolhodahistoria.ufba.br/o3cris.html > Acessado em 11 de setembro de 2006.
Citado por ROSENSTONE, Robert. La historia em la pantalla. IN REBOLLO, Maria A. Paz e DIAZ, Julio Montero (orgs.) Historia y cinema: realidad, ficción y propaganda. Madri: Complutense, 1995, p. 15-33.
Professora doutora integrante da Oficina Cinema-História da UFBA.
FERRO, Marc. Cinema e história. Trad. Flávia Nascimento. RJ: Paz e Terra, 1992. p.79.

NÓVOA, Jorge. Apologia da relação cinema-história. O Olho da História. Salvador, nº 1. Disponível em: . Acesso em 11 de setembro de 2006.

NÓVOA, Jorge. Apologia da relação cinema-história. O Olho da História. Salvador, nº 1. Disponível em: . Acesso em 11 de setembro de 2006.


NOVA, Cristiane. O cinema e o conhecimento da história. O olho da história. Salvador, nº 3. Disponível em: < http://www.oolhodahistoria.ufba.br/o3cris.html > Acessado em 11 de setembro de 2006.

NOVA, Cristiane. O cinema e o conhecimento da história. O olho da história. Salvador, nº 3. Disponível em: < http://www.oolhodahistoria.ufba.br/o3cris.html > Acessado em 11 de setembro de 2006.

FERRO, Marc. Cinema e história. Trad. Flávia Nascimento. RJ: Paz e Terra, 1992. Já no índice do livro, Ferro cita distinção entre as duas perspectivas.
NOVA, Cristiane. O cinema e o conhecimento da história. O olho da história. Salvador, nº 3. Disponível em: < http://www.oolhodahistoria.ufba.br/o3cris.html > Acessado em 11 de setembro de 2006.
Raríssimos são os livros traduzidos para português e todos eles custam muito caro, o que pode nos revelar que no Brasil a resistência a tal tipo de publicação é ainda maior que a verificada a nível internacional.
FERRÉS, Joan. Como educar en uma cultura del espectáculo. Madri: Paidós Ed. 2000. (Papeles de pedagogia, 45). p. 20-21.
BENCINI, Roberta. Filme na aula de história: diversão ou hora de aprender? Nova Escola. nº 182. Rio de Janeiro. maio/2005. Disponível em: < http://revistaescola.abril.com.br/edicoes/0182/aberto/mt_67469.shtml>. Acessado em 19 de abril de 2006.
Para maiores explicações sobre o tema, ver o livro "Apocalítpticos e integrados", onde Eco discorre sobre uma necessária aproximação da educação com os meios de comunicação de massa.
BRASIL. Secretaria de Educação Fundamental. Parâmetros Curriculares Nacionais: História. Brasília: Secretaria de Educação Fundamental, 1998. p. 38
BRASIL. Secretaria de Educação Fundamental. Parâmetros Curriculares Nacionais: História. Brasília: Secretaria de Educação Fundamental, 1998. p. 88-89.
NÓVOA, Jorge. Apologia da relação cinema-história. O Olho da História. Salvador, nº 1. Disponível em: . Acesso em 11 de setembro de 2006.

Professora do Doutorado da Universidade Carlos III de Madri, Espanha.
CARRETERO, Pilar Amador. El cine como documento social: uma propuesta de análisis In AAVV. Imagen y Historia. Ayer, nº 24, Madri: Macial Pons Librero, 1996. p. 118.
Esses princípios constam em AUNÕN, J. C. F. El cine, outro médio didactico: introducción a uma metodologia para el uso del cine como fuente de las ciências sociales. Madri: Editorial Esvuela Española S.A., 1982.
AUNÕN, J. C. F. El cine, outro médio didactico: introducción a uma metodologia para el uso del cine como fuente de las ciências sociales. Madri: Editorial Esvuela Española S.A., 1982. p. 33.
AUNÕN, J. C. F. El cine, outro médio didactico: introducción a uma metodologia para el uso del cine como fuente de las ciências sociales. Madri: Editorial Escuela Española S.A., 1982. p. 36
Ver Anexos.
Já que John Smith morreu em 1631, a data de veiculação do livro indica que esta foi uma obra publicada post mortem.
FONTE, Jorge. Walt Disney: el universo animado de los largometrajes (1970-2001). Madri: T&B Editores. 2001. p. 202.
UNIVERSIDADE FEDERAL DE SERGIPE
CENTRO DE EDUCAÇÃO E CIÊNCIAS HUMANAS
DEPARTAMENTO DE HISTÓRIA



Maíra Ielena Cerqueira Nascimento












"COM AS CORES DO VENTO COLORIR":
UMA PROPOSTA DE UTILIZAÇÃO DO DESENHO ANIMADO NA AULA DE HISTÓRIA
















São Cristóvão
Setembro, 2006



MAÍRA IELENA CERQUEIRA NASCIMENTO










"COM AS CORES DO VENTO COLORIR":

UMA PROPOSTA DE UTILIZAÇÃO DO DESENHO ANIMADO NA AULA DE HISTÓRIA





Monografia de conclusão de curso, apresentada à disciplina Prática de Pesquisa do Departamento de História, do Centro de educação e Ciências Humanas, da Universidade Federal de Sergipe, referente ao primeiro semestre de 2006.






ORIENTADOR:
Prof. Msc. Luis Eduardo Pina Lima






São Cristóvão
2006





































"...Chupam gilete
Bebem xampu
Ateiam fogo no quarteirão
Porém, que coisa
Que coisa louca
Que coisa linda
Que os filhos são!"
(Vinícius de Moraes)



AGRADECIMENTOS

Ao orientador, compadre, conselheiro, mentor intelectual, guia espiritual, guru e (ufa!) professor "Tio Pina", por tudo o que as palavras anteriores deixam óbvio...
À minha mãe: uma baita duma mulher, um baita dum exemplo. Porque o esclarecimento e a compreensão vieram a mim somente após uma precoce maternidade. Por extensão, lá vai meu "obrigada" à baixaria do Siqueira, fundamental na minha formação.
A Lucão, o Bebê Bomba! Mamadeiras, livrinhos, bonecos, fraldas, leite, roupinhas e muita bagunça, choro e sorrisos na madrugada podem se converter nos melhores incentivos que se possa ter!
A Igor. Um antigo fiel escudeiro que virou compadre, irmão, "alguma-coisa-confusa", ficante, manorado, babá e marido – ufa!
A Evilson e Cleiton. Dois extremos marcantes e definitivos... sempre.
Aos demais amigos, a cada um deles. E aqui não cabe citar nomes: a memória de formiga pode acabar me comprometendo.
A todos aqueles que acabaram ficando no meio do caminho, mas que foram cruciais na concepção e sedimentação dessa idéia – e aqui entram Guilherme e Santiago, por todo o sempre e sempre.
















O filme tem essa capacidade de desestruturar aquilo que diversas gerações de homens de Estado e pensadores conseguiram ordenar num belo equilíbrio. Ele destrói a imagem do duplo que cada instituição, que cada indivíduo conseguiu construir diante da sociedade. A câmera revela seu funcionamento real, diz mais de cada um do que seria desejável de se mostrar. Ela desvenda o segredo, apresenta o avesso de uma sociedade, seus lapsos. Ela atinge suas estruturas. Isso seria mais do que necessário para que após o tempo do desprezo venha o da suspeita, o do temor.
(Marc Ferro)



SUMÁRIO

RESUMO.............................................................................................................................X
INTRODUÇÃO....................................................................................................................01

CAPÍTULO I: CONTANDO UMA "OUTRA HISTÓRIA"................................................05
A HISTÓRIA DO MUNDO NO MUNDO DO CINEMA ...........................................05
O FILME: UMA OUTRA MODALIDADE HISTORIOGRÁFICA?...........................09
POSSÍVEIS CLASSIFICAÇÕES DO FILME DE HISTÓRIA....................................12
DESENHO ANIMADO: UMA OUTRA REPRESENTAÇÃO DA HISTÓRIA?........16

CAPÍTULO II – SUSPIROS DE UMA VAGA LUCIDEZ PEDAGÓGICA......................21
2.1 ... E O ENSINO APROXIMA-SE DA CULTURA DO ESPETÁCULO....................21
2.2 O DESENHO ANIMADO COMO MODO DE REPRESENTAÇÃO SOCIAL.........25
2.3 APRESENTANDO UMA POSSÍVEL METODOLOGIA DE TRABALHO..............27

CAPÍTULO III – A PRÁTICA............................................................................................34

CONSIDERAÇÕES FINAIS...............................................................................................48

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS..................................................................................50
REFERÊNCIAS FÍLMICAS................................................................................................52
ANEXOS...............................................................................................................................53

RESUMO

Neste Trabalho de Conclusão de Curso, reflito sobre a viabilidade da utilização do desenho animado como recurso didático para as aulas de história. Com esse intuito, tenho por base as metodologias de Marc Ferro, pioneiro na inserção do filme no rol dos documentos históricos e criador de um método próprio de análise historiográfica do cinema, e de Joan Ferrés, defensor da utilização crítica dos meios de comunicação de massa nas instituições de ensino.




























INTRODUÇÃO

Não é raro, nas primeiras páginas de um livro, nos depararmos com um autor estupefato frente à inexorabilidade de um projeto de pesquisa. Esse autor se mostra um apaixonado pelo seu ofício e, como tal, é plenamente convicto de que seu trabalho, mesmo sendo ele sobre os hábitos higiênicos das formigas albinas da Malásia, é de suma importância para a humanidade, ou pelo menos para alguma parte dela.

Mesmo nutrindo, há longas datas, grande paixão pela História e pelo desenho animado, devo reconhecer: meu objeto também caiu em minha vida de pára-quedas, implacavelmente. Ainda no terceiro período do curso de História, me sentia uma legítima integrante do MST (Movimento dos Sem Temas), e como tal, me desesperava para achar meu objeto e participar das acaloradas rodas de discussões entre aqueles alunos que já tinham se encaixado em uma linha de pesquisa historiográfica. Somente ao assistir o desenho animado O Rei Leão, com leitura prévia de Marc Ferro, deparei-me com a possibilidade de se fazer uma História, a minha História, que conjugasse as duas antigas paixões.

Desde então, Mickey e seus comparsas da Disney perambulam pela minha vida acadêmica. Afoita, meu desejo inicial era abarcar, numa só pesquisa, todos os "desenhos históricos" da produtora, embrulhando, num pacote misto e disforme, Anastasia, e Simba, e Hércules, e Quasímodo, e Pocahontas, e... !!! Devido à baixíssima viabilidade do projeto, o meu "Maravilhoso Compêndio Disney e História" não saiu (um dia, quem sabe...), e tive que lidar e me contentar com as inevitáveis e frustrantes (de-)limitações.

