COMENTÁRIOS AO PACTO INTERNACIONAL DOS DIREITOS ECONÔMICOS, SOCIAIS E CULTURAIS

July 18, 2017 | Autor: Livia Gaigher | Categoria: Direitos Humanos, Direito Internacional dos Direitos Humanos
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Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)

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Comentários ao Pacto Internacional dos Direito Econômicos, Sociais e Culturais/ Wagner Balera e Vladmir Oliveira da Silveira (coord.)/ Mônica Bonetii Couto (org.) - Curitiba - Clássica, 2013. 23 cm. Inclui bibliografia e índice ISBN 978-85-99651-77-3 1. Direito Internacional 2. Direitos Humanos CDU: 340

EDITORA CLÁSSICA Conselho Editorial

Alexandre Walmott Borges Daniel Ferreira Elizabeth Accioly Everton Gonçalves Fernando Knoerr Francisco Cardozo de Oliveira Francisval Mendes Ilton Garcia da Costa Ivan Motta Ivo Dantas Jonathan Barros Vita José Edmilson Lima Juliana Cristina Busnardo de Araujo Leonardo Rabelo Lívia Gaigher Bósio Campello Lucimeiry Galvão Luiz Eduardo Gunther

Equipe Editorial Editora Responsável: Verônica Gottgtroy Produção Editorial: Editora Clássica Revisão: Lara Bósio Capa: Editora Clássica

Luisa Moura Mara Darcanchy Massako Shirai Mateus Eduardo Nunes Bertoncini Nilson Araújo de Souza Norma Padilha Paulo Ricardo Opuszka Roberto Genofre Salim Reis Valesca Raizer Borges Moschen Vanessa Caporlingua Viviane Coelho de Séllos-Knoerr Vladmir Silveira Wagner Ginotti Wagner Menezes Willians Franklin Lira dos Santos

Wagner Balera Vladmir Oliveira da Silveira Coordenadores

Mônica Bonetti Couto Organizadora

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2013 São Paulo - SP

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Sobre os autores Adriana Silva Maillart Doutora e Mestre pela Universidade Federal de Santa Catarina – UFSC. Professora Permanente do Programa de Mestrado em Direito da Universidade Nove de Julho – UNINOVE. Coordenadora do Curso em Direito da UNINOVE.

Adriano Stagni Guimarães Mestrando e Bacharel em Direito pela PUC/SP. Advogado.

Alexandre Cardeal de Oliveira Arneiro Bacharel em Direito pela PUC-SP, com extensão na Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, e Bacharelando em Ciências Sociais pela USP. Assistente voluntário na disciplina Direito Internacional Público, na PUC-SP. Advogado.

Ana Carolina Souza Fernandes Mestranda em Direito com Ênfase em Relações Econômicas Internacionais pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC/SP). Pós-graduada em Direito Civil pela FADISP. Pós-graduada em Direito dos Contratos e Direito Societário (L.LM) pelo Insper – Instituição de Ensino e Pesquisa (antigo IBMEC). Bacharel em Direito pela Faculdade Autônoma de Direito (FADISP).

André Vinícius da Silva Machado Mestrando em Direito (Área de Concentração: “Justiça, Empresa e Sustentabilidade) pela UNINOVE. Graduado em Direito pelas Faculdades Metropolitanas Unidas – UNIFMU. Advogado. Andrés Felipe T. S. Guardia Doutor em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Professor/ pesquisador Convidado da Faculdade de Direito da Universidad Complutense de Madrid. Desenvolve pesquisas junto a instituições brasileiras e estrangeiras sobre Direitos Humanos, Proteção de Dados e Direitos de Internet.

Antônio Márcio da Cunha Guimarães Doutor e Mestre em Direito Internacional pela PUC/SP, Professor AssistenteDoutor da PUC/SP, Membro da UJUCASP – União dos Juristas Católicos de São Paulo e Membro da APD – Academia Paulista de Direito. Autor de livros jurídicos. 5

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Arianna Stagni Guimarães Doutora e Mestre em Direito Constitucional pela PUC/SP, Professora das Faculdades Integradas Rio Branco – Fundação de Rotarianos de SP, Membro da UJUCASP – União dos Juristas Católicos de São Paulo. Autora de livros jurídicos.

Carolina Alves de Souza Lima Doutora e Mestre em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Possui Livre-Docência pela mesma Instituição. Atualmente é professora assistente mestre da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo.

Cláudio Finkelstein Doutor em Direito pela PUC/SP. Mestre em Direito Internacional - University of Miami. Professor Livre Docente de Direito Internacional da PUC/SP, Coordenador da Sub-Área de Direito Internacional do Pós-Graduação da PUC/SP.

Clóvis Gorczevski Doutor em direito (Universidad de Burgos, 2001), pós-doutor em direito (CAPES – Universidad de Sevilla, 2007), pós-doutor (CAPES – Fundación Carolina – Universidad de La Laguna, 2010). Professor do PPGD da Universidade de Santa Cruz do Sul – UNISC. Advogado.

Cristiana Eugenia Nese Mestranda em Direito (Área de Concentração: “Justiça, Empresa e Sustentabilidade”) pela UNINOVE. Graduada em Direito pela Universidade Paulista-UNIP. Advogada.

Daisy Rafaela da Silva Doutora em Direito pela Universidade Metropolitana de Santos. Mestre em Direitos Difusos e Coletivos pela Universidade Metropolitana de Santos. Professora da Graduação e do Programa de Mestrado em Direito do Centro Universitário Salesiano de São Paulo (UNISAL).

Daniel Francisco Nagao Menezes Advogado, Mestre (Mackenzie) e Doutorando (Mackenzie) em Direito Político e Econômico, Professor da Graduação da Universidade Presbiteriana Mackenzie, campus Campinas. 6

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Daniel Pulino Professor de Direito Previdenciário da PUC/SP, Doutor e Mestre em Direito Previdenciário pela mesma instituição. Procurador Federal.

Eduardo Dias de Souza Ferreira Doutor e Mestre em Direito das Relações Sociais pela PUC/SP – Promotor de Justiça em São Paulo.

Felipe Chiarello de Souza Pinto Doutor (PUC/SP) e Mestre (PUC/SP) em Direito, Professor do Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu em Direito Político e Econômico da Universidade Presbiteriana Mackenzie. Advogado.

Flávia de Ávila Doutora em Direito Público pela PUC/MG, Mestre em Direito e Relações Internacionais pela UFSC, professora e pesquisadora da Universidade FUMEC, editora da Meritum, Revista de Direito da Universidade FUMEC.

Frederico da Costa Carvalho Neto Doutor e Mestre pela PUC/SP, Professor Permanente do Programa de Mestrado em Direito da Uninove, Professor Assistente Doutor da PUC/SP, Advogado.

Frederico Eduardo Zenedin Glitz Doutor e Mestre em Direito (UFPR). Professor Convidado do Programa de Mestrado do Centro Universitário Curitiba - UNICURITIBA. Advogado.

Gina Vidal Marcílio Pompeu Doutora em Direito Constitucional pela Universidade Federal de Pernambuco. Mestre em Direito e Desenvolvimento pela Universidade Federal do Ceará. Coordenadora e professora do Programa de Pós-Graduação em Direito Constitucional, Mestrado e Doutorado da Universidade de Fortaleza. Coordenadora do Centro de Estudos Latino-Americanos – CELA, da Universidade de Fortaleza..Consultora Jurídica da Assembleia Legislativa do Estado do Ceará.

Grasiele Augusta Ferreira Nascimento Pós-Doutoranda em Direito pela Universidade de Coimbra/Portugal. Doutora em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC/SP). 7

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Coordenadora do Programa de Mestrado em Direito do Centro Universitário Salesiano de São Paulo (UNISAL). Professora do Curso de Direito do Centro Universitário Salesiano de São Paulo (UNISAL), professora Assistente Doutora da Faculdade de Engenharia de Guaratinguetá (FEG/UNESP). Membro da Academia de Letras de Lorena (ALL).

José Francisco Siqueira Neto Mestre (PUC-SP) e Doutor (USP) em Direito, Professor Titular e Coordenador do Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu em Direito Político e Econômico da Universidade Presbiteriana Mackenzie. Advogado.

Lívia Gaigher Bósio Campello Doutora em Direito das Relações Econômicas e Internacionais pela PUC-SP. Advogada em São Paulo e professora universitária.

Manoel Valente Figueiredo Neto Doutorando em Direito Constitucional pela Universidade de Fortaleza. Mestre em Políticas Públicas pela Universidade Federal do Piauí. Tabelião e Registrador de Imóveis em Camocim, Ceará.

Marcelo Benacchio Doutor e Mestre pela PUC/SP. Pós-doutorando pela Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa. Professor Permanente do Programa de Mestrado em Direito da Universidade Nove de Julho. Professor Convidado da Pós Graduação lato sensu da PUC/COGEAE e da Escola Paulista da Magistratura. Prof. Titular de Direito Civil da Faculdade de Direito de São Bernardo do Campo. Associado Fundador do Instituto de Direito Privado. Juiz de Direito em São Paulo.

Maria Stella Gregori Mestre em Direito das Relações Sociais pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo - PUC/SP - Professora nas disciplinas de Direito do Consumidor e de Direitos Humanos da PUC/SP - Foi Diretora da Agência Nacional de Saúde Suplementar - ANS - Advogada. María Méndez Rocasolano Doutora em Direito Constitucional Full Bright (Harvad). Especialista em Direitos Humanos. Docente da UCAM, España. 8

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Mônica Bonetti Couto Doutora e Mestre pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo – PUC/SP. Professora do Programa de Mestrado em Direito da Universidade Nove de Julho. Advogada em São Paulo.

Orides Mezzaroba Doutor e Mestre pela Universidade Federal de Santa Catarina - UFSC. Possui Pós- Doutorado junto à Universidade de Coimbra - Portugal. É professor nos Programas de Graduação e Pós-Graduação em Direito da Universidade Federal de Santa Catarina. Professor colaborador no Programa de Mestrado em Direito da UNINOVE. Pesquisador de Produtividade do CNPq.

Paola Cantarini Mestranda em Direito Comercial pela PUC/SP. Possui graduação em Direito pelo Centro Universitário das Faculdades Metropolitanas Unidas, especialização em Direito Constitucional pela ESDC – Escola Superior de Direito Constitucional, em Direitos Humanos e Direito Internacional pela Faculdade Salesiano. É advogada e professora universitária.

Roberta Soares da Silva Doutoranda em Direito Previdenciário pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, professora da Escola Paulista de Direito e do Instituto Brasileiro de Estudos Previdenciários. Advogada.

Roberto Senise Lisboa Doutor em Direito. Livre-Docente em Direito Civil pela USP. Professor de Direito Internacional da PUCSP. Professor Emérito de Direito Civil e Direito do Consumidor e Coordenador do Curso de Direito das FMU. Promotor de Justiça do Consumidor em São Paulo.

Rogério Gesta Leal Doutor em Direito pela UFSC. Professor do PPGD da Universidade de Santa Cruz do Sul Desembargador do Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul.

Samantha Ribeiro Meyer-Pflug Doutora e Mestre em Direito do Estado da PUCSP. Professora Pesquisadora do Mestrado em Direito e Coordenadora do Curso de Graduação em Direito da 9

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UNINOVE. Membro do Conselho de Estudos Avançados da FIESP e do Conselho Superior de Direito da FECOMÉRCIO. Advogada.

Samyra Dal Farra Naspolini Sanches Doutora em Direito pela PUC/SP. Mestre em Direito pela UFSC. Professora Permanente do Mestrado em Direito da UNINOVE. Professora Colaboradora do Mestrado em Direito do UNIVEM.

Valesca Raizer Borges Moschen Doutora em Direito pela Universidade de Barcelona. Professora da Universidade Federal do Espírito Santo UFES. Coordenadora PPGDIR UFES.

Vanessa Toqueiro Ripari Mestranda em Direito (Área de Concentração: “Justiça, Empresa e Sustentabilidade”) pela UNINOVE. Graduada em Direito pela Faculdade de Direito de São Bernardo do Campo – FDSBC.

Viviane Coêlho de Séllos-Knoerr Doutora e Mestre em Direito (PUC/SP). Coordenadora e Professora do Programa de Mestrado do Centro Universitário Curitiba - UNICURITIBA. Advogada.

Vitor Geromel Mestrando em Direito Internacional pela Faculdade de Direito da USP. Membro do Núcleo de Estudos em Tribunais Internacionais da USP (NETI-USP). Secretário da Academia Brasileira de Direito Internacional (ABDI). Bolsista do The Ryoichi Sasakawa Young Leaders Fellowship Fund (Sylff) Program.

Vladmir Oliveira da Silveira Doutor em Direito pela PUC-SP. Pós-doutor em Direito pela UFSC. Diretor do Centro de Pesquisa em Direito da UNINOVE, professor de Direitos Humanos da UNINOVE, professor de Direito Internacional e Direitos Humanos da PUCSP. Presidente do Conselho Nacional de Pesquisa e Pós-Graduação em Direito - CONPEDI. Advogado em São Paulo.

Wagner Balera Doutor e Mestre pela PUC/SP. É Livre-Docente em Direito Previdenciário pela mesma Instituição. Atualmente é Professor Titular de Direitos Humanos; 10

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Coordenador da Sub-Área de Direito Previdenciário e Lider do Núcleo de Capitalismo Humanista na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo.

Wagner Menezes Doutor. Livre-docente em Direito Internacional com pós-doutorado na Universidade de Padova –Itália. Professor Associado do Departamento de Direito Internacional e Comparado da Faculdade de Direito da USP. Professor Permanente do Programa de Mestrado em Direito da UNINOVE.

Willis Santiago Guerra Filho Livre Docente em Filosofia do Direito pela Universidade Federal do Ceará Doutor em Ciência do Direito pela Universidade de Bielefeld, Alemanha. Doutor em Filosofia pela Universidade Federal do Rio de Janeiro. Professor Titular na Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro. Professor de Filosofia do Direito no Programa de Estudos Pós-Graduados em Direito da PUC, São Paulo.

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Sumário APRESENTAÇÃO À OBRA ................................................................... PREÂMBULO .......................................................................................... ARTIGO 1º ............................................................................................... ARTIGO 2° ............................................................................................... ARTIGO 3º ............................................................................................... ARTIGO 4º ............................................................................................... ARTIGO 5º ............................................................................................... ARTIGO 6º ............................................................................................... ARTIGO 7º ............................................................................................... ARTIGO 8º ............................................................................................... ARTIGO 9º ............................................................................................... ARTIGO 10º.............................................................................................. ARTIGO 11º.............................................................................................. ARTIGO 12º.............................................................................................. ARTIGO 13º.............................................................................................. ARTIGO 14º.............................................................................................. ARTIGO 15º.............................................................................................. ARTIGO 16º.............................................................................................. ARTIGO 17º.............................................................................................. ARTIGO 18º.............................................................................................. ARTIGO 19º.............................................................................................. ARTIGO 20º.............................................................................................. ARTIGO 21º.............................................................................................. ARTIGO 22º.............................................................................................. ARTIGO 23º.............................................................................................. ARTIGO 24º.............................................................................................. ARTIGO 25º.............................................................................................. ARTIGO 26º.............................................................................................. ARTIGO 27º.............................................................................................. ARTIGO 28º.............................................................................................. ARTIGO 29º.............................................................................................. ARTIGO 30º.............................................................................................. ARTIGO 31º..............................................................................................

15 17 27 39 55 83 101 111 129 139 151 169 181 201 213 225 239 273 283 293 311 321 335 335 343 349 357 369 377 387 399 407 415

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Apresentação A ideia de reunir juristas e professores em torno das especificidades e nuances do Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, projeto este encabeçado pelo Núcleo de Direitos Humanos da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), recebeu rápida acolhida. Dois fatores se mostraram absolutamente fundamentais no imediato aceite no meio acadêmico e editorial. Em primeiro lugar, à vista da trajetória pessoal e acadêmica de seu idealizador, o professor Wagner Balera, baluarte do estudo dos Direitos Humanos no Brasil. Trata-se do primeiro professor titular em Direitos Humanos no Brasil, com reconhecida atuação em prol do desenvolvimento dos estudos da pós-graduação no Brasil e com uma plêiade de seguidores e discípulos. Em segundo porque, no campo do Direito Internacional dos Direitos Humanos, o Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, assinado em 1966 na XXI Assembleia Geral das Nações Unidas - conquanto importante ferramenta que reconhecidamente atribuiu força vinculante pela visão voluntarista aos direitos já previstos na Declaração Universal dos Direitos do Homem de 1948, conferindo-lhes concretude por meio de um sistema de responsabilização internacional – carecia de um estudo sistematizado e pormenorizado, como o que se agora propõe. O projeto que aqui se inaugura com os Comentários ao Pacto Internacional sobre Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, de maneira mais ampla e em um futuro muito próximo, reunirá pesquisadores de todo o País dispostos a dissecar os principais aspectos – tanto de ordem teórica e quanto prática – de vários Tratados Internacionais concernentes ao reconhecimento e efetivação dos Direitos Humanos, justamente à vista da indivisibilidade e interdependência dos direitos humanos. Nesse diapasão, a presente obra tem por objetivo apresentar comentários contextuais e jurídicos ao Pacto Internacional sobre Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, artigo por artigo, procurando munir o estudioso dos Direitos Humanos de uma importante ferramenta. Nesse viés, estes Comentários ao Pacto Internacional dos Direitos Sociais, Econômicos e Culturais pretendem servir de subsídio não apenas aos estudiosos da área de formação dos Direitos Humanos, mas para a sociedade brasileira como um todo. 15

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Os comentários, aqui reunidos, permitem um estudo detalhado do Pacto, oferecendo ao leitor a oportunidade de conhecer o estado da arte sobre a problemática que cada artigo suscita no cotidiano dos povos e dos Estados. Mas não apenas. Alguns dos mais relevantes problemas práticos verificados em torno da interpretação e aplicação dos dispositivos aqui comentados são também objeto de atenta reflexão. Não podemos deixar de consignar, nesse sentido, os meus mais sinceros agradecimentos a todos os autores, comprometidos professores e pesquisadores, que colaboraram para a realização deste projeto, e que merecem ser nomeados: Adriana Silva Maillart, Adriano Stagni Guimarães, Alexandre Cardeal de Oliveira Arneiro, Ana Carolina Souza Fernandes, André Vinícius da Silva Machado, Andrés Felipe Thiago Selingardi Guardia, Antônio Márcio da Cunha Guimarães, Arianna Stagni Guimarães, Carolina Alves de Souza Lima, Cláudio Finkelstein, Clovis Gorczevski, Cristiana Eugenia Nese, Daisy Rafaela da Silva, Daniel Francisco Nagao Menezes, Daniel Pulino, Eduardo Dias de Souza Ferreira, Felipe Chiarello de Souza Pinto, Flávia de Ávila, Frederico da Costa Carvalho Neto, Frederico Eduardo Gltiz, Gina Vidal Marcílio Pompeu, Grasiele Augusta Ferreira Nascimento, José Francisco Siqueira Neto, Lívia Gaigher Bósio Campello, Manoel Valente Figueiredo Neto, Marcelo Benacchio, Maria Stella Gregori, María Mendez Rocasolano, Mônica Bonetti Couto, Orides Mezzaroba, Paola Cantarini, Roberta Soares da Silva, Roberto Senise Lisboa, Rogério Gesta Leal, Samantha Ribeiro Meyer-Pflug, Samyra Dal Farra Naspolini Sanches, Valesca Raizer Borges Moschen, Vanessa Toqueiro Ripari, Viviane Coêlho de Séllos Knoer ,Vitor Geromel, Vladmir Oliveira da Silveira, Wagner Balera, Wagner Menezes, Willis Santiago Guerra Filho. Consignamos, por mim, os nossos agradecimentos à Editora, pela parceira e pelo constante apoio, na concretização deste e de muitos outros projetos.

São Paulo, junho de 2013 Wagner Balera Vladmir Oliveira da Silveira

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Preâmbulo Os Estados Partes do presente Pacto, Considerando que, em conformidade com os princípios proclamados na Carta das Nações Unidas, o relacionamento da dignidade inerente a todos os membros da família humana e dos seus direitos iguais e inalienáveis constitui o fundamento da liberdade, da justiça e da paz no mundo, Reconhecendo que esses direitos decorrem da dignidade inerente à pessoa humana, Reconhecendo que, em conformidade com a Declaração Universal dos Direitos do Homem, o ideal do ser humano livre, liberto do temor e da miséria não pode ser realizado a menos que se criem condições que permitam a cada um gozar de seus direitos econômicos, sociais e culturais, assim como de seus direitos civis e políticos, Considerando que a Carta das Nações Unidas impõe aos Estados a obrigação de promover o respeito universal e efetivo dos direitos e das liberdades do homem, Compreendendo que o indivíduo, por ter deveres para com seus semelhantes e para com a coletividade a que pertence, tem a obrigação de lutar pela promoção e observância dos direitos reconhecidos no presente Pacto, Acordam o seguinte: Wagner Balera Doutor e Mestre pela PUC/SP. É Livre-Docente em Direito Previdenciário pela mesma Instituição. Atualmente é Professor Titular de Direitos Humanos; Coordenador da Sub-Área de Direito Previdenciário e Lider do Núcleo de Capitalismo Humanista na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Vladmir Oliveira da Silveira Pós-Doutor em Direito pela UFSC. Doutor e Mestre em Direito pela PUC-SP. Professor da PUC-SP e da Uninove. Diretor do Centro de Pesquisa em Direito da Uninove. Presidente do Conselho Nacional de Pós-Graduação em Direito – Conpedi.

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INTRODUÇÃO O preâmbulo é um elemento dos tratados que, apesar de não criar obrigações, exerce importante função interpretativa. Embora não tenha um tratamento destacado nos manuais de Direito Internacional Público, eis que são as cláusulas operativas dos tratados que emanam obrigações, há valiosos estudos no Brasil sobre a utilização do preâmbulo do tratado na definição do sentido de suas cláusulas. Também chamado de “considerandos” no Direito Internacional Público, a questão que se coloca aqui é identificar de que modo o preâmbulo pode contribuir para a melhor interpretação do Pacto Internacional sobre os Direitos Econômicos, Sociais e Culturais de 1966. Não obstante a obra tenha por título “Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais comentado, artigo por artigo”, a coordenação da obra bem decidiu por trazer comentários ao preâmbulo do Pacto, considerando a sua relevante função interpretativa. Assim, esta obra apresenta comentários ao preâmbulo e aos seus 31 artigos, satisfazendo seu objetivo primordial, que é conferir ao estudioso do tema um texto sistemático e pormenorizado sobre o Pacto. O objetivo de apresentar um breve comentário sobre o preâmbulo do Pacto é debater a sua função interpretativa para o Direito Internacional Público e, especificamente, identificar de que modo o preâmbulo do Pacto pode orientar o intérprete em definir o sentido dos seus 31 artigos. Para tanto, este capítulo se divide nas seguintes seções: (1) Preâmbulo – definição; (2) Função interpretativa do preâmbulo na Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados de 1969, e; (3) Conteúdo do preâmbulo do Pacto. Por tratar-se de um estudo descritivo e exploratório, será realizado com base na pesquisa bibliográfica e histórica, servindo-se do método indutivo.

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PREÂMBULO – DEFINIÇÃO O preâmbulo integra a estrutura do tratado1, composta também pela parte dispositiva e eventuais anexos. A função do preâmbulo é aferir as razões, circunstâncias, pressupostos e objetivos do tratado2 por meio dos chamados considerandos. Segundo Wagner Menezes3, a origem dos tratados internacionais na história do desenvolvimento do Direito Internacional tem por motivo trazer a relação entre os Estados para o universo do direito, tornando as relações interestatais reguladas e jurisdicizadas. É, atualmente, a principal fonte do Direito Internacional. A preocupação da comunidade internacional com a codificação de acordos internacionais mostrou-se esculpida na negociação e assinatura da Convenção de Viena, em 19694. Segundo a concepção voluntarista do Direito Internacional Público, a natureza jurídica dos tratados internacionais é contratual5. Guardadas as devidas diferenças entre os tratados internacionais e os contratos entre particulares, o estudo sobre o tratado internacional, enquanto fonte formal do Direito Internacional Público, possui grande similitude ao estudo do contrato, vez que ambos guardam a mesma natureza jurídica. Com efeito, interpretação, obrigações, partes, vigência, 1

  Na lição de Carlos Roberto Husek, tratado é o “acordo formal concluído entre os sujeitos de Direito Internacional Público destinado a produzir efeitos jurídicos na órbita internacional” (HUSEK, Carlos Robert. Curso de Direito Internacional Público. 11ª ed. São Paulo: LTr, 2012, p. 83). Por sua vez, Paulo Borba Casella, Hildebrando Accioly e Geraldo Eulálio do Nascimento e Silva compreendem o tratado como “o ato jurídico por meio do qual se manifesta o acorde de vontades entre dois ou mais sujeitos de direito internacional” (CASELLA, Paulo Borba; ACCIOLY, Hildebrando, SILVA, Geraldo Eulálio do Nascimento e. Manual de direito internacional Público. 19ª Ed. São Paulo: Saraiva, 2011, p. 156).

2

  HUSEK, Carlos Roberto. Curso de Direito Internacional Público. 11ª ed. São Paulo: LTr, 2012, p. 98. 3

  MENEZES, Wagner. Ordem Global e Transnormatividade. Ijuí: Ed. Unijuí, 2005, p. 126.

4

  A Convenção de Viena de 1969 “disciplina e direciona a elaboração de tratados a partir das negociações e posterior confirmação entre as partes, ironicamente mesmo para aqueles entes que não a ratificaram” MENEZES, Wagner. Ordem Global e Transnormatividade. Ijuí: Ed. Unijuí, 2005, p. 126.

5

  No conceito de Maria Helena Diniz, “[o] contrato constitui uma espécie de negócio jurídico, de natureza bilateral ou plurilateral, dependendo, para a sua formação, do encontro da vontade das partes, por ser ato regulamentador de interesses privados” (DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro – Vol 3. Teoria das Obrigações Contratuais e Extracontratuais. 26ª Ed. São Paulo: Saraiva, 2010, p. 11).

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execução, capacidade são temas abordados tanto pelos internacionalistas quanto pelos civilistas. Nessa perspectiva de aproximação entre o Direito dos Tratados e o Direito Contratual, sob a premissa de que a natureza jurídica dos tratados é de contrato, entendemos lícito valermo-nos de um importante estudo de José Cretella Neto6, no qual o autor aborda a importância do preâmbulo nos contratos internacionais do comércio. Segundo José Cretella Neto, preâmbulo é a parte do contrato redigida pelas partes encerradas as negociações e concluído o texto. Na topologia do contrato, está antes de todas as cláusulas. Reza o cânon exegético que o preâmbulo não deve ser lido antes, nem durante nem depois de executado o contrato7. Nesse sentido, afirma o autor que “[f]ormalmente, o Preâmbulo (recitals) é um texto separado do corpo do contrato (operative provisions), mas não se pode negar que produza efeitos jurídicos, embora possa conter tanto elementos jurídicos quanto não-jurídicos”8. FUNÇÃO INTERPRETATIVA DO PREÂMBULO NA CONVENÇÃO DE VIENA SOBRE O DIREITO DOS TRATADOS DE 1969 Para Carlos Roberto Husek, interpretar consiste em “determinar o exato sentido da regra que se está examinando”9, atividade inventiva que na área do Direito Convencional, segundo o autor, compreende o preâmbulo, o dispositivo e os anexos. Assim como nos contratos internacionais, o preâmbulo dos tratados traz em seu bojo os seus objetivos, as circunstâncias e o contexto que precederam sua assinatura e expressões que vinculam as partes. Em resumo, o preâmbulo é feito dos “considerandos”, as expressões que expressam o espírito do tratado e, em especial, a vontade das partes. A importância do preâmbulo nos tratados internacionais reside no fato 6 

NETO, José Cretella. DA IMPORTÂNCIA DO PREÂMBULO NOS CONTRATOS INTERNACIONAIS DO COMÉRCIO. Revista da Faculdade de Direito da UFMG, n. 57, 2010, pp. 211-239. 7

  NETO, José Cretella, Ibid, p. 212.

8

  NETO, José Cretella, Ibid., p. 219.

9

  HUSEK, Carlos Robert. Curso de Direito Internacional Público. 11ª ed. São Paulo: LTr, 2012, p. 107. 21

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de que as partes contratantes são, por excelência, os Estados ou Organizações Internacionais, cada qual com diferentes culturas gerais e jurídicas, valores, princípios e língua. Assim como nos contratos internacionais, o recurso ao preâmbulo, na interpretação dos tratados, pode ser extremamente útil, porque representa um “ponto de partida ou até mesmo a solução para sair do impasse e aquilatar a real intenção das partes ao contratarem”10. O preâmbulo é um recurso seguro do intérprete para definir o sentido das normas constantes no tratado. Como se não bastasse a importância dada ao preâmbulo pela doutrina civilista, a Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados conferiu lugar especial aos tratados. André Lipp Pinto Basto Lupi aponta que o artigo 31 da Convenção de Viena codifica os métodos de interpretação admitidos em Direito Internacional, nomeadamente, o “gramatical – o texto em sua acepção dicionarizada -; sistemático – o texto no contexto -; e teleológico – a finalidade da norma”11. Segundo o autor, tais métodos foram conjugados num único artigo, no sentido de se conferir um mesmo valor a todos, não havendo primazia de um método em detrimento de outro, havendo assim uma “operação combinada (single combined operation)”12. O preâmbulo de um tratado revela-se útil para a operação, especialmente, dos métodos sistemático e teleológico. O método sistemático orienta o intérprete a definir o conteúdo normativo do tratado “segundo o sentido comum atribuível aos termos do tratado em seu contexto (...)”, conforme o art. 31.1 da Convenção de Viena. A expressão “contexto” compreende, além do texto, seu preâmbulo e anexos, a teor do artigo 31.2. Desse modo, a definição convencional do que é o contexto afasta eventual entendimento distoante do que significaria o “contexto político, social, histórico ou cultural dos povos envolvidos”13, conforme leciona André Lipp Pinto Basto Lupi. O contexto referido no artigo 31.1 é o contexto interno. Se é interno, o é 10

  NETO, José Cretella, Ibid., p. 213.

11

  LUPI, André Lipp Pinto Basto. “Interpretação de tratados - Comentários ao artigo 31”. In: AZIZ, Tuffi Saliba. (Org.). Direito do Tratados: Comentários à Convenção de Viena sobre Direito dos Tratados (1969). Belo Horizonte: Arraes, 2011, p. 228.

12

  LUPI, André Lipp Pinto Basto, Ibid., p. 229.

13

  LUPI, André Lipp Pinto Basto. “Interpretação de tratados - Comentários ao artigo 31”. In: AZIZ, Tuffi Saliba. (Org.). Direito do Tratados: Comentários à Convenção de Viena sobre Direito dos Tratados (1969). Belo Horizonte: Arraes, 2011, p. 231. 22

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porque também existe o contexto externo, previsto no artigo 31.3, que compreende “(a) qualquer acordo posterior entre as partes relativo à interpretação do tratado ou à aplicação de suas disposições; (b) qualquer prática seguida posteriormente na aplicação do tratado, pela qual se estabeleça o acordo das partes relativo à sua interpretação; (c) quaisquer regras pertinentes de Direito Internacional aplicáveis às relações entre as partes”. Assim, contexto interno compreende o texto do tratado, além de seu preâmbulo e anexos, e o contexto externo concerne a interpretação, a prática dada pelas partes ao tratado em questão e arcabouço convencional das partes. Ambos os contextos devem ser levados em conta, a fim de dirimir dúvidas e conflitos relativos ao tratado em questão. A interpretação teleológica orienta o exegeta a avaliar “por que as partes quiseram fazer o tratado, perquirindo quais os seus objetivos com a vinculação às regras nele contidas”14. Daí o preâmbulo assume função importantíssima, pois a prática no Direito Internacional Público consolidou o uso de preâmbulos na redação dos tratados, contendo a declaração explícita dos seus objetivos. A utilidade da interpretação teleológica reside na função primordial do tratado, que é “trazer ordem a um certo campo das relações internacionais, viabilizando a coexistência e/ ou cooperação entre os Estados ou Organizações que o firmam”15, de modo que o resultado da interpretação teleológica evitará frustrar os objetivos das partes.

CONTEÚDO DO PREÂMBULO DO PACTO O preâmbulo do Pacto reforça a dignidade da pessoa humana como fundamento do sistema universal de proteção dos direitos humanos, em referência à Carta das Nações Unidas de 1945 e à Declaração Universal dos Direitos do Homem de 1948. Ressalta a humanidade como uma “família”, cujos membros são dotados de direitos iguais e inalienáveis, conjunto esse que representa o fundamento da liberdade, da justiça e da paz no mundo. O quarto parágrafo associa a realização da liberdade, da justiça e da paz no mundo à criação de condições para fruição dos direitos econômicos sociais e culturais e civis e políticos. A responsabilidade pela implementação de condições 14

  LUPI, André Lipp Pinto Basto, Ibid., p. 234.

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  LUPI, André Lipp Pinto Basto, Ibid., p. 234. 23

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para realização dos direitos e das liberdades do homem não está apenas com os Estados, mas também com os indivíduos, a quem cumpre também “lutar pela promoção e observância dos direitos reconhecidos no presente Pacto”.

CONCLUSÃO O preâmbulo esclarece pontos importantes para o Direito Internacional dos Direitos Humanos. A simplificação, ou esquematização, da matéria acaba por vezes criando uma dicotomia injustificável entre os direitos econômicos, sociais e culturais e os direitos civis e políticos, sob o argumento de que os primeiros são direitos “positivos” e os outros “negativos”. Tal simplificação, ainda que a título didático, é indevida. Temos que o próprio preâmbulo do Pacto reconhece a unidade, indissociabilidade e interdependência dos direitos econômicos, sociais e culturais e civis e políticos. Além disso, o preâmbulo investe responsabilidade nos Estados e indivíduos. Assim, cai por terra diferenciar os direitos econômicos, sociais e culturais dos civis e políticos sob o argumento de que os primeiros representam direitos assegurados pela atividade do Estado e os outros são direitos assegurados pela abstenção do Estado, eis que Estados e indivíduos devem atuar pela concretização dos direitos humanos de forma integral. Desse modo, num primeiro olhar ao preâmbulo do Pacto, é possível afastar simplificações equivocadas do Direito Internacional dos Direitos Humanos e verificar qual o “espírito” do Pacto. Isso reforça a função interpretativa do preâmbulo dos tratados, que não devem ser lidos nem antes, nem depois das cláusulas, mas com elas. Em verdade, permitem a realização dos métodos sistemático e teleológicos, que ao lado do método gramatical, são os métodos interpretativos codificados pelo artigo 31 da Convenção de Viena.

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REFERÊNCIAS CASELLA, Paulo Borba; ACCIOLY, Hildebrando, SILVA, Geraldo Eulálio do Nascimento e. Manual de direito internacional Público. 19ª Ed. São Paulo: Saraiva, 2011. CRETELLA NETO, José. DA IMPORTÂNCIA DO PREÂMBULO NOS CONTRATOS INTERNACIONAIS DO COMÉRCIO. Revista da Faculdade de Direito da UFMG, n. 57, 2010. HUSEK, Carlos Robert. Curso de Direito Internacional Público. 11ª ed. São Paulo: LTr, 2012. LUPI, André Lipp Pinto Basto. “Interpretação de tratados - Comentários ao artigo 31”. In: AZIZ, Tuffi Saliba. (Org.). Direito do Tratados: Comentários à Convenção de Viena sobre Direito dos Tratados (1969). Belo Horizonte: Arraes, 2011. MENEZES, Wagner. Ordem Global e Transnormatividade. Ijuí: Ed. Unijuí, 2005.

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ARTIGO 1º Todos os povos têm direito à autodeterminação. Em virtude desse direito, determinam livremente seu estatuto político e asseguram livremente seu desenvolvimento econômico, social e cultural. 1. Todos os povos têm o direito à autodeterminação. Em virtude desse direito,determinam livremente seu estatuto político e asseguram livremente seu desenvolvimento econômico, social e cultural. 2. Para a consecução de seus objetivos, todos os povos podem dispor livremente de suas riquezas e de seus recursos naturais, sem prejuízo das obrigações decorrentes da cooperação econômica internacional, baseada no princípio do proveito mútuo e do Direito Internacional. Em caso algum poderá um povo ser privado de seus próprios meios de subsistência. 3. Os Estados Membros no presente Pacto, inclusive aqueles que tenham a responsabilidade de administrar territórios não autônomos e territórios sob tutela, deverão promover o exercício do direito à autodeterminação e respeitar esse direito, em conformidade com as disposições da Carta das Nações Unidas. Samantha Ribeiro Meyer-Pflug Doutora e Mestre em Direito do Estado da PUCSP. Professora Pesquisadora do Mestrado em Direito e Coordenadora do Curso de Graduação em Direito da UNINOVE. Membro do Conselho de Estudos Avançados da FIESP e do Conselho Superior de Direito da FECOMÉRCIO. Advogada. Roberto Senise Lisboa Doutor em Direito. Livre-Docente em Direito Civil pela USP. Professor de Direito Internacional da PUCSP. Professor Emérito de Direito Civil e Direito do Consumidor e Coordenador do Curso de Direito das FMU. Promotor de Justiça do Consumidor em São Paulo.

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COMENTÁRIOS: O Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais foi adotado pela Resolução 2.200-A (XXI) da Assembleia Geral das Nações Unidas em 16 de dezembro de 1966. Ele entrou em vigor em 3 de janeiro de 1976 e está dividido em cinco partes, quais sejam: I) autodeterminação dos povos e à livre disposição de seus recursos naturais e riquezas; II) compromisso dos Estados de implementar os direitos previstos; III) direitos propriamente ditos; IV) mecanismo de supervisão por meio da apresentação de relatórios ao ECOSOC e (V) ratificação e entrada em vigor.16 Em 1988 foi aprovado um Protocolo adicional com diversos dispositivos inovadores. 17 A finalidade precípua do Pacto é a de estabelecer as condições sociais, econômicas e culturais para a existência de uma vida digna. Trata-se, na essência, de conferir proteção aos direitos humanos, que surgem e se desenvolvem em obediência a um núcleo existencial qual seja, a dignidade da pessoa humana. Os direitos humanos têm certas características que os diferem dos demais direitos, quais sejam: historicidade, universalidade, irrenunciabilidade, imprescritibilidade, limitabilidade e indivisibilidade. Eles podem ser classificados em dimensões ou gerações. A primeira dimensão visa proteger as liberdades individuais, os direitos individuais também conhecidos como prestações negativas. Já a segunda dimensão trata dos direitos sociais, culturais e econômicos e implicam numa prestação positiva por parte do Estado e a terceira protege o próprio gênero humano. No entanto, em virtude da característica da indivisibilidade dos direitos humanos, “não há como separar as dimensões dos direitos humanos em partes estanques”. 18 As dimensões dos direitos humanos são facetas do mesmo direito e não se pode garantir uma em detrimento da outra. Ademais, a própria Organização das Nações Unidas na Declaração de Viena de 1993 vem reafirmando a relevância 16 

Cf. WEISS, Carlos. Direitos Humanos Contemporâneos. São Paulo: Malheiros, 2. ed., 2010, p. 99.

  Cf. COMPARATO, Fabio, Konder. Afirmação histórica dos direitos humanos. São Paulo: Saraiva: 3. ed., 2003, p.368. 17

18   BRAGA, Sergio; MEYER-PFLUG, Samantha Ribeiro. “Cuba e a Indivisibilidade dos Direitos Humanos”. In. Anais do XXI Congresso Nacional do CONPEDI – Niterói, 2012.

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do princípio da indivisibilidade dos direitos humanos. Afirma Mireille DelmasMarty que “(...) os direitos do homem devem ser interpretados e aplicados como um conjunto coerente porque indivisível.”19 Os direitos humanos devem ser assegurados em toda sua extensão e amplitude. Nesse sentido, “a proteção dos direitos humanos deve-se dar de maneira uniforme e indivisível para que se possa garantir ao individuo a dignidade da pessoa humana. Os direitos humanos são interdependentes.”20 Os direitos econômicos são os direitos concernentes à produção e à distribuição de riqueza, inclusive seu consumo. Estão diretamente relacionados com a disciplina das relações de trabalho. Os direitos sociais e culturais tratam de estabelecer um padrão de vida digno, propiciando a educação e a participação dos indivíduos na vida cultural. Em virtude de sua natureza esses direitos devem ser aplicados de maneira progressiva, na medida em que necessitam de recursos públicos para serem implementados, ao contrário dos direitos civis e políticos. A finalidade do Pacto não é outra senão a de conferir proteção a esses direitos na medida em que impõem metas e tarefas aos Estados, pois a garantia desses direitos implica necessariamente em uma posição ativa do ente estatal no sentido de assegurá-los, ou melhor, criar condições efetivas para sua fruição pela sociedade. O Pacto tornou esses direitos “preceitos juridicamente obrigatórios e vinculantes”21 que no caso de serem violados pelos Estados Partes dão azo a responsabilização internacional. O Pacto, sub examine, incorporou novos direitos, além dos assegurados na Declaração Universal dos Direitos do Homem. Trata-se de deveres impostos ao Estado e não ao individuo. São, na verdade, “direitos endereçados ao Estado”22 e não aos indivíduos, como faz o Pacto dos Direitos Civis e Políticos. Há que se considerar que: “os direitos 19  DELMAS-MARTY, Mireille. Três Desafios para um direito Mundial, Rio de Janeiro: Lumen Juris. Tradução de Fauzi Hassan Choukr, 2003, p. 40. 20   BRAGA, Sergio; MEYER-PFLUG, Samantha Ribeiro. “Cuba e a Indivisibilidade dos Direitos Humanos”. In. Anais do XXI Congresso Nacional do CONPEDI – Niterói, 2012. 21   PIOVESAN, Flavia. Direitos humanos e Direito Constitucional Internacional. São Paulo:Saraiva, 7. ed., 2006, p. 168. 22   PIOVESAN, Flavia. Direitos humanos e Direito Constitucional Internacional. São Paulo:Saraiva, 7. ed., 2006.

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humanos se desenvolvem muitas vezes no interior das instituições representativas de cada Estado, e objetivam, de maneira bastante distinta, a harmonização entre direitos de liberdade e direitos econômicos, sociais e culturais.23 Os direitos econômicos, sociais e culturais não são autoaplicáveis como os direitos civis e políticos, pois demandam a existência de recursos econômicos por parte do Estado, bem como a elaboração de políticas publicas. Eles estão condicionados à atuação do ente estatal, que deve adotar medidas econômicas e técnicas, isoladamente e por meio da assistência e cooperação internacionais, até o máximo de seus recursos disponíveis. Para que o Estado Parte cumpra o disposto no Pacto é imprescindível que a implementação desses direitos seja uma prioridade na agenda política nacional, como preleciona Flavia Piovesan.24 No entanto, o mecanismo de proteção desses direitos está limitado tão-somente à sistemática de relatórios. Todavia, a Declaração de Viena recomendou a incorporação do direito de petição ao Pacto, por meio de um protocolo adicional. Há que se reconhecer que as Nações Unidas avançaram muito na interpretação conferida às obrigações estatais em matéria de direitos econômicos, sociais e culturais, em decorrência em grande parte da atividade desempenhada pelo Comitê sobre Direitos Econômicos, Sociais e Culturais. 25 Depreende-se da progressividade da implementação desses direitos a denominada “clausula de proibição de retrocesso,” segundo a qual é proibido ao Estado retroceder na implementação dos direitos econômicos, sociais e culturais ou reduzir as políticas publicas que garantem tais direitos. O artigo primeiro do Pacto, sob comento, é enfático ao declarar que: “Todos os povos têm direito à autodeterminação.” A autodeterminação dos povos passa assim a ser um princípio a nortear todos os demais dispositivos do Pacto. Nesse contexto, a implementação dos direitos econômicos, sociais e culturais tem dar-se em conformidade com o princípio da autodeterminação dos 23   BRAGA, Sergio; MEYER-PFLUG, Samantha Ribeiro. “Cuba e a Indivisibilidade dos Direitos Humanos”. In. Anais do XXI Congresso Nacional do CONPEDI – Niterói, 2012. 24   PIOVESAN, Flavia. Direitos humanos e Direito Constitucional Internacional. São Paulo:Saraiva, 7. ed., 2006, p. 170. 25  Cf. WEISS, Carlos. Direitos Humanos Contemporâneos. São Paulo: Malheiros, 2. ed., 2010, p. 100.

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povos. Em outras palavras, a garantia desses direitos tem de ocorrer de maneira gradativa e em estrita consonância com a autodeterminação dos povos, ou seja, das limitações e opções políticas dos Estados Partes. Todavia, isso não está a significar que o princípio da autodeterminação dos povos assegurados no artigo primeiro do referido Pacto se constitua em um obstáculo para a implementação dos direitos econômicos, sociais e culturais. Pelo contrário, a garantia desses direitos tem de ocorrer em harmonia com o princípio da autodeterminação dos povos. Ademais, é preciso levar em conta que a partir do momento que o Estado aderiu ao Pacto ele assume o compromisso de implementar os preceitos nele contidos. De outra parte, há que se considerar que a internacionalização do Direito, a globalização e a integração entre os Países acaba por relativizar o conceito de soberania estatal, e de certo modo diminui a efetiva capacidade de autodeterminação do Estado. Nesse sentido, há um esforço dos Estados no sentido de preservar a sua soberania e seu poder de autodeterminação. Não há negar-se, como preleciona Celso Ribeiro Bastos que os Estados são os “protagonistas por excelência do cenário internacional.”26  O Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, como dito acima, em seu primeiro artigo prestigia o princípio da autodeterminação dos povos. Tal princípio desempenhou um papel de destaque nas relações internacionais do século XX, principalmente após o fim da Primeira Guerra Mundial. Contudo, é importante, registrar que a origem da autodeterminação na tradição ocidental remonta a Revolução Francesa, na medida em que nela o povo assumiu o papel de autoridade suprema, passou a deter a soberania.27 Preleciona Starushenko que a Revolução Francesa foi o ponto inicial do desenvolvimento do conceito de autodeterminação e o Presidente Woodrow Wilson dos Estados Unidos o primeiro a se referir a autodeterminação como um conceito jurídico.28 Mas, foi Vladimir Lênin quem inseriu o princípio da autodeterminação no cenário internacional, por volta de 1916, na medida em que concebia que a realização da   BASTOS, Celso Ribeiro; MARTINS, Ives Gandra da Silva. Comentários à Constituição do Brasil. São Paulo: Saraiva, vol.1, 2º ed., 2001, p. 501.

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27   ESCARAMEIA, Paula. O direito Internacional Público nos princípios do século XXI. Coimbra: Almedina, 2003, p.129. 28   Cf. STARUSHENKO, G. The principle os National Self-Determination in Soviet Foreign Policy. Languages Publishing House, Moscovo, p. 10.

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autodeterminação seria um instrumento para realizar o socialismo. Finda a Primeira Guerra consolida-se o princípio de autodeterminação na medida em que para cada nação deve haver um Estado. Nesse sentido explica Celso Ribeiro Bastos: “povos que até então viviam incrustados em comunidade políticas que os absorviam, mas nos quais eram minoritários, reclamaram a independência e em grande parte o conseguiram.”29 O conceito de autodeterminação está diretamente atrelado a busca de liberdade do individuo em relação ao Estado e aos outros. Na verdade, representa de certa forma o controle sobre si mesmo. Trata-se do controle do povo sobre si mesmo. No entanto, o conceito de autodeterminação só passa a ser atrelado à paz internacional após a Primeira Guerra Mundial e o Tratado de Versalhes, tendo em vista a necessidade de autodeterminação dos habitantes das colônias alemãs. Também com o final da Segunda Guerra Mundial essa tendência se fortaleceu, principalmente com o processo de descolonização na África e na Ásia. Todavia, o fim dos povos colonizados, não tem o condão de por si só enfraquecer o princípio da autodeterminação dos povos, pois ainda persistem atualmente nos Estados problemas concernentes à unidade nacional. Vale dizer que ela ainda não foi alcançada em diversos Estados. Há em vários Estados, atualmente minorias que lutam para alcançar não uma total independência, mas um estatuto que lhe permita uma certa autonomia dentro desse Estado. Destarte, inicialmente o princípio da autodeterminação dos povos foi interpretado com certa resistência, pois poderia ensejar como consequência de sua aplicação “a criação de mini-unidades inviáveis”,30 como assevera Paula Escarameia. Todavia, o princípio da autodeterminação deve ser interpretado à luz de outros princípios, dentre eles, destacam-se o da soberania e o da integridade territorial. E sob essa ótica o princípio da autodeterminação dos povos não leva a criação de miniunidades inviáveis ou de fracionamento e até mesmo esfacelamento do Estado. A autodeterminação deve ser entendida como o direito de um povo   BASTOS, Celso Ribeiro; MARTINS, Ives Gandra da Silva. Comentários à Constituição do Brasil. São Paulo: Saraiva, vol.1, 2º ed., 2001, p. 501.

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30   ESCARAMEIA, Paula. O direito Internacional Público nos princípios do século XXI. Coimbra: Almedina, 2003, p.127.

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de decidir sobre sua própria vida, suas leis e instituições. É uma decorrência do próprio direito à existência de cada Estado e diretamente relacionado à soberania de um povo. Para Paula Escarameia o princípio da autodeterminação é um direito humano, “o que evoca o sentido de liberal democracia, bem como um requisito para a paz, o que reforça a legitimidade da presente ordem mundial.” 31 Importante registrar que a Carta das Nações Unidas consagrou, após intensa discussão, o princípio da autodeterminação nos artigos 1 e 55, na medida em que estabeleceu um sistema de proteção e um regime para os territórios não autônomos. Dispõe o art. 1º, n.º2 que é um propósito das Nações Unidas “desenvolver relações amistosas entre as nações, baseadas no respeito ao princípio de igualdade de direitos e de autodeterminação dos povos, e tomar outras medidas apropriadas ao fortalecimento da paz universal.” Já o artigo 55 reza que: “Com o fim de criar condições de estabilidade e bem estar, necessárias às relações pacíficas e amistosas entre as Nações, baseadas no respeito ao princípio da igualdade de direitos e da autodeterminação dos povos, as Nações Unidas favorecerão: a) níveis mais altos de vida, trabalho efetivo e condições de progresso e desenvolvimento econômico e social; b) a solução dos problemas internacionais econômicos, sociais, sanitários e conexos; a cooperação internacional, de caráter cultural e educacional; e c) o respeito universal e efetivo dos direitos humanos e das liberdades fundamentais para todos, sem distinção de raça, sexo, língua ou religião.” Posteriormente, o princípio da autodeterminação foi consagrado em várias resoluções da Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas e também consta expressamente no artigo primeiro dos dois Pactos Internacionais de Direitos Humanos de 1966. A Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas aprovou, em 16 de dezembro de 1952, a Resolução n. 637 que versa sobre “O direito dos povos e nações à autodeterminação”. Consoante o teor da referida Resolução a autodeterminação é concebida como uma condição para a plena realização dos direitos humanos e também para a manutenção da paz internacional. Tendo em vista o teor das resoluções da Organização das Nações Unidas 31   ESCARAMEIA, Paula. O direito Internacional Público nos princípios do século XXI. Coimbra: Almedina, 2003, p 142.

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verifica-se que o princípio da autodeterminação suscita certa tensão com a ordem estadual estabelecida e essa tensão permeia a questão sobre independência, associação e integração. Nesse contexto assevera Paula Escarameia que: (...) Esta tensão é mais visível com a inserção do direito de autodeterminação no artigo 1º e dos dois Pactos das Nações Unidas sobre os Direitos Humanos. Sob a capa de uma aparente afirmação de autodeterminação como uma questão estatal, o que se nos depara é realmente um novo sentido da palavra pelo contexto em que se encontra, isto é, inserida em documentos que prescrevem soluções legais, primariamente visando as necessidades dos indivíduos ou de grupos não identificados. 32 A autodeterminação pode ser compreendida como um conceito jurídico e nesse particular tem o poder de subsumir os fatos no cenário internacional. Ela é um conceito jurídico do Direito Internacional. Explica Wilson Woodrow que: Os povos não devem ser transferidos de uma soberania para outra por uma conferência internacional ou por uma ação entre rivais e antagonistas. As aspirações nacionais devem ser respeitadas; atualmente os povos devem ser escolhidos e governados somente quando derem o seu consentimento. A ‘autodeterminação’ não é uma mera frase. Trata-se de um princípio de ação imperativo que os estadistas não podem ignorar daqui por diante sem correrem riscos.33 Não há negar-se que o princípio da autodeterminação é uma das mais confusas expressões do Direito Internacional. 34 Nesse sentido assevera Starushenko que: Negar o caráter internacional dos conflitos resultantes da efetivação do direito de autodeterminação é negar a existência de compulsividade internacional no caso deste direito. E já que não existe nenhuma norma 32   ESCARAMEIA, Paula. O direito Internacional Público nos princípios do século XXI. Coimbra: Almedina, 2003, p.135.

  WOODROW, Wilson. Discurso ao congresso “Quatro Princípios Adicionais”. De 11 de fevereiro de 1918.

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34   Cf. ESCARAMEIA, Paula. O direito Internacional Público nos princípios do século XXI. Coimbra: Almedina, 2003, p.127.

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jurídica sem coercibilidade, a negação da natureza internacional do conceito em questão corresponde à negação do próprio direito de autodeterminação35. Tem-se, pois, que a autodeterminação é uma condição sine qua non para a busca e manutenção da paz internacional, na medida em que pressupõe a proibição do emprego da força nas relações internacionais. Destarte, o princípio da autodeterminação também guarda estrita relação na busca da igualdade soberana entre os Estados. De outra parte, o princípio da autodeterminação dos povos prestigia o respeito às competências nacionais exclusivas dos Estados.36 Esse princípio ganha relevância no Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais uma vez que a implementação dos direitos econômicos, sociais e culturais dependem da existência de recursos econômicos. Nesse particular, há que se respeitar as limitações orçamentárias de cada Estado. Todavia, tais limitações por si só não são limites intransponíveis e podem e devem ser ultrapassados pelos Estados, precipuamente, no tocante a eleição de suas prioridades. No entanto, reconhece-se igualmente o papel de extrema relevância da cooperação internacional que tem sido decisivo em muitos países para conseguirem implementar e executar políticas públicas voltadas para a garantia de direitos sociais. 37 Assevera, nesse aspecto, Alberto do Amaral Junior: “(...) a realização dos direitos econômicos, sociais e culturais não é imediata, mas se prolonga no tempo em função das circunstâncias concretas que inevitavelmente acompanham a formulação e a execução das políticas publicas por parte dos governos.” 38 Todavia, o princípio da autodeterminação dos povos não pode ser interpretado de molde a invalidar o próprio conteúdo do Pacto ou até mesmo   STARUSHENKO, G. The principle os National Self-Determination in Soviet Foreign Policy. Languages Publishing House, Moscovo, p. 224.

35

  Cf. BASTOS, Celso Ribeiro; MARTINS, Ives Gandra da Silva. Comentários à Constituição do Brasil. São Paulo: Saraiva, vol.1, 2º ed., 2001, p. 502.

36

  Cf. AMARAL JUNIOR, Alberto. Introdução ao Direito Internacional Público. São Paulo: Atlas, 2008, p. 445.

37

38   AMARAL JUNIOR, Alberto. Introdução ao Direito Internacional Público. São Paulo: Atlas, 2008, p. 445.

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para servir de pretexto para o não cumprimento dos direitos nele assegurados. Os Estados se obrigam a aplicar os recursos disponíveis para implementar progressivamente os direitos econômicos, sociais e culturais, ou seja, para executar as metas estabelecidas. Peter Häberle e Marcus Kotzur ressaltam a relevância do elemento econômico no Estado Constitucional, na medida em que deve propiciar um “nível de vida econômico mínimo”.39 Complementam que: “Se o mercado não é a medida de todas as coisas e tampouco o é do ser humano, o Estado Constitucional vive também dos resultados e êxitos econômicos de seu povo.” 40 Para tanto o próprio Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais prevê a apresentação de relatórios periódicos que demonstrem as medidas adotadas pelo governo para garantir tais direitos41. De igual modo os relatórios descrevem os obstáculos que apareceram no lapso de tempo estabelecido e as medidas adotadas para superá-los. Contudo, não houve ainda a criação de um comitê de monitoramento. Na visão de Flavia Piovesan “a violação aos direitos sociais, econômicos e culturais é resultado tanto da ausência de forte suporte e intervenção governamental como da ausência de pressão internacional em favor dessa intervenção.” 42 Há que se reconhecer a necessidade de se criar um comitê de monitoramento do cumprimento do Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, no entanto, a sua ausência por si só não pode servir de justificativa para o descumprimento dos preceitos contidos no Pacto. Pelo contrário os Estados Partes devem unir esforços no sentido de implementar tais direitos. E isso deve ser feito em conformidade com o princípio da autodeterminação dos povos, sob pena de violação de um direito humano.

 Cf. KOTZUR, Markus e HÄBERLE, Peter. De la soberania al derecho constitucional común: palabras clave para um diálogo europeu-latinoamericano. trad: Héctor Fix-Fierro. Universidad Nacional Autônoma de México, México, 2003, p. 7. 39

40   KOTZUR, Markus e HÄBERLE, Peter. De la soberania al derecho constitucional común: pálabras clave para um diálogo europeu-latinoamericano. trad: Héctor Fix-Fierro. Universidad Nacional Autônoma de México, México, 2003, p. 7.

  Cf. AMARAL JUNIOR, Alberto. Introdução ao Direito Internacional Público. São Paulo: Atlas, 2008, p. 445.

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  PIOVESAN, Flavia. Direitos humanos e Direito Constitucional Internacional. São Paulo: Saraiva, 7ºed.,2006, p. 175.

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REFERÊNCIAS AMARAL JUNIOR, Alberto. Introdução ao Direito Internacional Público. São Paulo: Atlas, 2008. BASTOS, Celso Ribeiro; MARTINS, Ives Gandra da Silva. Comentários à Constituição do Brasil. São Paulo: Saraiva, vol.1, 2º ed., 2001. BRAGA, Sergio; MEYER-PFLUG, Samantha Ribeiro. “Cuba e a Indivisibilidade dos Direitos Humanos”. In. Anais do XXI Congresso Nacional do CONPEDI – Niterói, 2012. DELMAS-MARTY, Mireille. Três Desafios para um direito Mundial, Rio de Janeiro: Lumen Juris. Tradução de Fauzi Hassan Choukr, 2003. ESCARAMEIA, Paula. O direito Internacional Público nos princípios do século XXI. Coimbra: Almedina, 2003. KOTZUR, Markus e HÄBERLE, Peter. De la soberania al derecho constitucional común: pálabras clave para um diálogo europeu-latinoamericano. Trad: Héctor Fix-Fierro. Universidad Nacional Autônoma de México, México, 2003. PIOVESAN, Flavia. Direitos humanos e Direito Constitucional Internacional. São Paulo: Saraiva, 7. ed., 2006. STARUSHENKO, G. The principle of National Self-Determination in Soviet Foreign Policy. Languages Publishing House, Moscovo. WEISS, Carlos. Direitos Humanos Contemporâneos. São Paulo: Malheiros, 2. ed., 2010. WOODROW, Wilson. Discurso ao congresso “Quatro Princípios Adicionais”. De 11 de fevereiro de 1918.

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ARTIGO 2º 1. Cada Estado Parte no presente Pacto compromete-se a adotar medidas, tanto por esforço próprio como pela assistência e cooperação internacionais, principalmente nos planos econômico e técnico, até o máximo de seus recursos disponíveis, que visem a assegurar, progressivamente, por todos os meios apropriados, o pleno exercício dos direitos reconhecidos no presente Pacto, incluindo, em particular, a adoção de medidas legislativas. 2. Os Estados Partes no presente Pacto comprometem-se a garantir que os direitos nele enunciados se exercerão sem discriminação alguma por motivo de raça, cor, sexo, língua, religião, opinião política ou de qualquer outra natureza, origem nacional ou social, situação econômica, nascimento ou qualquer outra situação. 3. Os países em desenvolvimento, levando devidamente em consideração os direitos humanos e a situação econômica nacional, poderão determinar em que medida garantirão os direitos econômicos reconhecidos no presente Pacto àqueles que não sejam seus nacionais. Adriana Silva Maillart Doutora e Mestre pela Universidade Federal de Santa Catarina – UFSC. Professora do Programa de Mestrado em Direito da Universidade Nove de Julho – UNINOVE. Coordenadora do Curso em Direito da UNINOVE. Mônica Bonetti Couto Doutora e Mestre pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo – PUC/SP. Professora do Programa de Mestrado em Direito da Universidade Nove de Julho – UNINOVE. Advogada em São Paulo.

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COMENTÁRIOS: Um dos primeiros pontos a ser tratado na análise deste artigo é compreender a abrangência do Pacto, tendo em vista que o art. 2º determina que os Estados Partes devem adotar medidas visando a assegurar o pleno exercício dos direitos nele reconhecidos. É importante ressaltar que o pacto aqui analisado objetivou tornar juridicamente aplicável os dispositivos da segunda pedra-angular da Declaração Universal dos Direitos Humanos, que correspondem aos direitos de que todos são titulares como membros da sociedade e que estão previstos nos art. 22 a 27 daquela Declaração. Em linhas gerais, pode-se determinar que os direitos econômicos, sociais e culturais humanos estão relacionados ao trabalho, ao salário igual por trabalho igual, ao repouso e lazeres, à segurança social, à vida familiar, à participação na vida cultural, ao acesso à habitação, à alimentação, à água, às questões de educação e saúde e bem-estar e progresso científico. Outro ponto que deve ser analisado é a abrangência do termo “adotar medidas, tanto por esforço próprio como pela assistência e cooperação internacionais, principalmente nos planos econômico e técnico, até o máximo de seus recursos disponíveis”, expressamente mencionada no inciso 1, do presente artigo. Vale ressaltar aqui que o Pacto de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais é apenas um dos documentos que constitui a denominada Carta Internacional de Direitos Humanos. Também fazem parte da Carta, o Pacto de Direitos Civis e Políticos, a Declaração de Direitos Humanos e seus protocolos facultativos. É importante frisar isto, pois a diferença fundamental entre o Pacto de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais e o Pacto de Direitos Civis e Políticos43 está justamente nos seus respectivos artigos 2º. Pois, enquanto o Pacto de Direitos Civis e Políticos cria a obrigação estatal de “tomar as providências necessárias”, inclusive de natureza legislativa, para “garantir a todos os indivíduos que se encontrem em seu território e que estejam sujeitos à sua jurisdição os direitos 43

  O Pacto de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais conjuntamente com a Declaração Universal dos Direitos Humanos, o Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos e seus dois pactos facultativos, constituem a denominada Carta Internacional dos Direitos Humanos. 40

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reconhecidos no presente Pacto”, o de direitos econômicos, sociais e culturais prevê a adoção de medidas, tanto por esforço próprio como pela cooperação e assistência internacionais, “que visem a assegurar, progressivamente, por todos os meios apropriados, o pleno exercício dos direitos reconhecidos no presente Pacto”. A cooperação internacional é mencionada tendo em vista a preocupação de que o Estado não adote de maneira isolada ou uma ideologia autossuficiente, quando não estiver apto a atender suas obrigações em relação aos direitos aqui expostos. Ele deve pedir e aceitar assistência externa44. Aqui se percebe que as obrigações dos Estados são diferentes dependendo do tratado ao qual está vinculado. Alguns tratados, inclusive, especificam estas obrigações45 de maneira diferenciada e incluem ainda as medidas concretas que os Estados devem adotar, enquanto que o Pacto aqui analisado menciona que os Estados Partes devem adotar medidas, sem as especificar. Entretanto, pode-se antever que as medidas, aqui mencionadas, vão desde o âmbito legislativo, quanto administrativo, judicial, político, econômico, social e educacional, ou seja, todas as medidas que visam a assegurar o gozo dos direitos previstos no Pacto46. Ivo Sefton Azevedo esclarece que a elaboração de dois pactos (o Pacto de Direitos Civis e Políticos e o Pacto de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais) e não de apenas um, foi ditada pelo predomínio da opinião segundo a qual os direitos civis e políticos poderiam ser assegurados de imediato, enquanto que os direitos econômicos, sociais e culturais, dependeriam da criação de programas de ação estatal, ficariam condicionados as possibilidades materiais de cada Estado que os implantaria progressivamente “até o máximo de seus recursos disponíveis”47. Mas,   Handbook for National Human Rights Institution. Disponível em: www.ohchr.org/Documents/Publications/ training12en.pdf. Acesso em: 28 nov. 2012, p. 14. 44

45  Com relação às obrigações do Estado, segundo o Comitê de Direito Econômico, Social e Cultural, podem ser enumeradas em três: respeitar, proteger e realizar os direitos econômicos, sociais e culturais. Respeitar significa abster-se de interferir no gozo do direito; proteger, impedir que outras pessoas interfiram no gozo do direito e realizar, adotar medidas apropriadas tendo em vista lograr a plena efetividade do direito. Folleto informativo n. 33 de Derechos Humanos. Disponível em: www. ohchr.org/Documents/Publications/FS33_sp.pdf. Acesso em: 21 set. 2012, p. 14. 46   Handbook for National Human Rights Institution. Disponível em: . Acesso em: 28 nov. 2012, p. 9.

  AZEVEDO, Ivo Sefton. Direito Internacional Público. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 1980, p. 47.

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como bem asseveram Vladmir Oliveira da Silveira e Maria Mendez Rocasolano, “isso não quer dizer, no entanto, que eles tenham eficácia posterior ou dependam da boa vontade dos governantes. Em outras palavras, trazem repercussão econômica, embora condicionada à decisão do poder constituinte e às leis que detalharem sua aplicabilidade”48. A ideia de asseguração progressiva descreve um aspecto essencial das obrigações dos Estados em relação aos direitos econômicos, sociais e culturais, no âmbito dos tratados internacionais de direitos humanos. Este aspecto essencial diz respeito a tomar as medidas adequadas a fim de alcançar a realização dos direitos aqui tratados, até o máximo de seus recursos disponíveis. Ao se falar de “disponibilidade de recursos” não se quer dizer que o Estado deve utilizar todo seu orçamento para efetivar os direitos econômicos, sociais e culturais, mas sim, de reconhecer que a que efetividade de tais direitos, depende de recursos financeiros e que a sua implementação pode ser dificultada pela falta de recursos e que só pode ser atingido em certo período de tempo. Por outro lado, também significa que o cumprimento de um Estado com suas obrigações em adotar medidas adequadas levam em conta os recursos – econômicos e de outra espécie – que dispõem. Algumas constituições inclusive preveem a realização progressiva da efetividade de alguns direitos econômicos, sociais e culturais49. A concepção de asseguração progressiva pode gerar, entretanto, uma má interpretação, induzindo a ideia de que os Estados não são obrigados a proteger os direitos econômicos, sociais e culturais, até que eles não possuam recurso suficiente. E não é este o sentido proposto pelo presente Pacto. Tanto que, ele impõe obrigação de que os Estados Partes devem tomar medidas adequadas visando a alcançar a plena realização dos direitos nele previstos50. A falta de recursos não pode ser uma desculpa para a inação ou adiamento de medidas para implementar estes direitos. Os Estados devem demonstrar que estão fazendo todo o possível para melhorar o gozo dos direitos econômicos, sociais e culturais, mesmo quando os recursos sejam escassos. Como dispõe o Comitê de Direito Econômico, Social e Cultural 48

  SILVEIRA, Vladmir Oliveira da; ROCASOLANO, Maria Mendez. Direitos Humanos: conceito, significados e funções. São Paulo: Saraiva, 2010, p. 159. Handbook for National Human Rights Institution. Disponível em: . Acesso em: 28 nov. 2012, p. 11.

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  Esta perspectiva é prevista também no item 21 dos Princípios de Limburgo.

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da ONU (doravante designado Comitê), “independientemente de los recursos de que disponga, un Estado debe, con carácter prioritario, intentar conseguir que toda persona tenga por lo menos acceso a unos derechos mínimos y establecer objetivos para los programas de protección de los pobres, los marginados y las personas desfavorecidas”51. Aqui também é evocado os Princípios de Limburgo52, principalmente seus itens 22, 23 e 2453, que obriga que todos os Estados Partes garantam a efetividade dos direitos mínimos de subsistência a todos, independente do nível de desenvolvimento econômico de cada país. De outro lado, deve-se levar em conta que os direitos econômicos, sociais e culturais requerem um investimento maior em relação aos direitos civis e políticos, tendo em vista que neste caso o Estado deve, na maioria das vezes, se abster de interferir nas liberdades individuais. Já, quando se analisa a implementação de direitos econômicos, sociais e culturais, constata-se que muitos destes direitos para serem garantidos dependem de um grande investimento financeiro e humano54. Entretanto, apesar de se prever que os Estados devem dar efetividade aos 51   “[...], independente dos recursos disponíveis, o Estado deve, em caráter prioritário, tentar que toda pessoa tenha pelo menos a acesso ao mínimo de direitos e estabelecer objetivos para programas de proteção a pobres, marginalizados e desfavorecidos. (Tradução nossa). Folleto informativo n. 33 de Derechos Humanos. Disponível em: . Acesso em: 21 set. 2012, p. 19. 52 

Princípios de Limburgo ou Limburg principles são o conjunto de princípios elaboradas para a aplicação e interpretação do Pacto Internacional de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, definidos na reunião de países e organizações internacionais em Maastricht, Holanda, de 2 a 6 de junho de 1986.

  22. Some obligations under the Covenant require immediate implementation in full by all States Parties, such as the prohibition of discrimination in article 2 (2) of the Covenant. 23. The obligation of progressive achievement exists independently of the increase in resources; it requires effective use of resources available. 24. Progressive implementation can be effected not only by increasing resources, but also by the development of societal resources necessary for the realization by everyone of the rights recognized in the Covenant. Cf. Handbook for National Human Rights Institution. Disponível em: . Acesso em: 28 nov. 2012, p. 11. 53

54   O Comitê apenas lembra que, “no obstante, los derechos económicos, sociales y culturales también exigen que el Estado se abstenga de interferir en las libertades individuales, como las sindicales o el derecho a elegir el trabajo que se desee. Paralelamente, los derechos civiles y políticos, aunque abarcan libertades individuales, también requieren inversiones para lograr su plena efectividad. Por ejemplo, los derechos civiles y políticos exigen ciertas infraestructuras, como un sistema judicial que funcione, un sistema penitenciario que respete condiciones de vida mínimas para los reclusos, asistencia letrada, elecciones libres e imparciales, etc”. Folleto informativo n. 33 de Derechos Humanos. Disponível em: . Acesso em: 21 set. 2012, p. 10.

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direitos econômicos, sociais e culturais de maneira progressiva, não significa que não tenham que adotar medidas de imediato em algumas esferas, independente dos recursos que disponham. O Comitê enumera cinco esferas em que a aplicação dos direitos econômicos, sociais e culturais deve ser feita de imediato: eliminar a discriminação; efetivar os direitos não sujeitos a necessidade de progressividade; adotar medidas; proibir medidas regressivas e satisfazer o mínimo das obrigações essenciais55. A primeira esfera, eliminação de discriminação, é mencionada inclusive no inciso 2 do art. 2º aqui abordada, que prevê que, “os Estados Partes no presente Pacto comprometem-se a garantir que os direitos nele enunciados se exercerão sem discriminação alguma por motivo de raça, cor, sexo, língua, religião, opinião política ou de qualquer outra natureza, origem nacional ou social, situação econômica, nascimento ou qualquer outra situação”. Isto significa que os Estados devem, de imediato, proibir qualquer tipo de discriminação desta ordem na implementação dos direitos previstos na segunda pedra angular, como por exemplo, em relação aos cuidados relativos à saúde, à educação e lugar de trabalho. A efetivação dos direitos não sujeitos a necessidade de progressividade refere-se à implementação de alguns direitos econômicos, sociais e culturais que não requerem recursos importantes. Por exemplo, o direito de formar sindicatos, a obrigação de proteger as crianças e os jovens da exploração econômica e social. Ainda que o Estado tenha obrigação de alcançar progressivamente a eficácia visando a alcançar a eficácia plena dos direitos econômicos, sociais e culturais, o Estado não se isenta de angariar esforços constantes para melhorar o usufruto destes direitos, adotando medidas num período razoável de tempo. Neste âmbito, o art. 2 faz menção, em particular, a adoção de medidas legislativas56, 55  Folleto informativo n. 33 de Derechos Humanos. Disponível em: . Acesso em: 21 set. 2012, p. 17. 56   O Comitê na quadragésima segunda sessão, realizada em Genebra de 04 a 22 de maio de 2009, analisando o relatório submetido pelo Brasil, em conformidade com os art. 16 e 17 do Pacto, ressaltou o aspecto positivo das medidas legislativas adotadas pelo Brasil, tais como: (a) a “Lei Maria da Penha”, aprovada em 2006, que prevê a repressão da violência doméstica e familiar contra as mulheres, medidas de proteção e assistência às vítimas; (b) a remoção do Código Penal do conceito discriminatório de “mulher honesta”, anteriormente aplicado em certos casos de violência sexual contra as mulheres; (c) a introdução, em 2003, do Plano Nacional de Qualificação para coordenar políticas públicas de emprego para grupos vulneráveis, incluindo povos indígenas, afro-descendentes e mulheres; (d) o Programa Nacional de Merenda Escolar instituído para prover refeições gratuitas

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apesar de não ser a única medida cabível. O Comitê da matéria na ONU cita alguns exemplos de medidas que os Estados podem adotar a fim de alcançar a eficácia progressiva destes direitos: • Avaliar a garantia dos direitos econômicos, sociais e culturais, incluindo a garantia de mecanismos adequados para reunir e avaliar os dados relevantes e devidamente desagregados; • Desenvolver estratégias e planos e incluir indicadores e metas com tempo-limite para sua implantação, que devem ser realistas, exequíveis e destinados a avaliar os progressos realizados no sentido a alcançar a realização destes direitos; • Aprovar leis e políticas necessárias e alocar recursos suficientes para implementar os planos e estratégias; • Monitorar e avaliar periodicamente os progressos realizados na implementação de planos e estratégias; • Estabelecer mecanismos para permitir que os indivíduos façam reclamações quando o Estado não cumprir as suas obrigações57. A proibição de medidas regressivas diz respeito a não pior o sistema a 37 milhões de crianças em escolhas públicas; (e) o Programa Brasil sem Homofobia, que objetiva proteger e promover os direitos das pessoas homossexuais, incluindo seus direitos à integridade pessoal, educação, saúde e trabalho; (f) licenciamento compulsório de medicamentos anti-retrovirais para HIV/AIDS a fim de torná-los acessíveis e propiciar a expansão de tratamento para todos os pacientes; (g) o Sistema Nacional de Habitação de Interesse Social (SNHIS), cuja tarefa principal é urbanizar favelas, construir casas e melhorar as condições de moradia de grupos de baixa-renda; (h) o Fundo Nacional de Habitação de Interesse Social, juntamente com seu Conselho Gestor, instituído para centralizar e gerenciar os recursos orçamentários para os programas do SNHIS. Conclusões e recomendações do Comitê sobre o PIDESC ao Estado brasileiro. Disponível em: < http://pfdc. pgr.mpf.gov.br/atuacao-e-conteudos-de-apoio/publicacoes/reforma-agraria/questao-fundiaria/Comite_DESC_RecomendacoesaoBrasil_2009.pdf>. Acesso em: 14 nov. 2012.   • Evaluar la situación del disfrute de los derechos económicos, sociales y culturales, lo que incluye garantizar mecanismos adecuados para reunir y evaluar datos pertinentes y debidamente desglosados; • Formular estrategias y planes e incluir indicadores y objetivos con plazos, que deben ser realistas, alcanzables y destinados a evaluar los progresos realizados con miras al logro de la efectividad de tales derechos; • Aprobar las leyes y políticas necesarias y asignar fondos suficientes para poner en práctica los planes y estrategias; • Supervisar y evaluar periódicamente los progresos realizados en la ejecución de los planes y estrategias; • Establecer mecanismos para que los particulares puedan formular quejas cuando el Estado no cumpla sus obligaciones. Folleto informativo n. 33 de Derechos Humanos. Disponível em: . Acesso em: 21 set. 2012, p. 20-21. 57

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atual de proteção dos direitos econômicos, sociais e culturais, ao menos que haja uma justificativa muito plausível para a adoção de uma medida desta natureza. Por exemplo, o estabelecimento de um taxa de matrícula no ensino secundário, que anteriormente era gratuito, constituí uma medida regressiva. O Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos expressamente prevê a obrigação que o Estado possui de atender os níveis mínimos essenciais de cada direito esta obrigação não esta expressamente prevista no Pacto de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, entretanto, o Comitê de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais58 em suas observações gerais, dispõe que os Estado tem que: garantir o direito de emprego aos desfavorecidos e marginalizados; garantir acesso à alimentação que garanta que ninguém padeça de fome; dar acesso à moradia, alojamento, saneamento básico e água potável; fornecer medicamentos essenciais, em conformidade com o Programa de Ação de Medicamentos Essenciais da Organização Mundial da Saúde; garantir o ensino fundamental gratuito e obrigatório a todos; acesso a um sistema de seguridade social que prove as necessidades básicas de saúde, alojamento, moradia, água, saneamento, alimentos e ensino fundamental. Como ressaltou Louise Arbour, Secretária Geral do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos ressalta que Nunca será exagerado chamar a atenção para a importância dos direitos econômicos, sociais e culturais. A pobreza e a exclusão estão por trás de muitas das ameaças de segurança que enfrentamos, tanto a nível nacional e internacional e, portanto, prejudicam a promoção e proteção de todos os direitos humanos. Mesmo nas economias mais prósperas persistem   O Comitê de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais foi instituído pela Resolução ESC 1985/17 do Conselho Econômico e Social da  ONU e tem a função de monitorar a implementação dos direitos econômicos, sociais e culturais, previstos no Pacto. Em especial, tem a função de examinar relatórios periódicos, apresentados pelos Estados Partes e emitir “comentários gerais”, a interpretação autêntica e de máxima eficácia para as disposições do Pacto aqui analisado. A comissão funciona com base em fontes de informação, incluindo relatórios apresentados pelos Estados Partes e por agências especializadas da ONU, como a Organização Internacional do Trabalho, a Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura, a Organização Mundial da Saúde, a Organização das Nações Unidas para a Agricultura e Alimentação, entre outros. Ela também recebe informações de ONGs e organizações comunitárias que trabalham nos Estados que ratificaram o pacto. 58

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a pobreza e grandes desigualdades, e muitos grupos e indivíduos vivem em condições que os impedem de desfrutar de direitos humanos econômicos, sociais, civis, políticos e culturais. As desigualdades sociais e econômicas afetam o acesso à justiça e à vida pública. A globalização promoveu maiores taxas de crescimento econômico, entretanto não em todas as sociedades e nem em todas elas se desfruta de seus benefícios de forma igual. Diante desses desafios tão importantes para a segurança humana, é necessário não só para agir em nível nacional, mas também cooperar internacionalmente59. Outro ponto importante é compreender que apesar de o Estado ter o dever de promover estes direitos, não quer dizer que ele deva fazê-lo de maneira gratuita. É obrigação do Estado de garantir que as instalações, bens e serviços necessários para o gozo dos direitos econômicos, sociais e culturais sejam disponibilizados a preços acessíveis. Ou seja, que os custos diretos e indiretos relativos à moradia, à alimentação, à água, ao saneamento básico, à saúde e à educação não devem impedir que uma pessoa tenha acesso a estes serviços ou que comprometa a sua capacidade de desfrutar de outros direitos. Entretanto, para que haja a igualdade no exercício destes direitos, algumas pessoas precisam do auxílio do Estado, que, neste caso, arcará com os custos ou os subsidiará do exercício destes direitos. Por exemplo, em uma situação de seca severa, quando a escassez de alimentos contribuindo para a elevação de preços, os Estados podem fornecer alimentos e água para garantir que ninguém passe fome. Em outro caso, a prestação de serviços gratuitos permite que o Estado atinja a eficácia econômica, social e cultural. É o caso, por exemplo, da previsão internacional de gratuidade do ensino fundamental a todas as pessoas. 59   “Nunca podrá recalcarse lo suficiente la importancia de los derechos económicos, sociales y culturales. La pobreza y la exclusión se esconden detrás de muchas de las amenazas de seguridad a las que seguimos enfrentándonos tanto en el plano nacional como internacional y, por tanto, ponen en peligro la promoción y la protección de todos los derechos humanos. Incluso en las economías más prósperas persisten la pobreza y grandes desigualdades, y muchos grupos e individuos viven en condiciones que les impiden disfrutar de los derechos humanos económicos, sociales, civiles, políticos y culturales. Las desigualdades sociales y económicas repercuten en el acceso a la vida pública y la justicia. La globalización ha propiciado mayores tasas de crecimiento económico, pero no en todas las sociedades, ni en el seno de todas ellas, se disfruta de sus beneficios por igual. Ante esos desafíos tan importantes para la seguridad humana, es necesario no sólo actuar en el plano nacional sino también cooperar en el plano internacional”. Folleto informativo n. 33 de Derechos Humanos. Disponível em: . Acesso em: 21 set. 2012, p. 7.

