Com propostas limitadas livro \"Nobres Selvagens\" de Napoleon Chagnon contribui para distanciar ciências humanas e biológicas

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Domingo, 22 DE FEvErEiro DE 2015

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ciência

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OUTRO LADO | JOSÉ PADILHA

“Fiz o que devia fazer como documentarista”

antropólogos, índios e outros selvagens

aFolhaprocurouocineastaJosé Padilha e o líder indígena Davi Kopenawa, citados na entrevista, para que comentassem as declarações feitas pelo antropólogo a seu respeito. Kopenawa, que recebe pedidos de entrevista por meio do antropólogo Bruce albert, não respondeu até o encerramento desta edição. José Padilha respondeu por e-mail: “nuncaprometiouprometeria um filme equilibrado. a ideia de cobertura equilibrada é equivocada. Se alguém entrevista um cientistaarespeitodosdanosque ocigarrofazàsaúde,essealguém deveria dar igual espaço para quem faz cigarros? certamente não! Está comprovado que cigarro faz mal; ser equilibrado neste caso seria ajudar a indústria dos cigarros a despeito da verdade. O critério relevante não é o equilíbrio, mas a verdade dos fatos. Disseaelequefariaumfilmecom a ideia normativa de verdade na cabeça;buscandoretratarambos osladosdacontrovérsiaetentandorepresentá-ladeformacorreta. Entrevistei todos os cientistas que o napoleon indicou, e lhe informei desde o início que entrevistaria seus opositores também. Fiz o que deveria fazer como documentarista. não falo ianomâmi. Fiz as minhas perguntas por meio de um tradutor bastante limitado e só consegui traduzir as respostas meses depois. Se quiser confirmar, ligue para o Lula carvalho [fotógrafo de “Segredos da Tribo”], ele pode te explicar a loucura que foi! Desapareci mesmo [após o lançamento do filme], nem fui ao Sundance! Estava enrolado fazendo “Tropa de Elite 2”. O Terry [Terence Turner] foi por conta própria, e ninguém impediu o napoleon de ir. avisei a ele sobre o festival. aliás, eu fiz um filme sobre a relação dos antropólogos com os ianomâmis e com o saber, e não um filme sobre o chagnon... Só ele acha que o filme é sobre ele! Eu não acho nada [do que ele diz] grave. napoleon é o cientista mais controverso do mundo, um cara com milhares de inimigos na academia, odiado por seus pares. Por que será? Leva a sério quem quer!”

A controvertida visão de Napoleon Chagnon a respeito dos ianomâmis resUMO Livro do antro-

pólogo Napoleon Chagnon que aborda suas pesquisas entre os ianomâmis é lançado no Brasil. Em entrevista, autor, que direcionou sua carreira para uma interpretação evolutiva do comportamento indígena, fala sobre suas conclusões e comenta a recepção, muitas vezes negativa, de sua obra entre seus pares.

RICARDO MIOTO ilustração ANA PRATA

Sobre NapoleoN chagnon, 76, há só uma unanimidade: trata-se do pesquisador mais polêmico da antropologia contemporânea. nesta entrevista, o americano —que lança agora no Brasil o livro “nobres Selvagens: Minha Vida entre Duas Tribos Perigosas: os ianomâmis e os antropólogos” pelo selo Três Estrelas, do Grupo Folha— afirma que a antropologia brasileira representa o que há de mais atrasado no pensamento anticientífico nessa área. chagnon critica ainda alguns brasileiros ligados à temática indígena, como o líder ianomâmi Davi Kopenawa, “manipulado por antropólogos e OnGs”, e o cineasta José Padilha, autor do documentário “Segredos da Tribo”, que “deveria se limitar a filmar Robocop”. chagnon estudou os ianomâmis do Brasil e, principalmente, da Venezuela a partir de 1964 e ao longo de 35 anos, em 25 viagens que totalizaram 5 anos entre os índios. Foi o pioneiro no contato com várias tribos isoladas, que acredita serem uma janela para as sociedades pré-históricas nas quais o gênero Homo viveu por milhões de anos. Foi visto com antipatia por diversos colegas antropólogos por propor explicações darwinianas para o comportamento dos índios —e dos humanos em geral— e ao escrever, em 1968, um livro em que tratava amplamente da violência entre os índios e no qual, desde o título, “Yanomamö: The Fierce People” (sem tradução no Brasil), chamava os ianomâmis de “o povo feroz”. Despertou inimizades ao se afastar dos colegas antropólogos, que acreditava mais interessados em fazer política do que ciência, e se aproximar de geneticistas. Foi em 1988, porém, que causou a fúria dos colegas, ao publicar na revista “Science” um estudo mostrando que os homens ianomâmis com assassinatos no currículo eram justamente os que tinham mais mulheres e descendentes. Em termos biológicos, a violência masculina e certo egoísmo humano seriam estratégias reprodutivas bem-sucedidas, ideia que desagradou fortemente seus colegas das humanidades. O antropólogo sempre defendeu que os índios que estudou guerreavam movidos por uma insaciá-