Optei, então, pelo viés didático-pedagógico como um parceiro nessa excursão (pois, sendo este um Trabalho de Conclusão de Curso, não ouso referir-me a ele como "jornada"). Afinal de contas, grandes especialistas como Joan Ferrés apontam que o desafio-mor da educação mundial é tornar-se digerível, quem sabe até, palatável. Como controlar, na sala de aula, reino por excelência do célebre e ultrapassado binômio "cuspe e giz", alunos (de alta ou baixa renda, destaco) acostumados com os games, a televisão e o cinema, com a interatividade, com a imagem em movimento incessante? Como lecionar História, essa disciplina há anos vista como a mais enfadonha e "decoreba", de forma mais prazerosa, inteligível?

Nesse sentido, Ferrés aponta a necessidade de se levar até a escola todos os elementos característicos do mundo extra-classe. Assim, transplantar para a sala de aula a "cultura do espetáculo" é torná-la um ambiente compatível com a realidade cotidiana discente, é transformá-la em um ambiente de reflexão da sociedade contemporânea alijado dos preconceitos e da sisudez típicos do mundo acadêmico tradicional.

É torná-la também – por que não? – um espetáculo. Mas de essência diferente: pois com a utilização crítica dos meios de comunicação de massa em sala de aula, podemos, ao mesmo tempo, despertar a atenção do aluno para os conteúdos ministrados e evidenciar as relações entre passado e presente, tão necessárias para que o aluno perceba a utilidade da disciplina e entenda o processo de construção de identidades, tarefa-mor da História. Assim, se os meios de comunicação de massa são essencialmente monologantes e transmitem mensagens convenientemente digeridas, o seu uso na escola pode capacitar os alunos a questioná-los sempre.

Não há como educar meninos do século XXI imbuídos de preconceitos vigentes nos alvores do rígido século XIX!!!

Logo, eis aqui os primeiros passos de uma pesquisa ao mesmo tempo histórica e pedagógica, muito inspirada nos escritos de Ferro e Ferrés: à luz da história das mentalidades, tenciono analisar os desenhos longametragem de cunho histórico da Disney – a quem em refiro como "desenhos históricos" –, não enquanto lixo cultural e/ou industrial, tampouco enquanto garatujas destinadas a um mercado infantil cada vez mais vasto, e sim enquanto um elemento de cultura possível de ser convertido em recurso didático, reconhecendo que, por mais que os historiadores de carteirinha clamem por um "cinema histórico" realista, fiel aos "fatos históricos", Hoollywood não está comprometida com tal ideal. Nem por isso, a História deixa de ser pesquisada, analisada, contada, enfim, prestigiada. Uma valorização ao estilo próprio da máquina de sonhos que é Hollywood — convém lembrar.

Com esse intuito, escolhi três desenhos, cada um referente a um período histórico ou a uma história local específicos. Pocahontas é um filme que nos conta a história da colonização norteamericana por meio da narrativa do amor entre uma índia e um inglês e dos impasses etnocêntricos que circundam uma relação entre duas pessoas de culturas tão distintas. Hércules nos ajuda a explorar o universo mitológico greco-romano, de suma importância para a compreensão de aspectos culturais da antiguidade – e da contemporaneidade, como brilhantemente indica o filme. O Corcunda de Notre Dame, inspirado na obra homônima de Victor Hugo, narra a história de Quasímodo, um jovem órfão e disforme que é mantido preso na catedral parisiense, retratando, nas entrelinhas, o universo mental do medievo.

Enfim, esta será a minha contribuição aos estudos historiográficos; lanço, com este TCC, as bases de uma pesquisa incipiente: me proponho, nestes breves papéis, a aresentar uma proposta de utilização do desenho animado na aula de história. Talvez ela não seja essencial para o futuro da humanidade. Não, ela tampouco desvenda os segredos da caixa de Pandora. Mas garanto que será mais interessante lê-la (e deixar-se surpreender por ela) do que folhear páginas e mais páginas dedicadas à higiene (?) de formigueiros.

I- CONTANDO UMA "OUTRA HISTÓRIA"

– A HISTÓRIA DO MUNDO NO MUNDO DO CINEMA

Os Lumiére não podiam prever. Ao criarem o fascinante cinematógrafo e darem o pontapé inicial para o que hoje chamamos de cinema, os irmãos sabiam de certo a revolução que empreendiam nos veículos de entretenimento; tinham talvez consciência que a imagem viria a exercer papel crucial na humanidade – já que a fotografia fora tão festejada, imagine só aquela nova geringonça que, numa tela, era capaz de fazer um trem andar! O que os franceses não poderiam sequer cogitar era que seu invento seria levado às últimas conseqüências, modificando tão profundamente as relações sociais que passaria a vagar, impunemente, pelas mentes dos homens de ciência séculos vindouros – notadamente os historiadores.

Pois, na época dos Lumiére, a história em voga era escrita nos moldes positivistas, à Auguste Comte. Comte pregava a aplicação dos métodos das Ciências Exatas nas Ciências Humanas, para que, enfim, se pudesse obter verdades confiáveis, absolutas, imparciais e objetivas. Até mesmo a recém-criada Sociologia passou a se chamar Física Social. E a história não permaneceu ilesa: as penas imparciais dos mais renomados historiadores desfilavam pelos papéis a narrar aspectos políticos da vida social de um povo, dando relevo à determinante ação dos "grandes homens". Para a reconstrução do passado, os historiadores se valiam de fontes igualmente tidas como legítimas e imparciais: a papelada burocrática, aqueles documentos produzidos pela máquina estatal a fim de obter um maior controle sobre a administração pública.

Foi tardiamente, somente nas décadas de 1960 e 1970, que o filme ingressou no seleto rol dos documentos históricos. Marc Ferro liderou na França as reflexões da relação cinema-história, no bojo de dois movimentos de caráter científico e artístico: a reformulação do conceito e da metodologia da história desenvolvida a partir da década de 1920 pela Escola dos Anais; e os movimentos cinematográficos do pós-guerra, tais como o Nouvelle Vague, o neo-realismo italiano e o cinema novo brasileiro, que o consolidaram como "expressão artística a mais completa", e não mais como o puro e simples manancial de divertimento de até então.

Ferro dedicou anos e anos ao estudo e à promoção do cinema enquanto documento histórico de singular valor. A cruzada teve seu início quando da idealização da coleção "Faire de l'histoire", organizada por Jacques Le Goff e Pierre Nora e lançada no ano de 1974 pelas Edições Gallimard. Manifesto por excelência da História Nova, a coleção se propunha a larguear o regaço da então austera Clio, ainda que desde 1920 historiadores como Marc Bloc, Febvre, Braudel e Emmanuel Le Roy Ladurie já viessem trabalhando nesse sentido. Com esse propósito, a obra foi dividida em 3 volumes: História, novos problemas; História, novas abordagens; e História, novos objetos. Nesse terceiro volume, Ferro publicou o clássico "O filme: uma contra-análise da sociedade?", que foi posteriormente republicado em seu livro de ensaios "Cinema e História", de 1977, verdadeira Bíblia para os estudiosos da relação cinema-história.

O artigo explora os motivos pelos quais o filme ainda não tivera sido adotado como fonte histórica. E eles se apresentavam multifacetados: partiam dos grilhões político-ideológicos que atrelavam historiadores ao Estado e chegavam ao preconceito dos "homens cultos" para com o cinematógrafo vigentes no início do século XX. A seguir, Marc Ferro destaca a recente incansável inventividade dos historiadores na criação e adoção de novas fontes históricas, pregando a concretização de uma história que tomasse como ponto de partida as "imagens sonoras":

partir da imagem, das imagens. Não buscar nelas somente ilustração, confirmação ou o desmentido do outro saber que é a tradição escrita. Considerar as imagens como tais, com o risco de apelar para outros saberes para melhor compreendê-las. Os historiadores já recolocaram em seu lugar legítimo as fontes de origem popular, primeiro as escritas, depois as não-escritas: o folclore, as artes, as tradições populares. Resta agora estudar o filme, associá-lo com o mundo que o produz. Qual é a hipótese? Que o filme, imagem ou não da realidade, documento ou ficção, intriga autêntica ou pura invenção, é História. E qual o postulado? Que aquilo que não aconteceu (e por que não aquilo que aconteceu?), as crenças, as intenções, o imaginário do homem, são tão História quanto a História.


Não se tratava, pois, da defesa de uma nova estética ou história do cinema, tampouco de semiótica cinematográfica. Aos moldes de Ferro, o filme não é investigado enquanto obra de arte, mas sim
como um produto, uma imagem-objeto, cujas significações não são somente cinematográficas. Ele não vale somente por aquilo que testemunha, , mas também pela abordagem sócio-histórica que autoriza. A análise não incide necessariamente sobre a obra em sua totalidade: ela pode se apoiar sobre extratos, pesquisar 'séries', compor conjuntos. E a crítica também não se limita ao filme, ela se integra ao mundo que o rodeia e com o qual se comunica, necessariamente.


Dessa forma, analisar os filmes e seus elementos acercando-se do estimado auxílio dos conceitos e das metodologias de outras ciências humanas não seria satisfatório. É preciso aplicar o método a todos substratos do filme (imagens sonorizadas ou não), como também às inter-relações entre os substratos. Analisar no filme roteiro, narrativa e cenário, e as relações dele com o que é não-filme, mas que é a ele diretamente concernente: autor, financiamento, produção, crítica, público, e até mesmo o regime governamental no qual ele foi concebido.

E o trabalho não se dá por findo! Além disso, faz-se necessário desvendar a mente do homem de câmera, que acaba por registrar, de maneira completamente involuntária, variados aspectos da realidade.

Esses lapsos de um criador, de uma ideologia, de uma sociedade, constituem reveladores privilegiados. Eles podem se produzir em todos os níveis do filme, como também em sua relação com a sociedade. Assinalar tais lapsos, bem como suas concordâncias ou discordâncias com a ideologia, ajuda a descobrir o que está latente por trás do aparente, o não visível através do visível. Aí existe a matéria para uma outra história, que certamente não pretende constituir um belo conjunto ordenado e racional, como a História; mas contribuiria, antes disso, para refiná-la ou destruí-la.

Somente com esse extenso e árduo trabalho de investigação – essencialmente interdisciplinar, ressalto –, que confronta a imagem na tela com a "realidade que não se comunica diretamente", que clama pela colaboração de outras ciências humanas e que pode muito bem se valer de outras fontes secundárias, se pode compreender a obra e a realidade que ela tenciona representar, empreendendo a análise historiográfica tão buscada pelos expoentes da História Nova: afinal de contas, o historiador aqui se depara com um púbere objeto, que carrega no seu bojo novos problemas, que, por sua vez, necessitam de uma específica – e igualmente nova – abordagem para serem solucionados!


