Combatendo a baixa tensão, construindo em alta tensão: o Movimento Sangue Novo

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Descrição do Produto

Universidade   F ederal   F luminense   Centro   d e   E studos   S ociais   A plicados   Faculdade   d e   E ducação    

  Combatendo   a   b aixa   t ensão,   C onstruindo   e m   a lta   t ensão:   o   movimento   d o   S angue   N ovo   Capítulo   I II     da  Parte  II  (A  TRAMA)  da  dissertação  de  mestrado   Grotão,  Parque  Proletário,  Vila  Cruzeiro  e  outras  moradas:   história  e  saber  nas  favelas  da  Penha         Mestranda:  Marize  Bastos  da  Cunha   Orientador:  Prof.  Dr.  Victor  V.Valla     Dissertação   apresentada   como   parte   dos   requisitos   para   obtenção   do   grau   de   Mestre   em  Educação  

      N ITERÓI   1995  

  Sumário   APRESENTAÇÃO  

PARTE  1  -­‐  CAMINHOS,  ATALHOS  E  PISTAS  

1    

Capítulo   1   -­‐   As   primeiras   pistas:   do   ponto   de   chegada   ao   ponto    

2  

de  partida  

1.1.  Pista  I:  um  exame  de  corpo  delito  

3  

1.2.  Tiranias  da  Razão  Histórica  

10  

Capítulo  2  -­‐  Os  Caminhos  e  Atalhos  

19  

2.1.   Dos   personagens,   de   suas   ações   e   de   como   insistem   em   lhes   tirar  de  cena  

21  

2.2.  Aquilo  a  que  chamamos  destino  sai  de  dentro  dos  homens,  ao   invés  de  entrar  neles:  sobre  a  subjetividade  da  história  humana  

37  

2.3.   Das   teias   ao   ato   de   tecer:   costurando   uma   abordagem   da   cultura  

39  

2.4.  A  teia  da  exclusão:  sobre  a  subalternidade  

53  

2.5.  Um  elo  que  não  pode  faltar:  a  experiência  

56  

Capítulo   3   -­‐   Encontros   de   meio   de   estrada:   dando   rumo   à  

63  

caminhada  

3.1.   O   quebra-­‐cabeça   de   imagens   de   um   espaço:   entre   caracterizações,  análises,  experiências  e  interpretações  

65  

3.2.  Um  espaço  de  vida  subalterna:  a  favela  

74  

3.3.   Solidarizar-­‐se:   um   verbo   regular,   uma   voz   reflexiva:   experiência  de  vida  e  prática  política  

81  

3.4.  Os  Sujeitos  da  Trama:  movimentos  comunitários  no  Complexo   de  Favelas  da  Penha  

86  

3.5.   Na   Trilha   do   Excepcional   Normal:   uma   possibilidade   de   análise  

PARTE  2  -­‐  A  TRAMA  

Capítulo   4   -­‐   Quero   morar   num   lugar   onde   ninguém   me   pertube,  

92   99  

100  

vou  morar  na  Chatuba:  uma  história  do  Grotão  

Capítulo   5   -­‐   Combatendo   a   dor,   semeando   a   vida:   caminhos   do  

148  

Sementinha  

Capítulo   6   -­‐   Combatendo   a   baixa   tensão,   Construindo   em   alta  

169  

tensão:  o  movimento  do  Sangue  Novo  

PARTE  3  -­‐  RECONSTRUINDO  

Capítulo  7  -­‐  O  Fazer  Histórico  

238  

239  

7.1.  A  necessidade:  da  precisão  à  invenção  

240  

7.2.  Os  mediadores:  estranhamento  e  parceria  

259  

7.3.  A  Luta:  experiência  de  vida  e  prática  política  

313  

366  

Capítulo  8  -­‐  A  Imagem  Histórica  

8.1.  Imagens  Heróicas  

 

8.2.O  lugar  do  acontecimento  

 

E  se  quisermos  contar  outra...:  considerações  finais  

395  

403  

PARTE  4  -­‐FONTES  

   

6. Combatendo a “baixa tensão”, construindo em “alta tensão”: o Movimento do “Sangue Novo”

Alguns dos integrantes do Movimento Sangue Novo 1 ♦

Sr.Airton



Gerverson



Lídia



D.Maria



Aparecida



Iara



Luiza Rocha



Marilda



Devair





Marcelino



Deoclair ♦ Sr.Ermenegildo ♦

Jorge Assunção ♦ Jorge(Igreja)

Josélia Alves ♦

Marcelo Dias ♦ Marcia ♦

Marilda Dias ♦ Marília ♦ Pe.Penha

Paulo Bahiense ♦ Sr.Raimundo ♦



Reinaldo



D.Roxa



Tóia



Totonho

Rita Serpa ♦ Robson ♦

O ano era 1983. O país agitava-se na luta pelas eleições diretas para presidente da República. “Era o debate nacional, era tudo que se falava na época” (Josélia). Na região da Leopoldina, forma-se o primeiro Comitê “Pró Diretas Já” do município. “E não dá para recuperar tudo (...) mas tinha movimento em tudo que era favela” ( Luiza). Em julho deste mesmo ano, a Praça de São Lucas, porta de entrada para as favelas do Parque Proletário da Penha e de Vila Cruzeiro, no Complexo da Penha, assistia “a maior assembléia comunitária que qualquer uma comunidade já teve” (Marcelino). “Nós não esperávamos tudo isso. Foram cerca de 3.000 pessoas”(Marcelo). Era a luta pela eletrificação das duas comunidades e contra a comissão de luz que dominava a prestação de serviço de luz. E os representantes da Light “viram mesmo que era isso que o povo queria” (P. Penha) Mas este encontro na Praça São Lucas vinha se tecendo há algum tempo. Na base da organização da Assembléia encontrava-se o esforço dos moradores e militantes do movimento popular da região que se articulavam em torno do Movimento Sangue Novo.

Histórias para contar

P.Penha “Eu sou de Campos, eu vim de Campos. Até seis anos eu tive infância. Até seis anos, minha infância foi andando de cavalo, pescando no rio de peneira, a horta no quintal.... Meu pai veio prá cá porque aonde a gente morava tinha tudo 1Aqui

estão relacionados todos aqueles que participaram do Movimento e que foram citados nas entrevistas feitas. Foram entrevistados: Josélia Alves, Luiza Rocha, Marcelino Germano, Marcelo Dias e Maria da Penha, a P.Penha. Foram utilizados também como fontes, o projeto de dissertação de mestrado de Paulo Roberto Bahiense (s/data) e exemplares do jornal Com a Boca no Mundo .

de comer, mas acontece que uma escola não tinha. Meu pai era analfabeto. Então, ele falou assim: ‘Eu não vou criar vocês aqui não’. Nós éramos quatro. ‘Não vou criar vocês como bicho’. (...) Quando viemos prá cá passamos uma vida bem apertada. Meu pai era pedreiro. Era uma pessoa que era super amigo, o que a gente ganhava ele não queria. Ele falava assim: ‘Eu não posso dar nada, o que vocês ganharem é de vocês. Eu já não posso dar nada a vocês, vou tirar o de vocês?’. Aí fomos estudar. Estudamos até onde deu. Eu cheguei até o primário, depois eu terminei a noite. Eu, com 10 anos fui ser babá (...) Trabalhei em casa de família até meus 14 anos. Aí fui tirei minha carteirinha. Fui e tirei. Meu irmão mais velho que me levou. Aí eu fui trabalhar em fábrica (...) Já fui pegando prática de fazer coisa de rua. Com 14 anos eu já trabalhava na cidade fazendo coisa para os meus patrões. Os outros falavam que eu era puxa-saco mas que não era não, sabe? Eu sempre fui assim... muito curiosa, de querer saber. Aí eu fui pegando coisa de escritório...Sem saber fui, aí dali, eu sei que um dia assim, sem saber, quando eu vi eu estava trabalhando num escritório de uma fábrica. Da máquina, eu já saí foi prá ali, entendeu? Aí eu trabalhei até meus 16 anos, foi quando eu conheci meu marido. Me casei, aí ele não deixou eu trabalhar mais. (...)” Quando começou o Movimento Sangue Novo, “(...) nunca tinha participado de nada...só da minha casa mesmo. Eu não sabia de nada...Eu não sabia nem o poder que eu tinha, que eu podia alguma coisa”.

Luiza “Eu sempre morei em favela, durante muitos anos, né? Morei dez anos. Fui da Funabem. Eu tenho todo um lado que já tinha assim alguma coisa, uma vontade de mudar as coisas. Minha primeira experiência de organização foi dentro da Funabem mesmo. A primeira vez que eu participei de alguma coisa foi quando nós batemos numa mulher. A mulher era muito ruim, a gente combinou e batemos na inspectora. E ela: ‘quem foi? quem foi?’ e aquelas menininhas, todas ajoelhadas, de castigo, e elas perguntavam quem foi que começou e aquele silêncio... Então assim, na experiência de coletividade, a gente foi muito firme...(...). Quando eu saí da Funabem, eu já estava com 13 anos, fui morar no Morro da Caixa d’Água. Então. eu saí, estava na admissão. Veio a reforma, aí eu fiz a quinta série de novo aqui fora. (...) Meu diploma é um diploma do.João Marques dos Reis. A maioria das pessoas da Funabem troca o diploma, fazem outro cursinho para poder não ter esse diploma, para não ser excluído mais ainda. Já é excluído, vai ser de novo...(...)

Meu segundo grau na época foi numa escola de elite, no Instituto de Educação do Rio de Janeiro. Uma escola que atualmente está ruim mas era uma escola muito boa. E todo o corpo de alunos era de classe média, de favela, só tinha eu e uma menina(...) O Instituto de Educação para mim era muito lindo.(...) Eu tinha algumas matérias que me encantavam e alguns professores eram muito bons. Tinham um diálogo legal. Eu achava legal. Tinha piscina, pista de corrida. E o nosso grupo era muito legal. A gente é amigo até hoje. Na época, eu morava na favela e não negava. Tanto que, as reuniões de grupo tinham que ser na casa delas. Aí um dia eu falei: ‘oh, eu moro no morro, acho legal um dia ser na minha casa’. Aí elas: ‘ah, vamos sim’. Aí marcamos, peguei elas no pé do morro. Eu não tinha vergonha de morar na favela. No início até..., mas depois desbloqueou legal, foi construído, né? Eu também não falei de cara. No início teve vários grupos na casa delas, aí falei ‘podia ser na minha casa’. A nossa juventude , ela negava. Uma coisa que o funk está fazendo hoje que a nossa juventude não fez, foi afirmar que mora em favela. O funk está fazendo isso. Quando fala ‘Sou de Vigário’, ‘Sou de Parador’. Tem uma coisa de eu moro aqui, de valorizar. Na nossa época a gente escondia, tinha vergonha, porque também ia ser discriminado como até hoje é.” (...)Eu gostava muito de estudar. Parei de estudar por uma opção, assim momentânea. Eu levei pau no vestibular para história, não passei. Aí tinha que pagar cursinho pré-vestibular, e também não tinha dinheiro (...) era eu e minha mãe só, para sustentar mais dois irmãos. A gente morava no morro, aí o cara pediu a casa e a gente teve que pagar aluguel. Não dava. Depois, que eu pude, aí eu não tinha aquele desejo que tinha antes. (...)Em 80, eu trabalhava na Brastel. Tirava nota fiscal. Era a maior exploração aquilo (...). Eu não conhecia ninguém do PT, ainda.(...) O Marcos, não lembro aonde eu conheci ele. Foi uma das pessoas que me falou do PT. Era um partido diferente dos outros. Eu tinha uma atração muito forte pelo que eu conhecia do anarquismo. Tinha um senhor de idade que não chegou a ser da AMAP não mas eu conhecia ele..., sei que ele era morador da Penha. Atualmente ele é presidente do morro do Adeus, ali na Penha. Morro do Adeus? É um morro pequenininho que tem ali, nem sabia que existia aquele morro, não é morro do Adeus não, tem outro nome, é continuando ali, Caixa D'água, Sereno, aí tem outro morrinho, onde ele é atualmente presidente. Aí a gente conversava muito mas achava que tinha que se organizar e que o anarquismo não propunha isso, não era legal. Quando veio o PT, eu achei que aquele partido que eu achava legal, aí eu me filiei, fiquei.(...) a gente fazia muita coisa na época. E tinha um desafio: ou você arrumava um milhão de filiados na época ou o partido não era legal, aquele partido não existia. Então teve todo aquele esforço nosso de ir de casa em casa, filiar as pessoas...E a gente era um grupo...Esse pessoal aí, que é

parte dos que estão aí, era um pessoal muito criativo. A gente ia prá feira com violão, cantava o hino da carestia (...) O lance da cultura sempre foi uma coisa forte entre nós. (...)Eu entrei para o PT, aí cresci prá caramba, fiz curso, aí participei das direções do PT.”

Marcelino “(...) A importância da minha mãe na minha educação...Se eu faltasse a escola, eu apanhava. Minha mãe recebia bilhete que eu tinha faltado (...) Uma vez eu levei três dias de suspensão, eu fui comer queijo na Sendas. Minha mãe soube disso, (...) pegou uma vara me bateu na sala de aula, na frente de todos os alunos. (...) Isso foi importante na minha formação, essa preocupação que a minha mãe tinha de saber. Eu nunca repeti ano, fui até o ginásio. (...)Quando eu comecei a namorar, eu me senti na necessidade de ter roupas, e não tinha a influência do tráfico porque se tivesse naquela época era por ali que eu ia, eu e outros, porque eu comecei a me ressentir disto e comecei a trabalhar. Tanto que eu comecei a trabalhar com 13 anos, aqui na Nicarágua. Pensão da Dona Abigail. Eu entregava marmita de sete ao meio dia. Ao meio-dia, minha mãe levava a roupa do colégio, eu tomava banho na própria pensão e de lá eu ia para escola. Pegava de duas às cinco. Estava no oitavo ano naquela época. Uma porrada de divisas. Fazia admissão para ir para o ginásio. Foi quando a gente foi mandado para Cordovil, para o ginásio. Aí passei a conviver com outro tipo de gente(...). Eu pertencia a um grupo que era a turma do UNIBLACK . Turma da UNIBLACK era uma turma de uns garotos da minha rua. A gente fazia festas, fazia atividades ali e eu é que discursava. Extremamente alienados, só viviam em função das músicas do James Brown. Tinha o Movimento Black Rio e a nossa turma era a UNIBLACK. O símbolo foi eu que institui e era um careca. Nós tínhamos o cabelo black que era usado com trancinhas, com touca. Minha mãe fazia, perdia horas penteando meu cabelo que era enorme...(...) Eu tinha relação com a comunidade por isso. Eu era escolhido. No discurso da festa da UNIBLACK, eu que dava o discurso, agradecendo a presença dos convidados. Era um grupo de 14, todos ali da rua, garotos da comunidade, negra, que não bebiam, não fumavam (...) Era uma coisa que vinha de cima para baixo, do Heleno, por exemplo, que sempre teve aquela educação formal, aquele cara que nasceu predestinado para ser um cidadão, um gentleman. E ele era o mais velho da turma. Ele era um ídolo. Eu, pelo menos, queria ser igual ao Heleno, na conquista das meninas porque era um cara, uma pessoa muito bonita, um cara simpático até hoje. E aí a mulherada caía em cima. Ele tinha muitas namoradas. A minha vida era imitar o Heleno na vestimenta no cabelo, na maneira de se portar com as meninas e tal. Isso foi importante também para não desviar.

O Movimento da turma da UNIBLACK de certa forma ele tinha uma organização mas sem nenhuma pretensão política de classe, de raça. Dos quatorze, nenhum se inclinou para a política, para o movimento comunitário. Só eu.” Quando surgiu o Sangue Novo, “(...)eu fui numa reunião do Movimento e comecei a me encantar com aquela coisa. Primeiro foi quando me chamaram de companheiro. ‘Companheiro, não sei o que’. Eu achei aquilo bonito. ‘Companheiro’. Saí vibrando. O Movimento querendo fazer reunião e não tinha poder de mobilização. Aí eu falei: ‘quer saber de uma coisa? ‘Fui lá na rua São João, chamei Marlene, P.Penha...”

Marcelo “(...)Em 77, eu cursava a primeira série do segundo grau. (...) teve uma grande passeata no mês de junho, de 1976, na África do Sul, contra a política de educação do governo racista e o exército foi para rua e metralhou esta juventude .Mais de 1000 morreram e foi aí que lendo os jornais eu despertei para esta questão para a luta anti-racista. e comecei a militar. Tinha 16 anos na época. (...)Logo após eu tomei contato com o trabalho cultural que o PCB desenvolvia na época e me aproximei do PCB. Muito jovem, eu já tinha um contato com o Partido Comunista Brasileiro. Em função da minha militância no Movimento Negro. Comecei a militar no Movimento Negro em 1977, quando eu tinha 16 anos de idade. Também comecei a militar na Associação de Moradores da Vila Cruzeiro e o Partido Comunista na época tinha uma atuação muito grande na região da Leopoldina. Eles atuavam na Escola de Samba Imperatriz Leopoldinense. Era o único partido que tinha um trabalho dentro de uma escola de samba. A esquerda, na época, tinha um preconceito muito grande contra as escolas de samba. E a Imperatriz Leopoldinense tinha um departamento cultural e este departamento cultural era dirigido por militantes, pessoas moradoras da região e que militavam no PCB. Inclusive passamos um filme lá na Imperatriz, ‘O Homem que virou Suco’, no ano de 81, 82. Um filme que a esquerda toda estava vendo e debatendo. Nós tínhamos grupo de teatro. Nós não, o PCB tinha um grupo na Leopoldina que trabalhava com cineclube e isso atraia a juventude politizada. Então foi através do cineclube, através do departamento cultural da Imperatriz Leopoldinense que eu me aproximei do PCB. Nunca fui filiado mas participava das reuniões. Inclusive várias reuniões foram feitas aqui no MAM, a gente vinha para cá para estudar o marxismo e sempre tinha como álibi que a gente participava de um grupo de teatro. Então, a gente leu o marxismo em 82, 81, em praça pública. E a gente se reivindicava um grupo de teatro para tentar fugir da repressão.(...) O meu distanciamento se deu quando o Jaruzelski deu o golpe militar na Polônia e eu era muito entusiasmado com o Solidariedade e o

PCB disse que o Solidariedade era um movimento manipulado pela CIA e eu não concordava com aquilo. Então, a partir do momento que o PCB deu apoio ao golpe militar na Polônia, eu comecei a me afastar e me aproximar dos grupos de esquerda que depois vieram a fundar o PT. Porque estes grupos de esquerda fizeram uma crítica contundente ao golpe militar na Polônia. E eu me identifiquei com estes grupos de esquerda. Logo após, foi fundado o PT.”

Josélia “(...)Na realidade quem me trouxe para o Movimento foi o Marcelo. O Marcelo estudou comigo no Gomes Freire e dos meus amigos foi o primeiro que começou a ter um contato maior com o movimento, na época ele era do PCB. (...)Eu não trabalhava ainda mas eu tinha uma mesada razoável que meu avô me dava e eu realmente eu era muito consumista e ele ficava pegando no meu pé por causa disto, achava que era uma babaquice e ficava com aquele discurso bem vermelho(...) Então foi o Marcelo que me catequizou (...) .Eu morava na comunidade mas eu não tinha uma relação com a comunidade. A minha família mora na parte baixa da favela e tem isso, o pessoal da parte baixa da favela é classe média, não se mistura. (...).Na época eu devia ter uns 22 anos, 22 para 23 anos, e eu não conhecia aquilo lá. Eu morava no Parque Proletário desde criança e eu não tinha passado nunca da minha casa para cima. Era como se da minha casa para cima, as coisas não acontecessem (...) Sem contar que tinha uma resistência muito grande do meu pai. Para o meu pai era tudo um bando de comunistas. Sempre foi super reacionário.(...) Meu pai foi comerciante mas ele era estivador mas também é uma pessoa assim que se fez por ele mesmo. Ele sempre também estudou. Todos nós estudamos música. Ele era um músico frustrado, nunca pode estudar música. Então ele estimulava, estimulava a cultura assim de uma forma geral. E minha mãe era dona de casa.... (...)E eu quando era criança, devia ter uns 12 anos, 12 para 13 anos, tive meu primeiro contato com a literatura, digamos assim mais progressista - se bem que na época para mim era tudo mais comunismo mesmo, uma coisa assim bem vermelhona-, que foi ‘O Cavalheiro da Esperança’ , eu li ‘O Cavalheiro da Esperança’ . Eu sempre fui ratinha de biblioteca, eu lia tudo, tudo, tudo. Na biblioteca que eu frequentava tinha livro que era proibido mesmo, não podia sair com ele. E eu fiquei curiosa. Era biblioteca de Ramos. Ia a pé para biblioteca. Não tinha dinheiro nem para ir de ônibus. Ia todo dia, gastava dinheiro para cacete. E tinha livro que não tinha jeito mesmo. Era aquela lista dos livros proibidos pela ditadura então não tinha jeito, e O Cavalheiro da Esperança era um deles. A menina da biblioteca era muito amiga minha. Aí ela foi, eu já tinha lido tudo, toda aquela literatura chata, de passagem, queria alguma coisa assim mais animada. Ela me emprestou primeiro Dona Flor e Seus Dois Maridos que também

era proibido pela ditadura. E falou: ‘olha, vou te emprestar uma coisa, se você disser para alguém que eu te emprestei, eu nego até o fim e te mato e mando de matar’. Aí me emprestou: ‘Este livro é excelente e tal’. Aí fui, né?. Ela colocou uma capa de papel pardo, colocou na frente As Reinações de Narizinho do Monteiro Lobato e eu levei.