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O importante aqui é deixar clara que a função de subsidiar custos e gratuidade de serviços referentes a direitos desta ordem tem como finalidade de promover a capacidade e liberdade exercer os seus direitos e não prestar assistência social. Pois, como bem prevê o Comitê, “os direitos econômicos, sociais e culturais exigem muito mais do que assistência social, inclui a remoção de barreiras sociais que dificultam a plena participação de todos na vida econômica e social”60. Isto também porque a negação dos direitos econômicos, sociais e culturais pode dar lugar a violações de outros direitos humanos61. A importância da proteção deste direito é tamanha que o art. 2 prevê que as medidas para a adoção destes direitos tanto devem ser feitas no âmbito nacional quanto por meio de cooperações internacionais e, sob a ótica internacional, como bem salienta Flávia Piovesan: […] está definitivamente superada a concepção de que os direitos sociais, econômicos e culturais não são direitos legais. Os direitos sociais, econômicos e culturais são autênticos e verdadeiros direitos fundamentais. Integram não apenas a Declaração Universal e o Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, como ainda, inúmeros 60 

“los derechos económicos, sociales y culturales requieren mucho más que la prestación de asistencia social, ya que incluyen la eliminación de las barreras sociales que obstaculizan la plena participación de todos en la vida económica y social”. Folleto informativo n. 33 de Derechos Humanos. Disponível em: . Acesso em: 21 set. 2012, p. 27.

61   Augusto Cançado Trindade, então presidente da Corte Interamericana de Direitos Humanos, já advertia isto na IV Conferência Nacional de Direitos Humanos, “De que vale o direito à vida sem o provimento de condições mínimas de uma existência digna, se não de sobrevivência (alimentação, moradia, vestuário)? De que vale o direito à liberdade de locomoção sem o direito à moradia adequada? De que vale o direito à liberdade de expressão sem o acesso à instrução e educação básica? De que valem os direitos políticos sem o direito ao trabalho? De que vale o direito ao trabalho sem um salário justo, capaz de atender às necessidades humanas básicas? De que vale o direito à liberdade de associação sem o direito à saúde? De que vale o direito à igualdade perante a lei sem as garantias do devido processo legal? E os exemplos se multiplicam. Daí a importância da visão holística ou integral dos direitos humanos, tomados todos conjuntamente. Todos nós experimentamos a indivisibilidade dos direitos humanos no quotidiano de nossas vidas. Todos os direitos humanos para todos, é este o único caminho seguro para a atuação lúcida no campo da proteção dos direitos humanos. Voltar as atenções igualmente aos direitos econômicos, sociais e culturais, face à diversificação das fontes de violações dos direitos humanos, é o que recomenda a concepção, de aceitação universal em nossos dias, da interrelação ou indivisibilidade de todos os direitos humanos”. O Brasil e o Pacto Internacional de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais. Disponível em: . Acesso em: 14 nov. 2012.

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outros tratados internacionais (ex.: a Convenção sobre a Eliminação da Discriminação Racial, a Convenção sobre os Direitos da Criança e a Convenção sobre a Eliminação da Discriminação contra a Mulher). A obrigação de implementar estes direitos deve ser compreendida à luz do princípio da indivisibilidade dos direitos humanos, reafirmado veementemente pela ONU na Declaração de Viena de 1993 e por outras organizações internacionais de direitos humanos62. O Pacto reconhece que muitos dos Estados são incapazes de cumprir as suas obrigações de forma isolada e que dependerão de ajuda internacional. Isto porque, muitas vezes, os Estados não possuem recursos para garantir a plena realização destes direitos de maneira imediata ou dentro de um curto período de tempo. Por essa razão, o Pacto determina a realização imediata da implementação de alguns direitos e não de sua totalidade, mas progressiva até o máximo de recursos disponíveis. Mas também possibilita que, se necessário, os Estados aceitem a ajuda externa para o seu programa de realização progressiva. 2. Os Estados Partes no presente Pacto comprometem-se a garantir que os direitos nele enunciados se exercerão sem discriminação alguma por motivo de raça, cor, sexo, língua, religião, opinião política ou de qualquer outra natureza, origem nacional ou social, situação econômica, nascimento ou qualquer outra situação. O item 2.2 repete um direito expressamente previsto no art. 2º da Declaração dos Direitos Humanos que exprime o princípio básico da igualdade e da não discriminação no que se refere ao gozo de direitos humanos e liberdades fundamentais, proíbe qualquer “distinção, nomeadamente de raça, de cor, de sexo, de língua, de religião, de opinião política ou outra, de origem nacional ou social, de fortuna, de nascimento ou de qualquer outra situação”. Este dispositivo teve tanto impacto que “exerceram uma influência significativa sobre inúmeros acordos multilaterais e bilaterais e tiveram um forte impacto na preparação de muitas Constituições e leis internas”. No caso brasileiro, este dispositivo foi praticamente

62  PIOVESAN, Flávia. Direitos Humanos e Direito Constitucional internacional. 2.ed. São Paulo: Max Lemonad, 1997, p. 197.

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reproduzido pelo art. 5º, da Constituição Federal de 198863. Na sequência, em 5 de janeiro de 1989, foi promulgada a Lei nº 7.716, visando punir os preconceitos resultante de raça ou de cor, que teve seu art. 1º modificado pela Lei nº 9.459, de 13 de maio de 1997, visando a punir, também, os crimes resultantes de discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional. Embora a discriminação seja vetada de maneira reticente em vários dispositivos nacionais e internacionais, ela continua sendo uma prática comum e de difícil combate. O Comitê, na Conferência Mundial de Direitos Humanos, celebrada em Viena, em 1993, inclusive assinalou que: A comunidade internacional condenou fortemente, e com razão, a negação do direito de voto ou o direito à liberdade de expressão, apenas por motivos de raça ou sexo. Em contraste, lamentavelmente, formas muito enraizadas de discriminação contra a mulher, os idosos, os deficientes e outros grupos vulneráveis e desfavorecidos no âmbito do gozo dos direitos econômicos, sociais e culturais muitas vezes são toleradas. Por exemplo, muitos defensores dos direitos humanos têm pouco a dizer sobre o fato de que em muitos países as mulheres “como uma recompensa [pela carga de trabalho maior do que proporcionalmente suportariam] muitas vezes recebem menos alimentos, menos cuidados de saúde, menos educação, menos treinamento, menos tempo livre, menor renda, menos direitos e menos proteção”. Os indicadores estatísticos citam tão frequentemente esta negação dos direitos econômicos, sociais e culturais que acabam já nem mais impressionando. A extensão, a severidade e a consistência com que esses direitos são negados, têm causado atitudes de resignação, sentimentos de impotência e perda da sensibilidade64. 63   A Constituição Federal também garante a proteção a idosos e portadores de deficiência física (arts. 227, § 1º, inciso II e § 2º; art. 230 e §§ 1º e 2º), sendo protegido também o trabalho do portador de deficiência em conformidade com o inciso XXXI do art. 7º da Constituição Federal. 64   La comunidad internacional condena enérgicamente, y con acierto, la denegación del derecho a votar o del derecho a la libertad de expresión, únicamente por motivos de raza o sexo. En cambio, las formas muy enraizadas de discriminación por lo que hace al disfrute de los derechos económicos, sociales y culturales contra la mujer, los ancianos, los discapacitados y otros grupos vulnerables y desfavorecidos, con excesiva frecuencia se toleran como una realidad lamentable. Así, por ejemplo, muchos defensores de los derechos humanos tienen poco que decir ante el hecho de que en muchos países las mujeres “como recompensa [por la carga de trabajo más que proporcional que soportan] suelen recibir menos alimentos, menor atención de salud, menos educación, menos formación, menos tiempo libre, ingresos más bajos, menos derechos y menos protección”. Se han citado con tanta frecuencia indicadores estadísticos para demostrar hasta qué punto se deniegan los derechos económicos, sociales y culturales que ya casi no impresionan. La magnitud, la gravedad y la constancia con

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O Comitê incentiva e enaltece os programas “Bolsa Família”, “Fome Zero” e o aumento do salário mínimo, mas ressalta que “continua preocupado com as persistentes desigualdades nas condições econômicas e a injustiça social associada existentes entre as diferentes regiões, comunidades e indivíduos” no Estado brasileiro, apesar destas medidas positivas. Ele demonstra preocupação também com a discriminação no acesso ao emprego às pessoas com deficiência, aos indígenas e às mulheres. Nota também que, “a taxa média de analfabetismo ser significativamente mais alta em áreas rurais e no norte do Estado Parte”65, outro motivo de preocupação. O Comitê também percebe “a permanência de disparidades significativas no acesso à educação superior baseadas em região geográfica, origem étnica e gênero” e recomenda a elaboração e implementação de “estratégias para aumentar o acesso à educação superior pelos grupos vulneráveis e forneça, em seu próximo relatório periódico [previsto para junho de 2014], informação sobre o impacto das medidas tomadas a esse respeito”66. Deve-se ressaltar que os casos de discriminação tratados no art. 2.2 são meramente exemplificativos, pois qualquer outra forma de discriminação injusta, como, por exemplo, a discriminação a homossexuais, e que repercuta negativamente no gozo dos direitos proclamados no Pacto devem ser combatidos. Vale ainda ressalvar que este dispositivo não só obriga os governos a recriminar qualquer tipo de comportamento discriminatório e alterar leis e práticas que permitem a discriminação, como também estabelece o dever dos Estados Partes de proibir os particulares e organismos a praticarem a discriminação em qualquer setor. Por fim, especialmente em relação ao inciso 3, do artigo objeto destes comentários, como bem ressalta Ángel Chueca Sancho, é condicional (os países em desenvolvimento poderão...), permitindo uma garantia parcial dos direitos que se deniegan esos derechos han provocado actitudes de resignación, sentimientos de impotencia y pérdida de sensibilidad. Folleto informativo n. 33 de Derechos Humanos. Disponível em: . Acesso em: 21 set. 2012, p. 7-8. 65

  Conclusões e recomendações do Comitê sobre o PIDESC ao Estado brasileiro. Disponível em: . Acesso em: 14 nov. 2012. 66

  Conclusões e recomendações do Comitê sobre o PIDESC ao Estado brasileiro. Disponível em: . Acesso em: 14 nov. 2012. 51

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econômicos do pacto por parte dos Estados aos não nacionais67. Mas, por outro lado, os Estados Partes são obrigados, independentemente do seu nível de desenvolvimento econômico, garantir o respeito para os direitos de subsistência mínimos para todos que estivem em seu território. Segundo os princípios de Limburgo, como regra geral, o pacto se aplica igualmente tanto aos nacionais quanto aos não nacionais de um determinado país. E, ainda elucida que, o propósito original deste do art. 2.3 era por fim a dominação de determinados grupos econômicos não nacionais da época da colonização, mas este dispositivo deveria ser interpretado restritivamente. A interpretação restritiva se referia, em particular, aos termos “direito econômico” e “países em desenvolvimento”. Este último referindo-se àqueles países que lograram sua independência e são classificados pelas Nações Unidas como países em desenvolvimento68.

SANCHO, Ángel Chueca. Derechos humanos, inmigrantes en situación irregular y Unión Europea. Valladolid: Lex Nova, 2010, p. 120.

67 

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  Neste sentido: Principios de Limburg sobre la Aplicación del Pacto Internacional de Derechos Económicos, Sociales y Culturales. Disponível em: . Acesso em: 11 jan. 13. 52

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REFERÊNCIAS AZEVEDO, Ivo Sefton. Direito Internacional Público. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 1980. Conclusões e recomendações do Comitê sobre o PIDESC ao Estado brasileiro. Disponível em: http://pfdc.pgr.mpf.gov.br/atuacao-e-conteudosde-apoio/publicacoes/reforma-agraria/questao-fundiaria/Comite_DESC_ RecomendacoesaoBrasil_2009.pdf. Acesso em: 14 nov. 2012. Folleto informativo n. 33 de Derechos Humanos. Disponível em: www.ohchr.org/ Documents/Publications/FS33_sp.pdf. Acesso em: 21 set. 2012. Handbook for National Human Rights Institution. Disponível em: www.ohchr.org/ Documents/Publications/ training12en.pdf. Acesso em: 28 nov. 2012, p. 14. O Brasil e o Pacto Internacional de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais. Disponível em: www.dhescbrasil.org.br/attachments/168_O%20Brasil%20e%20 o%20Pacto%20Internacional%20de%20Direitos.pdf. Acesso em: 14 nov. 2012. PIOVESAN, Flávia. Direitos Humanos e Direito Constitucional internacional. 2. ed. São Paulo: Max Lemonad, 1997. Principios de Limburg sobre la Aplicación del Pacto Internacional de Derechos Económicos, Sociales y Culturales. Disponível em: http://ip.aaas.org/escrdocs_ sp.nsf/287fccf1bc425ff4852 567590054d44b/1dc9c131a762c7598525691c0068b 4b4?OpenDocument. Acesso em: 11 jan. 13. SANCHO, Ángel Chueca. Derechos humanos, inmigrantes en situación irregular y Unión Europea. Valladolid: Lex Nova, 2010. SILVEIRA, Vladmir Oliveira da; ROCASOLANO, Maria Mendez. Direitos Humanos: conceito, significados e funções. São Paulo: Saraiva, 2010.

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ARTIGO 3º Os Estados Partes no presente Pacto comprometem-se a assegurar a homens e mulheres igualdade no gozo dos direitos econômicos, sociais e culturais enumerados no presente Pacto. Narciso Leandro Xavier Baez Coordenador Acadêmico Científico, Professor e Pesquisador do Programa de Pesquisa, Extensão e Pós Graduação em Direito e do Centro de Excelência em Direito da Universidade do Oeste de Santa Catarina. Pós Doutorando em Mecanismos de Efetividade dos Direitos Humanos Fundamentais na Universidade Federal de Santa Catarina. Doutor em Direitos Fundamentais e Novos Direitos, com Estágio de Doutorado (Bolsa CAPES) no Center for Civil and Human Rights da University of Notre Dame, Indiana, Estados Unidos. Mestre em Direito Público. Especialista em Processo Civil. Juiz Federal da Quarta Região (Brasil) desde 1996.

COMENTÁRIOS: O compromisso de igualdade entre homens e mulheres no gozo dos direitos econômicos, sociais e culturais enumerados neste Pacto Internacional são o corolário do direito de igualdade reconhecido em diversas declarações sobre direitos humanos, bem como nas Constituições nacionais da maior parte dos países ocidentais e orientais. Observe-se que o artigo segundo69 da Carta de ONU, por exemplo, enfatiza que os direitos que proclama podem ser invocados por todos os homens, sem distinção de qualquer natureza, independentemente do contexto político,

69   Art. 2 (Declaração Universal da ONU) – “Todos os seres humanos podem invocar os direitos e as liberdades proclamados na presente Declaração, sem distinção alguma, nomeadamente de raça, de cor, de sexo, de língua, de religião, de opinião política ou outra, de origem nacional ou social, de fortuna, de nascimento ou de qualquer outra situação. Além disso, não será feita nenhuma distinção fundada no estatuto político, jurídico ou internacional do país ou do território da naturalidade da pessoa, seja esse país ou território independente, sob tutela, autônomo ou sujeito a alguma limitação de soberania.” In: GHANDHI, P. R. Internacional Human Rights Documents. 4. ed. New York: Oxford University Press, 2004, p. 22.

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jurídico ou internacional em que estejam.70 Esse dispositivo é reforçado pelo artigo sétimo71, do mesmo documento, o qual define que todos são iguais perante a lei e dela devem receber equânime proteção, sendo amparados isonomicamente contra qualquer tipo de discriminação ou incitamento à discriminação que importe na violação dos direitos consagrados nessa Declaração Universal.72 No mesmo sentido, o artigo vinte um reforça o direito de igualdade ao garantir o acesso isonômico aos cargos públicos eletivos ou não, bem como equidade de voto na escolha dos representantes públicos.73 Saliente-se que a primeira parte do artigo sétimo da Declaração da ONU, nas palavras do representante australiano da Comissão responsável pela elaboração deste texto, transforma o princípio abstrato de igualdade, previsto genericamente no artigo segundo, em uma norma objetiva, pois todos os indivíduos passam a ter direito à igualdade de tratamento ao abrigo de quaisquer leis existentes.74 A Carta dos Direitos Humanos dos Povos Africanos também reconhece, em seu artigo segundo e terceiro75, a igualdade entre as pessoas, não admitindo qualquer espécie de distinção discriminatória. Já a Declaração Universal do Islã reconhece expressamente, no seu artigo terceiro76, que todas as pessoas são iguais 70

  LOESCHER, GIL; LOESCHER, Ann. Human Rights: a Global Crisis. New York: 1978, op. cit. p. 114. 71 

Art. 7 (Declaração Universal da ONU) – “Todos são iguais perante a lei e, sem distinção, têm direito a igual proteção da lei. Todos têm direito a proteção igual contra qualquer discriminação que viole a presente Declaração e contra qualquer incitamento a tal discriminação.” In: GHANDHI, op. cit., p. 23.   TALWAR, Prakash. Human Rights. Delhi: Isha Books, 2006, p. 35.

72

  Art. 21 (Declaração Universal da ONU) – “1. Toda a pessoa tem o direito de tomar parte na direção dos negócios públicos do seu país, quer diretamente, quer por intermédio de representantes livremente escolhidos. 2. Toda a pessoa tem direito de acesso, em condições de igualdade, às funções públicas do seu país. 3. A vontade do povo é o fundamento da autoridade dos poderes públicos: e deve exprimir-se através de eleições honestas a realizar periodicamente por sufrágio universal e igual, com voto secreto ou segundo processo equivalente que salvaguarde a liberdade de voto.” In: GHANDHI, op. cit., p. 24.

73

74   ROBINSON, Nehemiah. Universal Declaration of Human Rights. Its Origins, Significance and Interpretation. New York: Institute of Jewish Affairs, 1950, p. 44. 75  Art. 3 (Carta Africana de Direitos Humanos) – “1.Todas as pessoas beneficiam-se de uma total igualdade perante a lei. 2.Todas as pessoas têm direito a uma igual proteção da lei.”. In: In: GHANDHI, op. cit., p. 423. 76   Art. III (Declaração do Islã) – “Todas as pessoas são iguais perante a lei e têm direito a oportunidades iguais e proteção da Lei.” In: AL-MARZOUQI, Ibrahim Abdulla. Human Rights in Islamic Law.

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perante a lei e devem receber oportunidades iguais de proteção. Além disso, ressalta, ao fim do documento, em suas notas explicativas, que o “termo ‘pessoa’ refere-se tanto ao homem quanto à mulher”, buscando não deixar dúvida em sua intenção de promover igualdade real entre todos os seres humanos.77 Outro aspecto digno de nota é o estabelecido no artigo décimo78 desse documento, onde se proclama o direito às minorias, garantindo-se que, nos países que adotam a religião muçulmana como Lei Fundamental, deve haver respeito aos seguidores de outras religiões, os quais terão o direito de escolher serem regidos pela Lei Islâmica ou pelas Leis de suas religiões. Observe-se, contudo, que, embora os três documentos internacionais proclamem a igualdade real entre as pessoas, inclusive entre homens e mulheres, sem permissivo para discriminações de qualquer natureza, muitas culturas ocidentais acusam os povos islâmicos de colocarem as mulheres em situação de desigualdade, seja pela obrigação do uso do véu cobrindo o rosto em locais públicos, seja pelo papel de obediência que a mulher deve ao marido na relação conjugal.79 Essas acusações merecem uma análise detalhada, a fim de se verificar em que nível de dimensão da dignidade humana a direito de igualdade está situado. As Declarações de Direitos Humanos da Organização dos Estados Americanos80 e da Organização das Nações Unidas81, ambas de 1948, reconheceram, em seus Abu Dhabi: Intl Specialized Book Service, 2000, p. 555. 77 

AL-MARZOUQI, op. cit., p. 560.

  Art. X (Declaração do Islã) – “a. O princípio alcorânico “não há compulsão na religião” deve governar os direitos religiosos das minorias não muçulmanas; b. Em um país muçulmano, as minorias religiosas, no que se refere às suas questões civis e pessoais, terão o direito de escolher serem regidas pela Lei Islâmica ou por suas próprias leis.” In: AL-MARZOUQI, op. cit., p. 556. 78

79 

TARLO, Emma. Visibly Muslim: Fashion, Politics, Faith. Oxford: Berg, 2010, p. 03.

  No primeiro parágrafo do Preâmbulo da Declaração Americana dos Direitos e Deveres do Homem foi estabelecido expressamente: “Todos os homens nascem livres e iguais em dignidade e direitos e, como são dotados pela natureza de razão e consciência, devem proceder fraternalmente uns para com os outros” In: LAWSON, Edward. Encyclopedia of Human Rights. 2 ed. Washington: Taylor & Francis, 1999, p. 71. 80

81   A Declaração da ONU estabelece no primeiro parágrafo de seu preâmbulo: “Considerando que o reconhecimento da dignidade inerente a todos os membros da família humana e dos seus direitos iguais e inalienáveis constitui o fundamento da liberdade, da justiça e da paz no mundo”. Além disso, estabelece no seu artigo primeiro que: “Todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e em direitos. In: GHANDHI, P. R. Internacional Human Rights Documents. 4. ed. New York: Oxford University Press, 2004, p. 22/3.

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preâmbulos, um valor comum que deveria ser utilizado como base de todos os direitos ali consignados, qual seja, a dignidade humana82, que passou a ser reconhecida como o valor essencial e pedra angular de todos os direitos ali enunciados.83 No mesmo sentido, a Carta de Direitos Fundamentais da União Européia também reconhece que “valores indivisíveis e universais da dignidade do ser humano, da liberdade, da igualdade e da solidariedade” como base dos direitos que declara.84 Na seara filosófica, as diversas teorias ocidentais que buscam fundamentar os direitos humanos85 também relacionam, por diferentes argumentos e caminhos, que esses direitos são formas de realização da dignidade humana, pondo em relevo que é esse o elemento ético nuclear dessa classe de direitos, na visão ocidental, pois eles têm como raiz o valor intrínseco à dignidade encontrada nos seres humanos.86 Adverte-se, no entanto, que o uso da dignidade como base dos direitos inerentes aos seres humanos não é uma descoberta do ocidente, uma vez que essa base moral também é encontrada em outras tradições sociais, em épocas anteriores ao próprio cristianismo.87 Para os povos que seguem os valores morais do confucionismo, por exemplo, o qual representa uma tradição que teve início na China há mais de 2.500 anos, não existe a ideia individualista de direitos, pois se espera de cada pessoa que desempenhe um papel ativo no meio em que vive, cumprindo obrigações consigo e com a sociedade.88 Os valores morais do   Neste trabalho, opta-se pelo uso da expressão dignidade humana, por representar abstratamente um atributo reconhecido à humanidade como um todo, evitando-se, com isso, o uso da expressão dignidade da pessoa humana, por estar associado a situações concretas, individualmente consideradas nos contextos de seus desenvolvimentos morais e sociais. Utiliza-se, por conseguinte, a mesma distinção feita por Ingo Sarlet, Dignidade da Pessoa Humana e Direitos Fundamentais na Constituição Federal de 1988. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2001, p.38. 82

  MAHONEY, Jack. The Challenge of Human Rights: Origin, Development, and Significance. Oxford: Blackwell Publishing, 2007, p. 145. 83

  GHANDHI, op. cit., p. 378.

84

  BAEZ, Narciso Leandro Xavier; BARRETTO, Vicente. Direitos Humanos e Globalização. In:_______. (Orgs). Direitos Humanos em Evolução. Joaçaba: Editora Unoesc, 2007, p. 18. 85

86  FLOOD, Patrick James. The Effectiveness of UN Human Rights Institutions. Westport: Praeger Publishers, 1998, p. 09. 87   PAREKH, Bhikhu. Pluralist universalism and human rights. In: SMITH, Rhona K. M.; ANKER, Cristien van den. The essentials of human rights. London: Oxford University Press, 2005, p. 284.

  CHAN, Joseph. Confucianism and human rights. In: SMITH, Rhona K. M.; ANKER, Cristien van den. The essentials of human rights. London: Oxford University Press, 2005, p. 55/6.

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confucionismo se desenvolvem em um sistema de relações interpessoais que têm na humanidade, a qual é chamada de ren ou jen, a mais básica de todas as virtudes que é encontrada em cada indivíduo, o que importa no respeito, na preocupação e no cuidado com a vida do outro, sintetizada na prática do shu, ou seja, não impor aos outros aquilo que não desejamos para nós mesmos.89 Como se pode observar, a base dos direitos e deveres das pessoas nesse sistema moral é a própria humanidade, ou seja, o atributo que dignifica cada ser humano e que faz com que os demais o respeitem e se preocupem com o seu bem estar. No que se refere à filosofia Budista, desenvolvida nos séculos VI e IV a.C., através dos ensinamentos de Buda, e que é adotada pela maior parte dos povos que vivem entre a região do Sri Lanka, do sudeste da Ásia e de grande parte do Japão, vê-se que não contempla diretamente os valores relacionados à dignidade humana, considerada isoladamente em cada ser humano, pois, nessa moral, o indivíduo é parte inseparável de um todo: a coletividade.90 Nessa lógica, o eu é uma ilusão, já que todos os seres humanos são interdependentes e a sua existência se justifica a partir da relação que estabelecem uns com os outros, razão pela qual a defesa de direitos individuais seria uma contradição, visto que colocaria o indivíduo em primeiro lugar, separando-o da unidade coletiva que integra.91 Desse modo, prega-se a existência de uma igualdade essencial entre os seres humanos, sendo a virtude, externada pela fraternidade, generosidade e respeito pelo outro, sem discriminação de qualquer natureza, o critério que os valoriza e que deve ser adotado para que se tenha uma sociedade pacífica.92 Violações como a escravidão, a tortura, entre outras mazelas que os direitos humanos se propõem a evitar, não encontram espaço para ocorrer na filosofia Budista, visto que elas 89

  LENG, Shao-Chuan. Human Rights in Chinese Political Culture. In: THOMPSON, Kenneth W. The Moral Imperativs of Human Rights: A World Survey. Washington: University Press of America, 1980, p. 83. 90 

CHAN, Stephan. Buddhism and human rights. In: SMITH, Rhona K. M.; ANKER, Cristien van den. The essentials of human rights. London: Oxford University Press, 2005, p. 25/6.   IHARA, Craig K. Why There Are no Rights in Buddhism: A Repply to Damien Keown. In: KEOWN, Damien V.; CHARLES, S. Prebish; WAYNE, R. Husted. Buddhism and Human Rights. Cornwall: Curzon, 1998, p. 44/5.

91

  HONGLADAROM, Soraj. Buddhism and Human Rights in the Thoughts of Sulak Sivaraksa and Phra Dhammapidok (Prayudh Prayutto). In: KEOWN, Damien V.; CHARLES, S. Prebish; WAYNE, R. Husted. Buddhism and Human Rights. Cornwall: Curzon, 1998, p. 99-100. 92

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são resultado de forte conexão com o eu dos violadores que não se enxergam como parte de um todo.93 É por esse motivo que os budistas defendem que, se não existisse o reforço do individualismo e a consciência do eu, tão proclamados pelas culturas ocidentais, não haveria motivos para a violação dos direitos previstos na Declaração Universal, já que o respeito dos valores ali consignados seria uma consequência natural da consciência coletiva entre os seres humanos.94 Outro aspecto que merece destaque é que, no Budismo, os indivíduos são entendidos como sendo parte de todos os seres que habitam o planeta, sejam eles sencientes95 ou não, pois eles têm em comum o fato de serem igualmente mutáveis e temporários, cabendo aos seres humanos, por serem os únicos que têm a capacidade de escolha moral, a responsabilidade cósmica de auxiliar os outros seres no progresso evolutivo.96 Veja-se que, diferentemente do que acontece na Declaração da ONU, a qual adota um viés exclusivamente antropocêntrico, colocando o homem como centro e único destinatário de todos os direitos ali previstos, na filosofia Budista, os direitos devem ser partilhados com todos os outros seres da natureza. Além disso, cada ser humano tem um papel a desenvolver no sentido de sustentar e promover a justiça social e a ordem, através do cumprimento de obrigações sagradas recíprocas que devem existir entre todos, tais como entre pais e filhos, professores e alunos, marido e esposa, parentes, amigos, vizinhos, empregadores e empregados.97 Esse conjunto de valores morais percebidos no Budismo revela que o fundamento de qualquer direito inerente aos seres humanos será encontrado nos deveres sagrados que eles têm uns com os outros. Nessa percepção, a dignidade humana é dimensionada coletivamente, na medida em que se estabelece como meta principal da humanidade a cessação do sofrimento.   HONGLADAROM, op. cit., p. 100.

93

94 

HONGLADAROM, op. cit., p.100.

95 

Sencientes são todos os seres, humanos ou não, passíveis de sofrimentos físicos e psíquicos, ou seja, que têm sensações, como, por exemplo, os cachorros, os gatos, entre outros. In: SINGER, Peter. Animal Liberation. 2. ed. New York: The New York Review of Books, 1990, p. 8. 96  JUNGER, Peter D. Why the Buddha Has no Rights. In: KEOWN, Damien V.; CHARLES, S. Prebish; WAYNE, R. Husted. Buddhism and Human Rights. Cornwall: Curzon, 1998, p. 54. 97  KEOWN, Damien. Are There Human Rights in Buddhism? In: KEOWN, Damien V.; CHARLES, S. Prebish; WAYNE, R. Husted. Buddhism and Human Rights. Cornwall: Curzon, 1998, p. 20-21.

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No que concerne à tradição Hindu, terceira maior religião do mundo, adotada principalmente na Índia há mais de 3.500 anos, vê-se que reconhece distintos níveis na natureza humana, a qual divide em castas.98 Nesse sistema moral, parte-se do raciocínio de que existem diferenças fundamentais e imutáveis nos seres humanos, as quais importam na necessidade do estabelecimento de diferentes normas de comportamento, apropriados à posição de cada um na vida.99 Como consequência, surgem vários níveis de verdades espirituais, que são igualmente válidas, embora toda a verdade seja uma e a mesma.100 Por isso, não há como se estabelecer uniformidade de normas aplicadas a todos de igual maneira, visto que cada grupo (casta) tem o seu dharma (lei) tradicionalmente definido e religiosamente sancionado.101 Assim, para atingir a perfeição, os indivíduos devem procurar cumprir suas obrigações de acordo com a casta em que nasceram, recebendo a oportunidade, em cada renascimento, de submeterem-se a diferentes castas e direitos, até atingirem a perfeição (moksha).102 Destaca-se, ainda, que, mesmo dentro das diferentes castas, cada indivíduo ocupa um lugar central e inviolável, em razão de sua potencial realização espiritual, pois todos seguem o caminho evolutivo que levará ao moksha.103 Como se percebe, o sistema Hindu também parte da natureza humana e de sua dignidade para definir os direitos que devem ser reconhecidos aos indivíduos e as responsabilidades a eles inerentes. O fato de essa cultura adotar o controvertido sistema de castas para dimensionar o patamar dos direitos de cada um no meio social em que vive não altera, contudo, a realidade de que o ponto de partida desse sistema moral está na dignidade inerente aos seres humanos, já que em cada casta o indivíduo é o centro inviolável de potencial realização espiritual. Assim, vê-se 98   BUULTJENS, Ralph. Human Rights in Indian Political Culture. In: THOMPSON, Kenneth W. The Moral Imperativs of Human Rights: A World Survey. Washington: University Press of America, 1980, p. 112/3.

  SOUTH ASIA HUMAN RIGHTS DOCUMENTATION CENTRE. Human Rights and Humanitarian Law. New Dehli: Oxford University Press, 2008, p. 215.

99

  BUULTJENS, op. cit., p 112/3.

100

  SOKO, Keith. A Mounting East-West Tension. Milwaukee: Marquette University Press, 2009, p. 61. 101

  HARSH, Bhanwar Lal. Human Rights in India: Protection and Implementation of the Human Rights Act, 1993. New Delhi: Regal Publications, 2009, p. 32/3. 102

  TALWAR, op. cit., p. 72.

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que essa é a base que dá sustentação ao reconhecimento dos diferentes níveis de direitos a que as pessoas têm acesso dentro desse sistema. Outra cultura que merece destaque é a adotada pela maior parte dos povos que vivem no centro, no leste e no meridional do continente Africano, os quais seguem um antigo código moral chamado ubuntu, que enfatiza a importância da hospitalidade, do respeito e da generosidade que os indivíduos devem ter uns para com os outros, pelo fato de pertencerem a uma única família humana.104 Nesse conjunto axiológico, o indivíduo é uma pessoa através de outras pessoas, ou seja, a dignidade do ser humano é construída na medida em ele participa e compartilha a sua vida de maneira coletiva, ajudando os outros seres humanos.105 Essas características tornam evidente que, nessa cultura, a dignidade inerente aos seres humanos também é a base ideológica que rege as normas que fundamentam os direitos essenciais dentro desses grupos. A prova disso está no fato de que, em 1981, a Carta Africana dos Direitos Humanos e dos Povos coroou, no terceiro parágrafo de seu preâmbulo, a realização da dignidade como um dos objetivos essenciais a ser atingido pelo povo africano.106 Já na cultura islâmica, a qual que se baseia na moral religiosa para normatizar as condutas sociais, sendo a segunda maior religião do mundo em número de adeptos, vê-se que há, nos seus textos sagrados, uma preocupação constante com a preservação da dignidade humana, a qual é estabelecida por meio de mandamentos que protegem as várias formas de sua realização, como a vida, a liberdade, a igualdade, entre outros.107 Aliás, essas condições culminaram na promulgação da Declaração Geral de Direitos Humanos do Islã, cujo texto tem por base o Alcorão e o Sunnah, sendo resultado do trabalho de estudiosos, juristas e representantes muçulmanos dos movimentos e pensamento islâmicos.108   MURITHI, Tim. Ubuntu and human rights. In: SMITH, Rhona K. M.; ANKER, Cristien van den. The essentials of human rights. London: Oxford University Press, 2005, p. 341. 104

105 

LEGESSE, Asmarom. Human Rights in African Political Culture. In: THOMPSON, Kenneth W. The Moral Imperatives of Human Rights: A World Survey. Washington: University Press of America, 1980, p 123/4.

106 

GHANDHI, op. cit., p. 423.

  PISCATORI, James P. Human Rights in Islamic Political Culture. In: THOMPSON, Kenneth W. The Moral Imperativs of Human Rights: A World Survey. Washington: University Press of America, 1980, p. 152/3. 107

108 

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MAYER, Ann Elisabeth. The Islamic Declaration on Human Rights. In: SMITH, Rhona K. M.;

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No primeiro parágrafo do prefácio dessa declaração ficou estabelecido que “(...) o Islã concedeu à humanidade um código ideal de direitos humanos. Esses direitos têm por objetivo conferir honra e dignidade à humanidade, eliminando a exploração, a opressão e a injustiça”.109 Desse modo, fica claro que, para essa cultura, a dignidade humana também é o elemento nuclear e principal objetivo dos direitos humanos. No mesmo sentido é a Carta Árabe dos Direitos Humanos, que estabelece, expressamente, no primeiro parágrafo de seu preâmbulo, a “crença das Nações Árabes na dignidade humana desde que Deus a honrou”, ressaltando que todos os seres humanos têm “direito a uma vida digna, baseada na liberdade, justiça e paz”.110 Quanto à tradição judia, observa-se que valores morais que conduzem a vida de seus seguidores são entendidos como responsabilidades as quais eles devem cumprir em razão de decretos divinos, insertos no Torah, cujo norte é a santidade da vida e a preservação e proteção da dignidade humana, uma vez que homens e mulheres foram criados à imagem de Deus.111 Como se vê, a própria concepção que identifica o ser humano com Deus, tornando-o especial e diferente das outras espécies, prova que esse sistema axiológico também utiliza a dignidade humana como fundamento dos direitos que se denominam humanos. Por fim, no que concerne às culturas do Leste Europeu e da região da antiga União Soviética, observa-se que, depois do colapso do comunismo, esses povos iniciaram reformas políticas de larga escala que culminaram por incorporar os valores da Declaração Universal da ONU em suas constituições, reforçando a máxima que reconhece a dignidade inerente aos indivíduos como o fundamento dos direitos e garantias individuais.112 ANKER, Cristien van den. The essentials of human rights. London: Oxford University Press, 2005, p. 209. 109   DALACOURA, Katerina. Islam and human rights. In: SMITH, Rhona K. M.; ANKER, Cristien van den. The essentials of human rights. London: Oxford University Press, 2005, p. 207/8. 110 

GHANDHI, op. cit., p. 465.

  SOETENDORP, Awraham. Jewish Tradition and Human Rights. In: SMITH, Rhona K. M.; ANKER, Cristien van den. The essentials of human rights. London: Oxford University Press, 2005, p. 211.

111

112

  MIKLÓS, András. Central and Eastern Europe: The Reality of Human Rights. In: SMITH, Rhona K. M.; ANKER, Cristien van den. The essentials of human rights. London: Oxford University Press, 2005, p. 37. 63

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Esse breve panorama sobre as morais adotadas nas culturas de maior expressão na atualidade leva à conclusão de que os valores morais ligados aos direitos humanos não constituem privilégio ou invenção de um único grupo. Ao contrário, o homem encontra diferentes tipos de representações e múltiplas formas de compreensão nas distintas culturas, as quais têm, na dignidade inerente aos seres humanos, em suas complexas formas de exteriorização e entendimento, seja no âmbito individual, seja como parte de um todo coletivo, o traço comum que tem servido de justificação para a implementação dos direitos essenciais possuídos pelos seres humanos.113 Essa conclusão é também reforçada pela Declaração para uma Ética Global, promulgada em 1993, durante o encontro do Parlamento das Religiões do Mundo114, realizado em Chicago, nos Estados Unidos. Nesse evento, foram reunidos 6.500 (seis mil e quinhentos) líderes religiosos, de todas as partes do mundo, com o objetivo de desenvolver uma nova ética global, através de um conjunto comum de valores essenciais que estão presentes nos ensinamentos das diferentes crenças.115 O valor dessa Declaração está no fato de que ela foi fruto de discussão democrática entre representantes de diversas culturas, os quais culminaram por reconhecer que existem certos valores obrigatórios e irrevogáveis que devem nortear as ações de todas as pessoas no mundo, independentemente de seguirem ou não uma crença religiosa.116 Os valores éticos reconhecidos por essa Declaração baseiam-se na existência de fundamental unidade da família humana sobre a terra, a qual se manifesta pela total realização da dignidade intrínseca da pessoa humana expressa pela liberdade inalienável, pela igualdade e pela necessária solidariedade e interdependência existente entre todos os indivíduos.117 Por tais motivos é que ficou   LI, Xiaorong. Ethics, human rights, and culture: beyond relativism and universalism. New York: Palgrave Macmillan, 2006, p. 145. 113

114 

COUNCIL FOR A PARLIAMENT OF THE WORLD’S RELIGIONS. Declaration towards a Global Ethic. Disponível em . Acesso em: 07 maio 2011.

115 

KÜNG, Hans; KUSCHEL, Karl-Josef. A Glogal Ethic: The Declaration of The Parliament of the World’s Religions. New York: The Continuum International Publishing Group Inc., 1993, p. 08.

116 

KÜNG, op. cit., p. 18.

  KÜNG, op. cit., p. 20.

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consignado em seu texto que cada ser humano, sem distinção de idade, sexo, raça, cor, habilidade mental ou física, linguagem, religião, posição política ou origem nacional ou social “possui uma inalienável e intocável dignidade, a qual deve ser protegida por todos, indivíduos e Estado, os quais são obrigados a honrá-la e protegê-la”.118 Assim, levando em conta que o ponto convergente entre as religiões, as culturas e as Declarações internacionais sobre direitos humanos é o reconhecimento expresso de que o fundamento e a própria finalidade desses direitos estão na realização e na proteção da dignidade humana, torna-se primordial, a partir dessa constatação, entender o que venha a ser essa dignidade e quais são as suas dimensões de atuação. Encontrar a definição de dignidade humana não é tarefa fácil porque ela comporta respostas que vão desde a esfera religiosa e filosófica até a científica.119 Além disso, a expressão por si só é tão ampla, vaga e contestada120 que alguns autores como François Borella121 e Claire Neirink122 sustentam que, embora o direito deva reconhecer e proteger a dignidade humana, é impossível atribuir-se definição jurídica para ela, posto que representa uma noção filosófica da condição humana, associada às suas imensuráveis manifestações de personalidade. A dificuldade apontada pelos referidos autores é constatada na medida em que, quando se fala em dignidade humana como atributo dos indivíduos, normalmente observa-se que há compreensão genérica relativamente fácil do que ela representa. Contudo, quando se tenta expressar o seu significado em palavras, surgem muitas controvérsias, pois

  Nos exatos termos da Declaração para uma Ética Global: “This means that every human being without distinction of age, sex, race, skin color, physical or mental abitlity, language, religion, political view, or national or social orign possesses na inalienable and untouchable dignity, and everyone, the individual as well as the state, is therefore obliged to honor this dignity and protect it.”. In: KÜNG, op. cit., p. 6. 118

  COMPARATO, Fábio Konder. A afirmação histórica dos direitos humanos. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2001, p. 01.

119

  OREND, Brian. Human Rights: Concept and Contxtex. Peterborough, (Ontario-Canadá): Boadview Press, 2002, p. 87/8.

120

121   BORELLA, François. Le Concept de Dignité de la Personne Humaine. In: PEDROT, Philippe (Dir). Ethique Droit et Dignité de la Personne. Paris: Economica, 1999, p. 37. 122 

NEIRINCK, Claire. La Dignité de la Personne ou le Mauvais Usage d’une Notion Philosophique. In: PEDROT, Philippe (Dir). Ethique Droit et Dignité de la Personne. Paris: Economica, 1999, p. 50. 65

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a expressão vem carregada de diversos sentimentos.123 Outro problema a ser enfrentado, como bem destaca Boaventura de Souza Santos, está na forte resistência cultural instaurada acerca da utilização da expressão dignidade humana, visto que, para muitas culturas, ela tem se assentado, desde a promulgação da Declaração da ONU, em parâmetros morais exclusivamente ocidentais, sem qualquer respeito ou consideração pela história e forma como as demais culturas desenvolveram ao longo da sua trajetória o respeito e a proteção da dignidade de seus membros.124 Não obstante toda essa controvérsia, observa-se que as diferentes proposições que buscam conceituar a dignidade humana convergem no sentido de que ela é um atributo possuído por todos os seres humanos, o qual os diferencia das outras criaturas da natureza.125 Nesse sentido, Immanuel Kant126 defende que a dignidade humana é qualidade congênita e inalienável de todos os seres humanos, a qual impede a sua coisificação e se materializa através da capacidade de autodeterminação que os indivíduos possuem por meio da razão. Isso ocorre porque os seres humanos têm, na manifestação da sua vontade, o poder de determinar suas ações, de acordo com a idéia de cumprimento de certas leis que adotam, sendo essa característica exclusiva dos seres racionais.127 Além disso, o filósofo prussiano salienta que o homem é um fim em si mesmo, pois não se presta a servir como simples meio para a satisfação de vontades alheias.128 Por tais características, a dignidade humana é atribuída aos indivíduos, independentemente de suas circunstâncias concretas ou dos danos que eventualmente 123   CARVALHO, Luís Gustavo Grandinetti de. Processo Penal e Constituição. 4. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008, p.21/2. 124 

SANTOS, Boaventura de Souza. Para uma concepção multicultural dos direitos humanos. Contexto Internacional, Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, v. 23, n.1, p. 18, jan./jun. 2001.

125 

SARLET, Ingo Wolfgang. As Dimensões da Dignidade da Pessoa Humana: construíndo uma compreensão jurídico-constitucional necessária e possível. In: _____ (Org). Dimensões da Dignidade: Ensaios de Filosofia do Direito e Direito Constitucional. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2005, p. 35.

126 

KANT, Immanuel. Groundwork of the Metaphysic of Morals. In: PASTERNACK, Lawrence. Immanuel Kant: Groundwork of the Metaphisic of Morals. New York: Routledge, 2002, p. 56, 62-63.

127 

KANT, op. cit., p. 67.

128 

KANT, op. cit., p. 55.

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tenham causado à realidade externa, ou seja, ela é igualmente reconhecida aos mais cruéis criminosos, terroristas, ou qualquer outra denominação que se queira atribuir aos indivíduos que violam os direitos dos seus semelhantes, pois eles são reconhecidos como pessoa e seus atos, por mais tenebrosos que sejam, não são capazes de apagar esse traço inato.129 Dworkin complementa esse raciocínio defendendo que, no caso dos presos, os motivos que os levaram ao encarceramento compulsório, ainda que reprováveis, não autorizam que eles venham a ser tratados como meros objetos. 130 Isso ocorre porque os seres humanos possuem certas características que os distinguem da natureza impessoal, pois têm a capacidade de tomarem consciência de si mesmos e de alterarem a sua inserção no meio em que vivem.131 Para ilustrar a situação, veja-se que um objeto qualquer, para servir às vontades alheias, pode facilmente ser removido de um lado para outro, alterado em sua forma, adaptado às finalidades diversas e até mesmo ser descartado, pois ele não tem o atributo inato possuído pelos seres humanos de serem um fim em si mesmo. Um objeto não vai reagir ao descarte por parte de seu proprietário que decidiu jogá-lo no lixo, por entender que não tem mais serventia. Contudo, um ser humano, por ser dotado de capacidade de decisão e de consciência, esboçará diferentes reações diante de qualquer processo que implique sua redução a mero instrumento do arbítrio de terceiros. É justamente nessa característica inerente à espécie humana que se encontra o atributo chamado dignidade. Por tais particularidades, a dignidade humana não depende de reconhecimento jurídico para existir132, pois é bem inato e ético, colocando-se acima, inclusive, das especificidades culturais e suas diversas morais, visto que tem a capacidade de persistir mesmo dentro daquelas sociedades que não a respeitam, já que a sua violação evidencia afronta à capacidade de autodeterminação do ser 129 

SARLET, Ingo Wolfgang. As dimensões da dignidade da pessoa humana: uma compreensão jurídico-constitucional aberta e compatível com os desafios da biotecnologia. In: SARMENTO, Daniel et al. (Coord.). Nos limites da vida. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2007, p. 217.

130 

DWORKIN, Ronald. O domínio da vida: aborto, eutanásia e liberdades individuais Trad. Jerferson Luiz Camargo. São Paulo: Martins Fontes, 2003, p. 310.   SARLET, 2005, p. 21.

131

  MARTINEZ, Miguel Angel Alegre. La dignidad de la persona como fundamento del ordenamiento constitucional español. León: Universidad de León, 1996, p. 21.

132

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humano e de sua própria condição de ser livre.133 Deve-se salientar, no entanto, com relação a um dos aspectos destacados por Kant, no sentido de o homem ser um fim em si mesmo, não podendo ser instrumento da satisfação de vontades alheias, que isso não o impede de, em certas circunstâncias, servir voluntariamente a terceiros, sem com isso caracterizar afronta à sua dignidade.134 É o que ocorre, por exemplo, com um prestador de serviços que se propõe a realizar uma tarefa árdua, como a limpeza de um grande terreno coberto de entulho, em troca de pagamento. Nesse caso, o objetivo da conduta em si não é o de instrumentalizar o outro, embora uma das partes esteja servindo como instrumento da vontade alheia, pois há clara sujeição recíproca em que os dois indivíduos se beneficiam do processo. Se, de um lado, o dono do terreno consegue limpar a área, favorecendo-se do esforço físico de um terceiro, por outro, esse último recebe um pagamento resultante da diminuição patrimonial do contratante, o qual se desfez de parte de seu capital para receber o serviço ajustado. Todavia, outra seria a resposta se o indivíduo se colocasse voluntariamente como objeto de vontades alheias, expondo-se a situações degradantes, nas quais o escopo da conduta não fosse a recíproca sujeição das partes envolvidas, mas a simples instrumentalização de um dos componentes da relação. Isso estaria caracterizado, por exemplo, se um indivíduo se propusesse a vender um órgão, como um de seus olhos, em troca de uma grande quantia em dinheiro. Nesse caso, como a prática importaria na redução da pessoa a mero objeto, visto que parte de seu corpo estaria sendo despojado para fins de comércio, haveria relativização da autonomia da sua vontade no sentido de proibir a prática. A restrição aplicada se sustenta no fato de que a autonomia deve ser restringida sempre que se mostrar prejudicial à dignidade de quem a está exercendo ou para terceiros.135 Além disso, vale lembrar novamente a lição de Kant, segundo o qual a dignidade humana está acima de todos os preços, não admitindo qualquer substituição por valores, visto

  SILVA, Reinaldo Pereira. Introdução ao Biodireito. Investigações Político-Jurídicas sobre o Estatuto da Concepção Humana. São Paulo: LTr, 2002, p. 191.

133

134  135 

SARLET, 2005, p. 36.

ANDORNO, Roberto. Liberdade e Dignidade da Pessoa: dois paradigmas opostos ou complementares na bioética? In: MARTINS-COSTA, Judith; MÖLLER, Letícia Ludwig (Org.). Bioética e responsabilidade. Rio de Janeiro: Forense, 2009, p. 73.

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que não há nada no mundo material que lhe possa ser equivalente.136 Por tais motivos, pode-se afirmar que a dignidade humana, considerada como valor, é um bem inalienável que não pode ser objeto de transação ou renúncia por parte de seu titular, sobrepondo-se, inclusive, à autonomia da vontade, quando o seu exercício acarretar qualquer forma de subjugação ou de degradação da pessoa. Por outro lado, autores como Benedetto Croce137 e Pérez-Luño138 complementam a abordagem ontológica da dignidade humana, que a qualifica como atributo intrínseco ao indivíduo, para acrescentar-lhe um sentido cultural, crescente e variável, dentro de cada momento histórico. Nesse nível complementar, ela é concebida como o resultado do trabalho de várias gerações, com base nas necessidades humanas surgidas no seio de cada sociedade, demandando conduta estatal e social de respeito e proteção. Nesse contexto histórico-cultural, a dignidade humana exige respeito e proteção, tanto por parte da sociedade quanto pelo Estado, pois é o resultado de certo consenso social que serve de parâmetro para o exercício do poder de controle da sociedade e das autoridades, as quais se incumbem de protegê-la contra quaisquer formas de violação.139 Por isso, embora possua algumas feições universais, a dignidade humana expressa, nessa dimensão, a sua referência cultural relativa140, o que vai importar em um conjunto de direitos variável no tempo e no espaço, dependendo do contexto cultural. Para Jürgen Habermas, no entanto, a dignidade humana não é uma propriedade inata ou biológica dos indivíduos, como a inteligência ou a cor dos   KANT, op. cit., p. 62.

136

  CROCE, Benedetto. Declarações de Direitos – Benedetto Croce, E. H. Carr, Raymond Aron. 2. ed. Brasília: Senado Federal, Centro de Estudos Estratégicos, Ministério da Ciência e Tecnologia, 2002, p. 17-19. 137

138 

PÉREZ-LUÑO, Antônio Enrique. Derechos humanos em la sociedade democratica. Madrid: Tecnos, 1984, p. 48.

139 

MAURER, Béatrice. Notas sobre o respeito da dignidade humana... ou pequena fuga incompleta em torno de um tema central. Trad. Rita Dostal Zanini. In: SARLET, Ingo Wolfgang. (Org.). Dimensões da dignidade: ensaios de filosofia do direito e direito constitucional. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2005, p. 85.

140 

HÄBERLE, Peter. A dignidade humana como fundamento da comunidade estatal. Trad. Ingo Wolfgang Sarlet e Pedro Scherer de Mello Aleixo. In: SARLET, Ingo Wolfgang. (Org.). Dimensões da dignidade: ensaios de filosofia do direito e direito constitucional. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2005, p. 127. 69

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olhos, as quais eles possuem por natureza, mas ela consiste em uma espécie de inviolabilidade que assume significado somente nas relações interpessoais de mútuo respeito, decorrente da igualdade de direitos presentes nas relações entre as pessoas.141 Assim, percebe-se que, na visão de Habermas, a dignidade humana está, no estrito sentido moral e legal, conectada com uma simetria relacional. Ela não seria um valor ou um atributo natural do homem, mas consistiria em uma tarefa que o indivíduo pode realizar, cabendo ao Estado prestar as condições para que essa tarefa se realize.142 As ponderações teóricas acima relacionadas demonstram que a dignidade humana é mais bem compreendida quando separada em dois níveis de análise: 1) o primeiro, o qual se denomina, neste trabalho, de dimensão básica, no qual se inclui a teoria de Kant, e em que se encontram os bens jurídicos básicos e essenciais para a existência humana, os quais são necessários para o exercício da autodeterminação de cada indivíduo, impedindo a sua coisificação; 2) o segundo, denominado, nesta pesquisa, de dimensão cultural, o qual abarca as teorias de Benedetto Croce e Pérez-Luño e em que se inserem os valores que variam no tempo e no espaço, os quais buscam atender as demandas sociais de cada época, em cada sociedade, de acordo com as suas possibilidades econômicas, políticas e culturais. Com base nessas premissas, vê-se que a dimensão básica da dignidade humana representa um qualidade própria do indivíduo que vai demandar o respeito por sua vida, liberdade e integridade física e moral, materializando-se em um conjunto de direitos elementares que impedem a coisificação do ser humano.143 Ela é encontrada em todos os indivíduos, indistintamente, pois diz respeito a características que eles possuem independentemente da religião, da cultura, da língua ou da orientação ideológica que seguem. A propósito, Bradley Munro144 141 

HABERMAS, Jürgen. The Future of Human Nature. Malden: Blackwell Publishing Inc., 2003, p. 33.   HÄBERLE, op. cit., p. 120.

142

143 

SARLET, 2005, p. 37/38.

  Nas exatas palavras de Bradley Munro: “I can go on with a list of needs that reflects many of the rights in the Universal Declaration of Human Rights (UDHR). These practical needs are common to all human beings for individual survival. If we can begin our discussion with the dignity of every human being, then estabilish the rights a human being must have if he/she is to have a dignified life, we can move into na agreement on a list of rights such as we find in the UDHR”. In: MUNRO, Bradley R. Maritain and the Universality of Human Rights. In: SWEET, William. Philosophical Theory and 144

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ressalta que existe uma lista de necessidades humanas, comum a todas as pessoas para a sobrevivência individual, que refletem os mesmos direitos humanos proclamados na Declaração Universal da ONU. Essas necessidades práticas revelam que as pessoas possuem um conjunto de direitos inerentes e indispensáveis para a realização de uma vida minimamente digna. Por isso, a violação da dimensão básica da dignidade humana é facilmente constatada, já que estará caracterizada em qualquer situação em que uma pessoa venha a sofrer a redução de seu status como sujeito de direitos, para o de mero instrumento ou coisa, deixando de ser um fim em si mesmo. Para ilustrar essa premissa, citam-se os casos da escravidão e da tortura, os quais acarretam a violação da dimensão básica da dignidade humana de suas vítimas, na medida em que implicam a total desconsideração do indivíduo, reduzindo-lhe a mero instrumento de satisfação e subjugação das vontades alheias. Como se pode observar, nesse nível de análise, a dignidade humana se externa como um limite ao Estado e à própria sociedade em que o indivíduo esteja inserido, visto que representa um atributo insuscetível de redução, seja legal ou cultural. A dimensão cultural da dignidade humana, por sua vez, representa as formas e as condições como a dignidade humana, em sua dimensão básica, é implementada por cada grupo social ao longo da história. Nesse nível de análise, abre-se espaço para as peculiaridades culturais e suas práticas, variáveis no tempo e no espaço, pois se busca uma compreensão ética das finalidades de cada grupo social, a fim de se construírem significados que tenham capacidade de ser entendidos interculturalmente.145 Em última análise, a dignidade humana é aqui uma tarefa de todos os atores sociais no sentido de oferecer oportunidade para o desenvolvimento de cada indivíduo, de acordo com as especificidades morais eleitas pela cultura em que está inserido. Assim, podem-se definir os contornos de um entendimento ético de dignidade humana, em sua dupla dimensão, no sentido de compreendê-la, tanto como limite quanto como tarefa do Estado e da própria sociedade. É limite na medida em que constitui um atributo que protege o indivíduo contra qualquer forma the Universal Declaration of Human Rights. Ottawa: University of Ottawa Press, 2003, p. 122. 145   HÖFFE, Otfried. A democracia no mundo de hoje. Trad. Tito Lívio Cruz Romão. São Paulo: Martins Fontes, 2005, p. 77/8.

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de coisificação, opondo-se, inclusive, contra práticas culturais que impliquem a redução da pessoa. É tarefa na medida em que exige dos órgãos Estatais e da coletividade prestações positivas de promoção e proteção, através da criação de condições materiais e emocionais que viabilizem o seu gozo, as quais serão desenvolvidas dentro das peculiaridades culturais de cada povo.146 Por todos esses argumentos é que se tem afirmado que o conceito de dignidade humana é o ponto de transição do direito natural para os direitos humanos, visto que ela é o fundamento de todas as normas morais ou jurídicas que protegem direitos inalienáveis, substituindo, de forma racional, qualquer ideia de divindade ou de natureza.147 Tendo-se entendido a dignidade humana, em sua dupla dimensão, e a sua posição ética intercultural como fundamento e objetivo dos direitos humanos, podese, então, afirmar que os direitos humanos (gênero) são um conjunto de valores éticos, positivados ou não, que têm por objetivo proteger e realizar a dignidade humana em suas dimensões: básica (protegendo os indivíduos contra qualquer forma de coisificação ou de redução do seu status como sujeitos de direitos) e cultural (protegendo a diversidade moral, representada pelas diferentes formas como cada sociedade implementa o nível básico da dignidade humana). O conceito eleito associa os direitos humanos a um conjunto de valores éticos, justamente para permitir a discussão filosófica das diferentes morais existentes, extraindo-se delas os fundamentos comuns que vão servir para uma aproximação cultural, a qual, ao mesmo tempo em que exige o respeito universal dos valores protegidos por esses direitos, através da observância da dimensão básica da dignidade humana, preserva as peculiaridades morais adotadas por cada grupo social para o desenvolvimento da dimensão cultural dessa dignidade. A definição proposta também deixa de abarcar detalhamentos morais ou legais, com o fim de evitar o risco de se tornar inaplicável em certos contextos culturais ou legislativos. Isso se justifica porque qualquer tentativa de conceituar direitos humanos através da escolha de certos valores morais acarretaria uma 146   MORAES, Maria Celina Bodin de. O Conceito de Dignidade Humana: Substrato Axiológico e Conteúdo Normativo. In: SARLET, Ingo Wolfgang (Org.). Constituição, Direitos Fundamentais e Direito Privado. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2003, p. 116-118.

  MAHONEY, op. cit., p. 145.

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relativização dessa categoria, visto que a construção de uma moral unicamente válida ou absoluta é algo dificilmente alcançável dentro do quadro multicultural contemporâneo. A definição também omite a referência a qualquer regime de direito, posto que os direitos humanos são supra-legais, ou seja, eles independem de reconhecimento jurídico, de leis ou tratados para existirem. Veja-se, por exemplo, a liberdade, a qual é considerada em diversas culturas, inclusive pela própria Declaração Universal da ONU, como pertencente à classe de direitos humanos. De acordo com o conceito proposto neste trabalho, pode-se concluir que a liberdade foi reconhecida como direito humano por ser forma de proteção da dimensão básica da dignidade humana, uma vez que tem como propósito evitar a coisificação dos indivíduos, garantindo-lhes livre locomoção, expressão de pensamento, de crença religiosa, entre outros. Agora, é de se imaginar se uma hipotética sociedade não reconhecesse a liberdade dentro de seu sistema jurídico e permitisse a escravidão. Nesse caso, embora sob o aspecto legal interno desse grupo social não houvesse qualquer violação, pois essa é a ordem normativa estabelecida nessa cultura, haveria a violação de um direito humano, pois a dimensão básica da dignidade humana estaria sendo atingida, na medida em que as pessoas estariam reduzindo o seu status como sujeito de direitos, tornando-se meros objetos das vontades alheias. Desse modo, vê-se que o conceito aqui proposto aponta um caminho para a análise de cada caso concreto, o qual facilita o processo de identificação dos direitos humanos através do seguinte parâmetro: um direito somente será humano quando contiver em seu bojo valores éticos que representem formas de realização da dignidade humana, seja na dimensão básica, seja na dimensão cultural. A propósito, essa conclusão é confirmada tanto pela análise do preâmbulo da Declaração Universal dos Direitos Humanos da ONU como pelos 30 artigos nela inseridos. No preâmbulo, reconhece-se expressamente que os direitos ali previstos têm como base a dignidade humana. Além disso, a análise isolada de cada um dos artigos mostra que todos eles representam valores eleitos e reconhecidos como formas de realização da dignidade humana.148 De igual forma, como se destacou anteriormente, o mesmo atributo ético é encontrado como base dos artigos que   BAEZ, Narciso Leandro Xavier. Dimensões de Aplicação e Efetividade dos Direitos Humanos In: XIX CONGRESSO NACIONAL DO CONPEDI - Desafios da Contemporaneidade do Direito: diversidade, complexidade e novas tecnologias, 19, 2010, Florianópolis. Anais... Florianópolis, 2010, p. 7129-7131. 148

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compõem a Declaração Americana de Direitos e Deveres do Homem, a Declaração Islâmica Universal dos Direitos Humanos, a Carta Africana dos Direitos Humanos e dos Povos, a Carta Árabe dos Direitos Humanos e a Carta dos Direitos Fundamentais da União Européia. Nesse contexto, o direito de igualdade e a proteção contra a discriminação de qualquer natureza são formas de preservação da dignidade humana, em sua dimensão básica, pois a ausência de qualquer um desses dois direitos importaria na redução do status do indivíduo no meio em que vive ao de uma mera coisa, instrumento de vontades alheias. Em razão disso, vê-se que esses direitos são reconhecidos como direitos humanos fundamentais, não se sujeitando a qualquer forma de relativização ou ajustes decorrentes de especificidades culturais. A propósito, observe-se que as próprias Declarações Internacionais de Direitos Humanos do Islã, da ONU e dos Povos Africanos ratificam essa fundamentalidade. Ora, se essa é a regra, então como explicar a situação do véu cobrindo o rosto das mulheres muçulmanas? Isso não seria uma discriminação ou redução do seu status como sujeito de direitos? Veja-se que o uso dessa indumentária nos países que adotam o islamismo como lei fundamental não é somente uma questão de fé, mas uma obrigação legal sobre a qual as mulheres não podem se opor sem receber uma sanção prevista na própria ordem jurídica. Além disso, a Lei Islâmica proíbe os muçulmanos de trocarem de religião, embora a mesma Lei admita que seguidores de outras crenças que vivem sob a jurisdição do Islã possam se converter ao islamismo e, depois, trocarem de religião quantas vezes quiserem.149 Essas peculiaridades evidenciam duas discriminações evidentes. A primeira está no fato de que a Lei Islâmica reconhece mais direitos aos indivíduos de outras crenças do que aos seus próprios seguidores originários, tratando esses últimos com extrema desigualdade na medida em que reconhece somente aos não-muçulmanos o direito de trocar quantas vezes quiserem de religião, dentro de seu território, enquanto para os muçulmanos originários essa possibilidade não existe. Nesse ponto, a obrigação imposta viola não só a Carta Universal de Direitos Humanos do Islã, mas o próprio Alcorão que proíbe expressamente a imposição de religião a pessoas que não querem seguir os seus   AL-MARZOUQI, op. cit., p. 555.

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ensinamentos.150 A segunda discriminação é que, embora a Declaração do Islã garanta igualdade entre homens e mulheres, as Leis Islâmicas obrigam as mulheres a usarem vestimentas que cobrem os seus rostos e a se submeterem as ordens do marido, colocando-as em posição de submissão. Note-se que não se está aqui criticando a fé e a cultura Islâmica, nem tampouco se negando que a maior parte dos muçulmanos segue essas tradições sem qualquer resistência, confiando nesses preceitos como parte da realização de uma vida plena, digna e feliz. A crítica se faz haja vista que a questão não é mais a fé ou a tradição de um povo, mas a imposição de restrições e imposições legais que culminam por atingir a dimensão básica da dignidade humana, pois reduzem os seus destinatários a meros objetos, desprovidos de vontade e de autonomia para decidirem sobre a fé que querem seguir. O problema não está, portanto, no uso do véu ou na obrigação religiosa de a mulher obedecer ao marido, mas na impossibilidade de as pessoas optarem por outra forma de vida ou crença, de modo que possam satisfazer as suas tendências e inclinações naturais. Pelo exposto, conclui-se que os preceitos das Leis Islâmicas adotados internamente em alguns países que proíbem a troca de religião por parte dos muçulmanos e obrigam as mulheres a cobrirem os seus rostos e a se submeterem às ordens dos maridos, violam a Declaração Universal do Islã, a qual veda qualquer forma de discriminação e garante expressamente a igualdade entre homens e mulheres. Observe-se que, para chegar a essa inferência, não se utilizaram as normas da Declaração da ONU ou outros preceitos não pertencentes à cultura muçulmana, pois se buscou construir um diálogo intercultural, levando em conta os valores e os próprios direitos proclamados pela civilização muçulmana, extraídos da Declaração Universal proclamada por esse povo e do próprio Alcorão, afastando-se, portanto, qualquer argumentação no sentido de que se estaria aqui defendendo valores morais exclusivamente ocidentais.

  AL-MARZOUQI, op. cit., p. 444.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS Como se viu a dignidade humana na sua dimensão básica impede que qualquer ser humano seja reduzido a mero objeto ou tenha diminuído seu status como sujeito de direitos, por outro lado, em sua dimensão cultural, os direitos são aplicados e desenvolvidos respeitando as peculiaridades culturais de cada povo. Intrinsecamente ligados a dimensão básica, estão os direitos humanos fundamentais, que se caracterizam como o mínimo necessário para cada sociedade estabelecer as demais dimensões de aplicação dos direitos humanos com o intuito de concretizar a dignidade humana. Assim, com base no estudo realizado, denota-se que as três Declarações (ONU, Islâmica e Africana) possuem divergências entre seus fundamentos e prioridades, contudo, buscam conjuntamente proteger e efetivar a dignidade básica de seus respectivos povos, estabelecendo um rol de direitos e garantias universais que atendam as suas peculiaridades culturais. No que atine ao direito de igualdade, vê-se que a análise de sua morfologia pelo cotejo das Declarações Universais dos Direitos Humanos da ONU, do Islã e dos Povos Africanos, dão conta de que trata-se de um direito humano fundamental, pois materializa formas de preservação da dignidade humana, em sua dimensão básica, já que a ausência desse direito importaria na redução do status do indivíduo no meio em que vive ao de uma mera coisa, instrumento de vontades alheias. Em razão disso, vê-se que esse direito são não está sujeito a qualquer forma de relativização ou ajustes decorrentes de especificidades culturais.

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ARTIGO 4º Os Estados Partes no presente Pacto reconhecem que, no gozo dos direitos assegurados pelo Estado, em conformidade com o presente Pacto, o Estado só pode submeter esses direitos às limitações estabelecidas pela lei, unicamente na medida compatível com a natureza desses direitos e exclusivamente com o fim de promover o bem-estar geral numa sociedade democrática. Willis Santiago Guerra Filho Professor Titular na Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro. Professor de Filosofia do Direito no Programa de Estudos Pós-Graduados em Direito da PUC, São Paulo. Livre Docente em Filosofia do Direito pela Universidade Federal do Ceará Doutor em Ciência do Direito pela Universidade de Bielefeld, Alemanha. Doutor em Filosofia pela Universidade Federal do Rio de Janeiro Paola Cantarini Mestranda em Direito Comercial pela PUC/SP. Possui graduação em Direito pelo Centro Universitário das Faculdades Metropolitanas Unidas, especialização em Direito Constitucional pela ESDC – Escola Superior de Direito Constitucional, em Direitos Humanos e Direito Internacional pela Faculdade Salesiano. É advogada e professora universitária.

COMENTÁRIOS: A aprovação em 10 de dezembro de 2008 do Protocolo Facultativo ao Pacto de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais pela Assembléia Geral da ONU, na ocasião do 60° aniversário da assinatura da Declaração Universal de Direitos Humanos, implica em um verdadeiro marco para o avanço da proteção às vítimas de violações de direitos humanos. Como disse a Alta Comissária das Nações Unidas para os Direitos Humanos, fecha-se com essa aprovação uma brecha histórica na proteção dos direitos humanos no sistema universal, unificando a visão desses direitos consagrada na Declaração Universal. 83

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A Declaração Universal de Direitos Humanos, o Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos e o Pacto Internacional de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais são os instrumentos internacionais mais importantes do sistema universal de proteção de direitos humanos, constituindo a Carta Internacional de Direitos Humanos, fonte de todos os demais tratados internacionais em matéria de direitos humanos. Os dois Pactos foram criados simultaneamente em 1966, mas enquanto o Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos- PIDCP - contou desde essa mesma data com um Protocolo que estabelecia o mecanismo de denúncia individual perante o Comitê de Direitos Humanos, foi necessário que se passassem mais de três décadas para que o PIDESC tivesse o mesmo instrumento. O art. 4 º, assim como também o artigo 5º, obrigam a uma interpretação não restritiva dos direitos pelos Estados, dispondo que as limitações legais aos direitos do PIDESC serão apenas as compatíveis com sua natureza e as necessárias para preservar o bem-estar de uma sociedade democrática, não se reconhecendo direito algum que possa destruir ou limitar de outra forma os direitos do PIDESC. O artigo 4º consagra o que entendemos, na esteira de PABLO LUCAS VERDU, ser a “fórmula política do estado democrático de direito”,151 aquela que se difunde sobretudo a partir do segundo pós-guerra, desde a Alemanha da República de Bonn, chegando até nós em 1988, com a atual Constituição da República. Nesta fórmula um elemento essencial, imprescindível, a se associar com seu vetor principal, que é a afirmação da dignidade humana, é o princípio da proporcionalidade, também presente no artigo sob comento, quando ali se refere, em sua segunda e última parte a critérios para se aferir a medida em que se pode restringir os direitos objeto do Pacto, bem como o objetivo que se justificaria tais restrições, entendido como sendo “o bem-estar geral numa sociedade democrática”, a ser obtido com o respeito igualmente generalizado e máximo possível da dignidade dos que a compõem. Apesar da ampla constitucionalização de princípios inerentes ao Estado Democrático, ocorrida entre nós na Constituição Federal de 1988, ao princípio em tela não foi feita referência explícita. Infelizmente, nesse passo, não trilhamos o caminho seguido por constituintes de outros países, que cumpriram sua função já 151 

Cf., WILLIS SANTIAGO GUERRA FILHO, Processo Constitucional e Direitos Fundamentais, 6ª. ed., São Paulo: SRS, 2009, cap. III, p. 15 ss.

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na fase atual do constitucionalismo, a qual se pode considerar iniciada no segundo pós-guerra. Isso porque não há previsão expressa, em nossa Constituição, do princípio em tela, à diferença, por exemplo, da Constituição Portuguesa, de 1974, que em seu art. 18º, dispondo sobre a “força jurídica” dos preceitos constitucionais consagradores de direitos fundamentais - de modo equiparável ao que é feito, em nossa Constituição, nos dois parágrafos do art. 5º -, estabelece, no inc. II, expressis verbis: “A lei só pode restringir os direitos, liberdades e garantias nos casos expressamente previstos na Constituição, devendo as restrições limitar-se ao necessário para salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos”. Essa norma, notadamente em sua segunda parte, enuncia a essência e destinação do princípio da proporcionalidade: preservar os direitos fundamentais. O princípio, assim, coincide com a essência e destinação mesma de uma Constituição que, tal como hoje se concebe, pretenda desempenhar o papel que lhe está reservado na ordem jurídica de um Estado de Direito Democrático. Daí termos já referido a esse princípio como “princípio dos princípios”, verdadeiro principium ordenador do direito,152 e mesmo como a norma fundamental buscada por KELSEN por toda sua longa vida de trabalho, sendo que situada em um espaço jurídico concebido ao modo de Riemann, e não naquele euclidiano que era próprio do formalismo adotado pelo Mestre austríaco, situando-a como última norma de uma série linear infinita, quando em um espaço fechado, como o do universo jurídico, tal qual o do que vivemos, ela pode passar por um “loop” hierárquico (Hofstaedter) e se manter no topo da “pirâmide” de normas jurídicas, (auto)sustentando-a por fundamentar a validade da aplicação das normas em sua “base”, ao permitir o controle de validade dessas normas no momento de sua aplicação, nele subsumindo situações concretas para dar um resultado que pode até ser ultra legem, para além das normas, sem invalidá-las abstratamente, e assim obter o respeito (e efetivação) do princípio maior da dignidade humana.153A circunstância de ele, o princípio da proporcionalidade, ao contrário deste último, o 152 

Cf. WILLIS SANTIAGO GUERRA FILHO, Teoria Processual da Constituição, 2a. ed., São Paulo: IBDC/Celso Bastos ed., 2002, p. 185 ss. e, antes, mais extensamente, Id., Ensaios de Teoria Constitucional, Fortaleza: Imprensa Universitária (UFC), 1989, p. 80 e s. 153 

Cf., WILLIS SANTIAGO GUERRA FILHO, Processo Constitucional e Direitos Fundamentais, 5ª. ed., São Paulo: RCS, 2007, p. 87, nota, e Id., Ensaios de Teoria Constitucional, ob. loc. cit. 85

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princípio da dignidade humana, não estar previsto expressamente na Constituição de nosso País não impede e, mais que isso, exige que o reconheçamos em vigor também aqui, invocando o disposto no § 2º do art. 5º: “Os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados etc.”.154 Nosso entendimento é o de que sem o reconhecimento e necessário emprego, adequado e estritamente proporcional do princípio da proporcionalidade - não se veja nesta assertiva uma tautologia ou paradoxo, mas sim a revelação de mais uma característica de um princípio fundante da ordem jurídica, que é a reflexividade, a aplicação inclusive a si mesmo, ou seja, literalmente, auto-aplicabilidade – não se resolve bem os tormentosos conflitos entre direitos e princípios fundamentais de uma ordem que se pretenda, como a nossa, a de um Estado de Direito também Democrático – já aqui há uma contradição latente, entre o princípio de submissão à normas feitas anteriormente e o de produção dessas mesmas normas, renovadamente -, sendo o resultado e indicativo maior de uma má resolução a violação do princípio que corretamente se eleva como o mais importante dentre todos, do ponto de vista material: o da dignidade humana. Aqui cabe indagar se o princípio da proporcionalidade corresponderia a um direito ou garantia fundamental. No Direito dos Estados Unidos da América, quando diante de direito sem assento explícito no exíguo e antigo texto constitucional norte-americano, a maneira que então se encontra para enquadrá-lo é precisamente derivando-o da Due Process of Law Clause, prevista nas emendas V e XIV, com sua vedação a atentados “à vida, propriedade e à liberdade sem o devido processo legal”. Em nossa Constituição de 1988, graças ao estilo analítico, muito do que se considera, desde há muito e também mais recentemente, no sistema norte-americano, como inerente àquela cláusula, tanto em seu sentido originário, processual, como naquele outro, substancial, foi já explicitado pelo nosso legislador constituinte. E ainda assim cuidou ele de estabelecer também o devido processo legal como uma de nossas garantias fundamentais; apta, portanto, a agasalhar outras tantas, como é   GERMANA DE OLIVEIRA MORAES, em Controle Jurisdicional da Administração Pública, São Paulo: Dialética, 1999, p. 130, entende que se deve reconhecer a adoção implícita do princípio da proporcionalidade pelo nosso Direito Administrativo ainda sob a égide da Constituição de 1967/69. No mesmo sentido, GILMAR FERREIRA MENDES, Controle de Constitucionalidade, São Paulo: Saraiva, 1990.

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de seu feitio, sendo dentre elas de se incluir aquelas da proporcionalidade e da razoabilidade. É certo que as diferenças entre os princípios da proporcionalidade e da razoabilidade decorrem já de sua diversa origem, por assim dizer, cultural, sendo o primeiro de origem germânica e o outro, anglo-saxônica, como já destacamos,155 entendido como um princípio de proibição da irrazoabilidade, havendo mesmo resistências, neste último ambiente cultural, em aceitar a aplicação do outro princípio, hoje amplamente empregado na Europa continental. Como destaca RAPHAEL SOFIATI DE QUEIROZ,156 pode-se associar a razoabilidade ao aspecto substantivo do devido processo legal, como é feito no ambiente anglosaxônico, enquanto na Alemanha a proporcionalidade vem associada ora ao princípio (estruturante) do Estado de Direito, ora ao princípio (fundamental) da dignidade humana – e, daí, ao nosso outro princípio estruturante, do Estado (ou melhor, sociedade) Democrático(a). Isso não é incompatível com a vinculação do princípio da proporcionalidade à cláusula do devido processo legal – e, para marcar uma vez mais sua distinção da razoabilidade, ao aspecto processual da cláusula -, a qual descende, por derivação, também ela, enquanto consubstanciada por princípio geral consagrador de garantia fundamental, daquele princípio estruturante que é o do Estado de Direito. Já o vínculo à dignidade humana, é próprio de todo direito (e garantia) fundamental, que tem seu núcleo essencial gizado por este “valor axial” de um verdadeiro Estado (de Direito) Democrático.157 Em suma, o princípio da (i) razoabilidade é uma proibição do absurdo em direito, do que é despropositado, sem finalidade juridicamente justificável, enquanto o da proporcionalidade se presta a determinar o meio mais adequado, exigível e respeitoso à dignidade humana, para que se atinja certa finalidade, considerada merecedora de ser atingida. Nossa proposta, então, para concluir, é de que se considere o princípio da proporcionalidade – da mesma forma que, por exemplo, princípios como o da 155  Cf. WILLIS SANTIAGO GUERRA FILHO (org.), Dos Direitos Humanos aos Direitos Fundamentais, Porto Alegre: Livraria do Advogado, 1997, p. 25 ss. e, anteriormente, Id., Ensaios de Teoria Constitucional, ob. loc. ult. cit. 156 

Em Os Princípios da Proporcionalidade e Razoabilidade das Normas – e suas Repercussões no Processo Civil Brasileiro, Rio de Janeiro: Lumens Juris, 2000, p. 30,

157 

Cf., mais amplamente, LUIS ANTONIO RIZZATTO NUNES, Princípio Constitucional da Dignidade Humana, São Paulo: Saraiva, 2002. 87

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isonomia e da razoabilidade -, necessário ao aperfeiçoamento daquele “sistema de proteção organizado pelos autores de nossa lei fundamental em segurança da pessoa humana, da vida humana, da liberdade humana”, como já referia RUI BARBOSA às garantias constitucionais em sentido estrito (“Comentários à Constituição brasileira”, vol. VI, p. 278) - as quais, para nós, não são essencialmente diversas dos direitos fundamentais propriamente ditos, que sem esse sistema de tutela, essa dimensão processual, não se aperfeiçoam enquanto direitos. Em assim sendo, o princípio da proporcionalidade se consubstanciaria em uma garantia fundamental, ou seja, direito fundamental com uma dimensão processual, de tutela de outros direitos – e garantias – fundamentais, passível de se derivar da “cláusula do devido processo”, visando à consecução da finalidade maior de um Estado Democrático de Direito, que como já preconizamos acima e desde há muito,158 é o respeito à dignidade humana. Um aspecto, ainda, que nos parece muito digno de nota, no artigo sob comento, de grande relevância filosófica, é a referência, também na sua segunda parte, no se início, a que “o Estado só pode submeter esses direitos às limitações estabelecidas pela lei, unicamente na medida compatível com a natureza desses direitos”. Ora, aqui há uma referência ao que se pode considerar a própria matriz geradora do pensamento da concepção internacionalista do direito e dos direitos, de cunho jusnaturalista, mas não aquele universalista e racionalista da modernidade, mas sim um outro, tardo-medieval, produzido no âmbito da chamada Escola de Salamanca, pertencente à época e espírito da contra-reforma, com sua segunda Escolástica, espanhola, em que se destacam teólogos filósofos como o andaluz, granadino Pe. Francisco Suárez (1548 – 1617) e o teólogo jurista de Burgos, em Castilla, Francisco de Vitoria (1486/1492 – 1546). Como é sabido, só modernamente passa-se a enfatizar o aspecto permissivo da normatividade, a esfera de liberdade que transcende os limites objetivos impostos pelas proibições morais e religiosas, a licentia laica. Já Hobbes, por exemplo, apontará o caráter insustentável de uma situação em que todos dispunham livremente de uma faculdade de tudo fazer, de um jus omnium in omnia, uma “guerra de todos contra todos”, donde decorreria para ele a necessidade de se impor limites, com o respaldo em um poder com supremacia 158 

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Cf. WILLIS SANTIAGO GUERRA FILHO, Ensaios de Teoria Constitucional, cit.