1.2 – O FILME: UMA OUTRA MODALIDADE HISTORIOGRÁFICA?

Se a História sempre foi uma das grandes inspirações para as formas de representação artística – desde as epopéias de Homero até as telas de Salvador Dali – , com o surgimento do cinema e sua posterior transformação em um dos mais eficazes meios de comunicação de massa, o apelo da história sobre as artes se solidificou, adquirindo contornos muito mais abrangentes: não por acaso, um número bastante elevado de filmes de temática histórica (chamados de "filmes históricos") são produzidos mundialmente a cada ano.
Dessa forma, pode-se afirmar que o 'filme histórico', como detentor de um discurso sobre o passado, coincide com a história no que concerne à sua condição discursiva. Portanto, não é absurdo considerar que o cineasta, ao realizar um 'filme histórico', assume a posição de historiador, mesmo que não carregue consigo o rigor metodológico do trabalho historiográfico.

A existência e a popularização dos filmes históricos teve suas muitas conseqüências, já que as telas, hoje, se constituem a maior maneira de acesso do grande público à História – muito mais que o ensino primário e secundário ou a vasta literatura específica existente. No entanto, esses filmes são alvo das críticas ferrenhas do público tido como "culto", incluindo boa parcela dos historiadores, que os enxergam como uma vulgarização da história, fruto de uma apropriação comercial indevida de um domínio de eruditos. Nesse sentido, no ano de 1935 o presidente da Metro-Goldwin-Mayer ouviu o historiador Louis Gottschalk defender contundentemente que

Na medida em que o cinema toma temas históricos com tanta freqüência, se há de sentir obrigado — diante dos profissionais da matéria e da própria disciplina — a ser mais preciso. Nenhuma película de natureza histórica deve oferecer-se ao público até que um reputado historiador a tenha criticado e corrigido.

Assim, a despeito das formulações teórico-metodológicas de Ferro e posteriormente de seus discípulos, como é o caso de Cristiane Nova, a resistência acadêmica à introdução do filme como fonte válida para o conhecimento histórico foi e continua sendo imensa em pleno ano 2000, conduzindo a história à colossal discrepância com a realidade cotidiana.

Na realidade, o preconceito existente há longas décadas em relação ao cinema como fonte histórica tem como atual mote a rivalidade entre os "novos" e os "velhos" objetos da história, verificada principalmente entre a história narrada, tradicional, que parte dos calhamaços oficialescos, e a história problematizada a partir das imagens, e estas variam desde gestos de algumas crianças, a arquitetura de um prédio, a indumentária de um freguês da quitanda, ou um trago num cigarro ao entardecer.

Por que deveria ser o filme um objeto indesejado para a história? Os mais renitentes dizem que tal fato é decorrente da extrema subjetividade inerente ao cinema: a linguagem cinematográfica é de interpretação incerta, e, portanto, ininteligível para a história. Porém, "esta explicação não pode satisfazer a quem conhece o infatigável ardor dos historiadores, encarniçados em descobrir novos domínios, em considerar essencial o que estimavam até agora sem interesse", posto que

A cientificidade não será necessariamente assegurada pela escolha prévia de zonas permitidas e pela delimitação de zonas proibidas à história em construção. O que ocorre, muitas vezes, é na realidade, uma rejeição a esta perspectiva que se adota mais ou menos conscientemente e que tem causas múltiplas e complexas. Mas sabe-se que a história-conhecimento também tem sua própria história. Ela sempre se achou condicionada socialmente pela ideologia dominante de sua época e pelos interesses conscientes ou inconscientes que perseguem os historiadores. Em função desses fatores, muitas fontes são deixadas de lado. Os documentos são assim submetidos a uma hierarquia tão real como a que de fato existe na sociedade.

Enfim, trocando em miúdos, a receptividade ou não do cinema ao Olimpo da História é reflexo do conceito de história de cada um. Ciência ou saber? Tradicional ou arrojada? Essencialmente interdisciplinar ou monolítica? De maiores ou menores dimensões? Quais objetos e métodos ela tem capacidade epistemológica de acolher? A academia, mesmo após decorridas décadas e décadas do princípio dessas discussões com a Escola dos Anais, mostra-se pendular: ora abraça os novos objetos, ora os negligencia, dando a falsa aparência de ter se rendido ao ancestral "tudo é história", decretado por Karl Marx ainda século XIX...


1.3 – POSSÍVEIS CLASSIFICAÇÕES DO "FILME DE HISTÓRIA"
Mesmo diante das adversidades, o cinema galgou degraus e mais degraus na História. Mundo afora, diversos centros e instituições de ensino incentivam seu estudo, através da criação de oficinas, pós-graduações, mestrados e doutorados em "Cinema-História". Se ainda estamos a anos-luz de uma situação de relativo conforto no que concerne à formulação de um consistente arcabouço teórico, muito se avançou por meio da definição de alguns conceitos fundamentais acerca dessa relação.

Dentro dessa perspectiva, na produção cinematográfica global há um tipo de filme que merece atenção especial dos historiadores e, sobretudo, professores de história: o filme histórico, ou seja, a película que toma como argumento/temática um fato histórico. Porém, sob essa alcunha existem diversos tipos de películas, que se diferenciam no conteúdo, na forma ou nas suas possibilidades de utilização.

Cabe, então, sugerir uma classificação geral, concernente à distinção entre documentários e não-documentários. Documentário é o filme cujo enredo se baseia na descrição, relato e/ou análise de um fato histórico. De forma genérica, essas obras são produzidas por meio de montagem de imagens do passado, documentos históricos, entrevistas realizadas à época da produção do filme, possuindo um texto de fundo narrado. Já os não-documentários são correspondentes àqueles que possuem em seu enredo uma história, uma trama representativa.

Faz-se necessário também ponderar sobre um tipo de filme especial: os filmes que tratam de acontecimentos contemporâneos ao momento de sua produção, mas que hoje são históricos. Há a óbvia possibilidade de utilizá-los tanto enquanto fonte histórica na elaboração de uma contra-análise da sociedade, quanto como recurso didático. Entretanto, há de se ter em mente o cuidado de não atribuí-los a condição de construtores de discurso histórico.

Dada a infinidade de filmes não-documentário que remetem a um passado, é mister classificá-los, de forma a minorar as eventuais dificuldades de conferir-lhes um tratamento sistemático. Nesse intuito, a seguinte tipologia, proposta por Cristiane Nova, se baseia em critérios que consideram o conteúdo histórico dos mesmos, ressaltando as singularidades de cada tipo de obra e evidenciando os diferentes referentes históricos (mitologia, historiografia escrita, pesquisa do cineasta, etc...) que cada uma possa vir a conter:

Reconstrução histórica: corresponde aos filmes que abordam acontecimentos históricos cuja existência é comprovada pela historiografia e que contam com a presença de personagens históricos reais no seu enredo (interpretados por atores), cuja fidelidade é relativa e se modifica de um filme para outro. Não se trata apenas dos filmes em que se realiza uma reconstrução audiovisual do passado (o que dificilmente é levado às últimas conseqüências) ou mesmo dos fatos, mas também daqueles em que são esboçadas interpretações históricas, utilizando fatos comprovadamente reais. Como exemplos de reconstruções históricas, podemos citar Outubro (1927, S. Eisenstein), A lista de Schindler (1993, S. Spilberg), Spartacus (1960, S. Kubrick), 1592: a conquista do paraíso (1992, Ridley Scott) ou A rainha Margot (1994, Patrice Chéreau).
Biografia histórica: trata-se dos filmes que se debruçam sobre a vida de um indivíduo e as sua relações com os processos históricos. Na maior parte dos casos, esses filmes se limitam à abordagem da vida dos chamados "grandes homens", ou seja, aqueles indivíduos destacados pela historiografia escrita e, principalmente, a tradicional. Como exemplos, citamos Napoleão (1927, Abel Gance), Cromwel (1970, Ken Hughes), Lamarca (1994, Sérgio Resende) ou Rosa Luxemburgo (1986, Margareth von Trotta).
Filme de época: compreende aqueles filmes cujo referente histórico não passa de um elemento pitoresco e alegórico, e cujo argumento nada possui de histórico no sentido mais amplo do termo. São inúmeros os exemplos de filmes de época: Sissi (1955, Ernst Marishka), A amante do rei (1990, Axel Corti) ou Angélica e o rei (1965, Borderie). Mesmo assim, alguns deles podem possuir elementos interessantes para o historiador, principalmente aqueles em que existe uma preocupação formal maior com a reconstrução ambiental e dos costumes, como é o caso de Ligações perigosas (1988, Steaven Frears), por exemplo.
Ficção histórica: abarca os filmes cujo enredo é ficcional, mas que, ao mesmo tempo, possui um sentido histórico real. Como exemplo deste tipo de filme, podemos citar O nome da rosa (1986, Jean-Jaques Annaud), A greve (1923, Eisenstein), A guerra do fogo (1981, Jean-Jaques Annaud), Lili Marlene (1980, Fassbinder) etc.
Filme-mito: são aqueles filmes que se debruçam sobre a mitologia e que podem conter elementos importantes para a reflexão histórica. Muitas vezes, o mito é apresentado em paralelo a fenômenos históricos reais. Podemos citar, por exemplo, El Cid (1961, Antonny Mann) e A guerra de Tróia (1961, Giorgio Ferroni).
Filme etnográfico: agrupa os filmes realizados com interesses científico-antropológicos. Como exemplo, podemos citar a produção pioneira de Flaherty (Nanouk, o esquimó).
Adaptações literárias e teatrais: engloba os filme que são oriundos de uma adaptação de obras literárias e teatrais do passado. Alguns exemplos são Germinal (1995, Claude Berri) , Luciola: o anjo pecador (1975, Alfredo Sternheim), Os miseráveis (1978, Gleal Joadan), Hamlet (1990, F. Zeffirelli), Henrique V (1945, Laurence Olivier), 1984 de Orwell (1984, Michael Readford).

Todos esses tipos de filmes históricos são estudados por historiadores por dois vieses: como testemunhos da época em que foram produzidos ou como uma representação do passado. Essa distinção básica nos leva a rotular tais obras de acordo com critérios clássicos da historiografia tradicional, a saber, enquanto documentos primários – quando se analisa na obra aspectos da sua sociedade matriz – e documentos secundários – quando se dá destaque à representação do passado realizada pelo filme. Tendo em mente essa dupla função dos filmes históricos, Marc Ferro concebeu duas linhas apropriação dos mesmos pela História: a leitura histórica do cinema, que é a interpretação do filme com base em seu momento de produção, e a leitura cinematográfica da história, que consiste na análise do filme como um produtor de discurso a respeito do passado.