O campo da luta

Nossa luta “foi na Vila Cruzeiro e Parque Proletário. São três associações: uma no Parque Proletário, outra na Vila Cruzeiro, outra na Vila Cascatinha.”(Marcelino) “Você é de uma Associação de Moradores de acordo com quem é dono da terra. Então Cascatinha, só é Cascatinha porque o dono é particular. Vila Cruzeiro é da Irmandade. E Parque Proletário era do tempo de Carlos Lacerda que ia ser um cemitério ali 2. Então por isso que as Associações de Moradores são diferentes. Mas a gente não achava que tinha que ser assim. A gente achava que tinha que ser uma Associação de Moradores única: todo mundo favelado, todo mundo mora nas mesma condições, ninguém tem água e luz, porque duas Associações? Na época, Cascatinha não tinha, só veio depois. Então, a gente tinha esta visão. Lutar para um era lutar para todos. Isso a gente tinha, esta compreensão de totalização(...)”. (Luiza) “(...)E a nossa comunidade é uma comunidade muito marginalizada pelo poder público. Nós, nesta época não tínhamos um sistema de abastecimento de água, como não temos até hoje. Não tínhamos, como não temos até hoje, área de lazer. Não tínhamos creche, escola, posto médico, luz direta da Light. A comissão de luz é que fornecia a luz para a comunidade, para a casa dos moradores”.(Marcelo) No Parque Proletário, “(...)no verão, a gente tinha uma informação que a associação de moradores vendia água, desviava água para os terrenos próprios do Grotão. E aquela empresa de ônibus Nossa Senhora de Lourdes recebia um 2O

terreno aonde está situado o Parque Proletário da Penha pertencia à Irmandade de Nossa Senhora da Penha de França que na década de 30 o doou à Prefeitura do então Distrito Federal para a construção de um cemitério. O projeto terminou por ser abandonado e a área começou então a ser ocupada. Nos anos 40, por ocasião das obras de construção de um novo cais do porto, de um indústria no Caju e de um quartel, moradores das favelas do Parque Alegria e Arará foram removidos para o terreno do Parque Proletário. No Governo Lacerda, o Parque foi escolhido para a implantação do Projeto Piloto BEMDOC ( Convênio firmado entre a Aliança para o Progresso , Fundação Leão XIII e USAID - Agência Norte Americana para o Desenvolvimento Internacional ) . Com o projeto de urbanização, vários moradores foram removidos para Vila Aliança.

subsídio e tal, de água, de canos clandestinos. (...) A associação levou uma grana para que deixasse ligar. Era uma água gratuita. A água da comunidade é grátis. Só paga a manutenção da bomba que faz o sistema de elevatória. Ninguém paga conta de água no banco, nada disto. Existe aquele convênio. E no verão sempre faltava água. Aí descobriram que esta água era desviada para os terrenos próprios da Vila Cascatinha para que se aumentasse o quadro social e com isso a associação captava mais recursos. (...)(Marcelino) Com isso “(...)a mulherada se juntou uma vez para dar uma coça nos manobreiros. Várias donas de casa com vassouras. Foi em 83. Foram para pegar o seu Zezinho 3 . Foram na casa do seu Zezinho e depois foram na casa do manobreiro. Foi uma coisa delas. Uma coisa assim que aconteceu rapidamente. Foi um levante das donas de casa, com vassoura na mão”.(Marcelino) Na verdade, “a água é uma discussão que sempre foi travada na comunidade, desde que ela foi criada porque a água neste complexo é muito precária, como é precária em todas as favelas. Então, quando eu atuava na associação e o núcleo do PT atuava, quem fazia o trabalho cultural e político na comunidade não podia fugir desta realidade da falta d’água porque os moradores conversavam isso todo dia, como conversam hoje. Diariamente a conversa gira em torno da falta d’água. São as crianças, mulheres, os jovens, os adultos, todo mundo carregando água. A gente até hoje vê as pessoas com a lata d’água na cabeça, com a caçamba. Eu conheço muito bem esta realidade porque eu morava lá no alto do morro e carreguei muita água também(...). Mas a gente detectou que a água era uma questão premente, muito necessária, mas a luz também. E nós estávamos estimulados porque uma comunidade muito mais nova do que a nossa, que foi criada no final da década de 70, que é a Chatuba que fica também ali na Penha , no Complexo, no Grotão. Inclusive o nome oficial é Parque Proletário do Grotão. Esta comunidade tinha conquistado a luz da Light. E o Parque Proletário e a Vila Cruzeiro que são duas comunidades imensas, muito grandes mesmo, com muitos moradores, ela era dominada pela Comissão de Luz que era uma máfia.”(Marcelo) E como se dava este domínio? “(...) O Parque Proletário tinha uma cabine, uma sub-estação que o cara lá, o Rubens, recebia a rede em alta tensão e fornecia para comunidade em baixa tensão. Quer dizer, ele pagava um valor x e recebia da comunidade um valor y. E passava também para as outras redes. Esta rede, essa comissão de luz se estendia até Vila Cascatinha.” (Marcelino)

3

Sr.Zezinho era o presidente da Associação de Moradores na época referida.

E no Parque Proletário também que centralizava a rede de luz “os processos das campanhas eleitorais para associação de moradores eram verdadeiras brigas de foice. Todo mundo querendo...”(Josélia) “Durante duas vezes por ano, os associados eram convocados através de edital publicado em determinados jornais da imprensa para se reunirem com a diretoria. O estatuto que regia a associação fora criado pela Fundação Leão XIII e era extremamente burocrático e limitador a participação dos associados.”(Paulo) “E para Comissão de Luz não tinha eleição (...) Me parece que teve uma eleição para comissão de luz. Só que o Rubens entrou na justiça e embargou a eleição do cara e esta era uma briga que rolava até quando a gente estava lá. Não tenho idéia como ele entrou. Foi há muito tempo, eu era criança. Não conheci outro presidente de Comissão de Luz que não fosse o Rubens. E não morava lá, detalhe. Obviamente porque já tinha feito a vida dele, mas para constar, ele mantinha lá uma casa, tipo assim só de fachada”. (Josélia) “Ele tinha casa na Ilha. Dizem que é uma grande casa, um casarão. E o cara cobrava o Watt da luz cobrada na favela que era muito mais caro do que pagavam os moradores do bairro. Ele cobrava mais caro com o argumento de que tinha que fazer a manutenção, da iluminação dos postes, da fiação. E a luz fornecida era muito ruim, era de péssima qualidade. Se uma casa ligasse a televisão e a geladeira, pifava, caía a energia”. (Marcelo) “A população local mostrava-se profundamente insatisfeita com a atuação da Comissão de Luz e da Associação de Moradores ( devido ao precaríssimo abastecimento de água). Correlatamente, a desmobilização coletiva era tão intensa quanto a insatisfação. Alguns moradores ficavam indignados com o fato de algumas favelas circunvizinhas com muito menor tempo de existência, já contarem com a luz direta da Light e outras melhorias. Nestas favelas mais jovens, como a do Grotão por exemplo, antecedeu à conquista de benfeitorias, uma dura luta entre elementos da ‘burguesia favelada’ que buscavam se afirmar e enraizar, e lideranças mais progressistas no processo local de organização dos moradores”. (Paulo) “(...)Todo mundo aqui era muito explorado. A maioria..., quando chegava as contas, o pessoal, coitado, se apavorava, né? E a gente, sem saber o que fazer, usava um estabilizador nos aparelhos, queimavam os aparelhos toda hora. E o presidente da comissão de luz só levando...Até rede de hotel o homem tinha... A luz fraquíssima. Aí foi quando começou a surgir o pessoal (...)” (P.Penha)

O encontro

“No início da década de 80, nós tínhamos vários jovens na comunidade que atuavam, alguns no partido político, como é meu caso que já em 82, 83, militava no PT e também era secretário geral da Associação de Moradores de Vila Cruzeiro. Tínhamos jovens que atuavam no baile de soul, soul music. Tínhamos jovens que faziam um trabalho cultural voltado para a dança. Enfim, tínhamos jovens que trabalhavam em várias atividades culturais e comunitárias.”(Marcelo) “(...) A gente fundou o PT em 81 lá, né? Desde a fundação do PT, desde que o PT foi fundado no Rio de Janeiro, já tinha gente, núcleo organizado, se organizando. E tem algumas pessoas que não eram moradores de lá mas que atuavam no movimento popular na época. Então assim, Paulo Bahiense tinha uma experiência legal numa área que...não me lembro qual era que ele chegou a trabalhar, movimento de bairro (...). 4Era um cara que vinha com uma bagagem porque tinha feito um trabalho no movimento popular. Era o único que tinha nível superior. Ele era um quadro mais construído, ele tinha mais formação. Então ele foi fundamental. O resto era tudo assim: marinheiro de primeira viagem. Tinham algumas pessoas que eram do núcleo de cultura. Isso também foi importante. Tinha um núcleo de cultura em Higienópolis. Isso foi bem anterior ao Movimento Sangue Novo. Eles faziam teatro, música e alguns membros do nosso grupo lá do Parque Proletário faziam parte deste grupo, escreviam peça teatral. Aí teve toda uma influência. Ninguém tinha uma experiência organizativa muito grande mas foram se complementando, né?”(Luiza) “Nós chegamos com idéias, com garra, chegamos com vontade de mudar. Tinha o Paulo Bahiense que não era morador da comunidade mas fazia faculdade, estava estudando, então era nosso guru, nosso mentor intelectual, dava a maior força para gente. Tinha o Dr. Bruno que foi candidato a deputado federal pelo PT. Tinham pessoas de fora também que traziam idéias novas para o Movimento.”(Marcelo) Alguns militantes do Núcleo do PT da Vila Cruzeiro, tinham também atividades profissionais na região. Era o caso da “companheira Rita e a companheira Marilda davam aula de ballet para as crianças. Eram muitas crianças dançando ballet, ballet clássico, dentro de uma comunidade favelada. Elas não recebiam nada. Era um trabalho totalmente voluntário. Essas aulas eram

4Segundo

informações de outra integrante do Movimento, Josélia Alves, Paulo Bahiense tinha atuado no Complexo da Maré, através de um projeto da Universidade Federal do Rio de Janeiro, onde era graduando do curso de geografia.

dadas na parte alta do morro, na Igreja que fica na parte mais alta da comunidade: Igreja São Vicente”( Marcelo) E então “(...) nós fazíamos reuniões....a gente já estava começando a fazer um processo de conscientização das pessoas com o objetivo de ampliar mesmo a consciência política delas, né?” (Josélia) (...)E aí, começamos a fazer reuniões por becos lá na favela da Vila Cruzeiro, aonde a gente ia, conversava com as pessoas sobre os problemas que tinham e levávamos para a Associação de Moradores para tentar resolver. E com isso a gente descobriu pessoas assim incríveis, lá mesmo na Vila Cruzeiro. Inclusive o sr.João que era o presidente lá, era um cara de esquerda, ele tinha sido miltante do PCB, uma coisa assim e era um cara muito acessível. Tanto que muita coisa a gente fazia lá. Ele nos reconhecia enquanto militantes do PT e muita coisa a gente fez lá. Até trabalho de teatro. A gente tinha uma atividade lá com as crianças(...) trabalhava com argila, com papel, com lápis de cera. Ainda não era o Sangue Novo. Já era uma tentativa de mexer com a comunidade. Só que a gente num primeiro momento, a gente não se apresentava enquanto miltante do PT (...)A gente tinha um purismo muito grande de se apresentar para as pessoas enquanto militantes do PT. De que o trabalho servisse única e exclusivamente para ampliar o número de pessoas, o número de quadros no PT da região. A gente tinha clareza disto. A gente não queria inchar o Partido. A gente queria que as pessoas refletissem, começassem a exercitar o seu direito de escolha, que tivessem acesso a um universo que elas não tinham e que depois elas fizessem uma opção(...)”(Josélia) “(...)Porque a gente não queria aparelhar. A gente era espontâneo. A gente era espontaneísta, eu acho. Eu já era de uma tendência revolucionária mas assim, a gente tinha muita preocupação de não vincular. Mas todo mundo sabia. A gente defendia isso, nas reuniões do PT, a gente falava: ‘não, as pessoas com o tempo vão saber que a gente é do PT’”.(Luiza) Foi “quando chegou 82, nós fizemos a campanha etc. O nosso Núcleo tirou dois candidatos, um estadual e um vereador. Foi aquele fiasco, 3% do eleitorado votou no PT e isso caiu para a gente como uma bomba porque a gente já tinha organização relativa lá na região. (...) Depois do resultado da campanha eleitoral, ficou todo mundo baqueado. Aí, ficou todo mundo quebrado. As meninas do Núcleo começaram a se desarticular. A gente marcava reunião, aparecia eu, Luiza. Aí o Marcelo passava lá no fim da tarde porque o Marcelo nesta época já tinha mil outras atividades, já era um sindicalista. Mesmo depois da reunião do sindicato ele passava por lá. Era eu, a Luiza e o Jorge. As reuniões inclusive eram na casa do Jorge. E a gente nunca conseguia reunir o Núcleo. A gente começou a falar: ‘não adianta, na base do reunismo a gente não vai conseguir absolutamente nada’.(...) E aí nós começamos a perceber que estava

ficando muito difícil o trabalho em Vila Cruzeiro por uma série de problemas. E começou a se tocar que a gente não podia cair nas besteira de ficar limitado só a Vila Cruzeiro quando tinha uma comunidade tão próxima que tinha tantos problemas quanto o Parque Proletário. (...)Aí a Luiza começou a participar de umas reuniões lá em cima, na Igreja São Francisco de Paula Umas reuniões do Círculo Bíblico. (...)E todo mundo começou a meter o pau na Luiza:

_Que idiotice, círculo bíblico, que babaquice!. _ Mas tem um pessoal lá em cima que é um pessoal bom, a gente precisa fazer um trabalho lá em cima. (Josélia)

A Igreja localizava-se no Parque Proletário da Penha, onde um dos problemas maiores era “uma Comissão de Luz que recebia a energia de graça da Light e repassava por um preço assim exorbitante”( Josélia) “(...)A gente achou também que na Igreja, quer dizer eu estava na Igreja, eles só refletiam os problemas.(...) O Padre Carlos, a gente chegou a ter altas brigas na época. Tinham uns círculos bíblicos que falavam de problemas da comunidade mas só refletia, refletia mas não fazia nada.(...) Aí a gente começou também a conversar: ‘Pô, vamos fazer alguma coisa’”. (Luiza) E “(...)começou a ver que a única forma da gente conseguir penetrar na comunidade era assim... Para ter uma idéia o presidente da Associação do Parque Proletário na época era um policial, na época. Então era uma camarilha, impenetrável. A nossa primeira avaliação era o seguinte: que a gente não ia conseguir fazer absolutamente nada se não fosse pela Associação de Moradores. Uma coisa meio discursionista: ‘Não. Tem que passar pela Associação de Moradores, não sei o que...’. E a gente estava meio que querendo jogar a coisa para o pau. (...)E com isso, a gente começou a fazer reuniões. Fizemos as primeiras reuniões na Igreja. A primeira reunião apareceu uma mixaria de pessoas (...)A primeira reunião foi um horror. Aí eu entrei em contato com o Marcelino que era meu amigo, tinha estudado com minha prima, a gente tinha uma relação que estava meio distante mas que era uma pessoa que eu podia contar. Eu falei: ‘Marcelino, olha só, o que está acontecendo é isso, isso, isso. Você podia dar uma força para gente, chamar o pessoal para gente convocar a reunião’.”(Josélia). “(...)Na época, eu tinha 23 anos, não estava nem aí. Só pensava em namorar, James Brown. Eu acho que eu trabalhava na lapidação. Na lapidação de diamantes aqui, na Maria Rodrigues. Foi até o Preto Jóia que me levou. Ele já

trabalhava. Eu estava jogando bola no calçadão. Aí ele chegou: fica aí o dia inteiro, rapaz, vamos trabalhar. Aí ele me levou para lá. Eu fui trabalhar como lapidador de diamante, aprendi a profissão (...) Ia de casa para o trabalho. Jogava futebol no domingo e ia para o baile. Então, “(...)em 1982, eu me lembro que estava numa manhã de domingo, lá na comunidade do Parque Proletário e chegaram algumas pessoas, (...) os três: Josélia, Reinaldo e Luiza. Aí eles vieram conversar comigo. Porque eles já estavam entrando para militância do PT., já participavam do núcleo do PT. e a informação que eu tive posteriormente é que eles tiraram uma posição no PT de trabalhar na comunidade, de organizar a comunidade. O que a gente pode fazer para intervir dentro da ação da comunidade e ver por exemplo, associações inoperantes. Primeiro, eles procuraram a Associação de Moradores, para militar, para poder buscar os recursos. Era uma realidade: os atravessadores, comissão de luz, água da CEDAE paga na associação. Aquelas coisas todas de organização comunitária. E para o PT, isso era a base da miltância.(...) E começou a pinçar pessoas no morro, comigo. Inclusive o Manoel Severino era candidato a vereador. Por isso, a necessidade de entrar dentro da comunidade e a partir daí começar a trabalhar. O Manoel era candidato a vereador pelo PT. Ele era da Vila Cascatinha.(...) Então a Josélia e a Luiza chegaram. Eu ainda me lembro que na época que eu fiz uma ferrenha oposição. Eu nem queria saber. Estava jogando futebol, estava deitado numa mesa de sinuca. Tinha uma barzinho que a gente ficava depois que acabava o futebol, tomando uma cervejinha, um refrigerante. Eu estava deitado na mesa de sinuca do bar, todo russo, cheio de lama. A Luiza chegou para falar comigo. A Josélia me apresentou:

_ Esse aqui é o Marcelino. _ Aí Marcelino, tudo bem? A gente quer bater um papo aí.A gente quer saber como a gente pode fazer para melhorar a situação da comunidade. Essa rua aqui já era para estar asfaltada. Poderia ter uma luz melhor, né?

Eu me lembro que as palavras da Luiza eram ‘ olha, saúde e educação é direito do povo e dever do Estado’. Foi esta frase que ela usou. Ela já vinha mais ou menos embasada. Eu considero a Luiza a maior liderança política da Leopoldina, indiscutivelmente. Ela foi para mim, no movimento popular, lá no Complexo da Penha, sem dúvida. É uma pessoa em que eu acredito na militância (...)A militância dela era verdadeira. Ela queria ver a transformação. Ela vivia aquilo intensamente. Ela queria mudança mesmo. E aí (...) eu até protestei. E falei:

_ E aí, não quero saber de nada disto não. Na associação só tem ladrão. Só querem saber de comer dinheiro. Minha mãe paga água....

Falei aqueles protestos naturais de pessoa que não tem a menor noção da importância do que eles estavam falando. (...)Aí veio o Manoel Severino Eu peguei eles numa reunião lá na rua. E falei:

_Tá vendo? Não falei que era oportunismo de vocês? Vocês estão aqui por causa da candidatura deste cara aí. Eu vou votar no Miro Teixeira. Porque o Miro Teixeira foi na televisão e falou que se ele foi eleito vai ter prioridade para as mães na fila do INPS. Então este cara está pensando na minha mãe porque quando minha mãe tem que levar uma criança no médico, ela enfrenta aquela fila (...).

E aí a gente desestruturou a candidatura do Manoel Severino (...) E aí eles começaram perceber o quanto eu tinha importância para aquela rua. Eu consegui desestabilizar a reunião, conclamando voto para o Miro Teixeira. Aliás, eu nem votei no Miro Teixeira. Eu acabei votando no Brizola. Foi em 82. Eu acabei... a gente chamando voto para o Brizola. Era a eleição de 82 que era o Miro, a Sandra, Brizola. (Marcelino) Marcelino era uma pessoa conhecida na comunidade e “(...)alguém me disse. Não lembro quem. Disse que ele era um cara que tinha um puta potencial, que era um cara que as pessoas gostavam na comunidade. Aí fui lá. Não lembro quem me falou assim, que ele era um cara bom. ‘É bom? Onde ele mora?’.Aí fui. Conversei com ele uma vez. Fui outra, Aí depois ele entrou”. (Luiza) “Aí que eu digo que acredito na militância da Luiza. Ela não se deu por vencida não.(...) Minha posição era de votar no Miro. Mas depois eu fui me informar. Era PT, Partido Popular(...) Fui me informar quem era o Miro Teixeira, fiquei escandalizado, chaguismo. Aí foi a Luiza que veio conversar comigo. Sentou um dia lá na porta da Igreja e conversou: falou do chaguismo, da situação política do país, da construção do PT que estava se organizando em São Paulo, ABC. E eu começei a absorver . Ela me chamava de companheiro. Foi a primeira pessoa.

_Companheiro, precisa engajar nesta luta, a gente tem que organizar a comunidade. Você é explorado a cada dia que você desce aí nesta rua ...

Aquele discurso que ela tem assim, que é peculiar dela. E eu acabei me envolvendo com aquilo devargarzinho. Quando eu vi eu estava dentro do movimento. E aí a gente começou a desencadear.”( Marcelino) “(...) Ele conhecia as pessoas. Tinha os contatos. Tanto que a partir das pessoas chaves que ele chamou é que a coisa começou a tomar corpo”.(Josélia) Desencadeado, o movimento começou a ganhar adeptos. “(...)Sr Ermenegildo, P. Penha, sr. Airton são pessoas que entraram no início (...) Todo mundo ali era iniciante no movimento popular. Só tinha uma pessoa que tinha uma noção mínima de movimento popular e de organização era o sr.Ermenegildo que tinha sido tesoureiro do sindicato, acho que era dos urbanitários. Tinha pertencido a diretoria do sindicato e tinha sido tesoureiro nesta diretoria por uns dois ou três mandatos, uma coisa assim. Ele se aposentou no sindicato”. (Marcelino) “Aí quando começou a surgir um pessoal...E a gente desconfiado, né? Começou surgir aquele pessoal. O Marcelino, a gente já conhecia o Marcelino, né? Mas.não conhecíamos os outros...Aí veio a Luiza, veio o Marcelo, o Marcelo Dias, veio o Paulo Bahiense que hoje acho que ele é professor lá da Faculdade lá em Bangu. Veio a Marcinha, veio o Wellington, o Reinaldo...,que era um dos pessoal mais atuantes. O PT estava sendo fundado naquela época, né? E a gente nem sabia nada de PT, que existia PT. Aí começaram a perguntar como era a luz aqui. Perguntaram pra gente se a gente sabia que isso podia mudar, a gente... não , que ninguém acreditava, porque era uma máfia, a comissão de luz...Aí a gente:

_Não, a gente não vai poder fazer nada porque se não nós vamos morrer.

