Comentário ao texto \"Associações Secretas\" de Fernando Pessoa

Share Embed


Descrição do Produto

O texto "Associações Secretas" de Fernando Pessoa critíca a perseguição do Ministro José Cabral à Maçonaria; no documento a Maçonaria é referida como associação de índole secreta segundo a proposta de lei 1.901. O autor satiriza, da mesma forma como a maçonaria foi satirizada como associação secreta por Cabral, a própria Assembleia Nacional e que todos os seus constituintes deveriam ser presos por nela participarem; toda a mesa da Assembleia é equiparada à acção dos dominicanos durante a época da Inquisição.
É de fácil entendimento que o objectivo da lei proposta é erradicar os ritos iniciáticos que erradamente são chamados de associações secretas; o autor enumera várias associações que têm esses ritos: a Carbonária, a Ordem Templária de Portugal e a Loja Martinista, mas o alvo do projecto-lei é a Maçonaria. O projecto é fonte do desconhecimento de Cabral, igualado a um ser sem luz, profano e apenas conhecedor da Maçonaria "da imprensa chamada católica" que o autor afirma ser caluniosa, mentirosa e que deturpa os verdadeiros factos; o autor prova que a desinformação do ministro e da Assembleia chega ao ponto de ser propositada.
O desconhecimento e desinformação de certas matérias e assuntos levam a ideias e construções erróneas e que podem levar a consequências graves; o autor refere que não era maçon nem anti-maçon pois teria estudado certas obras de referência, formulando a sua opinião sobre a Ordem e afirmando que era dos poucos fora desta [Ordem] que saberia tanto sobre o assunto. O autor elucida o leitor que a Maçonaria não é uma associação secreta, mas sim uma ordem iniciática, embora também não revele essa diferença ao leitor, nem ao próprio Cabral, não entregando a luz que necessitaria para compreender os factos; mantem por isso uma "treva-visível". A Maçonaria é comparada com a Igreja primitiva aquando foi perseguida em Roma e que secretamente se reunia para "louvar a Deus", dando uso a sinais e símbolos próprios que apenas quem pertencesse [à Igreja] os descodificaria; portanto num primeiro plano não há nada de oculto na Ordem.
Qual seriam os problemas da aprovação do projecto-lei 1.901? O autor explica as consequências internas que o país poderia ter: o primeiro seria nenhum, o Grande Oriente Lusitano deixa de existir oficialmente, mas o seu espírito não seria derrubado; o segundo problema advém da proibição tal como aconteceu noutros países europeus – desde a queda de governos, aumento numérico de "associados" e dificuldades dentro de partidos. O autor refere que o terceiro problema caberia na decisão de Cabral e que este teria que perseguir e inquirir o seu próprio governo, oficiais e função pública, já que muitos deles preferiam manter o seu voto na Ordem que acreditam e perder o seu posto de trabalho, e por consequência gerar-se uma onda de desemprego numa população, tão devota a Deus, que poderia gerar conflitos internos. Por outro lado no desemprego que já existia, a expulsão de maçons dos órgãos do governo, exército, marinha e função pública daria oportunidade aos que ainda se mantêm no desemprego de retornarem a trabalhar. Nas consequências externas, como já foram referidas pelo autor, a aprovação da lei levaria à descredibilização de Portugal no estrangeiro, principalmente por Inglaterra. É explicado ao leitor que a Maçonaria não toma qualquer posição política ou religiosa específica, mas sim, têm os homens que compõem as Lojas, e o que as une é o "espírito ritualista" e o espírito de comunidade o que torna impossível o desaparecimento da Maçonaria com uma lei.
Novamente o autor refere que Cabral, em conjunto com a Assembleia, e a sua lei que deseja aprovar só demonstra que esta última é fruto da própria ignorância a que se "auto-sujeita", sem desejar receber a "pouca luz" que está à vista de todos os profanos. O autor acaba por ir contra a sua ideia inicial e, por não encontrar outra forma, explica de forma simplista a Maçonaria: o seu elemento iniciático, o elemento fraternal e o elemento humano.É nos primeiros elementos que reside o espírito maçónico e que une internacionalmente [a Maçonaria]; no último elemento é onde reside a Maçonaria e as suas diferentes vertentes, sendo que os homens que a compõem têm diferentes credos, "inteligência e cultura", mas que são unidos pela tolerância, sem doutrinas universais mas sim individuais desde do "panteísmo de Oswald ao misticismo cristão de A. Edward Waite". O principal erro de quem se afirma anti-maçon é "tomar o todo pela parte", ou seja, tomar os erros e declarações de um particular e com isso definir toda uma Ordem. O erro que dá seguimento ao primeiro é afirmar que toda a Maçonaria age de igual forma pelo Mundo. O autor aponta esse erro e explica que se dão mudanças de país para país e de ordem para ordem, dependendo do meio que a rodeia e principalmente de acordo com as circunstâncias políticas da época e na sociedade.
Ao separar o trigo do joio, Pessoa afirma que a Maçonaria teve casos que deviam ser considerados: o acolhimento de jesuítas, aquando da sua perseguição na Europa, na Prússia no séc. XVIII; a vitória de Waterloo e por último, a vitória dos Aliados na I Guerra Mundial com a Entente Cordiale.
Por fim, o autor pede a Cabral que deixe os assuntos sérios para quem os entenda. E aqueles que se afirmam anti-maçons escrevam, falem e publiquem na imprensa o que bem desejarem seguindo os passos de Ludwig Greinemann, padre dominicano, que em Aachen em 1779 afirmou "que Herodes e Pilatos eram Vigilantes de uma Loja em Jersulalém".
O texto termina com um convite do autor, dirigido a José Cabral, para passarem o dia 13 de Fevereiro em Fátima com alguns elementos, aludindo à similaridade da data em que João Franco estabelecia a pena de morte.