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e reconhecimento social – o Estado civil -, a fim de garantir e efetivar direitos individuais, os poderes dos indivíduos, que são seus direitos subjetivos. Antes do “positivismo contratual” hobbesiano, contudo, foi o nominalismo medieval que tornou possível o aparecimento da noção propriamente dita de um direito como atributo de um sujeito, que o torna direito seu, propriedade exclusiva do indivíduo, a qual lhe é inerente. Tal noção já se encontra entre nominalistas “parisienses” como Jean Gerson, no século XV, bem como em juristas-teólogos espanhóis da “segunda escolástica”, a exemplo dos “regicidas” domenicanos, como o já referido Francisco de Vitória, seu discípulo Domingo de Soto (1507 – 1519), juntamente com seu amigo, jurista, Fernando Vázquez de Menchaca (1512 – 1569) e de jesuítas como Luis de Molina (1535 – 1600). Sua origem mais remota, contudo, está no pensamento de Guilherme de Ockham, desenvolvido na esteira daquele de Duns Scot, como pretende-se aqui demonstrar. Scotus, ao contrário de Tomás, não terá muita aceitação na teologia oficial da Igreja, mas seu pensamento, elaborado de maneira difícil e intricada, no curto espaço de tempo em que viveu, terá uma repercussão por assim dizer subterrânea, juntamente com aquela de seu maior sucessor, Guilherme de Ockham, que se fará notar tanto na novidade da Segunda Escolástica, da Escola de Salamanca, onde pioneiramente se proporá, em termos jurídicos, a idéia de um direito internacional, assim como na própria ruptura com o catolicismo, feita por Lutero, e também, por mais paradoxal que pareça, na ordem jesuíta, criada por Santo Inácio de Loyola para ser uma espécie de baluarte contra-reformista. A rejeição da Igreja para com as idéias desta corrente, de Scotus e Ockham, deve-se também ao modo como eles se engajaram em disputas envolvendo o papado e os poderes seculares, pelo modo como repercutiam na ordem franciscana, com seu voto de pobreza e, ao mesmo tempo, grandes posses. Adiante veremos, pela importância que tem para a formação do direito, e da modernidade em geral, a chamada Querela da Pobreza Franciscana, que teve Ockham como principal protagonista, e que o torna até hoje alguém encarada com severas restrições, nos círculos mais conservadores da Igreja católica. Já Scotus, ainda que só em 1993, foi beatificado pelo Papa João Paulo II, provavelmente em reconhecimento à sua contribuição filosófica, inclusive para aquela corrente à qual o Papa, quando era o Prof. Woytila, discípulo de Roman Ingaarden, se filiava: a fenomenologia, da qual também trataremos, quando 89

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estivermos estudando já a época contemporânea. A disputa ou “querela” de grande importância, em que se envolveu com muito destaque Scotus, tinha (e tem ainda, pois hoje continua sendo debatida) caráter muito mais abstrato, teórico, embora, como sempre, a resposta que se dê a tais questões fundamentais venha a ter grande impacto na vida prática. Trata-se da chamada “Querela dos Universais”, ainda presente nas discussões sobre o universalismo de categorias como a dos direitos humanos. Os “universais” são os conceitos que na época medieval se qualificava como “transcendentais”, por irem além, se acrescentarem, às categorias aristotélicas (gêneros supremos ou primeiros do ser, que se pode afirmar de tudo o que é, a saber, a substância ou essência, a quantidade, a qualidade, a relação, o tempo, o lugar, a situação, a ação e seu correlato, a paixão, e a possessão), enquanto aspectos do Ser, como a verdade, o bem (em que se inclui a justiça) e o belo. “Humanidade”, por exemplo, seria um universal que nos permitiria reconhecer todos os que são homens, e tal como eles, também existe, pois se não existisse, não poderíamos identificar cada um de nós como espécies do mesmo gênero, humano. Isso é o que afirmariam os que defendem que o todo é maior do que a soma de cada uma das partes, defendendo, portanto, a existência dos universais. Outros, que passaram a ser chamados nominalistas, defendem, a grosso modo, que os universais não passam de meros nomes, só tendo realidade e existência verdadeira cada um dos entes que são abrangidos por esses nomes: a palavra “fogo” não queima, a rosa não é o nome da rosa, que não tem cor nem odor, e caso desapareçam todos os seres humanos da face da terra, desaparecerá também a “humanidade”. Nota-se que a opção nominalista é, na verdade, uma antecipação do que na modernidade se denominará “empirismo”, palavra deriva do grego empiréia, “experiência”, por atribuir às sensações e experiências sensoriais o fundamento de afirmações que possam ser tidas como verdadeiras. Ocorre que Duns Scotus irá oferecer uma solução intermediária e totalmente original, para o problema dos universais, produzindo assim a matriz para o desenvolvimento do racionalismo moderno, nas mais diversas áreas, desde a matemática ao direito, passando pela economia e a ética, por exemplo: o formalismo. Na tradição aristotélica, na qual se inseria Santo Tomás, defendiase o chamado hilemorfismo ou hilomorfismo, doutrina segundo a qual todos os 90

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corpos constituem o resultado de dois princípios, distintos mas absolutamente complementares, a saber, a matéria (em grego: hylé) e a forma (em grego: morphé), a matéria sendo aquilo de que algo é feito (por exemplo, madeira, que é o que significa concretamente hylé, em grego antigo) e a forma o que faz com que seja isso (por exemplo, uma escultura) e não aquilo (por exemplo, uma cadeira). Nessa tradição, a matéria era o chamado princípio de individuação: dois seres humanos, Pedro e Paulo, eram distintos um do outro não em função de sua forma, humana em ambos os casos, mas em função da diversidade de sua matéria. Scotus, adotando a mesma terminologia aristotélica, irá atribuir-lhe novos sentidos – acreditando, aliás, serem esses os sentidos corretos, contra a interpretação tomista. Com relação ao princípio de individuação (principium individuationis), rejeitou que, no exemplo dado, fosse a matéria que produzisse uma diferença entre Pedro e Paulo, mas sim um traço identificador singular possuído exclusivamente por cada um, a “pedridade”, no caso de Pedro, e a “paulidade”, no caso de Paulo, sendo que a esses traços singulares todos, ele denominou haecceitas, “ecceidade”, “eisidade”, palavra derivada do latim ecce, “eis”, e que também podemos dar como sinônimo de ipseidade, derivado de ipso, “si mesmo”. Por essa via, Scotus pretendia sustentar a existência de termos universais, que não seriam meras criações do intelecto humano: a humanidade comum a Pedro e Paulo existe de fato, mas não podia ocorrer na realidade sem que estivesse junto com o princípio individuador, que não era mais visto como sendo a matéria de que somos feitos os humanos, mas sim a forma que nos distingue como tais, de outros seres, não humanos – Pedro de pedras e macacos, ou Paulo de paus e outros animais - e também entre si, Paulo de Pedro. A essa distinção, em que se nota influência de autores não ocidentais, como o persa Avicena e o judeu Avicebrón, Scotus denominou “distinção formal”, postulando que, mesmo obtida através de uma operação mental, aquilo que por meio dela se distinguia tinha uma existência independente, mesmo se na realidade só existem juntos e são inseparáveis: no caso de nosso exemplo a humanidade de Pedro e de Paulo e o que os torna distintos um do outro, o princípio individuador, a ecceidade de cada qual, pois diante de Pedro e de Paulo estamos diante de humanos e não podemos desvincular a humanidade de Pedro e de Paulo sem que eles deixem de ser o que são, mas como são também diferentes, isso ocorre por que há uma “pedridade” e uma “paulidade”, que também existem, 91

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mas só enquanto existem, respectivamente, Pedro e Paulo... Para bem entender como Scotus chega a uma tal ontologia, isto é, concepção do que sejam os entes (do grego ontoi, palavra que associada com logos resulta na disciplina filosófica proposta já na modernidade, enquanto parte da metafísica, sendo a outra a teologia, o discurso racional – logos – sobre Deus – teon), se nos afigura importante uma outra contribuição sua, dada sob a influência direta de Avicena, reinterpretando a distinção aristotélica entre “ato” ou o ser em ato (a escultura realizada na madeira, por exemplo) e potência, ou o ser potencial (a madeira com a qual ainda não se realizou a escultura, donde também pode resultar uma cadeira ou uma infindade de outros entes). Para Scotus, um ente possível ou o ente enquanto meramente possível é tão real quando aquele já existente – a escultura já é uma realidade, um ente que existe, mesmo que não a tenhamos ainda diante de nós, antes de ser realizada pelo escultor, por assim dizer, no plano material. Note-se como uma tal concepção, aplicada a nós humanos, mostra-se adequada à noção de eternidade da alma, esta considerada como a nossa “distinção formal”, que já existia antes dela se materializar, na matéria humana comum, e não deixará de existir quando esta matéria se acabar, ainda que esta seja uma existência obscura para nós, porém perfeitamente definida, quando se apresenta no mundo em que vivemos – um dentre vários possíveis, como se deduz das colocações de Scotus, antes de Giordano Bruno (1548 – 1600) e Leibniz (1646 – 1716), que tornarão mais conhecida essa concepção (aliás, foi um dos motivos da condenação do primeiro à morte, como veremos adiante), defendida também por Guilherme de Ockham, e hoje muito utilizada, na lógica contemporânea, como critério de validade absoluta - o que for verdade para todos os mundos possíveis –, bem como na física contemporânea, seja naquela cosmológica, ao levantar a hipótese de que vivemos no nosso Universo tridimensional na franja ou membrana de um multiverso multidimensional, no tempo infinito, seja na microfísica quântica, em que se discute a possibilidade de existirem simultaneamente, em pontos distintos do espaço infinito, as alternativas excludentes do estado quântico da matéria, imprevisíveis, pelo princípio da indeterminação, devido a Werner Heisenberg (1901 - 1976), ou seja, em cada um desses estados paralelos podemos não existir ainda, ter deixado de existir, ou existir em momentos de nossa existência diversos no mundo que conosco e para nós se realiza – eis como uma idéia metafísica pode 92

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ter desdobramentos na física, que, por sua vez, pode retro alimentar e reanimar a metafísica, se para isso estivermos minimamente abertos e preparados. Por fim, vale examinar uma terceira inovação fundamental devida a Scotus, em conexão com essas outras, já apresentadas. E aqui é preciso referir o aspecto teológico de seu pensamento, que na época medieval é sempre aquele mais importante. No horizonte de toda essa elaboração estaria a ausência de uma distinção clara entre metafísica e teologia, até por estarem ambas voltadas para o estudo da realidade como uma totalidade (de sentido), tanto na ontologia, enquanto “ciência primeira” (a protê epistéme de Aristóteles), como também na teologia, discurso racional sobre Deus, que é enquanto ser, e não enquanto ente (ontos), ainda que supremo, e maximamente superior, como pensava Tomás de Aquino, donde podermos dizer que Ele, ao contrário de nós, não existe apenas, pois como afirmará Duns Scot, novamente na esteira de Avicena, n’Ele coincidem a essência e a existência, enquanto nós apenas existimos e, enquanto humanos, existe em nós a essência humana, mas não toda ela, donde não sermos cada um os únicos humanos – enquanto Deus, tanto para o islamismo, como antes, para o judaísmo e o cristianismo (apesar da doutrina trinitária, que desdobra a divindade em pai, filho e espírito santo), é único. Eis que nos defrontamos aqui com uma questão que, tradicionalmente, pertence ao campo que se designou, com base em uma classificação de certas obras de Aristóteles, metafísica. Como é corrente, o termo “metafísica” é oriundo de uma classificação de obras de Aristóteles versando sobre sua temática, posicionadas depois dos livros da física, donde a denominação metá, isto é, “após”, ta physika, ou seja, “da física”. Já Kant, porém, questionou se seria uma mera coincidência que uma tal denominação se adequasse tão bem ao sentido mesmo da investigação metafísica, voltada para questões que se situam para além daquelas tratadas no plano da realidade palpável, física. E, de fato, há trabalhos que demonstram estar presente no pensamento aristotélico, se não o termo, pelo menos a idéia a que ele corresponde. A metafísica, em suma, pode ser entendida, tal como o faz um expositor recente da temática, Aniceto Molinaro, como atinente “à identidade, que não exclui a distinção entre o ser e a verdade e o discurso sobre a verdade do ser: este discurso chama-se pensamento, filosofia”. E adiante resume o seu pensamento ao dizer que “existe inseparabilidade entre a filosofia e o ser: a filosofia é o ser na 93

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expressão da sua verdade. A palavra ´metafísica´ exprime esta inseparabilidade ou esta identidade”. No entender de um outro autor contemporâneo, E. J. Lowe, tem-se que, para ele, ao contrário das ciências, que se ocupam de estabelecer o que é, não o que tem de ser ou o que pode ser (mas não é), a metafísica lida com possibilidades. Daí que, é preciso, de alguma maneira, delimitar o escopo do possível, parapodemos, ao menos, esperar que consigamos determinar empiricamente o que é efetivamente real, da maneira tentativa e aproximada que é própria da ciência, tal como entendida contemporaneamente. A tese do autor apenas referido é a de que a metafísica será possível na medida em que se atenha a lidar com possibilidades – com o que penso concordaria sem problemas nosso Duns Scotus, assim como autores contemporâneos que o tiveram na mais alta conta, como Martin Heidegger e Gilles Deleuze. A metafísica trata de questões das quais não se ocupam as ciências, enquanto formas de conhecimento que ora se voltam para a construção de um saber com base em experiências feitas no contato com a realidade, com o que existe, e que por isso são ditas “empíricas”; ora elaboram o conhecimento advindo da consistência de suas proposições entre si mesmas, sem referência a quaisquer objetos reais, mas apenas àqueles abstratos, como na(s) lógica(s) e matemática(s), donde justamente serem qualificadas de “formais”. Na realidade, estes “tipos puros” de conhecimentos científicos se mesclam em maior ou menor medida, restando ainda a possibilidade e, mesmo, necessidade (termos, a rigor, intercambiáveis, pois o possível é necessariamente possível, assim como o necessário sempre é possivelmente necessário, já que esta é a condição do que existe sem ser em si mesmo, o que só é o ser que não depende de nenhuma causa para existir, o qual se pode denominar de Absoluto, Deus etc.) de outros conhecimentos, metacientíficos, que seriam a epistemologia, para discutir as condições de possibilidade de um conhecimento científico ou de uma outra natureza, e a metafísica, para discutir as categorias, determinações ou, simplesmente, os conceitos dos conceitos empregados pelas demais formas de conhecimento, como são os conceitos de realidade, possibilidade, necessidade, causalidade, tempo, espaço, existência, número, contradição, identidade, sujeito, objeto, mundo, experiência, indivíduo, infinito, nada, Deus, valores como o bem e a justiça, mas também o mal, etc. Para efeitos mais didático do que por razões substanciais pode-se dividir em diversas 94

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(sub)áreas do conhecimento a metafísica, conforme privilegie alguns desses temas, de forma que do estudo de Deus se ocuparia a teologia (racional, e não aquelas dogmáticas, vinculadas a alguma religião positiva), assim como dos valores a axiologia, dos deveres ou obrigações – aí incluído temas como o das promessas, dádivas ou realidades deônticas (palavra derivada do grego deon, obrigação, dever) mais habitualmente estudadas, como aquela jurídica -, das questões pertinentes ao(s) mundo(s) a cosmologia e daquelas sobre o(s) ser(es) a ontologia, enquanto temas relacionados ao conhecimento em si seriam objetos da gnosiologia. A estreita conexão entre todas essas matérias, em que cada uma remete às demais, torna de todo relativas tais divisões, ao mesmo tempo em que suscita o interesse em promover a interdisciplinariedade “holística” dos estudos por meio da metafísica tal como aqui entendida. Quanto as denominações atribuídas às suas sub-divisões, são oriundas mais da etimologia, em correspondência com seu objeto, do que de qualquer outro significado que possam ter, a depender do contexto em que apareçam empregados os respectivos termos. Uma tal investigação a de ser feita racionalmente, ainda que seja com novas formas de racionalidade, como aquela transversal, de Wolfgang Welsh, e empregando até, o quanto possível, um instrumental oriundo de ciências (formais) lógicas e computacionais. Isto porque, em lógica e matemática, assim como na física e ciências em geral, na atual concepção epistemológica, “encontrase o real como um caso particular do possível”, como certa feita expressou o epistemólogo francês contemporâneo, Gaston Bachelard (1884 - 1962). É certo que foi o avanço mesmo da pesquisa em microfísica ou física quântica que instaurou a possibilidade (ou a “indeterminação”) no próprio cerne dos fenômenos estudados nesse nível, pois uma molécula ativada por um quantum de luz tanto pode integrá-lo em seu material, como pode re-emitir o seu ganho de energia sob a forma de radiação, ou ainda entrar em reação química com outras moléculas, bem como romper o quantum, transformando-o em energia. Novamente, vemos como a fronteira entre física e metafísica, ainda hoje, é incerta. Aos autores medievais, com Scotus, interessava estabelecer a possibilidade do conhecimento de Deus, dando destaque todo especial à prova de sua existência, e do modo dessa existência. Para tanto, Scotus recusou a concepção tradicional da linha agostiniana, adotada em seu tempo por Henrique de Gant, de que se faria necessária uma especial iluminação pela graça divina para ter acesso 95

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a tais conhecimentos, mas também não aceitava a concepção tomista, de que a razão natural seria suficiente para tudo compreender em matéria de teologia, pois os principais atributos divinos, como a onisciência e a onipotência, só podem ser conhecidos por revelação. Mas uma vez feita tal revelação, cabe tirar dela todas as conseqüências, resolvendo problemas tormentosos, como o decorrente da negação da contingência do futuro, que ameaça a liberdade humana, na medida em que pela onisciência e presciência divina, toda ação já estaria pré-determinada, inclusive aquelas pecadoras, sobre as quais os homens não teriam mais responsabilidade, enquanto sabidas e permitidas por Deus, ainda que por razões que desconhecemos. Já o poder absoluto de Deus implica em que Ele, de potentia absoluta, pode fazer tudo que queira, desde que não envolva contradição, ao menos no mundo em que vivemos, criado por Ele com uma ordem determinada, para nela exercer seu poder e sua vontade, de potentia ordenata. Daí decorrem grande e graves conseqüências, como no que diz respeito à doutrina das causas, fundamento de toda ciência, tal como preconizou Aristóteles. Para ele, assim como para a filosofia até Tomás, as causas seriam quatro, a saber, a causa material, que é a matéria de que algo é feito, como a madeira para a estátua, no exemplo antes referido; a causa formal, que é a figura que ela representa, como o Cristo crucificado, das imagens mais comuns na religião católica; a causa eficiente, que no caso seria o escultor, e a causa final, o objetivo para o qual se produz o objeto, que no nosso exemplo seria atender à devoção dos fiéis. Considerando Deus como causa primeira, aquela que nenhuma outra precede e que possui em si mesma sua razão de ser, e sendo Ele, como para Scotus, um ser infinito dotado de um poder absoluto, o mais excelente de todos os seres ou o Ser por excelência, a causa primeira que Ele é seria do tipo eficiente: Deus é assim associado à criação da existência, como sua origem e suporte – causa primeira e “causa efficiens per conservationem” -, donde não poder com ela se identificar. A partir dessa causa primeira estabelece-se um encadeamento de causas e efeitos cuja finalidade só se poderia explicar conhecendo a causa final última, que, novamente, é Deus, o que está excluído de nossas capacidades mentais. Somando-se esse raciocínio com aquele já exposto, sobre a distinção formal, em que simplesmente a possibilidade da existência independente da forma em relação ao conteúdo de um objeto, isto é, da sua causa formal em relação à causa material, tem-se que, a partir de Scotus, surge a idéia que predominará no domínio científico, 96

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desde a chamada revolução copernicana, com Galileu Galilei (1564 – 1642) à frente , quando ao se falar de causa, como para nós hoje em dia, nos referimos apenas à causa eficiente. Essa idéia, aos poucos, minará os fundamentos da construção do saber antigo e medieval, de cunho propriamente aristotélico, criando as condições subjetivas para o aparecimento não só da ciência, mas de tudo o que é mais característico da modernidade, também em termos políticos, éticos ou jurídicos, com o que nela há de melhor e pior também – e, assim, tanto em um caso como no outro, o que nela há de grandioso. As causas, então, passam a ser ordenadas formalmente, quer em uma hierarquia que se considera estabelecida de potentia absoluta Dei, quer de acordo com uma ordem estabelecida arbitrariamente pela vontade de conhecer – ou de poder. Se sujeito e mundo já não estão vinculados naturalmente, só restam para serem conhecidos os objetos, a forma de ambos. Se a vontade e o fim por ela almejado não estão mais unidos pelo amor, só resta um desejo arbitrário que pode se dirigir a objetos quaisquer, seja para conhecê-los, seja para dominá-los, o que na modernidade, por exemplo, em um Francis Bacon (1561 – 1626), logo será considerado como praticamente o mesmo. Se o poder já não tem constrangimentos impostos pelo bem como fim que justifica o seu exercício, só resta a lei que obriga sem limitações ou necessidade de maiores justificativas, já que sua força arbitrária provém do simples fato de estar na lei mesma a sua origem. Isso porque objeto do conhecimento, vontade arbitrária de agir e lei imposta do agir são, afinal, considerados efeitos do concurso simultâneo de causas indiferentes ao que causam, nas quais já não é possível discernir o que é forma e matéria, eficiência e finalidade, estando todas reduzidas a uma só causa, que é formal, mas não como aquela que corresponde a uma matéria determinada, e é eficiente, nem tampouco aquela destinada a uma certa finalidade, pois é a causalidade mecanicista, dos impulsos, choques e trajetórias que quando conhecidos enquanto causas explicam que (oti) e como se deu algo (ti), mas não por que (dioti) se deu. É assim que o objeto do conhecimento passa a ser concebido diversamente. Nesse contexto, é preciso que se destaque o papel de Guilherme de Ockham, cujo pensamento, como é sobejamente conhecido, descende diretamente daquele de Scotus, mas introduzindo variações que darão suporte a posições também da tradição (aristotélico-) tomista, indo reverberar, por influência de seus professores 97

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parisienses, naqueles que, com seu líder, Francisco de Vitória, integrarão a escolástica espanhola do século XVI, com destaque para o Pe. Suárez,, com sua tentativa sincrética de restauração aristotélico-tomista, apesar de vinculado, secreta ou discretamente, por questões políticas (afinal de contas, era um jesuíta) à “tradição scotiana”. Para Ockham, o conhecimento resulta da ação, simultânea ou não, do ente extramental ou da vontade divina, absolutos que co-existem sem qualquer relação necessária. Guilherme de Ockham, dito doctor invencibilis evenerabilis inceptor, ou seja, alguém que, apesar de venerável, não atingiu o grau supremo de mestre em teologia.Já no século XV o epíteto venerabilis inceptor, atribuído a Ockham por não ter atingido o grau de mestre, por razões políticas, aparece ampliado para venerabilis inceptor viae modernae, cometendo-se uma dupla imprecisão: uma terminológica, por confundir “iniciante” com “iniciador”, outra histórica, pois se a via moderna pode ser associada à adoção do nominalismo ou, como em Thomas Bradwardine (+ 1349), à doutrina da predestinação divina, em nenhuma dessas hipóteses o pensamento ockhamiano, por mais importante que seja, pode ser considerado pioneiro. Segundo Gordon Leff, por seu intermédio operou-se em verdade uma “transformação do discurso escolático”, que conduz o pensamento filosófico para além da Escolástica medieval, diretamente na ambiência moderna, isto é, ensejando, dentre outros desenvolvimentos, a emergência do “paradigma da subjetividade”, pelo qual o sujeito humano passa a ser a instância que garante a verdade de suas constatações, como exemplarmente enunciou Descartes, ao fixar como primeira e inquestionável verdade, da que outras poderiam ser deduzidas, a de que pensava, logo existia – o famoso cogito, ergo sum. Sua preocupação com a análise lógica da linguagem, por outro lado, o torna precursor, igualmente, do que se pode considerar a temática fundamental de nosso tempo, em filosofia, quando em se desconfiando da credibilidade do sujeito para dar suporte à verdade, passa-se a buscar esse apoio na linguagem, intersubjetiva. Concluindo, o que será da natureza dos direitos, assim com de seja lá o que for, não se poderá saber de antemão, com a certeza em que ingenuamente acreditaram os modernos, nem tampouco já se encontra previamente determinado de maneira exauriente, o que negaria a “potentia absoluta” de Deus, e mesmo as mais restritas, mas ainda assim indefinidas, liberdade e dignidade humanas.

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REFERÊNCIAS GUERRA FILHO, Willis Santiago (org.). Dos Direitos Humanos aos Direitos Fundamentais, Porto Alegre: Livraria do Advogado, 1997. ________. Processo Constitucional e Direitos Fundamentais. 6ª ed., São Paulo: SRS, 2009. ________. Teoria Processual da Constituição, 2a. ed., São Paulo: IBDC/Celso Bastos ed., 2002, p. 185 ss. e, antes, mais extensamente, Id., Ensaios de Teoria Constitucional, Fortaleza: Imprensa Universitária (UFC), 1989, p. 80 e s. MENDES, Gilmar Ferreira. Controle de Constitucionalidade. São Paulo: Saraiva, 1990. MORAES, Germana de Oliveira. Controle Jurisdicional da Administração Pública. São Paulo: Dialética, 1999. RIZZATTO NUNES, Luis Antonio. Princípio Constitucional da Dignidade Humana, São Paulo: Saraiva, 2002. QUEIROZ, Raphael Sofiati de. Os Princípios da Proporcionalidade e Razoabilidade das Normas – e suas Repercussões no Processo Civil Brasileiro, Rio de Janeiro: Lumens Juris, 2000.

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ARTIGO 5º Nenhuma das disposições do presente Pacto poderá ser interpretada no sentido de reconhecer a um Estado, grupo ou indivíduo qualquer direito de dedicar-se a quaisquer atividades ou de praticar quaisquer atos que tenham por objetivo destruir os direitos ou liberdades reconhecidos no presente Pacto ou impor-lhes limitações mais amplas do que aquelas nele previstas. 1. Nenhuma das disposições do presente Pacto poderá ser interpretada no sentido de reconhecer a um Estado, grupo ou indivíduo qualquer direito de dedicar-se a quaisquer atividades ou de praticar quaisquer atos que tenham por objetivo destruir os direitos ou liberdades reconhecidos no presente Pacto ou impor-lhes limitações mais amplas do que aquelas nele previstas. 2. Não se admitirá qualquer restrição ou suspensão dos direitos humanos fundamentais reconhecidos ou vigentes em qualquer país em virtude de leis, convenções, regulamentos ou costumes, sob o pretexto de que o presente Pacto não os reconheça ou os reconheça em menor grau. Cláudio Finkelstein159 Doutor em Direito pela PUC/SP. Mestre em Direito Internacional - University of Miami. Professor Livre Docente de Direito Internacional da PUC/SP, Coordenador da Sub-Área de Direito Internacional do Pós-Graduação da PUC/SP.

COMENTÁRIOS: Os direitos humanos foram objeto de conquista do homem ao longo do tempo, pois aqueles que batalharam pelo que hoje chamamos de direitos humanos e fundamentais se colocaram em oposição ao domínio e à exploração de grupos sociais minoritários e privilegiados. A natureza do homem, um ser que tem característica sociável, nos impôs relacionamentos que ao passar do tempo migraram de relações de opressão a cooperação e respeito mútuo. A resistência à opressão a grupos minoritários foi a luz no fim do túnel para que os direitos humanos pudessem emergir. Como veremos mais adiante, a 159   Agradeço à acadêmica de direito, Flavia Prado Stamato Fonseca, pela valiosa ajuda em pesquisa e separação de material.

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origem dos direitos humanos, hoje existentes, tem relação direta com as atrocidades cometidas na Segunda Guerra Mundial, dando ensejo a novos parâmetros às guerras, que deixaram de ser locais e restritas ao campo de batalha e batalhadores, ganhando as cidades e dimensões antes impensáveis. O sistema internacional, em repúdio a violência extrema, refletiu quanto a necessidade em buscar um padrão internacional que preservasse as diferentes culturas, bem como grupos sociais e etnias, sem qualquer repressão à liberdade e à crença. Vem daí a necessidade de que os Estados se comprometessem a cumprir e implementar, efetivamente, as propostas de garantia. Ora, não só os direitos civis e políticos eram passíveis de proteção, mas também era necessário proteger a igualdade social e econômica. O Pacto dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais de 1966 é oriundo desta fusão de interesses, juntamente com o Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos de 1992. Portanto, nada justifica que o Estado que aderiu aos pactos tenha a intenção de posteriormente reprimir quaisquer direitos por estes garantidos. O conceito de soberania estatal pode ser dividido em antes e depois do Pacto de 1966. Tradicionalmente, o Estado impunha a noção de soberania absoluta. Porém, esta noção passou por uma revisão de conceitos, ou seja, a noção de soberania foi reformulada, com base nas medidas adotadas no plano internacional, num novo contexto, este de globalização e internacionalização de direitos. Assim, cabe ao Poder Constituinte a assunção dos Direitos Humanos como norma internacional, não permitindo, em absoluto, que o Estado desproteja quaisquer seres humanos neste tocante. Quanto a isso, a teoria universalista gira em torno de uma ética tecida em volta dos Direitos Humanos, e, portanto, na esfera internacional. Em outras palavras, antes do Pacto de 1966 e dos Direitos Fundamentais de 1992, o Estado contava com um conceito de soberania ilimitada, onde o Estado tudo podia em qualquer ordem e tempo. A evolução ocorrida redefiniu o conceito tradicional de soberania, interpretando-a de forma a encaixá-la em linhas que traçam as fronteiras da soberania estatal contemporânea. Tal redefinição de soberania deu origem ao ser humano enquanto sujeito de Direito Internacional Público, vez que, com o advento dos muitos tratados que versam sobre tais direitos na esfera internacional e com a proliferação de Tribunais apoderados para julgar descumprimentos dos Estados, o ser humano tinha a outorga postulatória neste 102

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âmbito, condição esta que, até então, era reservada aos Estados. Após a derrocada dos diversos regimes totalitaristas existentes, que sofreram uma ruptura por conta dos direitos fundamentais consagrados na ordem internacional, o conceito de Direitos Humanos se fez cada vez mais presente no cenário mundial. A internacionalização dos Direitos Humanos foi tão significativa que seus reflexos foram além do sentido jurídico, buscando embasar-se, também, em aspectos morais, culturais, políticos, históricos e sociológicos, o que, por sua vez, fundamentou uma nova estruturação dos Estados. É sabido que o jusnaturalismo reconhece os direitos intrínsecos ao homem, ou seja, são direitos que nascem no mesmo momento que nasce o indivíduo e, portanto, não há relação de dependência do Estado. Ora, a título de ilustração, é exatamente o que acontece quanto ao direito de sobrevivência ou o direito de liberdade. Os Direitos Fundamentais carregam em si uma carga histórica muito pesada. Aliás, quando se compara a evolução histórica aos Direitos Humanos, é impossível o não conhecimento dos Direitos Humanitários, cuja concepção como direito de guerra foi demasiadamente contributiva ao processo de internacionalização dos Direitos Humanos, afinal, foi imposto limite aos Estados, “esculpindo” a soberania estatal a estes limites, observando a clara necessidade de normas na esfera internacional que pudessem regulamentar o direito de guerra. Nesse sentido, fez-se presente a necessidade de um catálogo universal de Direitos Humanos que, por sua vez, funcionaria como paradigma prático para todos os Estados. Ora, o universalismo dispõe que são assegurados os direitos que não só garantem a dignidade humana além da teoria, mas são pilares de sustentação neste quesito. A oposição do Estado aos Direitos Humanos, mesmo em situações aparentemente brandas, como a restrição ou suspensão, é uma violação deveras gravosa à Declaração Universal de Direitos Humanos, ao Pacto de 1966, assim como à própria Constituição. O artigo 5º do Pacto de 1966 recicla a idéia dos Direitos Humanos inerentes à nossa condição de seres humanos, enseja interpretação mais abrangente, incitando a máxima eficácia, ou seja, via de regra, opta-se pela maximização dos direitos humanos, de forma que serão compreendidas, apenas, as limitações expressas pelo tratado. É notório, a este ponto, que tanto o Pacto de 1966 quanto a Declaração de Direitos Humanos regem a salvaguarda do ser humano, e não as 103

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relações internacionais dos Estados e seus interesses. Por hora, coloca-se o ser humano acima da soberania Estatal, preservando e protegendo a dignidade da pessoa humana. Por esta linha lógica é possível a noção de que não cabe aos Direitos Humanos moldar-se às imposições estatais, mas cabe ao Estado moldar-se para envolver e proteger os Direitos Humanos, devendo ser de consciência internacional a importância do disposto por este. Pois bem, o catálogo universal de Direitos Humanos não pode, em absoluto, ser expropriado de pessoa alguma, uma vez que todo homem é um cidadão do mundo, regido pelo diálogo intercultural de Direitos Humanos, ou seja, é assegurado ao ser humano, independente de sua cultura ou nação, a pluralidade cultural, na qual não se admite violação por parte do poder estatal. Neste sentido, Ricardo Sayeg e Wagner Balera afirmam que “(...) entre todos os entes federativos e em todas as suas atribuições, de modo constitucionalmente implícito, há competência comum quanto ao poder/ dever de concretizar os direitos humanos e até de legislar em prol destes, ressaltando-se a respectiva competência negativa quanto a afrontar tais direitos em qualquer hipótese”.160 Diante de uma análise contemporânea, com as liberdades providas pela globalização e pela ferramenta universal da Internet, o mundo vive um momento de troca de informações tão intensa que são inevitáveis os choques culturais. Neste ambiente, no qual as informações são trocadas com muita facilidade e rapidez, não há territórios soberanos ou regulamentação internacional. Com isso, tornou-se possível compartilhar diferentes culturas, óticas e opiniões que acabaram por evoluir as discussões quanto aos Direitos Humanos. Entretanto, os Direitos Humanos não deixam de lado os poderes estatais, de modo a versar sobre as liberdades do Estado em sua primeira geração, propagando a livre iniciativa e a representação política igualitária e afastando possíveis privilégios estatais, ou seja, o poder do Estado diminui-se perante o indivíduo. Nesse sentido, o Estado Democrático de Direito dá ensejo às limitações jurídicas ao poder estatal, criando limites ao assegurar as garantias constitucionais, bem como as liberdades do ser humano, de modo individualizado, revogando os intermédios estatais quando munidos de abusos e atuações desmedidas. 160   SAYEG, Ricardo e BALERA, Wagner, “O Capitalismo Humanista”, Editora Petrópolis KBR, 2011, 1ª Edição, página 47.

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Justamente pelo ser humano ser um cidadão mundial, o Estado passa a manter-se aberto à fiscalização internacional, em função da difusão de informações oriunda das ferramentas fornecidas pela Internet, que veio por aumentar grandiosamente o acesso à informação, que, nestes termos, é versada por Alberto Silva Santos: “ o direito à informação consta dos principais instrumentos que versam sobre Direitos Humanos no plano internacional, em que se verifica a existência de dispositivos expressos que se prestam a garantir tal direito, o qual compreende tanto o direito de procurar quanto o de receber e transmitir informações e idéias independentemente de fronteiras, como se vê no art. XIX da Declaração Universal dos Direitos Humanos, bem como se verifica conteúdo similar no art. 19 do Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos, no art. 9 da Convenção Européia de Direitos Humanos, no art. 13 da Convenção Americana de Direitos Humanos e no art. 9 da Carta Africana de Direitos Humanos e dos Povos, por exemplo, os quais demonstram que o direito à informação, assim compreendido da forma que está na Declaração Universal, é um Direito Humano”161. A difusão de informação sujeita o Estado à prestar esclarecimentos aos órgãos internacionais de proteção aos direitos humanos ou tribunais penais internacionais, mesmo em plano auxiliar, em outras palavras, adicional aos recursos já cedidos pelo próprio Estado. Além da fiscalização internacional, cabe à sociedade civil a monitoração do Estado, para se certificar de que os Direitos Econômicos, Sociais e Culturais estão sendo observados, pois o Estado se compromete à respeitar as garantias aos seus nacionais, sem qualquer discriminação, ou seja, o Pacto de 1966 é uma ferramenta de proteção contra abusos de poder por parte do Estado, o que quer dizer que os direitos nele conferidos são imediatamente exigíveis. O compromisso dos Estados de adoção de medidas assegura o pleno exercício dos direitos reconhecidos, além da igualdade entre os nacionais, sendo impedido ao poder estatal que sejam restringidas ou suspensas as garantias e direitos observadas. Não obstante, por estarem os Direitos políticos, econômicos, sociais e culturais em constante evolução, a proteção contra os efeitos abusivos do Estado também se encontram em progressiva expansão e aperfeiçoamento. Assim, somente o objetivo se faz constante: a proteção à dignidade da pessoa humana e 161 

SANTOS, Alberto Silva, “A internacionalização dos direitos humanos e o sistema interamericano de proteção”, Belo Horizonte, Arrael Editores, 2012, página 71. 105

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seus direitos humanos, em escala mundial. Neste sentido podemos destacar os seguintes julgados: EMENTA: AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO. ADMINISTRATIVO. INTERVENÇÃO DO ESTADO NO DOMÍNIO ECONÔMICO. RESPONSABILIDADE OBJETIVA DO ESTADO. FIXAÇÃO PELO PODER EXECUTIVO DOS PREÇOS DOS PRODUTOS DERIVADOS DA CANA-DE-AÇÚCAR ABAIXO DO PREÇO DE CUSTO. DANO MATERIAL. INDENIZAÇÃO CABÍVEL. 1. A intervenção estatal na economia como instrumento de regulação dos setores econômicos é consagrada pela Carta Magna de 1988. 2. Deveras, a intervenção deve ser exercida com respeito aos princípios e fundamentos da ordem econômica, cuja previsão resta plasmada no art. 170 da Constituição Federal, de modo a não malferir o princípio da livre iniciativa, um dos pilares da república (art. 1º da CF/1988). (...) 3. O Supremo Tribunal Federal firmou a orientação no sentido de que “a desobediência aos próprios termos da política econômica estadual desenvolvida, gerando danos patrimoniais aos agentes econômicos envolvidos, são fatores que acarretam insegurança e instabilidade, desfavoráveis à coletividade e, em última análise, ao próprio consumidor.” (RE 422.941, Rel. Min. Carlos Velloso, 2ª Turma, DJ de 24/03/2006). (...) Pela intervenção o Estado, com o fito de assegurar a todos uma existência digna, de acordo com os ditames da justiça social (art. 170 da CF), pode restringir, condicionar ou mesmo suprimir a iniciativa privada em certa área da atividade econômica. Não obstante, os atos e medidas que consubstanciam a intervenção hão de respeitar os princípios constitucionais que a conformam com o Estado Democrático de Direito, consignado expressamente em nossa Lei Maior, como é o princípio da livre iniciativa. Lúcia Valle Figueiredo, sempre precisa, alerta a esse respeito que “As balizas da intervenção serão, sempre e sempre, ditadas pela principiologia constitucional, pela declaração expressa dos fundamentos do Estado Democrático de Direito, dentre eles a cidadania, a dignidade da pessoa humana, os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa” (DIÓGENES GASPARINI, in Curso de Direito Administrativo, 8ª Edição, Ed. Saraiva, págs. 629/630, cit., p. 64)”. (RE 632.644 AGR / DF)

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Ainda quanto ao mesmo tema, temos: DANOS MORAIS - INTERNAÇÃO INVOLUNTÁRIA DE PACIENTE SUPOSTAMENTE ACOMETIDO DE DOENÇA MENTAL - VÁCUO LEGISLATICO SUPRIDO PELO TRATADO INTERNACIONAL “”PIDESC”” E PELOS PRINCÍPIOS “”ASM”” DAS NAÇÕES UNIDAS - ART. 5º §3º DA CONSTITUIÇÃO - TRATADOS SOBRE DIREITOS HUMANOS QUE INTEGRAM O DIREITO DOMÉSTICO COM FORÇA DE EMENDA CONSTITUCIONAL - AFRONTA À DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA - REPARAÇÃO DEVIDA. Mesmo antes da edição da legislação brasileira específica sobre a internação involuntária de doentes mentais o Direito brasileiro já havia incorporado normas que regulavam esta matéria, com a assinatura do PIDESC - Pacto Internacional Sobre Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, em 1992. Este Tratado, originalmente redigido na década de 1960 foi complementado, posteriormente, pelos Princípios ASM, editados pela ONU, que balizavam e regulavam as matérias tratadas pelo PIDESC, inclusive no que tange a internação involuntária de pacientes acometidos de doenças mentais. A regulamentação, integralmente incorporada, inclusive, pelo Código de Ética Médica, previa alguns requisitos de legitimação das internações forçadas, que, se descumpridas, podem gerar certamente algum dano de ordem moral ao paciente cujos direitos forem suprimidos. RESPONSABILIDADE ESTATAL SOLIDARIEDADE DOS AGENTES PÚBLICOS ENVOLVIDOS NO EVENTO DANOSO - IMPOSSIBILIDADE. O sistema jurídico pátrio consagra a responsabilidade estatal, independente da responsabilidade dos agentes públicos. Caso entenda pertinente, caberá ao Estado o direito de regresso contra seus agentes que agirem com dolo ou culpa, nos termos do art. 37, §6º, elidida a hipótese de responsabilidade solidária”. (Número do processo: 1.0702.01.027605-4/003(1). Relatora: VANESSA VERDOLIM HUDSON ANDRADE. Julgado em:30/10/2007) Em âmbito penal, também é possível conferir a aplicação: E M E N T A: “HABEAS CORPUS” - PROCESSO PENAL - PRISÃO CAUTELAR - EXCESSO DE PRAZO - INADMISSIBILIDADE OFENSA AO POSTULADO CONSTITUCIONAL DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA (CF, ART. 1º, III) - TRANSGRESSÃO À GARANTIA DO DEVIDO PROCESSO LEGAL (CF, ART. 5º, 107

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LIV) - PEDIDO DEFERIDO. O EXCESSO DE PRAZO NÃO PODE SER TOLERADO, IMPONDO-SE, AO PODER JUDICIÁRIO, EM OBSÉQUIO AOS PRINCÍPIOS CONSAGRADOS NA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA, O IMEDIATO RELAXAMENTO DA PRISÃO CAUTELAR DO INDICIADO OU DO RÉU. - Nada pode justificar a permanência de uma pessoa na prisão, sem culpa formada, quando configurado excesso irrazoável no tempo de sua segregação cautelar (RTJ 137/287 - RTJ 157/633 - RTJ 180/262-264 - RTJ 187/933934), considerada a excepcionalidade de que se reveste, em nosso sistema jurídico, a prisão meramente processual do indiciado ou do réu. - O excesso de prazo, quando exclusivamente imputável ao aparelho judiciário - não derivando, portanto, de qualquer fato procrastinatório causalmente atribuível ao réu - traduz situação anômala que compromete a efetividade do processo, pois, além de tornar evidente o desprezo estatal pela liberdade do cidadão, frustra um direito básico que assiste a qualquer pessoa: o direito à resolução do litígio, sem dilações indevidas (CF, art. 5º, LXXVIII) e com todas as garantias reconhecidas pelo ordenamento constitucional, inclusive a de não sofrer o arbítrio da coerção estatal representado pela privação cautelar da liberdade por tempo irrazoável ou superior àquele estabelecido em lei. - A duração prolongada, abusiva e irrazoável da prisão cautelar de alguém ofende, de modo frontal, o postulado da dignidade da pessoa humana, que representa - considerada a centralidade desse princípio essencial (CF, art. 1º, III) - significativo vetor interpretativo, verdadeiro valor-fonte que conforma e inspira todo o ordenamento constitucional vigente em nosso País e que traduz, de modo expressivo, um dos fundamentos em que se assenta, entre nós, a ordem republicana e democrática consagrada pelo sistema de direito constitucional positivo. Constituição Federal (Art. 5º, incisos LIV e LXXVIII). EC 45/2004. Convenção Americana sobre Direitos Humanos (Art. 7º, ns. 5 e 6). Doutrina. Jurisprudência. - O indiciado e o réu, quando configurado excesso irrazoável na duração de sua prisão cautelar, não podem permanecer expostos a tal situação de evidente abusividade, sob pena de o instrumento processual da tutela cautelar penal transmudarse, mediante subversão dos fins que o legitimam, em inaceitável (e inconstitucional) meio de antecipação executória da própria sanção penal. Precedentes. De fato, a perspectiva inserida no Art. 5º, 1 proibe uma hermeneutica que vise desconsiderar uma visão universalista do próprio pacto, e dos direitos

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que este consagra. Neste sentido, faz-se necessário reafirmar que esta é a visão contemporânea do Direito Internacional, reafirmada pela Convenção de Viena do Direito dos Tratados, Art. 53, que introduz a noção de jus cogens. É nulo um tratado que, no momento  de  sua conclusão, conflite com uma norma imperativa  de  Direito Internacional geral. Para os fins da presente Convenção, uma norma imperativa de Direito Internacional geral é uma norma aceita e reconhecida pela comunidade internacional dos Estados como um todo, como norma da qual nenhuma derrogação é permitida e que só pode ser modificada por norma ulterior de Direito Internacional geral da mesma natureza. Nesse contexto, como já tive a oportunidade de expor, “em caso de superveniência de uma norma imperativa de Direito Internacional geral, jus cogens, esta revogará qualquer tratado que a contradiga. Um tratado pode ainda ser extinto ou suspenso em virtude da violação do mesmo (artigo 60 [da Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados]), pela impossibilidade superveniente de cumprimento (artigo 61) ou mudança fundamental de circuntancias (artigo 62). Finalmente, nos termos do artigo 64, ‘se sobrevier uma norma imperativa de Direito Internacional geral, qualquer tratado existente que estiver em conflito com essa norma torna-se nulo e extingue-se. Trata-se da afirmação de haver no Direito Internacional normas que constituiriam um jus cogens, que se sobrepõem à vontade dos Estados, e não podem ser modificadas por dispositivos oriundos, seja nos tratados e convenções internacionais, seja, ainda, por estarem definidas como princípios gerais de direito’. A esta espécie de norma todos os Estados se vinculam e se obrigam a cumprir e respeitar”162.

162 

FINKELSTEIN, Cláudio, “Direito Internacional – Série Leituras Jurídicas – Provas e Concursos”, Editora Atlas S.A., 2008, Volume 25, páginas 22 e 23. 109

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REFERÊNCIAS FINKELSTEIN, Cláudio. Direito Internacional – Série Leituras Jurídicas – Provas e Concursos. Volume 25. São Paulo: Atlas, 2008. SANTOS, Alberto Silva. A internacionalização dos direitos humanos e o sistema interamericano de proteção. Belo Horizonte: Arrael Editores, 2012. SAYEG, Ricardo; BALERA, Wagner. O Capitalismo Humanista. Editora Petrópolis KBR, 2011.

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ARTIGO 6º 1. Os Estados Partes no presente Pacto reconhecem o direito de toda pessoa de ter a possibilidade de ganhar a vida mediante um trabalho livremente escolhido ou aceito e tomarão medidas apropriadas para salvaguardar esse direito. 2. As medidas que cada um dos Estados Partes no presente Pacto tomará com vista a assegurar o pleno exercício deste direito devem incluir programas de orientação técnica e profissional, a elaboração de políticas e de técnicas capazes de garantir um desenvolvimento econômico, social e cultural constante e um pleno emprego produtivo em condições que garantam o gozo das liberdades políticas e econômicas fundamentais de cada indivíduo. Gina Vidal Marcílio Pompeu Doutora em Direito Constitucional pela Universidade Federal de Pernambuco. Mestre em Direito e Desenvolvimento pela Universidade Federal do Ceará. Coordenadora e professora do Programa de Pós-Graduação em Direito Constitucional, Mestrado e Doutorado da Universidade de Fortaleza. Coordenadora do Centro de Estudos Latino-Americanos – CELA, da Universidade de Fortaleza. Consultora Jurídica da Assembleia Legislativa do Estado do Ceará. Manoel Valente Figueiredo Neto Doutorando em Direito Constitucional pela Universidade de Fortaleza. Mestre em Políticas Públicas pela Universidade Federal do Piauí. Tabelião e Registrador de Imóveis em Camocim, Ceará.

COMENTÁRIOS: O foco específico e instrumento motriz a ser estimulado pelo Estado contemporâneo é a geração de emprego e renda, seguindo o viés determinado pelo Pacto Internacional de Desenvolvimento Econômico, Social e Cultural de 1966. Nesse contexto, comenta-se o artigo acima a partir da perspectiva critica que visa fomentar a reflexão sobre o modelo de Estado que melhor adapta-se à época de mundialização de conceitos e de defesa da humanidade, independente do 111

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espaço geográfico por ela ocupado, com o escopo de conciliar a dignidade humana com os valores sociais do trabalho e a livre iniciativa. O Estado desejado prioriza a conciliação entre crescimento econômico e desenvolvimento humano. Pontua-se então, a existência de duas ordens, aquela oriunda da reafirmação dos direitos humanos, sempre confirmada na esfera global, principalmente após tragédias e crises, e por outro prisma analisa-se a soberania do Estado. Discute sobre o Estado-Nação ou Estado Regulador que seja capaz de conciliar os interesses oriundos da mundialização da economia com as necessidades da população. Disserta sobre o “Estado fator de conciliação, mitigador de conflitos sociais e pacificador necessário entre o trabalho e o capital”163. Nota-se que a ordem econômica e a ordem social, inseridas na Constituição brasileira de 1988, mostraram-se insuficientes para garantir o desenvolvimento humano proporcional ao crescimento econômico. Apesar de a economia brasileira ter alcançado a sexta posição no ranking internacional de desenvolvimento econômico (Centre for Economics and Business Researc, 2012), persiste o conflito entre a abertura da economia brasileira à economia transnacional e à relativização das normas trabalhistas, tributárias e previdenciárias. A resposta ao capitalismo global do século XXI só será possível se oriunda da consciência individual da viabilidade do bem-estar coletivo. Tarefa que necessariamente exige esforços, decisão, renúncia e constante acompanhamento da gestão pública, bem como requer governos politicamente responsáveis com a garantia de efetivação dos direitos sociais, com a integração entre as regiões. As funções estatais, que optam pelo desenvolvimento humano, priorizam o acesso à educação, à capacitação para o trabalho e a democratização do conhecimento, que possibilita o gozo do emprego e da renda. Introduziu-se o tema relatando o processo de secularização do poder e do retorno ao antropocentrismo. Esse processo restabeleceu o duelo entre os direitos de desenvolvimento individual, situados na seara da liberdade, e os direitos à efetivação do bem-estar coletivo por meio do acesso aos direitos sociais inseridos na esfera da igualdade e conclui para repensá-lo do esquecido princípio da fraternidade. 163 

BONAVIDES, Paulo. Do estado liberal ao estado social. 4. ed., Rio de Janeiro:Forense, 1980.p.206.

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No segundo tópico narrou-se o desenvolvimento do Estado, na visão de Marx até os dias atuais, analisando-se os seus elementos fundadores; no terceiro tópico verificaram-se os efeitos da globalização nos seus diversos aspectos sobre a economia e o modo de viver dos chamados países centrais e daqueles conhecidos como periféricos. Ponderou-se para o retorno ao Estado - Nação, ou Regulador, aquele capaz de impedir que uma mistura heterogênea de organizações não governamentais, corporações transnacionais, sindicatos do crime tomem o controle econômico, político e moral de um povo. Por fim, disserta-se sobre o fato de que a vigília atual consisti em impedir que o desenvolvimento econômico se limite à especulação financeira e à concentração de renda. Para aliar o desenvolvimento humano com o econômico nas esferas local e global, essencial serão as presenças constantes de instituições sociais, de população interativa e bem informada, e do Estado responsável e coerente com os interesses nacionais. A via apontada é a valorização do trabalho, da livre iniciativa, do Estado Social e do respeito das diversidades culturais. SECULARIZAÇÃO DO PODER E O PODER DOS MERCADOS Com as lutas travadas contra a ordem teocrática e a consequente secularização do poder, o homem passou a depositar no Estado um grande número de reivindicações que o transformaram em essencial à vida em comunidade e ao pleno desenvolvimento dos direitos de personalidade. Exige-se do Estado bem mais que a obrigação de não fazer e de submeter-se aos ditames de uma Constituição. As prestações positivas, no que concernem à efetivação dos direitos sociais, não podem ser negligenciadas. O século XVIII mudou o rumo da história da humanidade. Começaram a serem discutidos os grandes problemas políticos e sociais da humanidade: os direitos do homem, os limites do poder do Estado, a definição de liberdade individual, o relacionamento entre o Estado e a Igreja, a igualdade civil diante da justiça e da lei, quem eram os destinatários da política do Estado. Perguntava-se: quem era o povo? Por ironia, um clérigo da Igreja Católica foi aquele que engajou o povo a se transformar no que hoje se conhece por poder constituinte. Emmanuel Siéyès escreveu “O que é o terceiro estado?” e com isso traduziu o descontentamento da 113

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população diante dos privilégios conferidos ao clero (primeiro estado) e à nobreza (segundo estado)164. No século XXI as perguntas de Siéyès fazem-se repetir e incluem um quarto estado (o assalariado) e certamente as respostas não virão com a fragilização do Estado; nem tampouco por meio de indústrias transnacionais, para as quais não interessa onde seus produtos são fabricados, desde que sob o menor custo; mas objetivamente interessa-lhes quem é o mercado que pode consumir a produção. Mercado que não tem rosto, nem cor, passado ou futuro, que ignora os Estados e as nações. Alexis de Tocqueville (1805-1859), magistrado e parlamentar francês, entrou para a história das ideias políticas por defender a democracia, a liberdade e a igualdade. A temática constante é a conciliação entre a liberdade individual e política de cada cidadão, com a realidade social, política e econômica existente. Diz Tocqueville no texto de introdução à sua obra: O desenvolvimento gradual da igualdade das condições é um fato providencial. Possui suas principais características: é universal, é duradouro, escapa cada dia ao poder humano; todos os acontecimentos, bem como todos os homens, contribuem para ele. Seria sensato acreditar que um movimento social que vem de tão longe possa ser suspenso pelos esforços de uma geração? Alguém acredita que, depois de ter destruído o feudalismo e vencido os reis, a democracia recuará diante dos burgueses e dos ricos? Irá ela se deter agora, que se tornou tão forte e seus adversários tão fracos? Aonde vamos então?165 Segundo Tocqueville, o grande mal moral é o individualismo, ferrugem da sociedade, que torna o cidadão vazio de toda a essência do civismo e do interesse do bem coletivo. Nesta perspectiva, tem-se que o individualismo faz do homem um escravo, que oscila entre a servidão e o egoísmo. Indiferente ao destino do lugar em que mora, não se interessa pelos acontecimentos. Narra os fatos, alheio a tudo, como se a esfera pública pertencesse a um desconhecido chamado governo. 164   SIÉYÈS, Emmanuel. A constituição burguesa. Qu’est-se que letiersétat?. Tradução de Norma Azevedo e organização de Aurélio Wander Bastos. 4.ed. Rio de Janeiro: Lúmen Juris, 2001. 165  TOCQUEVILLE, Aléxis de. A democracia na América: leis e costumes. Tradução de Eduardo Brandão. Livro I. São Paulo: Martins Fontes, 1998. p.11.

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A ética global impulsiona o sentimento de pertencer a Estados centrais, logo os Estados periféricos necessitam inovar e aperfeiçoar o seu poder de mando, quebrar barreiras, ajeitar a máquina estatal com objetivos comuns às três funções estatais nas diversas regiões. Só então será possível, por meio de um projeto nacional, deixar a condição de país periférico, e viabilizar a inserção na condição de país central aliando desenvolvimento humano ao crescimento econômico. A construção de nações passa pelo conhecimento e discernimento sobre fatos, ideias e valores sobre a decisão do que pode ser considerada essência da condição humana. Em tempos de globalização, sobretudo de ideias, faz-se necessário romper o individualismo e assumir uma posição de igualdade coletiva. O multiculturalismo no Brasil não resultou ainda na formação de uma identidade nacional, não se reconhece no outro, a si mesmo, sujeito de direitos e de deveres. Prepondera o desinteresse e o desconhecimento pelo passado, espera-se por salvadores da pátria, mas os heróis ou os estadistas são facilmente esquecidos. O sentimento de nação, de pertencer, de projetos comuns só é observado com facilidade diante de jogos mundiais de futebol, quando brasileiros vestem verde e amarelo e possuem bem definido a vontade comum. A situação apenas camufla a realidade de cada nação, da exploração econômica de uma maioria por uma minoria, que transparece quando do gozo de direitos. Assim constata-se no Brasil, a desigualdade humana, econômica e social por meio do perfil dos institutos de pesquisas, como o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE, 2012), que dispõe que o contingente de desocupados que foi estimado em 1,3 milhão de pessoas no agregado das seis regiões investigadas, cresceu 15,9% no confronto com dezembro (mais 180 mil pessoas procurando trabalho). Quando comparado com janeiro de 2011, recuou 7,7% (menos 110 mil). Lembrando que, de dezembro de 2010 para janeiro de 2011, essa população aumentou (13,7%, 171 mil pessoas). Ciente desses fatos, a Constituição brasileira de 1988, no inciso terceiro do art.3º, adota como objetivo fundamental, erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais. Já no art. 43, a mesma constituição reafirma metas para a redução das desigualdades regionais, delineando um Estado Regulador que visa conciliar os valores sociais do trabalho com a livre iniciativa nos planos nacionais e regionais e assim prevê condições que garantam a integração e o desenvolvimento de suas regiões. 115

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DESENVOLVIMENTO DO ESTADO SOCIAL, ECONÔMICO E JURÍDICO Para que se avance na ideia de desenvolvimento humano e coletivo é necessário entender a construção do Estado e as formas que tem assumido no decurso da história. Inúmeras são as interpretações que os cientistas políticos, economistas e juristas vêm-lhes conferindo, quanto à forma de governo, à forma de Estado e ao regime político. A figura do Estado toma feições diferentes a cada época; é moldado pelos interesses econômicos e ainda em face das necessidades humanas. O pensamento sobre o Estado, em sua defesa ou oposição, vem permeando ao longo dos últimos dois séculos a doutrina de cientistas políticos e juristas como Karl Marx166 que pregava a abolição do trabalho assalariado, da propriedade privada e por fim do próprio Estado; de Carl Schmitt167 para quem soberano é quem decide sobre o estado de exceção. Ele defendia o primado do político sobre o jurídico, na busca da unidade política e da homogeneidade. Contrário senso, Hermann Heller168 indicava ser o socialismo não a superação, mas o refinamento do Estado. Sua visão econômica do Estado já previa que não se devia afastar a função política em nome da produção de uma economia coletiva, mas controlar a ação da lei econômica por meio da função política. Já Hannah Arendt analisa o sistema de estados nacionais europeus em face ao encolhimento econômico e geográfico da Terra diante da mundialização. Verifica que a prosperidade e a depressão tendem a serem fenômenos globais. Da maneira como a família e a propriedade familiar foram substituídas pela participação das classes no território nacional, as sociedades circunscritas pelos Estados nacionais passaram a ser substituídas pela humanidade. “Os homens não podem ser cidadãos do mundo como são cidadãos dos seus países, e homens sociais não podem ser donos coletivos como os homens que têm um lar e uma família são donos de sua

166   MARX, Karl; ENGELS, Friedrich. Manifesto do Partido Comunista. São Paulo: Anita Garibaldi, 2006. 167 

SCHMITT, Carl. O guardião da constituição (Der Hüter der Verfassung). Tradução de Geraldo Luiz de Carvalho Neto. Belo Horizonte: Del Rey, 2007.

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  HELLER, Herman. Teoria del estado. Tradução de Luís Tobio. México: Fundo de Cultura Econômica, 2002.

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propriedade privada”169. Norberto Bobbio pauta a defesa do Estado fundamentado no regime democrático. Esse Estado é o resultado da inspiração moral baseada na responsabilidade individual que reivindica uma economia antimonopolista. Ela é avessa aos privilégios dos grupos, e necessita de uma estrutura não monística, mas pluralista do direito. Exige uma religiosidade interior que brote da intimidade da consciência. “Uma democracia que não seja o revestimento formal de uma sociedade aberta é uma forma sem conteúdo, é uma falsa democracia, uma democracia enganadora e não sincera”170. Ressalta-se a participação na construção dos Estados e de um Direito Humanitário de Fábio Konder Comparato, para quem os fins republicanos devem ser alcançados por meio da democracia participativa e dos instrumentos da soberania popular. Comparato ao tratar sobre a grande opção da humanidade, no século XXI, preleciona que a vida econômica não deve ser submetida à ilimitada acumulação do capital privado, deve se organizar no sentido de atender às necessidades e utilidades públicas. Compete às autoridades governamentais, com a aprovação popular e por meio de estímulos e sanções adequadas, apontar nas diretrizes programáticas a direção a ser cumprida pelas empresas visando à produção de bens e serviços de interesse coletivo. O ideal do capitalismo financeiro, da realização de lucros sem produção de bens ou a prestação de serviços à comunidade, deve encontrar no povo e no Estado Nação opositores atentos e eficazes. Verifica-se que cada uma das constituições federais instaurou uma nova ordem no Estado Brasileiro, sofreu influências internacionais e correspondeu aos anseios dos detentores do poder econômico de plantão. Construir uma identidade nacional, formar e incluir a sua população, não tem sido meta prioritária. A Constituição Federal de 1988, que introduziu a ordem econômica com o fito de concretizar a ordem social, sucumbe a cada dia diante da ordem financeira. Caricatura do previsto por Schmitt, no Brasil o estado de exceção permanente tem   ARENDT, Hannah. A condição humana. Tradução de Roberto Raposo. 10 ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2007.p.269.

169

  BOBBIO. Entre duas Repúblicas: às origens da democracia italiana. Tradução de Mabel Malheiros Bellati. Brasília: Universidade de Brasília; São Paulo: Imprensa Oficial do Estado, 2001.p.99.

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decisões tomadas pelo guardião da Constituição (no Brasil: o Judiciário). Vive-se entre o Estado policial e o Estado judicial, e engatinha-se no Estado democrático de direito. O Estado, de acordo com o pacto social, deveria proporcionar assistência e proteção aos seus cidadãos, porém, ele próprio é quem, muita vez, persegue e viola os direitos humanos, seja por abuso de autoridade ou por desestruturação política e econômica. Márcia Morikawa171 sinaliza para a maioria dos casos em que o próprio Estado é o perseguidor, ele nega a proteção e assistência humanitária internacional, alegando tratar-se de um assunto interno, exclusivo de sua soberania. Do passado colonial e escravocrata até o Brasil do século XXI permanece a característica de concentrada distribuição de renda e de riquezas. A política social que se estabeleceu no país, e que perdura até hoje, prioriza a aplicação de recursos nos grandes centros urbanos. Gastos insuficientes com a efetivação dos direitos sociais aliados a interesses patrimonialistas mantidos pela classe política dirigente resultaram no Brasil em ausência de capital social, de participação política, e de melhores oportunidades de emprego e renda para a maior parcela da população. Nota-se que, no Estado democrático de direito, há de respeitar-se a Constituição e de desejar-se profundamente que ela dirija os caminhos das funções desse Estado. Nesse diapasão rompeu-se a barreira do século XXI com as mesmas preocupações e angústias decantadas em séculos passados: melhor qualidade de vida, liberdade e igualdade para todos, direito ou utopia no Brasil? Não é nova, contudo, a crença de que, sem a participação popular, sem as cobranças sociais e vigilância diuturna, sem restaurar as noções de ética e de dignidade humana, todos os direitos permanecerão inertes. GLOBALIZAÇÃO, ECONOMIA E O ESTADO REGULADOR: O LIVRE EXERCÍCIO PROFISSIONAL Terminada a primeira metade do século XX, marcada pelas duas grandes guerras mundiais, pela crise econômica dos anos 30 e ainda por vários regimes 171 

MORIKAWA, Márcia Mieko. Deslocados internos: entre a soberania do Estado e a proteção internacional dos direitos do homem. Uma crítica ao sistema internacional de proteção dos refugiados. Boletim da faculdade de Direito. StvdiaIuridica 87. Coimbra: Coimbra, 2006.

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totalitários que impregnaram a Europa, a segunda metade do século XX tendeu a defender o regime democrático e os direitos humanos em tempo de prosperidade econômica. Foi nesse contexto que se renovou o liberalismo econômico do século XIX e a formação de um mercado mundial ou global caracterizado pela desestatização ou pelas privatizações, pelo colapso dos segundos (união soviética e satélites) e terceiros (subdesenvolvidos) mundos na ordem econômica internacional. Observa-se que o vazio deixado pelo Estado tem sido preenchido, como diz Fukuyama, por uma mistura heterogênea de corporações internacionais, organizações não-governamentais, organizações internacionais, sindicatos do crime, grupos terroristas. Para o autor, na ausência de uma resposta clara, não há outra escolha que a de retornar ao modelo Estado -Nação, soberano, mais forte e mais eficaz. Somente os Estados são capazes de fazer agregar e distribuir poder legítimo. Este poder é necessário, em termos nacionais, para fazer com que as leis sejam cumpridas, e no plano internacional, para preservar a ordem mundial. Aqueles que se manifestaram a favor do “crepúsculo da soberania” - quer sejam partidários do livre mercado, à direita, ou multilateralistas comprometidos com a esquerda - precisam explicar o que irá substituir o poder dos Estados-nação soberanos no mundo contemporâneo172. Kenichi Ohmae exalta a geopolítica de um mundo sem fronteiras e o fim do Estado - Nação, cujos líderes têm em mente a proteção do território, dos recursos, de empregos, ou tão somente a exaltação da soberania, afugentando novos recursos e novos talentos. A economia era domada pela política que tinha como prioridade atender, por meio do protecionismo, empresas nacionais e manter o governo atual no poder. Aponta que a essência do desafio não é resolver todos os problemas na esfera local, mas possibilitar sua solução aproveitando os recursos globais173.

172   FUKUYAMA, Francis. Construção de Estados: governo e organização mundial no século XXI. Tradução de Nivaldo Montingelli Jr. Rio de Janeiro: Rocco, 2005. p.156.

OHMAE, Kenichi. O fim do Estado - Nação. Tradução de Ivo Korytowski. Rio de Janeiro: Publifolha, 1999.

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Robert Reich174, professor da Universidade da Califórnia em Berkeley, afirma à necessidade de reconstrução da democracia, que objetivamente reflete o que a maioria quer para a sociedade como um todo. Não se há de esperar que as empresas, ou consumidores e investidores sejam os responsáveis pela definição dos rumos da sociedade e do próprio Estado. A globalização cultural e econômica não é em si uma maldição ou uma benesse, como afirma Bresser-Pereira. É um sistema de intensa competição entre Estados nacionais por meio de suas empresas, que deve fortalecer o Estado fiscal, administrativamente e politicamente, ao tempo em que confere às empresas nacionais condições de competitividade internacional. Para Bresser-Pereira175, a globalização é um estágio do capitalismo em que os Estados-nação cobrem o globo terrestre e competem economicamente entre si, por meio de suas empresas. Um governante é bem sucedido se logra taxas de crescimento maiores do que a dos países julgados concorrentes. O Brasil, como os demais países da América Latina, dotou-se de Estado, sem a formação de uma sociedade nacional. Deixavam de ser colônia da Espanha e de Portugal para serem subjugados por outros países já em pleno desenvolvimento econômico. Restavam elites ambíguas, que ora se afirmavam como nação, ora cediam à hegemonia ideológica externa. O desenvolvimento permanece impedido pela falta de nação e encontra obstáculo na exacerbada concentração de renda, que além de injusta é campo propício ao populismo, à flexibilização do trabalho e à precarização da força de trabalho, viabilizando por fim a baixa de salários. A valorização do trabalho e o respeito à diversidade cultural e de opiniões são qualidades inerentes ao cidadão brasileiro e ao cidadão do mundo. São essas características que engajam o homem na responsabilidade com a humanidade e sua emancipação. Joaquim Nabuco dando continuidade a sua obra abolicionista afirmava a necessidade de construção de uma cidadania universal: “A política exterior que se pode qualificar de permanente é aquela em que uma Nação procura 174   REICH, Robert B. Supercapitalism: The Transformation of business, Democracy and Everyday Life. New York: Alfred A. Knopf, 2007. 175 

BRESSER-PEREIRA, Luiz Carlos. Novo desenvolvimento e ortodoxia convencional. In Globalização, Estado e Desenvolvimento: dilemas do Brasil no novo milênio. Eli Diniz (org.) Rio de Janeiro: FGV, 2007.

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construir, ao lado de outra, um destino comum”176. O princípio da liberdade, exposto pela Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão de 1789, traz relevante conteúdo para seu reconhecimento e efetividade, resultando em consequências jurídicas distintas, como destaca JeanJacques Israel a liberdade resulta no reconhecimento de um direito de cumprir um ou outro ato. Consiste em não estar submetido a nenhum imperativo. No entanto, “a liberdade não existe ou não é efetiva senão na medida em que é possível protegê-la dos atentados que outros poderiam cometer contra ela. A partir daí, a necessidade dessa proteção torna-se um elemento próprio de sua definição” 177. O livre exercício profissional corresponde ao direito básico, que todo homem deve possuir, de escolher o ofício que melhor se adéqua às plenitudes de suas aptidões e vocações, nessa perspectiva devem ser repudiados atos de restrições de caráter corporativistas tendentes a constranger ou escolher o ofício do cidadão, respeitando-se as liberdades individuais do homem no âmbito da escolha de seu trabalho. A experiência brasileira, oriunda de um intenso dirigismo estatal, historicamente tão enraizado que, mesmo apesar da garantia da liberdade de trabalho ser, expressamente, previsto na Constituição de 1988, diversos são os projetos de lei que tramitam no Congresso Nacional tentando impor requisitos abusivos ao exercício de certas profissões, o que resultaria em uma inviabilização de tais ofícios. Como exemplo, pode-se destacar o PL nº. 6816/2010 responsável em regulamentar a atividade profissional dos DJ (disc-jóquei). O projeto que já foi aprovado pela Câmara dos Deputados, equipara o profissional da cabine de som e o produtor DJ aos artistas, estabelecendo a esses os mesmos direitos e garantias da Lei nº. 6.533/78. Interessante que o citado projeto de lei traz, expressamente, em seu conteúdo, no caput do art. 6º, que a função de DJ apenas poderá ser exercida mediante “prévio registro na Superintendência Regional do Trabalho e Emprego”. O direito à liberdade de exercício profissional corresponde a uma relevante tradição, presente em diversas Constituições Brasileiras. Inicialmente, consagrado 176   ROVER, José Aires. Presença do humanismo político no Brasil do século XIX. Joaquim Nabuco. In:Mezzaroba, Orides. Humanismo político: presença humanista no transverso do pensamento político. Florianópolis: Fundação Boiteux, 2007.p.293.

  ISRAEL, Jean-Jacques. Direito das Liberdades Fundamentais. Manole: São Paulo, 2005.p.429.

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no Ordenamento Jurídico Pátrio pela Constituição Brasileira de 1824, responsável em abolir as corporações de ofício do sistema existente na época, garantindo, assim, a todos o direito à liberdade profissional, sem que se fosse sequer estabelecida a possibilidade de limitações desse direito pela atuação do legislador ordinário. Conforme o Ordenamento Jurídico vigente, a liberdade profissional não corresponde a um direito com proteção absoluta contra a atuação do legislador ordinário, tendo em vista que o próprio art. 5º, XIII, expressamente, remeteu à norma infraconstitucional a possibilidade do estabelecimento de requisitos mínimos necessários para o exercício de certos trabalhos e profissões. Isso faz com que, em regra, as leis que estabeleçam a imposição de tais restrições não possam, apenas por esse fato, ser vistas como inconstitucionais. Inicialmente, deve-se atentar para o fato de que não são todas as formas de trabalho que podem ter seu exercício condicionado ao cumprimento de qualificações profissionais estabelecidas em lei, sob pena de se amesquinhar o principio do direito ao livre exercício profissional. A regra deverá ser a preservação da liberdade de trabalho, tratando-se de latente inconstitucionalidade as restrições legais a atividades que, não possuindo risco lesivo à terceiro, retire do homem o seu direito à livre escolha do trabalho que deseja exercer. Nesse sentido, para Celso Ribeiro Bastos178: [...] a liberdade de trabalho encontra outra fundamentação na própria condição humana, cumprindo ao homem dar sentido à sua existência. É na escolha do trabalho que ele vai impregnar mais fundamentalmente a sua personalidade com os ingredientes de uma escolha livremente levada a cabo. A escolha do trabalho é, pois, uma das expressões fundamentais da liberdade humana. O direito social ao trabalho justifica sua preservação, tratando-se de condição essencial à efetividade da dignidade da pessoa humana, sendo esse “o próprio fundamento dos direitos fundamentais, nos quais se inserem aqueles de ordem social e trabalhista”179.   BASTOS, Celso Ribeiro. Comentários à Constituição do Brasil. Saraiva: São Paulo, 2004. p.84-5.

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GARCIA, Gustavo Filipe Barbosa. Curso de Direito do Trabalho. 5. ed. Forense: São Paulo, 2011. p.98. 179 

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Amauri Mascaro do Nascimento180 afirma que a noção de efetividade de direitos fundamentais sociais surgiram como expressão de direitos e liberdade individuais. Para o autor, com o tempo, em uma sociedade debruçada em problemas sociais e que exigiu, além das declarações formais, o efetivo reconhecimento de direitos trabalhistas, mostraram-se insuficientes para representar um quadro eficaz e concreto compatível com os valores da justiça social. A questão social veio expor uma nova realidade, que ampliou os horizontes em que os direitos humanos descortinaram-se, o das preocupações socioeconômicas. Nessa perspectiva, aos direitos humanos individuais acrescentaram-se os sociais. Não há contraposição entre os direitos humanos clássicos individuais e os direitos sociais. Interpenetram-se, apesar do diferente contexto ideológico que os inspirou. Sidney Guerra acentua que o princípio da dignidade da pessoa humana impõe um dever de abstenção e de condutas positivas tendentes a efetivar e proteger a pessoa humana. É imposição que recai sobre o Estado de respeitá-lo, o proteger e promover as condições que viabilizem a vida com dignidade. Assim, o Estado deve assegurar condições para que a pessoa possa exercer plenamente a sua dignidade, daí a observância das liberdades negativas (abstenção) como também das liberdades positivas (promoção), “havendo a proteção e o reconhecimento do mesmo (Estado) para que todos possam alcançar o ideal de uma vida digna”181. O princípio da dignidade da pessoa humana deve atuar como barreira à restrição de direitos fundamentais pela atividade do legislador ordinário, evitando que atos normativos infraconstitucionais resultem no esvaziamento ou, até mesmo, na absoluta supressão de tais direitos.

CONCLUSÃO As situações históricas verificadas nas cruzadas e nas grandes navegações, contextualizada na Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão de 1789, reiterada pela Declaração Universal dos Direitos Humanos da ONU de 1948, bem como a provocação aos trabalhadores do mundo pela frase de Marx: “Proletários   NASCIMENTO, Amauri Mascaro. Teoria Geral do Direito do Trabalho. LTr: São Paulo, 1998. p.285.

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  GUERRA, Sidney. 2008. p.218.

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de todos os países, Uni-vos!” refletem no homem a sensação de ser mundial, de humanidade, possuidora de direitos fundamentais. Porém, para o pleno exercício dos direitos de personalidade, aí incluídos a concretização dos direitos sociais, deve-se fazer presente o direito ao trabalho de livre escolha ou livre aceitação. Paralelamente, pode-se afirmar que o enfraquecimento do Estado Social não é indício de desenvolvimento humano global, é campo apropriado para abuso aos direitos humanos, conflitos sociais, exclusão e violência. O ideal universalista acima descrito esbarra cotidianamente nos fatores reais do poder, nas abissais diferenças econômicas e políticas entre os Estados. Construir instituições comuns no campo da política, da cultura e da economia tornase essencial para que se estabeleçam laços entre o plano dos princípios universais abstratos e a concretude das realidades singulares que se pretende regular. Repensar o fundamento ético do poder do Estado, originado da vontade nacional é o meio adequado a se contrapor à autonomização do econômico em esfera mundial e à dilatação do mercado. Fomentar as instituições, a cultura da nação e da participação política, não significa pregar o retorno ao nacionalismo exacerbado, ao racismo ou ao organicismo visa superar o conflito entre a omissão do campo da política que não faz preponderar a finalidade ética do Estado de realizar direitos sociais, de garantir direitos adquiridos e segurança jurídica, de representar uma população, e não somente uma facção economicamente dominante. Aprender a construir Estados fortes com escopo às funções necessárias é a questão atual. Estados que não necessitam ser extensos, porém, devem conhecer e recepcionar os anseios de sua população. Devem concretizar de forma eficiente, transparente e democrática o poder de mando, determinado pelas normas constitucionais e pela legislação ordinária, infraconstitucional elaborada pelo necessário processo legislativo; planejado e administrado pelo executivo; e julgadas as exceções e disputas entre indivíduos, e entre indivíduos e Estado pelo Judiciário. A soberania do Estado, resultado da vontade popular e da nacionalidade, efetiva-se no território nacional ao garantir prioridade ao interesse público diante de conflito com o interesse privado; revigora-se ao implementar políticas governamentais que viabilizem um patamar mínimo de igualdade. Fora do seu

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território, a soberania do Estado torna-se aparente quando, por meio de posições explícitas na ordem internacional, opta por preservar a cultura e a defesa do brasileiro diante da pressão dos mercados e do processo de mundialização. É bem verdade que em qualquer país, os consumidores exigem e esperam obter melhores produtos, agilidade nos serviços e preços mais baratos. Na maioria das vezes, esse cliente ignora de onde veio o produto adquirido e em que condições humanas foi produzido. Essas informações, ao contrário do preço, não vêm etiquetadas. Surge, porém, uma reflexão ética global: Não é possível aceitar a mão-de-obra escrava ou infantil. O direito de consumir não deve prevalecer e fazer retroceder as conquistas dos direitos humanos, trabalhistas e de personalidade. As instituições em cada Estado-Nação necessitam incrementar a sua capilarização, tanto no âmbito comercial, quanto produtivo e financeiro capaz de fazer oposição ao desequilíbrio da globalização econômica, que por enquanto polarizou de um lado países centrais, altamente desenvolvidos com sistema de produção material, social e institucional bem definidos, e de outro os países periféricos, com produção deficiente, desnutrição, saúde e sistema de educação e de informação precários. Novas regulamentações públicas e sociais mais solidárias e sustentáveis devem ser engendradas, capazes de resolver as questões mundiais relativas aos mercados e aos fatores de produção, garantindo as pessoas o seu elementar direito ao trabalho livremente escolhido ou aceito. A conscientização global de pertencimento a ordem comum chamada humanidade e o sentimento de fraternidade levam a enxergar no outro a si mesmo e a exigir igualdade, dignidade e acesso aos direitos e garantias fundamentais que transcendem o aspecto da territorialidade. O exercício da soberania interna e externa há de efetivar-se com responsabilidade, terá como elementos fundantes a legitimidade, a proteção da dignidade humana alcançada pelo exercício do direito ao trabalho e da renda. A escolha do trabalho é uma das expressões fundamentais da liberdade humana. O trabalho livre conduz ao ideal de ser humano livre; liberto do medo e da miséria.

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REFERÊNCIAS ARENDT, Hannah. A condição humana. Tradução de Roberto Raposo. 10 ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2007. BASTOS, Celso Ribeiro. Comentários à Constituição do Brasil. Saraiva: São Paulo, 2004. BOBBIO, Norberto. Entre duas Repúblicas: às origens da democracia italiana. Tradução de Mabel Malheiros Bellati. Brasília: Ed. Universidade de Brasília; São Paulo: Imprensa Oficial do Estado, 2001. BONAVIDES, Paulo. Do estado liberal ao estado social. 4. ed., Rio de Janeiro: Forense, 1980. BRESSER-PEREIRA, Luiz Carlos. Novo desenvolvimento e ortodoxia convencional. In Globalização, Estado e Desenvolvimento: dilemas do Brasil no novo milênio. Eli Diniz (org.) Rio de Janeiro: FGV, 2007. COMPARATO, Fábio Konder. A afirmação histórica dos direitos humanos. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2001. FUKUYAMA, Francis. Construção de Estados: governo e organização mundial no século XXI. Tradução de Nivaldo Montingelli Jr. Rio de Janeiro: Rocco, 2005. GARCIA, Gustavo Filipe Barbosa. Curso de Direito do Trabalho. 5. ed. Forense: São Paulo, 2011. GUERRA, Sidney. 2008. HELLER, Herman. Teoria del estado. Tradução de LuísTobio. México: Fundo de Cultura Econômica, 2002. HERKENHOFF, João Baptista. Curso de Direitos Humanos – Gênese dos Direitos Humanos. Vol. 1. Editora Acadêmica: São Paulo, 1994. ISRAEL, Jean-Jacques. Direito das Liberdades Fundamentais. Manole: São Paulo, 2005. MARX, Karl; ENGELS, Friedrich. Manifesto do Partido Comunista. São Paulo: Anita Garibaldi, 2006. MORIKAWA, Márcia Mieko. Deslocados internos: entre a soberania do Estado e a proteção internacional dos direitos do homem. Uma crítica ao sistema internacional de proteção dos refugiados. Boletim da faculdade de Direito. Stvdia Iuridica 87. Coimbra: Coimbra, 2006. 126

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NASCIMENTO, Amauri Mascaro. Teoria Geral do Direito do Trabalho. LTr: São Paulo, 1998. OHMAE, Kenichi. O fim do Estado - Nação. Tradução de Ivo Korytowski. Rio de Janeiro: Publifolha, 1999. REICH, Robert B. Supercapitalism: The Transformation of business, Democracy and Everyday Life. New York: Alfred A. Knopf, 2007. ROVER, José Aires. Presença do humanismo político no Brasil do século XIX. Joaquim Nabuco. In:Mezzaroba, Orides.Humanismo político: presença humanista no transverso do pensamento político. Florianópolis: Fundação Boiteux, 2007. SCHMITT, Carl. O guardião da constituição (Der Hüter der Verfassung). Tradução de Geraldo Luiz de Carvalho Neto. Belo Horizonte: Del Rey, 2007. SIÉYÈS, Emmanuel. A constituição burguesa. Qu’est-se que letiersétat?. Tradução de Norma Azevedo e organização de Aurélio Wander Bastos. 4.ed. Rio de Janeiro: Lúmen Juris, 2001. TOCQUEVILLE, Aléxis de. A democracia na América: leis e costumes. Tradução de Eduardo Brandão. Livro I. São Paulo: Martins Fontes, 1998.