Porque tinha até polícia envolvida nessa comissão de luz, né?” (P.Penha) Mas “(...) aí a gente começou a conversar com as pessoas que eles iam ter uma luz de melhor qualidade, inclusive num momento em que a Light assumisse a comunidade enquanto consumidora, eles iam receber um documento, que seria a conta de luz, oficial. Uma coisa que inclusive daria uma certa legitimidade em termos do acesso ao título de propriedade da terra, de propriedade do espaço que era ocupado”. (Josélia) “(...) Chamaram a gente pra uma reunião...Nós fomos, né? Foi pouca gente. Não foi muito não. Foi umas dez pessoas mais ou menos ... A gente meio desconfiado. Aí perguntaram se a gente não gostaria que esse quadro fosse mudado. A gente ficou assim:

_Como a gente pode mudar isso? _Não, mas pode...Ficar reclamando dentro de casa é que não vai resolver nada.

Aí eles começaram a alertar a gente sobre isso, né?(...) Eu ainda meia desconfiada, virei pro Paulo e falei assim:

_ Oh, desculpe a ignorância da macaca aqui, mas, o quê que vocês tão querendo? _ É, simplesmente a gente quer te ajudar, ajudar vocês... _ Será que é só isso mesmo?

Porque eu falei, a gente não estava acostumado a receber nada assim, né?Apesar que não recebemos porque foi sacrifício.”(P.Penha) “(...)Nós marcamos uma atividade com as crianças que era o que a gente sabia fazer de melhor, na época, para este domingo porque era um dia de domingo isso. E no fim da atividade, nós saímos em passeata, fizemos uma passeatinha que saiu lá da Igreja, passou lá pela Esquina do diabo, Esquina do inferno, uma coisa assim e fomos lá para caixa d’água. E aí o pessoal começou a se tocar que estava acontecendo alguma coisa. E as crianças começaram a gritar: ‘aite. aite. aite, queremos luz da Light’ . Virou o bordão. E fomos até lá em cima e voltamos, e aí já tinha adultos. Tinha um pessoal amigo do Marcelino que começou a se interessar: ‘o que que a gente pode fazer e tal?’ (...)Na outra reunião já veio o pessoal amigo do Marcelino que era a rapaziada, né? Era Totonho,.Deoclair, Tóia... Mas eles vieram e começou a aparecer mais gente”. (Josélia) “Então, nós compramos um megafone, começamos a fazer reuniões na Igreja. De início, eram reuniões pequenas , com 20 pessoas, trinta pessoas, nós íamos para os becos com megafone. Nos dias de semana, quem não trabalhava ficava o dia todo, subindo beco, descendo beco, convidando as pessoas para as reuniões na Igreja. Fim de semana, a gente se reunia ali, tomava umas cervejas no bar da tia Roxa para depois sairmos em caravana nos becos”. (Marcelo) E “o pessoal que era do PT, pessoas que não eram do Partido, eram simpatizantes, pessoas até simpatizantes de outros partidos, começaram a discutir. Era um movimento de jovens mesmo. As pessoas tinham na época 18, 19, 20 anos. Era predominantemente jovem. Tinha, é claro, a velha guarda, os

diretores de associações pois os presidentes, na época, quase nenhum participava. Mas tinham diretores que participavam do Movimento.”( Marcelo) E “(...) aí o movimento foi crescendo e apareceu a necessidade de se criar um nome que me parece, se eu não me engano foi proposta da Rita Serpa(...).”(Marcelino) O movimento passou então a se auto-denominar Movimento Sangue Novo. “As cabeças do Movimento Sangue Novo eram todas petistas, com exceção de um ou outro”, mas cada vez mais conseguia mobilizar moradores e de lideranças que não eram do PT, como o “Sr. Raimundo, que já faleceu, que era um brizolista assim doente. Pedista mesmo. Era da velha guarda. Já tinha sido diretor da Associação do Parque Proletário. “ (Luiza/ Marcelo) “A gente começou a aglutinar pessoas. A gente foi exigir da associação de moradores. A gente começou a entrar na vida da associação e começou a descobrir que íamos precisar de apoio dos mais velhos porque não podíamos intervir politicamente na associação. Primeiro porque era considerado sócio quite da associação o dono da casa. E nós éramos filhos dos donos. A gente não podia concorrer à eleição, fazer chapa de oposição. Só os donos. Era uma tarefa difícil. Era convencer as pessoas que elas tinham que intervir dentro da associação de moradores. (...) E eu começei a me destacar por isso porque eu morava ali, onde era o foco, o núcleo do Movimento Sangue Novo. E eu tinha um acesso legal com a comunidade, uma boa relação.” (Marcelino) “(...)Na terceira reunião, era tanta gente que a gente ficou meio perdido na hora de dar a direção porque a gente ficou meio deslumbrado. Aí nesta reunião se eu não me engano foi que nós começamos a pensar numa forma de conseguir mesmo concretamente a coisa. A gente já sabia que a única forma da gente conseguir mobilizar a comunidade seria por melhorias para ela, assim, num primeiro momento, tipo assim: preciso de água, preciso de água, preciso de luz, preciso de luz. (...)E aí nós decidimos nesta reunião que nós iríamos em comitiva até a Light. (Josélia)

“Aite, Aite, Aite, queremos luz da Light”

“(...)A gente não foi eleito por moradores, ou comissão de luz. (...)Era um movimento paralelo mesmo, movimento de oposição às duas. Aí nós fomos na Light, marcamos com a Light a audiência”. (Luiza) Mas como foi isso? “Toda esta movimentação correu completamente por fora da associação de moradores local e contava com uma direção informal constituída por alguns

jovens do jornalzinho e aqueles moradores que assumiram com maior empenho a luta 5. A informalidade e os laços de estreitamento entre a ‘direção’ e a ‘base’ facilitou em muito a adesão e simpatia dos moradores. Tratou-se de uma mobilização de portas abertas, em que idade, sexo, religião, preferência partidária etc não demarcaram barreiras à participação”. (Paulo) “(...) A gente começou a organizar os moradores. Tiramos uma comissão. Fizemos uma reunião. Colocamos um bom número de pessoas. Me lembro que neste dia foi prá mais de 70 pessoas prá esta reunião. E a gente começou a discutir a forma como intervir na destituição da comissão de luz. Aí foram tirados grupos para ir a Light, outros para formar o jornalzinho, né? Um panfleto alternativo. Eu fiquei neste grupo que foi discutir com a Light. Eu, P.Penha, sr. Ermenegildo, sr.Airton. Sr. Airton chegou no movimento mais fácil porque ele era da Igreja e um dos espaços que a gente usava para as reuniões era a reunião da Igreja.” (Marcelino) “(...)Fui a Light, nem sabia por onde era a Light...Nessa comissão, eu estava. Como sempre eu gostei muito de falar, eu fui né? (...).Eu queria saber. Curiosa, né? Eu queria saber... Aí fomos, fomos na Light. Na Light falou que estava difícil, mas que não era impossível mudar. Mas que a gente tinha que pegar abaixo assinado, andar essas favelas aqui todas aonde a comissão de luz abrangia. A gente tinha que ir por casa em casa prá pegar assinatura, prá poder levar lá na Light. Aí eu falei: Meu Deus do céu...! Como é que eu vou bancar isso?”(P.Penha) “Fomos nós, fomos eu, Marcelino, P.Penha e mais ou menos umas cinquenta pessoas, uma comissão para Light para fazer o manifesto lá em frente a Light. Aí o diretor da Light, José Renato Vasconcelos, concordou em receber uma comissão. E é óbvio que a Light estava querendo entrar em todas as comunidades porque era um puta de um filão. Ele querendo entrar, quer dizer juntou a fome com a vontade de comer. A gente sabia que eles tinham um projeto político, ele inclusive logo depois se candidatou a deputado estadual, acho que foi pelo PDS. Na mesma época tiveram outras comunidades em que a Light entrou, entrou meio que pela força. Era um cara assim , bonitão, falava bem. Chegamos lá explicamos para ele qual era o nosso objetivo. Primeiro que ele tomou um susto quando a gente chegou porque ele imaginava que ia encontrar um bando de gente mais velha e tal. E viu aquele bando de criança, e bem articulado. A gente falando as coisas que a gente queria e fingindo que não sabia o que acontecia na Comissão de Luz. Aí ele falou:

refere-se aqui ao Com a Boca no Mundo , jornal que o Movimento Sangue Novo produzia e distribuia nas comunidades de Parque Proletário e Vila Cruzeiro.

5Paulo

_Olha tem uma forma da Light entrar sim. Vocês precisam que 50% mais um da comunidade decidam em assembléia que quer que a Light entre.

“E detalhe: as pessoas tinham que assinar, não podia ser uma coisa assim verbal, teria que fazer um abaixo-assinado pela entrada da Light. E precisava, não lembro bem a quantidade, mas era coisa para caramba. Era coisa para caramba que precisava”. (Josélia) “(...) A Light tinha tentado entrar várias vezes dentro da comunidade. Só que a associação de moradores mandava dizer que a comunidade não tinha interesse, que se a Light entrasse eles pagariam uma tarifa muito maior. Eles tinham lá um abaixo-assinado da comunidade dizendo que não queriam a entrada da Light. Só que a gente foi levantar isso e a comunidade nunca foi informada disto, da possibilidade da entrada da Light. Eles faziam o abaixo assinado mas agora não diziam para as pessoas o que que era. Depois formulavam o documento, anexavam ao abaixo-assinado. E aí a dra.Regina falou:

_Olha, para a gente entrar lá, o processo é simples. Primeiro, a comunidade tem que referendar isso através de uma assembléia pública da associação de moradores. Segundo, a gente vai precisar de todo material já existente na comunidade, poste, fios, para a gente poder fazer a nossa eletrificação. Vocês teriam que passar isso prá gente, doar isso para Light, para que a Light só tenha que complementar.

Isso foi feito. A gente procurou a associação de moradores. Falamos desta conversa com a Light e falamos que a gente tinha a necessidade de ver o processo (...). Como era de se esperar, sr. Rubens, como só ele que ganhava com o atravessamento, protestou não quiz dar a assembléia.”( Marcelino) “E aí num primeiro momento a gente pensou: ‘a gente não vai conseguir porque é coisa para caramba. Como a gente vai conseguir isso?’”. (Josélia) “O estatuto da associação é claro, né? Dois terços dos associados quites podem dar a assembléia se o presidente se recusar. Nós seguimos a lei. Fizemos à solicitação por escrito para a associação para que ela chamasse a assembléia. Exigimos que eles cedessem. Aí demos um prazo para eles , de tantos dias, para que eles chamassem a assembléia. Aí eles não chamaram e a gente começou a colher o abaixo-assinado. Claro que a gente já sabia que eles não iam chamar. A gente, paralelo a esta história, a gente já estava colhendo abaixo-assinado(...)” (Marcelino)

“(...)Era o Marcelo, a Luiza, Marcelino, a Josélia, Robson, Reinaldo (...). a Iara ali que hoje em dia ela é até (...) o marido dela, a Aparecida, a Marcinha, essa Marcinha também que foi uma lutadora também, constante, eu, né? Formamos assim um grupo, mais ou menos de umas quinze pessoas. Aí a gente chegava, batia na porta. As pessoa riam da gente:

_Vocês estão malucos, vocês são um bando de maluco, porque vocês não vão conseguir tirar o Rubem daí nunca. _Mas se a gente não tentar, como é que a gente vai saber? Tudo é questão da gente tentar.... _Ah, vou dar...porque não custa nada...

Aí...assinava...(...).eles só não acreditavam que a gente, que nós fossemos conseguir, entendeu?”(P.Penha) “(...)As pessoas, principalmente as pessoas de idade, não acreditavam. Falavam:

_Essa juventude aí não vai resolver nada, não vai resolver problema nenhum.

E “eles não acreditavam porque nunca tinha havido um movimento de massa na Vila Cruzeiro e no Parque Proletário”. (Marcelo) E também “tinha muta gente resistente na comunidade, dizendo:

_Ah, eu não, eu não quero saber deste negócio não porque afinal de contas eu pago x e tem uma colega minha que mora lá no asfalto e paga tanto e tem dois biquinhos de luz. _ Ah, não impossível.

A gente começou de uma certa forma., estou falando por mim, não sei como foi com os outros colegas. Eu vivia falando: ‘não, isso é um absurdo, isso não é verdade, isso aqui é uma exploração’. E eu não tinha dados para comprovar que isso era verdade.(...). Óbvio que depois que acabou a eletrificação chegou, a gente ficou sabendo que estava certo.(...) A gente sabia que a luz da Comissão de Luz era muitissímo mais caro. (...) Até que fosse equiparado ao asfalto, estava mal porque esta energia vinha de graça para

comunidade e era repassada por um preço muito alto (...) A gente também teve uma postura de muita verdade, o tempo todo. A gente teve uma postura muito ética. Não era nada que a gente precisasse discutir porque a gente era muito ético, era muito verdadeiro. Isso era uma coisa que passava. Não precisava de comprovação”. (Josélia) “O estatuto pedia 2/3, a gente conseguiu 70% quase, porque não teve mais pernas para colher mais. Mas 70% dos associados quiz, era favorável à assembléia e a discussão sobre a entrada da Light(...)” (Marcelino) E porque tanta adesão dos moradores? “Com certeza porque as pessoas já estavam de saco cheio, era muita dominação, muita safadeza. Por exemplo, se você atrasasse um dia a conta de luz, tinha multa. Era realmente uma forma das pessoas se livrarem daquela dominação, exploração, que não era pouca. As pessoas sabiam que no momento que eles saíssem de lá, a vida dela ia melhorar, pelo menos em termos de grana. Não iam ter que pagar tanto. Era muito dinheiro mesmo que se pagava. Não era pouca grana. Pagava-se muito, muito mais do que a Light cobrava. Tanto que as pessoas ficaram ricas. Os processos das campanhas eleitorais para associação de moradores eram verdadeiras brigas de foice. Todo mundo querendo...E para Comissão de Luz não tinha eleição”. (Josélia) Nas conversas como os moradores “a gente foi passando prá eles que ia vir representante da Light , que seria muito importante, se era isso mesmo que eles queriam. Seria muito importante que eles estivessem lá prá eles poderem saber. Porque essa comissão fez um abaixo-assinado falso levando prá lá como o pessoal estava satisfeito, entendeu? Então, isso tudo a gente passava prá eles (...)” ( P.Penha) Mas “(...)isso demorou prá caramba porque a maioria trabalhava fora, os moradores mesmo trabalhavam, só podíamos fazer os abaixo-assinados durante a noite. Teve dia que a gente tinha que acordar as pessoas literalmente prá assinar. Tinha que dar o nome. Conseguimos as assinaturas e fizemos uma assembléia com 3000 moradores na época” (Luiza) Movimentando o trabalho

“Não é nenhum edital que pode convocar as pessoas para assembléia de morador. Não houve nenhuma casa naquela época que a gente não tivesse ido, nenhuma. A gente se dividia, um grupo do lado de cá da 14, um grupo do lado

de lá da 14. Ia de porta em porta 6. Não teve um morador que a gente não tivesse batido na porta. Foram três anos de luta...Era direto. Eu saía do meu trabalho e ia direto. Todo mundo. Ia direto para o Cruzeiro, Parque Proletário”. (Luiza) “Às vêzes, a gente subia dez horas da manhã e ia para casa às dez horas da noite, comia lá junto com as pessoas nos botecos”. ( Josélia) Mas “(...)eu não tomava cerveja. Eu tomava cerveja assim, quando eu podia. Eu não brincava. Eu tomava depois. Assim, tipo depois da reunião, eu bebia, mas depois de fazer tudo que eu tinha que fazer (...) Eu, Josélia e Marcelino também, a gente assumiu para nós uma função..., um trabalho dos mais duros. A gente que ia de casa em casa, militava, colava. Teve trabalho lá que eu e Josélia subimos o morro de quatro, segurando no mato. Um dia choveu, aquilo escorregadio, a gente subindo...”(Luiza) Assim, “a gente conhece o Parque Proletário e a Vila Cruzeiro na palma da mão porque a gente rodava aqueles becos todinhos, convocando as pessoas para luta, para lutar pela melhoria da qualidade no fornecimento de energia elétrica”. (Marcelo) E “as reuniões era agéis, né? As reuniões não eram longas (...)E todas as reuniões eram abertonas mesmo. Chamava um cara da CEDAE, da LIGHT(...) (Luiza). “(...) A gente tinha as reuniões, aí a gente resolvia o que queria e botava em prática...É por isso que me motivou muito. Motivava”(P.Penha) “Nós armamos que nossas reuniões do movimento Sangue Novo iam ser na Igreja. (...) A Pastoral de Favelas foi fundamental na vitória do Sangue Novo mas porque deixava a gente dar informe na missa. Ela cedia espaço para as reuniões da gente. Aí na missa, na São Vicente de Paula, que reúne centenas de moradores, a gente dava informes. Aí quem fazia as oferendas lá, não é oferenda, isso é coisa de candomblé, é um lance lá que tem na Igreja que agradece e tal...Aí dizia, era a Márcia, que até hoje mora lá. Ela falava: ‘Para que tudo dê certo, para que a gente tenha luz e tal, reunião domingo que vem e tal, depois da missa....’. (...)Depois da missa, a gente fazia peça teatral. Tinha assim: Zé do norte, era o nome da peça que conta a história de um nordestino que veio tentar a sorte, chegando aqui ele é roubado, vai morar na favela. São peças que tem as cenas chaves e o diálogo cada um inventa”. (Luiza) “Aliás o movimento só cresceu graças a parte cultural. A cultura em qualquer movimento popular, se ela não tiver presente, você não tem a menor chance. Porque era ela que reunia as pessoas ali. Eram as peças de teatro que a 6 Luiza

refere-se aqui a Rua 14, atual Rua Jacques Maritain, uma das principais ruas da comunidade, e de acesso a ela.

gente levava para o morro, de ponta a ponta do morro, para aglutinar as pessoas para panfletar. Fazíamos esquetes. Lembro que o Zé do Norte foi muito usada”. (Marcelino) “Esta peça era muito fácil para quem não sabia. A gente que nunca trabalhou em teatro nem nada..., você falava tudo que você queria. Se o tema fosse posse da terra...Era sempre a mesma peça só mudavam as situações. Aí fizemos essa da terra, foi quando o Grotão, teve uma época que o pessoal queria desapropriar os moradores do Grotão, aí teve maior luta pela posse da terra, para não deixar os moradores sairem”.(Luiza) O trabalho com o teatro foi importante na relação do Sangue Novo com as favelas vizinhas, pois a experiência era levada às outras comunidades. “A gente criou vários grupos teatrais. Na Merendiba, no Grotão, no Caracol. Nas várias comunidades, “passava para eles: ‘Olha, esta peça, ela não segue um roteiro, é um esquema. O diálogo é você que constrói.’ Aí ensinamos... (...) Cada qual criou seu grupo de teatro. Foram assim criados uns quatro grupos.”(Luiza) No Parque Proletário e Vila Cruzeiro, “fizemos uma que era da água e da Light, essa é nossa. Aí tinha palavra nossa de ordem(...). Palavra de ordem nossa era: ‘aite, aite, aite, queremos luz da Light’ e ‘dae, dae, dae, água da Cedae’. Aí descia aquele morro.... Todo domingo era isso. A gente andava o morro todinho, aquelas crianças todas atrás da gente cantando. Aí a gente parava na rua 14, interpretava a peça, ia na caixa d'água, no caminho, tem uma caixa d'água lá no alto do Parque Proletário. Parava ali. Era assim. Todo domingo a mesma coisa. O mesmo trabalho. Mobilizou as pessoas. Assim...,era uma coisa muito nova, né? Prá aquela comunidade. A associação de moradores lá, ela via como cabide de emprego, né? Assim, ganhava grana com esta história, não assumia os problemas da comunidade. (...) Nenhum deles. E a gente passou a fazer isso e não omitia nada. As crianças foram fundamentais na luta e. a opção que a gente fez pela cultura, por trabalhar com a cultura na luta pela luz.(...) Teve esta solidariedade com o Movimento Sangue Novo. As crianças, elas ajudaram. Gritavam com a gente na passeata. Porque todo domingo tinha passeata, todas as manhãs de domingo depois da missa, passeata”( Luiza). O Movimento teve também “uma grande participação das mulheres. A participação maior era das mulheres, mesmo. Tinha a P.Penha. As maiores lideranças. Tinha D.Roxa. D.Maria.”( Josélia) “Acho que a coisa só teve o caráter legal, só cresceu devido às mulheres. O movimento Sangue Novo tinha que organizar a comunidade. Mas quem conhece a realidade das necessidades básicas que a gente estava lutando era mulher. (...) Era a mulher que sabia da realidade. Então era mais fácil chegar e sensibilizar a dona de casa porque ela vivia aquela a falta d’água. Ela é quem tinha que lavar a louça no Pinha . Pinha era um lugar que os garotos chamavam. Era um poço, uma

nascente que tinha, já chegando a Vila Cascatinha, onde as donas de casa iam lavar a louça na falta de água constante no morro. Então elas é que tinham que carregar aquela trouxa até o Pinha , subir no sol de meio dia, para fazer comida para botar o garoto que vai estudar às três. Ou a criança estuda de manhã, ela bota para o colégio, e desce para lavar e volta para fazer almoço que ele já está chegando. Era a vida da minha mãe. Eu me lembro que minha mãe fazia isso. Então foi através das mulheres, sensibilizando a elas para minimizar esse sacrifício, que a gente conseguiu sensibilizar. Foi uma participação de 70% indiscutivelmente.” (Marcelino) E “(...)a gente pegou pontos estratégicos. As necessidades básicas na comunidade, elas mobilizam. Eu acho que até o ponto central disto foi que a gente conseguiu convencer as pessoas que se elas não se mobilizassem para resolver aqueles problemas imediatos, água, luz, esgoto etc, nunca ia acontecer. Iam passar 10, 20, 30 anos e é uma realidade, dentro do esgoto de céu aberto, luz de cabine. O sucesso foi basicamente isso. Não teve um mistério. Teve foi a maneira que a gente conseguiu chegar e convencer as pessoas da necessidade de organização. Tanto que os jornaizinhos, eles batem isso. Somente com a nossa organização... (...) Os jornais são paralelos a todas as atividades. O primeiro jornal falou da construção, do nascimento do Movimento Sangue Novo e tal. O segundo já veio falando da assembléia da Light, convocando para a assembléia O terceiro já com a chapa”.(Marcelino) “(...) Era uma juventude que tinha uma cabeça aberta. Nós nunca tínhamos tido isso. Os velhos dirigentes tinham uma visão muito limitada da luta comunitária(...) Eu discutia Polônia. Eu participava de um Partido que queria lutar contra o capitalismo. Tínhamos o núcleo do PT na comunidade. O Sr. Raimundo era seguidor do Brizola. Tinham jovens ali que faziam teatro, ballet. (...) A sorte que nós tivemos foi que nós tivemos contato com pessoas que vinham dos movimentos. Eu, estava no segundo grau, lia jornal, tomei contato com a África do Sul, através dos jornais. O Marcelino tinha contato com a juventude negra norte-americana que sempre foi bastante rebelde, libertária, subversiva, através do baile soul que ele curtia. Então tinha muito contato com esta juventude negra norte-americana. Então, a gente teve a felicidade, a sorte de fazer contato com pessoas que tinham uma visão de mundo mais ampla do que a nossa, que queria mudar esta sociedade. Então, nós fomos nos formando sem muita leitura de livros mas a prática, na participação a gente foi se formando, fomos criando uma consciência de contestação.” (Marcelo) “(...) Nós tínhamos autoridade. A gente não falava coisas que não podia fazer. E “(...) a autoridade era isso: de porta em porta, conversar, chamar para reunião. Era toda semana, reunião com 150. As reuniões pareciam assembléias.