vel vontade de capturar mulheres, enquanto os livros tradicionais de antropologia diziam que a guerra primitiva tinha motivos como a escassez de alimentos ou de terra. chagnon diz que seus críticos são marxistas movidos pela ideologia de que os conflitos humanos se explicam pela luta de classes ou por disputas materiais, e não por motivos mais animalescos, como a busca por sucesso sexual. Ele afirma que nenhum colega pôde apontar falhas nos dados publicados na “Science”. no entanto, antropólogos questionam seu procedimento não só nesse caso como em outros trabalhos (leia ao lado). Em 2000, o jornalista Patrick Tierney publicou o livro “Trevas no Eldorado” (lançado no Brasil em 2002, pela Ediouro), acusando chagnon e colegas, entre outras coisas, de terem espalhado sarampo deliberadamente entre os índios. as acusações foram investigadas pela associação americana de antropologia, que inocentou os pesquisadores da grave acusação. na entrevista abaixo, feita por telefone, chagnon trata ainda de temas como a higiene dos índios e os riscos da selva.

H Folha - O antropólogo eduardo Viveiros de Castro criticou na internet a publicação do seu livro no Brasil, dizendo que o sr. está ligado à “direita boçalmente cientificista”. Napoleon Chagnon - a ideia de que

o comportamento humano tem uma natureza biológica, moldada pela evolução, além da cultura, sofreu muita oposição nas últimas décadas de quem tem uma visão marxista. Está havendo uma mudança de paradigma, mas os antropólogos brasileiros são o último reduto dessa oposição e sempre tentaram impedir meu trabalho. Marxistas não gostam de explicações que não envolvam a luta por recursos materiais. Para eles, isso explica tudo. Eles diziam, por exemplo, que a causa da guerra entre os ianomâmis era a escassez de proteína —uma tribo atacaria a outra em busca de carne. nossas observações mostraram, porém, que não havia correlação. Eles tinham abundância de proteína; lutavam, na verdade, por mulheres. nos EUa, cientistas importantes, como meu grande amigo Steven Pinker e o professor Jared Diamond, escreveram recentemente livros demonstrando a relevância crescente da psicologia evolutiva. Os antropólogos latino-americanosmeatacam,masnãotêmdadospararebaterasconclusõesque proponho, porque não gostam de trabalho de campo. Eles gostam de argumentos teóricos, de ficar

“Antropólogos latinoamericanos me atacam, mas não têm dados para rebater minhas conclusões porque não gostam de trabalho de campo, e sim de fazer ativismo”

sentados nas suas cadeiras na universidade fazendo ativismo. no entanto, para entender o mundo, você tem de coletar informações a fim de testar suas previsões e teorias. Essa é a base do método científico. a tendência pós-modernista é dizer que não há verdade, que tudo é social ou político. isso é a morte da ciência. esses críticos dizem que sua visão dos ianomâmis é muito negativa. Citam trechos do seu livro em que o sr. descreve criticamente os hábitos de higiene dos índios, dizendo que eles espalhavam muco em tudo.