No entanto, não se pode deixar de enfatizar que, seja qual for a linha na qual o pesquisador opte por empreender seus estudos, ele não pode perder de vista a intrínseca relação passado-presente contida nos filmes históricos:

Qualquer representação do passado existente no filme está intimamente relacionada com o período em que este foi produzido. Por exemplo, a escolha de um tema histórico e a forma como ele é representado em uma película são sempre ditadas por influência do presente. Neste sentido, pode-se falar de um presentismo na construção histórico-cinematográfica.


Da mesma forma, saliento também que todo filme histórico está mergulhado em subjetividades, sendo ele um documentário ou um drama. Assim sendo, o historiador há de ter a sensibilidade para abdicar à secular busca pela "verdade histórica", posto que no filme ele vai encontrar uma visão acerca de um objeto ou fato histórico, que pode ou não se valer de "verdades históricas" pré-estabelecidas. O trabalho historiográfico, nesse caso, deve se guiar pela busca à verossimilhança com o momento histórico que se retrata através do roteiro, da direção, da atuação dos atores, do cenário e de todos os demais elementos componentes da obra.

Teriam, então, os filmes históricos, autonomia com relação à escrita historiográfica? Seriam eles autores indispensáveis na criação de conhecimento histórico específico? Embora defenda Ferro a construção de uma história a partir das imagens que não seja uma mera confirmação ou não do saber histórico tradicional, escrito, ele também postula que a contribuição dos filmes históricos se dá apenas no nível da difusão do conhecimento histórico, pouco ou nada cooperando no sentido de se tornar uma contribuição científica do cinema de aperfeiçoar a legibilidade dos acontecimentos históricos.

Porém, o que dizer de um filme como Titanic? A despeito do seu roteiro açucarado e das atuações extremamente questionáveis, o trabalho técnico para elaboração do filme foi rigorosíssimo. Robôs com câmeras integradas foram guiadas até o fundo do mar, onde se encontram hoje os destroços do navio, a fim de melhor compreender como e porque ele afundou, qual era seu aspecto interior e exterior, as diferenças entre os espaços destinados à primeira e à terceira classe... Cruzando essas imagens com fotos de época e depoimentos, profissionais das mais diversas áreas (inclusive da história) reproduziram a tapeçaria, a cabine de comando, a porcelana, os botes salva-vidas, etc. – e, diante desse tão bem feito trabalho, bem que poderíamos deixar de lado a historinha clichê (e mal contada) do pobretão que se apaixona pela moça bela, rica e inacessível...

Se fica a impressão de que Ferro não acompanhou o desenvolvimento tecnológico do cinema e a colaboração desse boom à História, devemos ponderar sobre a função pedagógica inerente aos filmes históricos que o francês ressalta.

1.4 – DESENHO ANIMADO: UMA "OUTRA REPRESENTAÇÃO" DA HISTÓRIA?

Se os filmes históricos já estão, há algum tempo, sendo analisados pelos historiadores, os desenhos animados parecem ainda não merecer tal "privilégio". Talvez seus ares de devaneios infantis prejudiquem-nos bastante nesse sentido.

Não obstante, há quem tenha atinado para a possibilidade de o desenhos animados serem terreno fértil para a investigação e a discussão filosófica. Em "Os Simpsons e a filosofia", um grupo de especialistas escreve algumas "meditações a respeito de Springfield": são ensaios sobre ética, política sexual, moral, etc., em Os Simpsons. Assim, a partir de uma animação que retrata a vida contemporânea em todas suas nuanças, Conard e seus colegas vão refletir sobre "um programa do qual eles gostam e que (...) diz algo acerca de algum aspecto da filosofia"(CONARD, 2004:14), não se tratando, enfim, de uma obra sobre Os Simpsons como filosofia, e muito menos A Filosofia dos Simpsons. Precavido, Conard nos fala, na introdução, sobre a legitimidade de ensaios filosóficos sobre cultura de massa, destacando que a popularidade do desenho "significa que podemos usar Os Simpsons como meio de ilustrar questões filosóficas tradicionais para efetivamente atingir leitores de fora da academia"(CONARD, 2004:15).

Mas é preciso destacar: Os Simpsons se constituem em uma animação bem mais destinada ao público adulto do que ao infantil. Seus personagens não explodem, não tropeçam o tempo todo, não voam, e suas vidas são invadidas pela mediocridade e pelo cinismo. Muitos deles podem nos lembrar alguns de nossos parentes, colegas, vizinhos. Já os desenhos voltados ao público infantil, em especial os longametragens mais recentes, como Os Incríveis, mesmo fazendo críticas ao modo de vida contemporâneo, têm um persistente – e, nesse caso, comprometedor – quê infantil: os traços arredondados e simétricos, o humor dito pastelão (cada vez mais raro em produções infantis, importante lembrar), o otimismo (o tradicional happy ending hollywoodiano é ainda mais constante em produções destinadas às crianças) e o maniqueísmo que perpassam por essas películas conferem-nas um tom inocente, pueril, quase que desprovido de qualquer malícia.

Tendo como pontos fortes características tão infantis, como produzir obras acadêmicas, estudos "sérios" acerca da animação? Qual a relevância de um trabalho desses? Qual a importância de se relacionar um reino de fantasias ao rígido universo acadêmico? Como – pior ainda! – se valer de um recurso tão fantasioso, embora tão apelativo, em sala de aula?

Muitas são as obras sobre a Disney e seu mundo de animação, que vão desde biografias (autorizadas ou não) do seu idealizador à descrição do modelo administrativo da Disney Company, apresentado como uma verdadeira fórmula de sucesso. Fonte se dedica à análise de todo processo produtivo dos desenhos animados da companhia de 1930 a 2001 de forma bastante rica e elucidativa, enfatizando quais as fontes utilizadas para a construção da animação, comentando a recepção do público às películas, os prêmios que a mesma recebeu, etc.. Já Guillén apenas descreve as animações, de forma sucinta, até mesmo vaga.

O trabalho de Yamashiro é o único que relaciona as animações à História: em um breve artigo, o acadêmico da Unesp faz algumas observações acerca da imagem da América do Sul veiculada pelo filme Alô Amigos (DISNEY, 1941). Sendo idealizado e produzido após a visita de Walt Disney à América Latina, Yamashiro situa o desenho dentro do amplo contexto da "política de boa vizinhança". O graduando mostra como os personagens, estereótipos dos naturais da cada país, muitas vezes são apresentados de forma preconceituosa. Entretanto, por trás da inovação de Yamashiro e da sua escrita fluente, percebe-se, nas entrelinhas do seu texto, um latino-americano ultrajado com a maneira pela qual seu país e seu povo são retratados. É então que seu texto e sua análise são prejudicados, e acabam por perder muito da sua credibilidade e do seu valor historiográfico.

Os procedimentos adotados na análise do "desenho histórico" devem ser os mesmos costumeiramente usados com os "filmes históricos": observando os elementos fílmicos e não-fílmicos desses desenhos, se consegue compreender as representações que eles contém em si. A partir dessa crítica, torna-se fácil, fácil compreender como utilizá-los de forma exitosa em sala de aula.

Cabe, então, ao professor, largar mão da busca desenfreada pela "verdade histórica" – pois esse trabalho de "Inspetor Langlois" não terá sucesso com o livro didático, com fontes primárias escritas, fósseis, e tampouco com o desenho, o filme ou o documentário de cunho histórico. Já passou e muito da hora de se adotar os meios audiovisuais na aula de história – e, se o desenho animado exerce tanto fascínio às crianças, porque não fazer dele um potente meio de divulgação e crítica do conhecimento histórico?

Dessa forma, creio que a maior contribuição desta pesquisa será a de quebrar um duplo preconceito: pedagógico, já que transforma em recurso didático um objeto tão negligenciado e até mesmo combatido pelos professores; e historiográfico, na medida em que ela adota um objeto que consegue ser ao mesmo tempo novo e conhecido para a História, o desenho animado, com tudo o que ele tem de diversão e seriedade, de profundo e de pastelão, de belo e de vulgar.





CAPÍTULO II
SUSPIROS DE UMA VAGA "LUCIDEZ" PEDAGÓGICA.

2.1 - ...E O ENSINO APROXIMA-SE DA "CULTURA DO ESPETÁCULO"

Se a polêmica da contribuição científica do cinema para a História ainda persiste, muitos foram os teóricos e cineastas que evidenciaram a viabilidade da sua utilização como recurso didático. Afinal de contas, o próprio David Griffith disse que "chegará o momento em que às crianças nas escolas se lhes ensinará tudo através dos filmes. Nunca mais se verão obrigadas a ler livros de histórias".

Entretanto, o passar de longas décadas revelou que as coisas não seriam tão simples como Griffith pintara. Em pleno ano 2000, a resistência à adoção do filme, sendo ele histórico ou não, ainda é imensa. Parte desse fenômeno é explicável devido ao "imobilismo conservador das instituições acadêmicas", posto que a escola e a universidade acompanham a passos de formiga as supersônicas revoluções tecnológicas contemporâneas.

Aliás, são essas revoluções, principalmente as revoluções nos meios de comunicação de massa, que caracterizam o mundo contemporâneo como uma "sociedade do espetáculo":
... es cierto que el espectáculo no es patrimonio exclusivo de uma cultura popular occidental contemporánea. Pero es igualmente cierto que solo hoy puede hablar-se de uma cultura del espetáculo. No se conoce pueblo alguno que em el largo de la historia que no haya dispuesto de algún tipo de espetáculo, pero hasta el momento presente los espetáculos siempre habian estado circunscritos em el espacio y em el tiempo. Había determinados espectáculos, determinados dias, a determinadas horas y em determinados espacios físicos. Hoy, gracias a la televisión, al vídeo y las nuevas tecnologias de la información y de la comunicación, el ciudadano tiene acceso en su própria casa a qualquer tipo de espectáculo, a cualquer gora del dia e de la noche. La televisión fagocita toda clase de espectáculos, desde el cine o teatro hasta los conciertos, los deportes, los toros o las variedades.

Até mesmo a própria realidade tornou-se uma fonte inesgotável de espetáculo. As transmissões televisivas do primeiro passo do homem na Lua ou do assassinato da princesa Diana constituem-se em marcos característicos de uma cultura de espetáculo. Já não é mais preciso recorrer à ficção para criar o espetáculo: a realidade agora já substitui, de muitíssimo bom grado, a quimera. Assim, a televisão soma os espetáculos convencionais ao que a realidade tem de espetacular, convertendo tudo que suas longas mãos alcançam em shows.