(...) Eles acreditavam na nossa palavra e viam todos os dias a gente. Todos os dias nós estávamos lá . Aí tinha assim: ‘a Light disse isso’. Era panfleto. ‘Light falou isso, isso, não reconhece a gente enquanto movimento...., a associação de moradores, ela não quer que a Light entre. Aí a Light manda dizer o seguinte: que se nós conseguirmos 50% mais um de assinaturas no abaixo-assinado, ela passa a nos reconhecer enquanto movimento, enquanto interlocutor. Isso era falado. A gente ia assim...E nunca ia sózinho, a gente ia no mínimo para a Light, a gente chegou fechar a Rio Branco, assim pouquinho, não fechamos....(...) Muitos chegaram lá, vinham no ônibus, pagando passagem no 313, humildemente lá, pagando passagem. Aí tinha esta honestidade...” (Luiza) Nos momentos de decidir alguma coisa, escolher as comissões, “para gente era tudo em assembléia. A gente era de um democratismo que hoje não tenho saudade. Não tinha assim: os capas e a base (...)Nossas reuniões eram assembléias, sempre era de massa. Tudo mundo sabia, carro de som..., a gente fazia o diabo. Assembléia não, nossas reuniões. Assembléia foi só uma vez, até porque o governo assim o exigiu 7”. ( Luiza ) “Estas comissões eram escolhidas através de reuniões, as reuniões do Movimento Sangue Novo. O Movimento Sangue Novo reunia em média de 100 a 150 pessoas por domingo na Igreja São Vicente de Paula. Aí tirava por votação as pessoas que tinham disponibilidade. Uma ia para Light, outra ia para os cartórios, outra ia levantar os recursos de som e tal. Cada uma ia para seu lado, dentro da disponibilidade que a pessoa tinha (...) Esta escolha era definida pelo voto direto. “(Marcelino) “Eu, Josélia, Marcelino, P.Penha, Sr.Airton. No Sangue Novo, tiveram pessoas que deram a vida pelo Sangue Novo. Tinham vários nomes. Eram todos moradores, fora Paulo Bahiense, eu e Rita. (...) Reinaldo é outro, que morava lá. O cara foi muito bom, mesmo. Trabalhou para caramba. Ralou muito. O Robson...E eram muito jovens também. (...) D. Roxa, Sr. Raimundo, que já morreu, muita gente mesmo ajudou abessa a gente. Só que tinha isso: eles trabalhavam fora, nós não. Alguns estudavam, outros não. Quem tinha mais prontidão...Quem tem para dar e quer dar, dá, dá tudo. O que nós fizemos foi for dar tudo. (...) Eu acho que eu, Josélia e Marcelino demos tudo, deu tudo. Tudo que eu falo é assim: nem procurar emprego. Dá um jeito. A gente se vira, faz qualquer coisa. Nós demos prontidão, coisa que o Sr. Airton não podia dar, coisa que P.Penha não podia dar totalmente.”( Luiza) Mas “a gente não fazia nada que não fosse no grupo. Nem para tirar um panfleto. Tudo em reunião. Não tinha assim: ‘aqui eu represento o Movimento’. 7

Luiza refere-se aqui à exigência da Light da realização de uma assembléia pública onde 50% mais um dos moradores, decidissem pela entrada da Light..

Até isso quem vai representar é tirado coletivamente. (...)Então, não era assim: Marcelino, Luiza, Josélia, Manoel Severino. O pessoal que tinha mais disponibilidade de tempo, que tinha um nível de informação maior - um pouco, não era muita coisa também não- nunca se arvorou em : ‘eu sou o representante o morro, Vila Cruzeiro, Parque Proletário’. Nunca. (Luiza) “(...) A gente não entendia nada de movimento... Aí nós fomos saber o que é um movimento: não tinha líder o nosso movimento. Todo mundo liderava, era a união que a gente tinha. A gente fazia reunião. A gente procurava conversar, ver os acertos, né? Porque havia brigas, como tudo porque ninguém sempre concorda, é obrigado a concordar sempre um com outro (...) Porque ali não tinha um : eu mando, você manda. Não. Ali todo mundo expunha as suas idéias, sabe, era respeitado, às vezes nem concordava, mas respeitava, se discutia...”(P.Penha). União, espaço de discussão, que foram fundamentais nos momentos em que era necessário enfrentar algumas situações mais difíceis.

Cenas de terror

“Era superdifícil você pegar a metade dos moradores prá assinar um abaixo-assinado para Light entrar. Porque a Light só ia reconhecer a gente quando a gente tivesse este abaixo-assinado, porque ela não poderia passar por cima da comissão de luz que não queria que ela entrasse. A comissão de luz era contra que a Light assumisse o serviço. Isso demorou. Eles não forneceram para a gente os cadastros, o que dificultava.” ( Luiza ) “Então nesta época, a gente começou a ver infiltrações na nossa reunião. E a gente não podia fazer absolutamente nada porque era uma reunião pública e a gente não podia deixar de tratar nesta reunião dos assuntos que tinham que ser tratados.”( Josélia ) “Fora o terrorismo. O sr. Airton, na época, a casa dele tinha uma corrente, aí ficavam pessoas lá, com aquela corrente na madrugada tentando aterrorizar, entendeu? A gente foi descer o morro, eles pressionaram com o carro. Tinham algumas cenas de terrorismo”.(Luiza) “Tiveram que me tirar da comunidade, me botaram na casa de meu tio. Queriam me matar a mando da Comissão de Luz. Depois, na segunda fase, foi a polícia porque a polícia, ela intervinha diretamente junto a Comissão de Luz quando os moradores iam cobrar. O Milton um dos diretores da Comissão de Luz era um PM.” (Marcelino)

Porque quando, “chegou ao conhecimento deles..., aí foi ameaça de morte. Foi época de São João, aí eles tacavam aqueles rojão em cima da gente.”(P.Penha) A polícia chegou a atravessar o caminho, o Departamento de Investigações: “a polícia foi e me levou, aí veio a ação do Manoel Severino, o compromisso dele, levou cinco advogados - um da FAMERJ, dois do PT, um da SOTEL (...) Aí o cara começou a afinar: ‘Não, a gente só trouxe ele aqui para conversar um pouquinho’.(...) A polícia foi e me levou, aí depois vieram as convocações para o D.I.E 8.. Convocados para o D.I.E só foi eu, a Josélia e o Reinaldo. Aí depois foi o décimo sexto batalhão.” (Marcelino) “Chegou uma intimação aqui na minha porta, do Décimo Sexto Batalhão. chegou uma prá mim, uma pro Marcelino, outra prá Josélia. Aí o meu marido falou:

_Tu vai ficar presa. _ Eu? Eu não devo nada... _Tá pensando que eu vou lá te tirar? Eu não vou lá te tirar não _Não tem problema!

Aí eu, apesar de tudo, eu fiquei nervosa...eu nunca pensei que...isso na minha vida. Aí o Marcelino: ‘Vamos’. O Marcelino ele também, ele sofreu muito, sabe, ele sofreu muito mesmo. Aí fomos. A Josélia, coitadinha, ela ficou muito nervosa.” (P.Penha) “A gente ficou com medo, é óbvio. O que aconteceu? Nós discutimos e decidimos que não íamos sózinhos. A gente resolveu abrir para a comunidade o que estava acontecendo e fizemos uma reunião e falamos:

_ Olha, recebemos uma intimação da polícia, temos certeza que isso é coisa do Milton com seu Zezinho porque eles estão sabendo que a coisa agora tomou corpo e eles não querem largar este osso aí . E aí a gente vai lá mas a gente queria falar com vocês que com certeza isso tem haver com nosso movimento. _ Ah não espera aí, se vocês forem, eu também vou. _ Ah, então eu vou também.

8Departamento

de Investigações Especiais. As três pessoas citadas por Marcelino pertenciam a comunidade e possuíam visibilidade pública no Movimento..

Então juntou uma penca de pessoas, um mundo de pessoas que falaram: ‘na hora marcada, eu estou lá também’. Aí veio a P.Penha, veio o Sr. Airton, Sr. Ermenegildo, veio uma senhora, D.Maria, que era inclusive evangélica, aquela figura clássica da evangélica, com aquele cabelão enrolado aqui. Aí veio todo mundo, viemos todos e falou:

_ Olha, a gente tem aqui uma comunicação, uma intimação, só que a gente vai entrar se for todo mundo junto’. _ Não só vai entrar fulano e sicrano. _ Não só entra se for todo mundo junto.

E é óbvio que eles já estavam sabendo (Josélia) E “(...)o Comandante lá veio e recebeu a gente...aí eu falei assim:

_A gente quer saber porque recebemos uma intimação. _Não minha filha, isso não é intimação, isso é convite..." _Não isso aqui prá mim é uma intimação, porque eu nunca recebi isso aqui na minha porta

Depois, foi um advogado. Apareceu um advogado lá acho que conhecido de alguém..., acho que foi até o Paulo que mandou aquele advogado, o advogado apareceu lá...”(P.Penha) E o Comandante “aí falou:

_Chegou aqui uma denúncia que um grupo de comunistas, que vocês inclusive são os líderes, está pertubando a ordem do Parque Proletário. _Quem fez a denúncia? _Não, aqui só chamamos vocês para saber o que está acontecendo

Então a gente foi e contou de forma bem clara porque na realidade a gente teve uma tática de confundir, né? De tumultuar. Porque a gente não queria que os caras ficassem em cima da gente a vida inteira. Aí o Sr. Airton:

_Ah, se eles são comunistas eu também sou porque se querer melhoria para comunidade, é ser comunista, querer luz direta, é ser comunista, eu também sou.

Aí todo mundo começou. Teve uma hora que o cara que estava interrogando, ele ficou meio perdido porque era tanta confusão. Uma porrada de gente dentro de uma sala pequenininha (Josélia). “(...) O Marcelino falou, a Josélia falou. Aí chegou a minha vez de falar, né? Aí eu falei assim:

_Se o senhor morasse num lugar , aonde que a maioria das pessoa são assalariado, o que ganha mal dá pra pagar a luz e verem o seus aparelho se queimando, se o senhor achasse um modo de reverter isso o senhor não reverteria não? _Ah, mas o problema é esse? Então vocês podem ir!

Aí mandou o Sargento Rubens, um sargento que tinha aqui desse segurança de vida prá gente , sabe? Porque nós fomos, tipo assim, ameaçado mesmo e eu não tinha medo, a gente andava na rua...”(P.Penha) “E ele liberou todo mundo, mandou todo mundo embora e a gente nunca mais foi assim chateado pela polícia. Não diretamente, a gente sabia que tinha vigia em todo lugar que a gente ia. Tinham pessoas que eram contratadas para ir, falar e não sei o quê. E a gente sabia que estavam do lado do Sr. Zezinho. Estas pessoas, a gente identificava e dava um gelo, né? Então elas próprias com o tempo já iam se arrancando”(Josélia) Mas em muitas situações “(...) a gente não sabia como lidar com estas coisas dos espiões, né? A gente sabia que era uma ousadia suprema dos caras mas a gente não sabia o que fazer. A única coisa que a gente fazia era meio que denunciar e ir prá massa mas isso não resolvia o problema Porque muitas vêzes a gente tirava uma determinada ação e os caras davam um jeito de atrapalhar.”( Josélia) E para denunciar, até “(...)fomos para o Povo na TV ...Naquela época, tinha aquelas polícias que sumiam com as pessoas. Aí o Marcelino, sempre era mais visado porque era o mais falador, né? Falava, era o mais visado. Nós fomos vendo aqueles homens, parece que polícia federal. aqueles homens tudo forte agarrando o Marcelino. E a maioria que estava lá vendo era tudo mulher. Lá no Povo na TV .. Aí eles:

_O que que vocês vieram fazer? _Onde ele for nós vamos... _Não, mas não vamos fazer nada com ele não _ Não tem problema...

Aí desistiram de levar o Marcelino, porque sabiam que ia um montão de mulher atrás, né? Aí fomos, falamos no Povo na TV , passamos o que estava acontecendo aqui... Eu sei que de lá eles tiveram contato com a Light...aí a Light agilizou até mais rápido, né? Aí pediu, que nós, a gente tinha que fazer uma assembléia. Aí, não tem nada não. Tinha que levar mais da metade da população lá prá Praça, minha filha, assembléia gravada (...). “(P.Penha) Tomando a Praça São Lucas

Para atender à exigência da Light de realizar uma assembléia que deliberasse a aprovação do serviço por 50% mais um dos moradores foi necessário mobilizar a comunidade para que ela comparecesse a assembléia. Assim, “(...) a gente foi passando prá eles que ia vir representante da Light , que seria muito importante , se era isso mesmo que eles queriam, seria muito importante que eles estivessem lá prá eles poderem saber. Porque essa comissão fez um abaixo-assinado falso, levando prá lá como o pessoal estava satisfeito, entendeu? Então, isso tudo a gente passava prá eles. Aí foi indo..., as pessoas foram abrindo as cabecinhas também”( P.Penha) “Um fato também que foi importante para que as pessoas viessem massivamente às reuniões foi que o Marcelino apareceu na TV, no Povo na TV (...)”. (Josélia) E “quando a gente ia para o Povo na TV, a gente passava pela ruas com uma corneta, uma sirene, a corneta tinha aquela sirene e ia anunciando: ‘oh, estamos indo para o Povo na TV’. Fomos três vezes. Fomos quatro vezes. Duas antes da assembléia, duas depois.”(Marcelino) Então, “no dia da assembléia, a gente foi para o Povo na TV . A gente precisava anunciar a assembléia. Nós batemos na porta do Povo na TV , com uma comissão de moradores: eu, a P.Penha, sr Ermenegildo, um bando de moradores, uns 15. (...). O Wilton Franco tirava proveito da desgraça, com uma capacidade assim (...)”. (Marcelino) E “(...) o PT tinha um certa preocupação por eu estar iniciando no movimento popular, não ter uma certa experiência, de não ser usado pelos meios

de comunicação como o Wilton Franco fazia naquele programa(...) E o PT tinha este medo de todo o processo do movimento, ele ser desvirtuado, ser colocado em segundo plano, fazer só aquele sensacionalismo (...)”.(Marcelino) Mas “(...) com a gente ele se ferrou porque a gente tinha toda uma estrutura da organização. Ele pensou que estava usando a gente com o sensacionalismo no programa dele, e a gente estava anunciando a assembléia. Então ele falava não sei o quê lá, e a gente: ‘não esqueçam, os moradores, dia tal, dia 6 de junho, nós vamos ter a grande assembléia na praça, que vai liberar a entrada da Light...’” (Marcelino) Então, “(...) o Marcelino foi lá e contou as coisas que estavam acontecendo. E aquilo lá foi um boom. Assim todo mundo queria ir, né? Ele falou o nome, falou aonde era a reunião”.(Josélia) Para levar as pessoas à Assembléia, “(...) saímos pra convocar. Levamos megafone. A Luiza com megafone. Aí fomos convocando. (..) Megafone, boca a boca, indo de casa em casa, com tudo que a gente tinha (...)” (P.Penha) E as pessoas começaram a acreditar “(...) quando nós falamos que vinha alguém da Light, entendeu? Que eles viram a gente no Povo na TV , sabiam das ameaças que a gente estava sofrendo, eles falavam que a gente era maluco de bancar isso :

_ Vocês vão morrer, a troco de nada!

_ Não vai ser a troco de nada..., se a gente morrer não vai ser...Vai ser por uma luta justa... (P.Penha)

“E no dia, foi um horror. Eu nunca fiquei tão stressada quanto neste dia da assembléia. A gente tinha conseguido emprestado, um som. Nem sei quem emprestou o som, acho que foi a Associação de Moradores da Penha. E a gente tínha que conseguir a autorização que eles não davam, não estavam querendo dar a autorização para gente fazer a reunião na praça, né? Todo mundo mandava um para o lado, outro para o outro. Mandavam o Marcelino para um lado, mandavam o Marcelino para o outro. Marcelino que estava vendo tudo isso porque acho que a gente já tinha começado a trabalhar”. (Josélia) E “no dia da Assembléia, nós fomos surpreendidos. A mulher da Light estava lá em cima do carro de som, e de repente a gente olhava para Rua Oito, para Rua Jacques Maritain, a antiga Rua Quatorze, e a gente via assim descer

mais de duzentas, trezentas pessoas. Quinhentas pessoas descendo aquelas ruas. Então, nós tomamos um susto. Foram 3.000 pessoas. Nós não esperávamos isso tudo. Foram cerca de 3.000 pessoas(...)” (Marcelo Dias) “Acho que nunca, na história disso aqui, nunca se viu tanta gente, lá naquela Praça, numa Assembléia...Nem a Associação de Moradores conseguiu botar tanta gente como nós botamos lá”( P.Penha) “(...) Foi um marco na história do movimento popular no Complexo da Penha. Foi demais. Aproximadamente 3.500 pessoas. O trânsito da Praça de São Lucas teve que ser desviado. Nenhuma atividade depois propôs isso. Nenhuma, nem o PDT, com o populismo de 82 até 86, não conseguiu colocar tanta gente na praça quanto o Movimento Sangue Novo.” ( Marcelino) “A gente não tinha aonde colocar tanta gente. (...) E a gente tinha fechado que não ia deixar ninguém além de nós falar para evitar que as pessoas manipulassem. E apareceu uma porrada de gente lá querendo falar. (...). Chegou lá um cara que ele era presidente do Sindicato dos Vigilantes. Começou a pipocar gente, caindo de pára-quedas. Tinha um menino que ele era assessor deste cara, Fernando Bandeira, eu acho. É presidente do Sindicato dos Vigilantes. Na época ele tinha concorrido a deputado estadual, se não me engano. E ele estava lá, assim caindo de pára-quedas mesmo, entrando numa de falar. E a gente, não fala, não fala, só fala quem é da comunidade. Acabou falando. Não sei qual foi a negociação que rolou mas a gente reforçou que a luta havia sido só nossa e que não adiantava agora chegar nenhum político caído do céu para tentar tomar partido, absorver toda uma luta que havia sido nossa. A gente o tempo inteiro falou isso.. Acho que falaram mais algumas outras pessoas. Mas a gente sempre deixando bem claro que tudo havia sido obra da comunidade”.(Josélia)

Por isso “(...) quando os representantes da Light viram aquele povo ali na rua, eles tiveram que atender a nossa reivindicação. Foi uma vitória incrível, foi uma pena que a gente não gravou, não filmou. Éramos muito amadores na época, não tiramos fotos da Assembléia, não tiramos gravamos a Assembléia. Ficou só um número do jornalzinho Com a Boca no Mundo . Nada mais”.(Marcelo) E “vieram os representantes da Light, aí viram mesmo que era realmente isso que o povo queria, que o povo não queria aquilo... (...)”(P.Penha) “A realização dessa grande assembléia teve portanto, grande significado local e ecoou externamente. Um dia após esse acontecimento, surgiram na comunidade alguns técnicos oficiais, fazendo sondagens sobre a problemática da água”. (Paulo) “A gente fez a assembléia, doamos o material existente para a Light, fizemos aquela lista de presença de 2500 pessoas (...).A ata da assembléia no dia,

a lista de presença e o edital de convocação no jornal e tudo, a Light exigiu estes documentos todos para que ela assumisse”. (Marcelino) Pois além da assembléia pública, “(...) outra das condições para Light entrar é que fosse feita a doação do material existente para a Light. E aí, a gente submeteu tudo isso à plenária, à Assembléia. E nós colocamos o Reinaldo, elegemos o Reinaldo, que morava na comunidade. Era como se todo este material tivesse confiado a ele. Estava consignado a ele. Ele o responsável por tudo aquilo”.(Josélia) Então, “nós formamos uma comissão de transição. Eram companheiros do Movimento Sangue Novo que assumiram esta comissão para a passagem do material da Comissão de Luz para Light.” (Marcelo) “(...)Aí o pessoal já começou a acreditar mais porque já viu gente da Light ali, no meio. Começou a acreditar mais, né? Aí fiquei, né, na Comissão prá gente ir tratando Aí demorou um pouco...mas quando nós vimos, a Light estava chegando aqui...”. (P.Penha)

“A Revolução não bate na porta”

“(...) O Movimento Sangue Novo ficou conhecido como movimento pela luz direta da Light porque foi a luta maior. Mas ele não se limitou a Light. Ele lutava pela água, ele lutava pelo ballet, junto com os grupos de capoeira que exisitiam. Ele estava dentro da Associação de Moradores, dentro da Igreja. Tinha lá um setor que atuava dentro da Igreja”. (Marcelo) Assim, paralelamente a luta pela luz direta da Light, alguns dos integrantes do Sangue Novo participavam também de outras atividades na comunidade. Atividades que desenvolviam antes mesmo que o Movimento Sangue Novo se desencadeasse e que tomaram novos rumos a partir de então. Atividades que foram se desenvolvendo em meio ao Movimento por alguns de seus participantes. Era o caso do Jardim Secreto, grupo de dança aonde atuavam “(...) Lídia, Marília, Marilda Dias. Eram militantes do PT mas não pertenciam ao núcleo do PT, como um todo. Elas eram dali. Tinham um trabalho específico dentro da Igreja. Jardim Secreto era um grupo de dança que usava o espaço da Igreja como fachada. Elas eram da comunidade. Hoje não moram mais. Lídia morava no Parque Proletário, na rua seis. Marilda Dias morava ali perto. E a Marília que mora ali também. Rita Serpa não morava mas estava sempre por lá. E tinham

também as meninas da comunidade que vieram engrossar este movimento. Tinha a Nilda, várias meninas. O Wellington que era o bailarino” (Marcelino.) “O Jardim Secreto, ele mudou muito. Antes eram umas meninas, tinham uma formação de ballet clássico, como a Rita Serpa. Depois que a gente começou com o Sangue Novo, começou a mudar completamente. Começou a ter umas meninas da comunidade, até meninos. Tinha o Wellington, o Jefferson. No início funcionava lá na Igreja, na Bom Jesus.”(Josélia) Havia também atividades realizadas com as crianças, quando “ (...) ainda não tinha o Sangue Novo mas a gente já fazia aquele trabalho lá na Vila Cruzeiro. Um trabalho de recreação com as crianças. Era a Luiza que dava a direção”( Josélia) “Era na Associação de Moradores de Vila Cruzeiro. Era recém fundada. Acho que ela foi fundada em 81 Era todo domingo. A gente ia nos bares, pedia papel. Tudo sucata. Ai a gente fazia.... (...) O material não ficava com nenhuma de nós. Ficava com eles. Na época a própria esquerda achava que... Me lembro que na época eu trabalhava e diziam: ‘ih...que besteira’. Tinha gente do PT que falava isso. Neste trabalho era mais eu, Josélia e o Jorge. Eu adorava fazer. E tinha gente que falava:

_Mas poxa, isso vai dar em que?.