Nota 1 – O projecto-lei 1.901 que José Cabral levou a Assembleia Nacional, onde proíbe as Sociedades Secretas, acabaria por ser aprovado a 6 de Abril de 1935, como já tinha referido no comentário exposto.
O carácter caricaturista do texto traz ao leitor a verdade sobre a repressão de um governo "ignorante" e desinformado, mas também a força de uma organização tolerante.

Nota 2 – Em 1937, dois anos depois da aprovação desta lei, dá-se o atentado a Salazar. José Cabral tenta repor em lei a pena de morte apresentando em Assembleia o "Retorno da Pena de Morte e Castigos Corporais Perpétuos" que acabou por ser chumbada. O texto de Fernando Pessoa alude a essa ideia, no seu último parágrafo, como se profetizasse o que do governo repressor viria.
História da Maçonaria em Portugal (sécs. XIX e XX)
Maria do Rosário Figueira Roldão Rocha da Silva
Nº 52219
Comentário ao texto Associações Secretas de Fernando Pessoa
27 de maio de 2015





Foi autor do projecto de lei 1.901 o Ministro José Cabral (José Pereira dos Santos Cabral), decorria o ano 1935 e foi aprovado em Assembleia Nacional a 6 de Abril do mesmo ano. Dois dias antes, prevendo-se esta perseguição e aprovação da lei 1.901, Norton de Matos demite-se do cargo de Grão-Mestre. De 21 de Abril a 7 de Novembro de 1974 a Ordem é banida e o Grémio Lusitano ocupado.
É de ter em conta, que José Cabral antes de ser deputado pela Assembleia Nacional, teve vários cargos em instituições de correcção e justiça, entre os quais Presidente e Director da Associação do Patronato das Prisões, Director dos Serviços Prisionais e Director dos Serviços de Acção Social e Política da Legião Portuguesa, portanto a sua perseguição será contínua durante todo o Estado Novo.
Pessoa enumera, no texto, vários autores europeus e internacionais que conhecem a Maçonaria e um padre jesuíta que escreveu sobre o mesmo assunto.
O simbolismo de Luz e Treva mantêm-se ao longo do texto; o profano encontra-se nas trevas até ser iniciado na Ordem onde irá receber a luz – a mesma tem o significado do conhecimento.
Como é natural são Homens que compõem a Ordem, cada um com o seu livre pensamento e com maior ou menor influência no seu paíss dependendo dos cargos que desempenha (médicos, deputados ou ministros).
Esta sátira refere-se ao Almirante João de Azevedo Coutinho também Grão-Mestre Adjunto.
A Maçonaria tem disseminado pelo Mundo e pela Europa inúmeros aderentes à causa, com ordens com maior ou menor importância entre si, que se inter-relacionam, onde se inclui a Grande Loja de Inglaterra da qual a Maçonaria Portuguesa tem grandes relações – tanto com a Ordem, mas também com alguns dos seus membros, principalmente aqueles que compõem a Monarquia Inglesa com quem temos um tratado [o de Windsor] ainda em vigor.
É-nos exemplificado o caso húngaro em que, com a proibição da Maçonaria, foi vetado o auxílio monetário americano no pós-guerra.
Estes três elementos, principalmente o último, estão directamente sujeitos ao meio que os rodeiam: o país, a época e os acontecimentos histórico-sociais.
Ver nota 5, onde esta ideia já foi referida.
A Entente Cordiale, celebrada entre a Inglaterra e a França, precede a Tríplice Entente que garantiu a vitória dos Aliados.
Charles Whitlock Moore, The Freemason's Monthly Magazine, vol. III, 1844
Pessoa confunde esta data com a lei de 13 de Fevereiro "Deportação para Timor os professos anarquistas" com a publicação da mesma época de um artigo do código de Justiça Militar que propõe a pena de morte por crimes políticos. Este erro é reconhecido pelo autor após a publicação do texto, mas afirmou ser de menor importância.
[Escreva o título do documento]
[Escolha a data]

Lihat lebih banyak...

Comentários

Copyright © 2017 DADOSPDF Inc.