Tenho muitas críticas à minha própria civilização também, como o excesso de filas. Os ianomâmis não têm uma teoria da transmissão de doenças via germes. Então assoam o nariz na mão e passam no cabelo, nos outros, até na minha bermuda [risos]. a primeira coisa que quis aprender na língua deles foi “não encoste em mim, suas mãos estão sujas”, mas não adiantou. Você se acostuma. na verdade, você percebe que há coisas mais sérias com que se preocupar. a vida na tribo é perigosa. Há muitas cobras. Um bebê de uma tribo ianomâmi em que vivi sumiu, e os pais concluíram que a única explicação era que tivesse sido comido por uma anaconda. Há ainda muitos insetos, há onças, muitos outros incômodos. Como é a sua relação com o líder ianomâmi Davi Kopenawa?

Ele é manipulado pelos seus mentores, seus conselheiros políticos, a maioria antropólogos e OnGs, que dizem a ele o que ele deve declarar. Ouço que muitos jornalistas brasileiros têm essa percepção, mas sabem que é impopular dizer isso em público. As entrevistas com ele costumam ser mediadas por antropólogos.

Pois é.Veja, em uma das minhas visitas aos ianomâmis no Brasil, Kopenawa proibiu o piloto do meu avião de utilizar o combustível que tinha guardado perto de uma das tribos em que ele tinha influência. Ele queria a todo custo que eu ficasse isolado na floresta, fez isso deliberadamente. O piloto teve de conseguir combustível com outros colegas. Essa é uma das razões que me levaram a não ter uma opinião muito positiva a respeito dele. Kopenawa critica vocês por não devolverem amostras de sangue que coletaram entre os índios em 1967 para estudos científicos na área de genética e que foram parar em bancos de universidades dos eUA.

Sou simpático a esse pedido. Mas essas amostras são 99% de tribos venezuelanas, não brasileiras. Seria horrível se entregássemos tal sangue para os ianomâmis brasileiros, como Kopenawa. Uma tribo ficaria muito assustada de saber que seus vizinhos têm o sangue de seus ancestrais, eles acreditam que isso poderia ser utilizado para fazer magia negra, por exemplo. É importante dizer que, influenciadas por antropólogos, lideranças ianomâmis tornaram impossível hoje, para qualquer pesquisador, ir a suas tribos e coletar amostras de sangue; foram convencidos de que isso foi um crime terrível que cometemos. Dessa forma, nenhum pesquisador da área biomédica pode agora fazer

estudos que envolvam coleta de amostras. Os ianomâmis vetaram para sempre qualquer pesquisa que possa beneficiar a sua saúde e dependa de exames de sangue. Eu gosto muito dos ianomâmis. Fiquei muitos anos com eles. Eles merecem ser mais bem representados. É nítido que eles precisam de instituições que permitam acesso à medicina moderna, por exemplo. Eles precisam de ajuda. De qualquer forma, eu não coletei amostras de sangue. Eu só ajudeiosmédicosafazê-lo.Eusouantropólogo. não estou nem aí para o que acontecerá com as amostras de sangue congeladas nos EUa. Mas seria irresponsável se fossem entregues aos índios errados. O sr. assistiu ao documentário “Os segredos da Tribo” (2010), do brasileiro José Padilha?

Padilha mentiu para mim, foi muito desonesto. Ele disse que fariaumfilmeequilibrado,masnunca mencionou que as acusações feitas contra mim foram completamente desmentidas [pela associação americana de antropologia]. Ele contratou um missionário que falava a língua ianomâmi para fazer as entrevistas com os índios. Esse missionário, amigo meu, depois veio me avisar que Padilha direcionava as entrevistas contra mim, que tudo era feito para criar a impressão de que os ianomâmis me odiavam. O filme é ridículo. além disso, Padilha lançou o filme e desapareceu, nunca respondeu às minhas ligações. na apresentação do filme no festival de Sundance, ele não só não me convidou como chamou três antropólogos inimigos meus para debater. Um deles, Terence Turner, que teve participação ativa na elaboração do filme, me acusava de ser o Mengele das tribos ianomâmis. É doentio. Padilha deveria se limitar a filmar “Robocop”.