Nesse sentido, o pedagogo espanhol Joan Ferrés conclama: "Uma escola que não ensina como assistir à televisão é uma escola que não educa". Segundo ele, a educação institucional tem que se valer dos elementos constitutivos da cultura na qual o aluno se vê mergulhado enquanto construto e construtor.

Seguindo o intelectual Umberco Eco, Ferrés defende que a postura dos educadores diante do fenômeno dos meios de comunicação de massa costuma ser dicotômica. Há tanto os otimistas "integrados", que procuram integrar a escola à vida extra-institucional, relacionando a erudição aos meios de comunicação de massa, quanto os conservadores "apocalípticos", que engatilham seus fuzis na mira da televisão, reclamando a ela a paternidade de males dos mais variados tipos, desde problemas na visão e o vício do zapping até a passividade, o consumismo e a alienação disseminadas na contemporaneidade.

Os dois extremos acabam desembocando em resultados semelhantes, pois tanto a aceitação ingênua quanto o pessimismo estéril acabam não surtindo os efeitos desejados. Sem o estabelecimento das grandezas e das misérias do recurso, não se obtém o domínio mínimo do conteúdo, e também não se consegue compreender qual a finalidade da sua adoção.

Na escola brasileira, o predomínio dos apocalípticos é notório, embora seja digno de destaque o empreendedorismo de alguns poucos mestres. Ora escondendo sua total falta de preparo, ora disseminando os preconceitos absorvidos durante os anos de formação na academia, a maioria dos professores se recusa a utilizar o filme em sala de aula. As desculpas para tanto são muitas – da falta de tempo à baixa confiabilidade do cinema –, e todas contam com o aval da academia e da sociedade.

Na contra-mão desta triste realidade, os Parâmetros Curriculares Nacionais, lançados em 1998 pelo Ministério da Educação, incentivam os professores de história a usar o filme em suas preleções. Na obra referente aos Terceiro e Quarto ciclos da educação fundamental, os PCNs de História refletem sobre a necessidade do uso de documentos históricos em sala de aula:
Rádio, livros, enciclopédias, jornais, revistas, televisão, cinema, vídeo e computadores também difundem personagens, fatos, datas, cenários e costumes que instigam meninos e meninas a pensarem sobre diferentes contextos e vivências humanas.

Segundo os PCNs, o objetivo do uso de documentos na aula de história é refletir sobre a relação presente-passado e criar situações que favoreçam a domínio de procedimentos de como questionar obras humanas das mais variadas épocas históricas, e não a formação de "pequenos historiadores". Nesse sentido, é necessário eleger o documento e o momento certo para trabalhá-lo, definindo a metodologia e as intenções didáticas a serem alcançadas e ponderar sobre a especificidade do conteúdo ministrado em sala de aula.

Os Parâmetros dedicam algumas páginas ao "trabalho com os documentos", dando espaço também para o trabalho com os filmes em sala de aula. Segundo o documento, deve-se ter em mente que o filme carrega mais aspectos da época da sua produção que da época que deseja retratar. Assim é de suma importância que o docente tenha em mente que o filme está impregnado de valores, criações livres e artísticas, inserção de cenários ou diálogos históricos inventados pela equipe que o realiza..., e não tente encontrar nele fidelidade historiográfica, e sim a verossimilhança.

Nesse sentido, os Parâmetros indicam um caminho no uso dos filmes como material didático:
Para evidenciar o quanto os filmes estão impregnados de valores da época com base na qual foram produzidos tornam-se valiosas as situações em que o professor escolhe dois ou três filmes que retratem um mesmo período histórico e com os alunos estabeleça relações e distinções, se possuem divergências ou concordâncias no tratamento do tema, no modo como reconstitui os cenários, na escolha de abordagem, no destaque às classes oprimidas ou vencedoras, na glorificação ou não dos heróis nacionais, na defesa de idéias pacifistas ou fascistas, na inovação ou repetição para explicar o contexto histórico etc. Todo esforço do professor pode ser no sentido de mostrar que, à maneira do conhecimento histórico, o filme também é produzido, irradiando sentidos e verdades plurais.


A maioria dos educadores criticam os PCNs justamente por apenas expor propostas, nunca dissecando-as e tampouco explicando como elas podem ser aplicadas à prática escolar. No caso da utilização dos filmes, além de não dizer qual metodologia pode ser adotada, ainda cai no desacerto de sugerir a exibição e a crítica de "2 ou 3 filmes" sobre a mesma temática a professores de História que vêem sua carga horária e a quantidade de conteúdos a serem lecionados atuarem de forma inversamente proporcional.


2.2 – O DESENHO ANIMADO COMO MODO DE REPRESENTAÇÃO SOCIAL

Quando se fala do uso do cinema em sala de aula, muito se prega o uso de documentários, gêneros supostamente mais fiéis à realidade, e dos filmes históricos, visando aproveitar na trama representativa o que há de "real", relegando a "ficção" ao segundo plano. Nada se fala do desenho animado, formato cinematográfico de maior apelo às crianças.

Os motivos dessa recusa são mais ou menos óbvios. Em primeiro lugar, antes de se tratar o desenho animado como recurso didático, há se de considerar-lhe como um documento histórico. Se ainda hoje, mais de 30 anos depois lançamento das formulações de Ferro, é grande a resistência da História ao filme "convencional", com atores e cenários concretos, imagine só em que pé está a situação da animação, reino de rabiscos ingênuos!!!

É importante, então, ressaltar: a animação é um formato, e não um gênero cinematográfico. A animação é tanto filme quanto o documentário ou os filmes de encenação. Portanto, enquanto filme, pode-se muito bem aplicar a ele a crítica historiográfica proposta por Ferro aos filmes históricos, salvo algumas poucas modificações e adequações.

Os ajustes são poucos e simples, todos relativos ao formato em si: neste tipo de filme, há de se prestar uma atenção especial aos traços dos personagens e às cores dos cenários, aos integrantes da equipe de animadores, à música, já que na maioria dos desenhos a música é feita, sobretudo, para descrever/resumir de personagens, cenários ou contextos.

A tipologia proposta por Cristiane Nova é igualmente válida. Basta apenas nos lembrar de alguns desenhos animados longa-metragem: Pocahontas pode ser encaixado muito bem enquanto biografia e reconstrução histórica; O Corcunda de Notre Dame é uma bela adaptação literária da novela de Victor Hugo; Hércules é um filme-mito brilhantemente concebido, etc...

2.3 – APRESENTANDO UMA POSSÍVEL METODOLOGIA DE TRABALHO

Após tantas ponderações historiográficas, sociológicas e pedagógicas, qual, finalmente, deve ser o posicionamento do professor diante da concretização do uso do cinema como recurso didático? Qual o mais adequado modus faciendi?

Na realidade, não se trata apenas de exibir um filme que se relaciona com algum conteúdo a ser lecionado na aula de história. O trabalho com o cinema não acaba nem tampouco começa em si mesmo, posto que a função didática da relação cinema-história
se consubstancia na utilização de um novo método aplicado ao ensino: o uso da linguagem cinematográfica como instrumento auxiliar de formação histórica, com a finalidade de integrar, orientar e estimular a capacidade de análise dos estudantes. Do ponto de vista didático, trata-se de utilizar películas já existentes como fontes para a discussão de temas históricos, de analisar o cinema como agente da história e como documento e, ainda mais, de preparar estudantes para a pesquisa.


Pilar Amador Carretero igualmente defende que a inserção do cinema requer toda uma reformulação da atividade docente, que passa pela confrontação com o discurso e a atitude tradicionais acadêmicas, as possibilidades, capacidades e limitações que o recurso possui quando inserido no projeto pedagógico como um todo e a latente necessidade de interdisciplinaridade para efetuá-lo plenamente.

Com relação ao alunado, a teórica ressalta que, por mais que a imagem seja uma presença constante e inexorável no seu cotidiano, ela conduz a uma mera postura contemplativa, haja vista que os meios de comunicação de massa são sempre monologantes, transmitindo mensagens convenientemente digeridas e, na imensa maioria dos casos, de impossível averiguação. Parte mais frágil desse ciclo vicioso, o aluno perde paulatinamente a sua capacidade crítica.

Por ello, utilizar el cine como recurso didáctico supone romper esta dinámica, requiere no confundir amenidad com trivialidad, entender que es tarefa Del docente de la Historia despertar el interés por la observación de los acontecimientos de nuestro tiempo y llevar a los estudiantes la reflexión sobre esos acontecimentos, para que sea capaz de relacionar épocas, hechos e fenômenos culturales, descubriendo las causas que los motivaron, sus consecuencias, y así pueda relativizar posturas dogmáticas.

Assim, antes de se explorar de forma delongada metodologia proposta, cabe ao docente ter em mente alguns poucos princípios básicos da relação cinema-sala de aula:
O professor deve ser dotado da maior competência técnico-científica que for possível. Dessa forma, é fundamental uma formação cinematográfica prévia, que inclui familiarizar-se com a história, as técnicas, a organização e a repercussão social do cinema.

Se pretende, com a utilização do cinema como recurso didático, criar uma aproximação emotiva que motive o discente, e não supor uma falsa neutralidade cinematográfica ou pedagógica.

Assim como qualquer outro recurso, o cinema precisa de uma preparação prévia antes de ser utilizado em meio escolar. O passo inicial desse processo é justamente a eleição dos filmes a serem adotados, guiada por critérios como duração do mesmo, relação com o conteúdo a ser ministrado e faixa etária dos alunos. O trabalho com os filmes já se inicia antes mesmo da sua exibição: em um momento anterior, deve se fazer uma orientação prévia dos alunos, orientando-os no sentido de captar na película aspectos a serem discutidos em aula.

Tomadas as devidas providências, propõe-se, aqui, ao professor, uma metodologia pedagógica aplicável à obra cinematográfica, a fim de se obter dela o maior retorno possível.

1. ELABORAÇÃO DA FICHA TÉCNICA

Sabemos da verdadeira obsessão que os historiadores têm pelas referências. Aqui não poderia se verificar o contrário. A ficha técnica, como "um conjunto de datos técnicos e artísticos que nos permitem la identificación de un filme de modo preciso", é o ponto de partida para a posterior análise do filme.
Esses dados, chamados de créditos, aparecem com freqüência no princípio ou no final de filme, a depender da obra. Também podem ser encontrados nos cartazes de propaganda da película, nos espaços dedicados às críticas cinematográficas em jornais e revistas, e a depender do valor, antiguidade e reconhecimento da obra, em livros especializados.