Eu lembro que na época, a gente falou assim:

_Levanta, abre aquela porta e vê se a revolução está ali atrás.

E era verdade. A gente já era revolucionário na época. Mas a gente tinha esta opção, a gente queria mudança agora, a partir de agora. Parece utópico, socialista... A gente queria coisa boa para agora. A gente na época não podia pagar cerveja. Era um sonho, a gente queria. A gente queria mudança para agora. A gente achava que assim mudava. As crianças eram mais felizes. (Luiza) “Era basicamente nós três. Fazíamos as atividades fora da escola. Era domingo pela manhã. A gente fazia pintura, trabalhava com argila, papel. Fazia tudo que é atividade que você pudesse imaginar. E por fim sempre tinha brincadeira. E nesta hora que era triste, o pessoal porrava mesmo. Tinha muita porrada. Tinha muita criança que não deixava a atividade se desenvolver. Ficavam interrompendo, ficavam sacaneando. Tinham outras que não queriam participar, ficavam no muro jogando pedra, mexendo com as outras.”(Josélia)

E “o que a gente fazia como atividade cultural era como eles identificavam o problema. A Associação de Moradores, ela era apedrejada pelas crianças, eles quebravam vidraças, era suja. Então, por exemplo, uma atividade nossa foi envernizar as cadeiras. Compramos aquela lixa de madeira, compramos verniz. Depois daquele dia, nunca mais eles quebraram (...)A gente não sabia fazer pipa, aí pedimos para eles ensinarem a gente fazer pipa. Tinham cenas que a gente brincava de desejo. ‘Qual o teu desejo? ‘ Aí a menina falava: ‘Eu queria ter uma piscina bem grandona na minha casa’. Aí a outra falava: ‘Que absurdo! Você nem tem água na torneira, como você vai desejar ter uma piscina? ‘. Aí a gente brincava um pouco com isso:’Não podemos ter as duas coisas? Não podemos ter uma bica que saia a água e uma piscina grandona aqui na favela? ‘. Aí eles mesmo rediscutiam. Tinha uma também que era o dia-a-dia da mamãe e do pai. Aí ali a gente descobria que a mãe era prostituta, se o pai batia na mãe ou não batia.”(Luiza) Nestas atividades com as crianças “a s meninas foram muito mais facéis de lidar. Mas é engraçado que aparecia muito pouca menina, aparecia mais menino. Porque a gente acabava formando uma imagem muito paternal para elas. Éramos aquelas que davam atenção . A gente dava atenção, a gente elogiava. Uma autoestima todo ferrada, toda destruída... Falar que aquele desenho está uma maravilha, expor o desenho delas...”(Josélia) Algumas vezes, neste trabalho contavam com o apoio do Núcleo de Cultura de Higienópolis que “era ligado ao PT (...) era excelente. O Núcleo de Cultura, ele dava suporte para a gente. Por exemplo, se a gente precisasse fazer alguma atividade, eles estavam lá junto com a gente. Era um outro Núcleo, um núcleo que priorizava o trabalho cultural. A gente não, a gente era meio maluco, kamikaze. (...) Na época a gente fez mil coisas legais. Uma das coisas que eu lembro com o maior carinho foi quando a gente trouxe Saltimbancos lá para Vila Cruzeiro. (...)Primeiro, foi uma balbúrdia, né? Nós primeiro, fizemos a atividade e com todo mundo de cara lavada. Aí na hora do pessoal botar as fantasias, aí foi uma algazarra geral”. Quem representava era “ o pessoal de Higienópolis mas tinha o Manoel que era do nosso Núcleo, que estava lá também. Tinha o Orlando também que era o cachorro. Foi o máximo. Sabe o que eram dezenas de crianças sentadas no chão? Mas quando a coisa começou, quando começaram as músicas, as canções, marcando compasso com as mãos, um silêncio e que se caísse um lenço, você ouvia”.(Josélia) Depois desta atividade, “ todo dia eles queriam saber se ia ter peçinha. ‘Vai ter pecinha hoje, tia?’. Era coisa que elas não podiam imaginar, era como se a televisão tivesse baixado ali na frente deles. As coisas ficaram mais calmas, as coisas começaram a acontecer menos bravas” (Josélia)

“A gente levava para o Parque Ary Barroso, para brincar. (...) Ia, eu, Josélia e Jorge, levar os meninos do Cruzeiro, isso em 82, 83, 81, não me lembro. Para fazer um passeio no Parque Ary Barrroso. Um deles fala o seguinte: ‘olha, a minha mãe, não deixa eu ir, vai lá falar com a minha mãe’. Aí, eu me lembro que o café da manhã, eu fui de manhã cedinho, era um café ralo, tinha pão e não tinha manteiga. Aí eu falei para ela assim:

_Poxa, por que você não deixa o Rogério ir?. _Não, eu carrego água, sou mãe de oito filhos, tudo pequeninho, o Rogério é o mais velho. Ele não está carregando água para mim. Não lavou o banheiro...

Aí eu vi que ela estava com a razão, sabe? Aí eu falei:

_Olha Rogério, você não vai hoje. Tu vai carregar água para tua mãe. Tem que dividir as tarefas domésticas, sim. Então se você ficar direitinho, carregar água, lavar o banheiro, a gente acerta, aí semana que vem você vai, né? A senhora vai deixar, né? Se ele fizer tudo bonitinho?. _Ah, vou.

Era assim que a gente ganhava as pessoas. Desde defender as tarefas domésticas com crianças, seja com quem for até fazer mutirão. A casa dela foi destelhada, era de madeira. Fizemos um mutirão para colocar telhado na casa dela. Tinha essas coisas que a gente fazia também . ”.(Luiza) E “eles adoravam a gente. Era ‘tia prá cá, tia prá lá’. Teve até uma vez a Glaucia foi ajudar 9. E a Glaucia tinha um cabelo comprido. Pintou uma menina lá e começou a se enroscar na Glaucia, enroscada, enroscada. E ficou, átras da Glaucia o tempo inteiro. Aí quando terminou a atividade...Quando terminava a atividade nada da criançada ir embora, ficavam cercando a gente o tempo inteiro. E aí a menina virou para Glaucia e falou:

_Tia, não vai embora não. _Mas eu preciso ir.

9Josélia

se refere aqui a uma militante do Núcleo do PT de Vila Cruzeiro que era também mulher de Manoel Severino, ex-morador de Vila Cascatinha, militante do Núcleo e que em 82 candidatara-se a vereador pelo partido, não conseguindo se eleger.

_Então me leva contigo.

A Glaucia ficou lá com a menina e tudo mais mas ela não estava se aguentando. Enquanto ela não largou a menina de um lado para cair no choro...A gente trabalhava muito com o emocional das crianças. Acho que foi muito por isso que a gente acabou ficando sem pique de levar o trabalho adiante porque era uma carga muito grande de energia, de emoção que a gente dava e recebia em troca e que ficava sem uma direção. Era legal, tudo bem, a gente ia prá lá todo domingo pela manhã, brincava e depois? E naquele espaço de uma semana, como a criança se sentia? A gente também não tinha clareza. Era muito difícil. E a gente se encontrava, vivia se circulando pela Vila Cruzeiro e a gente ficava a toda hora se encontrando com esta criançada e nas situações mais adversas, tomando porrada de gente mais velha, tipo, praticando pequenos frutos. Mas precisando demais de ser crianças.”(Josélia) O trabalho não seguia um planejamento. “Era tudo intuição. Tudo para lá de empírico. A gente nunca sentou. O máximo que a gente falava era assim: ‘Luiza, o que a gente vai fazer semana que vem?’. ‘Ah semana que vem, eu vou lá em Piraí porque eu descobri que tem um lugar com um barro excelente e eu vou trazer para a gente fazer uma atividade’. Eu acho inclusive que se a gente tivesse parado para fazer uma reflexão mais futura, a gente não ia ter pique para voltar na semana seguinte. Hoje a gente consegue verbalizar o que a gente não queria verbalizar na época. Porque era uma coisa que dava prazer para gente também, mesmo que tivesse todas as limitações que tinha, e tinha mesmo. (...)Este trabalho, eu imagino que ele deveria ter um objetivo concreto. Porque elas, é óbvio que saíram mexidas. Saíram, eu acho até que em alguns momentos, saíram mais bonitas, no sentido assim daquela beleza que vem aflorando de dentro para fora. Mesmo aqueles que viraram vaporzinho, mesmo todas estas pessoas, eu tenho certeza que em algum momento assim, que elas pensavam que era muito agradável mas era só agradável, entendeu? Não tinha assim uma preocupação com nada além daquilo. A preocupação era justamente esta: ‘Vamos ocupar esta criançada? Vamos. Então vamos dar carinho. Então vamos dar aqui uma tinta, um pincel e tal’.(...)A gente na época era muito voluntarista. A gente tinha vontade de fazer uma determinada coisa, a gente ia e fazia.” (Josélia) Então “a gente era muito inexperiente, a gente era muito sózinho, se tivesse mais experiência teria feito um trabalho muito melhor. Mas a gente só abriu. Abriu espaço. Mas serviu para isso.”(Luiza) Depois que a gente foi embora, eu fico imaginando, se fosse eu, ia achar que a gente não passava de uma fraude. A gente foi lá, atiçou, a gente mexeu

com a auto-estima, mexeu com o tesão delas, né? Quer dizer a gente tinha uma relação que era mais do que fraternal porque a gente adorava aquilo lá. Era uma coisa muito gostosa de fazer. Então, quando a gente de repente vai embora, a gente deixou elas mais orfãs do que elas já estavam porque elas se deram o direito de sonhar. (Josélia) “Mas depois, quando a gente parou este trabalho lá na Vila Cruzeiro, a gente começou a fazer lá na Igreja São Vicente de Paula, já junto com o Sangue Novo. Era uma maravilha. E a criançada não largava a gente. A primeira passeata que nós fizemos, a passeatinha que a gente chamou foi exatamente para chamar as pessoas para primeira reunião que nós fizemos. (Josélia) Assim, “o que as crianças faziam com a gente..., a gente fazia brincadeiras com eles e tal mas era mais isso, era mais a passeata, era mais festa. Eles adoravam sair com a gente gritando, cantando”( Luiza). Mas na época do Movimento, não foram só as crianças que receberam atenção de alguns dos integrantes do Sangue Novo. “A gente chegou a criar um grupo de mulheres, um movimento de mulheres”. (Luiza) Isso foi quando “a gente começou a perceber que estava rolando assim uma mudança real na vida delas. Porque era muita coisa muita informação, muito tudo para aquela mulherada que ficava sentada na frente da TV vendo novela das oito e que abria mão de seu prazer maior que era a novela, a TV, para se juntar a um bando de malucos, um bando de crianças, porque eles se referiam a gente como criança. A gente tinha uns 22 para 23, por aí.” (Josélia) E “a gente às vezes acabava a reunião e ficava aquele bando de mulheres em torno da gente. Tipo assim: ‘o que que tem mais? Estamos aqui.’”. A maior parte destas mulheres era “dona de casa mesmo, cuidando de casa, cuidando de marido. E assim com uma tremenda concordância do marido”. (Josélia) Dentro do Movimento Sangue Novo então, “o movimento de mulheres começou a se despertar. Até mesmo porque o movimento, 70% era de mulheres. Foram as mulheres que garantiram a assembléia” E dentro do “Núcleo do PT, o Núcleo da Vila Cruzeiro, as mulheres é que eram maioria”. Eram maioria também no Movimento já que “o cadastramento foi feito pelas donas de casa”. (Marcelino) Foi aí que Luiza e Josélia pensaram: “a gente podia começar, podia formar um grupo com esta mulherada que está aí, pedindo. Elas ficavam paradas, a gente acabava a reunião, elas ficavam lá, mesmo querendo mais, quer dizer a gente podia organizar, que organizar esta mulherada! A gente podia fazer uma reunião que não fosse um clube da luluzinha mas que a gente pudesse discutir sexualidade, discutir higiene, saúde, discutir o que as pessoas tivessem a fim de discutir para tentar ver como a gente pode melhorar mais ainda esta busca,

porque elas começaram a buscar mais coisas, né?. Aí a gente deu um toque nelas e aí fizemos”.(Josélia) “Era uma iniciativa muito particular da Luiza. Porque precisava que alguém desse um pontapé. E a Luiza começou. Mas teve adesão.”( Marcelino) “A gente se reunia numa sala menor lá na Igreja e elas iam. A gente fazia um lanche, cada uma levava alguma coisa para o lanche. E a gente sentava e ficava discutindo e foi assim, muito rica a experiência, super rica. Tipo assim: uma, contando da vida dela que tinha que conviver com os adultérios do marido sem falar nada e tal. Outra também era uma pessoa supertravada. Uma pessoa que estava completamente perdida, estava no cantinho dela e começou a desenvolver um supertrabalho.”(Josélia) “(...) P.Penha era uma que tinha uma relação complicada com o marido. Ele chantageou ela:’se você não largar o movimento vou pegar meus filhos’. Aí ela não chorou, assumiu”.(Luiza) “O que eu sou hoje, assim de cabeça aberta..., a mulher que eu sou hoje, eu devo a Luiza...A Luiza, a Josélia também me ajudou muito...Mas, mais assim que eu tinha contato era a Luiza, porque ela ia prá minha casa, a gente ia almoçar junto e conversar. Ela se abria comigo, eu me abria com ela, entendeu? Eu não tinha mesmo, experiência de nada, nada. Eu nem sabia que eu podia fazer alguma coisa, eu nem sabia que eu era capaz...”(P.Penha)

“O interessante é que o trabalho com as mulheres causou a maior desavença no Núcleo, no interior do Núcleo. Porque eles queriam participar, os homens. Achavam que a gente estava excluindo e não era por aí. E a gente sabia que era uma coisa mais específica, né? A gente sabia, por exemplo, que as pessoas não iam ter....É óbvio que não iam. Foi a maior burrice deles. O maior mico, mesmo. Elas não iam ter a mesma abertura, a mesma tranqüilidade para falar sobre os assuntos delas, tendo homem presente.”(Josélia) “Nós desestruturamos um pouco isso. Hoje eu vejo como uma postura imbecíl. Jamais tomaria um postura desta. Eu acho que o movimento de mulheres, ele tomou forma com a Luiza. Ela não é sectária neste ponto. Ela sabe discutir. Ela falava assim: ‘eu acho que tem que chamar homem também para discutir isso aqui porque só a gente não vai resolver não. Isso é uma discussão que vai resolver em conjunto’. E é verdade. Não vai discutir, fazer movimento de mulheres, fechando a porta e botando um bando de mulheres. Não vai resolver nada.”(Marcelino) Os homens afinal “não chegaram a participar”. Mas também não faziam críticas ao trabalho, “mesmo porque o trabalho por si só já estava evoluindo, né?”( Josélia)

Evoluiu dentro do próprio Movimento Sangue Novo, a ele integrado mas “pena que a gente não pode terminar o projeto”.(Luiza). Porém, algo deve ter ficado pois “eu aprendi...muito...muito mesmo com a Luiza. A Luiza foi uma pessoa..., que foi importantíssima na minha vida...Assim de abrir a minha cabeça, mesmo, sabe, de me mostrar um outro lado da vida. Que a vida tinha um outro lado prá mim. Não só era aquele de casa, de obedecer...meu marido, sabe? Só isso, que eu tinha que obedecer. Enquanto que a Luiza me mostrou o outro lado, que eu era capaz, que eu podia. Então, nisso eu sou muito grata a ela mesmo. Eu nunca nem falei isso prá ela...Estou falando aqui, agora...” (P.Penha)

Ocupando outros espaços

O movimento foi crescendo, foi se expandindo, a gente foi estendendo os tentáculos lá para dentro do Grotão afora. (Marcelino) Assim, o Movimento Sangue Novo foi estabelecendo relações com outras comunidades e envolvendo-se com lutas presentes na sociedade da época. “A gente era meio maluco. Parecíamos uns cruzados, né? A gente ouvia: ‘tem pobre oprimido chorando lá na p.q.p”. A gente ia para lá.”(Josélia) “No caso do Sangue Novo, tinham algumas pessoas que eram da Pastoral de Favelas: era eu, Rita Serpa, o Davi. Aí a gente fazia a ponte porque a Pastoral de Favelas reúnia todas as favelas do Complexo da Penha e do Alemão.(...) Trocar idéias, a Pastoral de Favelas meio que permitia isso mas isso sem interferir.(...) Ela não era como a Pastoral da Terra que era muito mais corajosa. A Pastoral de Favela era muito medrosa. Ela só refletia os problemas da comunidade. Ela não tinha nenhuma linha de ação. Eles não incentivavam isso. Isso que eu já te falei é verdade. O Padre Carlos falou na minha cara que a gente estava fazendo da favela um tubo de ensaio para experimento.”(Luiza) “A Igreja, de início deu todo espaço, quer dizer todo apoio espacial” ao Movimento Sangue Novo mas a relação não se deu sem atritos. “(...)Tinham duas correntes na Igreja Bom Jesus: uma corrente bem conservadora e uma bem mais progressista que eram o Padre Beno e o Padre Carlos”. Muitas vezes o compromisso da Igreja com a ação política era questionado, como na ocasião em que se discutiu com o Padre Carlos e “(...)não me lembro como foi, acho que foi no primeiro de maio. Mas era alguma coisa que discutia o caráter libertador da Igreja. Se é que existe o caráter libertador da Igreja. Aí foi uma porradaria. Começou a discutir, isso foi na Igreja, lá dentro da casa dele. Quebrou o pau com ele, Marcelo, Manoel...(...)”( Josélia) A Pastoral de Favelas, porém, permitia o contato sistemático com outras comunidades do Complexo da Penha. “Como eram favelas vizinhas, a gente sabia das coisas.(...)”( Luiza) E “quando a gente soube que estava rolando este problema lá no Grotão, que na época a gente chamava de Chatuba... ‘Olha, tá rolando um problema lá na Chatuba’. Aí saía e a gente ia lá para Chatuba, se identificava e dava apoio. “O Grotão foi ameaçado, a gente foi lá, ajudou a convocar, fomos lá para o Palácio Guanabara. Pegaram a identidade de todo mundo, foi um montão de gente. Fizemos colagem, fizemos uma Assembléia lá na rua mesmo.” (Luiza)