Trajetória do pesquisador é marcada por querelas MARCELO LEITE

Não é trivial resumir as objeções que a antropologia cultural levanta contra napoleon chagnon. a controvérsia tem quase meio século, e a tarefa fica mais complicada quando muitos dos antropólogos relevantes do Brasil se recusam a dar entrevistas sobre o caso. O panorama se turvou de vez em 2000, com o livro “Trevas no Eldorado”. nele o jornalista Patrick Tierney acusava chagnon e o médico James neel de, em 1968, terem causado uma epidemia de sarampo entre os ianomâmis da Venezuela e experimentado nos índios um tipo perigoso de vacina, além de negar-lhes socorro médico. chagnon e neel foram depois inocentados dessas acusações graves. Bruce albert, antropólogo e crítico de chagnon que trabalha há 36 anos com os ianomâmis, já escreveu sobre a ausência de fundamento das alegações de Tierney. nem por isso albert deixa de assinalar sérios erros éticos da dupla. Para ele, os ianomâmis foram usados, sem saber, como grupo de controle para estudos sobre efeitos de radiação nuclear no sangue de sobreviventes de bombardeios em Hiroshima e nagasaki. chagnon, capataz de neel na expedição, obtinha amostras de sangue em troca de machados, facões e panelas. Embora essa prática perdurasse nos anos 1960-70, albert ressalva que regras exigindo consentimento informado já vigiam desde 1947 (código de nuremberg) e 1964 (Declaração de Helsinque). Os reparos ao trabalho de chagnon abarcam também a própria ciência. Ele se diz superior aos antropólogos tradicionais, que acusa de relativistas pós-modernos, xingamento comum nos setores cientificistas da academia americana. a polêmica teve início com o livro “Yanomamö: The Fierce People”, em que chagnon apresentou sua tese de que ianomâmis são uma relíquia ancestral da espécie humana: selvagens com compulsão pela guerra como forma de obter mulheres, escassas devido à prática do infanticídio feminino. Os críticos da etnografia de chagnon afirmam que ele nunca comprovou o infanticídio seletivo. com efeito, a explicação foi aban-

donada em outros estudos, como um famigerado artigo de 1988 no periódico científico “Science”. O trabalho recorre a dados demográficos coletados por chagnon para corroborar sua noção, bem ao gosto da sociobiologia, de que os homens mais violentos eram os que tinham mais mulheres e filhos. Esses seriam os que os ianomâmis chamam “unokai” —segundo o autor, os mais temidos no grupo (e, por isso, mais prolíficos). albert, Jacques Lizot e outros antropólogos consideram que ele misturou alhos com bugalhos. “Unokai” não seria um atributo individual, mas o estado de impureza (simbólica) daquele que mata alguém com armas ou feitiçaria, ou mesmo só entra em contato com o sangue de cadáveres de inimigos. além disso, em incursões contra outras aldeias, os guerreiros muitas vezes dão golpes e flechadas em adversários já mortos. isso os tornaria “unokai”, não homicidas. Os mais admirados não seriam esses, mas os “waitheri”, algo como “valorosos”, que se distinguem não só pela valentia, mas também pela capacidade de liderar, de falar bem, até pelo humor. não bastasse isso, os críticos apontam manipulação de números. Para inflar seus dados e chegar a 44% de homens que teriam participado de mortes e tinham até o triplo de filhos na comparação com os não “unokai”, chagnon teria excluído da amostra jovens de 20 a 25 anos e homens mortos —violentos ou não, com ou sem filhos. Em fevereiro de 2013, o antropólogo Marshall Sahlins renunciou à academia nacional de ciências dos EUa após o ingresso de chagnon. num artigo em que explicava o ato, defendeu que um antropólogo alcança entendimento superior de outros povos quando toma seus integrantes como semelhantes —e não objetos naturais, “selvagens”, ao modo de chagnon. “É claro que esse não é o único meio de conhecer os outros. Podemos também utilizar nossa capacidade simbólica para tratá-los como objetos físicos”, escreveu. “Mas não obteremos o mesmo conhecimento dos modos simbolicamente ordenados da vida humana, do que é a cultura, ou até a mesma certeza empírica.”