Em uma ficha técnica, os dados devem surgir na seguinte ordem:
Título em português;
Título original, a fim de evitar possíveis confusões derivadas das mudanças de sentido que freqüentemente ocorrem na "tradução" do título para as línguas dos países nos quais ele vai ser veiculado.
Produção: país ou países em que foi realizado o filme ou que contribuíram de alguma maneira para a sua realização, seja com cenários, artistas, capital, etc.; o nome das empresas, cooperativas ou produtores; ano de produção do filme.
Argumento: nome do idealizador original; se o filme for inspirado em romances, livros ou qualquer outro tipo de fonte, convém indicá-los.
Roteiro: nome do idealizador da história narrada no filme.
Diretor: um dos dados mais importantes na ficha técnica para a análise do filme, nos mais diversos pontos de vista (artístico, histórico, idealógico, etc).
Seguidamente, destacar os profissionais responsáveis por fotografia, música, cenário, montagem...
Atores: dado importantíssimo para a valoração histórica do filme, é conveniente citar os nomes dos personagens que representam na obra entre parênteses, para facilitar a sua identificação. No caso específico dos desenhos animados, ao invés dos atores, se destacam as vozes dos personagens – atualmente feitas por atores profissionais reconhecidos.
Duração: expressa em minutos.

Após a detalhada elaboração da ficha técnica, é hora de particularizar alguns aspectos a ela concernentes. Conhecer a obra do diretor e um pouco da sua biografia pode ajudar a entender melhor a obra e seus propósitos, bem como saber como foi realizado o processo de animação (manual, computação gráfica...) também auxilia no sentido de compreender sua produção e as inovações que ela apresenta ou não. Em alguns casos, é importante destacar o autor do roteiro do filme, o ano em que ele estreou, ou outros aspectos fílmicos que sejam cruciais para seu melhor julgamento.


2. RESUMO DO ENREDO (ARGUMENTO):

O propósito não é pormenorizar a obra, e sim produzir uma síntese clara e simplificada da mesma. A intenção é da resumir o enredo da obra de forma simples, permitindo nos recordar do seu enredo sempre que preciso for.

3. COMENTÁRIOS SOBRE A OBRA:

É praticamente impossível oferecer normas rígidas para que sejam feitos os comentários de cunho histórico. Cada filme tem suas particularidades, que devem ser respeitadas e levadas em consideração no momento de sujeitá-los ao duplo olhar clínico de historiador e professor. O professor tem que se adequar ao filme, e não o filme ao professor!!!
Ainda assim, Auñon fornece algumas orientações – sempre adaptáveis, é bom frisar! – capazes de nortear a confecção do comentário:
Determinar o recorte temporal e espacial do argumento do filme, bem como o contexto da sua realização (sócio-político e estético-cultural);
Dar ênfase às cenas ou seqüências mais significativas, analisando detalhadamente seus aspectos mais importantes. "Em algunos casos, será conveniente estabelecer una lista del total de secuencias del filme."
Observar o cenário, o jogo de cores – mesmo sendo o desenho em preto e branco, ele o terá -, os planos, movimentos e ângulos de câmera, elementos essenciais que dão um suporte implícito ao enredo do filme.
Tecer comentários sobre a trilha sonora: música, canções, diálogos cantados, etc...
Se em um filme "convencional" convém observar detidamente a interpretação dos atores, no caso dos desenhos animados é importante verificar os gestos dos personagens, suas expressões, seus movimentos.
Adquirir material sobre o filme, como críticas, ensaios, declarações do diretor ou, no caso dos atuais DVDs de desenho animado, o DVD extra, que além de trazer atividades interativas relacionadas ao desenho, contém informações, entrevistas de atores que dublaram os personagens e depoimentos do diretor sobre a produção do desenho.
Por último, o não-visível tão preconizado por Ferro: a adequação do filme à historiografia escrita, a propaganda ideológica e a influência que o desenho teve após a sua estréia (como a defesa de ideologias ou hasteamento da bandeira de algum movimento).

4. ESTABELECIMENTO DE REFERÊNCIAS EXTRA

Se possível, é apropriado terminar o processo de crítica fílmica com a elaboração de uma lista de filmes e demais referências escritas ou não que se relacionem com o tema proposto.










CAPÍTULO III
A PRÁTICA

CONTEÚDO: DESCOBRIMENTOS MODERNOS
>>POCAHONTAS: O ENCONTRO DE DOIS MUNDOS (1995)
Título original: Pocahontas
País: Estados Unidos da América.
Direção: Mike Gabriel e Eric Goldberg.
Produtora: Walt Disney Pictures.
Produção: James Pentecost.
Roteiro: Carl Binder, Susannah Grant, Philip LaZebnik.
Animadores: Glen Keane, John Pomeroy, Duncan Marjoribanks, Nik Ranieri, Ruben Aquino, Chris Wahl, Barry Temple, Michael Cedeno.
Direção artística: Mike Giaimo.
Montagem: H. Lee Peterson.
Música: Alan Menken.
Canção: Alan Menken e Stephen Schwartz.
Duração: 87 minutos.
Cor.

ENREDO:
No século XVII, a princesa Pocahontas vive feliz na costa da Virginia, junto à sua tribo e aos animais da floresta. Um dia, desponta no Novo Mundo o navio Susan Constant, trazendo o ambicioso Ratcliffe, sedento em busca de ouro e poder. Entre a tripulação do navio encontra-se John Smith, um corajoso aventureiro que, num encontro fortuito com a índia Pocahontas, se apaixona. Ajudada pela avó totêmica Sauce, Pocahontas faz com que Smith descubra a alteridade e o respeito à natureza, ensinando-o a contemplar a vida com outros olhos. Entretanto, Ratcliffe, cego pela ganância e em meio aos seus delírios megalomaníacos, batiza a terra encontrada de "Jamestown" e decide declarar guerra aos Powhatan, certo de que eles escondiam o "seu" ouro. Na guerra, John Smith é capturado, e justo antes dos índios executarem-no, Pocahontas revela a todos o seu amor pelo inglês, livrando-o da morte e pondo fim à guerra entre os povos. Como esse se mostra um amor impossível, Smith volta à Inglaterra, enquanto Pocahontas fica na costa, vendo o Constant tomar distância no oceano.

COMENTÁRIO:
Este filme de reconstrução histórica aborda como, sob comando do ambicioso Ratcliffe, ingleses pobres ou aventureiros partem para o Novo Mundo em busca de "Liberdade, prosperidade e aventura". A liberdade a que o filme se remete é a liberdade político-religiosa, inexistente na Inglaterra do rei James; a prosperidade é o sucesso econômico, tão desejado pelos aventureiros de baixa classe e tão difícil de ser conquistado em uma Inglaterra ainda com resquícios estamentais; a aventura é a exploração de um mundo diferente, repleto de "selvagens", e a luta pela posse da terra.

Em contraposição a esta mentalidade européia, é retratado o mundo indígena. Um universo de interação entre homem e meio ambiente, de misticismo, totemismo, dos espíritos personificados nos elementos da natureza. O símbolo-mor desse modo de vida e da complicada relação entre europeus e powhatans é a bela música Cores do Vento, cantada por Pocahontas quando é chama de selvagem por John Smith.

Como pode-se deduzir a partir da história que o filme narra, Pocahontas combina fatos históricos ao folclore popular. Por isso, foram consultados antropólogos, historiadores, remanescentes indígenas, bem como se visitaram diversas vezes o local onde esse encontro ocorreu. Não obstante, a principal fonte do filme é a novela do próprio John Smith, "Captain Smith and Princess Pocahontas" de 1805. Assim sendo, os personagens "criados" pelos estúdios Disney são bastante vivos e significativos dentro do contexto do colonialismo europeu: Ratcliffe simboliza o eurocentrismo e a cobiça; John Smith, o fascínio exercido pela natureza e pelo povo americano; Pocahontas, o misticismo e o vínculo com a natureza; os guerreiros Powhatan, a força e a resistência indígenas.

O mote da obra, importante lembrar, conta com fatos e personagens históricos verídicos: a chegada dos ingleses à costa americana e o encontro entre Pocahontas e John Smith. Entretanto, essa história foi livremente alterada, requisitando licenças e mais licenças poéticas. Pocahontas (1595-1617) era uma das filhas do chefe da tribo Powhatan e contava apenas 12 anos quando John Smith (1580-1631) chegou à costa de Cheesapeak no início do século XVII. Seu nome, no seu idioma algoquim, era Matoaka, ou "pequena travessa", e, segundo a lenda, seu temperamento desenvolto auxiliou a amenizar as tensões causadas pelo encontro de duas culturas tão diferentes.

Já experiente aventureiro, com 27 anos Smith já havia percorrido meio-mundo: fora mercenário na luta contra o Sacro Império Romano e os turcos, capturado e escravizado em Istambul; conseguiu escapar e foi novamente preso na Rússia. Quando chegou à Virgínia, já era um aventureiro consagrado, e sua fama já era conhecida em diversas partes da Europa, fazendo dele um tripulante de destaque da Susan Constant – eram 150, no total. Sua vasta experiência ajudou os europeus a entenderem-se melhor com os índios, e a dirimir os atritos que a diversidade cultural ocasionavam.

Foi em 1608 que Pocahontas salvou a vida de John Smith. Capturado por índios pouco após aportar na América, o capitão teria sido decapitado se Pocahontas não tivesse se abraçado a ele. O chefe Powhatan conservou-lhe a vida, e sua filha ajudou a estreitar os laços comerciais entre os dois povos, mantidos durante todo processo colonizatório.

Pocahontas foi capturada pelos ingleses em 1613, que pretendiam trocá-la por soldados prisioneiros do seu pai. Porém, acabou sendo levada a Jamestown, e batizada de Rebecca. Casou-se com o rico colono John Rolfe, e dois anos depois viajou à Inglaterra, onde foi apresentada aos monarcas. Morreu de varíola repentinamente, aos 22 anos, poucos dias antes de voltar à terra natal.

A película aborda alguns aspectos históricos interessantes, que podem ser trabalhados na sala de aula, de acordo com as especificidades de cada turma:

Chegada dos ingleses ao Novo Mundo no século XVII e busca desenfreada de ouro;
O incentivo do Rei James ao desbravamento da América e fundação de Jamestown;
As biografias dos personagens Pocahontas e John Smith, bastante expressivos na conjuntura da Idade Moderna;
Alianças de índios a fim de lutar contra os brancos;
Problemáticas da História Ambiental;
As particularidades do tempo histórico;
História como ficção controlada: diferenciação entre história e literatura.