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ARTIGO 7º Os Estados Partes no presente Pacto reconhecem o direito de todas as pessoas de gozar de condições de trabalho justas e favoráveis, que assegurem em especial: 1. Uma remuneração que proporcione, no mínimo, a todos os trabalhadores: i) Um salário equitativo e uma remuneração igual para um trabalho de valor igual, sem nenhuma distinção, devendo, em particular, às mulheres ser garantidas condições de trabalho não inferiores àquelas de que beneficiam os homens, com remuneração igual para trabalho igual; ii) Uma existência decente para eles próprios e para as suas famílias, em conformidade com as disposições do presente Pacto; 2. Condições de trabalho seguras e higiênicas; 3. Iguais oportunidades para todos de promoção no seu trabalho à categoria superior apropriada, sujeito a nenhuma outra consideração além da antiguidade de serviço e da aptidão individual; 4. Repouso, lazer e limitação razoável das horas de trabalho e férias periódicas pagas, bem como remuneração nos dias de feriados públicos.

Grasiele Augusta Ferreira Nascimento Pós-Doutoranda em Direito pela Universidade de Coimbra/Portugal. Doutora em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC/SP). Coordenadora do Programa de Mestrado em Direito do Centro Universitário Salesiano de São Paulo (UNISAL). Professora do Curso de Direito do Centro Universitário Salesiano de São Paulo (UNISAL), professora Assistente Doutora da Faculdade de Engenharia de Guaratinguetá (FEG/UNESP). Membro da Academia de Letras de Lorena (ALL). Daisy Rafaela da Silva Doutora em Direito pela Universidade Metropolitana de Santos. Mestre em Direitos Difusos e Coletivos pela Universidade Metropolitana de Santos. Professora da Graduação e do Programa de Mestrado em Direito do Centro Universitário Salesiano de São Paulo (UNISAL).

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“Um homem se humilha Se castram seu sonho Seu sonho é sua vida E vida é trabalho... E sem o seu trabalho O homem não tem honra E sem a sua honra Se morre, se mata... Não dá prá ser feliz Não dá prá ser feliz” (Um homem também chora ‘guerreiro menino’ – Gonzaguinha) COMENTÁRIOS: A Constituição Federal de 1988 reconhece os direitos e garantias fundamentais, em seu artigo 5º, estabelecendo tais direitos como cláusulas pétreas. Todo este arcabouço jurídico possibilitou, também, conferir o status de emenda constitucional aos tratados de direitos humanos.182 O artigo 7º do Pacto Internacional sobre os Direitos Econômicos, Sociais e Culturais trata do direito da pessoa gozar de condições justas e saudáveis de trabalho. Para que isso seja possível, há vários direitos que devem ser assegurados, entre eles, o direito a uma remuneração satisfatória, segurança e higiene no trabalho, igualdade de oportunidades no trabalho e descansos, os quais trataremos a seguir. JUSTA REMUNERAÇÃO A primeira condição apontada no Pacto em estudo é a remuneração que proporcione aos trabalhadores um salário equitativo e igual para um trabalho de valor igual, sem qualquer distinção em razão de sexo, religião, orientação sexual   A Emenda Constitucional nº 45 de 2004 determinou no § 3º que “os tratados e convenções internacionais sobre direitos humanos que forem aprovados, em cada Casa do Congresso Nacional, em dois turnos, por três quintos dos votos dos respectivos membros, serão equivalentes às emendas constitucionais”. Essa medida permite que os Com isso, os tratados de Direitos Humanos tem o nível hierárquico de norma constitucional. Atualmente, os demais tratados de direitos humanos têm status de norma supralegal.. 182

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ou quaisquer outros fatores que se possa caracterizar discriminação. A remuneração, segundo o Pacto, deve assegurar uma existência decente para o trabalhador e para sua família. Neste aspecto, considera-se que quando da ratificação do Pacto pelo estado brasileiro, em 1992, a ordem democrática já estava em consonância com o estabelecido por ele, pela Constituição Federal de 1988, no que se refere à dignidade da pessoa humana, ao princípio da igualdade e aos direitos do trabalhador. O artigo 7º do Pacto ora em estudo, trata da “existência decente” para o trabalhador e para sua família, no entanto, em nosso ordenamento, deve-se interpretar tal fundamento sob a ótica do trabalhador à vida digna. De acordo com Agassiz e Melgaré, a dignidade, é um valor inerente à identidade humana, exige reconhecimento. A dignidade da pessoa humana expressa a exigência do reconhecimento de todo ser humano como pessoa. Dizer, portanto, que uma conduta ou situação viola a dignidade da pessoa humana significa que nesta conduta ou situação o ser humano não foi reconhecido como pessoa: “ou que não quer respeitar os homens como pessoas, ou lhes nega o título de pessoas, ou considera o conceito de pessoa como supérfluo e inadequado para caracterizar algo183. Assim, ao ratificar o Pacto Internacional de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, o Brasil já previa na Carta Magna, em seu artigo 7º, inciso IV, dentre os direitos do trabalhador, o direito ao “salário mínimo, fixado em lei, nacionalmente unificado, capaz de atender a suas necessidades vitais básicas e às de sua família com moradia, alimentação, educação, saúde, lazer, vestuário, higiene, transporte e previdência social, com reajustes periódicos que lhe preservem o poder aquisitivo, sendo vedada sua vinculação para qualquer fim”. Desta forma, o salário mínimo deveria ser um valor que permitisse a concretização do atendimento às necessidades vitais básicas. Deve-se ressaltar o conteúdo do artigo 6º da Constituição Federal de 1988 que traz um rol dos direitos sociais, dentre eles o lazer, a alimentação, a moradia, dentre outros, também assegurados ao trabalhador. A remuneração deve dar condições de existência digna ao trabalhador.   AGASSIZ; MELGARÉ. 2011. p.40 e 50..

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Tratando-se de necessidades vitais básicas, Ricardo Lobo Torres184 as denomina como mínimo existencial, permitindo o gozo de direitos que propicia condições que asseguram a integridade da dignidade humana. De acordo com o II Relatório brasileiro sobre o cumprimento do pacto (2006), “o valor real, ou seja, o poder de compra do salário mínimo nacional sofreu decréscimo acentuado na década de 80 e mais especialmente no início dos anos 90”. Contudo, desde 1995 vem crescendo paulatinamente. Em 2013, por exemplo, o salário mínimo foi reajustado em 8% em relação ao benefício de 2012, significando um aumento de 14,13% no piso nacional, mas que, com o desconto da inflação, equivale a um ganho real de 9,2%. Infelizmente, porém, embora o salário-mínimo nacional tenha aumentado nos últimos anos, observa-se que ainda não é suficiente para atender as necessidades vitais básicas do trabalhador e às de sua família. Segundo o Dieese, “a quantia necessária para suprir todas as necessidades do trabalhador, incluindo moradia, alimentação, educação e transporte, teria que ser 4,1 vezes maior do que o mínimo vigente”185. Observou-se a preocupação por parte do governo federal sobre o tema, quando, em discurso, a atual Presidente da República afirmou que os principais objetivos do país, são Alcançar o desenvolvimento com direitos humanos, voltado para o empoderamento de pessoas e comunidades para exercerem cidadania, com direitos e responsabilidades, compreendendo-as como agentes centrais do processo, é prioridade para o Governo. Para o Brasil, a melhor política de desenvolvimento é o combate à pobreza e a melhor política de direitos humanos é aquela que tem como base a diminuição das desigualdades e da discriminação entre as pessoas, as regiões e os gêneros. 186

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TORRES, Ricardo Lobo. O Direito ao Mínimo Existencial. Rio de Janeiro: Renovar, 2009. p.81.

  PONTES, Nádia. Salário mínimo tem maior poder de compra em 30 anos, mas segue baixo: www. dhescbrasil.org.br/attachments/167_II%20Relat%C3%B3rio%20Brasileiro%20sobre%20o%20 Cumprimento%20do%20Pacto%20Internacional%20de%20Direitos%20Econ%C3%B4micos,%20 Sociais%20e%20Culturais.pdf. Acesso em 16 jan de 2013. 185

  Discurso da Presidenta Dilma Rousseff na Assembléia Geral da ONU em 21 de setembro de 2011.

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Em relação às mulheres, o Pacto Internacional assegura condições de trabalho não inferiores àquelas de que beneficiam os homens, com remuneração igual para trabalho igual. As mulheres enfrentaram, ao longo da história, inúmeras formas de discriminação no trabalho, tendo percebido salários mais baixo do que os dos homens, assim como condições de acesso e manutenção no trabalho diferenciados. Para combater a discriminação e o preconceito em relação ao trabalho feminino, inúmeras leis nacionais e internacionais foram criadas, assegurando a igualdade de oportunidades, direitos e de condições de trabalho. No Brasil, a Constituição Federal de 1988 estabeleceu o princípio da igualdade entre homens e mulheres nos seguintes termos: Art. 5º - Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: I – homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações, nos termos desta Constituição.” (Grifo nosso) A igualdade prevista no artigo supra-citado abrange a condição da mulher no trabalho, devendo receber os mesmos direitos e tratamentos que os homens, respeitadas as diferenças inerentes à maternidade e à condição física. Na prática, embora o quadro já tenha melhorado significativamente no Brasil, as mulheres ainda recebem salários mais baixos do que os dos homens, assim como sofrem com um maior índice de desemprego. Segundo os dados do IBGE 2013, as mulheres brasileiras ganham, em média, apenas 72% (setenta e dois por cento) do salário recebido, nas mesmas funções, do salário dos homens. CONDIÇÕES DE TRABALHO SEGURAS E HIGIÊNICAS Ao tratar das condições de trabalho elas devem ser seguras e higiênicas, isto faz compreender sob o ângulo da sadia qualidade de vida no meio ambiente do trabalho. A segurança e salubridade do ambiente do trabalho são fundamentais para a saúde do trabalhador de modo que há uma vasta legislação e normas 133

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regulamentadoras a fim de tutelar a vida do trabalhador e na medida do possível assegurar a sua plenitude. Para Fiorillo187, o meio ambiente do trabalho que consiste no local onde as pessoas desempenham suas atividades laborais, “cujo equilíbrio está na salubridade do meio e na ausência de agentes que comprometam a incolumidade físico-psíquica dos trabalhadores [...]”. IGUALDADE DE OPORTUNIDADES NO TRABALHO O Pacto Internacional também estabelece iguais oportunidades para todos de promoção no seu trabalho à categoria superior apropriada, sujeito a nenhuma outra consideração além da antiguidade de serviço e da aptidão individual. A Constituição Federal estabelece que a todo trabalho de igual valor deverá corresponder à salário também de igual valor, sem distinção de qualquer natureza (arts. 5º e 7º, parágrafo XXX). O princípio da igualdade salarial garantido pela Constituição Federal foi disciplinado pela Consolidação das Leis do Trabalho, especificamente em seu art. 461. Desta forma, assim como o trabalho de igual valor deve corresponder a salário também de igual valor, não poderá haver qualquer critério de promoção no trabalho com a utilização de critérios discriminatórios, mas apenas com base na antiguidade ou na aptidão individual do trabalhador. REPOUSO, LAZER E LIMITAÇÃO RAZOÁVEL DAS HORAS DE TRABALHO E FÉRIAS PERIÓDICAS PAGAS, BEM COMO REMUNERAÇÃO NOS DIAS DE FERIADOS PÚBLICOS O artigo 1º da Constituição Federal de 1988 traz os fundamentos desta República Federativa e dentre seus princípios fundamentais, a dignidade da pessoa humana e os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa. O direito ao lazer está intimamente ligado a eles e também é assegurado ao trabalhador. O direito ao lazer é um direito social garantido pela Constituição (art. 6º), compreendendo o tempo disponível para que o indivíduo, depois do trabalho 187   FIORILLO, Celso Antônio Pacheco. Curso de direito ambiental brasileiro. 13. ed. São Paulo: Saraiva, 2012.p.77.

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exercido, descanse e atenda outras necessidades pessoais. Lafargue considera o Lazer como o tempo para exercer a sua consciência, momento que o trabalhador exerce a liberdade de pensamento e consciência de sua condição: Se, extirpando do peito o vício que a domina e que avilta sua natureza, a classe operária se levantasse em sua força terrível, não para exigir os Direitos do Homem, que não passam dos direitos da exploração capitalista; não para  reivindicar o Direito ao Trabalho, que não passa do direito à miséria, mas forjar uma lei de bronze que proíba o trabalho além de três horas  diárias, a terra, a velha Terra, tremendo de alegria, sentiria brotar dentro de si um novo universo... Mas como exigir de um proletário corrompido pela moral capitalista uma decisão tão viril? Como Cristo, dolente personificação da escravidão antiga, os homens, mulheres e crianças do proletariado sobem penosamente, há um século, o duro calvário da dor; há um século, o trabalho forçado quebra seus ossos, mata suas carnes, esmaga seus nervos; há um século, a fome retorce suas entranhas e alucina suas mentes! ... Preguiça, tenha piedade de nossa longa miséria! Preguiça, mãe das artes e das virtudes nobres, seja o bálsamo das angústias humanas!188 O trabalhador tem direito ao lazer, aos descansos semanais remunerados, preferencialmente aos domingos, ao descanso nos feriados, assim como o direito aos intervalos entre jornadas e durante a jornada de trabalho realizada, necessários para assegurar segurança e bem estar ao trabalhador. O mesmo é possível dizer sobre a necessidade de concessão periódica das férias. De acordo com a legislação brasileira em vigor, o trabalhador deverá cumprir jornada máxima de oito horas diárias e quarenta e quatro horas semanais, com intervalos de 15 (quinze) minutos para a jornada de até 6 (seis) horas, ou de no mínimo 1 (uma) hora e no máximo 2 (duas) horas para a jornada de oito horas diárias. As férias são adquiridas a cada doze meses de trabalho, podendo o empregador concedê-la nos doze meses subsequentes, garantindo, ainda, um acréscimo de 1/3 na remuneração do período, para assegurar ao trabalhador um melhor aproveitamento do período de descanso.   LAFARGUE, Paul. O Direito à Preguiça. 2. ed. São Paulo: Hucitec, 2000. p.112.

188

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Realmente, os riscos de danos à saúde ou acidentes de trabalho aumentam significativamente para os trabalhadores que exercem jornadas de trabalho excessivas e sem o respeito aos descansos previstos em lei.

CONSIDERAÇÕES FINAIS A compreensão do significado de trabalho sofreu inúmeras modificações ao longo da história. Inicialmente, o trabalho era considerado como castigo, estando relacionado à tortura ou punição. No decorrer da história do Direito do Trabalho no Brasil e no mundo, várias garantias foram asseguradas com o objetivo de assegurar melhores condições de trabalho, saúde e vida digna ao trabalhador. A própria Declaração Universal dos Direitos Humanos resguarda, em seu artigo 23, que “todo ser humano tem direito ao trabalho, à livre escolha de emprego, a condições justas e favoráveis de trabalho e à proteção contra o desemprego”. Temática semelhante de proteção ao trabalhador foi proposta no art. 7º do Pacto Internacional de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, assim como assegurada pela Constituição Federal e a própria Consolidação das Leis Trabalhistas. Infelizmente, porém, o Brasil ainda tem muito a caminhar para garantir a efetividade das normas protetivas, com o objetivo de assegurar condições justas e favoráveis a todos os trabalhadores.

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REFERÊNCIAS AGOSTINHO, Luis Otávio Vincenzi de; HERRERA, Luiz Henrique Martim. (Orgs.) Tutela dos direitos humanos e fundamentais: Ensaios a partir das linhas de pesquisa construção do saber jurídico e função política do direito. Birigui: Boreal, 2011. BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. São Paulo: Saraiva, 2012. BRASIL. CLT – Consolidação das Leis do Trabalho. São Paulo, 2012. CASTILLO, Mileya. Derecho Internacional de los Derechos Humanos. Valencia: Tirant lo blanch. 2003. COMPARATO, Fábio Konder. A Afirmação Histórica dos Direitos Humanos. 3. ed. São Paulo: Saraiva. 2003. DUMAZEDIER, Joffre. Lazer e Cultura Popular. São Paulo: Perspectiva, 1973. FIORILLO, Celso Antônio Pacheco. Curso de direito ambiental brasileiro. 13. ed. São Paulo: Saraiva, 2012. IBGE: mulheres ganham 72% do salário dos homens em média. Disponível em: http://economia.terra.com.br/noticias/noticia.aspx?idNoticia=201201261211_ TRR_80774942. Acesso em 25.jan.2013. LAFARGUE, Paul. O Direito à Preguiça. 2. ed. São Paulo: Hucitec, 2000. MARTINS, Sérgio Pinto. Direito do Trabalho. 28. ed. São Paulo: Atlas, 2012. NASCIMENTO, Amauri Mascaro. Curso de Direito do Trabalho. 27. ed. São Paulo: Saraiva, 2012. NASCIMENTO, Grasiele Augusta Ferreira. (Org.) Direito das Minorias: proteção e discriminação no trabalho. Campinas: Alínea, 2004. PIOVESAN, Flávia. Direitos humanos e o direito constitucional internacional. 13. ed. São Paulo: Saraiva. 2012. PIOVESAN, Flávia. Temas de direitos humanos. São Paulo: Saraiva, 2010. PIOVESAN, Flávia; CARVALHO, Luciana Paula de. (Orgs). Direitos humanos e direito do trabalho. São Paulo: Atlas, 2010. PONTES, Nádia. Salário mínimo tem maior poder de compra em 30 anos, mas segue baixo. Disponível em: http://www.dhescbrasil.org.br/attachments/167_ II%20Relat%C3%B3rio%20Brasileiro%20sobre%20o%20Cumprimento%20 137

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do%20Pacto%20Internacional%20de%20Direitos%20Econ%C3%B4micos,%20 Sociais%20e%20Culturais.pdf. Acesso em: 15.jan.2013. RELATÓRIO brasileiro sobre o cumprimento do Pacto Internacional de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais. Disponível em: http://www.dhescbrasil. org.br/attachments/167_II%20Relat%C3%B3rio%20Brasileiro%20sobre%20 o%20Cumprimento%20do%20Pacto%20Internacional%20de%20Direitos%20 Econ%C3%B4micos,%20Sociais%20e%20Culturais.pdf. Acesso em: 06.jan.2013. SEN, Amartya. Desenvolvimento como liberdade. São Paulo: Companhia das letras, 2000. SENNET, Richard. Respeito: a formação do caráter e o mundo desigual. Rio de Janeiro: Record, 2004. SILVA, Daisy Rafaela da. Os impactos ambientais e culturais do ecoturismo e o direito ao equilíbrio ambiental. In: Âmbito Jurídico, Rio Grande, XI, n. 51, mar 2008. Disponível em: http://www.ambito-juridico.com.br/site/index.php?n_ link=revista_artigos_leitura&artigo_id=2481. Acesso em jan 2013. TORRES, Ricardo Lobo. O Direito ao Mínimo Existencial. Rio de Janeiro: Renovar, 2009.

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ARTIGO 8º 1. Os Estados Membros no presente Pacto comprometem-se a garantir: a) O direito de toda pessoa de fundar com outras sindicatos e de filiar-se ao sindicato de sua escolha, sujeitando-se unicamente aos estatutos da organização interessada, com o objetivo de promover e de proteger seus interesses econômicos e sociais. O exercício desse direito só poderá ser objeto das restrições previstas em lei e que sejam necessárias, em uma sociedade democrática, ao interesse da segurança nacional ou da ordem pública, ou para proteger os direitos e as liberdades alheias; b) O direito dos sindicatos de formar federações ou confederações nacionais e o direito destas de formar organizações sindicais internacionais ou de filiar-se às mesmas; c) O direito dos sindicatos de exercer livremente suas atividades, sem quaisquer limitações além daquelas previstas em lei e que sejam necessárias, em uma sociedade democrática, ao interesse da segurança nacional ou da ordem pública, ou para proteger os direitos e as liberdades das demais pessoas; d) O direito de greve, exercido em conformidade com as leis de cada país. 2. O presente artigo não impedirá que se submeta a restrições legais o exercício desses direitos pelos membros das forças armadas, da polícia ou da administração pública. 3. Nenhuma das disposições do presente artigo permitirá que os Estados Membros na Convenção de 1948 da Organização Internacional do Trabalho, relativa à liberdade sindical e à proteção do direito sindical, venham a adotar medidas legislativas que restrinjam – ou a aplicar a lei de maneira a restringir – as garantias previstas na referida Convenção. Frederico da Costa Carvalho Neto Doutor e Mestre pela PUC/SP, Professor Permanente do Programa de Mestrado em Direito da Uninove, Professor Assistente Doutor da PUC/SP, Advogado.

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COMENTÁRIOS: O Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais concretiza os direitos traçados na Declaração Universal dos Direitos do Homem, como dizem Vladmir Oliveira da Silveira e Maria Mendez Rocasolano189. A adoção do pacto pelo Brasil encontrou a legislação brasileira acerca da representação sindical e direito de greve na Constituição Federal e na Legislação Infraconstitucional, precisamente na Consolidação das Leis do Trabalho e na Lei de Greve. O traço marcante do sindicalismo no Brasil é a sua dependência do Estado, que embora diminuta em relação ao passado, ainda existe. Adotou-se no Brasil o sistema heterônomo que Arnaldo Sussekind190 define como aquele marcado pela presença do Estado que regula em diferentes graus de intensidade desde a criação, as eleições, as atividades, as negociações e até o direito de greve. Embora o país tenha 513 anos, considerando-se como termo inicial o descobrimento por Portugal, a história sindical brasileira191 não tem efetivamente nem 100 anos. É certo que movimentos esparsos e esporádicos ocorreram, como por exemplo, na greve no Porto de Salvador em 1720. Depois da greve na Bahia, somente se tem notícia de outro movimento com tal envergadura em 1858, pela paralisação dos tipógrafos no Rio de Janeiro. Arnaldo Sussekind observa com razão que o início da história sindical ficou comprometida pelo fato da maioria dos trabalhadores estarem vinculado as atividades agrícolas e à extração de minério192 e que estavam submetidos à escravidão, que foi abolida em 13 de maio de 1888. Pedro Paulo Teixeira Manus, citando Roberto Barretto Prado, conta que o Decreto-lei n. 979 de 1903 permitiu a reunião para a formação de sindicato dos profissionais da agricultura e das indústrias e posteriormente a Lei n 1.637 de 1907 criou as cooperativas e permitiu aos trabalhadores de qualquer categoria profissional

  Vladmir Oliveira da Silveira e Maria Mendez Rocasolano em Direitos Humanos, Conceitos, Significados e Funções, Editora Saraiva, São Paulo, 2010, p. 158.

189

  Em Direito Constitucional do Trabalho, Editora Renovar,4ª edição, p. 360.

190

  Existiam ainda as corporações de ofício que foram abolidas pela Constituição de 1824(art. 179, n. 25). Mas essas corporações não eram propriamente entidades sindicais mas organizações de pequenos empresários e artesões que buscavam preservar seus mercados e estipular preços. 191

192  Idem, p. 369. 140

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aos profissionais liberais a associação em sindicatos193. Em 1906 tentou-e criar a Confederação Operária Brasileira que não vingou. Entre 1917 e 1920, durante a Primeira Guerra Mundial eclodiram algumas greves, notadamente no setor têxtil. Até então, existiam, é verdade, pequenos sindicatos sem repercussão nacional e até mesmo regional, tanto que a primeira Federação, a Regional do Rio de Janeiro, foi criada em 1929 não por acaso na, a época, Capital e maior cidade do país. Com a Revolução de 1930, o Brasil passou por grandes transformações, e com ela surgiu em 1931, a primeira regulação do setor, através da Lei Sindical de 1931(Decreto 19770)194 que regulava a sindicalização patronal e operária. A lei autorizava a organização, mas disciplinava o funcionamento e a fiscalização pelo Ministério do Trabalho. Posteriormente, a disciplina dos Sindicatos foi tratada pelo Decreto 24.694 de 1934. Embora mais aberta, a norma ainda atrelava as entidades a fiscalização e controle do Estado195. Em 1939, a matéria passou a ser regulada pelo Decreto Lei 1402 que também da mesma forma que os anteriores”, vinculava o sindicalismo à administração pública196.   Em Direito do Trabalho, Editora Atlas, 14 edição, p. 242.

193

194

 E dentre outras disposições estabeleceu as seguintes: “O Chefe do Governo Provisorio da Republica dos Estados Unidos do Brasil decreta: Art. 1o Terão os seus direitos e deveres regulados pelo presente decreto, podendo defender, perante o Governo da Republica e por intermedio do Ministerio do Trabalho, Industria e Commercio, os seus interesses de ordem economica, juridica, hygienica e cultural, todas as classes patronaes e operarias, que, no território nacional, exercerem profissões identicas, similares ou connexas, e que se organisarem em sindicatos, independentes entre si, mas subordinada a sua constituição ás seguintes condições: .... Art. 2o Constituidos os syndicatos de accordo com o artigo 1o, exige-se, para serem reconhecidos pelo Ministério do Trabalho, Industria e Commercio e adquirirem, assim, personalidade Juridica, tenham approvados pelo Ministerio os seus estatutos, ... § 2o As alterações introduzidas nos estatutos não vigorarão emquanto não forem approvadas pelo ministro do Trabalho, Industria e Commercio.”   A nova regra estabelecia dentre outras regras, as seguintes: “Art. 1º Ficam, pelo presente decreto, instituidos os sindicatos como tipos específicos de organização das profissões que, no território nacional, tiverem por objeto a atividade lícita, com fins econômicos, de qualquer função ou mistér. Art. 2º Consideram-se os sindicatos como órgãos: a) de defesa da respectiva profissão e dos direitos e interesses profissionais dos seus associados;... Art. 5º Para o efeito da sua constituição e reconhecimento, os sindicatos, deverão satisfazer os seguintes requisitos... Art. 8º O pedido de reconhecimento de qualquer sindicato deverá ser acompanhado de cópia da ata da instalação, ... § 1º Os estatutos deverão estabelecer : § 2º Os estatutos só entrarão em vigor depois de aprovados pelo Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio...”

195

  Nos seguintes termos: Art. 1o É lícita a associação, para fins de estudo, defesa e coordenação dos seus interesses profissionais, de todos os que, como empregadores, empregados ou trabalhadores por conta própria, intelectuais, técnicos ou manuais, exerçam a mesma profissão, ou profissões similares 196

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Finalmente, com a Consolidação das Leis do Trabalho (Decreto Lei 5.452 de 1º de maio de 1943), a matéria foi regulada a partir do artigo 511 até o 576. E na mesma trilha da legislação da década anterior, atrelando as organizações sindicais ao Ministério do Trabalho197. Ë certo que a legislador se adaptou a Constituição Federal de 1988 e revogou a licença de funcionamento, mas na prática, a viabilidade de muitos Sindicatos ainda depende do Registro no Ministério do Trabalho através de requerimento para a Coordenação-Geral de Registro Sindical da Secretaria de Relações do Trabalho - CGRS198, pois somente com esse registro os sindicatos tem acesso às verbas decorrentes da contribuição sindical, também chamada de imposto sindica em razão de seu caráter compulsório para todos, independentemente de filiação sindical. Mas na adoção do pacto o Brasil regulava e assim é até hoje a questão na Constituição Federal199 nos artigos 8º e 9º e na Legislação Infraconstitucional, na própria Consolidação das leis do Trabalho na Lei de Greve. A Constituição Federal inseriu entre os direitos e garantias fundamentais200 o direito de se associar ou conexas. ... Art. 5o As associações profissionais deverão satisfazer os seguintes requisitos para ser reconhecidas como sindicatos: ... Art. 8o O pedido de reconhecimento será dirigido ao Ministro do Trabalho, Indústria e Comércio, instruído com exemplar ou cópia autenticada dos estatutos da associação. 197   Pela antiga disposição do artigo 518 que dizia: “O pedido de reconhecimento será dirigido ao ministro do Trabalho, Indústria e Comércio, instruído com exemplar ou cópia autenticada dos estatutos da associação... § 2º O processo de reconhecimento será regulado em instruções baixadas pelo ministro do Trabalho, Indústria e Comércio.” 198 

Obedecendo aos critérios estabelecidos na Portaria M.T.E. 168 de 2008.

199

  A proteção ao trabalho também está prevista no próprio artigo 1º: “Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos: I - ...; IV - os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa;...”, e também nos artigos 6º, 7º,10, 11 e além de outros no artigo 170 que trata da ordem econômica e estabelece: “ Art. 170 - A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios:” 200 

“Art. 5º- Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: XVI - todos podem reunir-se pacificamente, sem armas, em locais abertos ao público, independentemente de autorização, desde que não frustrem outra reunião anteriormente convocada para o mesmo local, sendo apenas exigido prévio aviso à autoridade competente; XVII - é plena a liberdade de associação para fins lícitos, vedada a de caráter paramilitar; XVIII - a criação de associações e, na forma da lei, a de cooperativas independem

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e o de constituição de associações no artigo 5º. E no artigo 8º estabeleceu a livre associação, a inexigibilidade de autorização estatal para a fundação de entidades sindicais, ressalvando o registro no órgão estatal competente, e impôs o princípio da unicidade sindical, dentre outras disposições201. O direito de Greve foi tratado no artigo 9º que abordaremos adiante, mas o que importa agora e verificar se as regras do artigo oitavo da Constituição Federal e as disposições da legislação infraconstitucional estão ou não em consonância com as diretrizes do Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais. Podemos dizer que não, a começar pelo fato do pacto conferir a possibilidade de liberdade de escolha, enquanto a Constituição Federal impõe a unicidade sindical que vem a ser a existência de um único sindicato de uma mesma categoria profissional na mesma base territorial. Categoria Profissional, definida por Valentin Carrion como202: “o conjunto de trabalhadores que têm, permanentemente, identidade de interesses em razão de sua atividade laborativa.” A unicidade sindical num primeiro momento se justificaria, na medida em que a eventual duplicidade de representação certamente enfraqueceria senão de autorização, sendo vedada a interferência estatal em seu funcionamento; XIX - as associações só poderão ser compulsoriamente dissolvidas ou ter suas atividades suspensas por decisão judicial, exigindo-se, no primeiro caso, o trânsito em julgado; XX - ninguém poderá ser compelido a associar-se ou a permanecer associado;XXI - as entidades associativas, quando expressamente autorizadas, têm legitimidade para representar seus filiados judicial ou extrajudicialmente;...” 201   “Art. 8º É livre a associação profissional ou sindical, observado o seguinte: I - a lei não poderá exigir autorização do Estado para a fundação de sindicato, ressalvado o registro no órgão competente, vedadas ao Poder Público a interferência e a intervenção na organização sindical; II - é vedada a criação de mais de uma organização sindical, em qualquer grau, representativa de categoria profissional ou econômica, na mesma base territorial, que será definida pelos trabalhadores ou empregadores interessados, não podendo ser inferior à área de um Município; III - ao sindicato cabe a defesa dos direitos e interesses coletivos ou individuais da categoria, inclusive em questões judiciais ou administrativas; IV - a assembléia geral fixará a contribuição que, em se tratando de categoria profissional, será descontada em folha, para custeio do sistema confederativo da representação sindical respectiva, independentemente da contribuição prevista em lei; V - ninguém será obrigado a filiar-se ou a manter-se filiado a sindicato; VI - é obrigatória a participação dos sindicatos nas negociações coletivas de trabalho; VII - o aposentado filiado tem direito a votar e ser votado nas organizações sindicais; VIII - é vedada a dispensa do empregado sindicalizado a partir do registro da candidatura a cargo de direção ou representação sindical e, se eleito, ainda que suplente, até um ano após o final do mandato, salvo se cometer falta grave nos termos da lei. Parágrafo único. As disposições deste artigo aplicam-se à organização de sindicatos rurais e de colônias de pescadores, atendidas as condições que a lei estabelecer.”

  Em Comentários à Consolidação das Leis do Trabalho, Editora Saraiva, 34ª edição, p. 425.

202

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todas, a maioria das categorias cuja organização é frágil, em razão da natureza da atividade. Por exemplo, bancários, metalúrgicos, funcionários públicos, por serem categorias mais concentradas e de empregadores identificáveis, jamais ou dificilmente seriam prejudicados, mas os comerciários e outras categorias que exercem suas funções em milhares de empresas de forma difusa, certamente ficariam submetidas a entidades, muitas vezes administradas e controladas por pessoas mais interessadas na “administração” dos recursos arrecadados do que na defesa da categoria. Mas se a unicidade evita a dispersão, o fato das entidades sindicais serem garantidas pelo recebimento garantido da contribuição sindical203, leva em muitos casos a existência de entidades não representativas dominadas por meia dúzia de dirigentes mais interessados na administração das verbas compulsórias e muitas vezes voltadas para atender interesses do próprio patronato. Neste sentido, Valentim Carrion diz204: “A Carta Magna garante a livre criação e funcionamento do sindicato, independendo de autorização governamental ou da anterior existência de associação. Restou como requisito a sindicalização por categoria (os arts. 511 e 570 foram recepcionados pela CF/88; STF, MS 21.305.1-DF) e a exclusividade dentro do limite territorial sobre o que atuar e abranger a extensão de todo um município, ao menos; o que impede a existência de sindicato de empresa. No entanto, vozes importantes da doutrina criticam a manutenção (Romita) e a imposição legal (Sussekind e muitos outros) da unicidade sindical por categorias, verdadeiro entrave à ampla negociação coletiva (Rev. da Academia Nacional de Direito do Trabalho, 4, 1996). Alguns sustentam a implantação de sindicato orgânicos, que reuniriam trabalhadores de diferentes categorias integradas em um mesmo segmento econômico; por exemplo, sindicato da indústria automobilística, reunindo os empregados das montadoras de automóveis e os das empresas que para aqueles trabalham (Fabio Zaninini)”. 203   Garantida pelas disposições dos artigos 578 e 579 da CLT que estabelecem, respectivamente: “Art. 578 - As contribuições devidas aos Sindicatos pelos que participem das categorias econômicas ou profissionais ou das profissões liberais representadas pelas referidas entidades serão, sob a denominação do “imposto sindical”, pagas, recolhidas e aplicadas na forma estabelecida neste Capítulo. “Art. 579 - A contribuição sindical é devida por todos aquêles que participarem de uma determinada categoria econômica ou profissional, ou de uma profissão liberal, em favor do sindicato representativo da mesma categoria ou profissão ou, inexistindo êste, na conformidade do disposto no art. 591”

  Idem, p. 424.

204

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Pedro Paulo Teixeira Manus205, ao abordar a unicidade sindical diz: “... como afirmar que há liberdade sindical entre nós, se a Constituição proíbe a criação de sindicatos por empresas, já que a menor base territorial não pode ser inferior à área do município? E, a respeito da criação de sindicatos cujo pólo atrativo seja outro que não a categoria profissional ou econômica, encontramos igualmente óbice constitucional. Como, então, coexistirem o princípio da liberdade sindical com essas limitações? Uadi Lammâgo Bulos, no mesmo sentido aponta a contradição entre a unicidade sindical e a liberdade prevista no mesmo artigo oitavo206: “Convém advertir: o constituinte de 1988 perdeu uma grande oportunidade para consagrar, em termos constitucionais positivos, o princípio da pluralidade sindical. Entrou em contradição notável, porque, enquanto no inciso II do art. 8º. Cunhou a liberdade e a autonomia dos sindicatos, dando relevo à formação de correntes diversas de opinião, acabou desmentindo o que afirmara no próprio caput do dispositivo, que diz ser livre a associação profissional ou sindical.” E a contribuição Sindical, em que pese existir a proposta de substituição pela contribuição negociada, constitui mais uma amarra dos sindicatos ao Estado e neste sentido Carrion observa207: “A contribuição sindical é o meio de atrelar os sindicatos ao status existente e é o indício de que liberdade sindical não é completa, uma das más opções que os países podem adotar.” Com relação Direito de Greve, a Constituição o estabeleceu no artigo nono da seguinte forma: “Art. 9º É assegurado o direito de greve, competindo aos trabalhadores decidir sobre a oportunidade de exercê-lo e sobre os interesses que devam por meio dele defender. § 1º - A lei definirá os serviços ou atividades essenciais e disporá sobre o atendimento das necessidades inadiáveis da comunidade. § 2º - Os abusos cometidos sujeitam os responsáveis às penas da lei.” Sem dúvida um enorme avanço social, considerando-se que a primeira Constituição Federal a tratar do tema, a de 1937, dizia em seu artigo 139: “A greve e o lockout são declarados recursos antissociais, nocivos ao trabalho e a capital e incompatíveis com os superiores interesses da produção nacional.” 205 

Idem, p. 295.

  Em Constituição Federal Anotada, Saraiva, 7ª. Edição, São Paulo, 2007, p. 464/465.

206

207 

Idem, p.460. 145

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Em princípio, a disposição deixa a critério dos legítimos interessados a vontade de parar ou não as atividades. Embora o inciso primeiro fale na paralisação das atividades essenciais e o atendimento da população e o segundo no abuso de direito, se tinha a impressão quando do advento da Carta de 1988 que finalmente havia chegado à liberdade aos assalariados. Ledo engano, pois o que a Constituição cidadã garantiu o legislador ordinário tratou de inviabilizar com a Lei de Greve (Lei n.7.783/89). Se o constituinte deu com uma mão o Congresso Nacional tirou com a outra, em primeiro lugar ao estabelecer extensos requisitos preliminares à deflagração da greve, em segundo ao condicionar a legalidade ou procedência das reivindicações que ensejaram a greve ao crivo da Justiça do Trabalho208 e ao apenar os trabalhadores que continuarem o movimento paredista após a declaração da improcedência do movimento, da abusividade da greve209. Na prática, excepcionalmente as greves são consideradas legais pela Justiça do Trabalho, que só não confere caráter abusivo nas paralisações decorrentes de não pagamento de salários e de descumprimento de cláusula de dissídio ou convenção coletiva. Esse fato por si só chama à atenção. Será que quase todas as reivindicações são descabidas? É certo que a maioria da doutrina entende como imprescindível o chamado poder normativo da Justiça do Trabalho conferido pela disposição do artigo 8º. Trata-se, portanto de direito relativizado pelo legislador infraconstitucional Nesse sentido, Josserand, citado por Sussekind dizia sobre a Greve210: “ Constitui uma arma profissional: por todo o tempo que esta arma seja posta efetivamente a serviço dos interesses da profissão, sob a condição de que se respeite a liberdade de trabalho e não se cometam atos de violência, estará a salvo a responsabilidade dos grevistas, posto que permaneceram nos limites do interesse legítimo que constitui a pedra angular de toda a teoria do abuso dos direitos. Entretanto, se sobrepassarem esses 208

  Pela disposição do artigo oitavo que diz: “Art. 8º A Justiça do Trabalho, por iniciativa de qualquer das partes ou do Ministério Público do Trabalho, decidirá sobre a procedência, total ou parcial, ou improcedência das reivindicações, cumprindo ao Tribunal publicar, de imediato, o competente acórdão.”

209   Pelas sanções impostas pelo artigo quatorze: “Art. 14 Constitui abuso do direito de greve a inobservância das normas contidas na presente Lei, bem como a manutenção da paralisação após a celebração de acordo, convenção ou decisão da Justiça do Trabalho.” 210 

Em “El espiritu de lós derechos y su relatividas”, Tradução espanhola, Ed. Cajica, México, 1946, p. 198, apud Arnaldo Sussekind, Idem, p. 498.

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limites, se recorrerem à coalizão por motivos extraprofissionais, saem do espírito da instituição e chegam a ser responsáveis pelos danos e prejuízos que, por sua culpa causam ao patrão lesado.” Arnaldo Sussekind, que considera correta a opção do legislador lembra da chamada “cláusula de paz” que vem a ser a obrigação de não se comprometer a ordem social. Em que pese às opiniões no sentido de que o poder normativo da Justiça do Trabalho atende ao interesse da sociedade e que o direito coletivo prevalece sobre o individual, mesmo o de uma categoria profissional, algumas vozes discordam senão totalmente de forma parcial por não considerarem essa solução a sempre mais adequada. Pedro Paulo Teixeira Manus que chega a falar em arbitragem compulsória, ao falar sobre a negociação coletiva e sua solução, após o impasse entre as partes, diz211: “Já o mesmo processo em âmbito judiciário, isto é, o exame pelo Tribunal de cada uma das cláusulas, acolhendo-as ou rejeitando-as, envolve questões de natureza política, social, econômica, psicológica, enfim, uma série de fundamentos que embasam o processo decisório e escapam do âmbito jurídico, que é aquele próprio do Poder judiciário. Eis por que, na prática, os avanços dos trabalhadores são mais efetivos quando há negociação direta, se comparados com aquele verificado no nível das decisões judiciais.” Messias Pereira Donato, condenando a interferência que se dá pelo poder normativo diz212: “O princípio de autotutela está longe de alcançar satisfação no direito positivo pátrio. No plano institucional, encontra óbice no poder normativo da Justiça do Trabalho, cujas sentenças normativas invadem a área de normatização sindical213. Com relação aos serviços essenciais, a Lei de Greve estabeleceu como essenciais rol extenso de atividades, atendendo claramente aos interesses patronais. Arnaldo Sussekind, observa, entretanto que: “Pondere-se, neste passo, que nem a Constituição, nem a lei proíbem a greve em empresas que empreendem serviços ou 211 

Idem, p. 226.

212

  No artigo décimo que assim dispõe:” Art. 10 São considerados serviços ou atividades essenciais: I - tratamento e abastecimento de água; produção e distribuição de energia elétrica, gás e combustíveis; II - assistência médica e hospitalar; III - distribuição e comercialização de medicamentos e alimentos; IV - funerários; V - transporte coletivo; VI - captação e tratamento de esgoto e lixo; VII telecomunicações; VIII - guarda, uso e controle de substâncias radioativas, equipamentos e materiais nucleares; IX - processamento de dados ligados a serviços essenciais; X - controle de tráfego aéreo; XI compensação bancária.”   Em, “Princípios do Direito Coletivo do Trabalho”, http://www.amlj.com.br, p. 16

213

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atividades consideradas essenciais. Os estabelecimentos, departamentos o setores, que nas empresas estão encarregados da execução desses serviços ou atividades é que não podem sofrer solução de continuidade.” Claro que sopesar o direito de uns em face dos de toda a coletividade, é tarefa difícil, mas é preciso reconhecer que o Brasil está ainda muito atrás do chamado primeiro mundo no que diz respeito às condições gerais de trabalho, da remuneração, da segurança e estabilidade. Por essa razão é necessário não se deixar seduzir por discursos aparentemente novos, mas que na prática repetem ideias conservadoras. Neste sentido, sábias, como sempre, as palavras de Fábio Konder Comparato, ao comentar justamente o artigo 8º do Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais214: “A pressão da ideologia neoliberal globalizante, nos últimos decênios do século XX, tem levado alguns países a reduzir ou suprimir direitos trabalhistas fundamentais, universalmente reconhecidos, sob pretexto de uma mal denominada” flexibilização” das condições de trabalho em função da concorrência internacional. É escusado assinalar que esse retrocesso na proteção da dignidade do trabalhador assalariado é totalmente incompatível com as regras do Pacto. A formação de sindicatos fortes e atuantes, como reconhecem hoje vários historiadores e cientistas sociais, foi o único fator capaz de evitar até final do século XX, a pauperização maciça dos trabalhadores no sistema capitalista> pela sua própria lógica, esse sistema tende a acumular capital em detrimento dos trabalhadores: ele tende, portanto, a reduzir o crescimento econômico mundial, em razão da capacidade de consumo dos grandes massas. O movimento sindical iniciado no séculos XIX interferiu no desenvolvimento desse processo de pauperização, obrigando os sistema capitalista a funcionar com uma distribuição de renda menos iníqua; o que aumentou a capacidade de consumo global e, portanto, impulsionou a produção.” Se é certo que não se pode falar em direitos absolutos, exceto no que diz respeito ao direito à vida, se sopesar direitos não é tarefa fácil, isso não autoriza a dissimulação, que parece ser o caso da legislação brasileira no que diz respeito aos sindicatos e ao direito de greve, pois ainda que o pacto confira aos estados o direito Em, “A afirmação Histórica dos Direitos Humanos, Editora Saraiva, 4a. edição, p.346, São Paulo, 2006.

214 

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de legislar sobre o assunto e até mesmo de limitar direitos, esse poder deve ser exercido com razoabilidade, de forma a não inviabilizar o exercício do direito de greve e não impedir a liberdade de associação, comprometida, no caso brasileiro, pela incidência da unicidade sindical e pelo atrelamento das entidades sindicais ao Estado, mesmo que de forma mais branda. Assim, em que pese os enormes avanços obtidos após a Constituição Brasileira de 1988, ainda estamos atrás, bem atrás, no campo das normas trabalhistas e sindicais, e para exemplificar essa posição, basta ver que somente agora os empregados domésticos passaram a ser normais e ter os direitos e garantias que todos os outros trabalhadores sempre tiveram.

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REFERÊNCIAS BULOS, Uadi Lammâgo, Constituição Federal Anotada. 7. ed. São Paulo: Saraiva, 2007. CARRION, Valentim, Comentários à Consolidação das Leis do Trabalho. 34. ed. São Paulo: Saraiva, 2009. COMPARATO, Fabio KONDER, A afirmação Histórica dos Direitos Humanos. 4. ed. São Paulo: Saraiva,2006. FIORILLO, Celso Antonio Pacheco, Os Sindicatos e a Defesa dos Interesses Difusos, Editora Revista dos Tribunais, 1. ed., São Paulo, 1995 MANUS, Pedro Paulo Teixeira. Direito do Trabalho. 14 ed. São Paulo: Atlas, 2012. DONATO, Messias Pereira. Princípios do Direito Coletivo do Trabalho. Disponível em: www.amlj.com.br. SILVEIRA, Vladmir Oliveira da e ROCASOLANO, MARIA Mendez, Direitos Humanos, Conceitos, Significados e Funções, Editora Saraiva, São Paulo, 2010. SUSSEKIND, Arnaldo. Direito Constitucional do Trabalho. 4. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2009.

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ARTIGO 9º Os Estados Membros no presente Pacto reconhecem o direito de toda pessoa à previdência social, inclusive ao seguro social.

Daniel Pulino Professor de Direito Previdenciário da PUC/SP, Doutor e Mestre em Direito Previdenciário pela mesma instituição. Procurador Federal.

COMENTÁRIOS: Terminologia: “seguro social”, “previdência social” e “seguridade social” A primeira coisa que chama a atenção da leitura do artigo, considerando a redação a ele dada no Brasil pelo Decreto n. 591, de 6 de julho de 1992, diz respeito à terminologia empregada. Com efeito, vejamos a redação na versão original em espanhol e naquela dada internamente ao dispositivo (em português, portanto), respectivamente, chamando a atenção para as expressões que aqui se pretende analisar: Artículo 9 Los Estados Partes en el presente Pacto reconocen el derecho de toda persona a la seguridad social, incluso al seguro social. Artigo 9º Os Estados Membros no presente Pacto reconhecem o direito de toda pessoa à previdência social, inclusive ao seguro social215. Seriam realmente equivalentes as expressões “seguridade social”, 215

  Importa observar que essas expressões encontram-se empregadas num outro dispositivo do Pacto, o art. 10, parágrafo 2º, que nas mesmas versões acima apresentadas (espanhol oficial da ONU e português da aclimatação brasileira do Pacto), referem-se, respectivamente, a “...prestaciones adecuadas de seguridad social” e “...benefícios previdenciários adequados”. 151

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da versão em espanhol da própria Assembleia-Geral das Nações Unidas216, e “previdência social” da versão oficial brasileira217?A questão, que simplesmente assim formulada já poderia não ser fácil de responder, torna-se mais delicada quando se tem em conta que a Constituição brasileira, de 5 de outubro de 1988218, passou a disciplinar, no seu Título VIII (Da Ordem Social), amplo sistema protetivo que, logo no primeiro capítulo em que regula as diversas matérias que compõem tal Ordem (Capítulo II)219, denomina de seguridade social, a compreender, nos dizeres do art. 194, “um conjunto integrado de ações... destinadas a assegurar os direitos relativos à saúde, à previdência social e à assistência social”. Diante disso, à pergunta acima formulada outras se impõem: o emprego da expressão “previdência social”, ao invés de “seguridade social”, na versão brasileira deve ser atribuído a um eventual descuido na adaptação oficial do texto do Pacto ao direito interno ou, diversamente, a uma proposital limitação ao direito fundamental veiculado no art. 9º? Seguridade social, previdência social, seguros sociais, assistência social(isoladamente considerados), entre outras, são, todas elas, noções que, a rigor, não temos outra forma de apreender senão em paralelo a uma linha de evolução histórica de algo que poderíamos generalizar sob a expressão mais ampla “proteção social”,aqui empregada para designar os diferentes mecanismos de proteção criados pelo homem para dar cobertura a diversas “contingências sociais” (ou “riscos sociais”, expressões que aqui serão utilizadas indistintamente, nas quais se incluem, exemplificativamente, os acidentes, doença, velhice, morte de um membro da família, incapacidade de trabalho e ganho, entre outras) que afetam 216   Ainda quanto ao texto oficial, encontra-se “social security” na versão em inglês e, em francês, “sécuritésociale”, para o art. 9º (e igualmente para o art. 10, parágrafo 2º).

  Em Portugal, harmonicamente ao que se acha previsto no art. 63 da Constituição do país, a redação oficialmente aprovada no âmbito interno foi a seguinte: “Os Estados Partes no presente Pacto reconhecem o direito de todas as pessoas à segurança social, incluindo os seguros sociais.”. 217

218   Lembremos que, embora aprovado em 1966, o Pacto só viria a ser oficialmente adotado pelo Brasil pelo Decreto n. 591, de 6 de julho de 1992, já posteriormente, portanto, ao advento da atual Constituição Federal. 219  Antes de regular propriamente, nos Capítulos II a VIII, as matérias postas sob a Ordem Social, há Disposição Geral (Cap. I), composta de um único artigo (193), por meio do qual a própria Constituição do Brasil sintetiza a base e os fins que hão de conduzir toda a interpretação e aplicação dessas matérias, que assim se acha redigido: “A ordem social tem como base o primado do trabalho, e como objetivo o bem-estar e a justiça sociais”.

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os indivíduos enquanto membros da sociedade, pondo em risco a subsistência individual e familiar daqueles e, ante sua repercussão, potencialmente, a de todo o corpo social. Essas contingências sociais cobertas pelos sistemas de proteção social, como é fácil perceber, sempre existiram ao longo de toda a história, assim como sempre houve formas de combater os efeitos de sua ocorrência concreta (ainda que isso fosse feito muito deficientemente por medidas individuais, familiares, de grupos, de agremiações ou de igrejas, antes de imaginarmos qualquer participação do Estado na área). É, portanto, justamente, o modo de cobertura e proteção às necessidades humanas decorrentes do acontecimento daquelas contingências sociais que vai caracterizar e diferenciar os mecanismos protetivos de previdência ou de seguridade social. Num grande resumo, pode-se dizer que, embora tenha havido formas embrionárias de proteção social (a assistência privada e a assistência pública ocasional, fundadas na caridade, ou o mutualismo e o seguro privado coletivo, fundados na solidariedade de grupos)220, é somente a partir da intervenção do Estado sob a ordem social que essa proteção passa a ser feita mediante a outorga de medidas públicas destinadas a combatê-las. Afinal, só o Estado teria condição de tornar certa e obrigatória perante toda a coletividade (não mais no âmbito de grupos restritos e espontaneamente formados) a proteção das indesejáveis consequências advindas dos acidentes, da velhice, da doença, da invalidez, da morte, etc., fazendo-o por meio da previsão em lei de verdadeiros direitos (exigíveis por todos, portanto, inclusive perante a própria Instituição previdenciária), cuja viabilidade financeira encontrava base na imposição da solidariedade de todos pelo instrumento da tributação. Já com este perfil, costuma-se dividir em duas etapas sucessivas a história da proteção social. Numa primeira etapa, temos o surgimento dos “seguros sociais” (públicos, administrados pelo Estado e financiados por contribuições obrigatórias de empregadores e trabalhadores, além do próprio Estado, prevendo a cobertura dos riscos capazes de comprometer a capacidade de ganho e sustento dos trabalhadores, como os acima mencionados), os quais, considerados   Ainda se poderia considerar, mas sem o caráter de organização coletiva, o apoio familiar e a poupança individual, além do seguro privado de índole não gremial.

220

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conjuntamente (i. é, a cobertura da invalidez, ao lado da cobertura do seguro por doença, por acidente, por morte, e assim sucessivamente), levavam à ideia de “previdência social”. Aqui, as primeiras leis de que se tem notícia no mundo remontam à Alemanha de 1883 e dos anos imediatamente seguintes (resultantes de projetos do chanceler Otto Von Bismarck), as quais rapidamente se espalharam pelas economias centrais da Europa e, já no início do século XX, também pelas economias periféricas, como as da América Latina. Na etapa seguinte, chega-se à fase da seguridade social, na qual a proteção social vai se ampliar para além daqueles horizontes estritos da relação trabalho-contribuição. É digna de registro aqui a influência que teve o conhecido Relatório produzido na Inglaterra por William Beveridge (por encomenda de seu Governo) ainda em meio à 2ª Guerra Mundial (1942), intitulado, expressivamente, “Seguros sociais e serviços afins”, no qual se procura acrescentar aos já existentes mecanismos do seguro social outros serviços estatais afins, conexos, à proteção social (como as ações de assistência médica ou mesmo financeira a quaisquer desamparados, quer se trate de trabalhadores contribuintes, quer não), a qual passa a se pautar na ideia motriz da liberação das necessidades, inclusive mediante o estabelecimento de um nível adequado de vida a todos os cidadãos. Caracterizam assim a fase da seguridade social: (i) integração de seguros sociais com outros serviços sociais conexos, (ii) universalidade subjetiva (todos são protegidos, não mais apenas trabalhadores contribuintes) e objetiva (diante de quaisquer situações de necessidade social, não mais só riscos ligados à produção); (iii) amplo financiamento do sistema por toda a sociedade; (iv) preocupação com a garantia de um nível de vida adequado a todos os cidadãos e (v) unidade da gestão desse amplo aparelho protetivo nas mãos do Estado. Tomando por base essa resumida distinção, revela-se simples a compreensão do art. 9º do Pacto na versão em espanhol acima transcrita, pois se afirma um direito de todo ser humano à proteção assegurada pela seguridade social, amplamente considerada, inclusive (mas não exclusivamente, portanto) mediante previsão, na legislação dos Estados Parte, de mecanismos protetivos criados sob a forma de “seguros sociais” (via de regra formulados em caráter contributivo e estritamente vinculados à relação de trabalho) e, assim, no tradicional campo da “previdência social”. 154

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Porém, se nos baseássemos apenas nessa distinção muito aproximada entre “previdência social” (conjunto de “seguros sociais”, impostos pelo poder público para proteger trabalhadores contribuintes das consequências dos riscos capazes de comprometer sua força de trabalho e reflexamente seu orçamento econômico-familiar) e “seguridade social” (proteção de todos e quaisquer cidadãos – trabalhadores ou não, contribuintes ou não –, diante de quaisquer necessidades sociais – vinculadas ou não à capacidade de trabalho e ganho, para lhes assegurar um padrão de dignidade mínima ou adequada), o art. 9º do Pacto, na versão oficial brasileira, ficaria não só sem sentido (afinal, estar-se-ia assegurando o direito ao “conjunto de seguros sociais”, inclusive ao “seguro social”), como inadequado perante nossa Constituição de 1988 (na qual a “previdência social” constitui apenas parte, juntamente com saúde e assistência social, do sistema de “seguridade social”). O que teria ocorrido? Na verdade, no Brasil, diferentemente do que se passou tanto nos documentos internacionais pertinentes221 quanto nas legislações de outros países, que logo ao final da 2ª Guerra – influenciados pelo Relatório de Beveridge – já passaram a incorporar a denominação “seguridade social” para referirem-se aos modelos de proteção resultantes das reformas (em geral progressivas e tímidas) dos antigos sistemas de “previdência social”, aqui, entre nós, continuou-se a usar oficialmente (na legislação, até a Constituição de 1988) a denominação “previdência social”, mesmo para designar nosso sistema protetivo quando já atingido, gradualmente, por reformas que poderiam muito bem ser colocadas (como lá fora) no rumo da universalização e “deslaborização”222 típicas do ideário 221  Entre os quais grande destaque merecem, por sua expressão universal, pelo menos: (a) a Carta do Atlântico de 1941, assinada por Roosevelt e Churchill, na qual se propõe a colaboração das nações e o estabelecimento de uma paz voltada a atingir a seguridade social, mediante a “liberação da necessidade”; (b) a Declaração Universal dos Direitos do Homem de 1948, cujos arts. 22 e 25 asseguram o direito à seguridade social (ou “segurança” social, na versão oficial brasileira, importa observar); e (c) na Convenção n. 102, de 1952, da Organização Internacional do Trabalho –OIT, conhecida como Norma Mínima para a Seguridade Social, ratificada (embora tardiamente, apenas em 2008) pelo Brasil. 222   Exemplifique-se com a universalização subjetiva ocorrida, primeiro, em 1960, com a Lei Orgânica da Previdência Social –LOPS (que incluiu no campo previdenciário, até então restrito a empregados, os autônomos, empresários e avulsos), e depois, no início da década de 1970, com a integração de rurais (sobretudo com as Leis Complementares ns. 11, de 25/5/71, e 16, de 30/10/73, mas em caráter assistencial) e de domésticas (Lei n. 5.859, de 11/12/72); com a universalização objetiva, i. é, do objeto da proteção – riscos a serem cobertos –, que vão deixando de se ater exclusivamente à capacidade

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da seguridade social. Por causa disso, passou-se, entre nós, algo muito peculiar e curioso: como não se adotava oficialmente a expressão “seguridade social”, ainda que nosso sistema evoluísse, tímida e gradualmente, na linha da seguridade social, a expressão “previdência social” continuou a ser usada, pela doutrina, para qualificar o sistema brasileiro, mas num sentido, declarada ou implicitamente, mais amplo, já que não mais poderia ser identificada como um mero conjunto de “seguros sociais” tradicionais223. Essa contextualização serve para mostrar que a estranheza que a primeira impressão de leitura do art. 9º deste Pacto (“...previdência social, inclusive ao seguro social”), tal como consta da versão oficial pela qual foi ele introduzida no âmbito de nosso país, causa ao leitor brasileiro dos dias de hoje (após a Constituição de 1988), talvez tivesse muito menor impacto se lida na época em que ele foi assinado (1966), antes da definição formal da expressão “seguridade” em nosso direito, pois facilmente compreenderíamos que a expressão “previdência social” teria sido utilizada com este sentido ampliado. Porém, estamos já no período pósConstituição de 1988, inclusive quando pensamos não agora, no momento de leitura ou conhecimento do art. 9º do Pacto Internacional, mas também na época da formal integração do Pacto no direito brasileiro, por obra do Decreto Legislativo individual de trabalho, feita já desde a década de 1950 (introdução de outros “serviços assistenciais” – de financiamento habitacional, de alimentação, etc. – embora no âmbito dos Institutos autárquicos de Previdência por categoria, então existentes) ou sobretudo pela introdução de novas contingências sociais como os encargos familiares do trabalhador (entre nós protegido pelo salário-família, a partir da Lei n. 4.266, de 3/10/63), os auxílios por natalidade, funeral (ambos já na década de 1950) e reclusão, a proteção à maternidade (Lei n. 6.1236, de 7/11/74) e ao desemprego involuntário (efetivamente, a partir de 1986); finalmente, não se pode deixar de mencionar entre tais exemplos programas de linha assistencial (não contributivos) de grande importância como foram a Renda Mensal Vitalícia (Lei n. 6.179, de 11/12/74), prevendo o pagamento de um auxílio de meio salário-mínimo ao idoso ou pessoa com deficiência incapazes de se sustentar ou de se aposentar, e mesmo o Programa de Assistência ao Trabalhador Rural –PRO-RURAL (ao qual acabamos de nos referir no início desta nota).   Paralelamente a isso, a doutrina majoritária negava-se ou ao menos relutava em referir-se ao termo “seguridade” por entender que ele constituiria “espanholismo”, não sendo típica do português, onde a palavra “segurança” seria a apropriada (e assim é em Portugal, como já pudemos mencionar acima). Todavia, como “segurança” costuma ser usada muito mais no sentido policial, de “segurança pública” – ou mesmo, ao menos na época do regime militar, como referência à doutrina da “segurança nacional” –, tinha-se aí um óbice à tradução de “seguridade” para o que tal corrente defendia ser o português correto (“segurança”), o que contribuía então para essa preferência à expressão “previdência social em sentido amplo” ou mesmo só “previdência social” (ficando subentendido tal sentido amplo).

223

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n. 226, de 12 de dezembro de 1991, e do Decreto n. 591, de 6 de julho de 1992. Aliás, não seria descabido cogitar que a causa de toda a questão terminológica que aqui nos vimos obrigados a debater pudesse eventualmente estar justamente no descompasso de tempo entre a elaboração do projeto de tradução ao português no Brasil do texto do Pacto e a sua efetivação somente no ano de 1992 (quando já corriam mais de três anos da novel Constituição, cuja redação consagrou a expressão “seguridade social”). Tal hipótese, contudo, parece não se confirmar de todo, quando se vê, pela tramitação descrita no site oficial do Senado Federal para o Decreto Legislativo n. 226, de 12 de dezembro de 1991 (que aprovou internamente o Pacto), onde lemos que, antes de finalizado, o texto passou para análise da Comissão de Constituição e Justiça, em 1991, para exame de compatibilidade constitucional224. Seja como for, ainda que se confirmasse a hipótese levantada, não haveria como não se dirigir uma censura à eventual falta de cuidado em se aprovar, no âmbito do próprio Governo (não no ambiente acadêmico, doutrinário), já sob a égide da Constituição Cidadã de 1988, texto veiculador de discussão que, se bem que não ainda de todo superada na doutrina da época, tomava partido de corrente que, com razoável previsibilidade, tendia a ser suplantada pela oposta (que inspirou, pela influência de Moacyr Cardoso Velloso de Oliveira225) o próprio texto que viria a resultar em nível constitucional, passando a falar em “seguridade” no Brasil. O que deve ficar absolutamente claro, no entanto, é que o que se quis com a adesão ao Pacto foi garantir a toda pessoa humana o direito à proteção estatal diante das contingências sociais, sem limitar tal proteção ao mais restrito âmbito da previdência social ou seguros sociais, via de regra referido tanto a uma relação de trabalho de base, quanto – o que parece decisivo – ao prévio recolhimento de 224   A rigor, não há acesso eletrônico aos documentos de aprovação do texto nessa passagem, mas não é impossível imaginar que se tenha feito ou apenas um exame de conteúdo de compatibilidade constitucional (não de forma, de terminologia) ou então que até se tenha atentado para a deficiência terminológica aqui discutida, mas apesar disso, o texto tenha sido aprovado por alguma razão não explicitada (imaginemos, p. ex., que se tenha percebido o erro, mas nada se tenha objetado, para evitar que toda a tramitação, que já se arrastava desde 1987 e que se fazia conjuntamente com o Pacto dos Direitos Civis e Políticos, tivesse de regredir a etapas já superadas no Legislativo ou mesmo até no Executivo, de onde parte a Mensagem deflagradora do processo, postergando na prática a aprovação). Tal exame bem que mereceria ser levado mais a fundo, mas, por não o termos feito – eis o que aqui queremos enfatizar –, o que há pouco levantamos constitui mera especulação. 225

  Cf. BALERA, Wagner. Seguro-Desemprego. São Paulo: LTr, 1993, p. 52. 157

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contribuições específicas pelo próprio segurado, esse trabalhador. Assim, apesar de equivocada e, mais,inadequada a tradução feita oficialmente para o Pacto no Brasil – quanto ao art. 9º em exame –, ao utilizar-se “previdência social”, ainda que tomada com sentido amplo (como sinônimo de “seguridade”, que é a única coisa a fazer até que se altere o texto), para abarcar aquilo que nossa Constituição já passou a garantir expressamente sob a denominação de “seguridade social”, não se poderia concluir, de modo algum, que o apontado equívoco importe em qualquer limitação de conteúdo, quer diante do sentido original do próprio Pacto Internacional, quer diante da plena compatibilidade da compreensão da noção internacional de “seguridade social” com as disposições da Constituição brasileira de 1988 sobre a matéria. E, compreendido o significado da redação do art. 9º do Pacto Internacional, vejamos como se configuram no direito interno o direito humano fundamental à seguridade social. PANORAMA CONSTITUCIONAL DA SEGURIDADE SOCIAL BRASILEIRA Os arts. 194 a 204 da Constituição conformam um sistema de seguridade social único e integrado226, composto de partes com estrutura mista, contendo traços de seguros sociais, “de caráter contributivo” (a previdência social, como regra227), e outros não contributivos, de saúde228 e assistência social229 – e mesmo, 226   Da leitura do próprio texto constitucional brasileiro, particularmente de seu art. 194, caput, podemos extrair uma definição jurídico-positiva da seguridade social brasileira (“compreende um conjunto integradode ações, de iniciativa dos Poderes Públicos e da sociedade, destinadas a assegurar os direitos relativos à saúde, à previdência social e à assistência social”), e dos incisos de seu parágrafo único, os objetivos, verdadeiros princípios para sua estruturação infraconstitucional (“I- universalidade da cobertura e do atendimento; II- uniformidade e equivalência dos benefícios e serviços às populações urbanas e rurais; III- seletividade e distributividade na prestação dos benefícios e serviços; IV- irredutibilidade do valor dos benefícios; V- equidade na forma de participação no custeio; VI- diversidade da base de financiamento; e VII- caráter democrático e descentralizado da administração, mediante gestão quadripartite, com participação dos trabalhadores, dos empregadores, dos aposentados e do Governo nos órgãos colegiados”).

  Que deve ser organizada em caráter contributivo e “observados critérios que preservem o equilíbrio financeiro e atuarial”, nos termos do caput dos arts. 201 (regime geral) e 40 (regimes próprios de servidores públicos).

227

Que é “direito de todos e dever do Estado”, e financiada com recursos orçamentários (arts. 196 e 198 e seus parágrafos).

228 

229  A qual há de funcionar “independentemente de contribuição ao sistema” (art. 203, caput, da Constituição).

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adiante-se, de algumas das ações alocadas no regime previdenciário, ainda que como exceção. Aliás, só o fato de a seguridade social brasileira compreender, por expressa previsão constitucional, essas três áreas (saúde e previdência e assistência sociais) já permite perceber que o direito humano correspondente não se limitaria, no texto do Pacto, à previsão do seu art. 9º, estando diretamente relacionado a outros artigos nele veiculados230. Em que pese essa circunstância, e considerando que nossa missão é pontual (analisar o art. 9º), é preciso dizer que deixaremos de lado (por haver outro dispositivo integral específico no Pacto) o exame da área da saúde e, em boa medida, da assistência social, e concentraremos nosso foco no exame do subsistema previdenciário (especialmente no regime previdenciário posto à disposição da generalidade dos trabalhadores brasileiros231e, ainda, com breve referência à proteção do desemprego), bem como, em parte, também no subsistema de assistência social– com foco direcionado sobretudo ao benefício não contributivo de prestação continuada devido a idosos e pessoas com deficiência carentes, previsto nos arts. 203, V, da Constituição, e 20 e 21, da Lei n. 8.742, de 7 de dezembro de 1993, LOAS. PREVIDÊNCIA SOCIAL Apesar de termos visto a determinação da Constituição de 1988, no sentido de que a seguridade deve ser entendida como um sistema, um conjunto 230 

Entre os quais se poderia citar, para ser econômico (dada, aliás, a própria indivisibilidade e, sobretudo, interdependência dos direitos humanos), os arts. 10 (proteção à família, às crianças e adolescentes e inclusive podendo prever proteção previdenciária à maternidade, além do liame com o artigo seguinte), 11 (especialmente no que tange ao direito de toda pessoa a um nível adequado de vida para si e para a família, uma das ideias que vimos fundar a passagem à chamada era da seguridade social, e que, conectado ao art. 10 e posta juntamente à proteção contra a fome, inevitavelmente permite conduzir também à luta por mínimos sociais, ambiente da assistência social) e 12 (direito à saúde, amplamente considerado, e inclusive com o asseguramento a todos de assistência médica e serviços médicos em caso de enfermidades).

231   É que, apesar de a proteção previdenciária ser um direito social de todo trabalhador brasileiro (art. 6º), nem todos se submetem ao mesmo regime, pois há possibilidade de cada esfera federativa criar regimes especiais para seus servidores públicos (civis e militares, desde que de cargo de provimento efetivo, incluídos juízes, membros do Ministério Público e conselheiros de Tribunais de Contas) – os chamados Regimes Próprios, do art. 40 da Constituição – e há o regime geral de previdência social (RGPS), para todos os demais trabalhadores brasileiros (inclusive, residualmente, para servidores que não estejam vinculados a regime próprio), que fica a cargo do INSS (Instituto Nacional do Seguro Social).

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integrado de ações (art. 194, caput) é possível reconhecer, no próprio texto constitucional (art. 201), certa identidade normativa, com princípios e regras exclusivamente destinados a regular a matéria previdenciária232, que dão conformação eminentemente seguradora à previdência social (cuja expressão pode, como vimos, ser tomada como sinônimo de seguro social). O Regime Geral de Previdência Social –RGPS, a que se refere o art. 201 da Constituição, é disciplinado pela Lei n. 8.213, de 24 de julho de 1991 (Lei de Benefícios da Previdência Social –LBPS), que fixa quais são os sujeitos destinatários (beneficiários) e os riscos sociais cobertos233 com o respectivo elenco de prestações. Os beneficiários das prestações previdenciárias do RGPS dividem-se em (a) segurados – vinculam-se ao “seguro social” tendo o dever de contribuir234 com um percentual235 incidente sobre seus ganhos –, que podem ser (a1) obrigatórios (todos e quaisquer trabalhadores urbanos – salvo servidores vinculados a regimes próprios – e rurais, que,como indica o nome, filiam-se automaticamente só pelo 232   Consoante tivemos oportunidade de enunciar em outro trabalho (A aposentadoria por invalidez no direito positivo brasileiro. São Paulo: LTr, 2001, p. 30-61), extrai-se do texto constitucional um regime jurídico específico, que distingue a previdência social daquelas outras duas matérias que integram a seguridade social brasileira, que se embasa em pelo menos cinco princípios: [a] filiação prévia (e, em regra, obrigatória); [b] proteção precípua (embora não exclusiva, a rigor) do trabalhador e de seus familiares; [c] relevância das contingências sociais (“riscos sociais”) como critério determinante da proteção; [d] contributividade específica e [e] manutenção, embora limitada, do nível econômico de vida dos beneficiários.

  Os incisos do próprio art. 201 da Constituição expressamente prevêm que riscos devem ser cobertos pela previdência social: “I- cobertura dos eventos de doença, invalidez, morte e idade avançada; II- proteção à maternidade, especialmente à gestante; III- proteção ao trabalhador em situação de desemprego involuntário; IV- salário-família e auxílio-reclusão para os dependentes dos segurados de baixa renda; V- pensão por morte do segurado, homem ou mulher, ao cônjuge ou companheiro e dependentes”.

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  Importa dizer que alguns tipos de trabalhadores rurais têm essa contributividade mitigada pela lei, em homenagem à respectiva integração à proteção no âmbito previdenciário, pois, ainda que não demonstrem ter vertido contribuições (e há dever legal nesse sentido, importa frisar), podem ter direito às prestações do seguro social pelo valor mínimo (um salário mínimo), desde que demonstrem ao menos ter trabalhado como rurais por certo período. É o que se passa com segurados especiais (art. 39, I, da LBPS) e com outras formas de trabalho rural (cf. arts. 2º e 3º, da Lei n. 11.718, de 2008).

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235  A alíquota é de 8%, 9% ou 11%, em regra, conforme a faixa de ganhos, e incide sobre a remuneração total, limitada, porém, a um valor-teto (de R$ 4.159,00, para 2013). Além disso, há também a contribuição da empresa, sobre a mesma base (mas sem limite- “teto”), no percentual, via de regra, de 20% (fixo), mais 1, 2 ou 3% (variável, conforme o grau de risco de acidente do trabalho na atividade preponderante). 160

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fato de exercerem trabalho)236 ou (a2) facultativos (maior de 16 anos de idade mas não exerce qualquer trabalho, filiando-se voluntariamente ao seguro social, mediante pagamento de contribuição mensal237) e (b) dependentes (aqueles que, por presunção legal238 ou mediante comprovação239, vivem a expensas do segurado, ainda que parcialmente). Quanto às prestações previdenciárias do RGPS, a LBPS prevê a outorga tanto de (a) serviços (prestações não pecuniárias, de habilitação e reabilitação profissional240), quanto de (b) benefícios (vale dizer, prestações pecuniárias), os quais podem ou não estar legalmente condicionados ao cumprimento de períodos de carência (i. é, ao prévio recolhimento de certo número de contribuições antes da ocorrência do risco social em questão), e que serão pagos aos beneficiários em valores variáveis241. Os benefícios previdenciários do RGPS são os seguintes: (1) benefícios por incapacidade, que são (1.1) auxílio-doença (incapacidade específica ou profissional e provisória, que exija afastamento por mais de 15 dias consecutivos); (1.2) aposentadoria por invalidez (incapacidade “total e definitiva”, impossibilitando o segurado de exercer qualquer atividade laborativa que lhe garanta a subsistência);   Os segurados obrigatórios dividem-se em 5 espécies: (a1.1) empregados, (a1.2) domésticos, (a1.3) os chamados contribuintes individuais – que incluem uma vasta gama de trabalhadores, como empresários, autônomos, eventuais, produtores rurais, garimpeiros, ambulantes, trabalhadores em cooperativas, ministros de confissão religiosa, etc. –, (a1.4) avulsos (geralmente fixados nos portos), e (a1.5) os chamados “segurados especiais” – que incluem pequenos produtores rurais e pescadores artesanais ou assemelhados, que trabalham em regime de economia familiar, geralmente sem empregados. 236

  No importe de 20% de um valor livremente escolhido por ele, entre o limite mínimo de um salário-mínimo (R$ 678, em 2013) e o máximo (R$ 4.159,00). Na prática, são facultativos, basicamente, donas de casa e estudantes.

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238 

É o caso de cônjuges de ambos os sexos, companheiros (i. é, que vivem em união estável, sem ser casados) e filhos menores de 21 anos ou inválidos.   Caso dos pais do segurado ou, sucessivamente, de irmãos (menores de 21 anos ou inválidos).

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  Observe-se, por tratar-se de traço marcanteem comparação com alguns sistemas nacionais, que no sistema de seguridade social posterior à Constituição de 1988, não há mais propriamente a previsão específica deassistência médica a segurados e dependentes da previdência social, os quais têm (como qualquer outro cidadão brasileiro, diante do acesso universale igualitário previsto no art. 196 da CF) direito à proteção gratuita e integral pelo Sistema Único de Saúde –SUS. 240

241   Eis que calculados, via de regra, sobre uma média aritmética (o chamado “salário-de-benefício”) obtida justamente a partir das bases de cálculo (o chamado “salário-de-contribuição”) sobre as quais incidiram as contribuições previdenciárias mensais vertidas pelo próprio segurado (as quais, a seu turno, como dito, coincidem com o valor da remuneração mensal do trabalhador), ao longo da vida (as maiores, correspondentes a 80% de todas as vertidas após julho de 1994).

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(1.3) auxílio-acidente (devido não a todos os segurados – só os obrigatórios enquadrados como empregados, avulsos e segurados especiais – quando houver sequelas resultantes de um acidente qualquer, provocando incapacidade laboral parcial e definitiva, a exigir mudança de função ou mesmo maior dificuldade para exercer a mesma função que tinha antes do acidente). O segundo conjunto de benefícios pode ser agrupado em torno do fator “tempo” (de idade, de atividade, de atividade especial), dando ensejo às chamadas aposentadorias programadas, que podem ser: (2.1) por idade, a ser paga a homens de 65 anos e mulheres de 60 (diminuídos 5 anos em ambos os casos para os trabalhadores rurais, por expressa disposição constitucional); (2.2) aposentadoria por tempo de contribuição, para homens que tenham completado 35 anos de contribuições, ou 30 anos para mulheres, independentemente (eis o ponto muito polêmico e criticado do benefício) de qualquer idade mínima do segurado; e (2.3) aposentadoria especial, devida a segurados que tenham trabalhado, comprovada e permanentemente, sujeitos a condições especiais, prejudiciais à sua saúde ou integridade física, por 25, 20 ou 15 anos (tanto faz se homens ou mulheres), segundo a menor ou maior agressividade do agente (químico, físico ou biológico) envolvido com a prestação do trabalho. Finalmente, há os benefícios de proteção previdenciária à família, quer se destinem aos dependentes (pensão por morte e auxílio-reclusão), quer aos próprios segurados, ainda que em virtude de filhos (os chamados salário-maternidade e salário-família). A (3.1) pensão por morte é devida aos dependentes do segurado que falecer (morte real ou presumida, esta em casos de ausência – judicialmente comprovada – ou desaparecimento num acidente, desastre ou catástrofe, sem que se consiga ter certeza do óbito), desde que o trabalhador (ou facultativo) ostentasse a condição de segurado na data de óbito e tenha dependentes (na forma acima já explicada); (3.2) auxílio-reclusão, devido aos dependentes de segurado preso ou detido, desde que tivesse ele baixa renda (hoje em dia, para o ano de 2013, significando rendimento mensal bruto inferior a R$ 971,78) no momento de prisão, e pago nas mesmas condições e valor da pensão por morte; (3.3) salário-família, igualmente devido apenas a segurados empregados ou avulsos (e alguns aposentados), e de baixa renda (na forma acima descrita), como auxílio para ajudar na manutenção de filhos 162

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menores de 14 anos (ou inválidos), a ser pago pelo empregador (que se ressarce perante a previdência social – diluindo assim o custo entre toda a sociedade – compensando o valor pago com aquele que terá de pagar a título de contribuição previdenciária mensal sobre a folha de pagamentos); (3.4) salário-maternidade, devido às seguradas em função da maternidade biológica (estado final da gravidez e início de vida da criança) ou mesmo em caso de adoção, quando poderão se licenciar do trabalho, recebendo o benefício, em princípio, por 120 dias (no caso de maternidade biológica e, na adoção, segundo prevê a lei, apenas quando a criança tem menos de um ano de idade), 60 dias (adoção de criança de mais de um e menos de quatro anos de idade) ou 30 dias (adoção de criança de mais de quatro e menos de oito anos de idade). Embora não se trate de benefício previdenciário pago pelo INSS, há de se mencionar ainda – à luz do que dispõe o art. 201, III, da Constituição, e da importância particular da prestação para a seguridade social – a previsão na legislação brasileira de pagamento do chamado seguro-desemprego, benefício previdenciário(ainda que o custeio não conte com o esforço contributivo direto do trabalhador242) temporário,devido, grosso modo243, a quem tinha vínculo formal de emprego e o perdeu involuntariamente. ASSISTÊNCIA SOCIAL Vejamos agora o panorama do subsistema de assistência social, tentando ao menos repassar suas características centrais, mas com foco, limitadamente, na descrição do benefício de prestação continuada do idoso e pessoa com deficiência (CF, art. 203, V, e LOAS, arts. 20 e 21), porque mais imediatamente ligado aos riscos ou contingências sociais compreendidos na noção de seguridade social que   Desde a Constituição de 1988 (art. 239), o programa do seguro-desemprego é custeado com recursos parciais da contribuição para o Programa de Integração Social –PIS, que ordinariamente incide sobre a receita ou faturamento das empresas.