“Era uma coisa super frágil mas a gente.... Quer dizer hoje, do lado de fora, vendo a cena de quinze anos átras, a gente vê como a coisa era frágil mas mesmo esta coisa frágil, foi importante porque as pessoas se fortaleceram, fizeram barricadas, resistiram para não sair, quase deram um pau no Pastor lá. Aí aquela coisa que ninguém sabia, de repente começou a ser ocupada. ‘Lá na Chatuba tem vaga’. Porque aluguel, mesmo dentro da favela, é uma fortuna. Muita gente que saiu, foi lá e construiu casa de madeira e tal”. (Josélia) Mais tarde, por ocasião de uma disputa para a Associação de Moradores do Grotão, quando Pedro Mendonça se candidatou a presidente, “(...)nós apoiamos e fizemos campanha para ele. Eu apoiei ele. Eu era da Pastoral, ele também era. Era um cara que vinha com o novo.(...) O Pedro Mendonça era uma cara revolucionário, não era do PT, era do PDT mas era um cara que brigava, que tinha esta compreensão de todo mundo junto”.(Luiza) “O movimento de favelas na época era muito bom. Porque assim... não dá para recuperar tudo, eu não me lembro de tudo mas tinha movimento em tudo que era favela. A gente estava na época que a gente estava até articulando para FAFERJ, nós perdemos a eleição para FAFERJ mas perdemos já na época do Brizola.” (Luiza) Então, “(...)antigamente, o movimento era assim...Porque a gente não ia falar..., não ia um, a gente não ia para o Palácio para reunir com o gabinete. Ia cinquenta e subiam três, subia a comissão. Então tinha sempre um movimento muito vivo ali, sempre presente. Com o Brizola, isso vai acabar”. (Luiza) “Eu acho inclusive uma política do Brizola, cooptar lideranças comunitárias para o PDT. Na época ele foi inchado de lideranças, gente boa. Mas com aquela perspectiva de paternalismo mesmo, tipo assim: ‘pode deixar, que eu faço’.(...)”. (Josélia) “(...)Porque até então tudo eram os moradores, né? Até então a gente era um movimento isolado, ninguém tinha nenhum aparelho na mão.”(Luiza) “As comunidades que eram lideradas pelo PDT, elas não tinham aquele tesão de batalhar pelas coisas. Porque as pessoas já sabiam o que faziam. Na hora da dor de barriga, iam lá no gabinete do Mauricio Azedo que era o manda-chuva da época. Ia lá, ele enrolava, colocava a pessoa em banho-maria. Atendia todo mundo, era bem populista. O cara chegava lá de chinelo, pé descalço, sentava. O cara se sentia assim..., o poderoso. E ele: ‘Olha companheiro, deixa que eu faço, eu vou fazer’. E o discurso da gente era justamente o contrário. Tipo assim: ‘Olha, não dá prá ficar esperando, a gente sabe como é isto, vai esperar quatro anos, o cara vai te enrolar, vai dizer que vai fazer e acontecer, vai ganhar teu voto’”. (Josélia)

“Aí a derrota dos movimentos de favelas se deveu depois ao Brizola. (...) Ele reconhece a interlocução mas ele cooptou. Ele acalmou. Porque o Brizola, ele ao mesmo tempo que ele dá uma voz relativa, ele coopta, ele acalma, acalma: ‘depois eu te dou’. Ele cooptou.... (...)No caso da região, o PDT fez ‘um investimento muito grande no Grotão. Eles sabiam que a gente era mais forte, nas favelas acima, na Vila Cruzeiro e no Parque Proletário, a gente era mais forte. A gente tinha um movimento, né?”(Luiza). Em alguns momentos, as diferenças entre o Movimento Sangue Novo e o PDT tornavam-se públicas como na ocasião em que o PDT esteve na Vila Cruzeiro, “em 85, 86, final do mandato, 85, para distribuir títulos de propriedade da terra, “Cada Família um Lote”, e fizeram lá uma assembléia que tinha 500 pessoas, era uma coisa importante, né? Mas a gente desestruturou tudo. (...)Nós acabamos intervindo. Nós fizemos uma oposicão na chegada, né? O discurso do Movimento Sangue Novo é o que? ‘Não tem que comprar lote nenhum porque você já é dono. A lei do uso capião garante que tantos anos você morando, você já tem direito’. Ainda mais ali que trinta, quarenta anos, tinha família que nasceu, viveu e morreu ali. Fizemos o movimento em cima disto e desestabilizamos a assembléia com a presença do Brizola. Não teve duzentas pessoas na assembléia. E o Brizola era um grande nome do movimento Era uma coisa importante o título de propriedade da terra e a gente desestabilizou isso. O Movimento Sangue Novo era tão forte que a gente não deixou ele falar. Ele foi avisado e voltou. O Caó é que ficou lá representando e assim mesmo a gente desestabilizou a assembléia 10. A gente ficava cantando uma música da Neuzinha Brizola Michura em tudo que ele falava. (...)”(Marcelino) E afinal “aquilo não deu em nada. Algumas famílias da parte de baixo conseguiram porque ali já é um terreno já pavimentado. Mas agora a parte de cima continua todo mundo na clandestinidade, ninguém tem propriedade. Mas tem né? ( )por causa da lei do uso capião e o terreno não é um terreno registrado mas as pessoas moram ali há trinta, quarenta anos.” (Marcelino) “Agora, os títulos ainda, os moradores não têm os títulos. É uma luta que tem que ser feita ainda para as pessoas terem seu nome na propriedade”(Luiza). Em outro momentos, a relação do Movimento com o PDT envolveu alianças, como em algumas lutas da época que se desenvolviam nacionalmente. “Porque teve vários destes movimentos na Leopoldina que foram fundamentais né? E que uniam todas as forças políticas ativas da região. Por exemplo, o primeiro comitê Diretas Já do Estado do Rio de Janeiro, foi o da Leopoldina,

10Caó

é Carlos Alberto de Oliveira, secretário de Habitação do Governo Brizola.

puxado por nós, pelo Fernando William, pelo Padre Carlos, pelo Alex. 11 (...) Nós fundamos um Movimento pró- CUT do Rio de Janeiro.Toda a greve geral lá a gente estava junto”(Luiza) Então, quando “começou o Movimento pelas Diretas, a gente ficou naquela união. Todo mundo virou legionário . E aí no bojo desta discussão toda pelas Diretas, a gente começou a fazer trabalhos conjuntos. O PT e o PDT da Penha, o pessoal do Fernando William. Tinha a Marli que é excelente. Ela é assistente social. Trabalha no Banco da Providência. E o pessoal de cultura, lá de Higienópolis. (...) “Nós resolvemos fazer na Leopoldina um comitê suprapartidário para eleições diretas. Suprapartidário era na realidade: uma rapaziadinha que na época era do PCB, o pessoal que estava no PMDB mas ligado ao PCB, tinha nós, do PT e tinha o PDT.”(Josélia) “O PDT tinha uma ação direta dentro do Comitê. O Comitê era um comitê suprapartidário que se reúnia na Bom Jesus da Penha. Era uma relação positiva porque eram pessoas que eram importantes para o Movimento, como o Paulo Silveira. O PDT ele tem, não é como o PT que é um Partido mais orgânico na luta específica de política de base, o PT é mais orgânico neste compromisso. O PDT não”(Marcelino) “Saiu deste Comitê Suprapartidário um Movimento contra Carestia. Então a gente começou a fazer boicotes contra determinados produtos que estavam altos. Foi até super engraçado que a gente fez um ato em frente a Casas Sendas, aqui na Penha e o gerente da Casas Sendas falou que a gente não ia falar e a gente fala, a gente fala. Então fomos eu, a mulher do Fernando. Também era outra pessoa que também era um quadro excelente. E foi uma pena que as coisas não caminharam muito 12”.(Josélia) “(...) As reuniões eram feitas, uma vez eram feitas na Bom Jesus. E outra vez eram feitas lá dentro da Vila Cruzeiro”.(...).Era o debate nacional. Era tudo que se falava na época. Até as televisões mais reacionárias da época estavam lá, falando a favor das Diretas. Depois que os atos, viraram mega- atos. Nos últimos atos, teve ônibus para levar. O Brizola, que na nossa época era governador, ele cedeu ônibus de graça para uma porrada de gente, para irem aos atos.(...) O ruim é que tudo isso acabou com o show das Diretas, do PT. O PT ficou isolado, com a decisão de não ir ao Colégio Eleitoral. Aí o PDT obviamente saiu 11Luiza

refere-se aqui a Fernando William, na época médico e liderança política na Leopoldina, diretor do Centro de Saúde José Américo Fontenelle. Atualmente vereador pelo PDT do Rio de Janeiro. Padre Carlos era o Padre responsável pela Pastoral de Favelas da Igreja Bom Jesus da Penha.

12Josélia

refere-se também a Fernando William.

do comitê. O trabalho acabou, só deixaram alguns frutos. Mas era uma aliança muito rudimentar, fragilíssima. Primeiro porque encontrava resistência de ambos os lados (...) Tinham várias dificuldades. Na época, as pessoas falavam que nós éramos partidos irmãos, um dos dois era irmão bastardo. E a gente tinha uma músiquinha...Uma vez nós fizemos uma passeata com atividade, lembro bem, lá na Praça São Lucas. Aí no meio da atividade, nós começamos a cantar uma música que era uma música que as pessoas identificavam, quer dizer fizemos isso espontaneamente. Uma música identificada ao PT: ‘José levantou bem cedo, como era de se esperar. Tomou um gole do café de ontem e saiu para trabalhar. Lá vai José...’. Quer dizer conta a história de um operário, falta de grana para alimentação, para transporte e tudo, e termina falando ‘a esperança é o sindicato, vaí Zé, preparar a revolução’. Uma coisa assim. Eu não lembro mais como que era mas era uma música que estava sempre em ato do PT. Rachou a unidade. ‘Por que vocês, não sei o que, romperam com a unidade...’, o pessoal do PDT. Eu falei: ‘Gente, pelo amor de Deus, isso aí é uma coisa que a gente já está acostumado, a gente vive tocando esta música’. ‘Não esta música não pode’. Era uma coisa muito maluca, muito louca, a unidade. Tanto que quanto terminou foi até bom. Na maioria dos atos que a gente fazia pelo interior, festas, sempre se cantava esta música. Então na época era meio que uma marca registrada do PT. Aí esta música não podia porque quebrava a unidade.(...) Quer dizer a ida ao Colégio Eleitoral rompeu até a possibilidade de continuação com esta unidade. Mas foi superlegal porque a gente entrou em contato com o pessoal da AMAP, que era basicamente, a AMAP era o Núcleo do PDT. O presidente da AMAP era o Fernando, já com perspectivas de se tornar candidato a candidato de candidato de qualquer coisa. Tinha a Marli que era um excelente quadro. Ela era da AMAP. Se ela tivesse ficado responsável pela costura deste sambinha do crioulo doido , a gente tinha conseguido (...).A gente sempre se encontrava na região, a verdade é essa. Quer dizer, a AMAP era assim mais bonitinha, mais mauricinha, aquela coisa bem patricinha, arrumadinha. Não tinha sede mas tinha a Igreja Bom Jesus aberta para ela. Então tinha um canal de reivindicações lá na Câmara Municipal, então era aquela coisa assim de conseguir fazer as coisas. Era assim competente. Era uma Associação de Moradores competente.no sentido de resolver as questões do bairro, de levar algumas discussões”. (Josélia). No centro do conflito entre o Movimento Sangue Novo e os militantes do PT e o PDT havia também uma diferente concepção de Associação de Moradores. O conflito tornou-se evidente, por exemplo, “(...)quando teve a nossa reunião, nós expusemos ao Fernando William que tinha uma concepção de Associação de Moradores que era diferente. A nossa era: reunião de beco. O estatuto mais novo que existia na época, nas favelas, era da Jurema Batista, era do Morro do Andaraí. Aí vim na casa da Jurema, no Andaraí, peguei a proposta do estatuto porque a gente queria trabalhar com o novo. Então, na nossa concepção de

associação de moradores ia ser uma espécie de candidato por cada beco, então era uma associação muito mais democrática, muito mais aberta. Tinha direção mas tinha um colegiado. Uma concepção de colegiado. E o Fernando William não fazia isso”. (Luiza) Na militância do PT, aqueles que estavam a frente do Movimento Sangue Novo procuravam levar os movimentos de caráter nacional às comunidades. Como no caso do Diretas, por exemplo, quando o jornal do Sangue Novo Com a Boca no Mundo traz a luta pelas eleições diretas, lembrando em sua primeira página:

Neste período de crise que arrasadoramente oprime o nosso país, fala-se em eleições diretas: os partidos políticos “atuantes” promovem manifestações de apoio, garantindo melhorias com um presidente civil. Nós do Movimento Sangue Novo, acreditamos que eleições diretas é importante passo em nosso processo de democracia... Queremos Diretas Já!

Ou manifestando a luta na forma da poesia de Rita Serpa, militante do Movimento e participante do grupo de dança Jardim Secreto : ELEIÇÕES Está na ordem do dia Um papo meio diferente É todo mundo junto Votar pra presidente Gente muito baixo-astral Mandando e desmandando Tirando onda de chefe Só porque é general Mas essa história é danada Na hora de pensar no voto Temos mesmo é que estar juntos Para dar nossa porrada.

E ainda trazendo reflexões mais amplas sobre problemas da sociedade brasileira, como na matéria assinada por Marcelino: Seca O Flagelo do Sertão Assim, como 1915 e 1932 ficaram dolorosamente gravados na crônica sertaneja, 1983 já entrou para o rol das datas fatídicas marcadas pela seca. Vítimas de cinco anos consecutivos de escassas chuvas, o Nordeste vive agora o drama da sede, exôdo e morte.

Mais de 24 milhões de pessoas distribuídas em 1.126 municípios (...) vivem as consequências de um processo de desertificação que só tenderá a se acentuar, caso não se freie a ação predatória humana que acelera os processos naturais de devastação (...)”

No entanto, nos Movimentos de caráter nacional, como Diretas Já e a Campanha contra a Carestia, “(...)foi a nata mesmo do Movimento que participou. Tinha Sr. Airton que participava, Sr. Ermenegildo, P.Penha andou indo. Marcelino. Era aquele pessoal que estava realmente mais esclarecido que estava participando”. (Josélia) “(...)Ali era uma coisa muita doida. Você consegue imaginar? Assim: lá em cima a gente é do PT e tudo mais mas não fala em PT. A gente não fala, a gente achava que ia estar atrelando, sabe aquela história ia atrelar ao Movimento, e tal? E lá embaixo, não. Lá, na Vila Cruzeiro a relação era outra, aí a gente se apresentava enquanto PT e tal, convidamos algumas pessoas para participar, para participar não, para ver como era os nossos critérios de escolha de delegado. Era a coisa mais doida do mundo. E teve muita gente que participou”. (Josélia) “O Movimento Sangue Novo não devia ser atrelado ao PT mas também não deveríamos esconder que nós éramos do PT. Qual o problema? Era o militante petista que fazia o Movimento Sangue Novo. Esta é a função do militante do PT: organizar as massas, organizar a luta de classes, a luta de raça etc. E a luta mais importante de classe é a luta por melhores condições de vida. Não estou excluindo aí a mulher, o negro. Mas essa é uma luta importante, uma luta que não exclui. (...) A comunidade não está preparada para isso, para separar o que que é movimento popular, o que que é o trabalho específico voluntariado, o que que é movimento partidário específico para reverter em voto e tal. Aí a gente faz um puta de um trabalho como foi a entrada da Light e não sei que e a comunidade elege Roberto Cid . Elege Roberto Cid, vereador e Manoel Severino, trezentos e pouco votos. É piada, né?.”(Marcelino) “Hoje eu acho isso uma bobagem, este cuidado todo que a gente teve porque eles viram como era nossa prática que era a prática do PT na região (...) Viram algumas baixarias, ficaram do nosso lado inclusive. A gente tinha um poder assim...., sei lá a gente tinha assim um carisma muito grande”(Josélia) “(...) A gente fazia colagem lá. Fazia pixação do PT, eles viam.”(Luiza) E houve aqueles que, como Marcelino e P.Penha, que chegaram a se filiar ao PT na época do Sangue Novo. “Eu entrei no PT em 83. (...). O Manoel Severino é que começou a discutir comigo (...) .Começou a discutir a formação do PT. E aí eu começei a conhecer

que o PT tinha toda uma formação até a nível de interior, de pessoas que foram importantes no movimento dos trabalhadores, no movimento de luta das conquistas dos trabalhadores, que tinha toda uma história. Eu começei a perceber que o PT nasceu para ser a vanguarda do trabalhador. É uma pena que não chegou a isso, que perdeu, o PT se perdeu nesta caminhada, nesta trajetória. Mas ele nasceu para ser a vanguarda do trabalhador, um partido vanguardista mesmo, que estava ali para organizar, para dar suporte ao movimento operário. Eu começei a tomar consciência disto e aí eu me apaixonei, pela proposta do partido, pela militância, que era muito importante. E só tinha a gente do nosso lado, não tinha mais ninguém. O PDT estava do outro lado, né? O PMDB, o próprio PDS, estava tudo do outro lado.(...) E eles começaram a me rotular também porque eu estava no Movimento Sangue Novo, eu era petista. Aí começei a absorver aquilo. Eu me lembro quando tinha uma reunião das associações de moradores, falavam ‘Marcelino é petista, chama o Marcelino’.(...) Aí meu engajamento no PT se deu naturalmente: ‘Pô, aquele lado de lá, não dá prá tá porque realmente é difícil’.(...) Eu começei a ver o PT como o dono da razão, nem era mas (...), eu achava que ele estava com razão. E quando eu discutia, eu era sectário, extremista, quando eu discutia uma posição política com a oposição, eu não queria dar margem...Qualquer tom que a oposição levantava, eu tinha a obrigação de levantar uma antítese com a mesma eficácia ou desvalorizando qualquer opinião, por melhor que fosse. A gente começa a fazer oposição sistemática. Naturalmente a gente começa a aperfeiçoar, a militância (...)”(Marcelino) “Eu fui filiada. Cheguei a me filiar. Fui a debate com o Lula, fui com a Benedita, fui a encontro de mulheres de favelas, periferias, lá no Centro Municipal. (...) E era muita reunião sabe? Eu acho que muitas reuniões, elas te enriquecem, mas muitas não, elas acabam te cansando. Elas são cansativas, porque, eu costumo falar, de um assunto importante, eles passam prá outro, vão discutir coisas pessoais. Tem uns que têm diferença com o outro, e às vezes parte pro lado pessoal, sabe? Começa com coisa que não tem nada a ver...Tem reunião que não te enriquece, só te cansa. Às vezes a gente ia , perdia um tempão, sabe? E não chegava a denominador comum nenhum...Porque, eu acho assim, eu acho que uma reunião é prá você falar o quê você quer e botar aquilo em prática...”(P.Penha)

Enfrentando novos desafios

“E aí cresceu...o Movimento Sangue Novo cresceu, tanto que se formou uma chapa prá associação...”(P.Penha)

Nesta época, depois da luta pela entrada da Light e da Assembléia que reuniu mais de 3000 moradores, “(...) nós estávamos assim cheios de autoridade dentro da comunidade. A gente estava no botequim bebendo cerveja, que a gente adora beber cerveja. Então, as pessoas de idade vinham nos cumprimentar, parabenizar. Então, a gente resolveu concorrer às eleições da Associação do Parque Proletário, que do Complexo é a maior. E era aonde a gente tinha nosso quartel-general, que é a Igreja São Vicente.”(Marcelo) E “nosso trabalho era mais forte no Parque Proletário. Vila Cruzeiro, a gente botou a contrabando. Vila Cruzeiro teve uma participação, agora o centro dos moradores que iam...(...) as reuniões eram no alto do morro. Aquela parte plana da Vila Cruzeiro é a zona sul, onde fica a zona sul do morro. (...) E a gente conseguiu mobilizar poucas de pessoas de Vila Cruzeiro para subir o morro. ‘Ah, subir aquele morro!’. Porque é um morro muito inclinado. A rocha lá do Parque Proletário é uma rocha..., é muito cansativa mesmo”. (Luiza) Assim, “(...) montamos uma chapa. A chapa vermelha. O Manoel Mendonça, o irmão do Pedro Mendonça na cabeça de chapa 13. O Manel era o cabeça de chapa mas quem conduzia para atrair os votos era eu que apareci mais dentro do Movimento, tinha um reconhecimento e tal. Então, eu não podia ser candidato a presidente que era o objetivo do PT. O ideal do Movimento Sangue Novo era que eu saísse. E também para o Núcleo de Vila Cruzeiro que teria uma pessoa porque aí eu já estava ingressando no PT, em 83, quando nós disputamos as eleições. Eleição forçada, pedimos convocação de assembléia, de eleição. (...) Aí a Associação entrou num processo eleitoral obrigada. Foi o mesmo processo: cadastramento, 50% mais um dos associados quis convocar as eleições independente do estatuto e de vontade do presidente.”(Marcelino) “(...) Não me lembro qual foi ano. Se foi 83 ou 84. Nós fizemos a nossa chapa e em função do nome do movimento ser Movimento Sangue Novo, nós colocamos a nossa chapa de chapa vermelha. Porque as chapas na comunidade, elas são identificadas por cores. Tinha o Movimento Sangue Novo e tinha também uma influência do pessoal de esquerda para que a chapa tivesse esta cor, a chapa vermelha. Aí, um outro pessoal, que na época era até simpatizante do PT porque eram pessoas que seguiam a orientação do Lysâneas Maciel, e o Lysâneas Maciel tinha sido candidato a governador pelo PT, em 82. Então, esse pessoal que atua na comunidade até hoje, que é ligada à Igreja Presbiteriana, do Josué Guedes, eles apresentaram uma outra chapa, a chapa verde e esse pessoal não participou do Movimento Sangue Novo. Nós apresentamos a chapa vermelha,

13Manoel

Mendonça, irmão de Pedro Mendonça, já nesta época morador do Grotão, vivia no Parque Proletário da Penha, e foi através dele que o Movimento Sangue Novo estabeleceu relações com Pedro Mendonça.