Um ponto para se debater com os alunos, após a exibição integral do filme é o seguinte: se o ato corajoso da índia demonstra que a paz entre os dois povos é possível, a partida da nau Susan Constant, que leva os colonizadores de volta à Europa, revela que a convivência entre os povos e a conseqüente mistura de culturas é completamente impossível. Por que, segundo a mentalidade americana atual, o amor de Pocahontas e John Smith não foi possível? Diante de tantas licenças poéticas, por que não dar ao desenho o final feliz, ou ao menos a esperança de um futuro mais promissor, tão característicos das produções Disney?

Outro debate acerca da relação passado-presente gira em torno do contexto de produção do desenho. Produzido no início das discussões sobre o desenvolvimento sustentável, o filme transmite uma forte mensagem ecológica. Seria o caso de se fazer um trabalho interdisciplinar com o professor de Geografia, que explorasse colonização, história ambiental, recursos naturais...
REFERÊNCIAS INDICADAS:

FONTE, Jorge. Walt Disney: el universo de los largometrajes (1970-2001). Madri: T&B Editores, 2001.


GUILLÉN, José Moscardo. El cine de animación em más de 100 largometrajes. Madri: Alianza Editorial, 1997.


AQUINO, R.S.L.; LOPES, O. Fazendo a história: sociedades americanas e Europa. 10ª ed. Livro técnico. 2005.


AQUINO, R.S.L.; LOPES, O. História das sociedades americanas. 10ª ed. Record: 2005.






CONTEÚDO: GRÉCIA ANTIGA
>>HÉRCULES:
Título: Hercules.
Ano de produção: 1997.
Direção: Ron Clements e John Musker.
Roteiro: Ron Clements e John Musker; Bob Shaw e Don McEnery; Irene Mecchi.
Produção: Alice Dewey; Ron Clements e John Musker
Música: Alan Menken
Efeitos de animação: James DeValera Mansfield; Dorse A. Lanpher.
Efeitos visuais: Mauro Maressa.
Vozes: Tate Donovan (Hercules)
Danny DeVito (Fil)
James Woods (Hades)
Susan Egan (Megara)
Duração: 90 minutos.
Data de estréia: 14 de junho de 1997.

ENREDO:
O deus Zeus e sua mulher Hera acabaram de ter um lindo bebê, a quem deram o nome de Hércules. Entretanto, para o deus do submundo, Hades, que tencionava apoderar-se do Olimpo, a criança era uma ameaça eminente. Por isso, envia seus dois vassalos, Agonia e Pânico, ao Olimpo, a fim da fazer o menino beber uma porção mágica que o faria mortal e depois matá-lo. Entretanto, apesar de terem conseguido raptar o bebê, seus vassalos não efetivam o plano e o menino não bebe a última gota da porção, fazendo dele um mortal com uma extrema força. Adotado por um casal que não podia ter filhos, Hércules cresce considerado um menino forte e desastrado. Já adolescente, ele descobre que não é filho de Anfitrião e sua esposa, e parte para o Oráculo de Zeus na tentativa de conhecer sua verdadeira origem. Lá, falando com Zeus, descobre que é seu filho e que nascera como deus, mas que, para voltar a sê-lo, deveria ser um verdadeiro herói na terra. Para isso, procura Filoctetes, o grande treinador de heróis. Após seu treinamento, ele viaja a Tebas e se torna o herói mais famoso até então. Na cidade, conhece Megara, por quem se apaixona, e enfrenta todas as provas que Hades secreta ou explicitamente o impõe.

COMENTÁRIO:

Eis uma das películas históricas de maior relação passado-presente. Para produzir este filme-mito que trata da história de Hércules, os seus diretores se dedicaram intensamente ao estudo da mitologia clássica grega. Posteriormente, submeteram a lenda do herói semideus a um potente filtro sócio-moral, imprimindo-na um caráter contemporâneo e infantil de que nunca fora dotada. Não é à toa que Jorge Fonte diz:


Logicamente, la verdadera historia de Hercules , tal como se cuenta em la mitologia griega, tuvo que pasar por el filtro moral no solo del Estudio Disney sino, probablemente, también de todas las sociedades modernas y civilizadas de medio mundo, ya que la vida de Hércules – heroe de Grecia clasica, que no de la nuestra, no lo olvidemos – da más pie al guión de um culebrón de telenovela que a uma película de dibujos animados inicialmente dirigida para um público mayoritariamente infantil.

Nesse sentido, o Hércules da Disney acaba sendo o resultado de uma coleta de histórias de diversos deuses e heróis da mitologia grega. No entanto, a base do trabalho é a obra de Ovídio de 1 d. C. Os diretores forjaram dois Hércules: o primeiro, ainda criança, é de uma notável força física – e capacidade também singular de provocar catástrofes; o segundo é um adulto forte, bonito, corajoso e ingênuo, que se apaixona por Megara após defendê-la de um monstro.

Após o seu intenso treinamento, Hercules ruma à caótica Tebas, cidade grega mais necessitada de heróis. A Tebas do filme muito se assemelha a uma moderna metrópole, e a atuação de Hércules muito se aproxima à do Super-Homem, a não ser por uma diferença: o grego queria, a todo custo, ser reconhecido como um verdadeiro herói na Terra, a fim de retornar à sua antiga condição de deus. Findos alguns dos seus famosos 12 trabalhos, Hércules se torna um herói famoso e o centro de uma incrível propaganda mercadológica: são lançadas sandálias, bebidas energéticas e até mesmo cartões de crédito com sua marca. Eis a crítica da Disney a si mesma, posto que uma das formas pela qual a empresa fatura altos lucros é o merchandising.

Uma das partes mais ricas do filme são suas primeiras cenas, nas quais as musas explicam, sob a ótica grega, o surgimento do universo, o caos titânico e a atuação de Zeus na organização do mundo. Outra seqüência digna de nota é da comemoração do nascimento de Hércules no Olimpo, na qual os deuses são representados (Posseidon com barbatanas, Atena implacavelmente rígida, Afrodite sedutora ao extremo, Hades obscuro...), e que Narciso surge na tela beijando sua imagem refletida no espelho.

Aliás, os deuses gregos não ficam no próprio monte Olimpo, e sim acima dele, sobre as nuvens, guardados por portões dourados. A Disney também transformou a mitologia greco-romana em um esquema maniqueísta, semelhante à religião cristã: assim, Zeus faz às vezes do bom Deus cristão, e Hades, de Diabo.

Assim, alguns dos aspectos históricos encontrados no filme são:
a mitologia greco-romana, exposta de forma engraçada e motivante;
as influências da mitologia greco-romana na mentalidade antiga;
as heranças legadas ao mundo contemporâneo pela Grécia Antiga;

Uma boa discussão pode ser levada a cabo se forem trabalhados com os alunos alguns aspectos e personagens da mitologia grega, com vistas a debater quão forte é a influência do presente e dos meios de comunicação de massa na interpretação do passado.

REFERÊNCIAS INDICADAS:

BIERLEIN, J.F. Mitos paralelos. RJ: Ediouro, 2003.


BRANDAO, Junito de Souza. Mitologia grega. 18ª ed. Vozes, 2004. (vol. 1, 2 e 3)


FONTE, Jorge. Walt Disney: el universo de los largometrajes (1970-2001). Madri: T&B Editores, 2001.


GANDON, Odile. Deuses e heróis da mitologia grega e latina. Martins Fontes, 2000.


GUILLÉN, José Moscardo. El cine de animación em más de 100 largometrajes. Madri: Alianza Editorial, 1997.





CONTEÚDO: HOMEM MEDIEVAL
>> O CORCUNDA DE NOTRE DAME
Título original: The hunchback of Notre Dame
País: Estados Unidos.
Ano de produção: 1996
Direção: Gary Trousdale e Kirk Wise
Produtora: Walt Disney Pictures
Produção: Don Hahn.
Co-Produção: Roy Conli.
Produção-associada: Phil Lapharo.
História: Tab Murphy (inspirado na novela de Vitor Hugo)
Roteiro:Tab Murphy, Irene Macchi, Bob Tzudicker, Noni White, Jonathan Roberts.
Animadores: James Baxter, Tony Fucile, Kathy Zielinski, Russ Edmond, Michael Surrey, David Hancock, Ron Husband.
Direção artística: David Goetz
Montagem: Ellen Keneshea
Música e canções: Alan Menken e Stephen Schwartz.
Duração: 86 minutos.
Cor.

Na Paris da Idade Média, Quasímodo é um rapaz corcunda, disforme e de bons sentimentos. Ele trabalha como sineiro na Catedral Notre Dame, e de lá é proibido de sair pelo perverso juiz Frollo, autoridade máxima da cidade e assassino da sua mãe. Prisioneiro da catedral e do juiz, o corcunda vive na companhia dos sinos e dos três gárgulas que têm vida apenas na sua presença. Mas um dia o rapaz escapa, e sai às ruas para ver a Festa dos Bufões. Presa fácil das chacotas e da crueldade do povo, Quasímodo é coroado e humilhado pela plebe, e conhece então a terna cigana Esmeralda, por quem nutre um amor platônico, e Febo, o Capitão da Guarda, que o auxiliam a fugir das garras de Frollo.

COMENTÁRIO
A produção deste filme foi um dos maiores desafios da Disney. Afinal de contas, tratava-se de transformar uma obra que sempre tivera, em suas adaptações para o cinema, tratamento de filme de terror, em um desenho animado voltado para as crianças.

Para isso, o roteirista Tab Murphy tratou de romantizar a história que o francês Vitor Hugo idealizou enquanto passeava pela catedral. Com esse objetivo, alguns personagens foram retirados (como irmão mais novo de Frollo, a rica pretendente do capitão Febo e a mãe de Esmeralda), e outros foram modificados. Frollo, que era um padre sexualmente obcecado pela cigana Esmeralda, foi transformado em um poderoso juiz responsável pela morte da mãe de Quasímodo e que mantém o corcunda preso na Notre Dame. Febo, militar que nunca demonstrava sentimentos, é visto no desenho como um homem de bastante bondoso. Quasímodo, que no original francês conversava com os sinos e as paredes da Igreja, ganhou a companhia de três gárgulas que ganham vida na sua presença (ou na sua imaginação?) e simbolizam seus sentimentos mais puros e ocultos.

Apesar dessas licenças poéticas, foi conservada parte da dramaticidade do livro: o corcunda sofre ao ver um beijo entre Esmeralda e Febo, e os dois se unem com as bênçãos de Quasímodo. O Frollo da Disney é sádico e xenofóbico como nenhum outro vilão da produtora.

Entretanto, apesar de tantos cortes e modificações, muito defendem que os personagens secundários cômicos são os únicos referentes infantis do filme. O remake tem personagens, trama e música que denunciam a corrupção e as injustiças sociais. Além do mais, o Estúdio também captou sabiamente o rígido estilo gótico da novela original.