242

243   Há ainda, com variação de condições que não caberia aqui detalhar, a previsão legal de pagamento de seguro-desemprego (a) como bolsa qualificação profissional (Medida Provisória n. 1.726/98), (b) para empregadas domésticas, nos termos da Lei n. 10.208/01 (o que exige, contudo, que o empregador doméstico tenha recolhido contribuições ao FGTS, o que não lhe é obrigatório), (c) para o pescador artesanal no período de defeso, e (d) ao trabalhador “resgatado” pela Fiscalização Trabalhista por ter sido submetido a regime de trabalho forçado ou reduzido a condição análoga à de escravo.

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se extrai do art. 9º do Pacto, nos termos da interpretação autêntica que lhe dá a Observação Geral n. 19, do Comitê de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais. A assistência social está prevista nos arts. 203 e 204 da Constituição e a disciplina infraconstitucional geral do setor é dada pela Lei n. 8.742, de 7 de dezembro de 1993, a Lei Orgânica da Assistência Social –LOAS. Segundo o que diretamente se extrai dos termos empregados pela Constituição, as prestações assistenciais têm por sujeitos destinatários os “carentes” (203, II) ou “desamparados” (art. 6º) ou “necessitados” (art. 203, caput) – identificados na família (que passou a ter foco prioritário na lei que estrutura o setor, após recente alteração produzida pela Lei n. 12.435, de 2011), maternidade, infância, adolescência, velhice (203, I e V) e em “pessoas portadoras de deficiência” (203, IV e V). Nessa linha, passando ao objeto das prestações assistenciais, poderíamos dizer que ele estaria concentrado na promoção dos chamados “mínimos sociais”, expressão que é consagrada pela própria LOAS (arts. 1º e 2º, parágrafo único). Adentrando ao complexo campo das prestações, é preciso dizer que elas estão postas, na qualidade de instância de coordenação da Política Nacional de Assistência Social (que compete à União, dentro da organização especialmente descentralizada e participativa imposta pelo art. 204 ao setor), sob a gestão do Ministério do Desenvolvimento Social e Combate a Fome –MDS, que, aliás, coordena outros planos e programas de combate à pobreza – é o caso do Plano Brasil sem Miséria (Decreto n. 7.492, de 2 de junho de 2011), do Programa Bolsa Família (previsto na Lei n. 10.836, de 9 de janeiro de 2004) e do Plano Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (a Lei n. 11.346, de 15 de setembro de 2006, que criou o Sistema Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional –SISAN). Segundo a minimalista (e pouco clara, diga-se) classificação da LOAS, a assistência social conta com (a) projetos de enfrentamento da pobreza (arts. 25 e 26); (b) programas de assistência social (arts. 24 a 24–C); (c) serviços socioassistenciais (atividades continuadas, voltadas a necessidades básicas da população, e que, entre outros, redundam na criação de programas de amparo a crianças e adolescentes em situação de risco pessoal e pessoas que vivem em situação de rua); e (d) benefícios (arts. 20 a 22), podendo ser (d1) benefícios eventuais, ou, finalmente, o (d2) benefício de prestação continuada (BPC) devido ao idoso e à pessoa com deficiência. 164

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O benefício de prestação continuada (BPC)– que teve como precedente a Renda Mensal Vitalícia, introduzida pela Lei n. 6.179, de 11 de dezembro de 1974 e extinta a partir de 1º de janeiro de 1996, justamente com a regulamentação da LOAS – tem base constitucional direta no art. 203, V, da Constituição, e bem poderia ser considerado como o benefício não contributivo por velhice ou invalidez da seguridade social brasileira, já que é devido a pessoas incapazes de se sustentar ou de ter seu sustento atendido no âmbito familiar. O BPC é devido ao idoso (atualmente, maior de 65 anos, de qualquer sexo) e à pessoa com deficiência, desde que carentes (i. é, inseridos em família cuja renda mensal per capita seja inferior a ¼ do salário mínimo), ficando sua concessão e pagamento operacionalmente244 a cargo da Autarquia Previdenciária, o INSS, que é aproveitado por sua capilaridade em todo o território nacional. Uma vez concedido, o BPC deve ser revisto a cada 2 (dois) anos, para avaliação da continuidade das condições que lhe deram origem, cuja constatação negativa (ou evidentemente, verificando-se a morte do beneficiário) importará na cessação do benefício, sem prejuízo de cancelamento em caso de restar comprovada a irregularidade na sua concessão ou utilização. Como se vê, o BPC, instituído constitucionalmente, tem grande importância na seguridade social, acudindo situações extremas de pessoas (idosas e com deficiência, ambas comprovadamente carentes) que não teriam proteção diante do sistema contributivo. A propósito, e com isso encerrando este breve e parcial exame da assistência social, é preciso dizer apenas que caso nos limitássemos a considerar a seguridade social brasileira, simplificadamente, de modo a separá-la em dois campos de proteção de necessidades sociais básicas245, um campo preenchido por medidas públicas contributivas (grosso modo, as de previdência social 244 

O custeio das despesas com o BPC não poderia ser feito por meio das contribuições previdenciárias (art. 167, XI, da CF, com a redação dada pela EC n. 20, de 1998), de modo que a União repassa os recursos correspondentes ao INSS, para que este promova a execução e manutenção do benefício (art. 29, parágrafo único da LOAS).

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  E já com esta expressão retirando qualquer discussão acerca da pertinência ou não (e em que medida) ao sistema de seguridade do nível complementar de previdência ou suplementar saúde, operados por pessoas privadas com ou mesmo, sobretudo, sem fins lucrativos. Para discussão específica desta questão, remetemo-nos ao nosso Previdência complementar: natureza jurídico-constitucional e seu desenvolvimento pelas entidades fechadas. São Paulo: Conceito, 2010. 165

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básica, pública e obrigatória) e outro por medidas públicas de seguridade social não contributivas, teríamos de incluir neste último campo (1) toda a sorte de “programas” de Assistência Social246; (2) as prestações de assistência médica do Sistema Único de Saúde –SUS (são gratuitas, além de integrais e universais); e, no campo previdenciário, também (3) o Programa do Seguro-Desemprego (que é financiado sem contribuições específicas dos trabalhadores) e mesmo (4) a Previdência da imensa maioria dos Trabalhadores Rurais brasileiros que efetivamente logram aposentar-se (i. é, dos segurados especiais e mesmo de outras formas de trabalho rural, cf. arts. 39, I, da LBPS, e 2º e 3º, da Lei n. 11.718, de 2008, que fazem jus a praticamente todos os benefícios do RGPS pelo valor fixo de um salário mínimo, independentemente – eis o ponto de marcação aqui utilizado – de comprovação do recolhimento das contribuições que deveriam ter vertido na condição de segurados obrigatórios do regime previdenciário, bastando que façam, alternativamente, prova do exercício da atividade laboral). UMA ÚLTIMA PALAVRA Como se percebe, o asseguramento jurídico do direito fundamental à seguridade social encontra-se delineado no direito brasileiro de modo bastante amplo e detalhado, mesmo em nível constitucional.E diante de tão ampla regulação da matéria em nosso direito – a bem da verdade, na maior parte dos outros países – poderia até ficar a impressão (errônea, já se adiante) de que praticamente nenhuma serventia teria a afirmação solene do direito à seguridade no âmbito internacional. Contudo, um exame da realidade, i. e, da efetividade ou eficácia social dos sistemas – que talvez sejam a única dimensão que realmente interessem em matéria de Direitos Humanos – facilmente revelará que há ainda muito que fazer para implementar tal direito em escala mundial e, igualmente, no âmbito interno (não obstante os inegáveis avanços alcançados nos últimos anos). Nessa linha, a OIT – em farta documentação e estudos que facilmente 246   Ou seja, o pagamento do BPC; todas as demais prestações que formam o hoje institucionalizado em lei Sistema Único de Assistência Social –SUAS – que, entre outras, incluem os “benefícios eventuais” e aquelas referentes aos programas de erradicação do trabalho infantil, de proteção e atendimento integral à família, e de atendimento especializado a famílias e indivíduos –; e os demais programas gerenciados pelo Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome –MDS, notadamente os do Bolsa Família, Brasil sem Miséria e Segurança Alimentar).

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podem ser acessados pela internet – tem já há anos constatado e insistente reafirmado o problema da baixa cobertura real, efetiva da proteção social em nível global, estimando que, ainda hoje, entre 75% e 80% da população mundial não goza de cobertura por sistemas de seguridade social. Isso torna mais atual e urgente do que nunca, ainda hoje, sobretudo diante de um mundo globalizado e de relevantes crises econômicas, a expansão ou universalização efetiva da cobertura. Diante de tão grave e alarmante quadro, aliás, o rumo que têm tomado os debates é o da necessidade de combate à pobreza e à extrema pobreza, ou mais precisamente de “inclusão social” sobretudo das massas carentes (promovendo ingressos mínimos atrelados a acesso a serviços públicos básicos de saúde e educação, para, a partir daí tentar-se alcançar a igualdade de oportunidades), estando na ordem do dia discutir-se até a conveniência, ou não, de serem fixados pisos de proteção social. Há nisso uma diretriz protetiva que, no aspecto geral ou global, é inquestionavelmente expansiva (ou “inclusiva”, seria mais afinado dizer), mas que, com essa tônica acima muito brevemente desenhada, inevitavelmente dá margem à retração de conquistas referentes aos patamares situados acima dessa noção de piso, pondo em cheque a idéia original de integridade ou integralidade dos sistemas de seguridade social (a que acima pudemos nos referir), circunstância que tem gerado, a seu turno, não poucas discussões. É este o ponto em que se encontram as ideias e os esforços atuais em nível mundial, disso dependendo, evidentemente, a própria compreensão futura e a efetiva extensão do direito humano fundamental à seguridade social.

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REFERÊNCIAS BALERA, Wagner. Seguro-desemprego. São Paulo: LTr, 1993. PULINO, Daniel. A aposentadoria por invalidez no direito positivo brasileiro. São Paulo: LTr, 2001.

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ARTIGO 10º  Os Estados Partes do presente Pacto reconhecem que: 1.  Deve-se conceder à família, que é o elemento natural e fundamental da sociedade, as mais amplas proteção e assistência possíveis, especialmente para a sua constituição e enquanto ela for responsável pela criação e educação dos filhos. O matrimônio deve ser contraído com livre consentimento dos futuros cônjuges. 2. Deve-se conceder proteção às mães por um período de tempo razoável antes e depois do parto. Durante esse período, deve-se conceder às mães que trabalhem licença remunerada ou licença acompanhada de benefícios previdenciários adequados. 3.  Devem-se adotar medidas especiais de proteção e de assistência em prol de todas as crianças e adolescentes, sem distinção por motivo i de filiação ou qualquer outra condição. Devem-se proteger as crianças e adolescentes contra a exploração econômica e social. O emprego de crianças e adolescentes em trabalhos que lhes sejam nocivos à saúde ou que lhes façam correr perigo de vida, ou ainda que lhes venham a prejudicar o desenvolvimento normal, será punido por lei. Os Estados devem também estabelecer limites de idade sob os quais fique proibido e punido por lei o emprego assalariado da mão-de-obra infantil. Eduardo Dias de Souza Ferreira Doutor e Mestre em Direito das Relações Sociais pela PUC/SP. Promotor de Justiça em São Paulo.

COMENTÁRIOS: No texto da declaração Universal dos Direitos do Homem de 1948 consignou-se no artigo XVI, item 3 que “A família é o núcleo natural e fundamental da sociedade e tem direito À proteção da sociedade e do Estado”o que Alceu Amoroso Lima definiu como posição da família247: “está-se implicitamente proclamando a primazia da família e dos seus direitos acima de qualquer outro 247 

LIMA, Alceu Amoroso. Os Direitos do Homem e o Homem sem Direitos. Rio de Janeiro. EDUCAM. Editora Vozes, 1999. pp. 133/136. 169

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grupo social. Não é o estado oi o indivíduo que se reconhece a dignidade e o fato( de que deriva a dignidade, como derivam os direitos primordiais) de ser a base da sociedade, mas ao grupo doméstico.” Neste contexto Lafayette Pozzoli afirma que: “O núcleo familiar é o primeiro grupo social do qual se percebe e recebe, não somente herança genética e material, mas especialmente moral248”. O texto da Constituição Federal de 1988 fixou que a família é a base da sociedade e tem especial proteção do Estado (CF art. 226)249. Para esta análise não se adentra na discussão sobre o conceito de família, que encontra-se no art. 23 do Pacto dos direitos Civis e Políticos250, porém não se pode olvidar que atualmente, no Brasil e no mundo discute-se tanto a família monoparental, em especial aquela formada da mãe e filhos, quanto a realidade da família homoafetiva251. No Brasil, esta discussão ganhou relevo pelo voto do Ministro Ayres Brito na ADI 4.277 e ADPF 132, apreciando o direito de proteção da união homoafetiva, em que se pretende a extensão de cobertura social, até então, deferida apenas para cônjuges heterossexuais. Neste sentido, assim como constou no texto da ementa do acórdão que conta com mais de duzentas e setenta laudas: O tratamento constitucional da instituição da família. RECONHECIMENTO DE QUE A CONSTITUIÇÃO FEDERAL NÃO EMPRESTA AO SUBSTANTIVO “FAMÍLIA” NENHUM SIGNIFICADO ORTODOXO OU DA PRÓPRIA TÉCNICA JURÍDICA.   Comentário ao artigo XVI, pp. 11/115. In, BALERA, Wagner. Comentários à declaração universal de direitos do homem. 2ª Ed. São Paulo: Conceito Editorial, 2011. 248

  DOTTI, René A. Declaração universal dos direitos do homem e notas da legislação brasileira. Curitiba: J.M.Editora, 1999. 249

  Art. 23, do Pacto de Direitos Civis e Políticos: 1. A família é o elemento natural e fundamental da sociedade e terá o direito de ser protegida pela sociedade e pelo Estado. 2.  Será reconhecido o direito do homem e da mulher de, em idade núbil, contrair casamento e construir família. 250

  DIAS, Maria Berenice. Conversando sobre homoafetividade. Porto Alegre: Livr. do Advogado, 2004. 140 p. [703241] SEN CAM AGU MJU STJ TJD; ______. Filiação homoafetiva. In: CONGRESSO BRASILEIRO DE DIREITO DE FAMÍLIA, 4. 2003, Belo Horizonte, MG. Anais... Belo Horizonte: IBDFAM: Del Rey, 2004. p. 393-397. [755471] AGU SEN CAM STJ TST ______. Homoafetividade: o que diz a justiça! as pioneiras decisões do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul que reconhecem direitos às uniões homossexuais. Porto Alegre: Livr. Do Advogado, 2003. 197 p. [667149] SEN CAM STJ TJD STF 342.162842 D541 HJP. 251

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A FAMÍLIA COMO CATEGORIA SÓCIO-CULTURAL E PRINCÍPIO ESPIRITUAL. DIREITO SUBJETIVO DE CONSTITUIR FAMÍLIA. INTERPRETAÇÃO NÃO-REDUCIONISTA. O caput do art. 226 confere à família, base da sociedade, especial proteção do Estado. Ênfase constitucional à instituição da família. Família em seu coloquial ou proverbial significado de núcleo doméstico, pouco importando se formal ou informalmente constituída, ou se integrada por casais heteroafetivos ou por pares homoafetivos. A Constituição de 1988, ao utilizar-se da expressão “família”, não limita sua formação a casais heteroafetivos nem a formalidade cartorária, celebração civil ou liturgia religiosa. Família como instituição privada que, voluntariamente constituída entre pessoas adultas, mantém com o Estado e a sociedade civil uma necessária relação tricotômica. Núcleo familiar que é o principal lócus institucional de concreção dos direitos fundamentais que a própria Constituição designa por “intimidade e vida privada” (inciso X do art. 5º). Isonomia entre casais heteroafetivos e pares homoafetivos que somente ganha plenitude de sentido se desembocar no igual direito subjetivo à formação de uma autonomizada família. Família como figura central ou continente, de que tudo o mais é conteúdo. Imperiosidade da interpretação não-reducionista do conceito de família como instituição que também se forma por vias distintas do casamento civil. Avanço da Constituição Federal de 1988 no plano dos costumes. Caminhada na direção do pluralismo como categoria sócio-político-cultural. Competência do Supremo Tribunal Federal para manter, interpretativamente, o Texto Magno na posse do seu fundamental atributo da coerência, o que passa pela eliminação de preconceito quanto à orientação sexual das pessoas.252   4. UNIÃO ESTÁVEL. NORMAÇÃO CONSTITUCIONAL REFERIDA A HOMEM E MULHER, MAS APENAS PARA ESPECIAL PROTEÇÃO DESTA ÚLTIMA. FOCADO PROPÓSITO CONSTITUCIONAL DE ESTABELECER RELAÇÕES JURÍDICAS HORIZONTAIS OU SEM HIERARQUIA ENTRE AS DUAS TIPOLOGIAS DO GÊNERO HUMANO. IDENTIDADE CONSTITUCIONAL DOS CONCEITOS DE “ENTIDADE FAMILIAR” E “FAMÍLIA”. A referência constitucional à dualidade básica homem/mulher, no §3º do seu art. 226, deve-se ao centrado intuito de não se perder a menor oportunidade para favorecer relações jurídicas horizontais ou sem hierarquia no âmbito das sociedades domésticas. Reforço normativo a um mais eficiente combate à renitência patriarcal dos costumes brasileiros. Impossibilidade de uso da letra da Constituição para ressuscitar o art. 175 da Carta de 1967/1969. Não há como fazer rolar a cabeça do art. 226 no patíbulo do seu parágrafo terceiro. Dispositivo que, ao utilizar da terminologia “entidade familiar”, não pretendeu diferenciá-la da “família”. Inexistência de hierarquia ou diferença de qualidade jurídica entre as duas formas de constituição de um novo e autonomizado núcleo doméstico. Emprego do fraseado “entidade familiar” como sinônimo perfeito de família. A Constituição não interdita a formação de família por pessoas do mesmo sexo. Consagração do juízo de que não se proíbe nada a ninguém senão em face de um direito ou de proteção de um legítimo interesse de outrem, ou de toda a sociedade, o

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O Pacto Internacional sobre os Direitos Econômicos, Sociais e Culturais estabelece em seu artigo 10 que os Estados Signatários deste Pacto reconhecem que deve conceder-se à família, que é o elemento natural e fundamental da sociedade, a mais ampla proteção e assistência possível, especialmente para a sua constituição e enquanto for responsável pelo cuidado e a educação dos filhos a seu cargo. O matrimônio deve ser contraído com o livre consentimento dos futuros cônjuges. O Pacto fixa também no artigo 10 que deve conceder-se especial proteção às mães durante um período de tempo razoável antes e depois do parto. Durante tal período, às mães que trabalhem, deve-se conceder licença com remuneração ou com serviços adequados de segurança social. E por último este artigo 10 ainda estabelece que devem adotar-se medidas especiais de proteção e assistência em favor de sodas as crianças e adolescentes, sem discriminação alguma por razão de filiação ou qualquer outra circunstancia. Devem proteger-se as crianças e adolescentes contra a exploração econômica e social. O seu emprego em trabalhos nocivos a sua moral e saúde, ou nos quais haja perigo de vida, ou se corra o risco de prejudicar o seu desenvolvimento normal, será regulado pela lei. Os Estados devem também estabelecer limites d’ idade abaixo dos quais fique proibido e sancionado por lei o emprego remunerado de mão-de-obra infantil. No Brasil é importante observar, em especial, após a Constituição de 1988 que ocorre a edição de vários diplomas legais deferindo direitos à pessoas com deficiência, crianças, pessoas idosas e contra a discriminação étnica racial. Esse fenômeno pode ser considerando dentro daquela fase da implementação dos direitos humanos denominada de especificação ou especialização dos direitos253. O efeito colateral deste fenômeno, entretanto, é a desconsideração da

que não se dá na hipótese sub judice. Inexistência do direito dos indivíduos heteroafetivos à sua não-equiparação jurídica com os indivíduos homoafetivos. Aplicabilidade do §2º do art. 5º da Constituição Federal, a evidenciar que outros direitos e garantias, não expressamente listados na Constituição, emergem “do regime e dos princípios por ela adotados”, verbis: “Os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte”. COMPARATO, Fábio Konder. Afirmação Histórica dos Direitos Humanos. 8ª.ed. São Paulo: Saraiva, 2013.

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centralidade familiar254, ainda que monoparental, enquanto corpo social dos destinatários destas normas e que estão inseridos em determinada classe social255. Assim, temos o Estatuto da Criança e do Adolescente, e na esteira da Emenda Constitucional 65 teremos o Estatuto do Jovem. Há também o Estatuto do Idoso. Assim, como a Lei nº 8.742, de 7 de dezembro de 1993, que dispõe sobre a organização da Assistência Social (Lei Orgânica da Assistência Social – LOAS), a legislação que garante a impenhorabilidade do bem de família, Estatuto da Cidade e a lei Maria da Penha. Para tanto, destaca-se: 1. - Família: Constituição, arts. 6º, 24, XV, 226 a 230; Lei nº 12.318, de 26 de agosto de 2010, que dispõe sobre a alienação parental; Lei nº 11.804, de 5 de novembro de 2008, que disciplina o direito a alimentos gravídicos; a Lei nº 11.340, de 7 de agosto de 2006, Lei Maria da Penha; a Lei nº 10.741, de 1º de outubro de 2003, Estatuto do Idoso; a Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002, Código Civil; Lei nº 9.278, de 10 de maio de 1996, que regula o § 3° do art. 226 da Constituição Federal, que trata da união estável; Lei nº 9.263, de 12 de janeiro de 1996, que regula o § 7º do art. 226 da Constituição Federal, que trata do planejamento familiar; Lei nº 8.971, de 29 de dezembro de 1994, que regula o direito dos companheiros a alimentos e à sucessão; Lei nº 8.560, de 29 de dezembro de 1992, que regula a investigação de paternidade dos filhos havidos fora do casamento; Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990, Estatuto da Criança e do Adolescente; Lei nº 8.009, de 29 de março de 1990, que dispõe sobre a impenhorabilidade do bem de família; Lei nº 6.515, de 26 de dezembro de 1977, Lei do Divórcio ( com atualização da EC nº 66); Lei nº 5.478, de 25 de julho de 1968, que dispõe sobre ação de alimentos; Lei nº 1.110, de 23 de maio de 1950, que regula o reconhecimento dos efeitos civis ao casamento religioso; 2. - Na Assistência Social: Lei nº 11.346, de 15 de setembro de 2006, que cria o Sistema Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional – SISAN com vistas em assegurar o direito humano à alimentação   CARVALHO, Maria do Carmo Brant de 2000 A priorização da família na agenda da política social. In: KALOUSTIAN, Silvio (Org.) - Família brasileira, a base de tudo. 4.ed. São Paulo: Cortez; Brasília, DF: UNICEF. p.93:108. CARVALHO, Maria do Carmo Brant de (org.) A Família Contemporânea em Debate. – São Paulo: EDUC / Cortez, 2002.

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  Muito ilustrativa, sobre o tema da Assistência Social, é a leitura da Revista Quadrimestral de Serviço Social, editada e Publicada pela Editora CORTEZ:SP, em especial os números: 68 de setembro de 2001 dedicado à discussão das políticas de “assistência e proteção social”; e, 71, de setembro de 2002, com o tema “famílias”

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adequada. Lei nº 10.836, de 9 de janeiro de 2004, cria o Programa Bolsa Família; Lei nº 10.835, de 8 de janeiro de 2004, Institui a renda básica de cidadania; Lei nº 10.219, de 11 de abril de 2001, cria o Programa Nacional de Renda Mínima vinculada à educação - “Bolsa Escola”; Lei nº 8.842, de 4 de janeiro de 1994, que dispõe sobre a política nacional do idoso e cria o Conselho Nacional do Idoso; Decreto nº 7.788, de 15 de agosto de 2012,Regulamenta o Fundo Nacional de Assistência Social, instituído pela Lei no 8.742, de 7 de dezembro de 1993, e dá outras providências; Decreto nº 7.053, de 23 de dezembro de 2009, que institui a Política Nacional para a População em Situação de Rua e seu Comitê Intersetorial de Acompanhamento e Monitoramento; Decreto nº 6.135, de 26 de junho de 2007, dispõe sobre o Cadastro Único para Programas Sociais do Governo Federal e dá outras providências; Decreto nº 5.940, de 25 de outubro de 2006, institui a separação dos resíduos recicláveis descartados pelos órgãos e entidades da administração pública federal direta e indireta, na fonte geradora, e a sua destinação às associações e cooperativas dos catadores de materiais recicláveis; Decreto nº 5.209, de 17 de setembro de 2004, que regulamenta a Lei no 10.836, de 9 de janeiro de 2004; Decreto nº 1.330, de 8 de dezembro de 1994, que dispõe sobre a concessão do benefício de prestação continuada; 3. - Saúde Mental: Lei nº 10.216, de 6 de abril de 200, que dispõe sobre a proteção e os direitos das pessoas portadoras de transtornos mentais e redireciona o modelo assistencial em saúde mental - Lei Paulo Delgado; 4. - Refugiados: Lei nº 9.474, de 22 de julho de 1997, que fixa o Estatuto dos Refugiados; 5.- Mulheres: Lei nº 11.340, de 7 de agosto de 2006, Lei Maria da Penha; Lei nº 10.778, de 24 de novembro de 2003; que estabelece a notificação compulsória, no território nacional, do caso de violência contra a mulher que for atendida em serviços de saúde públicos ou privados; Decreto nº 7.393, de 15 de dezembro de 2010, dispõe sobre a Central de Atendimento à Mulher - Ligue 180; Decreto nº 6.690, de 11 de dezembro de 2008, que Institui o Programa de Prorrogação da Licença à Gestante e à Adotante, estabelece os critérios de adesão ao Programa e dá outras providências256.   Sobre esta lei não se pode deixar de analisar o caso pendente no Sistema Interamericano: RELATÓRIO No. 7/10[1]. PETIÇÃO 12.378. ADMISSIBILIDADE: FÁTIMA REGINA NASCIMENTO DE OLIVEIRA E MAURA TATIANE FERREIRA ALVES. BRASIL, 15 de março de 2010: ... “2. Os peticionários alegam que a funcionária pública Fátima Regina Nascimento de Oliveira adotou a sua filha Maura Tatiane Ferreira Alves, nascida em 23 de julho de 1989, nesse mesmo dia, conforme a decisão do Juiz de Menores da Comarca de Porto Alegre, estado do Rio Grande do Sul. Imediatamente, a senhora Oliveira teria solicitado por via administrativa sua licença maternidade ao Hospital Militar de Santa Maria, um estabelecimento de saúde público; contudo, segundo os peticionários, sua

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6. - Pessoa com Deficiência e Crianças: Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990, Estatuto da Criança e do Adolescente; e, Lei nº 7.853, de 24 de outubro de 1989, Pessoa com Deficiência257; 7. - Idosos: Constituição Federal, art. 230; Lei nº 10.741, de 1º de outubro de 2003, Estatuto do Idoso; e, Lei nº 8.842, de 4 de janeiro de 1994, que dispõe sobre a política nacional do idoso e cria o Conselho Nacional do Idoso. Dessa forma, o direito à educação infantil pode ser considerado como um serviço e a falsa dicotomia se saúde é um serviço ou um direito e, por vezes a migração do cidadão (dignidade da pessoa) ao consumidor (sujeito da relação comercial que paga pelo bem) e a assistência social pode ficar sem custeio estável e o piso mínimo pode ser reduzido ao patamar microscópico. Para a realização desta proteção, contudo, o caminho não é tão suave. Porquanto, faz parte do rol dos direitos sociais. E para implantação requer do estado ações positivas, implicando em gastos e gestão rigorosa desses recursos públicos que devem ser previamente definidos em leis; e, se necessário, com o reforço do P. Judiciário, por meio do direito de ação. Enfim, as políticas públicas. O Pernambucano Jayme Benvenuto Lima Jr aponta caminhos para a realização destes direitos sociais258: 1) O caminho legal, que envolve a elaboração legislativa e a justiciabilidade; 2) o caminho das Políticas Públicas Sociais, que tem uma dimensão geral e outra específica (dentro das quais encontram-se as solicitação foi denegada por referida instituição do Estado. Os peticionários informam que a senhora Oliveira interpôs uma ação cautelar perante a Justiça do Trabalho e que após várias decisões a seu favor emitidas pelos juízes e tribunais trabalhistas a partir do ano de 1990, o Supremo Tribunal Federal haveria estabelecido que ela não teria direito à licença maternidade através de uma decisão emitida em 30 de maio de 2000. Conseqüentemente, sustentam que o Estado brasileiro violou os artigos 8 (garantias judiciais), 17 (proteção à família), 19 (direitos da criança) e 24 (igualdade perante a lei) da Convenção Americana sobre Direitos Humanos (“a Convenção Americana”); e que igualmente descumpriu sua obrigação geral prevista no artigo 1.1 do mesmo instrumento.” E não pessoa portadora de deficiência, consoante os efeitos da recepção, produzidos por força da Convenção da ONU de 2007 que foi recepcionada como Emenda Constitucional após a EC 45. Dec. 6.949/2008: Congresso Nacional aprovou, por meio do Decreto Legislativo nº 186, de 9 de julho de 2008, conforme o procedimento do § 3º do Art. 5º da Constituição, a Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência e seu Protocolo Facultativo, assinados em Nova York, em 30 de março de 2007.

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258   LIMA JÚNIOR, Jayme Benvenuto. Os direitos humanos econômicos, sociais e culturais. Rio de Janeiro: Renovar, 2001, p. 114/153.

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ações afirmativas – embora essas também possam ter uma dimensão legal; e 3) o Caminho do Monitoramento de Metas progressivas. Vejamos, portanto, o nosso ordenamento interpretado e aplicado pelo Supremo Tribunal Federal: A CF adota a família como base da sociedade a ela conferindo proteção do Estado. Assegurar à criança o direito à dignidade, ao respeito e à convivência familiar pressupõe reconhecer seu legítimo direito de saber a verdade sobre sua paternidade, decorrência lógica do direito à filiação (CF, arts. 226, § 3º, § 4º, § 5º e § 7º; 227, § 6º). (...) A Lei 8.560/1992 expressamente assegurou ao Parquet, desde que provocado pelo interessado e diante de evidências positivas, a possibilidade de intentar a ação de investigação de paternidade, legitimação essa decorrente da proteção constitucional conferida à família e à criança, bem como da indisponibilidade legalmente atribuída ao reconhecimento do estado de filiação. Dele decorrem direitos da personalidade e de caráter patrimonial que determinam e justificam a necessária atuação do Ministério Público para assegurar a sua efetividade, sempre em defesa da criança, na hipótese de não reconhecimento voluntário da paternidade ou recusa do suposto pai. O direito à intimidade não pode consagrar a irresponsabilidade paterna, de forma a inviabilizar a imposição ao pai biológico dos deveres resultantes de uma conduta volitiva e passível de gerar vínculos familiares. Essa garantia encontra limite no direito da criança e do Estado em ver reconhecida, se for o caso, a paternidade.” (RE 248.869, Rel. Min. Maurício Corrêa, julgamento em 782003, Plenário, DJ de 1232004.); Remoção de ofício para acompanhar o cônjuge, independentemente da existência de vagas. Art. 36 da Lei 8.112/1990. Desnecessidade de o cônjuge do servidor ser também regido pela Lei 8.112/1990. Especial proteção do Estado à família (art. 226 da CF). Em mandado de segurança, a União, mais do que litisconsorte, é de ser considerada parte, podendo, por isso, não apenas nela intervir para esclarecer questões de fato e de direito, como também juntar documentos, apresentar memoriais e, ainda, recorrer (parágrafo único do art. 5º da Lei 9.469/1997). Rejeição da preliminar de inclusão da União como litisconsorte passivo. Havendo a transferência, de ofício, do cônjuge da impetrante, empregado da Caixa Econômica Federal, para a cidade de Fortaleza/CE, tem ela, servidora ocupante de cargo no TCU, direito líquido e certo de também ser removida, 176

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independentemente da existência de vagas. Precedente: MS 21.893/DF. A alínea a do inciso III do parágrafo único do art. 36 da Lei 8.112/1990 não exige que o cônjuge do servidor seja também regido pelo Estatuto dos Servidores Públicos Federais. A expressão legal ‘servidor público civil ou militar, de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios’ não é outra senão a que se lê na cabeça do art. 37 da CF para alcançar, justamente, todo e qualquer servidor da administração pública, tanto a administração direta quanto a indireta. O entendimento ora perfilhado descansa no regaço do art. 226 da CF, que, sobre fazer da família a base de toda a sociedade, a ela garante ‘especial proteção do Estado’. Outra especial proteção à família não se poderia esperar senão aquela que garantisse à impetrante o direito de acompanhar seu cônjuge, e, assim, manter a integridade dos laços familiares que os prendem.” (MS 23.058, Rel. Min. Ayres Britto, julgamento em 1892008, Plenário, DJE de 14112008.) No mesmo sentido: RE 549.095AgR, Rel. Min. Eros Grau, julgamento em 2992009, Segunda Turma, DJE de 23102009. Vide: STA 407AgR, Rel. Min. Presidente Cezar Peluso, julgamento em 1882010, Plenário, DJE de 392010; RE 587.260AgR, Rel. Min. Eros Grau, julgamento em 2992009, Segunda Turma, DJE de 23102009. O STF, em caso análogo ao presente, afastou a incidência do art. 226 da CB como fundamento da concessão de remoção de servidor público quando o feito, como ocorre nestes autos, referese não à remoção para acompanhar cônjuge ou companheiro e sim à lotação inicial de candidato aprovado em concurso público, cujo edital previa expressamente a possibilidade de sua lotação em outros Estados da Federação. Precedente. Agravo regimental a que se nega provimento.” (RE 587.260AgR, Rel. Min. Eros Grau, julgamento em 2992009, Segunda Turma, DJE de 23102009.) Vide: MS 23.058, Rel. Min. Ayres Britto, julgamento em 1892008, Plenário, DJE de 14112008. A Lei 8.560/1992 expressamente assegurou ao Parquet, desde que provocado pelo interessado e diante de evidências positivas, a possibilidade de intentar a ação de investigação de paternidade, legitimação essa decorrente da proteção constitucional conferida à família e à criança, bem como da indisponibilidade legalmente atribuída ao reconhecimento do estado de filiação. Dele decorrem direitos da personalidade e de caráter patrimonial que determinam e justificam a necessária atuação do Ministério Público para assegurar a sua 177

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efetividade, sempre em defesa da criança, na hipótese de não reconhecimento voluntário da paternidade ou recusa do suposto pai.” (RE 248.869, Rel. Min. Maurício Corrêa, julgamento em 782003, Plenário, DJ de 1232004.) No sistema interamericano o artigo 15 do Protocolo Adicional de São Salvador fixa o Direito à constituição e proteção da família. Este dispositivo funde o artigo 23 do Pacto dos Direitos Civis e Políticos (1 e 2) com o artigo 10 do Pacto dos Direitos Econômicos e Sociais e Culturais (3): 1. A família é o elemento natural e fundamental da sociedade e deve ser protegida pelo Estado, que deverá velar pelo melhoramento de sua situação moral e material. 2. Toda pessoa tem direito a constituir família, o qual exercerá de acordo com as disposições da legislação interna correspondente. 3. Os Estados Partes comprometemse, mediante este Protocolo, a proporcionar adequada proteção ao grupo familiar e, especialmente, a: a. Dispensar atenção e assistência especiais à mãe, por um período razoável, antes e depois do parto; b. Garantir às crianças alimentação adequada, tanto no período de lactação quanto durante a idade escolar; c. Adotar medidas especiais de proteção dos adolescentes, a fim de assegurar o pleno amadurecimento de suas capacidades físicas, intelectuais e morais; d. Executar programas especiais de formação familiar, a fim de contribuir para a criação de ambiente estável e positivo no qual as crianças percebam e desenvolvam os valores de compreensão, solidariedade, respeito e responsabilidade. Neste sistema interamericano a opinião consultiva da corte interamericana nº 17 de agosto de 2002 fixou os limites da proteção da infância fixando a convivência familiar como um dos princípios fundamentais259. Contudo, não se pode esquecer o julgado que ficou conhecido como o caso dos meninos de rua, no qual se reconheceu a falha do Estado em proteger os direitos básicos de crianças na rua e no bosque São Nicolau (Sentença. Caso Villagran Morales e outros - caso de los Niños de la Calle, julgado em 19 de novembro de 1999). 259 

FALLOS Y OPINIONES - Serie A No. 17. Corte I.D.H., Condición Juridica y Derechos Humanos del Niño. Opinión Consultiva OC-17/02 de 28 de agosto de 2002.

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REFERÊNCIAS BALERA, Wagner. Comentários à declaração universal de direitos do homem. 2ª ed. São Paulo: Conceito Editorial, 2011. CARVALHO, Maria do Carmo Brant de (org.) A Família Contemporânea em Debate. São Paulo: EDUC / Cortez, 2002. COMPARATO, Fábio Konder. Afirmação Histórica dos Direitos Humanos. 8ª.ed. São Paulo: Saraiva, 2013. DIAS, Maria Berenice. Conversando sobre homoafetividade. Porto Alegre: Livr. do Advogado, 2004. ______. Filiação homoafetiva. In: CONGRESSO BRASILEIRO DE DIREITO DE FAMÍLIA, 4. 2003, Belo Horizonte, MG. Anais... Belo Horizonte: IBDFAM: Del Rey, 2004. ______. Homoafetividade: o que diz a justiça! as pioneiras decisões do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul que reconhecem direitos às uniões homossexuais. Porto Alegre: Livr. do Advogado, 2003. DOTTI, René A. Declaração universal dos direitos do homem e notas da legislação brasileira. Curitiba: J.M.Editora, 1999. KALOUSTIAN, Silvio (org.) - Família Brasileira, a base de tudo. 4.ed. São Paulo: Cortez; Brasília, UNICEF, 2000. LIMA, Alceu Amoroso. Os Direitos do Homem e o Homem sem Direitos. Rio de Janeiro: EDUCAM/ Editora Vozes, 1999. LIMA JÚNIOR, Jayme Benvenuto. Os direitos humanos econômicos, sociais e culturais. Rio de Janeiro: Renovar, 2001.

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ARTIGO 11º 1. Os Estados Partes do presente Pacto reconhecem o direito de toda pessoa a nível de vida adequado para si próprio e sua família, inclusive à alimentação, vestimenta e moradia adequadas, assim como a uma melhoria contínua de suas condições de vida. Os Estados Partes tomarão medidas apropriadas para assegurar a consecução desse direito, reconhecendo, nesse sentido, a importância essencial da cooperação internacional fundada no livre consentimento. 2. Os Estados Partes do presente pacto, reconhecendo o direito fundamental de toda pessoa de estar protegida contra a fome, adotarão, individualmente e mediante cooperação internacional, as medidas, inclusive programas concretos, que se façam necessárias para: a) melhorar os métodos de produção, conservação e distribuição de gêneros alimentícios pela plena utilização dos conhecimentos técnicos e científicos, pela difusão de princípios de educação nutricional e pelo aperfeiçoamento ou reforma dos regimes agrários, de maneira que se assegurem a exploração e a utilização mais eficazes dos recursos naturais;  b) Assegurar uma repartição eqüitativa dos recursos alimentícios mundiais em relação às necessidades, levando-se em conta os problemas tanto dos países importadores quanto dos exportadores de gêneros alimentícios. Marcelo Benacchio Doutor e Mestre pela PUC/SP. Pós-doutorando pela Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa. Professor Permanente do Programa de Mestrado em Direito da Universidade Nove de Julho (UNINOVE). Professor Convidado da Pós Graduação lato sensu da PUC/COGEAE e da Escola Paulista da Magistratura. Prof. Titular de Direito Civil da Faculdade de Direito de São Bernardo do Campo. Associado Fundador do Instituto de Direito Privado. Juiz de Direito em São Paulo.

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COMENTÁRIOS: A condição humana exige acesso a um mínimo de bens materiais para o desenvolvimento e vida digna de cada pessoa numa aproximação individual e de toda comunidade na perspectiva social. A concessão de liberdades negativas por meio dos direitos civis e políticos como fruto do marco histórico das Revoluções Inglesa e Francesa repercutiu na ascensão do individuo, todavia, a perda da proteção familiar, estamental ou religiosa, tornou-o muito mais vulnerável às vicissitudes da vida260. O modelo liberal de mercado não foi eficaz na distribuição igualitária de bens necessários ao mínimo existencial, havendo necessidade da atribuição dessa tarefa, principalmente261, ao Estado por meio dos direitos sociais, os quais, apesar de indispensáveis à dignidade humana, diversamente dos direitos civis e políticos, são escassos e custosos262. A necessidade dos direitos sociais comprova a afirmação de Bobbio263 – os homens não nascem nem livres e nem iguais – no sentido de ser imperiosa uma forma de correção do dado histórico e social das diferenças materiais entre os seres humanos decorrentes da sociedade na qual estão inseridos, permitindo iguais COMPARATO, Fábio Konder. A afirmação histórica dos direitos humanos. São Paulo: Saraiva, 2008, p. 53. 260 

  Os limites desse estudo não permitem desenvolvimento da indagação acerca dos sujeitos obrigadosa prestaros direitos humanos sociais. Temos que a tarefa cabe principalmente ao Estado, contudo não excluímos a prestação por particulares em razão da existência de poder social em mãos privadas no mundo atual em decorrência da organização econômica mundial. Desse modo, a ressalva efetuada refere-se a isso, recordando-se que no âmbito dos direitos fundamentais já existe forte corrente doutrinária no sentido de seu prestação por particulares, assim, também seria possível, a nosso ver, em algumas hipóteses, a vinculação dos particulares aos direitos humanos sociais. Nesse sentido, NASPOLINI SANCHES, S. H. D. F.; BENACCHIO, Marcelo. A efetivação dos Direitos Humanos Sociais no Espaço Privado. In: BAEZ, Narciso Leandro Xavier; BRANCO, Gerson Luiz Carlos; PORCIUNCULA, Marcelo. (Org.). A Problemática dos Direitos Humanos Fundamentais na América Latina e na Europa Desafios materiais e eficaciais. Joaçaba: UNOESC, 2012. 261

  Conforme NOVAIS, Jorge Reis: os direitos sociaisapresentam duas comuns e decisivas características: (i) o respectivo objeto de proteção respeita ao acesso individual a bens de natureza económica, social e cultural absolutamente indispensáveis a uma vida digna, mas (ii) com a particularidade de se tratar de bens escassos, custosos, a que os indivíduos só conseguem aceder se dispuserem, eles próprios, por si ou pelas instituições em que se integrem, de suficientes recursos financeiros ou se obtiverem ajuda ou as correspondentes prestações da parte do Estado (NOVAIS, Jorge Reis. Direitos sociais. Coimbra: Coimbra Editora, 2010, p. 41).

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  BOBBIO, Norberto. A era dos direitos. Rio de Janeiro: Campus, 1992, p. 118.

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possibilidades a todos e garantindo o mínimo para a existência digna de cada um. Noutra quadra, não é possível efetuar a divisão dos direitos humanos em negativos e positivos264 ou civis e políticos e sociais em virtude do caráter expansivo de indivisibilidade e interdependência e da ausência de hierarquia entre eles265.O direito humano (civil e político) à vida e o (direito humano social) à alimentação podem ser vistos como diferentes perspectivas de proteção do mesmo valor266. Um escravo bem alimentado, com excelente habitação e vestuário, como um miserável sem possibilidade de trabalho com absoluta garantia de liberdade e participação política, facilmente comprovam no plano fático a inviabilidade da divisão dos direitos humanos. O art. 11 do Pacto Internacional de Direitos Econômicos,Sociais e Culturais das Nações Unidas (PIDESC) reconhece – o direito de toda pessoa a nível de vida adequado para si próprio e sua família, inclusive à alimentação, vestimenta e moradia adequadas, assim como a uma melhoria contínua de suas condições de vida – portanto, estabelece o direito humano de todos (indivíduo e família) a uma vida digna, compreendida pelo direito à moradia, vestuário e alimentação compreendidos num processo de melhora constante na concretização da felicidade e paz de todos os seres humanos consoante sua igualdade e origem comum (natureza humana). O artigo em comento, do conjunto dos direitos sociais (trabalho, segurança social, saúde, educação, cultura, etc.), trata especificamente da alimentação, moradia e vestuário e sua influência direta na qualidade de vida, ou melhor, nessa parcela das necessidades humanas para uma vida digna. O art. 11 do PIDESC cria a obrigação de fazer da Comunidade Internacional, dos Estados e, na verdade, do conjunto dos seres humanos em conceder a qualquer humano a possibilidade de obter o necessário ao seu desenvolvimento, especificadamente no campo da alimentação, moradia e vestuário, observada a implementação contínua desses direitos na concretização da dignidade humana de todos. A dignidade humana em sentido coletivo reflete na afronta da dignidade   DONNELLY, Jack. Universal human rights. Ithaca: Cornell University Press, 2003, p. 30/31.

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265

  SILVEIRA, Vladmir Oliveira da; ROCASOLANO, Maria Mendez. Direitos Humanos: conceito, significados e funções. São Paulo: Saraiva, 2010, p. 233/235. TRINDADE, Antônio Augusto Cançado. Tratado de direito internacional dos direitos humanos. Porto Alegre: Sergio Antono Fabris, 2003, p. 445/453.   DONNELLY, Jack. Internacional human rights. Cambridge: Westview, 2007, p. 27.

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de qualquer ser humano pelo fato de outro igual (ser humano) estar privado de direitos humanos mínimos. Conforme María Méndez Rocasolano267 no século XXI cabe o acréscimo ao conceito de dignidade da pessoa humana da dignidade da humanidade como uma categoria integradora, relacional e atemporal que pretende ser expressão as reivindicações e exigências constantes do art. 1º da Declaração Universal dos Direitos Humanos. Enquanto houver fome, má alimentação ou condições precárias de moradia e vestuário a qualquer ser humano ocorrerá ofensa à dignidade humana daqueles que tenham acesso a esse direito em virtude da ligação existente entre todas as pessoas do planeta268. Há vários organismos internacionais e Estados com decisiva atuação na concretização desses direitos humanos sociais, conforme Flávia Piovesan269: Sob a ótica normativa internacional, está definitivamente superada a concepção de que os direitos sociais, econômicos e culturais não são direitos legais. A idéia da não-acionabilidade dos direitos sociais é meramente ideológica e não científica. São eles autênticos e verdadeiros direitos fundamentais, acionáveis, exigíveis e demandam séria e responsável observância. Por isso, devem ser reivindicados como direitos e não como caridade, generosidade ou compaixão. Os direitos humanos ora em exame (alimentação, moradia e vestuário) são protegidos no plano internacional, regional270 e nacional. No âmbito   ROCASOLANO, María Mendez. Versión actual de dignidad de la persona: um nuevo paradigma para losderechos humanos em época de crisis. In: BAEZ, Narciso Leandro Xavier; BRANCO, Gerson Luiz; PORCIUNCULA, Marcelo. A problemática dos direitos humanos fundamentais na américa latina e na europa. Joaçaba: Unoesc, 2012, p. 128.

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  Na aproximação entre a interdependência de da dignidade humana dos indivíduos, consulte-se SAYEG, Ricardo; BALERA, Wagner. O capitalismo humanista. Petrópolis: KBR, 2011; e também BALERA, Wagner. A dignidade da pessoa e o mínimo existencial. In: MIRANDA, Jorge; MARQUES DA SILVA, Marco Antonio. Tratado luso-brasileiro da dignidade humana. São Paulo: QuartierLatin, 2008. 268

PIOVESAN, Flávia. Dignidade humana e proteção dos direitos sociais nos planos global, regional e local. In: MIRANDA, Jorge; MARQUES DA SILVA, Marco Antonio. Tratado luso-brasileiro da dignidade humana. São Paulo: Quartier Latin, 2008, p. 400.

269 

270  O fenômeno de regionalização dos direitos humanos não os enfraquece, pelo contrário, permite a difusão da prática dos direitos, bem com a legitimação de particulares visões de mundo que poderia desconhecer a finalidade última dos direitos humanos: tutelar a dignidade humana. O regionalismo ao 184

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internacional os principais documentos são a Declaração Universal de Direitos Humanos de 1948que em seus artigos XXII e seguintes tratou dos direitos sociais e, especificadamente dos direitos em estudo em seu art. XXV, n. 1271e o art. art. 11 do PIDESC. No âmbito regional destaca-se a Convenção Americana de Direitos Humanos, cujo art. 26272 tratou dos direitos sociais de forma genérica273. Na esfera nacional os direitos sociais constantes do art. 11 do PIDESC são previstos como direitos fundamentais pela Constituição da República (art. 1º, inc. III, art. 3º, inc. III, IV e art. 6º). DIREITO HUMANO À ALIMENTAÇÃO ADEQUADA Todo ser humano necessita de alimentos em quantidades suficientes para sua manutenção e desenvolvimento, porquanto a insuficiência alimentar pode comprometer a vida ou, no mínimo, afetar a saúde. De acordo com Fábio Konder Comparato - O direito de se alimentar suficientemente faz parte do núcleo essencial dos direitos humanos, pois representa mera extensão do direito à vida274. reconhecer o valor ontológico da pessoa humana e de sua dignidade reforça a vocação universal dos direitos humanos, tornando concreta sua proteção (PISANÒ, Attilio. I dirittiumani come fenomeno cosmopolita. Milano: Giuffrè, 2011, p. 54/56).   O art. XXV, n. 1 da Declaração Universal de Direitos Humanos tem a seguinte redação: Todo ser humano tem direito a um padrão de vida capaz de assegurar-lhe, e a sua família, saúde e bem-estar, inclusive alimentação, vestuário, habitação, cuidados médicos e os serviços sociais indispensáveis, e direito à segurança em caso de desemprego, doença, invalidez, viuvez, velhice ou outros casos de perda dos meios de subsistência em circunstâncias fora de seu controle.

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272 

O artigo 26 tem a seguinte redação: Desenvolvimento progressivo - Os Estados Partes comprometem-se a adotar as providências, tanto no âmbito interno, como mediante cooperação internacional, especialmente econômica e técnica, a fim de conseguir progressivamente a plena efetividade dos direitos que decorrem das normas econômicas, sociais e sobre educação, ciência e cultura, constantes da Carta da Organização dos Estados Americanos, reformada pelo Protocolo de Buenos Aires, na medida dos recursos disponíveis, por via legislativa ou por outros meios apropriados.

273   Não obstante, os direitos sociais sofreram maior desenvolvimento e normatização específica em virtude do Protocolo Adicional à Convenção aprovado em 1988 pela Assembleia Geral da Organização dos Estados Americanos que entrou em vigor em 16 de novembro de 1999 e foi ratificado pelo Brasil em 05 de outubro de 2006 sem reservas. Esse protocolo adicional é chamado de Protocolo de San Salvador em virtude da reunião ter sido realizada naquela cidade (WEIS, Carlos. Direitos humanos contemporâneos. São Paulo: Malheiros, 2012, p. 147/151). 274 

Op. cit., p. 355. 185

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Integra o direito humano à alimentação adequada (DHAA) a garantia de produção suficiente e perene (segurança alimentar). Havendo produção o DHAA passa a tratar do acesso de todos aos alimentos por meios próprios ou prestações de organismos internacionais, estatais ou de órgãos não estatais. Quando a totalidade dos seres humanos individualmente ou em grupo têm acesso físico e econômico à alimentação adequada (calorias, proteínas e outros nutrientes) ou meios para sua obtenção em conformidade as suas condições culturais, climáticas e ecológicas, há o cumprimento do mandamento contido no art. 11 do PIDESC. Noutra quadra, o direito humano a alimentação adequada também pode ser compreendido sob a ótica do descumprimento (carência alimentar) em dois prismas: (i) seu desrespeito absoluto repercutindo na fome e a inobservância relativa redundando na subnutrição. Havendo fome e desnutrição ocorre violação do direito humano à alimentação adequada. As causas da fome e da desnutrição não podem ser apenas atribuídas apenas às guerras e catástrofes naturais, fundamentalmente estão ligadas à injustiça social, exclusão política, econômica e descriminação, milhões de seres humanos tem seu direito à alimentação adequada violada em razão de fatores sociais, destarte, é possível evitá-los por meio da atuação da comunidade internacional. Conforme Jean Ziegler há alimento suficiente no mundo para alimentar a população mundial, assim as mortes por fome ou desnutrição não são uma questão de destino, mas de decisão humana275. O problema não reside na falta de alimento, mas no acesso a ele. A fome e a desnutrição não residem apenas na produção de alimentos e na expansão agrícola, mas, sobretudo com a ação das disposições políticas e sociais que podem influenciar, direta ou indiretamente, o potencial das pessoas para adquirir alimentos e obter saúde e nutrição276. A Organização das Nações Unidas para a Alimentação e Agricultura (FAO) constatou a presença de aproximadamente 870 milhões de pessoas em estado de desnutrição no mundo no período de 2010-2012, o que representa 12,5%   KENT, George. Freedom from want: the human right to adequate food. Washington: Georgetown University Press, 2005, p. xv. 275

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da população mundial, uma em cada oito pessoas é subnutrida. A maior parte encontra-se em países em desenvolvimento – 852 milhões de pessoas277. Neste início de século, a fome e a desnutrição permanecem como um problema preocupante para a comunidade internacional, privando milhões de pessoas de uma vida de completo bem estar e felicidade. A fome e a desnutrição são a negação dos direitos humanos, contrariam a moral e a solidariedade impondo a pobreza, cuja antítese é o desenvolvimento, o qual é obtido por meio da garantia de um nível de vida adequado278. O direito humano à alimentação adequada, contido no art. 11 do PIDECS, é o acesso físico e econômico, de forma permanente, à alimentação ou aos meios suficientes à sua obtenção. Afora casos extremos de fomes coletivas e hipossuficiência de pessoas em condição de pobreza, o direito humano à alimentação adequada deve ser compreendido como o direito à possibilidade de acesso à alimentação pelos seres humanos de forma individual ou coletiva mais que o direito a ser alimentado. Alimentar-se é um ato cultural, familiar e festivo279, portanto, o direito à alimentação adequada não pode ser reduzido à dimensão econômica (acesso à renda), alimentar (acesso a alimentos) ou biológica (estado nutricional), a alimentação está ligada historicamente a identidade cultural de cada povo ou grupo 277   FAO, WFP and IFAD. 2012. The State of Food Insecurity in the World 2012.Economic growth is necessary but not sufficient to accelerate reduction of hunger and malnutrition. Rome, FAO, p. 08/09.

  RISTER, Carla Abrantkoski. Direito ao desenvolvimento: antecedentes, significados e consequências. Rio de Janeiro: Renovar, 2007, p. 339 e ss.

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279   Irio Luiz Conticomenta esse aspecto da seguinte forma: O alimento gradualmente adquire sua dimensão humana à medida que é transformado em gente saudável e cidadã, gente bem alimentada e nutrida, gente que se torna sujeito de direitos. E este ato de alimentar-se, nesta perspectiva, é muito ligado à cultura, à família, aos amigos e aos momentos festivos e celebrativos. Alimentar-se na companhia de familiares, amigos e parentes, inclusive saboreando pratos típicos e regionais, é também um ato cultural e social que reconstitui continuamente o sentido da existência e a identidade humana. Por isso, não é de se estranhar que com tanta frequência Jesus Cristo tenha realizado grande parte de seus atos ao redor de mesas ou na relva, mas tendo as pessoas e os alimentos na centralidade. Pois, o ser humano não vive somente para comer, nem é apenas resultante de uma combinação de vitaminas, proteínas e sais minerais. Ele, ao possuir as condições econômicas de acesso aos alimentos, e as condições socioculturais de ingeri-los adequadamente, cria e recria continuamente as condições de sua sociabilidade e de sua existência. Gente sã é gente que se faz nas relações. Desse modo, a fome de comida e a fome de beleza se complementam na concepção de nutrição e alimentação humana adequada e integradora da pessoa humana (CONTI, Irio Luiz. Segurança Alimentar e Nutricional:noções básicas. Passo Fundo: Ifipe, 2009, p. 23).

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social enquanto expressão da própria condição humana280. O direito humano à alimentação adequada não se limita à ingestão de um mínimo de calorias ou nutrientes necessários, mas na integração e indivisibilidade do conjunto dos direitos humanos na garantia das condições sociais e de liberdade, obviamente, uma criança que se alimenta de alimentados jogados no lixo não tem seus direitos humanos garantidos281. O Comitê sobre Direitos Econômicos, Sociais e Culturais (CDESC) das Nações Unidas282 tratou do direito à alimentação em seu Comentário Geral n. 12, de 12 de maio de 1999, assim, fixou como elemento essencial ao direito humano à alimentação adequada dois fatores: (i) a disponibilidade do alimento, em quantidade e qualidade suficiente para satisfazer as necessidades alimentares das pessoas e, (ii) o acesso à comida de forma sustentável. Desenvolvendo esse pensamento podemos afirmar que o direito humano à alimentação adequada é a disponibilidade de alimentos, em quantidade e qualidade suficientes à satisfação das necessidades de nutrientes nas etapas do ciclo de vida em conformidade ao gênero, ocupação e hábitos alimentares de cada ser humano, bem como no acesso aos alimentos de forma sustentável e sem interferir no exercício de outros direitos humanos. No Comentário Geral n. 12 o CDESC igualmente estabeleceu aos Estados Partes as obrigações de respeitar, proteger e satisfazer o direito humano à alimentação adequada. Assim, a obrigação de respeitar impede a adoção de quaisquer medidas que bloqueiem o acesso à alimentação; a obrigação de proteger encerra o dever de assegurar que empresas ou indivíduos não privem as pessoas do acesso à alimentação; a obrigação de satisfazer trata de dois aspectos: (i) o Estado deve promover ações destinadas a fortalecer e garantir o acesso das pessoas aos recursos e meios para alimentação, bem como, (ii) sempre que o individuo ou grupo   VALENTE, Flávio Luiz Schieck.Fome, desnutrição e cidadania: inclusão social e direitos humanos. Revista Saúde e Sociedade v.12, n.1, p.51-60, jan-jun 2003, p. 53.

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  VALENTE, Flávio Luiz Schieck, op. cit.

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O Comitê sobre Direitos Econômicos, Sociais e Culturais é um corpo de especialistas independentes, criado pela Resolução ECO-SOC-1985/17, de 28.5.1985, voltado ao monitoramento da implementação do Pacto Internacional de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais pelos Estados Partes. (...) O comitê publica, ainda, seus Comentários Gerais sobre a interpretação das normas de direitos humanos relacionadas aos direitos econômicos, sociais e culturais (WEIS, Carlos. op. cit., p. 122/123).

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esteja impossibilitado, por razões fora de seu controle, do acesso à alimentação adequada, o Estado tem obrigação de satisfazer esse direito diretamente. A comunidade internacional por meio do PIDESC obriga os Estados a uma atuação negativa de forma a não adotar medidas que possam comprometer o direito à alimentação adequada e, principalmente, a obrigações positivas referentes à garantia da realização desse direito, inclusive como prestação estatal diante de casos involuntários de fome ou desnutrição. O direito humano a alimentação encerra um direito humano a ser efetivado e não uma opção política dos Estados a ser realizada ou não, considerada sua dinamogenesis283. O direito humano à alimentação adequada atinge todos os seres humanos de forma indistinta nas localidades nas quais há problemas tanto de disponibilidade como de acesso à comida, entretanto, há grupos de pessoas em situação de maior exposição à fome ou subnutrição a exemplo das crianças, idosos, portadores de deficiência, mulheres e grupos étnicos, essa a razão da previsão da proteção do direito à alimentação adequada para esses grupos nos documentos internacionais específicos e respectivos organismos internacionais284.   O conceito é de SILVEIRA, Vladmir Oliveira da; ROCASOLANO, Maria Mendez, op. cit., p. 184/202, significando o fato dos direitos humanos serem objeto de lutas diante do poder estabelecido, daí sua proteção e efetivação por meio do Direito.

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  Osvaldo Ferreira de Carvalhocomenta essa situação da seguinte forma:Destacam–se alguns instrumentos internacionais (declarações, pactos e convenções) de inegável importância, a saber: além da Declaração Universal dos Direitos Humanos (1948) e do Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais (1966), tem-se a Declaração das Nações Unidas dos Direitos dos Portadores de Deficiência (1975) que proclamou o tema da alimentação como direito. Nas previsões da Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra as Mulheres (1979), na Declaração sobre o Direito ao Desenvolvimento (1986) que assegurou o direito à alimentação. A Declaração dos Direitos da Criança (1959) e a Convenção das Nações Unidas sobre os Direitos da Criança (1989) reconheceram o direito de toda a criança ter um padrão de vida adequado ao seu desenvolvimento físico, mental, espiritual, moral e social. A Convenção nº 169 da Organização Internacional do Trabalho (1989) concernente aos povos e às tribos indígenas em países, também proclama o direito à alimentação. Outras reuniões, documentos e cúpulas internacionais também trataram do tema: Conferência Mundial sobre Alimentação (1974), Declaração de Princípios e Programas de Ação da Conferência Mundial sobre Reforma Agrária e Desenvolvimento Rural (1979), Conferência Internacional sobre Nutrição (1992), Declaração e Programa de Ação de Viena da Conferência Mundial sobre Direitos Humanos (1993), Declaração e Programa de Ação da Cúpula Mundial para o Desenvolvimento Social–Copenhague (1995), Conferência de Pequim sobre a Mulher (1995), Declaração de Roma sobre Segurança Alimentar e o Plano de Ação da Cúpula Mundial de Alimentação (1996) e a Declaração do Milênio das Nações Unidas (2000). No plano regional tem–se o Protoco de San Salvador, protocolo adicional à Convenção Americana sobre Direitos Humanos (1969), que no art. 12 estabelece que “todos têm direito à adequada nutrição que garanta possibilidade de gozar do maior

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O direito à alimentação está intimamente ligado à ideia de sustentabilidade285 por implicar no acesso aos alimentos para presente e futuras gerações, além disso, a disponibilidade e o acesso à alimentação devem ser contínuos e perenes. A agricultura industrial que produza grandes quantidades de alimentos, mas agride o meio ambiente e limite o acesso a eles em razão de altos custos, finalidade única de exportação, não é sustentável por não eliminar a fome e a subnutrição. A FAO tem estimulado a produção de alimentos de forma local e sustentável como meio de garantir o direito humano à alimentação adequada e afastar a pobreza, conforme suas previsões, a demanda mundial por alimentos deverá aumentar em 60% até 2050286. Considerados os desafios gerados pelas mudanças climáticas, finitude dos recursos naturais e exigências concorrentes, a exemplo da produção de biocombustíveis, será necessário um enorme esforço para alimentar adequadamente todos os seres humanos, havendo grande importância dos pequenos agricultores na produção de alimentos, afastando a fome e subnutrição – causas diretas da pobreza – e permitindo o desenvolvimento sustentável das comunidades e dos países. No Brasil, o valor constitucional do direito à alimentação adequada consta do art. 6º da Constituição Federal com a redação dada pela Emenda Constitucional n. 64, de 2010, sendo concretizado desde a edição da lei n. 11.346/2006 que criou o Sistema Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (SISAN)287em nível de desenvolvimento físico, emocional e intelectual”. Por sua vez, no espaço eurocomunitário tem–se a Carta Social Europeia que foi revista em 1996(O direito fundamental à alimentação e sua proteção jurídico–internacional.Revista de Direito Público, Londrina, v. 7, n. 2, p. 181-224, p. 201).   A expressão sustentabilidade é utilizada aqui de forma ampla em sua compreensão multidimensional. A respeito consulte-se FREITAS, Juarez. Sustentabilidade: Direito ao futuro. Belo Horizonte: Fórum, 2011.

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286  FAO, WFP and IFAD. 2012. The State of Food Insecurity in the World 2012.Economic growth is necessary but not sufficient to accelerate reduction of hunger and malnutrition. Rome, FAO, p. 30. 287  Os artigos 2º caput e 3º da lei n. 11.346/2006, estabelecem: Art. 2o A alimentação adequada é direito fundamental do ser humano, inerente à dignidade da pessoa humana e indispensável à realização dos direitos consagrados na Constituição Federal, devendo o poder público adotar as políticas e ações que se façam necessárias para promover e garantir a segurança alimentar e nutricional da população. Art. 3o A segurança alimentar e nutricional consiste na realização do direito de todos ao acesso regular e permanente a alimentos de qualidade, em quantidade suficiente, sem comprometer o acesso a outras necessidades essenciais, tendo como base práticas alimentares promotoras de saúde que respeitem a diversidade cultural e que sejam ambiental, cultural, econômica e socialmente sustentáveis.

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conformidade aos ditames da Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948 e do PIDESC de 1966. Diante disso, no plano interno o direito humano à alimentação adequada é um direito fundamental em conexão direta com a dignidade da pessoa humana, atraindo todo sistema de proteção e eficácia dos direitos fundamentais288. DIREITO À HABITAÇÃO OU MORADIA ADEQUADA Qualquer ser humano necessita de um espaço físico com necessárias adequações para realização de sua dignidade e pleno exercício de seus direitos humanos. É preciso uma morada, uma habitação, uma casa, um local para a intimidade, o restabelecimento das forças e tantas outras providências basilares da condição humana. Essa situação é compreendida como o direito humano à moradia ou habitação adequada. O direito humano à moradia é um direito social em sua dimensão positiva sendo informado pelo princípio da solidariedade, da igualdade material e do Estado Social, na dimensão negativa é relacionado com os direitos de liberdade, de igualdade formal e do Estado de Direito. O direito humano à moradia é autônomo, todavia, no relacionamento com os direitos sociais aproxima-se do direito à saúde (habitação livre de doenças), ao passo que nos direitos de liberdade há destaque ao direito de propriedade289290. O direito humano à habitação não se resume numa casa, num teto, tem maior amplitude, compreendendo um lugar seguro para viver possibilitando qualidade geral de vida ao ser humano de maneira a preservar sua dignidade, saúde mental e física e desenvolvimento pessoal. Abarca ainda a proteção contra ameaças 288   Acerca da noção e efetivação dos direitos fundamentais, entre muitos, consulte-se SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2006.

  MAZUR, Maurício. A cultura de direitos humanos no tratamento do direito à habitação na áfrica do sul. In: ALEXANDRINO, José Melo. Os direitos humanos em áfrica. Coimbra: Coimbra, 2011, p. 318.

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  Cumpre ressaltar que o direito humano à habitação não implica necessariamente na existência de propriedade (imóvel próprio), sendo possível a habitação por meio de posse legítima, a exemplo de locação, aluguel social, concessão de áreas pelo Estado para moradia e outros institutos diversos da propriedade, mas voltados ao exercício do direito de moradia adequada. 290

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externas, meio ambiente sadio, infraestrutura adequadas às necessidades de moradia a custo acessível, proximidade com o local de trabalho, espaço adequado, lazer e serviços públicos; enfim um lugar no qual se possa viver em paz e na plenitude do gozo dos direitos humanos. Diante disso, o direito humano à habitação é considerado de forma universal uma necessidade básica de qualquer pessoa, devendo ser garantido e assegurado a todos. Os Estados devem proteger e auxiliar os mais necessitados no acesso a moradia digna que possibilite a efetivação dos demais direitos humanos, um homem com direitos políticos, mas sem moradia, tem seus direitos básicos da pessoa humana vulnerados. O direito humano à habitação é um direito de todos, não obstante, por todo planeta, sobretudo nos países de menor grau de desenvolvimento econômico e social, vemos a constante violação desse direito. O direito humano à habitação está intimamente ligado a um conjunto de outros direitos humanos, por exemplo, o direito à saúde (moradia com saneamento básico, águia, luz, etc.), não discriminação (livre escolha do local de habitação) e trabalho (facilidade de acesso). O Comitê de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais das Nações Unidas (CDESC) tratou dos parâmetros para avaliação da adequação e cumprimento dos ditames do direito humano à habitaçãoadequada em seu Comentário Geral n. 4, de 12 de dezembro de 1991, fixando como aspectos essenciais desse direito, os seguintes parâmetros: (i) segurança legal da ocupação, (ii) disponibilidade de serviços, materiais, equipamentos e infraestrutura (iii) acessibilidade, (iv) habitabilidade, (v) facilidade de acesso, (vi) localização e (vii) respeito pelo meio cultural. Passamos a tratar de cada um desses aspectos em conformidade à compreensão contida no referido comentário geral do CDESC. A segurança legal da ocupação ou segurança jurídica da posse envolve a razão jurídica pela qual a pessoa está na a posse do local de moradia, podendo decorrer de uma relação jurídica de direito público ou privado, a exemplo de propriedade, locação, condomínio, ocupação social concedida pelo Estado, alojamento de emergência e ocupação precária, entre outras, assim, caberá proteção da ocupação 192

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(posse) contra o desapossamento indevido, garantindo segurança ao ocupante e sua família contra agressões externas. Além disso, os Estados deverão realizar atos concretos para a regularização legal das ocupações, garantindo habitação a todos por meio da concessão de títulos jurídicos garantidores da segurança legal da ocupação. A disponibilidade de serviços, materiais, equipamentos e infraestrutura encerra que a habitação tenha acesso às estruturas de serviços essenciais para saúde, segurança, transporte, serviços de saneamento e fornecimento de água e luz ou, conforme a localidade, acesso permanente a recursos naturais e comuns, a exemplo de água potável e energia para cozinhar. A acessibilidade ou gastos suportáveis refere-se à paridade dos custos financeiros da manutenção da habitação com o nível de renda do morador ou grupo familiar de maneira a não comprometer a satisfação de outras necessidades básicas. Compete ainda intervenção do Estado para subsidiar esses custos aos que não disponham de rendimentos econômicos suficientes, bem como criar modelos de crédito para financiar a construção e aquisição de moradias para as pessoas hipossuficientes economicamente e garantir disponibilidade de acesso a materiais naturais nas sociedades que os utilizem como bens de construção. A habitabilidade trata do aspecto da moradia propiciar proteção às intempéries climáticas (frio, umidade, calor, chuva) e permitir o desenvolvimento saudável de seus moradores, livres de doenças, redundando na melhora da expectativa de vida e exclusão da mortalidade em decorrência da condição de insuficiência do local de moradia. Facilidade de acesso envolve ações no sentido de permitir a todos a possibilidade de aquisição da habitação com segurança jurídica, cabendo ao Estado criar meios para que as pessoas em situação de hipossuficiência, como idosos, crianças, portadores de deficiência, enfermos graves e os situados em áreas de risco tenham prioridade de acesso à habitação. Localização, a habitação deve estar situada em lugar com possibilidade de acesso ao fundamental para uma vida digna, ou seja, proximidade ao local de emprego, serviços de saúde, estabelecimentos escolares, excluindo longos e custosos deslocamentos; além disso, a habitação não deve estar situada em locais poluídos ou insalubres. 193

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O respeito pelo meio cultural ou a adequação cultural trata da conformação da arquitetura, materiais de construção à identidade e diversidade cultural dos moradores. A modernização da construção não pode sacrificar as características sociais do modo de vida das pessoas, observada, entretanto, a disponibilização de equipamentos técnicos modernos. O direito humano à habitação adequada é um ponto crítico na atualidade ante as dificuldades no estabelecimento de seus parâmetros, sobretudo no aspecto da propriedade privada, pois, apesar do reconhecimento de que regulamentação do direito à moradia não pode ser deixada inteiramente ao jogo das forças do mercado 291, bem como da moderna compreensão da função social da propriedade estabelecer também deveres ao proprietário292, há respeitável corrente doutrinária no sentido da impossibilidade da contribuição dos particulares na efetivação do direito humano à moradia adequada293. Outra importante proteção do direito humano à habitação adequada foi objeto do Comentário Geral n. 7, de 20 de maio de 1997 do Comitê de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais das Nações Unidas, o qual considerou a desocupação forçada ou despejo forçado uma violação aos direitos humanos, fixando metas para a proteção do direito de habitação nessa hipótese. A desocupação forçada é o afastamento de pessoas, famílias ou comunidades de forma compulsória, contra a vontade dos ocupantes, de suas casas, terras ou localidades onde vivem com ou sem participação direta do Estado. Envolve a movimentação de várias pessoas com a retirada de determinado lugar em decorrência de renovação urbana, guerras, conflitos sociais, medidas de proteção ao meio ambiente e produção de energia a exemplo da formação de lagos para hidrelétricas ou criação de zonas industriais, muita vezes em decorrência do processo de globalização. Os mais pobres são vítimas comuns dos despejos forçados, obrigando-os   A afirmação constou num julgado da Corte Europeia dos Direitos Humanos de caso decidido em 1986, citado por CANÇADO TRINDADE, Antônio Augusto, op. cit., p. 479. 291

  COMPARATO, Fábio Konder, op. cit., p. 355.

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  MAZUR, Maurício, op. cit., p. 328, ressalta essa impossibilidade como se observa do seguinte extrato: Mas em nome da função social da propriedade não é legítimo obrigar os proprietários a sub-rogarem-se ao Estado no cumprimento de suas incumbências infungíveis sobre direito à habitação. Não obstante, logo a frente em seu texto flexibiliza esse entendimento, pugnando pela possibilidade do auxílio dos particulares de forma subsidiária e mediante critérios de equidade e proporcionalidade.

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a modificação de seus hábitos e rompendo a identificação com o local; isso gera insegurança nessas pessoas que são desalojadas de suas posses e demoram anos para se inserirem em nova localidade em conformidade a seu modo de vida. As reurbanizações, revitalizações de centros urbanos comumente atingem essas pessoas que são sacrificadas em favor da expansão das cidades ou exploração econômica de áreas rurais, inclusive por meio de instrumentos jurídicos lícitos, a exemplo da desapropriação. Desse modo, compete aos Estados medidas para impedir o desapossamento forçado em respeito à condição humana dos moradores ou, na necessidade disso, assegurar aos despejados acomodações condizentes com sua condição cultural e garantia de sustento próprio. Mesmo nas relações de cunho privado caberá ao Estado proteção do direito à habitação adequada por meio da concessão de moradia alternativa ao despejado e sua família apesar da licitude da desocupação294. No Brasil o direito humano à habitação adequada está previsto no art. 6º da Constituição Federal e também na legislação ordinária, a exemplo das leis n. 11.977/2009 e 12.424/2011 que estabelecem o acesso à habitação e a regularização fundiária por meio do Programa Minha Casa, Minha Vida (PMCMV). DIREITO HUMANO À VESTIMENTA ADEQUADA E MELHORIA CONTÍNUA DE SUAS CONDIÇÕES DE VIDA Todo ser humano utiliza vestimentas em proximidade à sua cultura, assim o vestuário adequado é um dos aspectos da dignidade humana, sendo conforme ao mínimo existencial a possibilidade de qualquer pessoa estar adequadamente trajada. O Direito humano à vestimenta adequada deve observar a localidade na qual a pessoa vive consoante necessidade de proteção ao frio ou em conformidade a climas com temperaturas elevadas. Igualmente devem ser considerados aspectos culturais do vestuário não sendo possível a imposição de uma forma de se vestir universal, bem como sexo, idade e outras peculiaridades que determinam a maneira de cada pessoa quanto ao seu vestuário.  MAZUR, Maurício. op. cit., p. 327.

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Outro elemento importante é a consideração da crença religiosa e sua influência na maneira de se vestir a exemplo a utilização de burcas por mulheres e outras particularidades de cada religião na conformidade de seus ritos. Cabe aos Estados dar condições de acesso a esse direito a todos e socorrer os necessitados por meio de prestações diretas, especialmente em situações de emergência decorrentes de catástrofes naturais, guerras e problemas sociais. A melhoria contínua das condições de vida foi objeto de uma interpretação restritiva no sentido das previsões do PIDESC encerram normas de conteúdo programático sujeitas à reserva do possível295, porquanto, diversamente dos direitos civis e políticos que não têm custos e são autoaplicáveis, os direitos sociais demandariam a necessidade de recursos296. Não nos parece razoável esse compreensão por contrária à melhora das condições de vida do ser humano, podendo ser tomada como justificativa para uma inação ou implementação dos direitos sociais com tamanha letargia que impossibilitaria sua efetivação na conformidade do conteúdo normativo do PIDESC. A melhoria contínua das condições de vida deve ser considerada como a efetivação do PIDESC de maneira progressiva e efetiva por meio da adoção de políticas públicas que priorizem o ser humano e não outros interesses como acumulação de riqueza em favor de pessoas que não sofrem carências. Por óbvio não é possível ignorar as possibilidades concretas, sobretudo econômicas, entretanto, deve haver um comprometimento do Estado com os direitos sociais que devem prevalecer sobre outros interesses não ligados diretamente à 295  A expressão “reserva do possível” é utilizada no sentido dos limites econômicos para efetivação dos direitos sociais, implicando na não realização de alguns desses direitos por força de limites orçamentários (SARLET, Ingo Wolfgang. op. cit., p. 298/303). 296 

MONTEIRO, Arthur Maximus, comenta essa questão nos seguintes termos: A nosso ver, pode-se dizer que a categorização de prestações econômicas, sociais e culturais em direitos é algo anômalo. Há mesmo quem defenda que “a noção de direitos sociais é uma contradição em termos”. Isto porque as prestações econômicas, sociais e culturais são aquelas que estariam disponíveis a toda e qualquer pessoa, se concorrerem duas condições: primeira, houvesse disponibilidade suficiente de bens no mercado; segunda, os cidadãos dispusessem de meios financeiros bastantes para usufruir essas prestações por suas próprias forças. No entanto, como nem sempre tais condições estão presentes, o sistema político procura responder juridicamente a um problema que é, essencialmente, econômico (Lugar e natureza jurídica dos direitos econômicos, sociais e culturais na carta africana dos direitos do homem e dos povos. In: ALEXANDRINO, José Melo. Os direitos humanos em áfrica. Coimbra: Coimbra, 2011, p. 31).

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condição humana297. Da obrigação de melhora progressiva e contínua decorre a cláusula de proibição do retrocesso social no sentido da impossibilidade dos Estados reduzirem as políticas públicas destinadas à garantia da concretização contínua dos direitos sociais298.

297  Exemplificativo do valor referido – prioridade política – acima do econômico são as seguintes considerações de BRANCO, Manuel Couret: Se durante os momentos mais dramáticos, e de maior peso na restrição orçamental, da história recente do Reino Unido foi possível intensificar a solidariedade social com uma melhoria substancial de alguns dos direitos económicos e sociais, como se poderá argumentar, hoje, que tal constitui um luxo? O argumento de que a segurança social, que foi possível providenciar em tempo de guerra e de grande privação, constituiria, em tempo de paz e de inigualável prosperidade, um luxo sem o qual os cidadãos teriam de se resignar a viver doravante, não só não é fundamentado como é simplesmente um absurdo, vide um ultraje (Economia política dos direitos humanos: os direitos humanos na era dos mercados. Lisboa, Sílabo, 2012, p. 138).

 PIOVESAN, Flávia. Direitos humanos e o direito constitucional internacional. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 180/181. Apesar do entendimento que externamos, há posições em sentido diverso admitindo o retrocesso. Nesse sentido a compreensão de CABRITA, Isabel: Mais, a realização dos direitos sociais é necessariamente flexível porque o Estado nem sempre pode garantir determinadas prestações de modo estável. Dizer que a realização é flexível significa que poderá haver retrocesso nos direitos sociais, o que se compreende dada a sua dependência de recursos financeiros. A realização dos direitos sociais implica elevados custos financeiros para o Estado. Logo, em tempos de crise não se pode exigir o mesmo que em “tempos de vacas gordas” (Direitos humanos: um conceito em movimento. Coimbra: Almedina, 2011, p. 170).

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materiais e eficaciais. Joaçaba: UNOESC, 2012. NOVAIS, Jorge Reis. Direitos sociais. Coimbra: Coimbra Editora, 2010. PIOVESAN, Flávia. Dignidade humana e proteção dos direitos sociais nos planos global, regional e local. In: MIRANDA, Jorge; MARQUES DA SILVA, Marco Antonio. Tratado luso-brasileiro da dignidade humana. São Paulo: Quartier Latin, 2008, p. 400. PIOVESAN, Flávia. Direitos humanos e o direito constitucional internacional. São Paulo: Saraiva, 2009. PISANÒ, Attilio. I dirittiumani come fenomeno cosmopolita. Milano: Giuffrè, 2011. RISTER, Carla Abrantkoski. Direito ao desenvolvimento: antecedentes, significados e consequências. Rio de Janeiro: Renovar, 2007. ROCASOLANO, María Mendez. Versión actual de dignidad de la persona: um nuevo paradigma para los derechos humanos em época de crisis. In: BAEZ, Narciso Leandro Xavier; BRANCO, Gerson Luiz; PORCIUNCULA, Marcelo. A problemática dos direitos humanos fundamentais na América Latina e na Europa. Joaçaba: Unoesc, 2012, p. 128. SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2006. SAYEG, Ricardo; BALERA, Wagner. O capitalismo humanista. Petrópolis: KBR, 2011. SEN, Amartya. Desenvolvimento como liberdade. São Paulo: Companhia das Letras, 2005. SILVEIRA, Vladmir Oliveira da; ROCASOLANO, Maria Mendez. Direitos Humanos: conceito, significados e funções. São Paulo: Saraiva, 2010. TRINDADE, Antônio Augusto Cançado. Tratado de direito internacional dos direitos humanos. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris, 2003, v. I. VALENTE, Flávio Luiz Schieck. Fome, desnutrição e cidadania: inclusão social e direitos humanos. Revista Saúde e Sociedade v.12, n.1, p.51-60, jan-jun 2003. WEIS, Carlos. Direitos humanos contemporâneos. São Paulo: Malheiros, 2012.

