Comentário sobre Política de Imigração do Reino Unido (2015)

July 14, 2017 | Autor: Ana Rita Gil, PhD | Categoria: Immigration, Immigration Law, Undocumented Immigration
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Reino Unido: Sinal Vermelho para os Direitos Humanos
São cerca de 300 mil os imigrantes em situação ilegal no Reino Unido. O Primeiro-Ministro Cameron vinha já sendo criticado por não ter cumprido as promessas de diminuição desse número. Pretendendo corresponder ao voto de confiança do eleitorado, avançou com uma série de propostas destinadas a «tornar o Reino Unido um destino menos atraente para a imigração ilegal».
É certo que qualquer país quer controlar quem entra e quem permanece nos seus territórios. Por outro lado, a imigração ilegal acarreta um dos maiores fenómenos de escravatura dos tempos modernos. O objetivo de diminuição da mesma é, pois legítimo. Mas serão as medidas propostas equilibradas?
1) O objetivo central é claramente diminuir os fluxos de imigrantes. Esta mensagem surge num contexto em que as correntes de xenofobia na Europa estão «em nível alto». O imigrante é visto como aquele que traz criminalidade, ou até mesmo terrorismo, ou que vem roubar os empregos dos europeus e contribuir para o agravamento da crise económico-financeira. No entanto, está por demais demonstrado que a Europa necessita de imigrantes, face ao envelhecimento da população, ao dinamismo laboral que os estrangeiros trazem, às suas contribuições para as contas públicas e para a segurança social. No entanto, esses estudos permanecem esquecidos numa Europa receosa de perder a sua identidade. Ora, o discurso de Cameron vai, precisamente, ao encontro destes sentimentos populares. Ao invés de os combater, alimenta-os, instigando a que se olhe para o imigrante como o inimigo invasor. «Dê-se aos britânicos as qualificações necessárias para trabalharem nos setores mais dependentes da imigração», diz ele, como quem clama: «Não precisamos deles para nada!»
2) A segunda palavra de ordem do programa britânico é criminalizar. A União Europeia já obriga à penalização do tráfico de imigrantes, bem como das formas mais graves de emprego ilegal. A novidade aqui é a transformação, em criminoso, do próprio trabalhador em situação ilegal. E um criminoso sem garantias. Ele poderá ficar sujeito a uma «condenação sumária» e a uma multa que pode ser ilimitada. Garantias do processo criminal tão antigas como as da Magna Carta ficaram, portanto, reservadas para os cidadãos nacionais. Mas mais. Os salários desses trabalhadores poderão ser confiscados. Trata-se de uma proposta feita completamente ao arrepio da norma europeia na matéria, que garante aos trabalhadores em situação ilegal os créditos laborais. Os salários dos trabalhadores são fruto do seu trabalho, destinam-se à sua sobrevivência e à da sua família. Nenhum interesse público de luta contra a imigração ilegal poderá prevalecer face a um direito a viver condignamente, garantido pelo produto do trabalho das pessoas.
3) Destaco ainda mais uma medida: o direito de expulsar primeiro, e de recorrer depois. «Expulse-se primeiro, pergunte-se depois», eis uma nova prerrogativa da Coroa. Mas o governo de Cameron parece esquecer-se desse inconveniente, tão pouco prático, que é o respeito pelos direitos da pessoa humana. É que a Convenção Europeia dos Direitos Humanos garante a todos o direito a um recurso judicial efetivo, o que pode, em certos casos, exigir efeitos suspensivos do recurso. A Convenção tem desenvolvido, assim, a ideia inversa do «pergunte-se primeiro, expulse-se depois».
E eis que surgem as primeiras tentativas de o Reino Unido se desvincular dessa Convenção. Propõe que as decisões do seu Supremo Tribunal prevaleçam sobre as do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem. É o Reino Unido a querer ter a última palavra em matéria de direitos humanos, numa época em que na Europa se vive uma crise económica, o medo do terrorismo, as propagandas extremistas e dramas humanitários gravíssimos. E em que, por isso, mais do que nunca seria necessária uma posição firme de afirmação dos direitos humanos de todos. Esquece-se, porém, o Reino Unido, que assinou também a Carta Social Europeia, o Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos e outras convenções das Nações Unidas - cuja jurisprudência tem caminhado na afirmação da universalidade dos direitos de todas as pessoas, incluindo dos imigrantes em situação ilegal. Todos esses instrumentos obrigam a que estes sejam tratados como pessoas dotadas de dignidade plena, com família, laços, histórias de vida, e o direito a serem ouvidos sobre tudo isso. Nenhum deles permite que se lide com o fenómeno da imigração ilegal como se se lutasse contra invasões de tropas inimigas.
Diz Cameron que «um país forte é um país que controla a imigração». Eu diria: um país forte é um país que gere a imigração de forma sábia e tolerante, não negando as suas tradições garantísticas, nem abdicando do respeito pela pessoa humana. UK is no country for foreing Men.

Ana Rita Gil


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