Que o diga o cenário de filme! A ambientação da Paris da Idade Média é muito bem feita. Os animadores transplantaram para o computador a magnitude da arquitetura gótica da Catedral parisiense de forma esplendorosa. Os cenários de fundo, em que se mostram a arquitetura medieval, também são bastante significativos.

Uma seqüência importantíssima é a da fuga de Quasímodo de Notre Dame para assistir a Festa dos Bufões: no momento em que Quasímodo desde pela corda, o movimento de câmera nos mostra a Paris medieval: o estilo arquitetônico das casas, do exterior da catedral e de alguns prédios públicos e a disposição das ruas. Nessa perspectiva, a Disney superou muitos autores atuais que ainda sustentam a imobilidade e falta de vida da cidade do medievo.

Os elementos históricos mais salientes do filme são:
A cidade medieval, sua arquitetura e sua dinâmica;
O antigo eurocentrismo;
Os preconceitos étnicos e raciais;
O imaginário medieval.

Devido a presença inabalável desses aspectos, Fonte defende que

aunque la película tenga el toque Disney (sobre todo tecnológicamente hablando), és el film más realista deste nueva etapa y, em gran parte, se pierde la esencia de los dibujos animados, para submegirse em um mundo adulto e complejo donde se tratan temas como la obsesión sexual, el odio racial y la hipocresía religiosa. Por lo que se puede afirmar, sin medo a equivocarnos, que El jorobado de Notre Dame es el film más serio y adulto de Disney em toda su historia, llegando incluso a sorpreender, sobre todo, por la crudeza y violência de algunos momentos.


O realismo presente no desenho animado é um ensejo para discussões acaloradas sobre alteridade, preconceitos sociais e étnicos, religiosidades, dentre outras questões denominadas pelos PCNs como (os complicados) "temas transversais".


REFERÊNCIAS INDICADAS


FONTE, Jorge. Walt Disney: el universo de los largometrajes (1970-2001). Madri: T&B Editores, 2001.


GUILLÉN, José Moscardo. El cine de animación em más de 100 largometrajes. Madri: Alianza Editorial, 1997.

LE GOFF, Jacques. Banqueiros e mercadores da Idade Média. Martins Fontes, 1991.

LE GOFF, Jacques. O apogeu da cidade medieval. Martins Fontes, 1992.

ROCHA, Everardo Guimarães. O que é etnocentrismo. 12ª ed. Brasiliense, 1996. (Col. Primeiros passos, 124.)

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Exposto o meu objeto "inexorável" – ou, ao menos, uma faceta dele –, me resta ponderar sobre algumas poucas questões ainda atinentes à sua transformação em recurso didático.

É importante ressaltar que a utilização da animação como material didático, para adquirir sentido, necessita ser inserida em um amplo projeto de ensino, que siga os caminhos do processo de ensino-aprendizagem, e não algo utilizado vulgarmente – ora como "tapa-buraco", ora como representação fantasiosa da história –, instalando-se na escola ou nas aulas a temida anarquia metodológica.

Dessa forma, os cuidados que professor deve ter são muitos: deve se capacitar tecnicamente, conhecendo a história do cinema e as técnicas de animação; encarar com seriedade o trabalho com os desenhos animados, se preparando e orientando os alunos com antecedência para o seu uso; enfim, deve estar clara na mente docente que o desenho animado lhe serve como uma ponte que, através da linguagem infanto-juvenil que lhe é peculiar, liga a História acadêmica ao alunado da educação básica.

Alguns livros didáticos atualizados já são pioneiros ao citarem o desenho animado como referência fílmica. Contudo, a aceitação do desenho animado só é possível se professor tem uma visão completamente diferente da História. Uma História que, mesmo com resquícios positivistas (a crítica historiográfica que ainda impingimos à boa parte dos documentos históricos é um belo exemplo disso), tenha sua concepção de fonte alargada. Uma História em que novos objetos, como mulheres, corpo, festas, camponeses, sexo e até mesmo mar e flores, consigam cadeira cativa – ousarei dizer efetiva? – no Olimpo acadêmico.

Nessa nova História, o cinema vem aos poucos conquistando espaço e definindo paulatinamente o arcabouço teórico e a metodologia que lhe são mais adequadas. Entretanto, se a Sétima Arte logrou angariar a duras penas seu espaço, este é reservado a gêneros tidos como "sérios", "idôneos", "fiéis", produzidos sob rigorosa supervisão. E a animação vai ficando diminuta às lentes do historiador, a ponto de quase não se poder vê-la no vasto horizonte historiográfico...

Já fora dado aqui, nestes entusiasmados alfarrábios, um pontapé inicial: o desenho animado é tratado nestas páginas em um viés didático-pedagógico, como um eficiente colaborador do professor de história. Agora é chegada a hora e a vez do desenho animado, esse formato cinematográfico tão querido pelos espectadores – e ainda assim ausente no rol dos objetos lícitos da História –, clamar por seu espaço no colo da (recém) generosa Clio.


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS


AUNÕN, J. C. F. El cine, otro médio didáctico: introducción a uma metodologia para el uso del cine como fuente de las ciências sociales. Madri: Editorial Esvuela Española S.A., 1982.



BERNARDET, J-C; RAMOS, A. F. Cinema e história do Brasil. SP: Contexto, 1988. (Repensando a história)


BRASIL. Secretaria de Educação Fundamental. Parâmetros Curriculares Nacionais: História. Brasília: Secretaria de Educação Fundamental, 1998.


BRASIL, Assis. Cinema e literatura: choque de linguagens. RJ: Tempo brasileiro, 1967. (Temas de todo tempo)


CARRETERO, Pilar Amador. El cine como documento social: uma propuesta de análisis In AAVV. Imagen y Historia. Ayer, nº 24, Madri: Macial Pons Librero, 1996.


CAVALCANTI, A . Filme e realidade. RJ: Artenova, 1977.


CHARTIÉR, J.-P.; DESPLANQUES, R. P. Iniciação ao cinema. Trad. Marta Bittencourt. 2ª ed. RJ: Livraria agir Ed., 1958.


CONARD, M. T.(ed.) Os Simpsons e a filosofia. Trad. Marcos Malvezzi Leal. SP: Madras, 2004.


FERRO, Marc. O filme: uma contra-análise da sociedade? In LE GOFF, Jacques e NORA, Pierre (org). História: novos objetos. Trad. Terezinha Marinho. RJ: Francisco Alves, 1995. p. 199-215.


GUILLÉN, José Moscardo. El cine de animación em más de 100 largometrajes. Madri: Alianza Editorial, 1997.
FONTE, Jorge. Walt Disney: el universo de los largometrajes (1970-2001). Madri: T&B Editores, 2001.


FERRES, Joan. Educar en una cultura del espectáculo. Madri: Paidós Ed. 2000. (Papeles de pedagogia, 45)


LIMA, Luis Eduardo Pina. El cine de historia em la historia del cine. In LIMA, Luis Eduardo Pina. Possibilidades didacticas de la utilización de los dibujos animados em la ensiñanza de la historia. SET/2002. f. ?. (Didáctica de lãs Ciências Sociales, Centro de formação de professores). Faculdade de Educação. Universidade Complutense de Madri. Madri, 2006. p. 9-23.


LIMA, Luis Eduardo Pina. Hercules: mito e historia em los primórdios de la Grécia Antiga. In LIMA, Luis Eduardo Pina. Possibilidades didacticas de la utilización de los dibujos animados em la ensiñanza de la historia. SET/2002. f. ?. (Didáctica de lãs Ciências Sociales, Centro de formação de professores). Faculdade de Educação. Universidade Complutense de Madri. Madri, ?. p. 130-154.


MACHADO, Arlindo. Pré-cinemas e pós-cinemas. SP: Papirus, 1997. (Campo imagético)


NORIEGA, José Luis Sanchez. Critica de la seduccion mediatica IN Comunicación y cultura de masa en la opuléncia informática. Madri: Editorial Tecnos AS, 1979. pp. 203-209.


NOVA, Cristiane. O cinema e o conhecimento da história. O olho da história. Salvador, nº 3. Disponível em: < http://www.oolhodahistoria.ufba.br/o3cris.html > Acessado em 11 de setembro de 2006.


NÓVOA, Jorge. Apologia da relação cinema-história. O olho da história. Salvador, nº 1. Disponível em: . Acesso em 11 de setembro de 2006.


NORIEGA, J. L. S. Historia del cine: teoría e géneros cinematográficos, fotografía y televisión. Madri: Alianza, 2002


XAVIER, I.(org.) O cinema no século. RJ: Imago, 1996.


YAMASHIRO, F. O mundo Disney no terceiro mundo: sobre a América do Sul retratada no filme Alô Amigos. In Ensaios de história. UNESP Franca, vol. 8, nº ½, pp. 131-140. 2003.




REFERÊNCIAS FÍLMICAS


THE WALT DISNEY COMPANY. Pocahontas: o encontro de dois mundos. EUA, Walt Disney Home Video; Brasil, Abril Vídeo, desenho animado, colorido, dublado, livre, 81 minutos. 1995.


THE WALT DISNEY COMPANY. O corcunda de Notre Dame. EUA, Walt Disney Home Video; Brasil, Abril Vídeo, desenho animado, colorido, dublado, livre, 86 minutos. 1996.


THE WALT DISNEY COMPANY. Hércules. EUA, Walt Disney Home Video; Brasil, Abril Vídeo, desenho animado, colorido, dublado, livre, 90 minutos. 1997.





ANEXOS


Cores do Vento (versão de "Collors of the wind")

Se pensa que esta terra lhe pertence
Você ainda tem muito o que aprender
Pois cada planta, pedra ou criatura
Está viva e tem alma, é um ser

Se crê que só gente é seu semelhante
E que os outros não têm o seu valor
Mas se seguir pegadas de um estranho
Mil surpresas vai achar ao seu redor

Já ouviu o lobo uivando para a lua azul?
Será que já viu um lince sorrir?
É capaz de ouvir as vozes da montanha?
E com as cores do vento colorir...?

Correndo pelas trilhas da floresta
Provando das frutinhas o sabor
Rolando em meio a tanta riqueza
Nunca vai calcular o seu valor

A Lua, o Sol e o Rio são meus parentes
A garça e a lontra são iguais a mim
Nós somos tão ligados uns aos outros
Neste arco, neste círculo sem fim

A árvore aonde irá?
Se você a cortar, nunca saberá
Não vai mais o Lobo uivar para a Lua azul
Já não importa mais a nossa cor
Vamos cantar com as belas vozes da montanha
E com as cores do vento colorir
Você só vai conseguir desta terra usufruir
Se com as cores do vento colorir...







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