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ARTIGO 12º 1. Os Estados Partes no presente Pacto reconhecem o direito de toda pessoa de desfrutar o mais elevado nível de saúde física e mental. 2. As medidas que os Estados Partes no presente Pacto deverão adotar, com o fim de assegurar o pleno exercício desse direito, incluirão as medidas que se façam necessárias para assegurar: a) A diminuição da mortinatalidade e da mortalidade infantil, bem como o desenvolvimento são das crianças. b) A melhoria de todos os aspectos de higiene do trabalho e do meio ambiente. c) A prevenção e o tratamento das doenças epidêmicas, endêmicas, profissionais e outras, bem como a luta contra essas doenças. d) A criação de condições que assegurem a todos assistência médica e serviços médicos em caso de enfermidade. Maria Stella Gregori Mestre em Direito das Relações Sociais pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo - PUC/SP - Professora nas disciplinas de Direito do Consumidor e de Direitos Humanos da PUC/SP - Foi Diretora da Agência Nacional de Saúde Suplementar - ANS - Advogada. COMENTÁRIOS: O presente artigo tem por finalidade comentar o art. 12 do Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, que dispõe sobre o direito de toda a pessoa de desfrutar o mais elevado nível de saúde física e mental, isto é, o direito à saúde, e qual o seu impacto no ordenamento jurídico brasileiro, à luz da Constituição Federal de 1988. Para atender este propósito, inicialmente, é necessário entender o que significam Direitos Humanos e como eles foram inseridos na ordem jurídica internacional. Dalmo Dallari nos ensina que são “uma forma abreviada de mencionar os direitos fundamentais da pessoa humana. Esses direitos são considerados fundamentais por que sem eles a pessoa humana não consegue existir ou não é capaz de se desenvolver e de participar plenamente da vida”.299 299 

DALLARI, Dalmo de Abreu. Direitos Humanos e Cidadania. São Paulo: Moderna, 1998, p.7. 201

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Os direitos humanos são, portanto, os direitos fundamentais de todas as pessoas, inerentes à condição humana. Todos os seres humanos nascem livres e iguais em direitos e dignidade. Essa noção é centenária, mas ao longo da história ela é renovada e ampliada até a Conferência Mundial de Direitos Humanos, realizada pela ONU, em Viena, em 1993, em que foram adotados a Declaração e o Programa de Ação de Viena, que reafirmam todos os propósitos e princípios enunciados na Carta das Nações Unidas e na Declaração Universal dos Direitos Humanos e deixam mais fortalecidas a concepção de que os direitos humanos são universais, indivisíveis, interdependentes e inter-relacionados. Essa Declaração determinou, também, que os Estados-membros das Nações Unidas deveriam promover e proteger todos os direitos humanos e elaborar programas nacionais de direitos humanos. No decorrer da história pode-se tratar dos direitos humanos dividindoos em quatro gerações. Os direitos humanos de primeira geração correspondem aos direitos civis e políticos; os de segunda geração correspondem aos direitos econômicos, sociais e culturais; os de terceira geração correspondem aos direitos difusos e coletivos; e os de quarta geração, aos direitos ligados a biogenética. Portanto, a idéia dos direitos humanos engloba tanto os direitos que se referem a valores de liberdade, de igualdade, de fraternidade ou solidariedade, como os valores sociais, econômicos e culturais e os de contemporaneidade. Depois do impacto das atrocidades cometidas após a Segunda Guerra Mundial (1939-1945), os direitos humanos tornaram-se uma preocupação internacional. Foi criada a Organização das Nações Unidas – ONU, com o intuito de assegurar a paz e a segurança internacional, e foi adotada, em 10 de dezembro de 1948, a Declaração Universal dos Direitos Humanos, pela Assembléia Geral da ONU. Essa Declaração, espécie de Bíblia moderna dos direitos humanos, resgata os ideais eternos de liberdade, igualdade e fraternidade, promove o reconhecimento universal dos direitos humanos e das liberdades fundamentais, e delineia tanto os direitos civis e políticos (arts. 3º a 21), como os direitos sociais, econômicos e culturais (arts. 22 a 28). A Declaração Universal de Direitos Humanos não tem caráter vinculante e obrigatório, tendo apenas valor moral, mas os Estados signatários se comprometeram a respeitar os direitos declarados e a maioria deles foram 202

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incorporados nas Constituições dos países. A Declaração Universal inclui, em seu art. XXV, o direito à saúde, ao preconizar, que toda pessoa tem direito a um padrão de vida capaz de assegurar a si e à sua família saúde e bem-estar. Nesse dispositivo abrange o direito à alimentação, ao vestuário, à habitação, aos cuidados médicos e aos serviços sociais indispensáveis para a sua promoção; incorporando, também, o direito à segurança, em caso de desemprego, doença, invalidez, viuvez, velhice ou em outros que levem à perda de meios de subsistência próprios. Além disso, enfatiza o direito a cuidados e assistência especiais à maternidade e a infância, determinando o direito universal de igual proteção social a todas as crianças, nascidas dentro ou fora do casamento, (art. 25).300 Nesse diapasão, foram estabelecidos padrões básicos sociais, indispensáveis a todos os cidadãos. A ONU para dar força jurídica, vinculante e obrigatória à Declaração Universal, após longa discussão, entendeu que ela deveria ser juridicizada sob a forma de tratado internacional, e em 16 de dezembro de 1966301, aprovou dois Pactos Internacionais de Direitos Humanos distintos: o de direitos civis e políticos e o de direitos econômicos, sociais e culturais. Ambos incorporaram os dispositivos da Declaração Universal, mas ampliaram o rol dos direitos previstos, e entraram em vigor em 3 de janeiro de 1976, quando alcançaram, entre os países filiados à ONU, o número de ratificações necessárias. Com a elaboração desses dois Pactos e com a Declaração Universal de 1948 se forma a Carta Internacional dos Direitos Humanos, International Bill of Rights, que inaugura o Sistema Global de Proteção dos Direitos Humanos. O Sistema Global vem sendo ampliado, gradativamente, com a adoção de várias convenções referentes a assuntos específicos, como: o genocídio, a tortura, a discriminação racial, a discriminação contra as mulheres, os direitos das crianças, proteção dos direitos de todos os migrantes e membros de suas famílias e os direitos das pessoas com deficiência. O Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos estabelece direitos   Brasil, Ministério da Justiça, Secretaria de Estado dos Direitos Humanos. Direitos humanos no cotidiano. 2. ed. Brasília: Ministério da Justiça/Secretaria de Estado dos Direitos Humanos, 2001. p. 272.

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  Adotados pela Resolução nº 2.200-A da Assembléia Geral das Nações Unidas

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aos indivíduos e são auto-aplicáveis, isto é, devem ser assegurados efetivamente pelo Estado, enquanto o Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais estabelece deveres aos Estados e são programáticos, isto é, estão condicionados à atuação do Estado, que deve adotar medidas com vistas a alcançar progressivamente a implementação dos direitos. O Pacto dos Direitos Civis e Políticos institui o Comitê de Direitos Humanos como órgão de monitoramento, já o Pacto dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais não criou um Comitê próprio, mas em 28 de maio de 1985, foi criado o Comitê de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais pelo Conselho Econômico e Social das Nações Unidas, para supervisionar a aplicação deste Pacto por seus Estados Partes. Com a adoção do Protocolo Facultativo do Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, em 10 de dezembro de 2008, tal Comitê passa a ter competência para receber e apreciar as comunicações. Tanto os direitos civis e políticos como os direitos econômicos, sociais e culturais dispõem da sistemática de implementação e monitoramento dos direitos que contemplam e contam com os mecanismos das petições individuais, das medidas de urgência, das comunicações interestatais e admitem investigações in loco, em caso de graves violações a direitos políticos, civis, econômicos, sociais e culturais por um Estado Parte. Os Estados Partes devem encaminhar relatórios contendo as medidas adotadas e as dificuldades encontradas no processo de implementação. O Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais apresenta um rol de direitos, que inclui o direito ao trabalho e à justa remuneração, o direito a formar e associar-se a sindicatos, o direito a um nível de vida adequado, o direito à moradia, o direito à educação, o direito à previdência social, o direito à saúde e o direito à participação na vida cultural da comunidade. O referido Pacto prevê a obrigação de adotar medidas imediatas e outras de implementação progressiva, mas o efetivo cumprimento dessas regras vai depender das peculiaridades, econômicas, sociais e ambientais de cada Estado Parte, isto é, de sua sustentabilidade. Flávia Piovesan302 comenta, apropriadamente, que:   PIOVESAN. Flávia. Direitos humanos e o direito constitucional internacional. 13. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2012. p. 242.

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[...] o intuito desse Pacto foi permitir a adoção de uma linguagem de direitos que implicasse obrigações no plano internacional, mediante a sistemática da international accountability. Isto é, como outros tratados internacionais, esse Pacto criou obrigações legais aos Estados partes, ensejando responsabilização internacional em caso de violação dos direitos que enuncia. (g.n.) O direito à saúde está expresso em seu artigo 12. A palavra saúde303 se origina do latim salute, que significa “salvação, conservação da vida, cura, bem-estar” e, preservando este sentido, o conceito de saúde, segundo definição apresentada pela Organização Mundial de Saúde,304 “é um estado de completo bemestar físico, mental e social e não apenas a ausência da doença ou enfermidade”. Fato humano decorrente do funcionamento da biologia humana, a saúde se insere, pois, como direito humano no regramento jurídico da sociedade como um direito social. O Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, em seu art. 12, parágrafo 1º, dispõe que é dever de todo Estado Parte reconhecer que toda pessoa tem o direito de desfrutar o mais elevado nível de saúde física e mental. Ele, portanto, determina que é dever de todo Estado, signatário deste tratado, reconhecer que toda a pessoa humana deve ter assegurado o direito à saúde. Isto é, o completo bem-estar físico, mental e social e não apenas a ausência da doença ou enfermidade. Já o seu parágrafo 2º do art. 12 elenca, de forma exemplificativa, quais as medidas que os Estados Partes deverão adotar, como fim de assegurar o pleno exercício desse direito, a saber: i) a diminuição da mortinatalidade e da mortalidade infantil, bem como o desenvolvimento são das crianças, isto quer dizer, que obriga o Estado a cuidar da saúde da mãe e da criança, tanto no pré como no pós-natal; ii) a melhoria de todos os aspectos de higiene do trabalho e do meio ambiente, pressupõe medidas de prevenção a acidentes de trabalho e respeito ao meio ambiente; iii) a prevenção e o tratamento das doenças epidêmicas, endêmicas, profissionais e outras, bem como a luta contra essas doenças, estabelece que o   Enciclopédia mirador internacional. São Paulo: Enciclopédia Britannica do Brasil Publicações, 1975. v. 18. p. 10.271. 303

304 

Preâmbulo da Constituição da Organização Mundial de Saúde de 1946. Disponível em: http:// www. who.int. 205

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Estado invista em programas de prevenção à doenças e promoção à saúde e, iv) a criação de condições que assegurem a todos assistência médica e serviços médicos em caso de enfermidade, ou seja, impõe medidas que garantam acesso igual a todos, proibindo qualquer tipo de discriminação. Dessa forma, o direito à saúde foi trazido à ordem internacional de proteção aos direitos humanos como direito social e dever de todo Estado Parte garantir a qualquer ser humano o direito a ser saudável, com exemplos de medidas que os Estados devem adotar para garantir plenamente esse direito. Para reforçar o cumprimento dos normativos de proteção aos direitos humanos as Nações Unidas, em 2000, na virada do século, aprovaram a Declaração do Milênio, que estabeleceu oito305 Objetivos de Desenvolvimento do Milênio, entre eles, três tratam, especificamente, sobre saúde, previstos, expressamente, no Pacto Internacional de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais: reduzir a mortalidade infantil, melhorar a saúde das gestantes e combater a AIDS, a malária e outras doenças. Esses objetivos devem ser alcançados por todos Estados Partes, até o ano de 2015. Eles são concretos e mensuráveis e contam com 22 metas e 48 indicadores, que podem ser acompanhados por todos em cada país, verificando se houve ou não avanços. O Brasil306, somente, ratificou o Pacto Internacional de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais em 24 de janeiro de 1992, quando já estava submetido à Constituição Federal, de 5 de outubro de 1988, a qual inaugurou uma nova era no país, ao recolocá-lo no plano democrático. A Constituição Federal de 1988, conhecida como Constituição Cidadã, é a primeira Constituição brasileira a institucionalizar o princípio da prevalência dos direitos humanos, como princípio fundamental a reger o Estado nas relações internacionais, conforme seu art. art. 4.º, II. Esse princípio faz com que haja uma integração entre o direito internacional e o direito interno quanto à proteção da pessoa humana. Essa integração foi reconfirmada e reforçada pela aprovação   Erradicar a extrema pobreza e a fome; Atingir o ensino básico universal; Promover a igualdade entre os sexos e a autonomia das mulheres; Reduzir a mortalidade infantil; Melhorar a saúde materna; Combater o HIV/Aids, a malária e outras doenças; Garantir a sustentabilidade ambiental; Estabelecer uma Parceria Mundial para o Desenvolvimento. 305

306   O Brasil, também, ratificou o Pacto de Internacional de Direitos Civis e Políticos, em 24 de janeiro de 1992.

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da Emenda Constitucional n. 45, de 08.12.2004, que amplia o rol de direitos consagrados ao adicionar o § 3.º ao art. 5.º, que dispõe, in verbis: Os tratados e convenções internacionais sobre direitos humanos que forem aprovados, em cada Casa do Congresso Nacional, em dois turnos, por três quintos dos votos dos respectivos membros, serão equivalentes às emendas constitucionais. No que diz respeito à saúde, a Carta constitucional de 1988 foi bastante arrojada ao recepcionar os ditames do art. XXV da Declaração Universal dos Direitos Humanos, ao elencar o direito à saúde dentre o rol dos direitos sociais em seu art. 6º, CF/88307, mas foi além, ao ampliar os horizontes de cobertura dos riscos sociais, como forma de conquista do bem-estar coletivo. Tais direitos fundamentais são tidos como uma cesta mínima indispensável para que a pessoa humana possa viver em condição de dignidade. A saúde tomou parte da definição de seguridade social, em seu art. 194, CF/88, como “um conjunto integrado de ações de iniciativa dos Poderes Públicos e da sociedade, destinadas a assegurar os direitos relativos á saúde, à previdência e à assistência social”. Saúde é, pois, um direito social básico, fundada nos princípios da universalidade, equidade e integralidade. Segundo o art. 196, CF/88 saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos, e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação. Nesse sentido, a política estatal na área de saúde deve proporcionar o acesso a todos, propiciando a redução de desigualdades e não podendo criar quaisquer distinções entre os brasileiros. A Constituição trata as ações e serviços de saúde com o enfoque do bem estar social, definindo claramente que o sistema que adotou envolve tanto a participação do setor público como da iniciativa privada na assistência à saúde. A prestação dos serviços pode se dar pelo Estado diretamente ou através da iniciativa 307 

Art. 6º da CF/88. “São direitos sociais a educação, a saúde, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição”. 207

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privada, conforme o art. 199, CF/88, não havendo, portanto monopólio estatal nesse setor. No entanto, dada à sua relevância pública, as ações e serviços de saúde devem ser regulamentados, fiscalizados e controlados pelo Poder Público, segundo o art. 197, CF/88. O sistema de saúde brasileiro se caracteriza por seu hibridismo, sendo marcante a interação entre os serviços públicos e a oferta privada na conformação da prestação de serviços de assistência à saúde, dando origem a dois subsistemas. De um lado está o subsistema público, que incorpora, a rede própria e a conveniada/ contratada ao Sistema Único de Saúde - SUS e, de outro, está o subsistema privado que agrupa a rede privada de serviços de assistência à saúde e a cobertura de risco pelas operadoras de planos de assistência à saúde. Esse modelo deve levar em conta que a questão da saúde não pode ser vista isoladamente, mas associada a políticas públicas de saneamento, alimentação, transporte, ambiental, emprego e lazer. O sistema público de saúde, no Brasil, é prestado através do SUS, consolidado na CF/88 e normatizado pelas leis 8.080, de 19 de setembro de 1990 – Lei Orgânica da Saúde, e 8.142, de 28 de dezembro de 1990, que dispõe sobre a participação da comunidade na gestão do SUS e o sistema de transferência de recursos financeiros, capitaneado pelo Ministério da Saúde. Já o sistema privado de saúde engloba a prestação direta dos serviços por profissionais e estabelecimentos de saúde ou a intermediação dos serviços, mediante a cobertura dos riscos da assistência à saúde pelas operadoras de planos de assistência à saúde. Portanto, quando o Brasil ratificou o Pacto Internacional de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, o seu dispositivo que trata sobre o direito à saúde, já estava incorporado à ordem jurídica nacional. No entanto, com a sua ratificação o Brasil assume a obrigação de além de garantir o direito à saúde a todos os brasileiros e estrangeiros residentes no país, também, adotar as medidas por ele estabelecidas, que também foram corroboradas com a sua assinatura à Declaração do Milênio. O Brasil para atender aos ditames dos Tratados Internacionais de Direitos Humanos, respeitando sua Carta Constitucional, estabeleceu uma Política Nacional de Direitos Humanos, após 1996, como política de Estado e não de governo, o que significa que o interesse geral deve estar acima de motivações partidárias ou 208

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eleitorais, ao elaborar o Programa Nacional de Direitos Humanos - PNDH308, que no momento, encontra-se em sua terceira versão, adotado através do Dec. nº 7.037, de 21 de dezembro de 2009, alterado pelo Decreto, de 13 de janeiro de 2010, inclui tanto os direitos civis e políticos como os direitos econômicos, sociais, culturais e ambientais. O programa representa carta de intenção e recomendação, que serve de orientação para pautar as ações do governo e da sociedade, pelos três Poderes, nas três esferas do Estado. Mas isso não significa dizer que suas diretrizes são autoaplicáveis, elas dependem de ações legislativas ou providências executivas para serem implementadas para sua efetivação. Dentre os eixos orientadores, do PNDH III309 encontra-se como objetivo estratégico a ampliação do acesso universal a um sistema de saúde de qualidade. Essas considerações servem de apoio para nos permitir concluir que o Brasil conta com instrumentos jurídicos adequados de respeito aos direitos humanos no que tange à saúde, no entanto, há um hiato em relação à ordem normativa e sua implementação. O Brasil mesmo sendo um país muito desigual em questões econômicas e sociais, atualmente, está em rota acelerada de desenvolvimento. Situa-se entre os países mais importantes do planeta, tem apresentado marcante crescimento econômico, redução dos índices de desemprego e das diferenças entre classes sociais. No tocante à saúde, também, se encontra em situação semelhante aos demais países. O sistema de saúde público atende cerca de 75% da população, enquanto que 25% da população é atendida pelo sistema privado de saúde. As despesas com saúde no Brasil, segundo dados do IBGE de 2011, são de 8,4% do PIB (produto interno bruto), sendo 3,7% do setor público e 4,7% do setor privado, o que demonstra baixo investimento para o setor. Os principais problemas na área da saúde referem-se, ao envelhecimento da população, somada a uma expectativa positiva de vida mais longa, com custos assistenciais subindo rapidamente em função da vertiginosa incorporação de 308   Programa Nacional de Direitos Humanos – PNDH, 1ª versão instituída pelo Dec. nº 1.904, de 13 de maio de 1996, com maior ênfase aos direitos civis; a 2ª versão adotada por meio do Dec. nº 4.229, de 13 de maio de 2005, que incluiu os direitos econômicos, sociais e culturais e ambientais.

  Conforme Eixo Orientador III, Diretriz 7, Objetivo Estratégico IV, do PNDH III.

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novas tecnologias, levando-se em conta que os recursos são finitos, a oferta dos serviços prestados é muito menor do que a demanda, e as informações não são compartilhadas entre todos os fornecedores de serviços e os seus usuários, sendo freqüentes os conflitos entre os atores do setor. Assim como, problemas de infraestrutura, de saneamento básico e ambientais, que refletem, diretamente, na saúde da população. Nesse diapasão, para alcançar o tão almejado direito de toda pessoa humana desfrutar do mais elevado nível de saúde física, mental e social com qualidade, respeitando a sua dignidade e, conseqüente, construção de um sistema de saúde equilibrado e justo, há, ainda, um longo caminho a percorrer. O Brasil tem feito muito, mas ainda é incapaz de garantir, eficazmente, saúde com qualidade para todos, portanto, é imprescindível que se faça muito mais. Na realidade, faz-se necessária uma mudança de paradigma com participação, o envolvimento e o diálogo de todos os atores do setor de saúde do Brasil: o Poder Público, os prestadores de serviços, os profissionais e a sociedade civil, que deverão agir, imediatamente, levando em conta a transparência, os valores e os princípios éticos, no sentido de assegurar a todos, brasileiros e estrangeiros residentes no país, o pleno direito fundamental à saúde.

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REFERÊNCIAS Brasil, Ministério da Justiça, Secretaria de Estado dos Direitos Humanos. Direitos humanos no cotidiano. 2. ed. Brasília: Ministério da Justiça/Secretaria de Estado dos Direitos Humanos, 2001. Comparato, Fábio Konder. A afirmação histórica dos direitos humanos. 5. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2007. CONSTITUIÇÃO da Organização Mundial de Saúde de 1946. Disponível em: http://www. who.int. DALLARI, Dalmo de Abreu. Direitos Humanos e Cidadania. São Paulo: Moderna, 1998. Enciclopédia mirador internacional. São Paulo: Enciclopédia Britannica do Brasil Publicações, 1975. v. 18. GREGORI, Maria Stella. Planos de Saúde: a ótica do consumidor. 3. ed. ver., atual e ampl. São Paulo: RT, 2011. Piovesan, Flávia. Direitos humanos e o direito constitucional internacional. 13. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2012. _______________. Coordenação geral. Código de direito internacional dos direitos humanos anotado. São Paulo: DPJ Editora, 2008.

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ARTIGO 13º 1. Os Estados Partes no presente Pacto reconhecem o direito de toda pessoa à educação. Concordam em que a educação deverá visar ao pleno desenvolvimento da personalidade humana e do sentido de sua dignidade e a fortalecer o respeito pelos direitos humanos e liberdades fundamentais. Concordam ainda que a educação deverá capacitar todas as pessoas a participar efetivamente de uma sociedade livre, favorecer a compreensão, a tolerância e a amizade entre todas as nações e entre todos os grupos raciais, étnicos ou religiosos e promover as atividades das Nações Unidas em prol da manutenção da paz. 2. Os Estados Partes no presente Pacto reconhecem que, com o objetivo de assegurar o pleno exercício desse direito: a) A educação primária deverá ser obrigatória e acessível gratuitamente a todos. b) A educação secundária em suas diferentes formas, inclusive a educação secundária técnica e profissional, deverá ser generalizada e tornar-se acessível a todos, por todos os meios apropriados e, principalmente, pela implementação progressiva do ensino gratuito. c) A educação de nível superior deverá igualmente tornar-se acessível a todos, com base na capacidade de cada um, por todos os meios apropriados e, principalmente, pela implementação progressiva do ensino gratuito. d) Dever-se-á fomentar e intensificar, na medida do possível, a educação de base para aquelas pessoas que não receberam educação primária ou não concluíram o ciclo completo de educação primária. e) Será preciso prosseguir ativamente o desenvolvimento de uma rede escolar em todos os níveis de ensino, implementar-se um sistema adequado de bolsas de estudo e melhorar continuamente as condições materiais do corpo docente. 3. Os Estados Partes no presente Pacto comprometem-se a respeitar a liberdade dos pais e, quando for o caso, dos tutores legais, de escolher para seus filhos escolas distintas daquelas criadas pelas autoridades públicas, sempre que atendam aos padrões mínimos de ensino prescritos ou aprovados pelo Estado, e de fazer com que seus filhos venham a receber educação religiosa ou moral que esteja de acordo com suas próprias convicções. 4. Nenhuma das disposições do presente artigo poderá ser interpretada no sentido de restringir a liberdade de indivíduos e de entidades de criar e dirigir instituições de ensino, desde que respeitados os princípios enunciados no parágrafo 1 do presente artigo e que essas instituições observem os padrões mínimos prescritos pelo Estado. Rogério Gesta Leal Professor do PPGD da Universidade de Santa Cruz do Sul, doutor em Direito (UFSC). Desembargador do Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul. 213

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Clovis Gorczevski Doutor em direito (Universidad de Burgos, 2001), pós-doutor em direito (CAPES – Universidad de Sevilla, 2007), pós-doutor (CAPES – Fundación Carolina – Universidad de La Laguna, 2010). Professor do PPGD da Universidade de Santa Cruz do Sul – UNISC. Advogado. COMENTÁRIOS: O reconhecimento da importância da educação para a formação do indivíduo – consequentemente para a formação do grupo social - remonta as primeiras sociedades politicamente organizadas. Ao se criarem segmentos privilegiados, a educação passa a ser dirigida à formação das classes dominantes – educados para conquistar, governar e dirigir. A ideia de popularizar a educação, levando-a a todas as camadas sociais inicia a partir do século XVI, período em que a sociedade europeia vive profundas transformações pois os fatos atropelavam o modelo vigente provocando profundas alterações sociais e culturais: a ruptura da unidade religiosa pela Reforma, o descobrimento do Novo Mundo, o auge de uma nova ciência e de um novo método de conhecimento, o desenvolvimento do primeiro capitalismo, o desenvolvimento do comércio e da indústria, a ascensão da burguesia, a queda do feudalismo, o surgimento do Estado Moderno, etc.310 É neste momento de grandes transformações que a educação vai ocupar papel de destaque no interesse e na preocupação de intelectuais e políticos, que passam a considerá-la como a ferramenta única para se transformar a natureza humana no sujeito exigido pelos novos tempos. A nova sociedade seria aquela em que as luzes da razão se acenderiam em cada indivíduo a fim de que pudesse usufruir da igualdade de oportunidades e colhesse os frutos do seu próprio mérito;311 “se a boa natureza original do ser humano foi corrompida pela sociedade, a regeneração dependerá de uma profunda reforma educacional”.312   PISÓN, José Martínez de. El Derecho a la educación y la libertad de enseñanza. Madrid: Dykinson. 2003. p. 15.

310

  FERRARI, Marcio. “A Pedagogia começa na Grécia antiga”. In Nova Escola. Revista do Professor. Edição Especial Grandes Pensadores. São Paulo: Abril. s/d p. 7.

311

  ROUSSEAU, Jean-Jacques. Emilio ou Da Educação. Tradução de Sérgio Milliet. 3ª ed. Rio de

312

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Assim, depositaram na educação boa parte da sua esperança na construção de um novo mundo e deram ensejo a um discurso pedagógico, paternalista e bem intencionado, que ainda hoje ocorre. É com o iluminismo que começam os mais profundos questionamentos sobre uma nova educação e a luta por sua universalização. Dentre suas propostas pedagógicas bem como a formulação de uma nova utopia social e política, merece destaque a contribuição do pensamento de Locke – para quem “Os homens são bons ou maus, úteis ou inúteis, graças a sua educação” e a quem se atribui o lema saber é poder; de Rousseau – que pregava uma educação de retorno à natureza, preocupado com a educação que põe a criança em contato com os vícios e a hipocrisia da sociedade apresenta a primeira teoria global sobre o papel da educação na concretização de uma utopia social e política para o ressurgimento da natureza humana in natura; de Gaetano Filangieri – que em sua obra Scienza dela Legislazione (1785) defendia a necessidade de uma educação pública e laica, advogando que: O homem nasce na ignorância, mas não no erro. Todas as falsas opiniões de seu espírito são adquiridas ... Há que se evitar o erro na idade infantil, que é a ansiedade e a debilidade da razão ... Unicamente uma educação regulada pela lei pode produzir esse efeito. Isso exige uma educação não inspirada pela religião nem pela Igreja, isto é, não pela ética privada. Ante a pluralidade de religiões a educação deve ter o maior zelo possível para prevenir o fanatismo e as falsas ideias de moral que poderiam nascer das falsas ideias de religião.313 Não podemos também nos olvidar de Voltaire e de sua postura radical de critica a censura e de defesa da liberdade de pensamento. Acreditava na transformação da sociedade pela razão, pelas ciências e pelo conhecimento, motivo pelo qual criticava e rechaçava os dogmas, principalmente os da Igreja Católica assim como tecia contumazes críticas às instituições francesas. De Chalotais – que pregava uma educação ativa na formação do cidadão. Em sua obra Ensaios sobre a Educação Nacional (1763) pregava a secularização Janeiro: Bertrand Brasil. 1995. 313   Apud PECES-BARBA, Gregorio. Educación para la Ciudadanía y Derechos Humanos. Madrid: Espasa. 2007. P. 101.

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da educação, retirando-a da Igreja e entregando-a a responsabilidade do Estado. Sem esgotar o longo rol dos pensadores, também merecem destaque D’Alambert – defensor de uma educação útil à sociedade; Genovesi – que destacava serem os homens “aquilo que se tornaram por educação”; Schiller – que defendia a educação do homem como forma de melhorar a sociedade; Basedow – que sugeriu a mesma educação estatal para crianças de religião judaica, protestante e católica, por possuírem a mesma “essência”; Gozzi – defendendo a passagem das escolas privadas para o Estado e a modificação de seus objetivos para formar cidadãos, e tantos outros. Como ensina Pisón por certo que a educação já era objeto de preocupação por parte das autoridades políticas – inclusive, com o surgimento do Estado Moderno, as monarquias europeias começam a ver a educação como um instrumento político e surge, ainda que incipiente, a ideia de uma educação nacional. Então, a partir da segunda metade do século XVIII em virtude do início dos impulsos revolucionários, surgirá a oportunidade do seu reconhecimento jurídico. Produzir-se-á, pois, a passagem da discussão teórica para o mundo do Direito, ainda que seu status jurídico seja objeto de polêmica durante todo o século XIX, pois o direito à educação não terá o mesmo tratamento, nem caráter, que os outros direitos e liberdades, prontamente reconhecidos nas Declarações que ocorreram. Ocorre que o direito à educação não pertence à primeira geração de direitos, mas alcançará seu reconhecimento nos direitos econômicos, sociais e culturais.314 A própria Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, fruto da Revolução Francesa, ao assegurar a igualdade, liberdade em seu mais amplo sentido, suprimir privilégios e fundar as bases do Estado Moderno, ainda que expresse em seu Art. 11º que “A livre comunicação dos pensamentos e opiniões é um dos direitos mais preciosos do homem: todo cidadão pode, portanto, falar, escrever, imprimir livremente...”, omitiu-se quanto à educação como direito. Também na Declaração do Bom Povo da Virgínia, e na Declaração de Independência Americana, que expressam mensagens de natureza política, econômica e cultural, inspirada na teoria lockeana dos direitos naturais, e na ideia do contrato social, reconhecendo além da legitimidade da soberania popular,   PISÓN, José Martínez de. El Derecho a la educación y la libertad de enseñanza. Madrid: Dykinson. 2003. p. 27. 314

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a existência de direitos inerentes a todo ser humano, independentemente das diferenças de sexo, raça, cultura ou posição social, não há manifestação quanto à educação como direito. As primeiras manifestações constitucionais reconhecendo a educação como direito, vão ocorrer na constituição Mexicana de 1917 e na Alemã de 1919. Contudo, a criação de sistemas públicos de educação, extensivos a todas as camadas sociais e sua determinação de obrigatoriedade somente vai ocorrer com o surgimento do Estado social, principalmente à partir da Segunda Guerra Mundial quando os Estados, principalmente os mais desenvolvidos, começam a destinar um elevado percentual dos investimentos públicos para cobrir os gastos com a educação, cumprindo assim este compromisso social. A DECLARAÇÃO UNIVERSAL DOS DIREITOS DO HOMEM No âmbito internacional, a questão da educação como um direito vai surgir pela primeira vez na DUDH. Inicialmente, já em seu preâmbulo, convoca “cada indivíduo e cada órgão da sociedade” para que, tendo sempre em mente a Declaração, se esforcem, através do ensino e da educação, por promover o respeito aos direitos e liberdades ali previstos. A seguir no Artigo XXVI expressa que: 1. Toda pessoa tem direito à instrução. A instrução será gratuita, pelo menos nos graus elementares e fundamentais. A instrução elementar será obrigatória. A instrução técnico-profissional será acessível a todos, bem como a instrução superior, esta baseada no mérito. 2. A instrução será orientada no sentido do pleno desenvolvimento da personalidade humana e do fortalecimento do respeito pelos direitos humanos e pelas liberdades fundamentais. A instrução promoverá a compreensão, a tolerância e a amizade entre todas as nações e grupos raciais ou religiosos, e coadjuvará as atividades das Nações Unidas em prol da manutenção da paz.  3. Os pais têm prioridade de direito na escolha do gênero de instrução que será ministrada a seus filhos. Ademais, deverá a educação promover a compreensão, a tolerância e a amizade entre as nações e grupos raciais ou religiosos, em prol da manutenção

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da paz. Contudo, como sabemos a Declaração, por si só, não tem força cogente, pois que adotada através de uma Resolução da Assembleia Geral, que nos termos do artigo 13 da Carta das Nações Unidas, possui competência para fazer recomendações.315 Neste sentido Rezek é taxativo: “A Declaração Universal dos Direitos do Homem não é um tratado, e por isso seus dispositivos não constituem exatamente uma obrigação jurídica para cada um dos Estados representados na Assembleia Geral quando, sem qualquer voto contrário, adotou-se o respectivo texto sob a forma de uma resolução da Assembleia”.316 Igual é o entendimento de Castillo: “do ponto de vista formal, enquanto resolução da Assembleia Geral, a Declaração não é um instrumento juridicamente vinculante”.317 Verdross também lembra que a Assembleia Geral das Nações Unidas “não possui, a princípio, competência legislativa”.318 Assim também assevera Comparato: “Tecnicamente, a Declaração Universal dos Direitos do Homem é uma recomendação que a Assembleia Geral das Nações Unidas faz aos seus membros (Carta das Nações Unidas, artigo 10). Nestas condições, costuma-se sustentar que o documento não tem força vinculante”.319 Vale ainda lembrar que a Declaração não foi aprovada nem ratificada como tratado internacional pelos distintos Estados, de acordo com seus mecanismos constitucionais, pelo qual se obrigariam legalmente. OS PACTOS DA ONU Enquanto a Declaração Universal dos Direitos do Homem era somente uma Declaração, sem meios para torná-la exigível, a Comissão de Direitos   Nos termos do artigo 13, inciso 1 da Carta da ONU, a Assembleia Geral tem competência para “iniciar estudos e fazer recomendações destinados a: b) ............ favorecer o pleno gozo dos direitos humanos e das liberdades fundamentais…” 315

316 

REZEK, José Francisco. Curso Elementar de Direito Internacional Público. São Paulo: Saraiva. 1995. p. 224.   CASTILLO, Mireya Derecho Internacional de los Derechos Humanos. Valenvia: Tirant lo blanch. 2003, p. 54.

317

  VERDROSS, Alfred. Derecho Internacional Público, Madrid: Aguilar. 1961. p. 443.

318

  O próprio autor declara que reconhece-se hoje, em toda parte que a vigência dos Direitos Humanos independe de sua declaração em constituições, leis e tratados internacionais, exatamente porque se está diante de exigências de respeito a dignidade humana, exercidas contra todos os poderes estabelecidos, oficiais ou não. COMPARATO. Fábio Konder. A Afirmação Histórica dos Direitos Humanos. 3 ed. São Paulo: Saraiva. 2003. p. 223/224. 319

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Humanos, iniciou, ainda em 1949 a preparação de Pactos, a serem elaborados em forma de Convenções Internacionais. Apresentou, em 1954, dois anteprojetos de Pactos que tratavam separadamente dos direitos, um Pacto contendo os direitos civis e políticos e outro com os direitos econômicos, sociais e culturais. A elaboração de dois pactos e não apenas um, esclarece Azevedo320, foi ditada pelo predomínio da opinião segundo a qual os direitos civis e políticos poderiam ser assegurados de imediato, enquanto que os direitos econômicos, sociais e culturais, por dependem da execução de programas de ação estatal, ficariam condicionados as possibilidades materiais de cada Estado que os implantariam progressivamente.321 Para Castillo, pode-se afirmar que a distinção entre direitos civis e políticos e direitos econômicos, sociais e culturais, foi o resultado de uma decisão política dos Estados, que decidiram identificá-los de um ou de outro modo e agregálos em um ou noutro Pacto.322 Assim, em 16 de dezembro de 1966, a Assembleia Geral aprovou o texto dos dois documentos – Resolução 2.200A. Os Pactos possuem disposições em comum, a começar por seus preâmbulos onde reafirmam os princípios da Carta da ONU, mas merece destaque a diferença entre ambos no tocante as obrigações impostas, como consequência lógica da distinta natureza dos direitos reconhecidos. Enquanto o Pacto de Direitos Civis e Políticos impõe obrigações automáticas, assumindo o Estado o dever de reconhecer e garantir imediatamente os direitos nele previstos, o Pacto de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, define direitos cujo gozo só se garante no horizonte. Neste Pacto os Estados unicamente assumem o compromisso de “adotar medidas tanto por esforço próprio como pela assistência e cooperação internacionais, principalmente nos planos econômico e técnico, até o máximo de seus recursos disponíveis, que visem a assegurar, progressivamente, por todos os meios apropriados, o pleno exercício dos direitos reconhecidos no presente Pacto, incluindo, em particular, a adoção   AZEVEDO, Ivo Sefton de. Direito Internacional Público. Porto Alegre: Livraria do Advogado. 1980. p. 47.

320

  Pacto Internacional sobre Direitos Econômicos, Sociais e Culturais. Artigo 2°, alínea 1.

321

  CASTILLO, Mireya. Derecho Internacional de los Derechos Humanos. Op. Cit. p. 56

322

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de medidas legislativas”. Ainda assim Velasco entende que a adoção dos Pactos constitui uma mudança qualitativa no tratamento dos Direitos Humanos, já que se trata de instrumentos convencionais que impõem obrigações jurídicas diretamente vinculantes para os Estados Partes.323 PACTO INTERNACIONAL SOBRE DIREITOS ECONÔMICOS SOCIAIS E CULTURAIS Em 03 de janeiro de 1976, entra em vigor o Pacto Internacional sobre Direitos Econômicos, Sociais e Culturais324 e nele estão basicamente discriminados os direitos já previstos nos artigos 22 a 27 da Declaração Universal dos Direitos do Homem. O Pacto admite que o Estado Parte possa estabelecer limitações ao gozo destes direitos, mas somente “na medida compatível com a natureza desses direitos e exclusivamente com o objetivo de favorecer o bem-estar geral em uma sociedade democrática”. Por outro lado, devem os Estados apresentar relatórios “sobre as medidas que tenham adotado e sobre o progresso realizado com o objetivo de assegurar a observância dos direitos reconhecidos no Pacto”. Os relatórios são enviados ao Secretário-Geral da ONU, o qual enviará cópias dos mesmos ao Conselho Econômico e Social para exame. Como se verifica, o Pacto Internacional sobre Direitos Econômicos, Sociais e Políticos, não possuía, a exemplo do Pacto sobre Direitos Civis e Políticos, um órgão fiscalizador. Este somente foi criado pelo Conselho Econômico e Social, com o voto contrário dos EUA, em 1987 e denominado Comitê de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais. No que tange a educação, o Pacto segue o norte ditado pela Declaração Universal ampliando-o, pois comprometem-se no Art. 2º a adotar medidas, tanto por esforço próprio como pela assistência e cooperação internacionais, principalmente nos planos econômico e técnico, até o máximo de seus recursos disponíveis, que visem assegurar, progressivamente, por todos os meios apropriados, o pleno   VELASCO, Manuel Diez de. Las Organizaciones Internacionales. Madrid: Techos. 1996. p. 231.

323

  Após a Jamaica (35º Estado) haver depositado seu respectivo instrumento de ratificação, a 3 de dezembro de 1975 – nos termos do artigo 27 do Pacto. 324

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exercício e dos direitos ali reconhecidos, sem qualquer discriminação. Importante destacar que a obrigatoriedade dos Estados Partes é de implementar, na medida de suas possibilidades, políticas públicas visando concretizar esse direito, mas, segundo o Comitê de Direitos Humanos, opinião manifestada em vários ordenamentos internos, algumas das disposições deste Pacto, como o inciso 3º do art. 13, podem ser consideradas de aplicação imediata. Artal faz uma interpretação extensiva desse artigo. Assevera que possuir direito a educação não significa unicamente exigir do Estado que cumpra sua obrigação de proporcionar educação gratuita e obrigatória para garantir a igualdade de oportunidades. Há também o dever de cada indivíduo de exigir a efetiva realização desse direito. Esse dever se materializa com a escolha da escola em razão de suas convicções pessoais, que podem ou não coincidir com a opção estatal. Ante esse dever relativo ao direito a educação surgem, pois certas responsabilidades como a de envolver-se na criação de centros escolares com o fim de tornar realidade a pluralidade escolar, bem como decidir com critério o tipo de educação que desejam a seus filhos.325 Na entrada em vigor do Pacto, o Brasil encontra-se sob a égide da Emenda Constitucional nº 1 de 17 de outubro de 1969. É certo que o Estado brasileiro não havia ratificado o Pacto, mas sua política interna seguia na contramão do pactuado. Suas Constituições anteriores (1934 e 1946) traçavam políticas educacionais tendentes a universalização do ensino, inclusive atribuindo a obrigatoriedade dos Entes Federativos a um investimento mínimo no desenvolvimento e manutenção da educação. A Constituição “promulgada” em 24 de janeiro de 1967, mantém a obrigatoriedade e gratuidade do ensino primário, mas expressa que os níveis posteriores somente serão gratuitos para aqueles que provarem a falta ou insuficiência de recursos e acena para a gradativa substituição da gratuidade, no ensino médio e superior, pelo sistema de concessão de bolsas de estudo mediante restituição, e omite-se quanto a obrigatoriedade de investimentos públicos na educação. A Emenda n° 1 determina que a Constituição de 1967 passe a vigorar com nova redação, embora na verdade, trata dos mesmos dispositivos. No que ARTAL, Carolina Ugarte. Las Naciones Unidas y la Educación en Derechos Humanos. Madrid: Eunsa. 2004. P. 229.

325 

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tange a educação poucas alterações: a educação continua inspirada no princípio da unidade nacional; ratifica que as ciências, as letras e as artes são livres, mas, não será tolerada subversão da ordem, à moral e aos bons costumes. Expressa a liberdade de magistério, mas ameaça em caso de subversão ao regime. Atribui à União a competência para estabelecer e executar os planos nacionais de educação e, atribui aos municípios um investimento mínimo de vinte por cento de suas receitas no ensino primário, sujeitos a intervenção (art. 15, § 3º, f).

CONSIDERAÇÕES FINAIS A importância dos tratados internacionais encontra a mais serena unanimidade, mesmo o Brasil adotando a teoria do primado do direito interno. A Emenda Constitucional 45/2004, que inseriu o § 3º do Artigo 5º, os coloca no nível constitucional, desde que cumpridas às exigências quanto a ratificação. Quanto aos tratados anteriores, no histórico julgamento de 3 de dezembro de 2008, (RE 466.343-SP) o Supremo Tribunal Federal, acompanhando o voto do Min. Gilmar Mendes, os alocou nível supralegal (abaixo da Constituição, mas acima de toda a legislação infraconstitucional). A Constituição Federal de 1988, bem como a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, (Lei nº 9.394 de 20 de dezembro de 1996), os direitos fundamentais ali estabelecidos assim como as Políticas Públicas decorrentes, no âmbito da educação, nos induzem a considerar que o Pacto Internacional sobre Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, possui pouca aplicabilidade prática no Brasil, vez que, em muito superam o previsto em tal tratado. Entretanto, apesar dos visíveis esforços governamentais, especialmente nos últimos anos, de cumprir a obrigação assumida no Art. 2º do Pacto isto é, “adotar medidas, principalmente nos planos econômico e técnico, até o máximo de seus recursos disponíveis, que visem assegurar, progressivamente, por todos os meios apropriados, o, pleno exercício e dos direitos ali previstos”, no âmbito da educação, o Brasil encontra-se muito aquém do mínimo desejável nesta matéria, e a situação da educação nacional é ainda bastante grave. Os investimentos em educação, nos anos 2000 encontrava-se abaixo de 4% do PIB, no ano de 2009 o investimento foi de 5,0 % do PIB e a meta do 222

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Governo Federal é atingir 7,0% até o ano 2020. Entretanto, é unanimidade entre os técnicos da educação e a comunidade acadêmica que o mínimo necessário seria de 10% do PIB. Parece que a sociedade brasileira ainda não se deu conta da importância da educação para a consecução dos objetivos estabelecidos na Carta das Nações Unidas, na Declaração Universal dos Direitos do Homem e em seu próprio Contrato Social de 1988.

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REFERÊNCIAS ALVES, J. A. Lindgren. A Arquitetura Internacional dos Direitos Humanos. São Paulo: FTD, 1997. ARTAL, Carolina Ugarte. Las Naciones Unidas y la Educación en Derechos Humanos. Madrid: Eunsa, 2004. AZEVEDO, Ivo Sefton. Direito Internacional Publico. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 1980. BRANDÃO, Carlos Rodrigues. O que é educação. 40ª ed. São Paulo: Brasiliense, 2001. CASTILLO, Mileya. Derecho Internacional de los Derechos Humanos. Valencia: Tirant lo blanch, 2003. COMPARATO, Fábio Konder. A Afirmação Histórica dos Direitos Humanos. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 2003. FERRARI, Marcio. “A Pedagogia começa na Grécia antiga”. In Nova Escola. Revista do Professor. Edição Especial Grandes Pensadores. São Paulo: Abril. s/d. PECES-BARBA, Gregorio. Educación para la Ciudadanía y Derechos Humanos. Madrid: Espasa, 2007. PILETTI, Claudino & PILETTI, Nelson. Filosofia e História da Educação. São Paulo: Ática, 2001. PISÓN, José Martínez de. El Derecho a la educación y la libertad de enseñanza. Madrid: Dykinson, 2003. REZEK, José Francisco. Curso Elementar de Direito Internacional Público. São Paulo: Saraiva, 1995. ROUSSEAU, Jean-Jacques. Emilio ou Da Educação. Tradução de Sérgio Milliet. 3. ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1995. SCHILLING, Voltaire. As Grandes Correntes do Pensamento. Da Grécia Antiga ao Neoliberalismo. 2. ed. Porto Alegre: AGE, 1999. VELASCO, Manuel Diez de. Las Organizaciones Internacionales. Madrid: Techos, 1996. VERDROSS, Alfred. Derecho Internacional Público, Madrid: Aguilar, 1961.

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ARTIGO 14º Todo Estado Parte do presente Pacto que, no momento em que se tornar Parte, ainda não tenha garantido em seu próprio território ou territórios sob sua jurisdição a obrigatoriedade e a gratuidade da educação primária, se compromete a elaborar e a adotar, dentro de um prazo de dois anos, um plano de ação detalhados destinado à implementação progressiva, dentro de um número razoável de anos estabelecidos no próprio plano, do princípio da educação primária obrigatória e gratuita para todos. Carolina Alves de Souza Lima Doutora e Mestre em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Possui Livre-Docência pela mesma Instituição. Atualmente é professora assistente mestre da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo.

COMENTÁRIOS: O DIREITO À EDUCAÇÃO E AS SUAS DIMENSÕES O direito à educação é direito humano por excelência. Nas palavras de Álvaro Laborinho Lúcio: “A acção educativa haverá sempre que conceber-se como um processo de libertação do indivíduo, que reconhecendo-o como sujeito, lhe proporciona os instrumentos de pensamento e cultura que lhe permitem agir como autor do seu tempo cultural e humano”326. O primeiro papel da educação consiste em possibilitar ao ser humano seu pleno desenvolvimento. A primeira instituição que possibilita esse desenvolvimento é a família. Com o crescimento da criança, esse papel passa a ser compartilhado na vida em sociedade. Uma das facetas da vida em sociedade dá-se na relação aluno e escola. A educação, como direito humano e na vertente da educação escolar, tem como primeiro papel proporcionar ao estudante sua formação como indivíduo, dotado de personalidade e consequentemente de uma singularidade. A sua formação como pessoa humana dá-se em todo o processo educacional e na vida 326 

LÚCIO. 2008. p.17 225

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em si, uma vez que o ser humano é, na sua essência, um ser inacabado, porquanto um ser em transcendência. O segundo papel da educação é preparar o indivíduo para o exercício da cidadania. Referido papel, da vertente da educação escolar, consiste em proporcionar ao estudante o ambiente para torná-lo cidadão. Cidadão é o indivíduo que, inserido no contexto social, tem compromisso ético consigo e com o coletivo. No contexto da contemporaneidade, a educação escolar deve ser voltada para a construção da cidadania e o respeito aos direitos humanos. Trata-se de educação para a cidadania, assim como de cidadania na educação327. Segundo Eduardo C. B. Bittar: “quando se fala de cidadania, não se quer falar em mero conjunto de direitos e deveres legais ou constitucionais, mas em cidadania ativa e participativa, interativa e crítica, libertadora e autoconsciência, produtiva e dinâmica. Ademais da consciência cívica, para o exercício dos direitos e deveres públicos, a educação tem em vista a formação da consciência nacional, uma vez que fortalece os laços históricos, éticos, comunitários e restabelece ligações com o passado e as tradições culturais de um povo”328. A educação cidadã pressupõe um terreno democrático, único espaço propício para o efetivo respeito aos direitos humanos e a construção da cidadania. A cultura democrática é aquela que proporciona a seus cidadãos o exercício real e constante da reflexão e da crítica para a construção de uma sociedade que respeita concomitantemente a diversidade e a singularidade de cada indivíduo. O terceiro papel da educação, sobretudo da educação escolar, é qualificar os indivíduos para o trabalho, o que possibilita dar subsídios para as pessoas buscarem a própria subsistência de forma digna. O trabalho insere os indivíduos na vida produtiva da sociedade e permite a cada pessoa contribuir para a vida coletiva, assim como alcançar meios para sua própria subsistência. Esse terceiro papel da educação se materializa por meio da formação profissional, que se dá com o acesso aos cursos profissionalizantes e à universidade329. 327   LIMA, Carolina Alves de Souza. “A Construção da Cidadania e o Direito à Educação” Tese de Livre-docência defendida na PUC/SP. Maio de 2012. p.327-8.

  BITTAR, Eduardo C. B. Ética, Educação, Cidadania e Direitos Humanos: Estudos Filosóficos entre cosmopolitismo e responsabilidade social. Barueri, São Paulo: Manoel, 2004.p.108.

328

329   LIMA, Carolina Alves de Souza. “A Construção da Cidadania e o Direito à Educação” Tese de Livre-docência defendida na PUC/SP. Maio de 2012. p.329.

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OBJETIVOS DA EDUCAÇÃO PÚBLICA DEMOCRÁTICA NA CONTEMPORANEIDADE A educação pública democrática tem como objetivo, segundo expõe Lorenzo Luzuriaga: “a formação do homem completo, no máximo de suas possibilidades, independentemente da posição econômica e social. Seu caráter é fundamentalmente humanizador; trata de proporcionar o maior grau possível de cultura ao maior número possível de homens”330. A Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948 preceitua a educação como um direito humano em seu artigo XXVI. O Pacto Internacional de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais das Nações Unidas também consignou o direito à educação como direito humano. No mesmo sentido, a Convenção sobre os Direitos da Criança das Nações Unidas preceitua que: “a criança deve estar plenamente preparada para uma vida independente na sociedade e deve ser educada de acordo com os ideais proclamados na Carta das Nações Unidas, especialmente com o espírito de paz, dignidade, tolerância, liberdade, igualdade e solidariedade”. Os seus artigos 28 e 29 foram dedicados exclusivamente ao direito à educação. A Conferência Mundial sobre educação para todos de 1990 aprovou a “Declaração Mundial sobre Educação para todos: Satisfação das Necessidades Básicas da Aprendizagem”, juntamente com seu Plano de Ação, em Jomtien, na Tailândia. O objetivo fundamental da Declaração e do seu Plano era concretizar as necessidades básicas da aprendizagem de todas as crianças, jovens e adultos no mundo. Em abril de 2000, foi realizado o Fórum Mundial da Educação em Dacar, no Senegal, com a presença de 164 países, dentre eles o Brasil. Além de reforçar as diretrizes traçadas na Conferência de Jomtien, discutiu-se amplamente a universalização da educação para todos. Os países firmaram um acordo de expandir significativamente as oportunidades educacionais para crianças, jovens e adultos até 2015331.   LUZURIAGA, Lorenzo. História da Educação Pública. Tradução e notas de Luiz Damasco Penna e J.B. Damasco Penna. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1959. p.2.

330

 Disponível em http://unesdoc.unesco.org/images/0012/001275/127509porb.pdf. Acesso em

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ANÁLISE DO ARTIGO 14 DO PACTO INTERNACIONAL DE DIREITOS ECONÔMICOS, SOCIAIS E CULTURAIS EM FACE DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988 Referido artigo 14 estabelece o direito à educação como um direito humano e impõe aos Estados signatários do Pacto, dentre eles o Brasil, a obrigação jurídica de elaborar e adotar, no prazo de dois anos, um plano de ação detalhado, destinado a implementar progressivamente, em um número razoável de anos, estabelecido no próprio plano, o princípio da educação primária obrigatória e gratuita para todos. O Brasil ratificou o referido Pacto em 1992, época em que a Constituição Federal já estava em vigor. Segundo ela, a garantia do direito à educação escolar é dever do Estado brasileiro. Com base nesse dever, o artigo 206 da Constituição de 1988 enuncia os princípios que regem o direito à educação escolar: igualdade de condições para o acesso e a permanência na escola; liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar o pensamento, a arte e o saber; pluralismo de ideias e de concepções pedagógicas; coexistência de instituições públicas e privadas de ensino; gratuidade do ensino público em estabelecimentos oficiais; valorização dos profissionais da educação escolar, garantidos, na forma da lei, planos de carreira, com ingresso exclusivamente por concurso público de provas e títulos, aos professores das redes públicas, assim como piso salarial profissional nacional para os profissionais da educação escolar pública, nos termos de Lei federal; garantia de padrão de qualidade e gestão democrática do ensino público. Esses princípios são reafirmados no Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei n. 8.069/1990) e na Lei de Diretrizes e Bases da Educação (Lei n. 9.394/1996). A Constituição brasileira estabelece primeiramente o direito à igualdade de condições para o acesso e a permanência na escola. Trata-se do princípio da universalização do ensino. A determinação constitucional é que todos, sem exceção, tenham iguais condições para o acesso e a permanência na escola. É a garantia do princípio da igualdade no campo da educação escolar. A educação formal foi dividida em dois patamares: a básica e a superior. 6/9/2012. 228

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A primeira engloba a educação infantil, a educação fundamental (com nove anos de duração) e a educação média. Já a educação superior engloba os cursos de graduação e pós-graduação. Tanto o acesso quanto a permanência na escola configuram direitos fundamentais e devem ser garantidos pelo Poder Público, sob pena de responsabilidade deste. Segundo o artigo 208, inciso I, da Constituição, alterado pela Emenda Constitucional n. 59, de 11 de novembro de 2009, o dever do Estado com a educação será efetivado mediante a garantia de educação básica obrigatória e gratuita dos quatro aos dezessete anos de idade, assegurada, inclusive, sua oferta gratuita para todos os que a ela não tiveram acesso na idade própria. Cabe ressaltar que a redação anterior do artigo 208, inciso I, da Constituição, estabelecia exclusivamente a gratuidade e a obrigatoriedade do ensino fundamental. A emenda veio a ampliar o direito ao ensino gratuito e obrigatório também à educação infantil e ao ensino médio. Antes da referida emenda, já era possível interpretação segundo a qual a educação infantil e o ensino médio eram direitos fundamentais. Isso porque o disposto no artigo 208, inciso I, da Lei Maior, baseava-se nos princípios da universalização do ensino, da gratuidade do ensino público oficial e da sua gestão democrática, previstos no artigo 206 da Lei Maior. Tal análise já levava à compreensão que tanto o acesso quanto a permanência na escola configuram direito fundamental de todo e qualquer cidadão brasileiro que ainda não tenha recebido a educação básica, que engloba, além do ensino fundamental, a educação infantil e o ensino médio. No entanto, a nova redação do artigo 208, inciso I, da Constituição, inova ao estabelecer a obrigatoriedade de todo o ensino básico. A obrigatoriedade da educação básica gera obrigações tanto para o Poder Público quanto para os pais. Por um lado, há o dever do Estado (Municípios e Estados da Federação, Distrito Federal e União) de oferecer obrigatoriamente o serviço público de educação básica. Por outro, há o dever dos pais ou responsáveis de obrigatoriamente matricular seus filhos na educação básica, assim como de acompanhar a frequência às aulas e o desempenho destes, sob pena de serem responsabilizados pela omissão. O parágrafo 1º do artigo 208 da Constituição prescreve que o acesso ao ensino obrigatório e gratuito, agora dos quatro aos dezessete anos de idade, é direito público subjetivo. Se a antiga redação do artigo 208, inciso I, já era um avanço no 229

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campo da garantia do direito à educação escolar, sua nova redação, introduzida pela Emenda Constitucional n. 59, configura maior avanço ainda, ao ampliar a garantia do direito à educação escolar também ao ensino infantil e ao ensino médio. Referido avanço deve ser não só comemorado, mas fundamentalmente exigido do Poder Público. O artigo 6º, da Emenda Constitucional n. 59, preceitua que o disposto no artigo 208, inciso I, da Constituição, deverá ser implementado progressivamente, até 2016, nos termos do Plano Nacional de Educação, e com apoio técnico e financeiro da União. Cabe observar que o Plano Nacional de Educação deve ser um plano de Estado e não de governo, voltado para o planejamento da educação nacional. De acordo com o artigo 214 da Constituição de 1988, alterado pela Emenda Constitucional n. 59 de 2009: “A lei estabelecerá o plano nacional de educação, de duração decenal, com o objetivo de articular o sistema nacional de educação em regime de colaboração e definir diretrizes, objetivos, metas e estratégias de implementação para assegurar a manutenção e desenvolvimento do ensino em seus diversos níveis, etapas e modalidades por meio de ações integradas dos poderes públicos das diferentes esferas federativas que conduzam a: I - erradicação do analfabetismo; II - universalização do atendimento escolar; III - melhoria da qualidade do ensino; IV - formação para o trabalho; V - promoção humanística, científica e tecnológica do País. VI - estabelecimento de meta de aplicação de recursos públicos em educação como proporção do produto interno bruto”. O primeiro Plano Nacional de Educação foi regulamentado pela Lei n. 10.172, de 9 de janeiro de 2001. Previa 294 metas a serem atingidas entre 2001 e 2010. Foi considerado um grande fracasso pelos especialistas na área da educação, tendo atingido apenas um terço das metas. O segundo Plano Nacional de Educação foi apresentado pelo Ministério da Educação em 15 de dezembro de 2010 e estabeleceu vinte metas para o período de 2011 a 2020. No entanto, ainda em 2012 não está em vigor, o que revela pouco compromisso do Estado brasileiro com a educação e com o Pacto Internacional de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais. Este, em seu artigo 14, determina a elaboração e a execução de um plano de ação no campo da educação, voltado ao princípio da educação primária obrigatória e gratuita para todos332. 332

  “Mesmo sendo um dos países que mais aumentaram os gastos com educação entre os anos 2000

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Outra conquista importante do artigo 208, inciso I, da Constituição é o reconhecimento do direito ao ensino básico gratuito aos jovens e aos adultos que não tiveram acesso na idade própria. A educação de jovens e de adultos também é um direito fundamental. Esse dispositivo expressa importante demanda da sociedade brasileira durante as décadas de 1970 e 1980. Com a Constituição, o direito à educação escolar foi estendido a todos aqueles que não tiveram acesso na idade própria333. Também com base na universalização do ensino, há a previsão do inciso IV do artigo 208, da Constituição de 1988, que estabelece a garantia da educação infantil em creches e pré-escolas às crianças de até cinco anos de idade. Com a Emenda Constitucional n. 59, a escola passa a ser obrigatória e gratuita, a partir dos quatro anos, o que atende às exigências do artigo 14 do Pacto Internacional de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais. A universalização do ensino também garante atendimento educacional especializado aos portadores de deficiência, preferencialmente na rede regular de ensino, como prescreve o inciso III do artigo 208 da Constituição Federal. Além da legislação infraconstitucional que regulamenta tal dispositivo, há, no âmbito internacional, a Convenção Interamericana para a Eliminação de todas as Formas de Discriminação contra as Pessoas Portadoras de Deficiência e a Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência e seu Protocolo Facultativo, das quais o Estado brasileiro faz parte. Ambas cuidam da educação das pessoas portadoras de deficiência. O princípio da igualdade de condições para o acesso e a permanência na escola importa na liberdade de acesso à escola. Isso significa que o Estado, como responsável pela garantia desse direito, não pode impor obstáculos ou restrições ao acesso à escola pública e deve oferecer vagas suficientes nessas escolas para que todos tenham acesso a ela334. e 2009, o Brasil ainda não investe o recomendado do PIB (Produto Interno Bruto) em educação e está longe de aplicar o valor anual por aluno indicado pela OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico), com base na média dos países membros. Os dados fazem parte do relatório sobre educação divulgado nesta terça-feira (11) pelo órgão. Os gastos por aluno na educação primária e secundária cresceram 149% entre 2005 e 2009, mas o Brasil ainda está entre os cinco países que menos investem por aluno, entre os avaliados pela OCDE”.http://educacao.uol.com.br/ noticias/2012/09/11/brasil-aumenta-investimento-em-educa. Acesso 11/9/2012.   FREITAS, Marcos Cezar de e BICCAS, Maurilene de Souza. História Social da Educação no Brasil (1926-1996). São Paulo: Cortez, 2009, v.3. p.323. 333

  CANOTILHO, J.J.Gomes e MOREIRA, Vital. Constituição da República Portuguesa Anotada.

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A universalização do ensino requer também a garantia das condições para frequentar a escola. Faz-se necessária a garantia de outros direitos, como, por exemplo, a existência de escolas próximas à residência dos alunos ou transporte gratuito, alimentação, assistência à saúde e o fornecimento de material didáticoescolar. O artigo 208, inciso VII, da Constituição Federal, alterado pela Emenda Constitucional n. 59, estabelece o dever de o Estado fornecer essa assistência ao educando, em todas as etapas da educação básica, por meio de programas suplementares de material didático-escolar, transporte, alimentação e assistência à saúde. A redação constitucional anterior estabelecia o atendimento apenas aos alunos do ensino fundamental. A nova redação do artigo 208, inciso VII, da Lei Maior, amplia o atendimento ao educando e a garantia passa a englobar, além do ensino fundamental, também a educação infantil e o ensino médio. Essa nova redação garante efetivamente o acesso e a permanência na escola durante todo o período da educação básica. Para a garantia da universalização do direito à educação escolar, o artigo 208, inciso VI, da Constituição, estabelece como dever do Estado a oferta de ensino noturno regular e adequado às condições do educando. Trata-se de garantir o direito à educação escolar àqueles que não puderam ou não tiveram acesso no período diurno. A gratuidade do ensino público em estabelecimentos oficiais também é princípio constitucional que rege o direito à educação escolar. A gratuidade do ensino público em estabelecimentos oficiais é um direito fundamental. Isso significa que todo o ensino público deve ser gratuito, por força do artigo 206, inciso IV. Referido dispositivo não faz nenhuma ressalva quanto a educação infantil, ensino fundamental, médio e superior. Para reforçar esse dispositivo, há a nova redação do artigo 208, inciso I, da Constituição, introduzida pela Emenda Constitucional n. 59/2009, e que estabelece educação básica obrigatória e gratuita dos quatro aos dezessete anos de idade e oferta gratuita a todos aqueles que não tiveram acesso na idade própria. O parágrafo 2º do referido artigo 208 preceitua que o não oferecimento do ensino obrigatório pelo Poder Público, ou sua oferta irregular, importa responsabilidade São Paulo: Revista dos Tribunais; Coimbra, PT: Coimbra Editora, 2007, v.1., p.896. 232

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da autoridade competente. Isso significa que o Poder Público deve ter infraestrutura para atender à demanda de todo o país. A título de ilustração, a Constituição portuguesa foi enfática ao estabelecer no seu artigo 75, n.1, que “O Estado criará uma rede de estabelecimentos públicos de ensino que cubra as necessidades de toda a população”, ou seja, que garanta efetivamente acesso de todos à escola. O direito à educação escolar é um direito fundamental por excelência e pode ser pleiteado em todas as situações em que o Poder Público for omisso ou apresentar serviço precário ou irregular. Isso porque a educação básica, que compreende a educação infantil, o ensino fundamental e o ensino médio, configura direito fundamental, e o Estado tem o dever de oferecer a educação para todos que a pleitearem. ORGANIZAÇÃO E FINANCIAMENTO DO SISTEMA EDUCACIONAL PÚBLICO BRASILEIRO A Constituição de 1988 estabelece expressamente nos seus artigos 211 a 213 as principais regras sobre as obrigações de cada ente da Federação em relação ao financiamento da educação. Prescreve claramente a divisão de competências na área da educação escolar, com o fim de coibir a omissão e possibilitar a exigibilidade dos deveres do Poder Público nessa área. Segundo seu artigo 211, cada ente da Federação – União, Estados, Distrito Federal e Municípios – organizará, em regime de colaboração, seu sistema de ensino. As formas de colaboração devem assegurar a universalização do ensino obrigatório, por força do §4º do referido artigo. Cabe à União, segundo o §1º do artigo 211, da Constituição, organizar o sistema federal de ensino, financiar as instituições de ensino público federal e exercer, em matéria educacional, função redistributiva e supletiva, de forma a garantir equalização de oportunidades educacionais e padrão mínimo de qualidade do ensino, mediante assistência técnica e financeira aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios. Os Municípios, por força do §2º do artigo 211, da Constituição, atuarão prioritariamente no ensino fundamental e na educação infantil. Os Estados e o 233

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Distrito Federal, com base no §3º do referido artigo, atuarão prioritariamente no ensino fundamental e médio. O Distrito Federal tem as competências tanto dos Municípios quanto dos Estados-membros, segundo o artigo 10, parágrafo único, da Lei de Diretrizes e Bases da Educação. Segundo Marisa Timm Sari: “Entende-se, pois, que os titulares dos respectivos Poderes Executivos serão os primeiros a serem responsabilizados no caso de falta de vagas no ensino fundamental obrigatório – o que não exclui, entretanto, eventual responsabilidade da União, uma vez que lhe cabe a função redistributiva e supletiva em relação às demais instâncias”335. O §5º do referido artigo 211, por sua vez, prescreve que: “A educação básica pública atenderá prioritariamente ao ensino regular”. Tal dispositivo foi introduzido pela Emenda Constitucional n. 53/2006. Até então, a Constituição não utilizava a terminologia educação básica. A Lei de Diretrizes e Bases da Educação, por seu turno, já a utilizava. Segundo seu artigo 21, que cuida da composição dos níveis escolares, a educação escolar é constituída pela educação básica – que abrange a educação infantil, o ensino fundamental e o ensino médio – e pela educação superior. A Constituição estabelece expressamente a base do financiamento da educação pública no seu artigo 212. O caput desse artigo preceitua os percentuais mínimos de aplicação da receita de impostos dos entes da Federação. À União cabe aplicar, anualmente, no mínimo dezoito por cento, e aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios, também anualmente, no mínimo vinte e cinco por cento da receita resultante de impostos, compreendida a proveniente de transferências, na manutenção e desenvolvimento do ensino. O §3º do artigo 212 da Constituição prescreve que: “A distribuição dos recursos públicos assegurará prioridade ao atendimento das necessidades do ensino obrigatório, no que se refere a universalização, garantia de padrão de qualidade e equidade, nos termos do plano nacional de educação”. Isso significa que a prioridade de atendimento está na educação básica, por força do artigo 208, inciso I, da Constituição. 335  SARI, Marisa Timm. A Organização da Educação Nacional. In: Direito à Educação: Uma Questão de Justiça. Organizador Wilson Donizeti Liberati. São Paulo: Malheiros, 2004. p.87.

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JUDICIALIZAÇÃO DA EDUCAÇÃO O direito à educação passou a gozar, a partir da Constituição de 1988, de toda a proteção jurídica atribuída aos direitos fundamentais. Diante dessa nova perspectiva legal, a responsabilidade do Poder Público com a educação configura função primária e essencial. O Poder Executivo passou a ter o dever legal de executar todas as demandas constitucionais e infraconstitucionais em relação à garantia do direito à educação. O Poder Judiciário, por seu turno, passou a ter o papel de guardião judicial das questões educacionais que chegam a sua alçada, com vistas à proteção do direito à educação em seus vários aspectos. A legislação infraconstitucional veio trazer mecanismos jurídicos de consolidação do direito à educação, garantido constitucionalmente. O Estatuto da Criança e do Adolescente estabelece mecanismos jurídicos de proteção do direito à educação de crianças e de adolescentes. O artigo 208 do Estatuto cuida da proteção judicial dos interesses individuais, difusos e coletivos da criança e do adolescente. Dentre eles estão os relativos ao direito à educação. Referido artigo deve ser compreendido em face da nova redação do artigo 208, da Constituição, alterado pela Emenda Constitucional n. 59/2009, e que ampliou o ensino obrigatório, mediante a garantia de educação básica obrigatória e gratuita a todas as crianças e adolescentes, dos quatro aos dezessete anos de idade. A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, por seu turno, preceitua no seu artigo 5º, caput, que, em razão de o ensino fundamental ser direito público fundamental, qualquer cidadão, grupo de cidadãos, associação comunitária, organização sindical, entidade de classe ou outra legalmente constituída, assim como o Ministério Público, têm legitimidade para acionar o Poder Público para exigi-lo. O §3º desse artigo, por seu turno, reza que: “Qualquer das partes mencionadas no caput deste artigo tem legitimidade para peticionar no Poder Judiciário, na hipótese do §2º do art. 208 da Constituição Federal, sendo gratuita e de rito sumário a ação judicial correspondente”. O Estatuto da Criança e do Adolescente prescreve também no seu artigo 54, §2º, que: “O não oferecimento do ensino obrigatório pelo poder público ou sua oferta irregular importa responsabilidade da autoridade competente”. 235

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Em relação aos pais, preceitua o artigo 22, do Estatuto que: “Aos pais incumbe o dever de sustento, guarda e educação dos filhos menores, cabendolhes ainda, no interesse destes, a obrigação de cumprir e fazer cumprir as determinações judiciais”. Caso os pais ou responsáveis não cumpram com o dever de educação prescrito no Estatuto e na Constituição, poderão ser responsabilizados administrativa e judicialmente336. Em face do direito à educação, garantido constitucionalmente, e partindo da premissa que as normas constitucionais que tratam do direito à educação são normas de eficácia plena e aplicação imediata, quando o Poder Público, no caso o Poder Executivo, não cumpre com seu dever de garantir educação a todos e de qualidade, ele poderá ser responsabilizado judicialmente337.

CONSIDERAÇÕES FINAIS O direito à educação, como direito humano, ganha proteção jurídica tanto na Constituição de 1988, quanto no âmbito internacional, por meio dos tratados de direitos humanos, dentre eles o Pacto Internacional de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais. No entanto, se, por um lado, a Constituição de 1988 trouxe avanços importantíssimos para a tutela do direito à educação, por outro, a realidade fática ainda revela enorme distância entre as previsões legais e a efetiva proteção do direito à educação escolar no Brasil. O alcance da efetiva educação pública democrática ainda deverá percorrer um longo caminho até sua consolidação no Brasil, não obstante as conquistas advindas da Constituição de 1988, do Estatuto da Criança e do Adolescente, da Lei de Diretrizes e Bases da Educação e dos Tratados Internacionais de Direitos Humanos sobre educação incorporados ao ordenamento jurídico brasileiro. Não obstante a quase universalização do ensino fundamental na escola pública, expõe Sonia Marrach que as reformas feitas no sistema educacional brasileiro durante o governo militar e durante a Nova República “transformaram o FERREIRA, Luiz Antonio Miguel. Temas de Direito à Educação. São Paulo: Imprensa Oficial do Estado de São Paulo: Escola Superior do Ministério Público, 2010. pp.44-5.

336 

FERREIRA, Luiz Antonio Miguel. Temas de Direito à Educação. São Paulo: Imprensa Oficial do Estado de São Paulo: Escola Superior do Ministério Público, 2010.p.60. MUNIZ, Regina Maria Fonseca. O Direito à Educação. Rio de Janeiro: Renovar, 2002. p.122.

337 

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processo de democratização do ensino em um processo de massificação da cultura escolar humanística, em que o ensino, embora público, assimila as técnicas da Indústria Cultural, e a formação humanística cultural fica reduzida ao que Adorno chamou de semiformação ou semieducação” 338. Não obstante também a Constituição preceituar o princípio da garantia do padrão de qualidade no seu artigo 206, inciso VII, com a garantia não só do direito de acesso e de permanência na escola, como também do direito ao ensino de qualidade, verifica-se que o acesso à educação escolar ainda se revela estruturado na dicotomia exclusão-inclusão. O analfabetismo puro e o funcional são realidades expressivas na sociedade brasileira e ainda há profundas deficiências tanto na qualidade do ensino quanto de administração escolar brasileira. Nas palavras de Marcos Cezar de Freitas e Maurilene de Souza Biccas: “Chegamos ao século XXI celebrando a universalização do acesso à educação básica, mas não nos iludimos com números. À maior parte das crianças e adolescentes do país se oferece muito menos do que o direito faculta a todas as pessoas”339.

338  MARRACH, Sonia. Outras Histórias da Educação: Do Iluminismo à Indústria Cultural (18232005). São Paulo: Unesp, 2009. p.238. 339  FREITAS, Marcos Cezar de; BICCAS, Maurilene de Souza. História Social da Educação no Brasil (1926-1996). São Paulo: Cortez, 2009. p.345. 237

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REFERÊNCIAS BITTAR, Eduardo C. B. Ética, Educação, Cidadania e Direitos Humanos: Estudos Filosóficos entre cosmopolitismo e responsabilidade social. Barueri, São Paulo: Manoel, 2004. CANOTILHO, J.J.Gomes e MOREIRA, Vital. Constituição da República Portuguesa Anotada. 1. ed. brasileira. São Paulo: Revista dos Tribunais; Coimbra, PT: Coimbra Editora, 2007, v.1. FERREIRA, Luiz Antonio Miguel. Temas de Direito à Educação. São Paulo: Imprensa Oficial do Estado de São Paulo: Escola Superior do Ministério Público, 2010. FREITAS, Marcos Cezar de e BICCAS, Maurilene de Souza. História Social da Educação no Brasil (1926-1996). São Paulo: Cortez, 2009, v.3. LIMA, Carolina Alves de Souza. “A Construção da Cidadania e o Direito à Educação” Tese de Livre-docência defendida na PUC/SP. Maio de 2012. LÚCIO, Álvaro Laborinho. Educação Arte e Cidadania. 2. ed. Paredes: Tema e Lemas, 2008. LUZURIAGA, Lorenzo. História da Educação Pública. Tradução e notas de Luiz Damasco Penna e J.B. Damasco Penna. São Paulo: Companhia Editora Nacional. V. 71, 1959. MARRACH, Sonia.Outras Histórias da Educação: Do Iluminismo à Indústria Cultural (1823-2005). São Paulo: Unesp, 2009. MUNIZ, Regina Maria Fonseca. O Direito à Educação. Rio de Janeiro: Renovar, 2002. SARI, Marisa Timm. A Organização da Educação Nacional. In: Direito à Educação: Uma Questão de Justiça. Organizador Wilson Donizeti Liberati. São Paulo: Malheiros, 2004.

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ARTIGO 15º 1. Os Estados Partes do presente Pacto reconhecem a cada indivíduo o direito de:  a)  participar da vida cultural;  b)  desfrutar o progresso científico e suas aplicações; c)  beneficiar-se da proteção dos interesses morais e materiais decorrentes de toda a produção científica, literária ou artística de que seja autor. 2.  As medidas que os Estados Partes do presente Pacto deverão adotar com a finalidade de assegurar o pleno exercício desse direito aquelas necessárias à conservação, ao desenvolvimento e à difusão da ciência e da cultura. 3.  Os Estados Partes do presente Pacto comprometem-se a respeitar a liberdade indispensável à pesquisa científica e à atividade criadora. 4. Os Estados Partes do presente Pacto reconhecem os benefícios que derivam do fomento e do desenvolvimento da cooperação e das ralações internacionais no domínio da ciência e da cultura. María Méndez Rocasolano Doutora em Direito Constitucional Full bright (Harvad). Especialista em Direitos Humanos. Docente da UCAM, España.

COMENTÁRIOS: SIGNIFICADO Y EXPRESIÓN NORMATIVA DEL DERECHO DE ACCESO A LA CULTURA Sumergirse en las aguas que orillan el Derecho y la Cultura es un ejercicio multidisciplinar y dinámico, abierto a la creatividad y al diálogo interpretativo. Es habitual el desconcierto que los conceptos jurídicos indeterminados causan a los juristas y a los ordenamientos jurídicos por el limbo significativo de la realidad con definición abierta que regulan. En esta esfera, la Cultura y los derechos culturales se manifiestan poliédricamente, con múltiples facetas significativas que muestran diversos y complementarios sentidos. Probablemente por ello PROTT dice al respecto que “hablar de cuestiones culturales en términos de derechos es entrar en terreno inseguro y difícil”.340 PROTT, L., “Cultural Rights as Peoples’ Rights in International Law”, en: J. Crawford (ed.), The Rights of Peoples, Clarendon Press, Oxford, 1988, p. 94.

340 

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Ante el mare magnun de significaciones de Cultura y vista la necesidad de situar el análisis del artículo 15 del Pacto Internacional de Derechos Económicos, Sociales y Culturales (PIDESC), dejamos atrás, sin olvidarlas, las referencias al cultivo y al crecimiento del mundo grecolatino que tanto enriqueció la escolástica del Medievo europeo en los albores de los derechos humanos con Bartolomé DE LAS CASAS y Francisco DE VITORIA341 para quedarnos con una definición de Cultura desde la Dialéctica de los Derechos Humanos. La primera vez que se regula de forma internacional el derecho a participar en la vida cultural es en la Declaración Universal de los Derechos Humanos de 1948 en el que su artículo 27 establece que: Toda persona tiene derecho a tomar parte libremente en la vida cultural de la comunidad, a gozar de las artes y a participar en el progreso científico y en los beneficios que de él resulten. 2. Toda persona tiene derecho a la protección de los intereses morales y materiales que le correspondan por razón de las producciones científicas, literarias o artísticas de que sea autora. El hecho de su inclusión en la categoría de Derechos Humanos tiene una repercusión conceptual y jurídica de notable alcance al incorporarse al grupo de derechos, que vinculados a la dignidad de la persona, poseen vocación universal e intergeneracional, son expresión del Derecho al servicio de la Humanidad y fruto de la lucha contra el poder, que queda sometido a la dignidad humana y a los derechos que le son inherentes. Apoya de forma soberbia estas consideraciones la declaración de la Asamblea General con ocasión del Sexagésimo aniversario de la Declaración Universal de Derechos Humanos, al decir que la Declaración nos exhorta: a reconocer y respetar la dignidad, la libertad y la igualdad de todas las personas…En un mundo en constante transformación, la Declaración Universal de Derechos Humanos sigue siendo una guía ética pertinente 341 

Coincidimos plenamente con la profesora Blandine BARRET-KRIEGUEL cuando indica que los orígenes de los derechos humanos se encuentran en el iusnaturalismo escolástico de la Escuela de Salamanca, sin perjuicio de aceptar que su impulso definitivo lo da el iusnaturalsimo ilustrado y revolucionario francés. BARRET- KRIEGUEL, B: Les droits et le droit natural, PUF Paris 1989, capítulo III in totum.

