Comentário ao Texto de Isabel Guerra \"Porque não se revoltam os pobres?\"

June 8, 2017 | Autor: Isabel Pato | Categoria: Poverty, Social and Urban Policy
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Porque não se revoltam os pobres? (Isabel Guerra) Comentário Isabel Pato Os contributos de Isabel Guerra dão muitas pistas para responder a esta questão. Como sugere a autora, é necessário perspetivar a pessoa pobre na sua experiência de vulnerabilidade (o tropeçar em vulnerabilidades - Desemprego, Doença, Divórcio/separação). Os contributos aqui apresentados sobre as estratégias de sobrevivência, a avaliação de capacidades, o silenciamento das necessidades e os modos de construção da confiança e da vida coletiva são muito valiosos como ferramentas conceptuais e de ação, e absolutamente necessários na realidade portuguesa atual. A pobreza como problema societal remete para os mecanismos de ativação da mudança. Na ação de combate à pobreza estamos claramente no campo da intencionalidade política (ainda que não necessariamente dentro de qualquer aparelho) nas suas diferentes escalas, sendo a escala local incontornável. Mas é necessário, como se sugere, encontrar outras formas de colocar a dimensão individual e coletiva do problema da pobreza. Esta é também uma questão de qualidade de democracia. Soulet ajuda-nos a abordar e desenvolver o “entre dois” na relação entre educador / agente e pessoa em situação vulnerável. O que sabemos para intervir e sobre que pressupostos vimos agindo? Nesta escala surgem questões como: Como se operam as relações reciprocas no quadro de programas de ação? Qual o lugar para a dimensão intersubjetiva no combate à pobreza? Quais os conteúdos da mudança? Sobre os desafios colocados registo algumas ideias que retiro da minha investigação. Nos bairros onde se implementam políticas públicas territorializadas, os mecanismos (programas) de ativação da mudança foram objeto de um crescente interesse político e académico. A atuação através de projetos pessoais ou territoriais de combate à pobreza é mais tardia em Portugal em relação aos países da Europa Ocidental. Concebidas no quadro da UE, as políticas territorializadas têm merecido grande atenção nos formatos de implementação e funcionamento. São concebidas dentro de uma matriz auditoriável, a mesma matriz que utilizamos para as avaliar. Os projetos servem propósitos de consecutividade e reprodutividade que muitas vezes comprometem os seus objetivos. Aqui reside uma primeira quebra na ação coletiva, na ação – rede para a mudança. Simultaneamente, apesar da crise do Estado social, para os mais vulneráveis, a imbricação Cidadão Estado tende a intensificar-se e a diversificar-se. Este não é aliás um exclusivo dos mais vulneráveis. Multiplicam-se as categorias de “utentes”, num processo que não é novo. Há muito existe nas relações laborais. Esta matriz auditoriável promove uma intervenção caso a caso, é atomizantei. Inscritos em categorias, passamos a integrar sistemas socio tecnológicos com efeitos disjuntivos. Estes processos de categorização e os seus sistemas operativos são em si mecanismos de disjunção do coletivo. Estas novas formas de relação Estado – Cidadão não foram ainda perspetivadas no seu conjunto. Nelas reside uma segunda quebra da ação – rede onde se dá a mudança. Uma terceira quebra no que “pode fazer a diferença” está na dimensão do poder. Até que ponto a intervenção territorializada promove o aperfeiçoamento democrático? Talvez desperdicemos oportunidades de atuar sobre o empoderamento porque evitamos a dimensão política, precisamente a que integra a mudança nas formas de estar no mundo.

A revolução, ou apenas a mudança civilizacional, é o culminar e não um começo de um reequilíbrio de forças, de um romper com as relações prévias de poder. Não há mudança societal / civilizacional sem a valorização da pessoa e dos coletivos que ela integra. Indiscutivelmente é uma questão de desenvolvimento. É por isso uma também uma questão de educação, de aprendizagem da cultura democrática. A cultura como prática na realização do Eu na relação com os outros. Isso passa pela construção de uma identidade, mas também de um posicionamento. Como realizar uma ação de combate à pobreza que nos sirva nestes propósitos? A intervenção em coletivo passa pela possibilidade de (re)definição “do que faz a diferença no contexto”. Voltamos à apresentação: o restabelecimento da confiança é central, a confiança nas organizações e na relação com elas. Mas numa situação de vulnerabilidade a confiança passa também pela valorização da pessoa, na promoção da sua realização pessoal, desde a “imediatamente possível” à mais programada. O processo de ativação simultânea da pessoa e do que chamamos “oportunidades” está nesta possibilidade de ação em cadeia. Para superar alguns obstáculos às parcerias sociais e económicas teremos que voltar ao estudo das organizações, das práticas nas organizações. Intuo que, mais fora que dentro dos bairros, existem já algumas experiências interessantes de coletivos que trabalham para o restabelecimento da confiança, experiências que seria interessante sistematizar. A ação social toma nestas experiências os contornos de uma ação comunitária e sustenta-se em outros (novos?) pilares de ação: transgeracionalidade, construção e partilha de espaço, troca de saberes que já estão no coletivo, procura de possibilidades de ação conjunta… *** E sim, os pobres revoltam-se. Os pobres revoltam-se Uns contra os Outros, contra aqueles com quem “contavam”, contra os que se atravessam nas suas vidas para os normalizar. Revoltam-se porque vivem doses incomensuráveis de stress e dificuldades imensas de afirmação. Mas essa revolta é desgastante e disjuntiva. Revoltam-se também quando são socialmente depreciados, como no caso da racaille de Sarkozy. Jovens pobres, sim. Revoltam-se quando foram educados para ter expetativas. Revoltam-se quando a educação (a formal e a outra) lhes promete a possibilidade de um amanhã melhor, que veem frustrado. Revoltam-se quando excluídos do progresso, quando a projeção mediática lhes envia uma existência de grupo em deficit, demonizado. Revoltam-se perante o desemprego e a impossibilidade de autonomização, ou quando os seus educadores (elos de facilitação / ativação da sua inscrição em certas categorias sociais) são retirados das suas vidas, como aconteceu em meados da primeira década imediatamente a seguir aos cortes nos projetos da política de cidades. fev. 2016

aqui o avatar é o conselheiro para o “desempregado de longa duração com menos de 25 anos”, que atende o jovem no seu gabinete. i

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