eles apresentaram a chapa verde e se não me engano teve uma outra chapa que não sei se foi chapa amarela. Então, teve uma dirigente do PT, na época, a companheira Benedita, já era vereadora do PT e ela por ser da Igreja, ela era ligada ao Lysâneas Maciel e a este povo da Igreja, lá da Rua 7, do Josué. Então, ela ao invés de sentar com o Núcleo do PT, que estava toda sua militância na chapa vermelha e que tinha liderado junto com outros companheiros a luta pela Light, ela pegou e deu apoio declarado à chapa verde. Nós concorremos à eleição e perdemos a eleição por dez votos ”.(Marcelo) “(...) Tivemos uma votação expressiva. Primeiro pleito, primeira eleição que a gente estava disputando. Inexperientemente assinamos um documento que o pleito seria resolvido num só escrutínio. Aí não deu quorum suficiente mas tivemos que aceitar porque assinamos um documento. Com certeza num segundo escrutínio a gente atrairia chapa azul e chapa branca para gente.”(Marcelino) Um dos problemas enfrentados pela chapa vermelha era que “o estatuto da Associação de Moradores era muito velho. Então, por exemplo, só votava quem tinha o nome na conta da luz, da água. Na favela é assim, as pessoas morrem e não se preocupam. E como na Associação de Moradores, os moldes eram arcaicos, então a juventude não tinha direito a voto. Então numa família que moram 15, só um tem direito a voto. (...) Muitas pessoas falaram para gente assim: ‘poxa, queria tanto votar mas não tenho direito’. Então, numa favela que moram 50000, ao invés de votar, tirando o bêbe, a criancinha pequeninha, só vota um cara, o chefe da família, o dono da casa o nome que vai na conta da água ou da luz. Aquele é o chefe da família. Só que as pessoas morrem e tal. As pessoas não estão nem aí pra ir lá, trocar o nome.(...) Então, o que derrotou a gente foi o estatuto da Associação de Moradores.“ (Luiza) “Teve uma reunião com a Benedita na minha casa. Minha mãe ficou até horrorizada que a gente bateu de frente com a Benê. Minha mãe não entendia como a gente, aquela molecada, podia bater de frente com a vereadora do Partido, a única vereadora do nosso Partido.”(Marcelo) “A gente reivindicou uma reunião cara a cara com ela. Com o morro presente. Chamamos o morro lá. Movimento Sangue Novo fez isso. A Marcia fez isto com a Benedita. A Bene chegou na casa, ela era vereadora, e a Márcia: ‘oh, Bene, quero saber porque você veio meter o bedelho aqui dentro?’ .Eu não me lembro da reação da Bene, me lembro da fala da Márcia. Dedou mesmo, enfiou o dedo na cara”. Mas “eu, por exemplo, não acho que o fato dela ter feito ter feito um panfleto: ‘PT apoia a chapa verde’, foi o motivo da derrota. Todo mundo sabia que a gente era do PT e era da chapa vermelha.”(Luiza)

“A Benê era a única parlamentar do Partido no Município do Rio. E todo mundo sabe que ela é da Igreja, ela sempre teve um apoio muito forte da Igreja. Então, ela sentou com o pessoal da Igreja.(...) As Igrejas dentro de favela são muito fortes. Porque é o seguinte: não existe poder público dentro de favela. Então quem faz o trabalho dentro das comunidades faveladas são as Igrejas, principalmente as Igrejas Protestantes porque elas têm uma atuação muito agressiva do que a Igreja Católica porque a Igreja Católica fica muito dentro do templo”.(Marcelo) Na época das eleições, “as pessoas da Igreja começaram a dizer que a nossa chapa era chapa de comunista. Inclusive tinha uma senhora da Igreja na nossa chapa e foi pressionada a sair da nossa chapa porque o pessoal começou a acusar que a nossa chapa era de comunista”.(Marcelo) “E teve o lance também do Maurício Azedo. Porque o PDT apoiou a chapa verde. Aí numa reunião que teve no gabinete lá..., me chamaram para ir. Aí fui eu, o Marcelino, não me lembro quem mais porque aí já foi depois. Aí me contou na minha cara, na cara do Marcelino que foi o seguinte: PDT tinha mandado ele definir quem o PDT ia apoiar: chapa verde, chapa vermelha, chapa tal. Ele como não sabia de nada, foi e apoiou a chapa verde” (Luiza) Mas há quem ache que estes fatores influiram muito pouco já que “se a gente tem um estatuto ali que todo mundo vota, nós tínhamos ganho aquela eleição. Podia a Bene apoiar, podia o PDT apoiar, podia Brizola apoiar. A gente era muito forte, cara. Não tinha ninguém que não conhecesse a gente.”(Luiza) E quem lembre também a inexperiência do Movimento, “a inexperiência pura. Não tem outra explicação. A gente não teve jogo de cintura para disputar, para intervir junto à comissão eleitoral. Nós estávamos no afã, nós estávamos certos que nós ganharíamos qualquer eleição por causa do Movimento. (...) E todo mundo: ‘Vocês perderam, votei em vocês’. Tinha este reconhecimento depois do morro. A gente andava: ‘Como votou, se a gente perdeu?’. Depois viemos a saber que até morto votou. (...) A gente tinha poder...Por exemplo, o cabeça de chapa ele tem poder para intervir na Comissão Eleitoral e se ele observar alguma coisa que foge da legalidade, pode chamar a FAFERJ que rápido a comissão eleitoral é dissolvida e convocada uma outra.(...)”(Marcelino) Com a derrota nas eleições para a Associação “começou a decepção. Eu acredito que este não foi o elemento principal mas contribuiu”. (Marcelo) “Foi uma derrota que a gente não conseguiu engolir muito até hoje.(...). Perdemos por dez votos. Aí foi muito ruim para gente , né?” (Luiza) Foi ruim especialmente porque desanimou os participantes do Movimento que ao mesmo tempo em que disputava às eleições, continuava a luta na comunidade, procurando garantir a eletrificação da favela pela Light, através do

trabalho de cadastramento e da pressão sobre a Light para que ela agilizasse a implantação do serviço. “A segunda etapa do Movimento Sangue Novo era você ir de casa em casa fazer recadastramento, escolher nome de rua. (...) A Light pediu para a gente fazer cadastramento. Aí cadastrar tudo mundo de novo (...), a gente começou a fazer. As ruas não podiam ter números. A Light queria nomes. Tinha que ver com os moradores para que eles escolhessem os nomes (...)Isso exigia muito tempo da gente. Aí não demos conta. Não deu conta. Isso todo mundo. Foi um bloqueio para gente. Aí mudou a regional lá. (...) Aí a Light passou para uma seção lá, uma espécie de uma regional lá da região, que privilegiou a relação direta com a Associação de Moradores. Como a gente não estava dando conta, a gente nem brigou para continuar na nossa mão. Ficou na derrota mesmo. (...) O pessoal trabalhando, acabou que a gente não pode levar até o final o cadastramento e tal. Aí passou para a associação de moradores, para nova diretoria (...).”.(Luiza) Fora o desafio do cadastramento, a entrada da Light não se dava sem problemas já que “(...)uma coisa foi a assembléia. Depois foi a morosidade da Light. A Light tentou escamotear porque tinha gente lá recebendo propina da associação de moradores. Aí teve um dia que a gente pressionou, voltamos ao Povo na TV . Aí a Light estava demorando a entrar, e nós descobrimos que um Zé Vasconcelos não sei das quantas lá levava uma grana do Rubens para segurar e tal. E nesta, o Rubens estava fazendo a manobra. A nossa rede era uma rede antiga, foi comprada pelos nossos pais. Era patrimônio da comunidade, todo mundo deu dinheiro ali, todos os moradores deram dinheiro, eu me lembro que era 49 cruzeiros, Isso foi em 49. 1949, a rede foi instalada lá, primeiro até a rua 14.”(Marcelino) “A gente nunca podia imaginar que na surdina as pessoas fossem roubando aqueles cobres, coisa carissíma. O pessoal da Comissão e da Associação de Moradores. E aí eles começaram a roubar e roubaram muito, muito. E um belo dia, eles chegaram e não encontraram o material e perguntaram : ‘E aí , cadê? ‘. “Ah não, quem é o responsável é o Reinaldo’.”(Josélia) A manobra da Comissão de Luz foi denunciada no jornal do Movimento Sangue Novo, Com a Boca no Mundo :

ALERTA GERAL Alertamos aos moradores de Vila Proletária da Penha e V.Cruzeiro da necessidade de se unir diante de um fato que já é costumeiro em nossas comunidades ( que é a exploração e arbitrariedade).

Como é visto por todos, a Light já se faz presente em nossas comunidades graças aquela grandiosa assembléia de quase 4 mil pessoas, na Praça São Lucas. Agora chegou a hora dos moradores juntarem forças mais uma vez. E que baseado no andamento dos trabalhos da Assembléia de julho de 83, ficou decidido que doaríamos a Light S.A, todo material de rede de energia existente em nossas comunidades para que este fosse aproveitado nos trabalhos de eletrificação, ficando claro também que o restante do material não aproveitado segundo a Light, na palavra de Dra. Regina ficaria em posse dos moradores, tirando assim uma comissão de sete pessoas que ficaria encarregada da guarda e da posse do material não aproveitado. E que depois, em uma outra assembléia decidiríamos o que fazer com o dinheiro da venda do material. Material este que agora está sendo retirado pelo Sr. Rubens, segundo ele, através de uma ordem da própria Light. Nós do Movimento Sangue Novo entendemos que isso não é verdade; devemos ficar preparados para mais esta batalha. Porque a sobra do material “fios de cobre de alta e baixa tensão” pertencem a nós de direito e só nós moradores podemos deliberar o que fazer com o dinheiro Assim, o Rubens “garantiu a morosidade da Light e ele estava substituindo o material da rede. Ele comprou uns cabos de alumínio, daqueles que se usa hoje. Ele mesmo estava fazendo a substituição, não era a Light não. A gente foi descobrir depois que era ele com a Light. A Light estava substituindo mas ele estava recolhendo o material que a Light estava retirando. E era cobre puro. Um fio feito em 1949 era um realidade, um fio feito hoje é outro. Um patrimônio inestimável que ele estava tirando de grana. (...), aquela favela todinha eletrificada a nível de cobre na rede de alta e na rede de baixa? E substituindo por um material mais barato, alumínio!(Marcelino) “(...)Realmente foi muita ingenuidade da gente. Era óbvio que eles iam roubar. Já estavam saindo no prejuízo. Iam perder a fonte de renda toda, né?”(Josélia) Então, “a gente entrou com uma ação. A gente não tinha associação de moradores na mão porque a gente perdeu a eleição. Com todo este movimento, a gente perdeu a eleição. E aí o Rubens estava substituindo este material mas mesmo assim o Movimento Sangue Novo ainda estava vivo ali. Eu e Reinaldo fomos na delegacia, demos parte, queixa crime, que era roubo, chamamos de roubo. Acusação de roubo é complicado, como você vai acusar que uma pessoa está roubando? E foi o que aconteceu com a gente. Eu e Reinaldo acusamos o

Rubens. (...) Mandamos prender o Rubens na 27. A polícia chegou. Levou eu, Reinaldo e ele Foi um desarcerto. Chegou na hora a gente teve que provar que o cara estava roubando. Ele sacaneou a gente, falou que estava guardando, como de fato estava lá no cantinho. Queria passar a perna na gente. E aí a gente teve que retirar a queixa crime. Houve um acordo lá. Porque nesta época, o PT estava longe. A gente não teve nenhum subsídio.”(Marcelino) “Nesta época a gente já estava meio desarticulado (...). O Reinaldo foi processado e tudo mais. Nem sei a quantas anda isso. Mas depois correu processo por causa disto. Deve ter sido processo civil. Eles fizeram levantamento do que tinha. Vieram técnicos da Light e fizeram um resgistro de tudo que tinha e quando rolou de substituir os postes, esta coisa toda, cadê? Uma boa parte já tinha sido roubado por eles. (...) Com relação a este processo do Reinaldo...Nós conseguimos que ele fosse acompanhado por uma advogada da pastoral de favelas, não lembro o nome dela. Ela deu uma assessoria boa para ele. Ele não ficou a Deus dará”(Josélia) “(...) Aí a falha do Movimento Sangue Novo. Aí num certo período o Movimento Sangue Novo começa a desfacelar, em 84, começa a ficar só na responsabilidade de dois ou três, que era eu, Reinaldo e P.Penha, que estávamos segurando a onda todinha, que a gente era da comunidade. A Josélia saiu para entrar faculdade, o Manoel Severino foi cuidar da vida dele, Marcelo Dias foi para o metrô, era metroviário. estava no sindicato. E quem ficou segurando o Movimento Sangue Novo na realidade foi eu e Reinaldo. Nós seguramos. Nós mandamos prender o Rubens. Apreender o material, a rede de cobre que era de um valor..., calculado pela Light dava perto de nove milhões. (...) Conseguimos reaver o material que a própria associação depois assumiu. O Rubens acatou a ordem, O material é da comunidade, ele não podia tirar. A gente retirou a queixa de roubo e em troca ele abriu mão de subsitituir. Quem fez a substituição foi a Light que passou para a associação. E a associação, aí já tinha pilantra ali que não acabava mais.”(Marcelino). Nesta época, é que “eu começei a ficar triste com o PT sabia. Começei a ficar triste com este movimento. Eu já estava há três anos no partido mas aí eu começei a ver, não é isso aí não. Ali, naquele momento ali, acho que deveria ter recebido uma apoio do partido, (...) através de seus representantes políticos que a gente ajudou a eleger para estar ali do nosso lado. E eu começei a ver a realidade de uma outra coisa. A gente queria ter movimento organizado, a gente tinha que se embasar. E aí começou a esfacelar o Movimento Sangue Novo, a partir dali.” (Marcelino) Mas e as razões desta desarticulação?

“Eu acho que foi isso, foi se esfriando as pessoas, sabe? Eu achei assim, sabe? Também muitos foram cuidar das suas vidas. Porque o movimento ele te envolvia muito, ele tomava muito do seu tempo, aí , muitos também foram se afastando, também por falta de tempo...Aí perdeu o interesse, foi diminuindo o pessoal...Foi uma pena, sabe?”( P.Penha) “(...) Depois desta vitória a gente não teve perna para dar continuidade ao trabalho, à luta pela CEDAE. E o Movimento com o tempo foi se esvaziando, se esvaziando. Enfim, o Movimento Sangue Novo morreu de morte natural. (...)”. E “cada um foi construindo seus próprios movimentos. Dispersou-se tudo. As pessoas começaram a ter um formação política maior, ter uma definição partidária maior. Então, cada um quis criar seu movimento próprio. Isso contribui para desagregar o Movimento Sangue Novo (...)E a minha saída se deu a partir do momento que em 1982, eu entrei para o metrô e comecei a me aproximar do Núcleo do PT da categoria, Núcleo de Transporte, que depois se tornou Núcleo dos Metroviários. Em 84, eu fui eleito, eu era da manutenção, fui eleito como representante da manutenção no Conselho Diretor do Sindicato. O Sindicato tinha diretoria, e tinha representantes de áreas que formava o Conselho Diretor. Então, eu comecei a me afastar mais do trabalho comunitário. Saí da Diretoria da Associação da Vila Cruzeiro e comecei a me dedicar mais ao Movimento Sindical. Cheguei a ser vice-presidente do Sindicato dos Metroviários, fui diretor do Sindicato. Fui Vice-Presidente da CUT Estadual. Então, eu me dediquei mais, a partir de 84, eu me dediquei totalmente ao Movimento Sindical..”(Marcelo) “(...)Esta juventude que só queria isso na vida, passou a fazer outras coisas: foi para faculdade, fazer terapia, ter uma relação mais leve com a vida, uma militância...Apesar de que a maioria saiu da miltância (...) Foi coletivo demais. Durante dois anos.... O Movimento Sangue foi um movimento que começou em 83, termina em início de 85. Foi um Movimento que exigiu muita prontidão de pessoas tão jovens. A gente abria mão de viajar com namorado. Então foi muito duro pra pessoas tão jovens. Então teve este elemento de olhar para si mesmo. Não que eu ache que isso seja uma coisa individualista mas faltou um pouco de como você aprende que é errado fazer coisas que fez, é errado dar prontidão para o movimento e se anular. Então acho que houve uma anulação da maioria dos integrantes do Sangue Novo. Quem estava desempregado, ficava desempregado, quem não estava estudando, não estava estudando. Então o fator derrota funcionou no psicológico: ‘fizemos tanto, conseguimos a Light, 3000 em assembléia, como que pode perder por 11 votos?’”. (Luiza) “Foram mais de dois anos seguidos, sem sábado, sem domingo, sem feriado, sem nada. E a gente ficava brincando, dizendo que a gente ia ter que se virar por ali mesmo, sem tempo de relações afetivas. A gente tem que arranjar

um jeito de se namorar porque do jeito que está a coisa, daqui a pouquinho está todo mundo assexuado. A gente brincava muito com isso. O Paulo neste ponto era excelente. Eu morro de saudades do Paulo. A gente conseguia mesmo no meio de um tremendo caos. dar uma sentada, parecia que depois de meia hora de conversa, a gente já conseguia retomar o pé das coisas, retomar o rumo.”(Josélia) Mas “(...) a falha do movimento era que politicamente, a política estrutural do movimento era dada pela democracia socialista que era uma tendência do PT. Eles eram militantes mais aptos. Eles tinham já um processo dentro da militância, que não era o caso meu, do Reinaldo e da P.Penha. A gente estava começando a se engajar no movimento popular e consequentemente dentro da militância do PT. Eu participava do Núcleo. A gente tinha reunião de núcleo mas as políticas importantes, como o esfacelamento interno do PT, isso eu só fui conhecer em 85, depois que eu começei a me impor. (...) Eu começei a protestar porque eu começei a ser visto como a ovelha negra. Começaram a tomar uma série de cuidados comigo.”(Marcelino) “Porque estas discussões todas eram levadas para o Núcleo, era o único forum que a gente tinha para discutir, né? E isso daí era outra coisa que deixava o Marcelino irritado porque ele achava que a gente estava sendo desleal. ‘Vocês já chegam aqui com tudo pronto, não sei o que. Vocês estão querendo me sacanear. Estão pensando o que ? Que eu sou babaca?’ E aí, quer dizer num primeiro momento, as pessoas tentaram meio que negar. ‘Não, não é nada por aí’. E depois..., eu coloquei minha opinião: ‘se a gente uma linha para seguir a gente não teria chegado aonde que chegou, entendeu? Se você está querendo ir lá para discutir, está aberto, a gente precisa discutir, a gente não pode chegar aqui e fazer as coisas...’. E : ‘então discute aqui, discute com todo mundo’. (Josélia) “O esfacelamento, ele se deu devido à isto. A gente começou a amadurecer politicamente e começamos a protestar contra a direção que o núcleo do PT dava. Mesmo sendo militante do PT, eu não concordava com aquilo”.(Marcelino) Mas “o movimento era amplo. Não era identificado nem do PT, a gente fazia questão de mostrar que não era um movimento do Partido, apesar da maioria dos jovens serem do PT. Nem um Movimento de Igreja, nem um Movimento de nada. Era um movimento dos moradores, daqueles que queriam mudar as condições de vida dos moradores Complexo da Penha”.(Marcelo) E há quem pense que “não existia muita disputa. A disputa que tinha era o Marcelino que..., ele tinha uma figura de palco maior. Mas era muito pontual. Não existia divergência entre a gente. (...)Acho que também a disputa não determinou. Porque depois a gente ia acabar se entendendo porque a gente tinha uma história junto que justificava qualquer coisa.”(Luiza)

“(...)Eu começei a falar com as pessoas: ‘oh, isto não é certo, eu não estou aqui para ser monopolizado por ninguém. Eles se reunem lá, se articulam e depois vem prá cá e dá direção. Tinha até um lance interessante. Com excessão do Paulo Bahiense que era um grande colaborador, que era um mentor intelectual, um cara que tinha muita experiência, uma pessoa de nível superior, que dava..., embasava na gente. As outras pessoas chegavam ..., era como passar tarefas. Fazia reunião no domingo e falava: ‘oh, tem que fazer isto, isto e isto’. Mas elas mesmo não(...) Tinham seus afazeres particulares, pessoais. (...)Uma das críticas mais severas que eu fazia ao Movimento é que as pessoas faziam reunião e depois iam para seus namoros, cursos. Elas tinham objetivos e a gente ficava segurando o peão: eu, Reinaldo e Marília. Distribuindo jornal, fazendo o cadastramento. A partir daí a gente começou a romper. Começou a se esfacelar o Movimento.’(Marcelino) “(...)Quer dizer, que o fato dele não entender que nós dividíamos a liderança daquele Movimento, com todas as outras pessoas, com Luiza, com Manoel. Manoel na época estava meio afastado, estava meio desencantado, mas com Marcelo, com todo mundo. Ele não entendia que se a gente não tivesse esta postura de dividir o espaço de liderança, a gente ia acabar dividindo o Movimento, que foi o que aconteceu”. (Josélia) Mas “acho que todo mundo saiu dolorido da história porque não fizemos isso. A gente não sentou, eu, Marcelino, Josélia, Manoel, Paulo Bahiense, P.Penha para avaliar a derrota. Até hoje. Dez anos depois não avaliamos, o que fez a gente ser derrotado(...)Como que pode? Um grupo de jovens, que durante dois anos dá prontidão, só dá olé, só é vitória, dois anos de atuação que foi vitoriosa, pegou no sentimento da comunidade, saía de lá quatro horas da manhã. Não tinha porque a derrota.”(Luiza)

“O que mudou em nossas vidas?”