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que nos orienta para vencer las dificultades a que nos enfrentamos hoy. La fuerza viva y motriz de todos los seres humanos nos une en la meta común de erradicar los múltiples males que azotan nuestro mundo.342 En los Trabajos preparatorios del artículo 27 se pone de manifiesto este espíritu, entendiéndose inicialmente la Cultura de acuerdo a la realidad de su tiempo, que hoy nos parece limitada debido al avance que ha tenido tanto el concepto de Cultura como los llamados derechos culturales. Las discusiones en torno a este artículo tuvieron un tono elevado, llegando a la crítica respecto a la problemática concerniente a los grupos étnicos y las minorías culturales. Aunque no fue recogida en el texto del artículo, siguiendo a Johannes MORSINK en su explendido trabajo The Universal Declaration of Human Rights: Origins, Drafting, and Intent, ya en la primera sesión se expresó la necesidad de proteger a los miembros de las minorías culturales343. METHA, el delegado de la India hizo referencia al caso de los chinos, japoneses y otros que corrían el riesgo de asimilación (cultural)344. Frente a ellos J.D. HOOD, en representación de Australia, defendió el principio de asimilación a favor del interés general en contra de la postura mantenida por Francia y Uruguay que manifestaron abiertamente su desaprobación. En esta línea, destacan las aportaciones de la comisión de la URSS y del Libano que propusieron incluir, sin llegar a buen término en la votación de la tercera sesión, que “todos tiene el derecho a su cultura étnica pertenezca a una mayoría o minoría de la población”345. Joza VILFAN representando a Yugoslavia propuso tres artículos adicionales que no contaron con la mayoría suficiente para ser aprobados, de los cuales destacamos el segundo que se refiere a que “cualquier minoría, nacional como las comunidades étnicas, tienen derecho al pleno desarrollo de su cultura 342 

Resolución aprobada por la Asamblea General (A/63/L.54)

  MORSINK, J.: The Universal Declaration of Human Rights: Origins, Drafting, and Intent, Univ of Pennsylvania Press, 1999. Ha de destacarse que fue en la quinta sesión de la Comisión cuando se decidió establecer una subcomisión para la prevención de la discriminación y protección de las minorías buscando dar solución al problema de la discriminación realmente. p. 273.

343

  La expression entre parentesis es propia. Vid para mayor información AC.1 Add 1/p cito por MORSINK, J: supra p 270. 344

  Johannes MORSINK ob cit p. 274.

345

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étnica y el libre uso de su lenguaje que ha de ser protegido por el Estado346. Con tono más ferreo, el delegado bieloruso Watt KAMINSKY indicó durante el tercer comité preparatorio que [...] el derecho individual al propio lenguaje y cultura era uno de los más importantes Derechos Humanos y era imposible desconocer el hecho de que… Australia había llevado una fuerte política de eliminación de los grupos aborígenes y que los indios norteamericanos casi habían dejado de existir en los Estados Unidos347. Desde el conteniente africano también se estuvo a favor de la protección de las minorías culturales y así Adbud KAGALY, el delegado de Siria, puso de manifiesto que en Africa la población indígena tenía de forma generalizada prohibido la expresión en su propio lenguaje en las escuelas y en la Universidad. SANTA CRUZ representando a la comisión chilena desde el comienzo de los debates y probablemente hablando en representación de otros estados iberoamericanos dejó constancia del máximo interés que tenía este artículo para las naciones de América que habían sido creadas principalmente por la inmigración.348 Pese a tan intenso debate y motivados argumentos, no se recogió en el texto del artículo 27 mención a las minorías culturales, debiéndose la incorporación del ámbito cultural al listado de los Derechos Humanos a la propuesta estadounidense que contó con el apoyo de todo el foro internacional. Su concreción es fruto de las propuestas de contenido que provenientes de realidades culturales distintas que a lo largo de los debates fueron dando forma a su redacción. En conclusión, a pesar de que en los trabajos preparatorios de la Declaración se propusieron extremos que hacían referencia a un concepto más amplio, finalmente se incorporó la Cultura a la Declaración a través del art. 27   p.782, Ibidem, p. 275-276.

346

347 

.Ibidem

  Ibidem p. 278 cabe con resaltar que siendo coherente con su texto constitucional, en el que no se menciona expresamente la cultura, la delegación chilena en sus primeras consideraciones se refería solamente a la Ciencia según Yvonne DONDERS “ El marco legal del derecho a participar en la vida cultural” en Derechos Culturales y Desarrollo Humano, Publicación de textos del diálogo del Fòrum Universal de las Culturas en Barcelona, AECI, Madrid, 2004, pa159 348

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entendiéndola de forma general y universal. El tomar parte libremente en la vida cultural supuso a mitad del siglo XX reconocer un derecho vinculado al arte, a la creatividad, a la literatura y a la educación a las cuales todos los hombres, y no sólo una élite social, tenían derecho a participar. Años más tarde en 1966 el artículo 15 del Pacto Internacional de Derechos Económicos, Sociales y Culturales (PIDESC) desarrolla y concreta aquel derecho humano en los términos del reconocimiento de los llamados derechos culturales dentro de los que enuncia el de participar en la vida cultural, el de gozar de los beneficios del progreso científico y de sus aplicaciones y el de protección de los intereses morales y materiales que correspondan a los autores por razón de sus producciones científicas, literarias o artísticas. También compromete a los Estados Partes a la adopción de medidas para asegurar el pleno ejercicio de estos derechos, como las necesarias para la conservación, el desarrollo y la difusión de la ciencia y de la cultura. Igualmente, el art 15, obliga a los Estados al respeto de la indispensable libertad para la investigación científica y a la actividad creadora, así como al reconocimiento de los beneficios que derivan del fomento y desarrollo de la cooperación y de las relaciones internacionales en cuestiones científicas y culturales. Respecto al derecho a tomar parte en la vida cultural, y la obligación de conservación, desarrollo y difusión de la cultura se ha de tener en cuenta la notable influencia de la Organización de las Naciones Unidas para la Educación, la Ciencia y la Cultura (UNESCO) en su redacción del artículo 15. En primer lugar, por la propia naturaleza de esta institución, que desde que en 1945 fue aprobada por la Conferencia de Londres tiene como principal objetivo contribuir al mantenimiento de la paz y la seguridad en el mundo promoviendo, a través de la educación, la ciencia, la cultura y la comunicación, la colaboración entre las naciones, a fin de garantizar el respeto universal de la justicia, el imperio de la ley, los derechos humanos y las libertades fundamentales que la Carta de las Naciones Unidas reconoce a todos los pueblos sin distinción de raza, sexo, idioma o religión. Esta misión la realiza a través de estudios prospectivos en los que examina y promociona formas de educación, ciencia, cultura y comunicación; Mediante el fomento de los avances, la transferencia y el intercambio de los conocimientos 243

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entre países, basados primordialmente en la investigación, la capacitación y la enseñanza; Utilizando la actividad normativa, con propuestas y aprobación de instrumentos internacionales y recomendaciones en materia de Educación, la Ciencia y la Cultura entre las que destacan la Convención sobre la Protección y Promoción de la Diversidad de las Expresiones Culturales (2005) y la Declaración Universal de la UNESCO sobre la Diversidad Cultural (2001). La trasmisión y adquisición de conocimientos y el intercambio de información especializada colaboran de forma eficaz para el desarrollo de sus objetivos, los cuales se llevan a cabo a través de la “cooperación técnica” que se da a los Estados Miembros para que elaboren sus proyectos y políticas de desarrollo. En este sentido, dentro de las Prioridades sectoriales bienales para 2012-2013 se encuentran la promoción de los derechos culturales, proteger y promover el patrimonio y las expresiones culturales y la de abogar por la integración de la cultura y el diálogo intercultural en las políticas de desarrollo con el fin de propiciar una cultura de paz y no violencia.349 Dentro de los objetivos y compromisos para el desarrollo convenidos en el plano internacional, hoy en día han de tenerse vivamente en cuenta la Resolución del 2010 por la Asamblea General de las Naciones Unidas, que pone de relieve la importante contribución de la cultura al desarrollo sostenible y al logro de los objetivos de desarrollo nacionales y a los objetivos de desarrollo convenidos internacionalmente, incluidos los Objetivos de Desarrollo del Milenio” e “Invita a todos los Estados Miembros, a los órganos intergubernamentales, a las organizaciones del sistema de las Naciones Unidas y a las organizaciones no gubernamentales pertinentes a que […] aseguren una integración e incorporación más visible y eficaz de la cultura en las políticas y estrategias de desarrollo en todos los niveles350   Vease 04008: del Programa y Presupuesto 2012-2013 UNESCO 36 C/5 Gran programa IV Reforzar la repercusión en 2012-2013. 349

  A/RES/65/166 aprobada por la Asamblea General el 20 de diciembre de 2010[sobre la base del informe de la Segunda Comisión (A/65/438)] 65/166. Reconoce que la cultura es un componente esencial del desarrollo humano, constituye una fuente de identidad, innovación y creatividad para las personas y para la comunidad y es un factor importante en la lucha contra la pobreza al promover el crecimiento económico y la implicación en los procesos de desarrollo. Se muestra pues como un factor decisivo en el logro de los Objetivos de Desarrollo del Milenio (ODM), en particular el ODM 1, Reducir a la mitad, entre 1990 y 2015, la proporción de personas cuyos ingresos sean inferiores a 350

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También la UNESCO tuvo protagonismo a lo largo del proceso de redacción tanto del art. 15 como del art.27, su precedente inmediato. Recordemos que en la Comisión de las Naciones Unidas sobre Derechos Humanos, tanto en la fase de borrador como la de discusiones y votación, insistió en la inclusión de los derechos culturales y los derechos a participar en la cultura dentro del Listado de los Derechos Humanos. Especialmente importantes fueron las aportaciones de su comité de filósofos que en junio de 1947 aportó las visiones de Ghandi, Teilhar de Chardin, Benetto Croce y Aldous Huxley351. Este espíritu se mantuvo en la comisión del Pacto, en el que no se entró a debatir sobre extremos que se derivan de la participación en la vida cultural probablemente porque ya había sido regulada en el artículo 27 de la Declaración de Derechos humanos, que era su punto de partida. Fue en la Asamblea General de la ONU donde se discutió y negoció la redacción del artículo 15, proponiendo Checoslovaquia la inclusión del cuarto párrafo sobre cooperación internacional en el campo de la ciencia y la cultura. La UNESCO por primera vez en esta Asamblea propuso la inclusión de las comunidades culturales, así se indicó la oportunidad de cambiar el primer párrafo por la expresión: «el derecho a tomar parte en la vida cultural de las comunidades a las que pertenece». Sometida a votación, fue rechazada pues la mayoría de los Estados tenían fuertemente arraigada la idea de participación en la vida cultural nacional352. No ha dejado desde entonces la UNESCO de plantear la necesidad de reconocer la importancia de las comunidades culturales y la identidad cultural353 como elementos esenciales del reconocimiento mutuo entre individuos, grupos, naciones y regiones. un dólar por día. plasmado en la Declaración del Milenio (2000) y el Documento Final de la Cumbre Mundial (2005 y 2010).   GLENDON M. A. A World Made New: Eleanor Roosevelt and the Universal Declaration of Human Rights, Random House 2001 pág 73 a 78.

351

 Frente al concepto universalista de acceso la cultura nacional la UNESCO planteó en la Asamblea la importancia del respeto y protección de las culturas de otras comunidades diferentes del EstadoNación manifestándose claramente la apertura a conceptos deterministas. Al respecto me remito a las discusiones de la Asamblea en GLENDON ob.cit supra. 352

353 

Vease el comité de las Naciones Unidas de 1990 en el que se adoptaron las pautas para el procedimiento de información del PIDESC. 245

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De forma expresa se recoge la dimensión colectiva de la cultura dedicando una referencia expresa a las minorías y las comunidades culturales, a la protección de su patrimonio cultural en el Comité para la adopción de las pautas para el procedimiento de información del PIDESC. Desbrozando el significado y alcance del derecho y las obligaciones aunciados en el art 15 del Pacto de Derechos Económicos, Sociales y Culturales, no hemos de olvidar que han aclarado su contenido las Observaciones generales del Pacto preparadas por las sesiones de debate sobre los derechos culturales en general y del derecho del art 15.1 en particular. A comienzos del años 90 del siglo pasado tanto el Comité aclaratorio como las aportaciones al Debate General sobre el artículo 15 pusieron de manifiesto, concretamente a propuesta del comité senegalés en voz KONATÉ, que debía ampliarse el alcance del concepto de vida cultural. Pues la cultura no es únicamente expresión del conocimiento o la exigencia y realización y /o consumo de actividades recreativas y bienes de consumo, es una manera de ser y de sentir.354 No fue pacífica la discusión sobre la expresión colectiva del artículo 15.1, aceptarla supone entender la participación en la propia cultura y en sus procesos, por lo tanto la ampliación del concepto de Cultura que hasta ahora estamos comentando, se enriquece con la expresión vida cultural. En efecto, el documento de trabajo prestó una especial atención a la situación de las minorías en relación con la cultura y manifiesta que tanto las minorías culturales como los pueblos indígenas tienen los mismos derechos que los demás, de exigir el respeto, el reconocimiento y la garantía de sus valores culturales. En la la 7ª sesion, se trató directamente la necesidad de examinar asuntos prácticos además de temas teóricos, filosóficos y jurídicos355.TEXIER en los puntos 47 a 50 al determinar los ámbitos a los que deberían dirigirse las recomendaciones 354 

En el Debate general sobre el tema del derecho a participar en la vida cultural, reconocido en el artículo 15 del Pacto, su punto 9 indica: “Los derechos de las minorías cobran un interés particular en el enfoque global de la cultura. Se trata de un aspecto al que no se le ha prestado bastante atención en el pasado, y el artículo 15 del Pacto no menciona el tema. Los recientes acontecimientos han demostrado que los derechos culturales de las minorías han adquirido mayor importancia. En opinión del orador, el Comité debería examinar prioritariamente los modos de proteger los derechos culturales de las minorías. Acta resumida de la 7ªsesion ,17/11/1993.E/C.12/1992/SR.17 CESCR. 355   Punto 45 de Wimer ZAMBRANO en el que se pone de manifiesto la necesidad de superar el carácter programático del derecho a la Cultura. Ibidem.

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del Comité mencionó que los Estados deberían prestar más atención en sus informes, de forma que debieran examinarse cuatro aspectos principales a saber: El primero que no debería haber discriminación entre culturas, puesto que no existe una jerarquía entre ellas, al ser todas iguales y tener por tanto igual derecho a la protección… Un segundo punto importante es el del acceso de todos a la cultura, que suele estar mediatizado por la economía. En algunos países, el apoyo de los derechos culturales es un lujo que hay que dar de lado para satisfacer otros derechos más fundamentales, como los incluidos en el artículo 11 del Pacto. En ese campo, las preguntas a los Estados deberían versar sobre lo que están haciendo para que el mayor número de personas pueda acceder a la cultura. Un tercer tema importante es el de la creciente uniformización de la cultura o el descenso del nivel cultural al más bajo denominador común, generalmente la invasión de un modelo cultural exterior determinado por factores puramente económicos y por las fuerzas del mercado, cuyas producciones son baratas y de fácil acceso. Al respecto TEXIER sigue proponiendo que: se deberían idear preguntas destinadas a aclarar esa situación en relación con la necesidad de proteger a todas las culturas y de garantizar la supervivencia de las que no pudieran competir económicamente y finalmente el cuarto ámbito más importante es el derecho a la libertad de investigación científica. El cuestionario que hasta la fecha se envía a los Estados se ha limitado a preguntar si se protegían esa libertad y los derechos de propiedad intelectual. También deberían plantearse preguntas acerca de cómo impedir que la libertad de llevar a cabo investigaciones científicas provoque desastres ecológicos o cómo resolver los problemas éticos planteados por determinados adelantos científicos, por ejemplo en el campo de la reproducción humana.356 En cuanto a la dimensión individual y colectiva del derecho a tomar parte en la vida cultural, que recoge el derecho de acceso a la cultura, y a su disfrute en su dimensión relacional, implica las obligaciones y los deberes de los Estados de 356 

Puntos 46 a 50 de la aportación de TEXIER en el Debate general sobre el art 15 Acta resumida de la 7ªsesion ,17/11/1993.E/C.12/1992/SR.17 CESCR... 247

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garantizar su protección y promover su desarrollo. Entendido en la doble dimensión de derecho para los individuos y los grupos en los que se integra y de deber para los Estados de asegurar tales derechos. Se tuvo que esperar hasta comienzos del siglo XXI para arrojar algo de luz en las la Observación general sobre el artículo 15 del PIDESC de Manila en el 2002, igualmente concretó su significado desde la vertiente practica las resoluciones del Consejo de los Derechos Humanos para el disfrute efectivo de los derechos culturales para todos del 2002 y del 2003. Se debatió intensamente su significado en el Fórum Universal de las Culturas Barcelona 2004, pero es definitivo, en la tarea de concreción conceptual y significativa, el concepto de contenido mínimo de los derechos económicos sociales y culturales que establece el Comité en el 2008, es un equivalente al contenido esencial de los derechos fundamentales, sin el cual el derecho queda desnaturalizado, pierde su sentido y significado. 357 Dentro de ese contenido esencial ,los miembros del Comité confirmaron expresamente la relación entre el derecho a tomar parte en la vida cultural y otros derechos humanos, como el derecho a la educación (directa e íntimamente relacionado con los derechos culturales), el derecho a la libertad de expresión, pensamiento y manifestación (sin los cuales la expresión creativa queda cercenada) y los derechos relacionados con la riqueza que representa el patrimonio cultural (expresión de la obra del hombre y su forma de vivir en un entorno). Ese contenido mínimo está vinculado al carácter transversal del derecho a tener acceso a la cultura que se manifiesta en su relación con otros derechos humanos, y se expresa con significados propios a través de aquellos que concretan su ejercicio. Así, el derecho a elegir una determinada cultura, la libertad creativa y su expresión, la conservación y protección del patrimonio cultural y artístico tanto material como inmaterial, la promoción del desarrollo sostenible y la protección del medioambiente, en fin, la amalgama de realidades, expresiones y valores que conforman la Cultura y la identidad cultural. 357   Una obligación mínima para garantizar la satisfacción esencial de los derechos económicos sociales y culturales no supone que no deba cumplirse con el resto de su contenido, sino que ese contenido esencial es el mínimo exigible, así se ha expresado el Protocolo Facultativo del PIDESC firmado el 10 de diciembre de 2008 con la intención de superar el carácter de soft law del Pacto y en este sentido se manifiesta SODINI. Cfr SODINI R.: Le comité des droits économiques, sociaux et culturels, Paris, Montchrestien, 2000, p. 116.

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CONTRIBUCIONES AL DESARROLLO Y DE LOS DERECHOS Y OBLIGACIONES DEL ART. 15 Respecto a la regulación del art 15, diversos Tratados, Convenios, Declaraciones y multitud de instrumentos normativos de soft law en el ámbito regional y en el nacional han arrojado luz sobre su contenido y alcance, facilitando su comprensión y aceptación en un mundo globalizado y multicultural. Por una parte los derechos culturales se conectan con los derechos que recoge el Pacto Internacional de Derechos Civiles y Políticos (PIDCP) que completan su alcance y significado. Lógicamente la relación con la Democracia y los derechos vinculados a la participación ciudadana son expresión directa de este vínculo. Aquí cobran sentido las opiniones de Amartya SEN cuando dice que la Democracia es el sistema que ofrece mayores facilidades para el desarrollo, Respecto a los impedimentos que pudiera verse en las diferencias culturales, SEN señala que ni siquiera CONFUCIO recomendaba la ciega lealtad al Estado en sacrificio de la Democracia. El premio novel pone de manifiesto claramente que la diversidad es una característica propia de la mayoría de las culturas, y la civilización occidental no es una excepción358. En línea similar se manifiesta el Comité de Derechos Económicos Sociales y culturales cuando indica la intrínseca relación entre estos derechos y la necesidad de expresarse a través de sus conexiones con los derechos civiles y políticos. A partir de los Pactos, múltiples Declaraciones y Recomendaciones de la UNESCO, diversos aportaciones han contribuido a la regulación del derecho a de acceso a la cultura y los derechos culturales, de entre los que ocupa un lugar destacado el derecho a la cultura por su complejidad conceptual, falta de regulación internacional y dificultades técnicas para su configuración como derecho fundamental359. 358

  Así pues para el autor si la diversidad también ha sido propia de Occidente, no hay razón para que el resto del mundo no la incorpore la democracia dentro de su modelo cultural de desarrollo. Cfr SEN, A: El Valor de la Democracia, Ed el viejo topo, España 2006 359

  Para algunos, los derechos culturales serían la categoría que engloba el resto de derechos, en el doble sentido de todo derecho a una dimensión cultural y dónde los derechos culturales serían la expresión de los derechos. Esta postura se apoya en cuatro argumentos: a) los derechos culturales 249

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En el caso de los derechos culturales de los individuos y las obligaciones prestacionales de los Estados para asegurar su ejercicio, garantía y protección, a pesar de su pertenencia a la noble categoría de Derechos Humanos, a pesar de que las Naciones Unidas ha manifestado en múltiples ocasiones que son una parte esencial de los Derechos Humanos, su desarrollo no está en igualdad de condiciones que los derechos civiles, políticos, económicos y sociales360. La razón que justifica esta situación, quizás sea que estos derechos conllevan una exigencia de hacer, una función pasiva de dejar hacer, pensar y crear en libertad y una proactiva de las instituciones y organismos públicos para su pleno reconocimiento y garantía, lo que se concreta en respuesta jurídicas y en recursos humanos, materiales y económicos para hacerlos reales y efectivos y eso no es siempre posible. Esta idea nortea el informe del Consejo titulado Acceso a los derechos humanos: mejorando el acceso de grupos altamente vulnerables (2004) que sostiene que, para abordar las necesidades de los excluidos y proteger sus derechos, quienes trabajan en derechos humanos han de mirar más allá de las estructuras de poder y los mecanismos legales formalmente establecidos361. permiten pensar en la identidad cultural como en una dimensión fundamental del sujeto, expresada en derechos específicos; b) añaden una dimensión fundamental a la comprensión y aplicación del resto de derechos humanos; c) permiten desarrollar la universalidad real de los derechos humanos, para una mejor definición de sus diferentes culturas”; d) permiten desarrollar una cultura democrática” MEYER-BISCH P., op. cit., p. 42. 360

  En este sentido ha de tenerse enriquece esta idea la publicación del Council on Human Rights Policy Taking Duties Seriously: Individual Duties in International Human Rights Law, Versoix, Suiza 1999 en la cual se examina detenidamente los deberes que se tienen respecto a la comunidad, puesto que sólo en ella puede desarrollar libre y plenamente su personalidad analizando pormenorizadamente el artículo 29 de la Declaración de Derechos Humanos. 361 

El informe examina a los motivos que hacen que una inaceptable multitude de personas del mundo no disfruten de derechos que les corresponden legítimamente, aun cuando existen leyes y políticas para proteger esos derechos. Las causas las situa en: 1) Obstáculos institucionales dentro de las que destacan la asignación desigual de recursos; la corrupción, los prejuicios de todo tipo que generan discriminación y obstáculos sistémicos producidos por legislación defectuosa e injusta .2) Límites de la ley ya que la adopción de los derechos humanos a la legislación interna no garantiza por sí sola el acceso a los derechos humanos si no hay normas internas que obligen a su cumplimiento de modo eficaz,su aplicación es ineficaz .3)Actitudes sociales donde indica que “ numerosas personas pueden verse excluidas del acceso a derechos a causa de las actitudes de las personas de su entorno. La exclusión social puede ser el resultado de crear estereotipos y perfiles raciales; las comunidades visiblemente diferentes pueden convertirse en chivos expiatorios… Las leyes y políticas imparciales a menudo fracasan en la práctica al no acabar con las desigualdades o la desventaja arraigada que padecen determinados grupos étnicos, lingüísticos o religiosos.” 4) Aislamiento y acceso físico aquí recoge el informe la dificultad que tienen muchos Estados de mantener una administración eficaz al

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De hecho, así lo entiende el PIDESC que respecto a las obligaciones de los Estados miembros, dispone en su art. 2.1 que éstos deben cumplir con sus medidas mediante los recursos que estén a su alcance para lograr progresivamente, por todos los medios apropiados, inclusive en particular la adopción de medidas legislativas, la plena efectividad de los derechos expresados en el Pacto. De esta declaración depende que las obligaciones de respetar, proteger y cumplir con los derechos económicos, sociales y culturales se den de forma tan lenta que se caiga en la desidia y pueda servir de justificación para dejar ad calendras graecas con lo que se comprometieron los Estados firmantes. Aquí debe puntualizarse, que esta disposición abre las puertas a la flexibilidad, no al incumplimiento, a la compresión y no al desconocimiento. Han de iniciarse inmediatamente tras la firma del Pacto la adopción de medidas según el mencionado art.2.1, quedando si se requiere justificada y motivadamente, a un desarrollo progresivo la ejecución y adopción de las adecuadas, de entre las que se encuentran políticas, legislativas, económicas, administrativas etc. Respecto a la regulación de la art 15, diversos Tratados, Convenios, Declaraciones y multitud de instrumentos normativos de soft law en el ámbito regional y en el nacional han arrojado luz sobre su contenido y alcance facilitando su comprensión y aceptación en un mundo globalizado y multicultural. Especialmente en el continente desde donde escribo, Europa, los derechos culturales, la Cultura y el arte en general, han estado reconocidos y tutelados por instituciones y particulares, mecenas a los que debemos las grandes obras de muchos maestros. Estas formas primitivas de promoción y protección de la cultura y el elemento cultural tomaron carta de naturaleza antes del Pacto de Derechos Economicos, sociales y culturales en la Convención Cultural Europea de 1954. carecer de recursos o de cumplir con sus compromisos políticos en áreas distantes. Resulta especialmente interesante también la 5) Elección de no participar recogiendo que “la exclusión social y la marginación que experimentan los grupos vulnerables reflejan relaciones de poder… En un sistema represivo, no exigir siquiera sus derechos puede ser una elección perfectamente racional. Los grupos excluidos pueden asimismo resistirse a entablar relación con los círculos oficiales por razones culturales e históricas. Destacan las 6)Barreras psicológicas pues las personas que ven denegados sus derechos experimentan una serie de respuestas psico-sociales vinculadas al sentimiento de inferioridad y finalmente el informe hace referencia a las 7) Situaciones de Conflicto y de 8) Inseguridad donde campan a sus anchas los abusos y violaciones graves de los derechos humanos. Todas ellas se superponen y se refuerzan mutuamente. International Council on Human Rights Policy Enhancing Access to Human Rights Versoix, Suiza 2004 p 13 a 33 251

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El Consejo de Europa, cuyo objetivo fundamental de realizar una unión más estrecha entre sus 44 Estados miembros a fin de salvaguardar las libertades individuales, la libertad política y la preeminencia del derecho, principios que constituyen los cimientos de toda verdadera democracia y que atañen a todos los europeos en diferentes aspectos de sus vidas, se vincula directamente con la promoción y protección de la cultura europea que se concreta en un patrimonio común, en los derechos humanos y en la democracia. Para ello pone de relieve y favorece la toma de conciencia de una identidad cultural europea y de su diversidad. En este sentido el Convenio Cultural Europeo define el marco de actividades del Consejo de Europa en materia de educación, cultura, patrimonio, deporte y juventud362. En América destacan el Protocolo Adicional de San Salvador a la Convención Americana sobre los Derechos del Hombre en materia de Derechos Económicos, Sociales y Culturales363 la Carta Cultural Iberoamericana adoptada en Montevideo en noviembre de 2006, la Carta de México sobre la Unidad y la Integración Cultural Latinoamericana y la Caribeña de septiembre de 1990. En Asia: La Declaración de los Deberes Fundamentales de los Pueblos y de los Estados Asiáticos de 1983. En el continente Áfricano han de mencionarse la Carta Cultural Africana 362

  Hoy, 47 Estados europeos se han adherido al convenio y participan en la tarea del Consejo dentro de estos ámbitos.Un marco para actuarLos programas del Consejo de Europa en materia de educación y cultura son dirigidos por el Consejo de Cooperación Cultural (CDCC), asistido por cuatro comités especializados en materia de educación, enseñanza superior e investigación, cultura y patrimonio cultural. Además se organizan regularmente conferencias de ministros especializados como la de los Objetivos Culturales de Berlín de 1984, la Resoluciones del Consejo de la Unión Europea relativas a las Agendas Europeas para la Cultura etc.   “Artículo 14. Derecho a los Beneficios de la Cultura. 1. Los Estados partes en el presente Protocolo reconocen el derecho de toda persona a: a. participar en la vida cultural y artística de la comunidad; b. gozar de los beneficios del progreso científico y tecnológico; c. beneficiarse de la protección de los intereses morales y materiales que le correspondan por razón de las producciones científicas, literarias o artísticas de que sea autora. 2. Entre las medidas que los Estados partes en el presente Protocolo deberán adoptar para asegurar el pleno ejercicio de este derecho figurarán las necesarias para la conservación, el desarrollo y la difusión de la ciencia, la cultura y el arte. 3. Los Estados partes en el presente Protocolo se comprometen a respetar la indispensable libertad para la investigación científica y para la actividad creadora. 4. Los Estados partes en el presente Protocolo reconocen los beneficios que se derivan del fomento y desarrollo de la cooperación y de las relaciones internacionales en cuestiones científicas, artísticas y culturales, y en este sentido se comprometen a propiciar una mayor cooperación internacional sobre la materia.”

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de 1976, la de los Derechos del Hombre y de los Pueblos de 27 de junio de 1981 (art. 17 y art. 22). La Convención sobre Protección y Promoción de la Diversidad de Expresión Cultural de 20 de noviembre de 2005 entre otros. En el ámbito constitucional se ha recogido el anhelo del Pacto y muchas constituciones, de la cultura euroatlántica en el que estamos inmersos (más concretamente hispano -luso-americana) proclaman derechos culturales, y el derecho a la cultura. Así las jurisdicciones internas están divididas según el efecto directo del Pacto Internacional de los Derechos Económicos, Sociales y Culturales de forma que las Constituciones recogen tanto los derechos culturales como las obligaciones de los Estados de garantizar y promover dichos derechos, Tal es el caso de las Constituciones de Brasil, Cuba, Colombia, Ecuador, España, Guatelama, el Salvador, Nicaragua, Panamá, Portugal, República Dominicana y Venezuela. En otras predomina un enfoque pragmático y casuístico en función de su vinculación con el derecho a la educación como es el caso de Costa Rica y Honduras o la realidad cultural indigenista como es el caso de Paraguay , Bolivia y Mejico . Otras no recogen el derecho, pero siencontramos referencia a la cultura y al patrimonio cultural como ocurre con el texto fundamental Argentino , Uruguayo y el Chileno, siendo que la Constitución de Puerto Rico no regula ninguno de estos extremos. Finalmente, la constitución Peruana se expresa en términos de libertad de creación intelectual, artística y técnica estableciendo que el Estado propicia el acceso a la cultura364. PROTOCOLO FACULTATIVO DEL PACTO DE DERECHOS ECONÓMICOS SOCIALES Y CULTURALES PARA LA EFICACIA Y EL CUMPLIMIENTO DEL ART 15 El Pacto y su desarrollo a través del Comité obliga a los Estados partes a reconocer y aplicar progresivamente los Derechos económicos, sociales 364

  En la Constitución Política del Perú de 1993, actualizada hasta reformas introducidas por la Ley 27365, del 02.11.2000, encontramos en TÍTULO IDE LA PERSONA Y DE LA SOCIEDAD CAPÍTULO I DERECHOS FUNDAMENTALES DE LA PERSONA su artículo 2 Toda persona tiene derecho a: 8 la libertad de creación intelectual, artística, técnica y científica, así como a la propiedad sobre dichas creaciones y a su producto. El Estado propicia el acceso a la cultura y fomenta su desarrollo y difusión…19. A su identidad étnica y cultural. El Estado reconoce y protege la pluralidad étnica y cultural de la Nación. 253

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y culturales, pero no incluye ningún mecanismo jurídico que las exija lo que le configura como un instrumento de soft law de carácter programático. En 1990, se comenzaron los trabajos preparatorios de un Protocolo Facultativo, teniendo un decisivo impulso en la Conferencia Mundial de Derechos Humanos de 1993, que recomendó a la Comisión de Derechos Humanos y al Comité el desarrollo de tal instrumento para dotar de eficacia real a los derechos sociales y culturales así como efectiva exigencia a las obligaciones de los Estados. El primer borrador se presentó en 1997, pero no fue hasta el 2002 cuando el Comité finalmente estableció un grupo de trabajo de composición abierta para definir los extremos del Protocolo que se concretaron en el 2006 cuando el Consejo de Derechos Humanos de las Naciones Unidas marcó la tarea de formalizar el borrador del Protocolo que se adoptó por unanimidad en la Asamblea General de Naciones Unidas el 10 de diciembre de 2008365. El Protocolo Facultativo establece un mecanismo de denuncias individuales para el PIDESC similares a las del Primer Protocolo Facultativo del Pacto Internacional de Derechos Civiles y Políticos.Según su art. 1 las partes firmantes se comprometen a reconocer la competencia del Comité de Derechos Económicos, Sociales y Culturales para examinar las denuncias de personas o grupos que afirman que sus derechos en virtud del Pacto han sido violados366. Para la admisión de la denuncia, el art 3 establece que previamente se han de haber agotado todos los medios internos de los paises, no estando permitidas las quejas o denuncias anónimas o las que no se cursen por escrito, las que traten de hechos anteriores a la ratificación del país en las que se den las denuncias entre otros requisitos de admisión como las que representen abuso de derecho 367 . 365

  (AG, resolución A/RES/63/117)

366 

Artículo 1 Competencia del Comité para recibir y examinar comunicaciones 1. Todo Estado Parte en el Pacto que se haga Parte en el presente Protocolo reconocerá la competencia del Comité para recibir y examinar comunicaciones conforme a lo dispuesto en el presente Protocolo. 2. El Comité no recibirá ninguna comunicación que concierna a un Estado Parte en el Pacto que no sea parte en el presente Protocolo.

367   Artículo 3: 1. El Comité no examinará una comunicación sin antes haberse cerciorado de que se han agotado todos los recursos disponibles en la jurisdicción interna. No se aplicará esta norma cuando la tramitación de esos recursos se prolongue iijustificadamente. 2. El Comité declarará inadmisible toda comunicación que: a) No se haya presentado en el plazo de un año tras el agotamiento de los recursos internos, salvo en los casos en que el autor pueda demostrar que no fue posible presentarla dentro de ese plazo; b) Se refiera a hechos sucedidos antes de la fecha de entrada en vigor del pre-

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Es significativamente importante la posibilidad que da el art 5 de establecer medidas provisionales. Así tras haber recibido una comunicación y antes de pronunciarse sobre su fondo, en cualquier momento el Comité podrá dirigir al Estado Parte interesado, a los fines de su examen urgente, una solicitud para que adopte las medidas provisionales que sean necesarias en circunstancias excepcionales a fin de evitar posibles daños irreparables a la víctima o las víctimas de la supuesta violación. Al respecto dicho artículo en su apartado 2 aclara que el uso de las anteriores medidas no presupone la admisibilidad ni la realización de un pre-juicio sobre el asunto. Los artículos 6, 8 y 9 determinan las facultades que tiene el Comité de pedir información y hacer recomendaciones a los países firmantes. Así indica en su artículo 6 respecto transmisión de la comunicación que al menos que el Comité considere que una comunicación es inadmisible sin remisión al Estado Parte interesado, el Comité pondrá en su conocimiento de forma confidencial, toda comunicación que reciba con arreglo al Protocolo, teniendo el Estado receptor un plazo de seis meses para presentar por escrito explicaciones o declaraciones en que se aclare la cuestión y se indiquen, en su caso, las medidas correctivas que haya adoptado . En lo que se refiere al examen de las comunicaciones, el art. 8 establece que el Comité examinará en sesiones privadas las comunicaciones a la luz de toda la documentación que se haya puesto a su disposición, siempre que esa documentación sea transmitida a las partes interesadas. Pudiendo consultar, según convenga, documentación procedente de otros órganos, organismos especializados, fondos, programas y mecanismos de las Naciones Unidas y de otras organizaciones internacionales, incluidos los sistemas regionales de derechos humanos, y cualesquiera observaciones y comentarios del Estado Parte interesado. Al examinar las comunicaciones considerará hasta qué punto son razonables las medidas que han sido adoptadas. sente Protocolo para el Estado Parte interesado, salvo que esos hechos hayan continuado después de esa fecha; c) Se refiera a una cuestión que ya haya sido examinada por el Comité o haya sido o esté siendo examinada con arreglo a otro procedimiento de examen o arreglo internacional; d) Sea incompatible con las disposiciones del Pacto; e) Sea manifiestamente infundada, no esté suficientemente fundamentada o se base exclusivamente en informes difundidos por los medios de comunicación; f) Constituya un abuso del derecho a presentar una comunicación, o g) Sea anónima o no se haya presentado por escrito. 255

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En lo que atañe al seguimiento de las observaciones del Comité, hará llegar a las partes interesadas su dictamen sobre la comunicación, junto con sus recomendaciones, si las hubiere, debiendo el Estado Parte darles la debida consideración, y procederá al envio en seis meses, de una respuesta por escrito que incluya información sobre toda medida que haya adoptado a la luz del dictamen y las recomendaciones del Comité que puede solicitar más información sobre las medidas adoptadas en respuesta a su dictamen o sus recomendaciones según el art. 9. Salvo que se llegue a la solución amigable del artículo 7, los Estados pueden también optar por permitir al Comité escuchar quejas de otros firmantes, además de los individuos y los grupos368.. 368

  Artículo 10 Comunicaciones entre Estados 1. Todo Estado Parte en el presente Protocolo podrá declarar en cualquier momento, en virtud del presente artículo, quereconoce la competencia del Comité para recibir y examinar comunicaciones en las que un Estado Parte alegue que otro Estado Parte no cumple sus obligaciones dimanantes del Pacto. Las comunicaciones presentadas conforme a este artículo sólo se recibirán y examinarán si las presenta un Estado Parte que haya reconocido con respecto a sí mismo la competencia del Comité en una declaración al efecto. El Comité no recibirá ninguna comunicación que se refiera a un Estado Parte que no haya hecho tal declaración. Las comunicaciones que se reciban conforme a este artículo quedarán sujetas al siguiente procedimiento: a) Si un Estado Parte en el presente Protocolo considera que otro Estado Parte no está cumpliendo con sus obligaciones en virtud del Pacto, podrá, mediante comunicación por escrito, señalar el asunto a la atención de ese Estado Parte. El Estado Parte podrá también informar al Comité del asunto. En un plazo de tres meses contado desde la recepción de la comunicación, el Estado receptor ofrecerá al Estado que haya enviado la comunicación una explicación u otra declaración por escrito en la que aclare el asunto y, en la medida de lo posible y pertinente, haga referencia a los procedimientos y recursos internos hechos valer, pendientes o disponibles sobre la materia; b) Si el asunto no se resuelve a satisfacción de ambos Estados Partes interesados dentro de seis meses de recibida la comunicación inicial por el Estado receptor, cualquiera de ellos podrá remitir el asunto al Comité mediante notificación cursada al Comité y al otro Estado; c) El Comité examinará el asunto que se le haya remitido sólo después de haberse cerciorado de que se han hecho valer y se han agotado todos los recursos internos sobre la materia. No se aplicará esta norma cuando la tramitación de esos recursos se prolongue injustificadamente d) Con sujeción a lo dispuesto en el apartado c) del presente párrafo, el Comité pondrá sus buenos oficios a disposición de los Estados Partes interesados con miras a llegar a una solución amigable de la cuestión sobre la base del respeto de las obligaciones establecidas en el Pacto; e) El Comité celebrará sesiones privadas cuando examine las comunicaciones a que se refiere el presente artículo; f) En todo asunto que se le remita de conformidad con el apartado b) del presente párrafo, el Comité podrá pedir a los Estados Partes interesados que se mencionan en el apartado b) que faciliten cualquier otra información pertinente; g) Los Estados Partes interesados que se mencionan en el apartado b) del presente párrafo tendrán derecho a estar representados cuando el asunto sea examinado por el Comité y a hacer declaraciones oralmente y/o por escrito; h) El Comité presentará, a la mayor brevedad posible a partir de la fecha de recepción de la notificación a que se refiere el apartado b) del presente párrafo, un informe, como se indica a continuación: i) Si se llega al tipo de solución previsto en el apartado d) del presente párrafo, el Comité limitará su informe a

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En el artículo 11 se recoge un mecanismo de investigación a través del cual se permite al Comité investigar, reportar y hacer recomendaciones acerca de “violaciones graves o sistemáticas” a la Convención369. Para que el Protocolo tenga vigencia requiere que al menos 10 Estados lo ratifiquen, teniendo en cuenta que cuando se redacta este artículo lo han firmado Eslovaquia, España, Ecuador, Mongolia, El Salvador, Argentina, Bolivia y Bosnia & Herzegovina y que Irlanda ha anunciado que lo firmará, parece que en breve se dará lo que en palabras de Navi PILLAY, Alto Comisionado para Derechos una breve exposición de los hechos y de la solución a que se haya llegado; ii) Si no se llega al tipo de solución previsto en el apartado d), el Comité expondrá en su informe los hechos pertinentes al asunto entre los Estados Partes interesados. Se adjuntarán al informe las declaraciones por escrito y una relación de las declaraciones orales hechas por los Estados Partes interesados. El Comité podrá también transmitir únicamente a los Estados Partes interesados cualesquiera observaciones que considere pertinentes al asunto entre ambos. En todos los casos, el informe se transmitirá a los Estados Partes interesados. 2. Los Estados Partes depositarán la declaración prevista en el párrafo 1 del presente artículo en poder del Secretario General de las Naciones Unidas, quien remitirá copias de la misma a los demás Estados Partes. La declaración podrá retirarse en cualquier momento mediante notificación al Secretario General. Dicho retiro se hará sin perjuicio del examen de asunto alguno que sea objeto de una comunicación ya transmitida en virtud del presente artículo; después de que el Secretario General haya recibido la notificación de retiro de la declaración, no se recibirán nuevas comunicaciones de ningún Estado Parte en virtud del presente artículo, a menos que el Estado Parte interesado haya hecho una nueva declaración. 369   Art 11 1. Cualquier Estado Parte en el presente Protocolo podrá en cualquier momento declarar que reconoce la competencia del Comité prevista en el presente artículo. 2. Si el Comité recibe información fidedigna que da cuenta de violaciones graves o sistemáticas por un Estado Parte de cualquiera de los derechos económicos, sociales y culturales enunciados en el Pacto, el Comité invitará a ese Estado Parte a colaborar en el examen de la información y, a esos efectos, a presentar sus observaciones sobre dicha información. 3. El Comité, tomando en consideración las observaciones que haya presentado el Estado Parte interesado, así como cualquier otra información fidedigna puesta a su disposición, podrá encargar a uno o más de sus miembros que realice una investigación y presente con carácter urgente un informe al Comité. Cuando se justifique y con el consentimiento del Estado Parte, la investigación podrá incluir una visita a su territorio. 4. La investigación será de carácter confidencial y se solicitará la colaboración del Estado Parte en todas las etapas del procedimiento. 5. Tras examinar las conclusiones de la investigación, el Comité las transmitirá al Estado Parte interesado junto con las observaciones y recomendaciones que estime oportunas. 6. En un plazo de seis meses después de recibir los resultados de la investigación y las observaciones y recomendaciones que le transmita el Comité, el Estado Parte interesado presentará sus propias observaciones al Cmité. 7. Cuando hayan concluido las actuaciones relacionadas con una investigación hecha conforme al párrafo 2 del presente artículo, el Comité podrá, tras celebrar consultas con el Estado Parte interesado, tomar la decisión de incluir un resumen de los resultados del procedimiento en su informe anual previsto en el artículo 15 del presente Protocolo. 8. Todo Estado Parte que haya hecho una declaración con arreglo al párrafo 1 del presente artículo podrá retirar dicha declaración en cualquier momento mediante notificación al Secretario General. Este artículo se completa con el 12 referente al seguimiento del procedimiento de investigación.

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Humanos: un momento histórico en la evolución de la protección de los derechos humanos donde se dé la satisfacción a las victimas de las violaciones de derechos económicos, sociales y culturales. Se cerrará la diferencia histórica en la protección de los derechos humanos reafirmándose la misma importancia de los de derechos económicos, sociales y culturales en relación con los derechos civiles y políticos.370 Hasta que lo anterior sea una realidad, hoy para dar eficacia al Pacto, se enuncia en su art 16 el procedimiento de información cuyas pautas fueron revisas por primera vez a comienzos de los años 90 del siglo pasado, por el Comité estableciendo que el procedimiento de información en especial para el art.15 requiere que los representantes de los Estados expliquen las medidas normativas, administrativas , económicas y de otro carácter que han sido utilizadas para cumplir con la exigencia de respeto, garantía y protección del derecho de acceso a la cultura, a manifestar su cultura y a participar en la vida cultural 371. Según los criterios establecidos de forma concreta, el Comité desea tener información sobre, el presupuesto asignado y los recursos disponibles para el fomento de la cultura, las instituciones y órganos creados para tal función, cómo se llega a la sociedad, a través de qué medios de comunicación y qué se plantea en la conservación del patrimonio cultural material e inmaterial de la humanidad. El Comité también solicita a los Estados que aporten datos del sistema 370

  Noticias de la UNESCO : 4 September 2009 The United Nations human rights chief urged Member States to sign and ratify a new instrument that strengthens the protection of economic, social and cultural rights, which opened for signature today.The Optional Protocol to the International Covenant on Economic, Social and Cultural Rights – adopted in December 2008 – will enable victims to complain about violations of the rights enshrined in the Covenant at the international level for the first time.“This is a historic moment in the evolution of the protection of human rights and in providing access to remedies to victims of violations of economic, social and cultural rights,” High Commissioner for Human Rights Navi Pillay told a ceremony at UN Headquarters in New York.She said the Optional Protocol closes a historic gap in human rights protection, as it reaffirms the equal importance of economic, social and cultural rights with civil and political rights.

371

  Artículo 16 1. Los Estados Partes en el presente Pacto se comprometen a presentar, en conformidad con esta parte del Pacto, informes sobre las medidas que hayan adoptado, y los progresos realizados, con el fin de asegurar el respeto a los derechos reconocidos en el mismo. 2. a) Todos los informes serán presentados al Secretario General de las NacionesUnidas, quien transmitirá copias al Consejo Económico y Social para que las examineconforme a lo dispuesto en el presente Pacto; b) El Secretario General de las Naciones Unidas transmitirá también a los organismos especializados copias de los informes, o de las partes pertinentes de éstos, enviados por los Estados Partes en el presente Pacto que además sean miembros de estos organismos especializados, en la medida en que tales informes o partes de ellos tengan relación con materias que sean de la competencia de dichos organismos conforme a sus instrumentos constitutivos.

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educativo y los mismos extremos de arriba respecto a la promoción de la ciencia y el arte. Se preocupa especialmente disponer de datos sobre la protección, respeto y garantía del patrimonio y los derechos culturales de las minorías y las poblaciones indígenas y más recientemente insiste en la necesidad de conocer y contrastar datos sobre la promoción de la identidad cultural como un factor de reconocimiento mutuo entre individuos, grupos, naciones y regiones, fundamental para la paz y el desarrollo de la humanidad. El procedimiento de información del art 16 es poco eficaz y destaca, diferenciándose del procedimiento de reclamación por incumplimiento de los derechos Civiles y Políticos (artículo 40 del PIDCP) Resulta asombroso el tratamiento que se da a los derechos culturales que aparecen ciertamente como la hermana pobre del cuento la“cenicienta” pese a la disposición preámbular común a ambos pactos que indica que todos los derechos humanos están vinculados y tienen la misma importancia. En ese sentido y vinculado al inaceptable retraso de los derechos culturales recordemos el contenido del art 5 de la convención de Viena: Todos los derechos humanos son universales, indivisibles e interdependientes y están relacionados entre sí. La comunidad internacional debe tratar los derechos humanos en forma global y de manera justa y equitativa, en pie de igualdad y dándoles a todos el mismo peso. Debe tenerse en cuenta la importancia de las particularidades nacionales y regionales, así como de los diversos patrimonios históricos, culturales y religiosos, pero los Estados tienen el deber, sean cuales fueren sus sistemas políticos, económicos y culturales, de promover y proteger todos los derechos humanos y las libertades fundamentales.372 La firma del Pacto obliga pues de forma inmediata, aunque su desarrollo se haga de forma progresiva, su respeto y protección nos dirige nuevamente a la inexcusable dificultad de saber con exactitud qué ha de respetarse y que protegerse. Al respecto ha quedado ya arriba apuntado la referencia a su contenido esencial que no es otro que la manifestación que tiene la dignidad de la persona en el quehacer del hombre como ser cultural, sin el cual el derecho quedaría desnaturalizado, con meramente valor programático carente del sentido y significado que su pertenecía 372

 A/CONF.157/23  12 de julio de 1993 CONFERENCIA MUNDIAL DE DERECHOS HUMANOS Viena, 14 a 25 de junio de 1993 259

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a la categoría de Derechos Humanos le otorga.

CONCLUSIONES Partiendo de que en la Cultura operan tres componentes estructurales: un sistema de valores, la conducta y la comunicación social y la creatividad traemos aquí de entre las posibles definiciones la de la UNESCO por la que entendemos la Cultura como un sistema de valores dinámico que consta de elementos aprendidos, convenciones, creencias y normas que permiten a los miembros de un grupo relacionarse entre sí y con el mundo, comunicarse y desarrollar su potencial creativo373.  En la actualidad, tecnológica, globalizada, frenética e individualista en la que la crisis económica y la decadencia moral de la primera década del siglo XXI, exigen un cambio de sistema donde se complementen la postura universalista que expresa el derecho de todos los seres humanos al acceso a la cultura, y la determinista que se refiere al derecho de cada uno a su cultura o a la identidad cultural. Al decir de Véronique CHAMPEIL-DESPLATS: estas dos dimensiones de los derechos culturales pueden trabajar juntas y complementarse. Es difícilmente concebible que la identidad cultural del individuo se construya de forma aislada, independientemente de toda relación con uno o varios grupos socioculturales. Los derechos culturales reconocidos a un grupo, favorecen entonces a los del individuo y viceversa. Pero está lógica no está siempre garantizada.374 Respondiendo de antemano a que efectivamente hay múltiples y macabros ejemplos en los que parece ponerse de manifiesto su imposible vinculación, ello no es suficiente razón para ir contra el anterior planteamiento, pues la dignidad de la persona sirve como criterio interpretativo y de ponderación   Definición de la comisión canadiense de la UNESCO. 

373 374

  CHAMPEIL-DESPLATS V.: “The Right To The Culture As Fundamental Right “en Revista electronica Iberoamericana Vol 4, n1 2010 del Centro de Estudios Iberoamericanos Universidad Rey Juan Carlos Vol 4, n1, Madrid, 2010 p 105. Recomiendo la lectura integra del artículo donde la autora vierte interesante y valientes consideraciones sobre la fundamentalidad de los derechos culturales y especialmente del derecho a la Cultura. p 92 a 116

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en terminología de ALEXY para conciliar lo que parece irreconciliable. Sirvan como ejemplo las costumbres culturales ligadas a las mutilaciones genitales o el trato desigual y degradante de las mujeres. Bajo la premisa de la Dialéctica de los derechos humanos, sólamente cabe la complementariedad que destierra cualquier acto, cualquier manifestación activa o pasiva que viole, infrinja o desconozca la dignidad de la persona en toda su plenitud, sea propia de un acerbo cultural, de una tradición, de un acto de Estado o de un individuo. La dignidad de la persona como fundamento de los derechos culturales, se culturaliza, se completa y amplía incorporando valores culturales y viceversa la cultura se dignifica como expresión de la proyección colectiva de los derechos culturales. Expresamente lo indica el art I.1 de la Declaración de principios de la Cooperación Cultural Internacional, cuando afirma “toda cultura tiene una dignidad y un valor que deben ser respetados y protegidos”375. Situados en la Dialéctica de los derechos humanos, entendemos que las obligaciones de reconocer, garantizar y promocionar de la Comunidad Internacional, surgen del reconocimiento coherente de todos los Derechos Humanos, y así la teoría tripartita expresa de forma simultánea tales obligaciones. Es desde está posición ecléctica, desde donde quedan vinculadas las magníficas aportaciones situadas a un lado y al otro, como las de BENDA en la Traición de los intelectuales, 376 y las de LEVY-STRAUSS 377 que se unen en el objetivo común de escuchar las voces que claman desde hace años por hacer reales y efectivos los derechos culturales pues su falta de respeto va contra la existencia misma del ser humano presente y futuro. MEYER –BISCH lo expresa brillantemente al decir que los derechos culturales son “la expresión de la idea del 375 

Declaración proclamada en Paris el 4 de noviembre de 1996 (XIV reunión) Conferencia General de la UNESCO.

376

  BENDA ya comienzos del siglo XX critica severamente la renuncia al conocimiento y a la defensa de valores inmutables y universales de los intelectuales deterministas, que juzga causa de la decadencia. Todavía nos persigue aquella realidad que hoy ha cobrado carta de naturaleza en las sociedades contemporáneas donde la cultura y los derechos culturales se desintegran por su falta definición, garantía y exigencia. identitaria hacia las que conduciría el diferencialismo cultural

El destacado antropólogo manifiestó a solicitud de la UNESCO a mediados del siglo XX que el hombre comprende su naturaleza dentro de las culturas tradicionales definidas en el tiempo y el espacio. Indica que la unidad y la identidad de la humanidad, se alcanzan progresivamente y la diversidad de culturas muestran los momentos de un proceso que esconde una realidad más profunda… LEVY STRAUSS C.: Race ET histoire, Paris, Denoël, coll. Folio, Essais, 1952, réed. 1987. p 23.

377 

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hombre, no tanto de la naturaleza humana en sentido clásico, sino de su cultura, esencial al sujeto porque no hay naturaleza humana sin cultura”. 378 Con este significado una visión panorámica sitúa el comienzo del reconocimiento de los derechos culturales en la segunda generación de derechos y libertades por ser un derecho que requiere una posición proactiva del Estado aunque también participa en Derechos y libertades de la primera y tercera generación. Siguiendo a Jesus PRIETO DE PEDRO, “los derechos culturales son derechos complejos que están presentes en todas las “generaciones de los derechos fundamentales” que se han ido gestando históricamente: a saber, los derechos de libertad, de igualdad y de solidaridad” Se impone una concepción integral de los derechos culturales, siguiendo el vínculo que une a todos los derechos humanos, especialmente los derechos culturales que integran derechos donde el hombre muestra , expone y genera lo que su espíritu crea, de tal forma que en ellos cobran sentido la libertad y sus expresiones de pensamiento, de culto de opinión de creación artística, científica, comunicativas, los derechos como el derecho de acceso a la cultura y los derechos de autor, los derechos de identidad cultural , y los deberes, como el de conservación del patrimonio cultural… 379. Parece que es una seña de identidad particularizada y contextualizada en los derechos culturales su falta de desarrollo y atención por parte de los ordenamientos jurídicos y de los juristas. Así lo denunció el grupo de Friburgo que llamó a su trabajo “los derechos culturales una categoría subdesarrollada de derechos humanos” y que junto con la UNESCO y el Consejo de Europa, realizó un ambicioso esfuerzo, que todavía no ha sido aprobado, por marcar las posibles líneas maestras de una Declaración de Derechos Culturales. En el mismo sentido, destaca la comentada publicación de Janusz SYMONIDES Cultural rights: a neglected category of human rights380, y más recientemente la referencia de Yvonne DONDERS que los enuncia como “la cenicienta de la familia de los derechos humanos” 381. MEYER-BISCH P., “Les droits culturels forment-ils une catégorie spécifique de droits de l’homme? Quelques difficultés logiques”, en Les droits culturels Les droits culturels: une catégorie sous-développée de droits de l’homme, Suisse, éditions de Fribourg, 1993, p. 20.

378 

379

  PRIETO DE PEDRO, J.: “Derechos culturales, el hijo pródigo de los Derechos Humanos” ,Revista Crítica, número 952, marzo 2008, pp. 20-21.

380

  En International Social Science Journal Volume 50, Issue 158, pages 559–572, December 1998 vease también del mismo autor, Human Rights, Concept and Standards, UNESCO Publishing, París, 2000. 381 

El marco legal del derecho a participar en la vida cultural en Derechos Culturales y Desarrollo

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A nivel internacional, se ha dado un gran paso hacia la armonización de los regímenes jurídicos de los distintos tipos de derechos humanos con la firma, el 10 de diciembre de 2008 del Protocolo Facultativo del Pacto Internacional relativo a los Derechos Económicos, Sociales y Culturales de las Naciones Unidas. Proporciona un mecanismo de comunicaciones individuales y colectivas que permite garantizar realmente los derechos culturales. Sirvan las presentes consideraciones en torno al artículo 15 PIDESC para animar a los Estados a firmar el Protocolo Facultativo, también para denunciar la desidia, y expresar la vergüenza que desde una visión del Derecho como expresión cultural esta realidad evoca y que en nada justifica aquellas consideraciones que arriba mencionaba sobre las dificultades conceptuales que se ciernen sobre los derechos culturales y el derecho a la Cultura, baste recordar que la dignidad de la persona en ningún lugar está definida de manera expresa, no sirven pues aquellos argumentos para esconder la verdad, el derecho a la Cultura y los derechos culturales no se han desarrollado por las implicaciones económicas que ello exige, a las que los poderes establecidos ni quieren – ni pueden ahora en el caso de muchos países en Europa- responder. Nos situamos en las peligrosas aguas que desembocan en una discusión ya superada teóricamente desde Kant382 ¿los derechos humanos son, o los derechos humanos valen? Lógicamente los derechos humanos son y los derechos culturales son derechos humanos. Frente a posicionamientos utilitaristas que justifican la imposibilidad de dar cobertura a los derechos de prestación cuando no hay recursos en los Estados debemos recordar que el fundamento lógico, deontológico y ontológico de los derechos humanos es la persona, su dignidad383 por tanto no Humano, Publicación de textos del diálogo del Fòrum Universal de las Culturas en Barcelona, AECI, Madrid, 2004, p.153. 382

  Recordemos que en términos kantianos la dignidad de la persona y por lo tanto también los derechos que le son inherentes es el valor intrínseco del la persona moral, la cual no admite equivalentes. La dignidad no debe ser confundida con ninguna cosa, con ninguna mercancía, dado que no se trata de nada útil ni intercambiable o provechoso. Lo que puede ser reemplazado y sustituido no posee dignidad, sino precio. Cuando a una persona se le pone precio se la trata como a una mercancía. “Persona es el sujeto cuyas acciones son imputables (...) Una cosa es algo que no es susceptible de imputación” Kant, I: La metafísica de las costumbres, Tecnos, Madrid, 1989, p 30. 383 

La adopción en la Declaración Universal de los Derechos Humanos del concepto central de “dignidad humana” muestra que los redactores intentaron proteger el derecho de los pueblos al respeto de su cultura como parte de su identidad, historiad, y por lo tanto de su dignidad. FRANCIONI F., 263

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sirven criterios materiales para justificar su desconocimiento. Si un Estado no posee recursos para cumplir con los compromisos que comportan los derechos humanos, el contrato social se revoca por ineficacia sobrevenida, el Estado de Derecho se desquebraja en el mejor de los casos, en el peor deja de ser a la luz del artículo 16 de la Declaración Universal y la Democracia es Democracia maquillada pues no es el gobierno de todos, sino de unos que deciden sobre todos.

NOTAS DO AUTOR La Constitución Brasileña de 1988 expresa en su CAPÍTULO III - DE LA EDUCACIÓN, DE LA CULTURA Y DEL DEPORTE, especialmente en la Sección II - De la Cultura donde se expresan los derechos y obligaciones del Estado en materia cultural a través de los siguientes arts. 215. El estado garantizará a todos el pleno ejercicio de los derechos culturales y el acceso a las fuentes de la cultura nacional, y apoyará e incentivará la valoración y difusión de las manifestaciones culturales.1o. El Estado protegerá las manifestaciones de las culturales populares, indígenas y afro-brasileñas y los otros grupos participantes en el proceso de civilización nacional. ...el art. 216 expresa que bienes constituyen patrimonio cultural brasileño y establece que el poder Público, con la colaboración de la Comunidad, lo promoverá y protegerá, por medio de inventarios, registros, vigilancia, catastros y desaprobación, y de otras formas de prevención y conservación. En su apartado 4 indica que los daños y amenazas al patrimonio cultural serán castigados en la forma de la ley y en el 5. Expresa que quedan registrados todos los documentos y los lugares detentadores de reminiscencias históricas de los antiguos “quilombos”. La regulación de la cultura en la Constitución cubana tiene un marcado carácter socialista así el art artículo 9 indica que el Estado:1. realiza la voluntad del pueblo trabajador y… asegura el avance educacional, científico, técnico y cultural del país También como Poder del pueblo, en servicio del propio pueblo, garantiza: que no haya persona que no tenga acceso al estudio, la cultura y el deporte; Su Capítulo V EDUCACIÓN Y CULTURA expresa en el artículo 39.- El Estado orienta, fomenta y promueve la educación, la cultura y las ciencias en todas sus manifestaciones. En su política educativa y cultural se atiene a los postulados siguientes: 1. fundamenta su política educacional y cultural en los avances de la ciencia y la técnica, el ideario marxista y martiano, la tradición pedagógica progresista cubana y la universal; 2. la enseñanza es función del Estado y es gratuita. Se basa en las “Culture, Cultural Heritage and Human Rights: an introduction”, en FRANCIONI F., SCHEIMIN M. (dir.), Cultural Human Rights, International Studies in Human rights, Leiden/Boston, Martinus Nijhoff Publishers, p. 8, citado por. BORIES C, Les Etats et le patrimoine culturel en droit international, Thèse Paris X-Nanterre, 2008, p. 241. 264

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conclusiones y aportes de la ciencia y en la relación más estrecha del estudio con la vida, el trabajo y la producción…3. promover la educación patriótica y la formación comunista de las nuevas generaciones y la preparación de los niños, jóvenes y adultos para la vida social. Para realizar este principio se combinan la educación general y las especializadas de carácter científico, técnico o artístico, con el trabajo, la investigación para el desarrollo, la educación física, el deporte y la participación en actividades políticas, sociales y de preparación militar; ch) es libre la creación artística siempre que su contenido no sea contrario a la Revolución. Las formas de expresión en el arte son libres. En la CONSTITUCION POLITICA DE COLOMBIA 1991 se recoge la cultura en su artículo 2 como fin del estado y especialmente el art70 establece que el Estado tiene el deber de promover y fomentar el acceso a la cultura de todos los colombianos en igualdad de oportunidades, por medio de la educación permanente y la enseñanza científica, técnica, artística y profesional en todas las etapas del proceso de creación de la identidad nacional. La cultura en sus diversas manifestaciones es fundamento de la nacionalidad. El Estado reconoce la igualdad y dignidad de todas las que conviven en el país. El Estado promoverá la investigación, la ciencia, el desarrollo y la difusión de los valores culturales de la Nación. También ha de tenerse en cuenta el artículo 71. La búsqueda del conocimiento y la expresión artística son libres. Los planes de desarrollo económico y social incluirán el fomento a las ciencias y, en general, a la cultura… El Artículo 7 indica que el patrimonio cultural de la Nación está bajo la protección del Estado. El patrimonio arqueológico y otros bienes culturales que conforman la identidad nacional, pertenecen a la Nación y son inalienables, inembargables e imprescriptibles. La leyestablecerá los mecanismos para readquirirlos cuando se encuentren en manos de particulares y reglamentará los derechos especiales que pudieran tener los grupos étnicos asentados en territorios de riqueza arqueológica. La Constitución de Ecuador de 2008 Sección cuarta CULTURA Y CIENCIA Art. 21.- Las personas tienen derecho a construir y mantener su propia identidad cultural, a decidir sobre su pertenencia a una o varias comunidades culturales y a expresar dichas elecciones; a la libertad estética; a conocer la memoria histórica de sus culturas y a acceder a su patrimonio cultural; a difundir sus propias expresiones culturales y tener acceso a expresiones culturales diversas. No se podrá invocar la cultura cuando se atente contra los derechos reconocidos en la Constitución. Art. 22.- Las personas tienen derecho a desarrollar su capacidad creativa, al ejercicio digno y sostenido de las actividades culturales y artísticas, y a beneficiarse de la protección de los derechos morales y patrimoniales que les correspondan por las producciones científicas, literarias o artísticas de su autoría. Art. 23.- Las personas tienen derecho a acceder y participar del espacio…. . Art. 25.- Las personas tienen derecho a gozar de los beneficios y aplicaciones del progreso científico y de los saberes ancestrales. Incluye un nuevo título. Destaca el Título VII RÉGIMEN DEL BUEN VIVIR Sección quinta que regula la Cultura donde se expresa el Art. 377 que el sistema nacional de cultura tiene como finalidad fortalecer la identidad nacional; proteger y promover la diversidad de 265

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las expresiones culturales; incentivar la libre creación artística y la producción, difusión, distribución y disfrute de bienes y servicios culturales; y salvaguardar la memoria social y el patrimonio cultural. Se garantiza el ejercicio pleno de los derechos culturales. El 378 contempla el sistema nacional de cultura y el 379 está dedicado al patrimonio cultural tangible e intangible. De forma concreta las responsabilidades del Estado se expresan en el art. 380. En la Constitución española de 1978, enmarcados en el CAPÍTULO III DE LOS PRINCIPIOS RECTORES DE LA POLÍTICA SOCIAL Y ECONÓMICA se recogen los derechos culturales en el art 44.1. Los poderes públicos promoverán y tutelarán el acceso a la cultura, a la que todos tienen derecho.2. Los poderes públicos promoverán la ciencia y la investigación científica y técnica en beneficio del interés general. Y el art 46 que expresa que los poderes públicos garantizarán la conservación y promoverán el enriquecimiento del patrimonio histórico, cultural y artístico de los pueblos de España y de los bienes que lo integran, cualquiera que sea su régimen jurídico y su titularidad. La ley penal sancionará los atentados contra este patrimonio. Tambien se expresan las competencias autonómicas y estatales sobre esta materia en los arts 148 y 148. Constitución Política de la República de El Salvador de 1983, regula en la SECCION TERCERA la EDUCACION, CIENCIA Y CULTURA, especialmente destacable es el art. 53.- El derecho a la educación y a la cultura es inherente a la persona humana; en consecuencia, es obligación y finalidad primordial del Estado su conservación, fomento y difusión. El Estado propiciará la investigación y el quehacer científico. En la constitución política de Nicaragua y sus reformas de agosto de 2003 debemos de resaltar el TITULO I PRINCIPIOS FUNDAMENTALES en cuyo art. 5 indica queon principios de la nación nicaragüense: la libertad; la justicia; el respeto a la dignidad de la persona humana; el pluralismo político, social y étnico; el reconocimiento a las distintas formas de propiedad; la libre cooperación internacional; y el respeto a la libre autodeterminación de los pueblos El Estado reconoce la existencia de los pueblos indígenas, que gozan de los derechos, deberes y garantías consignados en la Constitución y en especial los de mantener y desarrollar su identidad y cultura, tener sus propias formas de organización social y administrar sus asuntos locales; así como mantener las formas comunales de propiedad de sus tierras y el goce, uso y disfrute de las mismas, todo de conformidad con la ley. Para las comunidades de la Costa Atlántica se establece el régimen de autonomía en la presente Constitución. Estas últimas se expresan en el CAPITULO VI DERECHOS DE LAS COMUNIDADES DE LA COSTA ATLANTICA art 89. El TITULO VII se refiere a la EDUCACIÓN Y CULTURA y en un CAPITULO ÚNICO recoge en los arts 126 y 127 los derechos y obligaciones culturales. Art. 126 Es deber del Estado promover el rescate, desarrollo y fortalecimiento de la cultura nacional, sustentada en la participación creativa del pueblo. El Estado apoyará la cultura nacional en todas sus expresiones, sean 266

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de carácter colectivo o de creadores individuales. Art. 127 La creación artística y cultural es libre e irrestricta. Los trabajadores de la cultura tienen plena libertad de elegir formas y modos de expresión. El Estado procurará facilitarles los medios necesarios para crear y difundir sus obras, y protege sus derechos de autor. Por su parte el art. 128 protege el patrimonio arqueológico, histórico, lingüístico, cultural y artístico. Especial mención ha de hacerse respecto al art 46 recoge expresamente la vinculación con la Declaración de Derechos Humanos y los Pactos.Art. 46 En el territorio nacional toda persona goza de la protección estatal y del reconocimiento de los derechos inherentes a la persona humana, del irrestricto respeto, promoción y protección de los derechos humanos y de la plena vigencia de los derechos consignados en la Declaración Universal de los Derechos Humanos; en la Declaración Americana de Derechos y Deberes del Hombre; en el Pacto Internacional de Derechos Económicos, Sociales y Culturales; en el Pacto Internacional de Derechos Civiles y Políticos de la Organización de las Naciones Unidas; y en la Convención Americana de Derechos Humanos de la Organización de Estados Americanos. La Constitución Política de la República de Panamá de 1972 modificada en el 2004 regula en su CAPITULO 4°la CULTURA NACIONAL a través de los artículo 80 a 86.Destacamos de forma expresa el art 80 en el que el Estado reconoce el derecho de todo ser humano a participar en la Cultura y por tanto debe fomentar la participación de todos los habitantes de la República en la Cultura Nacional. En el art 81 se explica que forma la Cultura Nacional y el 85 se refiere al patrimonio histórico de la Nación. El fomento de la cultura y su desarrollo se recoge en el art 86 al que nos remitimos. Respecto a las expresiones culturales de las minorías son reguladas los arts 87 y 90. CONSTITUCIÓN DE PORTUGAL DE 2 DE ABRIL DE 1976, versión 2005 Artículo 73.De la educación y la cultura 1. Todos tendrán derecho a la educación y a la cultura.2. El Estado promoverá la democratización de la educación y las condiciones para que la educación, realizadaa través de la escuela y de otros medios formativos, contribuya al desarrollo de la personalidad y al progreso de la sociedad democrática y socialista. 3. El Estado promoverá la democratización de la cultura, estimulando y asegurando el acceso de todos los ciudadanos, en especial de los trabajadores, al goce de la cultura y a la creación cultural, a través de organizaciones populares básicas, colectividades de cultura y recreo, medios de comunicación social y otros medios adecuados. Constitución de la República Dominicana, proclamada el 26 de enero. Publicada en la Gaceta Oficial No. 10561, del 26 de enero de 2010SECCIÓN III DE LOS DERECHOS CULTURALES Y DEPORTIVOS Artículo 64.- Derecho a la cultura. Toda persona tiene derecho a participar y actuar con libertad y sin censura en la vida cultural de la Nación, al pleno acceso y disfrute de los bienes y servicios culturales, de los avances científicos y de la producción artística y literaria. El Estado protegerá los intereses morales y materiales sobre las obras de autores e inventores. En consecuencia: 1) Establecerá políticas que promuevan 267

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y estimulen, en los ámbitos nacionales e internacionales, las diversas manifestaciones y expresiones científicas, artísticas y populares de la cultura dominicana e incentivará y apoyará los esfuerzos de personas, instituciones y comunidades que desarrollen o financien planes y actividades culturales; 2) Garantizará la libertad de expresión y la creación cultural, así como el acceso a la cultura en igualdad de oportunidades y promoverá la diversidad cultural, la cooperación y el intercambio entre naciones; 3) Reconocerá el valor de la identidad cultural, individual y colectiva, su importancia para el desarrollo integral y sostenible, el crecimiento económico, la innovación y el bienestar humano, mediante el apoyo y difusión de la investigación científica y la producción cultural. Protegerá la dignidad e integridad de los trabajadores de la cultura; 4) El patrimonio cultural de la Nación, material e inmaterial, está bajo la salvaguarda del Estado que garantizará su protección, enriquecimiento, conservación, restauración y puesta en valor. Los bienes del patrimonio cultural de la Nación, cuya propiedad sea estatal o hayan sido adquiridos por el Estado, son inalienables e inembargables y dicha titularidad, imprescriptible. Los bienes patrimoniales en manos privadas y los bienes del patrimonio cultural subacuático serán igualmente protegidos ante la exportación ilícita y el expolio. La ley regulará la adquisición de los mismos. En la Constitución de la República Bolivariana de Venezuela tras la reforma del 2009, el Artículo 9 con ocasión del idioma oficial hace referencia a los idiomas indígenas que también son de uso oficial para los pueblos indígenas y deben ser respetados en todo el territorio de la República, por constituir patrimonio cultural de la Nación y de la .humanidad. En el TÍTULO III DE LOS DERECHOS HUMANOS Y GARANTÍAS, Y DE LOS DEBERES se recoge el Capítulo VI De los derechos culturales y educativos donde el artículo 98 hace referencia a la creación cultural y al derecho a la inversión, producción y divulgación de la obra creativa, científica, tecnológica y humanística, el Estado reconocerá y protegerá la propiedad intelectual sobre las obras científicas, literarias y artísticas, invenciones, innovaciones, denominaciones, patentes, marcas y lemas de acuerdo con las condiciones y excepciones que establezcan la ley y los tratados internacionales suscritos y ratificados por la República en esta materia. Tiene una especial importancia al artículo 99 que recoge que :los valores de la cultura constituyen un bien irrenunciable del pueblo venezolano y un derecho fundamental que el Estado fomentará y garantizará, …. Las culturas populares son reguladas en el Artículo 100 y en el artículo 101 se establece que el Estado garantizará la emisión, recepción y circulación de la información cultural. Los medios de comunicación tienen el deber de coadyuvar a la difusión de los valores de la tradición popular y la obra de los o las artistas, escritores, escritoras, compositores, compositoras, cineastas, científicos, científicas y demás creadores y creadoras culturales del país…. En la Constitución política de la República de Costa Rica 1949 se recoge en el TITULO VII LA EDUCACION Y LA CULTURA el Artículo 89 que establece Entre los fines culturales de la República están: proteger las bellezas naturales, conservar y desarrollar el patrimonio 268

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histórico y artístico de la Nación y apoyar la iniciativa privada para el progreso científico y artístico En la Constitución de la República de Honduras, 1982 reformada en 1999 se recoge dentro de los derechos el CAPITULO VIII DE LA EDUCACIÓN Y CULTURA donde destacamos el art 17 en el que se regula el patrimonio cultural de la Nación, y el articulo 173 que recoge que : El Estado preservará y estimulará las culturas nativas, así como las genuinas expresiones del folclore nacional, el arte popular y las artesanías República de Bolivia, Constitución de 2009. Última actualización 5 Julio de 2011. Artículo 9. Son fines y funciones esenciales del Estado, además de los que establece la Constitución y la ley:.. 2. Garantizar el bienestar, el desarrollo, la seguridad y la protección e igual dignidad de las personas, las naciones, los pueblos y las comunidades, y fomentar el respeto mutuo y el diálogo intracultural, intercultural y plurilingüe. Artículo 10.I. Bolivia es un Estado pacifista, que promueve la cultura de la paz y el derecho a la paz, así como la cooperación entre los pueblos de la región y del mundo, a fin de contribuir al conocimiento mutuo, al desarrollo equitativo y a la promoción de la interculturalidad, con pleno respeto a la soberanía de los estados. Especialmente ha de destacarse el CAPÍTULO CUARTO DERECHOS DE LAS NACIONES Y PUEBLOS INDÍGENA ORIGINARIO CAMPESINOS art. 30 .2. En el marco de la unidad del Estado y de acuerdo con esta Constitución las naciones y pueblos indígena originario campesinos gozan de los siguientes derechos: A existir libremente. A su identidad cultural, creencia religiosa, espiritualidades, prácticas y costumbres, y a su propia cosmovisión. E CAPÍTULO SEXTO regula la EDUCACIÓN, INTERCULTURALIDAD Y DERECHOS CULTURALES, especialmente la SECCIÓN III que reza CULTURAS arts. 98 a102 donde se recoge la diversidad cultural como base esencial del Estado Plurinacional Comunitario se determina la interculturalidad como instrumento para la cohesión y la convivencia armónica y equilibrada entre todos los pueblos y naciones que deberá darse con respeto a las diferencias y en igualdad de condiciones. Expresamente en el 98.III se indica “.Será responsabilidad fundamental del Estado preservar, desarrollar, proteger y difundir las culturas existentes en el país. Los artículos 99 y 100 hacen referencia a su patrimonio cultural el 101 a las manifestaciones del arte y las industrias populares y el artículo 102 regula la protección de propiedad intelectual, individual y colectiva de las obras y descubrimientos de los autores, artistas, compositores, inventores y científicos que deja a desarrollo legislativo. Especialmente la Constitución paraguaya se refiere a la cultura y los pueblos indígenas en el CAPÍTULO V donde en el artículo 62 refiriéndose a los pueblos indígenas y grupos étnicos establece que: Esta Constitución reconoce la existencia de los pueblos indígenas, definidos como grupos de cultura anteriores a la formación y organización del Estado paraguayo. El art 63 se refiere a la identidad étnica, el 64 a la propiedad comunitaria, el 65 a la participación d estas poblaciones y el 66 a la educación y la asistencia. Cerrándose el capítulo con el artículo 67 sobre la exoneración. 269

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La Constitución Política de los Estados Unidos Mexicanos de 1917 actualizada según la reforma DOF 30-11- 2012 en su Artículo 2.espresa: La Nación Mexicana es única e indivisible.La Nación tiene una composición pluricultural sustentada originalmente en sus pueblos indígenas que son aquellos que descienden de poblaciones que habitaban en el territorio actual del país al iniciarse la colonización y que conserva sus propias instituciones sociales, económicas, culturales y políticas, o parte de ellas. Su Título Primero Capítulo I De los Derechos Humanos y sus Garantías recoge el artículo 4 que establece que: Esta Constitución reconoce y garantiza el derecho de los pueblos y las comunidades indígenas a la libre determinación y, en consecuencia, a la autonomía para:….Decidir sus formas internas de convivencia y organización social, económica, política y cultural. Toda persona tiene derecho al acceso a la cultura y al disfrute de los bienes y servicios que presta el Estado en la materia, así como el ejercicio de sus derechos culturales. El Estado promoverá los mediospara la difusión y desarrollo de la cultura, atendiendo a la diversidad cultural en todas sus manifestaciones y expresiones con pleno respeto a la libertad creativa. La ley establecerá los mecanismos para el acceso y participación a cualquier manifestación cultural. Toda persona tiene derecho a la cultura física y a la práctica del deporte. Corresponde al Estado su promoción, fomento y estímulo conforme a las leyes en la materia. La Constitución argentina expresa en su artículo 41 vinculado al derecho de todos los habitantes a un ambiente sano, y equilibrado, apto para el desarrollo humano hace referencia al patrimonio cultural. En el artículo 75 se indica que corresponde al Congreso: 17. Reconocer la preexistencia étnica y cultural de los pueblos indígenas argentinos…. 22. Aprobar o desechar tratados concluidos con las demás naciones y con las organizaciones internacionales ….La Declaración Americana de los Derechos y Deberes del Hombre; la Declaración Universal de Derechos Humanos; la Convención Americana sobre Derechos Humanos; el Pacto Internacional de Derechos Económicos, Sociales y Culturales….; La Constitución de 1967 con Reformas hasta 2004 establece en Artículo 33. El trabajo intelectual, el derecho del autor, del inventor o del artista, serán reconocidos y protegidos por la ley. y en el Artículo 34. Toda la riqueza artística o histórica del país, sea quien fuere su dueño, constituye el tesoro cultural de la Nación; estará bajo la salvaguardia del Estado y la ley establecerá lo que estime oportuno para su defensa. La CONSTITUCIÓN POLÍTICA DE LA REPÚBLICA DE CHILE, actualizada a 2010 al referirse en su artículo 5 a la soberanía indica que es deber de los órganos del Estado respetar y promover tales derechos, garantizados por esta Constitución, así como por los tratados internacionales ratificados por Chile y que se encuentren vigentes haciendo referencia implícita al Pacto Económicos, Sociales y Culturales de 1966 (Decreto N° 326, D.O. 27 de mayo de 1989; Convención Americana sobre Derechos Humanos (Pacto de San José de Costa Rica, Decreto N° 873, D.O. 5 de enero de 1991) La única referencia que encontramos es en el art 10 cuando establece el derecho a la educación, en el que se indica que. … Corresponderá al Estado, asimismo, fomentar el desarrollo de la educación en todos sus niveles; estimular la investigación científica y tecnológica, la creación artística y la protección e incremento del patrimonio cultural de la Nación.

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ARTIGO 16º 1. Os Estados Partes do presente Pacto comprometem-se a apresentar, de acordo com as disposições da presente parte do Pacto, relatórios sobre as medidas que tenham adotado e sobre o progresso realizado com o objetivo de assegurar a observância dos direitos reconhecidos no Pacto. 2. a) todos os relatórios deverão ser encaminhados ao Secretário-geral da Organização das Nações Unidas, o qual enviará cópias dos mesmos ao Conselho Econômico e social, para exame, de acordo com as disposições do presente Pacto; b) o Secretário-Geral da Organização das Nações Unidas encaminhará também às agências especializadas cópias dos relatórios - ou de todas as partes pertinentes dos mesmos - enviados pelos Estados Partes do presente Pacto que sejam igualmente membros das referidas agências especializadas, na medida em que os relatórios, ou partes deles, guardem relação com questões que sejam da competência de tais agências, nos termos de seus respectivos instrumentos constitutivos. José Francisco Siqueira Neto Advogado, Mestre (PUC-SP) e Doutor (USP) em Direito, Professor Titular e Coordenador do Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu em Direito Político e Econômico da Universidade Presbiteriana Mackenzie. Felipe Chiarello de Souza Pinto Advogado, Mestre (PUC/SP) e Doutor (PUC/SP) em Direito, Professor do Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu em Direito Político e Econômico da Universidade Presbiteriana Mackenzie.