Com propostas limitadas, livro contribui para distanciar ciências humanas e biológicas

Depois de trabalhar muitos anos nas universidades do Michigan e de Missouri, o sr. agora é professor aposentado.Aposentou-setambém da pesquisa científica?

ANDRÉ STRAUSS

“Continuo trabalhando com dados que coletei nas tribos, estou para publicar vários artigos; se os antropólogos brasileiros não gostam do meu trabalho, ainda não viram nada”

por Sua alegada coragem em sustentar hipóteses fundamentadas em princípios darwinianos, o antropólogo americano napoleon chagnon, que dedicou sua carreira a estudar a violência entre os índios ianomâmis, apresenta-se em “Nobres selvagens” [trad. Isa Mara Lando, Três estrelas, 608 págs., r$ 89,90] como vítima dos mais diversos ataques e preconceitos por parte de seus pares. Os antropólogos culturais, os religiosos salesianos, os ativistas políticos e os próprios ianomâmis são retratados como grupos ferozes ou biofóbicos. Já chagnon seria apenas um inocente antropólogo de Michigan. a tese não convence. Embora o antropólogo pretenda ser um expoente da síntese entre biologia e antropologia, suas proposições são bastante limitadas e, muitas vezes, equivocadas. Exemplo disso é partir do princípio de que uma sociedade não contatada é o mesmo que uma sociedade não impactada, atribuindo aos ianomâmis condição análoga à de sociedades paleolíticas. Propor um contratualismo hobbesiano baseado na luta por mulheres também soa ingênuo.

não. continuo trabalhando com os dados que coletei nas tribos ao longo desses anos todos. Estou para publicar vários artigos em revistas importantes, como a “Science”, mostrando o impacto de conceitos caros à biologia, como o parentesco, na organização das tribos ianomâmis. Se os antropólogos brasileiros não gostam do meu trabalho, ainda não viram nada [risos]. no caso do público brasileiro, espero que os leitores encontrem no meu livro agora publicado uma melhor compreensão da natureza humana, seja no comportamento dos povos indígenas ou no de um vizinho.

Foto Danilo Verpa/Folhapress

Em seu livro, napoleon chagnon insiste na noção anacrônica de “ciência pura”, desmerecendo a militância pró-indígena dos antropólogos brasileiros como um capricho do politicamente correto. Mesmo reconhecendo-se que em diversas ocasiões seus detratores exageraram, esse tipo de postura maniqueísta do autor não contribui para a necessária superação dos conflitos epistemológicos e políticos que seguem existindo, ainda que ligeiramente mitigados, entre as chamadas ciências humanas e biológicas. Um famoso filósofo darwiniano certa vez reconheceu que as teorias antropológicas de cunho biológico têm, inegavelmente, o péssimo hábito de atrair os mais indesejáveis colaboradores. Daí a importância da cada vez maior politização dos bioantropólogos e o movimento explícito por parte deles para impedir que esses associados participem de seus círculos. ainda assim, provavelmente chagnon não é culpado das acusações mais graves que lhe foram imputadas, tal como a de disseminar propositalmente uma epidemia de sarampo entre os indígenas ou a de incentivar, por escambo, que eles declarassem guerras uns contra os outros a fim de que ele

pudesse incluir as cenas de violência em um documentário que estava produzindo. Por outro lado —e isso não se pode negar a chagnon—, é verdade que as humanidades muitas vezes parecem apresentar aquilo que se convencionou chamar de um “desejo irresistível para a incompreensão”, resultando em acusações injustas e de caráter persecutório. algumas décadas atrás, ainda era possível negar a relevância de campos como a genética comportamental, a ecologia humana, a neurociência cognitiva ou a etologia de grandes símios. atualmente, entretanto, qualquer tentativa de mantê-los fora da esfera antropológica é um exercício vão. Mais importante, a estratégia comumente utilizada no passado de atrelar os desdobramentos oriundos dessas áreas a implicações nefastas para a dignidade humana, torna-se, além de injusta, muito perigosa. Juntos, antropólogos e biólogos precisam elaborar uma narrativa capaz de ressignificar esses novos elementos através de uma ótica benigna. afinal, eles passarão, inevitavelmente, a fazer parte do arcabouço teórico de ambas as disciplinas.

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