De alguma maneira este movimento mudou muitas vidas. (...) Isso foi no final do Movimento Sangue Novo. Estava no papo assim: o que mudou em nossas vidas? (Luiza) Nas comunidades de Parque Proletário e Vila Cruzeiro“(...)acabou aquele movimento todo. Porque o PT tinha o teatro, a dança, tinha as atividades todas que a gente fazia para angariar fundos para fazer o jornal. Isso tudo mobilizava a comunidade no dia-a-dia. Acabou. Entrou a Light, a associação de moradores começou a pavimentar a rua São Vicente de Paula e Rua quatorze. A comunidade começou a ficar bonita, né? Com asfalto. O PT foi embora, se esfacelou todo”( Marcelino)

“Depois disto a situação lá na comunidade, ficou assim terrível.”(Josélia) “(...)A água continua sendo o maior problema lá até hoje. (...) Não justifica não ter água na bica da Penha. Água prá caramba no Rio de Janeiro...”(Luiza) No Governo Brizola “de 83 para 84, eles fizeram mas pela metade, fizeram aquele convênio CEDAE- Comunidade, onde a CEDAE assume a bomba de água, contrata pessoas mas um atravessador. Ela faz um convênio com a Associação, repassa esta verba para a associação contratar equipe de trabalho e repassa a verba para a associação pagar a conta de luz da bomba. Quer dizer, ela se colocou na comunidade mas muito sutilmente.” (Marcelino) O resultado é que continua faltando água nas bicas das favelas da Penha. Problema contra o qual continua se lutando. “A gente foi fazer um movimento que até o CEPEL participou que era a Água nossa de cada dia , no corpo a corpo, de porta em porta. Mas aí depois um grupo(...) tomou a associação, durante um período. Quando a associação não tem braço armado fazer oposição é fácil mas com braço armado é muito difícil. É muito desigual. Aí desarticulou o negócio da água de novo.. (...)( Luiza) “Então esta questão da água é uma questão que qualquer pessoa com um pingo de consciência não pode fugir. Então até hoje a luta nossa é pela água.”(Marcelo) Mas “nós temos uma associação que ...Prá que que a associação serve prá gente? Prá gente pagar água. Mas nada você tem nessa associação. É só a água, que você vai lá e paga.(...) A associação não é isso que está aí, que não ajuda quase nada, entendeu? Não ajuda os moradores em quase nada.” (P.Penha) “Porque os dirigentes da Associação de Moradores, com todo carinho e respeito que nós temos por eles...(...)Até hoje, se você for nas associações de moradores , você vai ver que o pessoal não discute em termos de FAFERJ, Federação. Não discute em termos desta Central de Movimentos Populares. Não discute em termos do movimento macro, ficam muito limitado ali na comunidade, brigando pelo calçamento do beco, para conquistar uma creche para sua comunidade, conquistar a água para sua comunidade. Então, o movimento sempre foi assim, muito limitado.(...)”. E não é uma questão de idade já que “(...) hoje na comunidade de Vila Cruzeiro, a Associação de Moradores é dirigida por jovens. Eu acho que não tem ali ninguém com mais de trinta anos. E eles também estão se perdendo ali nesta questão miúda, interna. Porque o que eles lutam, são coisas seríssimas. Eles lutam pela água, para acabar com as valas a céu aberto na comunidade, pelas creches. Mas eles não saem de dentro da favela. Eles acham que vão conquistar alguma coisa ficando ali. Não procuram ampliar o seu raio de ação.”(Marcelo)

Mas as pessoas da comunidade, “eles não gostam muito dessa coisa de política, eles acham, eles não acreditam se você for falar num político aqui... Assim, no Marcelo eles ainda acreditam porque o Marcelo, de vez em quando ainda vem aqui, entendeu? O Marcelo é o único que não é deputado de época de eleição Está bem de vida, ele nasceu e se criou aqui, lá do outro lado e tem uma amizade muito grande aqui, de pessoas que nasceram e conviveram muito com ele. Então em uns poucos ainda as pessoas acreditam mas cobram muito porque as pessoas não entendem o quê é uma função de deputado. Ele tenta explicar, eu tento explicar, porque eu já entendo mais um pouquinho. Mas às vezes as pessoas acham que a gente está puxando o saco, entendeu? Por não entenderem e às vezes eles também não fazem muita questão de entender que eles acham assim se a gente for batalhar...É gente que tem a vida dura, que se eles não forem batalhar, eles não têm nada, porque ninguém dá nada à ninguém, realmente...Se a gente for pensar nisso e esperar, ninguém dá. (...) E a política, o que que a política está te dando hoje em dia? Náusea! Eu acho que está muito difícil de acreditar, até eu que sou uma pessoa que eu tenho uma fé, imensa, assim pelas coisas, eu estou, pela política eu estou, eu estou perdendo a minha fé totalmente pela política. Acredito ainda nas pessoas, sabe, e não quero deixar de acreditar nas pessoas, eu ainda acredito muito nas pessoas e às vezes eu me machuco muito por causa disso”.(P.Penha) A lembrança da época do Sangue Novo se coloca ainda e “até hoje eu falo que foi uma pena, uma pena mesmo, ter acabado...Também reerguer, eu acho difícil (...)Um movimento desse tipo eu acho dificílimo, agora...no atual, as coisas que a gente tá vivendo, eu acho... Porque agora as pessoas já estão entendendo mais...Eu acho que agora as pessoas lêem jornal, escutam mais rádio, esses debates de rádio. Se a gente fosse fazer, eles iam dizer que era prá perder tempo, que isso não resolve nada...Porque você vai, leva umas pessoa prá reunião, aí chega lá a reunião começa muito bem. Igual eu já levei muita gente, chega lá, em vez de se tratar única e exclusivamente daquilo, aí já parte prá uma coisa que não tem nada a ver, aquilo acaba, as pessoa não entendem, acabam se cansando e desanimam. (...)Hoje em dia, eu não sei se eu bancaria aquela luta toda no Movimento Sangue Novo, devido ao que a gente está vendo aí. Você é ser humano, você é de carne e osso, você tem medo, né? ”(P.Penha) Há quem se recorde da época do Movimento Sangue Novo e a compare com o momento atual: “A conjuntura da época, era uma conjuntura vitoriosa, uma geração que derrotou a ditadura militar. A gente, uns mais, outros menos mas a gente viveu o fim da ditadura militar. P.Penha foi chamada pelo DOICODI para dizer que não era comunista não. A gente viveu a vitória do fim da ditadura militar no Brasil, a formação do PT, houve uma efervescência. Então, a

gente tinha muita esperança. Hoje, é assim uma derrota atrás da outra, as pessoas estão cada vez mais pobres.” (Luiza) E se recorde também das perdas do movimento popular. Naquela época “tinha esta aposta no futuro.... E acho que tinha este lance que o movimento perdeu muito: a honestidade. A gente não achava que a gente representava o novo. A gente era o novo. Hoje você elege. É a democracia representativa, uma democracia que você elege, a pessoa fala em nome de você mas ela não está falando contigo. O nosso Movimento não era assim. Ele era democrático mesmo, a gente não fechava nada. Era um democratismo que eu não acho que seja pejorativamente. Dá mais trabalho. É menos cômodo. Parte das minhas varizes que eu tenho na perna hoje eu devo ao Sangue Novo. Até gosto. Nem tiro mais . Tem haver com isso. Dá mais trabalho mas ela é mais honesta . Nunca houve nenhuma traição, nenhuma”. (Luiza) “Este Movimento formou politicamente o nosso pessoal esta juventude.(...) para minha formação ele foi muito importante porque naquela assembléia foram três pessoas que dirigiram a Assembléia. Três jovens negros: eu, tinha 22 anos na época, Marcelino e a Josélia. Todos os três com 22 anos. Nós dirigimos aquela Assembléia. Foi uma experiência riquíssima, a gente está ali segurando aquela vibração, aquela massa de gente na praça. A gente está ali dialogando com a representante da Light, de igual para igual.” (Marcelo) Desarticulando o Movimento, “(...)cada um foi construindo seus próprios movimentos (...)”. (Marcelo) Do Movimento Sangue Novo aos movimentos daqueles que dele participaram, muita coisa ficou em cada um. “Esse negócio da identidade, a minha, me identifico muito mais com este lado da sociedade do que com o outro. Então eu fiquei com um pé lá, um pé cá. Hoje, atualmente, eu moro num bairro, bairro assim, tipo as minhas relações de amizade tem, via PT, via o próprio movimento, as pessoas mudaram, todo mundo melhorou de vida, a maioria melhorou de vida, as pessoas que...Só mora em favela quem não pode mesmo. (...)É importante, “ir na linguagem deles. Acho que a gente não pode abrir mão da nossa mas tem que crescer, tem que se apropriar mesmo do conhecimento adquirido da sociedade. Você não pode não ter acesso a esta produção de conhecimento, tem que ter acesso. Agora, não é abrir mão do teu, não pode perder a identidade. Senão você se dilui, e a maioria se dilui. Muita gente que era deste setor hoje não é ninguém, perdeu totalmente. É óbvio que a gente tem muita condição de mudar de vida, de crescer, né? E fizemos grandes opções (...)” (Luiza) “A gente tentou reativar o Movimento Sangue Novo, no início do meu mandato em 91. Fizemos até um jornal também com o nome Com a Boca no

Mundo . Só que era um jornal muito identificado com o mandato, então criou problemas porque os outros jovens, velhos remanescentes do Movimento Sangue Novo original fizeram críticas contundentes. Depois eu reconheci que fizeram críticas com razão porque o Movimento, nós tentamos nos apropriar do nome que não tinha mais vida mas também não era do deputado. Então, a gente fez só um número. Tentamos montar a Casa de Cultura Solano Trindade, lá na Vila Cruzeiro. Chegamos a alugar um espaço dentro da favela, na Rua Nove, isso em 91. O Marcelino criou o Projeto Cultural Coqueiro. O Marcelino foi uma grande liderança do Movimento. Ele chegou a fazer um Festival de Música Popular na Praça.”(Marcelo) “A gente teve um movimento muito maior do que o Sangue Novo foi o Projeto Cultural Coqueiro. Ela nasceu do esfacelamento do Movimento Sangue Novo porque tudo mundo foi embora, o PT, e só ficou eu e o Deoclair, um morador lá da parte alta. (...) Eu começei a me distanciar do núcleo. Parei meu movimento. Fui trabalhar em Copacabana. Só que a gente: ‘Pô, não tem nada’. Em 1988, a gente fundou o projeto cultural Coqueiro. Cem anos da abolição. ‘Pô, a gente vai festejar cem anos de abolição? Mas como? Festejar cem anos da abolição mas que abolição?’ Comecei a questionar isso aí e já militava no M.N.U. Movimento Negro Unificado. Já tinha outro nível de consciência e queria levar isso para comunidade. Tinha uma festa lá na Lapa. ‘Como vou levar à comunidade na Lapa? Não tem ônibus, não tem nada. Não, nós vamos fazer uma festa aqui.’ Aí fui para reunião do M.N.U e protestei: ‘Acho que o grande barato do movimento negro organizado é que a gente continua respaldando a historiografia oficial. A gente continua respaldando as festas que a sociedade faz para dar de recompensa para o negro, 13 de maio’.(...) ‘A gente vai fazer o movimento na favela’. Aí:’O que fazer?’. Levantei que a Rio Arte dava subsídios para atividades na comunidade. (...) Fiz contato lá, ganhei respaldo para fazer uma festa na comunidade, teatro, ganhei Bumba Meu Boi e ganhei Águas de Oxalá. Fizemos uma festa lá no alto do morro. A festa do Axé, a gente fez, protestando contra os 100 anos. Fiz um documento. Cem anos de farsa. E soltei aquele documento (...) projeto Coqueiro que veio dar outra direção, completamente contrário ao Sangue Novo. O objetivo era trabalhar com as crianças da comunidade culturalmente. (...) A gente patenteou Com a Boca no Mundo , é patenteado como jornal do Projeto Cultural Coqueiro. Porque a gente discutiu quem iria herdar. É um nome importante. Discuti com a comunidade, eu, P.Penha, quem estivesse lá (...) A gente absorveu, o projeto Cultural Coqueiro o Bocão . (...) Quem compõe o Projeto Cultural Coqueiro é a grande maioria do Movimento Sangue Novo. Nós estivemos com a maioria e a maioria em todo lugar do mundo tem prioridade. Quem pensou o Bocão ? Quem construiu o Bocão fomos nós, foi todo um coletivo de pessoas.” (Marcelino)

O Movimento Sangue Novo,“(...) ele serviu para nossa formação política. Tanto que depois, todos estes jovens, têm até hoje alguma atuação em algum movimento. A Rita Serpa hoje está de novo dando aula de ballet lá na Vila Cruzeiro através da Casa de Cultura 14. A Marilda está também voltando para Casa de Cultura. Eu estou dando a maior força para a Casa de Cultura, é o mandato que está pagando o aluguel de um espaço que a gente conseguiu na Praça São Lucas para ser a sede da Casa de Cultura O Marcelino está na coordenação de um projeto no GREIP. 15”(Marcelo) “(...)Ele bancou esse projeto...levando as crianças do morro...Porque o GREIP, antes do Marcelino também ninguém tinha acesso ao GREIP. Aqui alguém tinha acesso ao GREIP? Agora as crianças estão tudo lá, as crianças do morro estão lá, estão fazendo...Não é tão longe daqui mas por causa do preconceito, que ali tinha preconceito. O Marcelino entrou lá, quer dizer, pelo menos com esse.acabou. Agora, as crianças de lá com as crianças daqui que eles fazem junto, então tem chance deles verem que as crianças não mordem (...)Eles estão podendo ver que apesar das crianças morarem na favela eles não mordem, são crianças igual a outras qualquer, entendeu?” (P.Penha) Outros também continuam atuando na comunidade. “Fiquei conhecida. Aí começei, né? Segui praticamente sozinha, aqui na luta, sempre ajudando, entendeu? As pessoas sempre vindo a mim e aí eu...começei a aprender, né? Aí eu fui fazer curso, aí que eu fui estudar. Fui acabar de estudar mais, mais um pouquinho Não pude chegar onde que eu queria chegar mas.eu estou satisfeita. O meu sonho era ser assistente social.porque eu sempre gostei, assim, de lidar com as pessoas. É.poder ajudar e eu acho que um assistente social, ela ajuda muito as pessoas, informando. Então eu não pude realizar meu sonho, né, mas fui ser agente de saúde...”(P.Penha) Ao mesmo tempo, “o Marcelino, ele me deu a chance de trabalhar...Há muito tempo que ele queria que eu trabalhasse com ele mas eu achava assim que às vezes você não acha que você é capaz, né? (...)Aí o Marcelino veio, conversou comigo:

_ Vem 14

Inaugurada oficialmente em maio de 1995 e situada na Vila Cruzeiro , a Casa de Cultura objetiva se voltar para atividades culturais e de lazer da comunidade, como dança, capoeira, futebol, alfabetização de adultos, entre outras..

15

GREIP - Grêmio Recreativo do IAPI da Penha. Marcelino é o presidente da SOAGREIP, Sociedade dos Amigos do GREIP, entidade civil que participa da direção do GREIP. O Projeto Cultural Coqueiro que oferece oficinas culturais para as crianças das comunidades de Parque Proletário e Vila Cruzeiro está sendo atualmente executado através da SOAGREIP.

_ Marcelino, como é que eu vou? Meu marido não vai aceitar isso. _ Mas P. Penha, só você vai coisar lá.

Aí eu fui... ‘Marcelino, seja o que Deus quiser’, eu falei. Eu vou bancar essa. Fui sem falar nada com o meu marido. Quando o meu marido viu eu estava descendo com quarenta crianças. O primeiro dia que eu fui eu já levei quarenta crianças (...) Hoje em dia nós estamos com cento e quarenta crianças. Só daqui nós levamos sessenta crianças. (...)Você têm que tratar da criança, prá não deixar a criança ir prá rua porque depois que a criança tiver lá na rua, infelizmente...Eu acho que a criança virou comércio. Porque é muito difícil você tratar de uma criança já na rua. Então, o quê que você tem que fazer? Você tem que previnir, você tem que evitar que a criança vá prá rua. Então, eu acho que é fazendo esses trabalhos você está evitando da criança ir prá rua, entendeu? Eu acho que é um trabalho de prevenção, para você não deixar a criança ir prá rua (...) Às vezes,.eu sei que é ilusão mas eu acho que se você sempre passar coisas boas prá cabeça deles, que a cabeça da criança...ela sempre guarda aquelas coisa boa, sabe? Você procura motivar. Eu falo que lá é uma escola, que ali eles podem ter chance... A gente vai se apresentar no teatro. Eu falei: ‘Já pensou se lá tem um empresário, vê vocês dançando bem...e gosta? Ih, minha filha, aquilo motiva mais eles. Porque o sonho das crianças, pelo menos as que estão indo lá no projeto, é todo esse.” (P.Penha) Criando seus “próprios movimentos”, continuam ainda correndo atrás do que acreditam e construindo projetos: “A gente era muito jovem. E tinha a fome, né? A fome. A gente tinha fome de vida. Tinha não, eu tenho. (...) Eu nunca fui uma militante de..., nunca gostei de estar militando entre quatro paredes. Eu sempre gostei de estar no movimento vivo. O que está vivo hoje no Rio de Janeiro não é o movimento sindical, não é o popular, é a cultura, é o funk , o que tem de mais vivo. Por isso que eu estou no funk . É cheio de vida. Assim como naquela época a gente reúnia em assembléia 3000 moradores, hoje se a gente fizer alguma coisa aqui, a gente reúne 3000 funkeiros. Tem um desejo...O funkeiro, ele tem fome de vida. Os outros movimentos, eles envelheceram.(...) O Funk para mim é um resgate, né. Meu desejo é criar uma Associação de Funkeiros do Rio de Janeiro. Eles não tem. Todos maltratados. Eles escrevem errado naquele discurso formal e tal aí pedem para corrigir. (...) O rap é isso, quer dizer ritmo e poesia. Superpoético, cada frase belíssima, só que vem cheio de erro de português. Aí o pessoal fica discriminando: ‘não sabe nem escrever

direito’. Aí depois a música estoura e emplaca, os caras ganham mundos de dinheiro, e eles não ganham quase nada.(...) O funk tem 24 anos de história, desde o soul , já vinha o funk. Por que estourou agora? O pessoal teima que o funk é uma moda. Eu não te provo que eu não sei, não tenho nem conhecimento para isso mas eu tenho quase certeza absoluta que o funk não é moda. Ele foi parido em 24 anos de história, e é um povo, uma parte da população carioca que faz funk , a favela é que fez o funk. Para mim é que nem o samba, não vai cair. A renovação vai ser de geração em geração. (...) Eles formam opinião, eles fazem moda. Como se descobre que fulano, é um sucesso no mundo funk (...) Se a favela falasse na mídia, ela também ia formar opinião mas ela não fala. Não foi dada esta possibilidade. Então o funk está impondo isso.” (Luiza) Voltando os olhos para trás, sentem a mudança no quase imperceptível, no cotidiano: “(...) Eu era uma pessoa super fresca, duvido que eu usasse um copo de botequim. Eu começei a tomar tudo. Tinha umas bebidas esquisitas que eles serviam naqueles botecos e a gente bebia nas tendinhas. (...)Na época não bebia café, não bebia uma gota de café. E a gente chegava na casa das pessoas a noite. Eu subia e descia aquele morro umas oitocentas vezes por dia. E eu chegava na casa das pessoas e o que as pessoas iam oferecer para gente? Ela nos recebiam com uma alegria tremenda, né? E o que elas tinham para oferecer? O café. Eu passava mal, passava mal mesmo. Mas tomava. Imagina recusar o café!. O que elas tinham de mais precioso na casa delas. Eu aceitava e passava mal. Acabou que hoje eu bebo café. Pouquinho mas bebo”.( Josélia) Em suas vidas e em suas relações pessoais: “Sem o movimento, eu não mudaria (...)às vezes eu pego um retrato meu quando eu tinha 18 anos, eu me gosto mais agora...Eu vou fazer 44 anos em agostomas eu me gosto muito mais agora. Eu não tenho saudade de quando eu tinha 16 anos, quando eu tinha 18. Eu sei lá...Eu acho que minha hora é agora, que as coisas não aconteceram comigo...Engraçado, agora, depois dos 40 anos...Dizem que é a idade da razão, mas prá mim foi muito melhor...Foi a melhor época dos meus 40 anos prá cá, entendeu? Porque eu adquiri mais experiência, eu aprendi a falar de igual prá igual com ele...porque antes ele falava, eu abaixava,.eu não discutia,.eu não sabia discutir, sabe? Agora não, ele fala uma coisa...Ele diz que me estragaram, me deram uma lavagem cerebral! (...) O espelho não me apavora. Eu ainda olho no espelho ainda gosto do meu reflexo no espelho”(P.Penha) Relembram as atividades que lhes davam prazer, como o trabalho com as crianças e cultivam possibilidades:

“Poxa, se a gente tivesse , com a experiência que a gente adquiriu com o trabalho....Ia ser do cacete. Acho até que seria uma atividade que iria me mobilizar. É uma coisa que eu sinto falta, entendeu?”(Josélia) Mudam planos: “Eu também quero ser ouvida. Hoje eu não quero fazer faculdade. Queria fazer uma oficina literária, um curso da história do Brasil. Fazer assim coisas pontuais.” (Luiza) Olham o mundo, sentindo-o e apontam caminhos: “A tua dor é minha dor. Acho que é isso a humanidade desaprendeu a sentir dor. Qundo o Bertolucci foi filmar aquele filme O Pequeno Buda , é um cara marxista e tal. O jornalista perguntou para ele assim: ‘O que você aprendeu?’. ‘Eu aprendi o que é a palavra compaixão. Eu aprendi a sentir dor’. Eu acho que a esquerda desaprendeu a sentir dor. Assim: ‘eu não carrego água, tomo banho de chuveiro...’. Ela olha na janela. Ela está na janela, está olhando, a vida está passando, estão acontecendo coisas, ela olha...Porque desaprendeu a sentir. Você quando não sente a dor de um povo.(...) A esquerda brasileira não conhece a história de seu país, e quem não conhece a história de seu povo, não vai fazer a Revolução nunca.”(Luiza) E traçam sonhos: “Era tudo que eu queria: liberdade. Eu sonho muito que eu estou voando” (P.Penha)

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