COMENTÁRIOS: O artigo 16 do Pacto Internacional em comento, juntamente com o art. 17, inaugura no cenário do direito internacional público uma política de accountability internacional, política que permite a reunião de informações sobre o progresso do desenvolvimento econômico, social e cultural dos Estados partes signatários do Tratado Internacional. 273

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Há com isso a criação de um sistema organizado a partir de sistemas internacionais de monitoramento da situação econômica, social e cultural de todos os países envolvidos. A redação do art. 16 do Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais é genérica, não trazendo de forma detalhada quais informações que o relatório deve conter, qual a periodicidade e, principalmente quais os progressos e avanços que cada país signatário deve realizar. Desta redação genérica do art. 16, surgiram duas interpretações que merecem ser comentadas. A primeira é que em decorrência da generalidade da redação, não há como definir uma meta específica, muito menos, prazos e objetivos específicos a serem cumpridos pelos países. Tanto é assim que a ONU em 1990 através do General Comment 03, explicitamente colocou que não existem metas definidas aos Estados partes e que, o art. 16 é norma programática, para o futuro, devendo os países tão somente buscar a evolução permanente nos seus indicadores sociais e econômicos, respeitando um mínimo existencial nos assuntos tratados no Pacto384. Esta mesma interpretação fornecida pela ONU traz outro elemento que possui fortes reflexos na doutrina brasileira que é a denominada proibição do retrocesso social. O art. 16, em seu item 01, ao falar em progressos realizados, implica que, o Estado parte deve permanentemente, progredir, existindo uma proibição implícita, de retroagir. Trata-se de uma interpretação lógica, ou seja, se o país está obrigado a demonstrar no que avançou, seria contraditório permitir que o país permaneça estagnado nada fazendo em prol do desenvolvimento econômico e social. Assim 384   “O Comitê de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais tem enfatizado ainda o dever dos Estados Partes de assegurar, ao menos, o núcleo essencial mínimo, o minimum core obligation, relativamente a cada direito enunciado no Pacto, cabendo aos Estados o dever de respeitar, proteger e implementar tais direitos. O Comitê, em seu General Comment n. 12, realça as obrigações do Estado no campo dos direitos econômicos, sociais e culturais: respeitar, proteger e implementar. Quanto à obrigação de respeitar, obsta ao Estado que viole tais direitos. No que toque à obrigação de proteger, cabe ao Estado evitar e impedir que terceiros (atores não estatais) violem esses direitos. Finalmente, a obrigação de implementar demanda do Estado a adoção de medidas voltadas à realização desses direitos.” In PIOVESAN, Flávia; GOTTI, Alessandra Passos; MARTINS, Janaína Senne. A Proteção Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais. In PIOVESAN, Flávia (org.) Temas de Direitos Humanos. 4ª ed. São Paulo: Saraiva, 2010, p. 124.

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se manifesta nossa doutrina especializada385: Importa reafirmar que o Pacto dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais estabelece a obrigação dos Estados de reconhecer e progressivamente implementar os direitos nele enunciados, utilizando o máximo dos recursos disponíveis. Como afirma o Comitê sobre os Direitos Econômicos, Sociais e Culturais: “Enquanto a plena realização de relevantes direitos pode ser alcançada progressivamente, medidas nessa direção devem ser adotadas em um razoavelmente curto período de tempo, após o Pacto entrar em vigor em relação a determinado Estado. Essas medidas devem ser deliberadas e concretamente alcançáveis às obrigações reconhecidas no Pacto.” Da obrigação da progressividade na implementação dos direitos econômicos, sociais e culturais decorre a chamada “cláusula da proibição do retrocesso social” na medida em que é vedado aos Estados partes retrocederem no campo da implementação destes direitos. Insiste-se: a progressividade dos direitos econômicos, sociais e culturais proíbe o retrocesso nas políticas públicas voltadas à garantia desses direitos. Justifica-se juridicamente, no plano do direito internacional, a partir do art. 16 do Pacto dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, os conceitos de mínimo existencial e proibição do retrocesso social, conceitos que ganham importância crescente na doutrina e jurisprudência no Brasil. Derivada das discussões do direito constitucional alemão do pós guerra, surge o entendimento de que o indivíduo, com base no princípio da dignidade humana, está amparado pelo Estado no sentido de que este forneça as mínimas condições de vida. Embora o Estado não esteja obrigado a fornecer ao cidadão todas as condições materiais de vida possíveis (existentes) dada a impossibilidade econômica de tal hipótese, as condições vitais, mínimas, para sobrevivência da pessoa, o Estado está obrigado a garantir. Esta doutrina alemã – introduzida no Brasil pelo trabalho de Ingo Wolfgang Sarlet – divide-se em duas. Uma primeira de natureza fixa, quantificável,

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PIOVESAN, Flávia; GOTTI, Alessandra Passos; MARTINS, Janaína Senne. A Proteção Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais. In PIOVESAN, Flávia (org.) Temas de Direitos Humanos. 4ª ed. São Paulo: Saraiva, 2010, p. 126. 275

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do fornecimento do mínimo vital386, que são as condições fisiológicas de sobrevivência do indivíduo, situando na linha da pobreza extrema e absoluta. Ou seja, é a garantia de que a pessoa não venha a morrer de fome ou sede. O segundo desdobramento da teoria do mínimo existencial, está relacionado com as condições sócio econômicas de determinado país, implicando na obrigação do Estado, em garantir um mínimo existencial ao indivíduo além da linha da pobreza absoluta. Em se tratando de condição de existência além das questões de sobrevivência física, este fornecimento de condições sócio econômicas pelo Estado está vinculado a capacidade econômica do fornecedor (Estado) podendo sofrer variações de país para país, surgindo com isso, denominada Reserva do Possível, que desobriga o Estado a fornecer aquilo que não tem condições econômica de cumprir. Os tribunais brasileiros vem tratando o assunto com seriedade, como podemos observar no reconhecimento da repercussão geral no recurso extraordinário 580252/MT387 no qual se discute a culpa do Estado de Mato Grosso na fixação de indenização por superpopulação carcerária. Aliás, o Supremo Tribunal Federal se manifestou que o Estado não pode invocar em seu favor os “limites orçamentários” para justificar a não implementação de direitos sociais, como se observou no julgamento sobre a obrigatoriedade do

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  No Brasil ganha destaque as discussões sobre o fornecimento de medicamentos pelo poder público, sendo tal questão entendido como direito público subjetivo capaz de ensejar a obrigação do Estado (Poder Executivo) em fornecê-los, como encontrado na Apelação Cível do TJSP º 000717209.2011.8.26.0066: “APELAÇÃO CÍVEL Fornecimento gratuito de medicamentos Doença Cardíaca. 1. Ilegitimidade passiva ad causam Inocorrência Medicamentos de alto custo Responsabilidade solidária Inteligência do Enunciado Predominante do Direito Público nº 16. 2. Tutela constitucional do direito à vida (artigos 5º, caput e 196 da Constituição Federal) Dever de prestar atendimento integral à saúde Irrelevância dos fármacos não se encontrarem na lista dos medicamentos padronizados Violação ao princípio constitucional da separação dos poderes não configurada Mecanismo de garantia do efetivo exercício do direito. 3. Custas processuais Condenação Inadmissibilidade Isenção Inteligência do artigo 6º, da Lei nº 11.608/03. Recurso voluntário desprovido e reexame necessário parcialmente provido.”

387 

LIMITES ORÇAMENTÁRIOS DO ESTADO. INDENIZAÇÃO POR DANO MORAL. EXCESSIVA POPULAÇÃO CARCERÁRIA. PRESENÇA DA REPERCUSSÃO GERAL. Possui repercussão geral a questão constitucional atinente à contraposição entre a chamada cláusula da reserva financeira do possível e a pretensão de obter indenização por dano moral decorrente da excessiva população carcerária. (RE 580252 RG, Relator(a): Min. AYRES BRITTO, julgado em 17/02/2011, DJe-109 DIVULG 07-06-2011 PUBLIC 08-06-2011 EMENT VOL-02539-02 PP-00325)

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Município de São Paulo em disponibilizar creches para crianças388. 388

  E M E N T A: CRIANÇA DE ATÉ CINCO ANOS DE IDADE - ATENDIMENTO EM CRECHE E EM PRÉ-ESCOLA - SENTENÇA QUE OBRIGA O MUNICÍPIO DE SÃO PAULO A MATRICULAR CRIANÇAS EM UNIDADES DE ENSINO INFANTIL PRÓXIMAS DE SUA RESIDÊNCIA OU DO ENDEREÇO DE TRABALHO DE SEUS RESPONSÁVEIS LEGAIS, SOB PENA DE MULTA DIÁRIA POR CRIANÇA NÃO ATENDIDA - LEGITIMIDADE JURÍDICA DA UTILIZAÇÃO DAS “ASTREINTES” CONTRA O PODER PÚBLICO - DOUTRINA - JURISPRUDÊNCIA - OBRIGAÇÃO ESTATAL DE RESPEITAR OS DIREITOS DAS CRIANÇAS - EDUCAÇÃO INFANTIL - DIREITO ASSEGURADO PELO PRÓPRIO TEXTO CONSTITUCIONAL (CF, ART. 208, IV, NA REDAÇÃO DADA PELA EC Nº 53/2006) - COMPREENSÃO GLOBAL DO DIREITO CONSTITUCIONAL À EDUCAÇÃO - DEVER JURÍDICO CUJA EXECUÇÃO SE IMPÕE AO PODER PÚBLICO, NOTADAMENTE AO MUNICÍPIO (CF, ART. 211, § 2º) - LEGITIMIDADE CONSTITUCIONAL DA INTERVENÇÃO DO PODER JUDICIÁRIO EM CASO DE OMISSÃO ESTATAL NA IMPLEMENTAÇÃO DE POLÍTICAS PÚBLICAS PREVISTAS NA CONSTITUIÇÃO - INOCORRÊNCIA DE TRANSGRESSÃO AO POSTULADO DA SEPARAÇÃO DE PODERES - PROTEÇÃO JUDICIAL DE DIREITOS SOCIAIS, ESCASSEZ DE RECURSOS E A QUESTÃO DAS “ESCOLHAS TRÁGICAS” - RESERVA DO POSSÍVEL, MÍNIMO EXISTENCIAL, DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA E VEDAÇÃO DO RETROCESSO SOCIAL - PRETENDIDA EXONERAÇÃO DO ENCARGO CONSTITUCIONAL POR EFEITO DE SUPERVENIÊNCIA DE NOVA REALIDADE FÁTICA - QUESTÃO QUE SEQUER FOI SUSCITADA NAS RAZÕES DE RECURSO EXTRAORDINÁRIO -PRINCÍPIO “JURA NOVIT CURIA” - INVOCAÇÃO EM SEDE DE APELO EXTREMO - IMPOSSIBILIDADE - RECURSO DE AGRAVO IMPROVIDO. POLÍTICAS PÚBLICAS, OMISSÃO ESTATAL INJUSTIFICÁVEL E INTERVENÇÃO CONCRETIZADORA DO PODER JUDICIÁRIO EM TEMA DE EDUCAÇÃO INFANTIL: POSSIBILIDADE CONSTITUCIONAL. - A educação infantil representa prerrogativa constitucional indisponível, que, deferida às crianças, a estas assegura, para efeito de seu desenvolvimento integral, e como primeira etapa do processo de educação básica, o atendimento em creche e o acesso à pré-escola (CF, art. 208, IV). - Essa prerrogativa jurídica, em conseqüência, impõe, ao Estado, por efeito da alta significação social de que se reveste a educação infantil, a obrigação constitucional de criar condições objetivas que possibilitem, de maneira concreta, em favor das “crianças até 5 (cinco) anos de idade” (CF, art. 208, IV), o efetivo acesso e atendimento em creches e unidades de pré-escola, sob pena de configurar-se inaceitável omissão governamental, apta a frustrar, injustamente, por inércia, o integral adimplemento, pelo Poder Público, de prestação estatal que lhe impôs o próprio texto da Constituição Federal. - A educação infantil, por qualificar-se como direito fundamental de toda criança, não se expõe, em seu processo de concretização, a avaliações meramente discricionárias da Administração Pública nem se subordina a razões de puro pragmatismo governamental. - Os Municípios - que atuarão, prioritariamente, no ensino fundamental e na educação infantil (CF, art. 211, § 2º) - não poderão demitir-se do mandato constitucional, juridicamente vinculante, que lhes foi outorgado pelo art. 208, IV, da Lei Fundamental da República, e que representa fator de limitação da discricionariedade político-administrativa dos entes municipais, cujas opções, tratando-se do atendimento das crianças em creche (CF, art. 208, IV), não podem ser exercidas de modo a comprometer, com apoio em juízo de simples conveniência ou de mera oportunidade, a eficácia desse direito básico de índole social. - Embora inquestionável que resida, primariamente, nos Poderes Legislativo e Executivo, a prerrogativa de formular e executar políticas públicas, revela-se possível, no entanto, ao Poder Judiciário, ainda que em bases excepcionais, determinar, especialmente nas hipóteses de políticas públicas definidas pela própria Constituição, sejam estas implementadas, sempre que os órgãos estatais competentes, por descumprirem os encargos político- -jurídicos que sobre eles incidem em caráter impositivo, vierem a comprometer, com a sua omissão, a eficácia e a integridade de direitos 277

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Decorre também do art. 16 do Pacto sobre Direito Econômicos, sociais e culturais impregnados de estatura constitucional. DESCUMPRIMENTO DE POLÍTICAS PÚBLICAS DEFINIDAS EM SEDE CONSTITUCIONAL: HIPÓTESE LEGITIMADORA DE INTERVENÇÃO JURISDICIONAL. - O Poder Público - quando se abstém de cumprir, total ou parcialmente, o dever de implementar políticas públicas definidas no próprio texto constitucional - transgride, com esse comportamento negativo, a própria integridade da Lei Fundamental, estimulando, no âmbito do Estado, o preocupante fenômeno da erosão da consciência constitucional. Precedentes: ADI 1.484/DF, Rel. Min. CELSO DE MELLO, v.g. - A inércia estatal em adimplir as imposições constitucionais traduz inaceitável gesto de desprezo pela autoridade da Constituição e configura, por isso mesmo, comportamento que deve ser evitado. É que nada se revela mais nocivo, perigoso e ilegítimo do que elaborar uma Constituição, sem a vontade de fazê-la cumprir integralmente, ou, então, de apenas executá-la com o propósito subalterno de torná-la aplicável somente nos pontos que se mostrarem ajustados à conveniência e aos desígnios dos governantes, em detrimento dos interesses maiores dos cidadãos. - A intervenção do Poder Judiciário, em tema de implementação de políticas governamentais previstas e determinadas no texto constitucional, notadamente na área da educação infantil (RTJ 199/1219-1220), objetiva neutralizar os efeitos lesivos e perversos, que, provocados pela omissão estatal, nada mais traduzem senão inaceitável insulto a direitos básicos que a própria Constituição da República assegura à generalidade das pessoas. Precedentes. A CONTROVÉRSIA PERTINENTE À “RESERVA DO POSSÍVEL” E A INTANGIBILIDADE DO MÍNIMO EXISTENCIAL: A QUESTÃO DAS “ESCOLHAS TRÁGICAS”. - A destinação de recursos públicos, sempre tão dramaticamente escassos, faz instaurar situações de conflito, quer com a execução de políticas públicas definidas no texto constitucional, quer, também, com a própria implementação de direitos sociais assegurados pela Constituição da República, daí resultando contextos de antagonismo que impõem, ao Estado, o encargo de superá-los mediante opções por determinados valores, em detrimento de outros igualmente relevantes, compelindo, o Poder Público, em face dessa relação dilemática, causada pela insuficiência de disponibilidade financeira e orçamentária, a proceder a verdadeiras “escolhas trágicas”, em decisão governamental cujo parâmetro, fundado na dignidade da pessoa humana, deverá ter em perspectiva a intangibilidade do mínimo existencial, em ordem a conferir real efetividade às normas programáticas positivadas na própria Lei Fundamental. Magistério da doutrina. - A cláusula da reserva do possível - que não pode ser invocada, pelo Poder Público, com o propósito de fraudar, de frustrar e de inviabilizar a implementação de políticas públicas definidas na própria Constituição - encontra insuperável limitação na garantia constitucional do mínimo existencial, que representa, no contexto de nosso ordenamento positivo, emanação direta do postulado da essencial dignidade da pessoa humana. Doutrina. Precedentes. - A noção de “mínimo existencial”, que resulta, por implicitude, de determinados preceitos constitucionais (CF, art. 1º, III, e art. 3º, III), compreende um complexo de prerrogativas cuja concretização revela-se capaz de garantir condições adequadas de existência digna, em ordem a assegurar, à pessoa, acesso efetivo ao direito geral de liberdade e, também, a prestações positivas originárias do Estado, viabilizadoras da plena fruição de direitos sociais básicos, tais como o direito à educação, o direito à proteção integral da criança e do adolescente, o direito à saúde, o direito à assistência social, o direito à moradia, o direito à alimentação e o direito à segurança. Declaração Universal dos Direitos da Pessoa Humana, de 1948 (Artigo XXV). A PROIBIÇÃO DO RETROCESSO SOCIAL COMO OBSTÁCULO CONSTITUCIONAL À FRUSTRAÇÃO E AO INADIMPLEMENTO, PELO PODER PÚBLICO, DE DIREITOS PRESTACIONAIS. - O princípio da proibição do retrocesso impede, em tema de direitos fundamentais de caráter social, que sejam desconstituídas as conquistas já alcançadas pelo cidadão ou pela formação social em que ele vive. - A cláusula que veda o retrocesso em matéria de direitos a prestações positivas do Estado (como o direito à educação, o direito à saúde ou o direito à segurança pública, v.g.) traduz, no processo de efetivação desses direitos fundamentais individuais ou coletivos, obstáculo a que os níveis de 278

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Sociais e Culturais a denominada Cláusula da Proibição de Retrocesso Social. Do entendimento que os Estados partes devem informar os progressos contínuos, decorre o entendimento contrário de que não pode haver retrocesso. Joaquim José Gomes Canotilho389 define o princípio da proibição de retrocesso social como: o núcleo essencial dos direitos sociais já realizado e efetivado através de medidas legislativas deve considerar-se constitucionalmente garantido, sendo inconstitucionais quaisquer medidas estaduais que, sem a criação de outros esquemas alternativos ou compensatórios, se traduzam na prática numa ‘anulação’, ‘revogação’ ou ‘aniquilação’ pura e simples desse núcleo essencial. A liberdade do legislador tem como limite o núcleo essencial já realizado. Flávia Piovesan390 expressa que: o movimento de esfacelamento de direitos sociais simboliza uma flagrante violação à ordem constitucional, que inclui dentre suas cláusulas pétreas os direitos e garantias individuais. Na qualidade de direitos constitucionais fundamentais, os direitos sociais são direitos intangíveis e irredutíveis, sendo providos da garantia da suprema rigidez, o que torna inconstitucional qualquer ato que tenda a restringi-los ou aboli-los.

concretização de tais prerrogativas, uma vez atingidos, venham a ser ulteriormente reduzidos ou suprimidos pelo Estado. Doutrina. Em conseqüência desse princípio, o Estado, após haver reconhecido os direitos prestacionais, assume o dever não só de torná-los efetivos, mas, também, se obriga, sob pena de transgressão ao texto constitucional, a preservá-los, abstendo-se de frustrar - mediante supressão total ou parcial - os direitos sociais já concretizados. LEGITIMIDADE JURÍDICA DA IMPOSIÇÃO, AO PODER PÚBLICO, DAS “ASTREINTES”. - Inexiste obstáculo jurídico-processual à utilização, contra entidades de direito público, da multa cominatória prevista no § 5º do art. 461 do CPC. A “astreinte” - que se reveste de função coercitiva - tem por finalidade específica compelir, legitimamente, o devedor, mesmo que se cuide do Poder Público, a cumprir o preceito, tal como definido no ato sentencial. Doutrina. Jurisprudência. (ARE 639337 AgR, Relator(a): Min. CELSO DE MELLO, Segunda Turma, julgado em 23/08/2011, DJe-177 DIVULG 14-09-2011 PUBLIC 15-092011 EMENT VOL-02587-01 PP-00125) 389 

CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição. 3.ed., Coimbra: Almedina, 1998, p. 321.

390   PIOSEVAN, Flávia. Direitos Humanos e o Direito Constitucional Internacional. 13ª ed. São Paulo: Saraiva, 2012, p. 57.

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Há para alguns autores como Ingo Sarlet391, até mesmo a proibição de reformas constitucionais que implicassem retrocesso de direitos sociais, transformando as informações contidas no art. 16 do Pacto em cláusulas pétreas que impediriam qualquer mudança no país que a declarasse no relatório. O relatório teria força de Constituição nesse entendimento. Vale ressaltar o Voto (vencido) do Ministro Marco Aurélio no julgamento da Ação Direita de Inconstitucionalidade 3.105/DF que questionou a constitucionalidade do art. 4º da Emenda Constitucional 41/03: [...] Refiro-me, neste passo, ao princípio da proibição do retrocesso, que, em tema de direitos fundamentais de caráter social, e uma vez alcançado determinado nível de concretização de tais prerrogativas (como estas reconhecidas e asseguradas, antes do advento da EC nº 41/2003, aos inativos e aos pensionistas), impede que sejam desconstituídas as conquistas já alcançadas pelo cidadão ou pela formação social em que ele vive. [...] Na realidade, a cláusula que proíbe o retrocesso em matéria social traduz, no processo de sua concretização, verdadeira dimensão negativa pertinente aos direitos sociais de natureza prestacional, impedindo, em conseqüência, que os níveis de concretização dessas prerrogativas, uma vez atingidos, venham a ser reduzidos ou suprimidos, exceto nas hipóteses – de todo inocorrente na espécie – em que políticas compensatórias venham a ser implementadas pelas instâncias governamentais. [...] A questão de fundo que o art. 16 do Pacto traz, com a implementação no Brasil do debate sobre mínimo existencial, reserva do possível e proibição do retrocesso social392. SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais. 4. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2004, p. 381.

391 

392 

“APELAÇÃO. PENSÃO POR MORTE. REDUTOR. NÃO CABIMENTO. EC N. 47/2005, ART. 3º, PARÁGRAFO ÚNICO. INCIDÊNCIA. Servidor Público estadual aposentado desde 1983, integrante do Ministério Público Estadual. Situação já consolidada, sob pena de ofensa ao princípio constitucional da proibição do retrocesso, a pensão deve ser paga integralmente, nas mesmas bases em que o servidor falecido recebia seus proventos, nos termos da EC n. 47 de 2005 (art. 3º, § único). Requisitos da CF presentes: servidor que ingressou no serviço público antes de 16 de dezembro de 1998, e na data da publicação da EC n. 41/03 já estava aposentado, com proventos integrais, porque contava com mais de 20 anos de serviço público efetivo, 10 anos de carreira e cinco anos de efetivo exercício no cargo. Não incidência no caso da Lei Complementar Estadual n. 1012/2007. Sentença de improcedência. Reforma.” TJSP APELAÇÃO nº 0012097-87.2011.8.26.0053

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O Brasil tenta adaptar a estrutura institucional e lógica de funcionamento dos direitos individuais aos direitos sociais (aqui incluídos os direitos econômicos, sociais e culturais), os quais, em verdade possuem uma lógica de funcionamento própria que vai implicar, no limite da discussão, na disputa entre indivíduos, regulada pelo Estado, dos bens da vida não disponíveis para todos. O que está por trás dos direitos econômicos sociais e culturais é a redistribuição de bens da vida impulsionada pelo Estado, o qual, deve, em palavras simples, tirar de uns e entregar à outros. O art. 16 do Pacto Internacional de Direito Econômicos, Sociais e Culturais ao obrigar os Estados partes a apresentarem relatórios sobre a situação do progresso na implementação de direitos econômicos, sociais e culturais cria uma forma de tratamento dos direitos sociais, que é, como tratado, a accountability internacional, no qual todos os estados participam das deliberações sobre a implementação dos direitos sociais no planeta.

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REFERÊNCIAS BRASIL. SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. Ação Direito de Inconstitucionalidade 3.105/DF, Relatora Min. Ellen Gracie, julgado em 18/08/2004, Voto do Ministro Marco Aurélio de Mello. BRASIL. SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. Recurso Extraordinário 580252RG, Relator(a): Min. Ayres Britto, julgado em 17/02/2011, DJe-109. BRASIL. SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. Agravo no Recurso Extraordinário 639337-AgR, Relator(a): Min. Celso de Mello, Segunda Turma, julgado em 23/08/2011, DJe-177. BRASIL. TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO. Apelação Cível nº 0007172-09.2011.8.26.0066, Relatora Cristina Cotrofe. BRASIL. TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO. Apelação Cível Apelação nº 0012097-87.2011.8.26.0053, Relator Amorin Cantuária. CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição. 3.ed., Coimbra: Almedina, 1998. PIOVESAN, Flávia; GOTTI, Alessandra Passos; MARTINS, Janaína Senne. A Proteção Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais. In PIOVESAN, Flávia (org.) Temas de Direitos Humanos. 4ª ed. São Paulo: Saraiva, 2010. PIOSEVAN, Flávia. Direitos Humanos e o Direito Constitucional Internacional. 13ª ed. São Paulo: Saraiva, 2012. SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais. 4. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2004.

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ARTIGO 17º 1. Os Estados Partes do presente Pacto apresentarão seus relatórios por etapas, segundo um programa a ser estabelecido pelo Conselho Econômico e social no prazo de um ano a contar da data da entrada em vigor do presente Pacto, após consulta aos Estados Partes e às agências especializadas interessadas. 2. Os relatórios poderão indicar os fatores e as dificuldades que prejudiquem o pleno cumprimento das obrigações previstas no presente Pacto. 3. Caso as informações pertinentes já tenham sido encaminhadas à Organização das Nações Unidas ou a uma agência especializada por um Estado Parte, não será necessário reproduzir as informações, sendo suficiente uma referência precisa às mesmas. José Francisco Siqueira Neto Advogado, Mestre (PUC-SP) e Doutor (USP) em Direito, Professor Titular e Coordenador do Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu em Direito Político e Econômico da Universidade Presbiteriana Mackenzie. Daniel Francisco Nagao Menezes Advogado, Mestre (Mackenzie) e Doutorando (Mackenzie) em Direito Político e Econômico, Professor da Graduação da Universidade Presbiteriana Mackenzie, campus Campinas.

COMENTÁRIOS: O artigo 17 – assim como o artigo 16 - do Pacto Internacional sobre Direitos Econômicos, Sociais e Culturais inauguram no cenário internacional uma nova forma de organização das informações. O art. 17 do Pacto está a passar desapercebidamente na literatura jurídica brasileira desde ratificação. A redação do art. 17 determina aos Estados signatários do Pacto que apresentem, ao Secretário Geral das Nações Unidas, relatórios sobre as medidas realizadas no país signatário para a implementação dos objetivos perseguidos pelo Pacto Internacional.

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A primeira parte do Pacto Internacional é relativa à enumeração dos direitos protegidos (abrangidos). O art. 17, juntamente com o art. 16, inauguram a segunda parte do Pacto relativa à execução e implementação dos direitos econômicos, sociais e culturais reconhecidos nos artigos anteriores393. Não existe uma regulamentação clara no art. 17 como os Direitos Econômicos, Sociais e Culturais protegidos no Pacto Internacional devem ser implementados em cada país signatário nem tampouco indicação de prazos ou metas para tais efetivações. A redação é genérica, o que é justificável, considerando a divergência de desenvolvimento social e econômico de cada país signatário, razão pela qual o próprio Comitê sobre Direitos Econômicos, Sociais e Culturais entendeu que a realização plena dos direitos contidos no Pacto é meta a ser alcançada em longo prazo devendo os Estados partes estar obrigados a tão somente implementarem progressivamente tais direitos394. O que não pode se olvidar da redação do art. 17 do Pacto é que os Estados partes devem apresentar relatórios sobre a implementação. Indiretamente determina também aos Estados Partes que implementem internamente as disposições (direitos) previstas no Pacto ou, confessem que nada fizeram para a implementação se submetendo as penalidades do art. 18 e seguintes. A grande novidade trazida com o art. 17 do Pacto é a criação de uma política de accountability internacional, especificamente nos temas de desenvolvimento econômico, social e cultural395. Accountability deve ser entendida aqui como a obrigação daquele que 393   Há ainda uma terceira parte que trata das regras de interpretação do Pacto e, uma quarta parte que regula a vigência do Pacto Internacional.

  General Comment n. 3 (1990).

394

  “Esse Pacto apresenta uma peculiar sistemática de monitoramento e implementação dos direitos que contempla. Essa sistemática inclui o mecanismo de relatórios a serem encaminhados pelos Estados Partes. Os relatórios devem consignar as medidas legislativas, administrativas e judiciais adotadas pelo Estado Parte no sentido de conferir observância aos direitos reconhecidos pelo Pacto. Devem ainda expressar os fatores e as dificuldades no processo de implementação das obrigações decorrentes do Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais. Os Estados Partes devem submeter os respectivos relatórios ao Secretário-Geral das Nações Unidas que, por sua vez, encaminhará cópia ao Conselho Econômico e Social para apreciação.” In PIOVESAN, Flávia; GOTTI, Alessandra Passos; MARTINS, Janaína Senne. A Proteção Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais. In PIOVESAN, Flávia (org.) Temas de Direitos Humanos. 4ª ed. São Paulo: Saraiva, 2010, p. 125.

395

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detém determinada informação, que pode vir a ser de interesse público, de divulgála periodicamente, sem que, exista pedido formal para tanto. É a obrigação de informar. Ao criar a obrigação dos Estados Partes de informar o andamento das políticas de implementação dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais e, centralizar tais informações em um órgão específico (Secretaria Geral das Nações Unidas) criou-se uma accountability internacional em assuntos de desenvolvimento econômico, social e cultural. Se consideramos ainda a natureza jurídica do Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, observamos que este, por ter natureza de Tratado Internacional, tem força vinculante os estados signatários ao cumprimento do mesmo, diferentemente das demais Declarações Universais. Nesse sentido, o Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, adotado pela ONU em 1966, teve como maior objetivo incorporar os dispositivos da Declaração Universal, sob a medida de preceitos juridicamente obrigatórios e vinculantes. Novamente, assumindo a roupagem de tratado internacional, o intuito desse Pacto foi permitir a adoção de uma linguagem de direitos que implicasse obrigações no plano internacional, mediante a sistemática da international accountability. Isto é, como outros tratados internacionais, esse Pacto criou obrigações legais aos Estados partes, ensejando responsabilização internacional em caso de violação dos direito que enuncia396. Esta accountability internacional, que podemos afirmar foi inaugurada com o artigo em comento, representa o ápice, para a época do Pacto, do entendimento sobre o papel dos organismos internacionais. Os organismos internacionais surgem com uma função inicial de assegurar proteção mútua entre os signatários ou, regular temas que envolvam comércio e circulação de pessoas. Em um momento posterior estes órgãos internacionais passam a assumir papel deliberativo nas questões internacionais e, programático, no sentido de indicar os rumos gerais e a forma de enfrentamento das questões 396 

PIOVESAN, Flávia; GOTTI, Alessandra Passos; MARTINS, Janaína Senne. A Proteção Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais. In PIOVESAN, Flávia (org.) Temas de Direitos Humanos. 4ª ed. São Paulo: Saraiva, 2010, p. 122. 285

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globais. A terceira etapa, em nossa visão, é a do planejamento setorial ou localizado, passando as “agências satélites’ a tratarem (planejarem) temas específicos, servindo tal planejamento setorizado, de plataforma para a etapa interventiva (CEPAL, OIT, Unicef, Unesco, dentre outros). A quarta etapa, que atualmente está em fase de implementação, é da execução internacional do planejamento realizados pelos organismos setoriais (OIT, Unesco, Unicef, etc). Agora, a partir do planejamento internacional feito pelos organismos internacionais, é possível passarmos para a etapa de implementação deste planejamento. Ainda há, uma quinta etapa que é da responsabilização internacional dos governos locais omissos na implementação das decisões internacionais ou que, não colaborem com os organismos internacionais na execução destas decisões, etapa que, atualmente, começa a apresentar alguns resultados no campo dos direitos humanos397. Porém, o planejamento e a sua futura execução só serão possíveis se estes órgãos internacionais setoriais possuírem as informações dos países envolvidos. Para tanto, é necessário a criação de mecanismos de tráfego de informações sobre a realidade dos países para os órgãos setoriais e, destes para os países envolvidos, criando o que denominamos acima de accountability internacional. Este é o ponto central do art. 17, a criação de uma política de accountability internacional a partir da disponibilização de relatórios pelos Estados Partes. Do ponto de vista internacional este artigo permite a organização de banco de dados sobre a implementação das políticas públicas de desenvolvimento econômico, cultural e econômico, permitindo que esta reunião de dados, transforme a informação em conhecimento. A partir da reunião e análise dos dados enviados nos relatórios dos Estados partes é possível não só compreender o quadro geral dos direitos regulados no Pacto mas, utilizar os dados em políticas públicas internacionais de melhoria dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais. Estes relatórios servem de subsídios para a atuação das agências especializadas na implementação de políticas públicas que visam melhorar as 397   Cf. PIOSEVAN, Flávia. Direitos Humanos e o Direito Constitucional Internacional. 13ª ed. São Paulo: Saraiva, 2012, p. 185.

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condições econômicas e sociais dos Estados partes do Pacto permitindo com que, as políticas públicas internacionais sejam lastreadas em dados reais, empíricos, e não no discurso racionalista e meramente teórico das Declarações Universais que antecederam o Pacto Internacional de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais. Do ponto de vista interno, os Estados partes indiretamente são obrigado a trabalhar com políticas de desenvolvimento econômico, social e cultural devido a natureza vinculando do Pacto como já explorado anteriormente. Mesmo que não existam metas claras a serem cumpridas pelos Estados partes estes não podem deixar de progredir nos direitos elencados no Pacto Internacional. O Pacto também abre a possibilidade de trabalho conjunto entre os organismos internacionais e os Estados partes, formando uma cultura de atuação conjunta de organismos internacionais e governos locais, criando com isso uma agenda internacional única do desenvolvimento econômico, social e cultural. Esta agenda global sobre desenvolvimento econômico, social e cultural somente pode ser construída a partir da accountability internacional criada com o art. 17 do Pacto que gera uma política de prestação de informações, de caráter internacional, sobre a situação real de cada país envolvido. Embora a agenda de discussão a partir dos dados fornecidos seja global, a atuação pode ser local ou regional mas, seguindo a agenda global, evitando-se que cada Estado parte tenha que construir a sua própria agenda de discussão sobre o desenvolvimento. A accountability internacional nada mais é do que a racionalização do uso da informação disponível e, sua aplicação a partir de um fórum de discussão internacional e democrático realizado dentro dos organismos internacionais e, com a participação de todos os Estados partes no processo de deliberação e decisão, consistindo tal passo, uma nova etapa na evolução da democracia398. A execução das decisões tomadas pelos Estados partes fica a cargo tanto do Estado parte como do organismo internacional envolvido, ficando garantido o cumprimento da agenda global. Este é um modelo que não se pode mais negar. Embora no nível local o embate político ocorra entre protagonistas domésticos – partidos políticos, 398   DAHL, Robert. Poliarquia: Participação e Oposição. Tradução de Celso Mauro Paciornik. São Paulo: Edusp, 1997, p. 29.

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sindicatos, organizações da sociedade civil – que em última análise ficam subordinados ao império do Estado nacional; no âmbito internacional, o choque de forças ocorre necessariamente entre Estados que buscam a sua sobrevivência no contexto de anarquia no qual não há um órgão soberano capaz de impor sua vontade399 (poder de império). A forma de composição entre a realidade local – conflito entre protagonistas domésticos que estão sob o império da lei – e contexto anárquico internacional, somente é resolvido pela existência de um processo de uso transparente da informação. A accountability internacional permite com que os atores locais e estados nacionais, forneçam os dados sobre suas realidades econômicas, tenham acesso aos dados dos demais estados nacionais e, possuam um local (organismo internacional) que funcione como local da deliberação, criando assim a agenda global de desenvolvimento evitando cair na antiga falta de implementação das políticas públicas de desenvolvimento, seja devido ao caráter anárquico do direito internacional, seja devido a simplicidade da política local400. Com a disponibilização das informações pelos governos locais, evita-se que no âmbito internacional as decisões retomem sua natureza política (e agora   “Nas relações internacionais, portanto, há que se considerar o fato de que o objetivo imediato de seus protagonistas é a satisfação de seus interesses nacionais, ou seja, preservar a sobrevivência do Estado-nação, sendo o conflito de interesses algo inevitável. Entretanto, a inexistência da autoridade suprema e a substituição do princípio da legalidade pelo princípio do pacta sunt servanda, fazem com que, na política internacional, as relações de poder dependam, em última instância, da capacidade de cada Estado para afirmar seus interesses perante os demais, restando evidenciado mais uma relação de submissão de quem suporta a hegemonia do que, propriamente de legitimação pela via do consenso.” In DUARTE JÚNIOR, Dimas Pereira. Accountability e Relações Internacionais. Ponto-e-Vírgula, 4: 12 – 24, 2008, p. 15.

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“A complexidade técnica, assim como a necessidade de celeridade das decisões, parece estimular formas outras de legitimidade do que apenas aquela calcada exclusivamente no controle democrático direto (via referendum) ou semidireto (via representação). Uma dessas outras formas é o que Scharpf (2000, p. 192) chama de legitimação por inputs, isto é, que o que tem dado legitimidade, de facto, ao uso do poder não tem sido necessariamente a existência do controle democrático de jure, mas sim mecanismos múltiplos e indiretos de accountability. Ou o que Scharpf denomina legitimação por outputs, pois para ele em termos de autodeterminação democrática o que importa é a capacidade institucional de resolução efetiva dos problemas públicos e a presença de salvaguardas institucionais contra os abusos do poder público.” MEDEIROS, Marcelo de Almeida. Legitimidade, democracia e accountability no Mercosul. Rev. Bras. Ci. Soc., São Paulo, v. 23, n. 67, June 2008. Available from . Access on 20 Oct. 2012. http://dx.doi.org/10.1590/S0102-69092008000200005

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democrática pois o critério de decisão está disponível) afastando as decisões meramente técnicas que vinham predominando no âmbito das organizações internacionais e; na esfera local, a concentração da informação sobre o status do desenvolvimento e políticas públicas de sucesso permite não só a unificação da agenda mas a existência de um centro de referência em políticas de desenvolvimento evitando que cada estado tenha que construir sua própria política “do zero”. Paralelo a isso, o artigo 17 permite a criação de uma nova metodologia de atuação dos organismos internacionais, baseada em dados concretos, demonstrados através dos relatórios, evitando-se a retórica bacharelesca das Declarações Universais do pós guerra que, partem de uma premissa racionalista que todos os indivíduos compreenderão os mandamus da Declaração, sem observar contudo, qual o impacto efetivo das Declarações na realidade, especialmente dos países em desenvolvimento. O art. 17 do Pacto inova ao permitir o monitoramento internacional dos direitos econômicos, sociais e culturais401. A transparência é a chave para o avanço da democracia e o artigo 17 do Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais vem neste sentido, ponto é que é seguido internamente no Brasil com a promulgação da Lei da Transparência – Lei Federal 12.527/11. A lei brasileira de acesso à informação acaba por fazer o papel de norma complementar ao art. 17 do Pacto Internacional, caminho que pode ser seguido pelos demais países. Isto porque, ao possuir uma redação genérica, o art. 17 do Pacto remeterá necessariamente a outra norma complementar que regulamente a sua aplicabilidade. Neste contexto, poderão as normas nacionais, realizar este papel  “In recent years, there has been a growing recognition of the value of using indicators for human rights monitoring. The idea has been the subject of numerous international academic conferences and a myriad of articles. Meanwhile, the UN human rights machinery has increasingly called for the production and use of human rights indicators, and various UN human rights mechanisms have responded by laying out a set of indicators to monitor compliance with human rights norms pertaining to economic and social rights. All these efforts have helped lay the groundwork for using quantitative data to monitor ESC rights. In particularly, these efforts have contributed to clarifying the potential benefits of applying indicators for monitoring economic and social rights, setting out a typology for the development and selection of human rights indicators and proposing specific indicators related to specific rights.” In FELNER, Eitan. A new frontier in economic and social rights advocacy? Turning quantitative data into a tool for human rights accountability. Sur, São Paulo, v. 4, Selected Edition 2008. Disponível em . Acessos em 20 out. 2012. 401

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de regulamentação do art. 17 do Pacto, como, indiretamente, aconteceu no Brasil. O artigo 17 do Pacto ao obrigar todos os Estados partes informarem periodicamente o status do desenvolvimento econômico, social e cultural permite a criação de um espaço de diálogo entre os estados envolvidos e a criação de uma agenda internacional de desenvolvimento cuja aplicação (execução) fica a cargo dos Estados partes e seus agentes internos. Este espaço de deliberação e reunião de informações e experiências é facilitado nos dias atuais tendo em vista a implementação do denominado E-GOV, ferramentas eletrônicas que facilitam e potencializam o acesso e transferência da informação pública, facilidade que não existia em 1966, ano da aprovação do Pacto.

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REFERÊNCIAS DAHL, Robert. Poliarquia: Participação e Oposição. Tradução de Celso Mauro Paciornik. São Paulo: Edusp, 1997. DUARTE JÚNIOR, Dimas Pereira. Accountability e Relações Internacionais. Ponto-e-Vírgula, 4: 12 – 24, 2008. FELNER, Eitan. A new frontier in economic and social rights advocacy? Turning quantitative data into a tool for human rights accountability. Sur, São Paulo, v. 4, Selected Edition 2008 . Disponível em http://socialsciences.scielo.org/scielo. php?script=sci_arttext&pid=S1806-64452008000100006&lng=pt&nrm=iso. Acessos em 20.out.2012. MEDEIROS, Marcelo de Almeida. Legitimidade, democracia e accountability no Mercosul. Rev. Bras. Ci. Soc., São Paulo, v. 23, n. 67, June 2008. Available from http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0102-69092008000200005&lng=en&nrm=iso. Access on 20 Oct. 2012. http://dx.doi. org/10.1590/S0102-69092008000200005 PIOVESAN, Flávia; GOTTI, Alessandra Passos; MARTINS, Janaína Senne. A Proteção Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais. In PIOVESAN, Flávia (org.) Temas de Direitos Humanos. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 2010. PIOSEVAN, Flávia. Direitos Humanos e o Direito Constitucional Internacional. 13ª ed. São Paulo: Saraiva, 2012.

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ARTIGO 18º Em virtude das responsabilidades que lhes são conferidas pela Carta das Nações Unidas no domínio dos direitos humanos e das liberdades fundamentais, o Conselho Econômico e Social poderá concluir acordos com as agências especializadas sobre a apresentação, por estas, de relatórios relativos aos progressos realizados quanto ao cumprimento das disposições do presente Pacto que correspondam ao seu campo de atividades. Os relatórios poderão incluir dados sobre as decisões e recomendações, referentes ao cumprimento das disposições do presente Pacto, adotadas pelos órgãos competentes das agências especializadas. Flávia de Ávila Doutora em Direito Público pela PUC/MG, Mestre em Direito e Relações Internacionais pela UFSC, professora e pesquisadora da Universidade FUMEC, editora da Meritum, Revista de Direito da Universidade FUMEC.

COMENTÁRIOS: O Conselho Econômico e Social (ECOSOC) é um dos principais órgãos das Nações Unidas (ONU). Tem, inclusive, grande poder de atuação tanto na implementação e quanto na fiscalização dos Direitos Humanos, principalmente dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais em relação aos Estados-membros da ONU. Para tanto, procura atuar em parceria com as agências especializadas que lhe são ligadas, também conhecidas como organizações internacionais especializadas. Portanto, em virtude da importância do ECOSOC o art. 18 do Pacto Internacional de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais (PIDESC) lhe conferiu a competência de concluir acordos com estas organizações internacionais especializadas, para que lhe apresentem relatórios relativos a seus campos específicos de atividade. Estes relatórios, por sua vez, têm relevante papel no âmbito do respeito aos Direitos Humanos, em razão de poderem incluir dados sobre as decisões e recomendações adotadas por tais organizações especializadas em promoção, fiscalização e cumprimento dos Direitos Humanos no âmbito econômico, social e cultural. 293

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E, nesse contexto, esta matéria tem como sucintos propósitos, os de tanto comentar o art. 18 do PIDESC com base na história e na teoria das Organizações Internacionais, quanto apresentar breves apontamentos sobre o ECOSOC e sua atuação, frente às organizações especializadas, no que diz respeito ao cumprimento dos Direitos Humanos. Para tanto, aborda os pressupostos de formação da ONU e do ECOSOC, que lhe garantiram poderes e competências acerca de questões relativas a Direitos Humanos, bem como estuda a normativa específica sobre seu funcionamento, que lhe permite estabelecer relacionamento estreito com as organizações especializadas. HISTÓRICO SOBRE A FORMAÇÃO DA ONU E DO ECOSOC A ONU, criada pela Conferência de São Francisco de 1945, é considerada organização de fins gerais, ou políticos, pois seu objetivo, definido no seu próprio pacto constitutivo, abarca a promoção do conjunto das relações pacíficas entre os seus membros e a resolução dos conflitos internacionais402. Tal objetivo só poderá ser cumprido com a atuação dos órgãos que compõem essa organização internacional, integrada pelos Estados-membros. Sobre a conformação orgânica da ONU, é importante destacar que seu processo de constituição ocorreu durante os últimos anos da Segunda Guerra Mundial, iniciado com a Carta do Atlântico de 1941, em que os líderes Franklin Delano Roosevelt (1882-1945) e Winston Churchill (1874-1965) determinaram compromisso moral de estabelecimento de paz que oferecesse segurança às nações. Desta forma, imaginou-se a possibilidade de se promover um sistema internacional, para o pós-guerra, que guiasse politicamente os países Aliados. Consequentemente, em 1° de janeiro de 1942, em Washington, foi assinada a Declaração das Nações Unidas pelos representantes de vinte e seis nações comprometidas com o conteúdo da Carta do Atlântico, a fim de que, unidas, lutassem contra os países do Eixo403. Em outubro de 1943, em Moscou, os ministros das relações exteriores da União Soviética, do Reino Unido e o embaixador chinês emitiram declaração 402 

CAMPOS, J. M. Organizações Internacionais. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1999, p. 46.   RIBEIRO, M. D. A.; SALDANHA, A. V. Textos de Direito Internacional Público: organizações internacionais. Lisboa: Universidade Técnica de Lisboa, 1995, p. 28-31.

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conjunta, baseada no princípio da igualdade soberana de todos os Estados que compartilhassem o ideal de paz. Assim, novo sistema internacional deveria ser organizado para a manutenção da paz e da segurança internacionais, que incluísse todas as nações, grandes ou pequenas404. A Conferência de Teerã representou o encontro dos três líderes das potências Aliadas e repetiu as bases traçadas em Moscou, inserindo, todavia, ideias sobre o estabelecimento de um conselho dos países que guiariam as ações contra a guerra, já em pleno andamento naquele momento405. Contudo, somente na Conferência de Dumbarton Oaks, entre agosto e outubro de 1944, houve a expressa designação para a criação de uma organização internacional, que deveria se chamar Nações Unidas. Segundo o Capítulo IV do documento, resultante da mencionada Conferência, essa entidade contaria com os seguintes órgãos principais: uma Assembleia Geral, um Conselho de Segurança, um Tribunal Internacional de Justiça e um Secretariado. Finalmente, na Conferência de Yalta, de 11 de fevereiro de 1945, previu-se o estabelecimento de uma regra de unanimidade entre os membros permanentes do Conselho de Segurança406. Contudo, até Dumbarton Oaks ainda não se fazia menção direta aos Direitos Humanos407, apesar de haver previsão inicial para a existência de um Conselho Econômico e Social (cuja sigla em inglês é ECOSOC), subordinado à Assembleia Geral, considerado então principal responsável por facilitar a solução de problemas internacionais, econômicos e sociais. A inexistência de previsão sobre Direitos Humanos nas minutas dos trabalhos preparatórios para a criação da ONU foi remediada pela menção que esteve presente na Conferência de São Francisco, segundo a qual as delegações que ali se encontravam fizeram questão de enfatizar que a origem de vários conflitos internacionais se pautava por questões econômicas ou sociais. 404  RIBEIRO, M. D. A.; SALDANHA, A. V. Textos de Direito Internacional Público: organizações internacionais. Lisboa: Universidade Técnica de Lisboa, 1995, p. 32-34. 405  RIBEIRO, M. D. A.; SALDANHA, A. V. Textos de Direito Internacional Público: organizações internacionais. Lisboa: Universidade Técnica de Lisboa, 1995, p. 41-42.

  RIBEIRO, M. D. A.; SALDANHA, A. V. Textos de Direito Internacional Público: organizações internacionais. Lisboa: Universidade Técnica de Lisboa, 1995, p. 45.

406

  SPIJKERS, O. The United Nations, the evolution of global values and International Law. Antuérpia: Intersentia, 2001, p. 286-287.

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Por esta razão, definiu-se na Conferência de São Francisco que era necessário dar maior importância ao ECOSOC, pois o mesmo teria capacidade de coordenar as atividades relativas a estes temas tanto na ONU quanto em organizações internacionais especializadas que viriam pertencer ao sistema das Nações Unidas408. Deste modo, o ECOSOC foi criado como de fato sendo um dos principais órgãos da ONU, que teve, segundo o art. 68 da Carta da ONU, a promoção dos Direitos Humanos dentre suas várias incumbências. Após o advento da Declaração Universal dos Direitos Humanos, em 1948, e em razão das concepções significativamente diferentes entre os membros da ONU sobre os direitos ditos negativos (civis e políticos), concernentes à não intervenção estatal, em relação aos chamados positivos (econômicos, sociais e culturais), as discussões que estavam sendo travadas na Assembleia Geral, para a feitura de uma convenção de Direitos Humanos, tomaram rumo diferente do inicialmente esperado409. Em 1962, conforme a Resolução nº 1843 (XVII) da Assembleia Geral410, formulou-se a proposta para que se estudasse uma solução para os problemas relacionados aos Direitos Humanos, ocorrentes no âmbito dos países membros, a fim de que se tornassem efetivas as duas convenções, do Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos (PIDCP) e o PIDESC, já em processo de votação, mas só aprovadas em 1966 pela Resolução nº 2200 (XXI). Ambos deram novo fôlego à questão dos Direitos Humanos, que, desde então, passaram a ter caráter vinculativo para seus signatários. A partir de então, mas principalmente desde os anos 70 e da política externa adotada pelo governo de Jimmy Carter nos Estados Unidos, os Direitos Humanos passaram a ocupar lugar de destaque no estudo do Direito e da Filosofia em vários lugares do mundo. Para Moyn411, a sobrevivência e o sucesso dos Direitos 408 

MELESCANU, Théodore. Article 7. In. COT, Jean-Pierre; PELLET, Alain (coord.). La Charte des Nations Unies: commentaire article par article. 3 ed. Paris : Economica, 2005, p. 577.   SIEGHART, P. The International Law of Human Rights. Oxford: Oxford University Press, 1983, p. 25. 409

410 

NAÇÕES UNIDAS. Assembleia Geral. Resolución 1843 (XVII). 1962. Disponível em: . Acesso em: 11 mar. 2011.   Samuel Moyn, para declarar que o Direito Internacional se tornou o Direito dos Direitos Humanos, utilizou-se declaradamente da ideia Paul Kahn, documentada no livro Sacred violence: torture, terror and sovereignty, que discorre sobre o impasse da contemporaneidade em relação à tortura.

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Humanos, mesmo depois de terminada a Guerra Fria, se deveu à reconstituição do Direito Internacional, não como Direito destinado à regulamentação das relações entre os entes estatais, mas como o Direito dos Direitos Humanos. Contudo, apesar de suas raízes serem bastante antigas, pois a história relativa ao Direito remonta a milênios, a mera formalização dos Direitos Humanos não basta para lhes garantir mais efetividade e explicar porque também o Direito Internacional vem sendo associado aos Direitos Humanos na atualidade412. Deste modo, faz-se necessária a atuação de órgãos internacionais que tenham competência em relação aos Direitos Humanos, como no caso do ECOSOC, cuja primeira sessão ocorreu em 23 de janeiro de 1946413. CONSIDERAÇÕES SOBRE OS PODERES DA ONU E DO ECOSOC De acordo com as regras costumeiras de Direito Internacional, positivadas no art. 31, § 1º da Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados de 1969, o tratado deve ser interpretado de boa-fé e em concordância com o sentido comum das palavras, bem como de acordo com seus contexto, objeto e propósitos. Deste modo, em prol do próprio funcionamento das organizações internacionais, considera-se que há poderes implícitos em relação a tais organizações, que deles precisam para a persecução de seus propósitos. Mesmo antes do advento da ONU, reconhecia-se que organismos internacionais tinham poderes próprios para a consecução de seus objetivos, como na Opinião Consultiva da Corte Permanente de Justiça Internacional Interpretação do Acordo GrecoTurco de 1º. de dezembro de 1926, pela qual se Apesar de sua proibição ter sido normatizada tanto no direito doméstico de vários Estados quanto até por normas internacionais, sua prática não foi erradicada. Ou seja, a tortura continua sendo praticada em espaços dominados por soberanias estatais, que dela se utilizam para pretextos como os de combate ao terrorismo, em razão até mesmo do que ironicamente tem sido denominado de violência sagrada. Deste modo, o Direito Internacional teria se movido para preencher a lacuna deixada pelo comportamento estatal no combate de tais ações. Cf. MOYN, S. The last utopia: Human Rights in history. Cambrigde: The Belknap Press of Harvard University press, 2010, p. 176; e KAHN, P. Sacred violence: torture, terror and sovereignty. Ann Arbor: University of Michigan Press, 2008, p. 49. 412   MOYN, S. The last utopia: Human Rights in history. Cambrigde: The Belknap Press of Harvard University press, 2010, pp. 177-178. 413  CAMPOS, João Mota de. Organizações Internacionais. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1999, p. 229.

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explicita a necessidade de autonomia de uma comissão mista, criada para solucionar o problema envolvendo a interpretação de um tratado internacional entre Grécia e Turquia quanto à possibilidade de recurso à arbitragem internacional para a solução da controvérsia.414. Também os seguintes pareceres, emitidos em razão de pedidos feitos pelo Conselho da Liga das Nações, no que diz respeito à competência da Organização Internacional do Trabalho (OIT), abordaram estas questões: Competence of the International Labour Organization in regard to International Regulation of the Conditions of Labour of Persons Employed in Agriculture415 e o caso Competence of the International Labour Organization to regulate, incidentally, the personal work of the employer416. Assim, a jurisprudência internacional conhecia os pressupostos da chamada teoria dos poderes implícitos que acompanharam o desenvolvimento das organizações internacionais anteriores à Segunda Guerra Mundial e basearam o trabalho daquelas surgidas depois. E já no âmbito da Corte Internacional de Justiça, a Opinião Consultiva Reparação de Danos reconheceu, com base na teoria dos poderes implícitos, que a ONU tem personalidade internacional objetiva417, aplicando para tal o princípio da eficácia como substrato de interpretação da Carta418. Deste modo, a ONU, que foi instituída originariamente por um acordo internacional entre Estados, é dotada de órgãos que expressam vontade distinta   CORTE PERMAMENTE DE JUSTIÇA INTERNACIONAL. Interpretation of the Greco-Turkish agreement of December 1st, 1926. Opinião Consultiva nº 16, de 28 de ago. de 1928. Disponível em: . Acesso em 15 ago. 2012. 414

415   CORTE PERMANENTE DE JUSTIÇA INTERNACIONAL. Competence of the International Labour Organization in regard to International Regulation of the Conditions of Labour of Persons Employed in Agriculture (1922). Opinião Consultiva de 12 de ago. de 1922. Disponível em: . Acesso em 10 ago. 2012. 416  CORTE PERMANENTE DE JUSTIÇA INTERNACIONAL. Competence of the International Lab our Organization to regulate, incidentally, the personal work of the employer (1926). Opinião Consultiva de 23 de jul. de 1926. Disponível em: . Acesso em 10 ago. 2012.

CORTE INTERNACIONAL DE JUSTIÇA. Reparation for Injuries Suffered in the Service of the United Nations. Opinião consultiva de 4 dez. 1948. Disponível em: . Acesso em: 3 abr. 2012.

417 

418  AKEHURST, M. Introdução ao Direito Internacional. Trad. Fernando Ruivo. Coimbra: Almedina, 1985, p. 211. 298

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da dos seus Estados-membros, e possui princípios e propósitos determinados. Em verdade, seus propósitos devem nortear suas ações e ser realizados no exercício de suas funções e poderes419. Por poderes implícitos entendem-se todos aqueles necessários para que os propósitos de uma organização internacional sejam cumpridos, ainda que não estejam expressamente mencionados nos tratados constitutivos das organizações internacionais. Referem-se a capacidades diferentes daquelas próprias das dos seus Estados-membros. Sua menção poderia ser expressa, mas sua efetiva possibilidade de concretização se faz implícita na atenta leitura dos vários artigos e dispositivos de um tratado constitutivo de uma organização internacional, a exemplo da Carta de São Francisco. Tal doutrina, apesar de se ocupar da competência da organização no seu conjunto, e não detalhar a distribuição interna de poderes dentro da organização420, é fórmula eficiente para, de maneira genérica, distinguir diferentes campos de atuação da organização internacional, como no chamado domínio interno, pelo qual a organização pode estabelecer ordenamento jurídico essencial à sua existência. O poder de criar órgãos subsidiários é, portanto, reflexo desta capacidade, o que pode ser extraído do Parecer Consultivo sobre o Efeito das Sentenças de Compensação do Tribunal Administrativo da ONU421. Este reconheceu a ocorrência de disputas internas entre os diversos órgãos da organização, em clara evidência da vida própria que a entidade possui na sociedade internacional, ou seja, autônoma em relação aos Estados422. A possibilidade de se fazerem tratados internacionais evidencia o outro ponto de ação das organizações internacionais, o do domínio externo, em que os poderes implícitos influenciam e que diz respeito ao relacionamento entre a 419 

CANÇADO TRINDADE, Antônio Augusto. Direito das Organizações Internacionais. 3 ed. Belo Horizonte: Del Rey, 2003, p. 11.

  AKEHURST, M. Introdução ao Direito Internacional. Trad. Fernando Ruivo. Coimbra: Almedina, 1985, p. 212.

420

CORTE INTERNACIONAL DE JUSTIÇA. Effect of Awards of Compensation Made by the United Nations Administrative Tribunal, 1954. Opinião Consultiva de 13 de jul. de 1954. Disponível em: http://www.icj-cij.org/docket/files/21/9033.pdf. Acesso em: 7.ago.2012. Também verificar o entendimento da corte sobre o princípio da efetividade no caso: CORTE INTERNACIONAL DE JUSTIÇA. Interpretation of peace treaties with Bulgaria, Hungary and Romania. Opinião Consultiva de 1950. Disponível em: . Acesso em 16 ago. 2012.

421 

  CANÇADO TRINDADE, A. A. Direito das Organizações Internacionais. 3 ed. Belo Horizonte: Del Rey, 2003, pp. 22-23.

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organização internacional e os Estados. Apesar de não haver dispositivo que estipule tal medida de maneira explícita, ainda assim, os órgãos das Nações Unidas não só servem de foro para discussão de problemas internacionais423 como também firmam convenções internacionais, exercendo o treaty-making power naqueles acordos que podem ajudar para a consecução de seus propósitos424. E dentre os órgãos da ONU, o mais importante para proceder em casos de maior abrangência é o Secretariado, na figura do Secretário-Geral, cabendo aos demais relacionamentos e acordos em assuntos de suas estritas áreas de competências. Portanto, e com base em tais poderes, também o ECOSOC firma acordos com outras organizações internacionais especializadas, que tenham como propósitos similares aos seus (ou seja, educacionais, humanitários, sanitários, culturais e conexos), para que as mesmas passem a integrar o Sistema da ONU425. OBJETIVO, FUNCIONAMENTO E COMPOSIÇÃO DO ECOSOC Por órgão internacional entende-se o conjunto estrutural e funcional de uma organização internacional, pelo qual a mesma atua, exprime sua vontade e desempenha suas funções426. Portanto, a fim de que as funções de uma organização internacional possam ser desempenhadas e seus objetivos específicos cumpridos, sua carta constitutiva prevê a criação das entidades que compõem ou devem compor sua estrutura institucional. No caso da ONU, que desempenha tarefas nos mais diversos setores da vida internacional, o Sistema da ONU está formado pelos seis principais órgãos da organização, órgãos subsidiários, assim como por 26 programas, fundos e agências especializadas (organizações internacionais especializadas)427. Os 423 

SOARES, G. F. S. Curso de Direito Internacional Público. São Paulo: Atlas, 2002, p. 148.

424 

CANÇADO TRINDADE, A. A. Direito das Organizações Internacionais. 3 ed. Belo Horizonte: Del Rey, 2003, p. 24. 425  CANÇADO TRINDADE, A. A. Direito das Organizações Internacionais. 3 ed. Belo Horizonte: Del Rey, 2003, p. 24. 426 

SALMON, J. (ed.). Dictionnaire de Droit International Public. Bruxelas: Bruylant, 2001, p. 790791 apud CRETELLA NETO, J. Teoria Geral das Organizações Internacionais. São Paulo: Saraiva, 2007, p. 153   NAÇÕES UNIDAS NO BRASIL. Programas, fundos e agências especializadas. Disponível em: http://www.onu.org.br/conheca-a-onu/programas-fundos-agencias/. Acesso em: 15.ago.2011.

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órgãos principais estão enumerados pelo parágrafo 1° do art. 7° da Carta de São Francisco. A eles cabe o estabelecimento da política da organização, pois adotam decisões, supervisionam a sua aplicação e dirigem o complexo administrativo que a faz funcionar. Os órgãos subsidiários, mencionados no parágrafo 2° do mesmo artigo, são criados pelos órgãos principais, não possuem personalidade jurídica internacional e estão permanentemente sob o controle do órgão que o criou, ressalvados casos excepcionais como, por exemplo, o de haver sido criado órgão jurisdicional428. Segundo o art. 61 da Carta de São Francisco, o ECOSOC, um dos órgãos principais da ONU, se compõe de 54 membros eleitos para o período de três anos. Suas cadeiras são determinadas com base em representação geográfica, com 14 postos para Estados africanos, 11 para asiáticos, 6 para europeus orientais, 10 para América Latina e Caribe e 13 para Europa Ocidental. A votação ocorre por maioria simples, de acordo com o art. 67 da Carta de São Francisco, pelo qual cada membro tem direito a um voto. Os programas, fundos e organizações especializadas têm seus próprios orçamentos, regras e metas, bem como atuam em áreas específicas, prestando assistência técnica e humanitária nos mais diversos domínios. Apesar de serem organizações separadas, autônomas, com seus próprios orçamentos e funcionários internacionais, estão ligados à ONU através de acordos internacionais. Os programas e fundos da ONU se vinculam diretamente a Assembleia Geral e ao ECOSOC, enquanto que as organizações especializadas desenvolvem suas funções exclusivamente ligadas ao ECOSOC, como a Organização Internacional do Trabalho (OIT) 429. Seu objeto de atuação está definido no art. 62 e se refere a questões concernentes a problemas econômicos e sociais envolvendo o Sistema da ONU. Conforme explicitado anteriormente, e segundo o art. 57 da Carta de São Francisco, cabe ao ECOSOC o reconhecimento de organizações especializadas que compartilhem objetivos que lhe sejam semelhantes. Portanto, caso haja interesse, 428   CRETELLA NETO, J. Teoria Geral das Organizações Internacionais. São Paulo: Saraiva, 2007, pp. 154-155.

  NAÇÕES UNIDAS NO BRASIL. Programas, fundos e agências especializadas. Disponível em: http://www.onu.org.br/conheca-a-onu/programas-fundos-agencias/. Acesso em: 15.ago. 011.

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o ECOSOC firma acordo com uma dessas agências especializadas, e o submete à aprovação da Assembleia Geral da ONU. No começo de cada período de sessões anuais, o ECOSOC elege uma mesa, cuja principal função é a de elaborar programas de trabalho para as reuniões, que são conduzidas em conjunto com a Secretaria da ONU. As reuniões do ECOSOC ocorrem ao longo de todo ano com a participação de proeminentes acadêmicos, empresários de setores representativos e mais de 3.200 organizações não governamentais registradas. No mês de julho acontece sua sessão mais importante, denominada de alto nível, que cobre questões tanto globais quanto técnicas e administrativas. O ECOSOC formula recomendações e inicia atividades relacionadas com desenvolvimento, comércio internacional, industrialização, recursos naturais, direitos humanos, condição da mulher, população, ciência e tecnologia, prevenção de crime, bem-estar social, dentre outras questões, desde que econômicas e sociais. Em razão da extensão de seus objetivos, o ECOSOC é responsável por 70% de todos os recursos humanos e financeiros de todo o sistema da ONU430. Atualmente, o ECOSOC coordena o trabalho de 15 organizações especializadas, 9 comissões orgânicas431, 5 comissões regionais432, 3 comitês permanentes433, 1 grupo especial de trabalho434, 3 órgãos integrados por especialistas

NAÇÕES UNIDAS NO BRASIL. Como funciona? Disponível em: . Acesso em: 11 ago. 2011.

430 

431 

As comissões orgânicas do ECOSOC são: Comissão de Estatística, Comissão de População e Desenvolvimento, Comissão de Desenvolvimento Social, Comissão sobre a Condição Jurídica e Social da Mulher, Comissão de Entorpecentes, Comissão de Prevenção do Delito e Justiça Penal, Comissão de Ciência e Tecnologia para o Desenvolvimento, Comissão para o Desenvolvimento Sustentável, Foro das Nações Unidas sobre as Florestas.

  As comissões regionais do ECOSOC são: Comissão Econômica para África (CEPA); Comissão Econômica e Social para Ásia e Pacífico (CESPAP); Comissão Econômica para Europa (CEPE); Comissão Econômica para América Latina e Caribe (CEPAL); Comissão Econômica e Social para Ásia Ocidental (CESPAO).

432

  Os comitês permanentes do ECOSOC são: Comitê do Programa de Coordenação; Comitê Encarregado das Organizações Não Governamentais; Comitê de Negociações com os Organismos Intergovernamentais.

433

  O Grupo de Trabalho Especial de Composição Aberta sobre Informática é o órgão especial do ECOSOC.

434

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governamentais435, 5 órgãos integrados por especialistas independentes436, e outros órgãos conexos437. Dentre estes, destaca-se o Comitê de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais (CESCR), que será adiante estudado, como órgão integrado por especialistas independentes. As agências ou organizações especializadas vinculadas à ONU por intermédio do ECOSOC são: Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação (FAO); Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA-IAEA); Fundo Internacional de Desenvolvimento Agrícola (FIDA-IFAD); Organização Internacional do Trabalho (OIT-ILO); Fundo Monetário Internacional (FMIIMF); Organização Marítima Internacional (OMI-IMO); União Internacional de Telecomunicações (UIT-ITU); Organização das Nações Unidas para Educação, Ciência e Cultura (UNESCO); Organização das Nações Unidas para o Desenvolvimento Industrial (ONUDI-UNIDO); União Postal Universal (UPU); Organização Mundial da Saúde (OMS-WHO); Organização Mundial da Propriedade Intelectual (OMPI-WIPO); Banco Mundial; Organização Meteorológica Mundial (OMM-WMO); e Organização Mundial do Turismo (OMT-UNWTO).

NOTAS CONCLUSIVAS A Resolução do ECOSOC 1988 (LX), de 11 de maio de 1976, denominada “Procedimentos para a Aplicação do Pacto Internacional de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais”438, celebrou a entrada em vigor do PIDESC em 3 de janeiro de   Os órgãos integrados por especialistas governamentais são: Comitê de Especialistas em Transporte de Mercadorias Perigosas e no Sistema Mundialmente Harmonizado de Classificação e Etiquetamento de Produtos Químicos, Grupo de Trabalho Intergovernamental de Especialistas em Normas Internacionais de Contabilidade e Informes, Grupo de Especialistas das Nações Unidas em Nomes Geográficos.

435

  Os órgãos compostos por especialistas que trabalham a título pessoal são: Comitê de Políticas de Desenvolvimento, Comitê de Especialistas em Administração Pública, Comitê de Especialistas sobre Cooperação Internacional em Questões de Tributação, Foro Permanente para Questões Indígenas e Comitê de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais.

436

437 

Os outros órgãos conexos são: Comitê para o Prêmio de População das Nações Unidas, Junta de Conselheiros do Instituto Internacional de Investigações e Capacitação para a Promoção da Mulher, Junta Internacional de Fiscalização de Entorpecentes, Programa de Coordenação do Programa Conjunto das Nações Unidas sobre HIV/AIDS. 438 

NAÇÕES UNIDAS. Resolución 1988 (LX), p. 10-11. In: Período de Sesiones de Organización para 1976 (13-15 de enero de 1976). Consejo Económico y Social, 1976. Disponível em: . Acesso em 14 ago. 2012. 439 

Segundo o §1º da Resolução 1988 (LX) do ECOSOC, foi estabelecido um programa pelo qual os Estados Partes apresentariam os informes mencionados no art. 16 do PIDESC. A primeira etapa, sobre os direitos compreendidos entre os artigos 6 a 9; a segunda, daqueles direitos contidos nos artigos 10 a 12; e a terceira, dos artigos 13 a 15.

440 

NAÇÕES UNIDAS. Decisión 1978/10 (3 de mayo de 1978), p. 39. In: Resoluciones y decisiones de Consejo Económico y Social 1978. Consejo Económico y Social, 1978. Disponível em: http:// daccess-dds-ny.un.org/doc/UNDOC/GEN/NR0/764/17/IMG/NR076417.pdf?OpenElement. Acesso em: 14 ago. 2012.

  NAÇÕES UNIDAS. Resolución 1979/43 (11 de mayo de 1979), p. 33-34. In: Resoluciones y decisiones de Consejo Económico y Social 1979. Consejo Económico y Social, 1979. Disponível em: http://daccess-dds-ny.un.org/doc/UNDOC/GEN/NR0/766/61/IMG/NR076661.pdf?OpenElement. Acesso em: 14. ago.2012. 441

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de maio de 1981442, bem como pela Resolução 1982/33, de 6 de maio de 1982443, que alterou tanto a organização quanto a composição do mencionado grupo, com sua primeira sessão prevista para 1985. Finalmente, a Resolução 1985/17, de 28 de maio de 1985444, determinou a mudança do GTPSI-PIDESC para Comitê de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais (CESCR). Assim, o CESCR foi criado como um dos órgãos subsidiários do ECOSOC, composto por especialistas independentes e responsável por vigiar o exercício dos direitos econômicos, sociais e culturais com base na implementação do PIDESC pelos Estados Partes. Este comitê foi estabelecido pela resolução do ECOSOC 1985/17, em observância da Resolução 1988 (LX), para que o mesmo possa cumprir as funções estabelecidas pela Parte IV do PIDESC, principalmente em relação à recepção dos relatórios regulares, sobre o cumprimento dos Direitos Humanos em seu território, que os Estados Partes são obrigados a submeter. No que diz respeito às organizações especializadas, o CESCR recebe também relatórios em concordância com o art. 18 do PIDESC. Segundo as regras de procedimentos contidas nos artigos 66 a 68 da Parte XVI da Resolução do CESCR, E/C.12/1990/4/Rev.1, de 1º de setembro de 1993445, as agências especializadas são chamadas a apresentarem relatórios sobre os progressos alcançados no cumprimento das resoluções do PIDESC, referentes aos âmbitos das atividades em que se enquadram como organismos especializados. Estes relatórios podem incluir dados sobre as decisões e recomendações adotadas por tais organismos (art. 66).   NAÇÕES UNIDAS. Decisión 1981/158 (8 de mayo de 1981), p. 55. In: Resoluciones y decisiones de Consejo Económico y Social 1981. Consejo Económico y Social, 1981. Disponível em: http:// daccess-dds-ny.un.org/doc/UNDOC/GEN/NR0/766/91/IMG/NR076691.pdf?OpenElement. Acesso em: 14 ago. 2012.

442

  NAÇÕES UNIDAS. Resolución 1982/33 (6 de mayo de 1982), p. 25-26. In: Resoluciones y decisiones de Consejo Económico y Social 1982. Consejo Económico y Social, 1982. Disponível em: http://daccess-dds-ny.un.org/doc/UNDOC/GEN/NR0/767/05/IMG/NR076705.pdf?OpenElement. Acesso em: 14 ago. 2012.

443

  NAÇÕES UNIDAS. Resolution 1985/17. The Economic and Social Council, 1985. Disponível em: http://www.google.com.br/url?sa=t&rct=j&q=&esrc=s&source=web&cd=4&ved=0CEYQFjA D&url=http%3A%2F%2Fap.ohchr.org%2Fdocuments%2FE%2FECOSOC%2Fresolutions%2FE-RES-1985-17.doc&ei=AQE7UIG_OIWo8gThsYCgCg&usg=AFQjCNGUPGdLUEZuFaVzlJXCD tvxa45Wjg&sig2=1MQ-QUKaRyMUaIQlyne8cg. Acesso em: 14.ago.2012.

444

  NAÇÕES UNIDAS. Resolution E/C.12/1990/4/Rev.1 - Rules of Procedure of the Committee. Committee On Economic, Social and Cultural Rights. Disponível em: http://daccess-dds-ny.un.org/ doc/UNDOC/GEN/G93/183/98/PDF/G9318398.pdf?OpenElement. Acesso em 14.ago.2012. 445

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Ao CESCR é confiada a tarefa de considerar os relatórios das agências especializadas de acordo com o art. 18 do PIDESC e da Resolução 1988 (LX) (art. 67). Já o art. 68 determina que as organizações especializadas devem ser convidadas a designar representantes com poderes próprios para participarem das reuniões do CESCR. Desde então, as agências especializadas também são convidadas a apresentarem seus relatórios por meio de seus efetivos representantes. A própria Resolução 1985/17, criadora do CESCR, estipulou que o comitê deve submeter ao ECOSOC informe de suas atividades, sumário de suas considerações sobre os relatórios submetidos pelos Estados Partes do PIDESC e sugestões e/ou recomendações de cunho geral que incluam até mesmo conteúdos dos informes das organizações especializadas, a fim de que o ECOSOC possa cumprir suas obrigações perante o tratado, prescritas nos artigos 21 e 22 do PIDESC. Desde então, tanto os relatórios anuais do CESCR446 quanto outros documentos provenientes do comitê ou do ECOSOC têm se utilizado dos informes apresentados pelas organizações especializadas, convidadas a participarem de suas reuniões, para a formulação de políticas que visam a implementação dos direitos e garantias positivados no PIDESC. Portanto, e de modo geral, se recomenda aos Estados que continuem cooperando com as Nações Unidas e as relevantes agências especializadas, a fim de que se possam implementar os direitos econômicos, sociais e culturais em conformidade com as obrigações previstas no PIDESC.

 Seus relatórios anuais estão disponíveis em: http://tb.ohchr.org/default.aspx?ConvType=18&docType=36

446

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ARTIGO 19º O Conselho Econômico e Social poderá encaminhar à Comissão de Direitos Humanos, para fins de estudo e de recomendação de ordem geral, ou para informação, caso julgue apropriado, os relatórios concernentes aos direitos humanos que apresentarem os Estados, nos termos dos artigos 16 e 17, e aqueles concernentes aos direitos humanos que apresentarem as agências especializadas, nos termos do artigo 18. Ana Carolina Souza Fernandes Bacharel em Direito pela Faculdade Autônoma de Direito (FADISP). Pós-graduada em Direito Civil pela FADISP. Pós-graduada em Direito dos Contratos e Direito Societário (L.LM.) pelo Insper – Instituição de Ensino e Pesquisa (antigo IBMEC). Mestranda em Direito com Ênfase em Relações Econômicas Internacionais pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC/SP). COMENTÁRIOS: O Conselho Econômico e Social (“CES”) é um órgão da Organização das Nações Unidas (“ONU”), criado a partir de sua carta constitutiva447, com o objetivo de coordenar os trabalhos envolvendo questões econômicas e sociais da ONU, das agências especializadas e das demais instituições do sistema da ONU, de modo a promover o respeito aos direitos humanos e as liberdades fundamentais. O CES é composto por 54 (cinqüenta e quatro) membros448 da ONU, eleitos pela Assembleia Geral449, alternativamente, para um mandato de três anos, permitida a re-eleição. Cada membro do CES terá direito a um suplente. 447 

Assinada em São Francisco em 1945, a Carta da ONU entrou em vigor no ordenamento jurídico internacional em 24 de outubro de 1945, cumpridas as exigências constantes do artigo 110 do referido documento. No âmbito interno, a Carta da ONU entra em vigor por meio do Decreto n° 19.841, de 22 de outubro de 1945. 448   Os lugares no CES são atribuídos com base em representações geográficas, na qual: (i) 14 (quatorze) lugares são atribuídos aos Estados africanos; (ii) 11 (onze) lugares a Estados asiáticos; (iii) 06 (seis) a Estados do leste europeu; (iv) 10 (dez) para Estados da América Latina e Caribe; e (v) 13 (treze) para Estados da Europa Ocidental e outros Estados. Para maiores informações, ver: . Acesso em 19 de novembro de 2012. 449 

Atualmente, o Presidente do CSE é o eslovaco Miloš Koterec, eleito em 10 de janeiro de 2012, depois de atuar como Vice-Presidente Sênior do CSE em 2011. 311

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Entre suas funções e atribuições, prescreve o artigo 62 da Carta da ONU, que se destacam as seguintes: 1. O Conselho Econômico e Social fará ou iniciará estudos e relatórios a respeito de assuntos internacionais de caráter econômico, social, cultural, educacional, sanitário e conexos e poderá fazer recomendações a respeito de tais assuntos à Assembleia Geral, aos Membros das Nações Unidas e às entidades especializadas interessadas. 2. Poderá, igualmente, fazer recomendações destinadas a promover o respeito e a observância dos direitos humanos e das liberdades fundamentais para todos. 3. Poderá preparar projetos de convenções a serem submetidos à Assembleia Geral, sobre assuntos de sua competência. 4. Poderá convocar, de acordo com as regras estipuladas pelas Nações Unidas, conferências internacionais sobre assuntos de sua competência. Percebe-se, pois, a sintonia existente entre a Carta da ONU e o Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais (“Pacto”)450, no que diz respeito às funções e atribuições do CSE. Vale dizer que o referido Pacto, em conjunto com a Declaração Universal dos Direitos do Homem (1948) e o Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos (1966), não obstante os sistemas regionais de proteção dos direitos humanos, faz parte de um conjunto de normas internacionais que se convencionou denominar de International Bill of Right. Informa Dimas Pereira Duarte Júnior451 que: A International Bill of Rights, dessa forma, ao inaugurar a concepção de que os direitos humanos se constituem em uma unidade indivisível, interdependente e inter-relacionada, que, por sua vez, foi ratificada na Convenção de Viena de 1993, atribui aos Estados não só a obrigação de prestações negativas, característica peculiar dos direitos individuais, mas também de prestação de positivas. 450   O Pacto entrou em vigor no ordenamento jurídico brasileiro por meio do Decreto n° 591, de 06 de julho de 1992. No entanto, seu texto foi aprovado pela Assembleia Geral da ONU por meio da Resolução 2200A, de 16 de dezembro de 1966, entrando em vigor no cenário internacional a partir de 23 de março de 1976.

  Duarte Júnior, Dimas Pereira. Impactos dos Mecanismos da International Accountability na Justicialização dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais no Brasil. São Paulo, 2008, 240f. Tese (Doutorado em Ciências Sociais. Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo, 2008. p 138. 451

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As prestações positivas vêm prescritas no próprio Pacto, a partir do momento em que se estabelece um compromisso para adotar medidas que visem assegurar o pleno exercício dos direitos ali reconhecidos (artigo 2°). Isso significa dizer que o Pacto não é executável de per si. Requer uma atuação efetiva e eficiente de cada um dos Estados signatários452. Conclui-se, de um lado, que a realização dos direitos econômicos, sociais e culturais é de responsabilidade interna de cada Estado Parte, delegando a eles: (i) o dever de implementar políticas ou programas governamentais (Poder Executivo); (ii) editar leis de acordo com referidas políticas ou programas governamentais (Poder Legislativo) e (iii) fazer cumprir os direitos abarcados, mediante, se for o caso, de coercibilidade (Poder Judiciário), sob pena de responsabilização internacional por violação dos direitos humanos. Por outro lado, o Pacto não prevê mecanismos sancionatórios nas hipóteses de descumprimento de seus preceitos, tal como fez o Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos (artigo 28 e seguintes). Simplesmente determina mecanismos de monitoramento acerca do cumprimento dos direitos ali previstos, por meio do envio de relatórios periódicos453. Tal monitoramento é feito pelo Comitê de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais (“CDESC”), órgão criado pelo CES454 e composto de especialistas independentes. Cumpre, pois, esclarecer que os relatórios são encaminhamos primeiramente ao Secretário Geral da ONU, que remete cópias tanto ao CSE quanto às agências especializadas (na medida em que guardem relação com questões que sejam de sua competência) para análise. Os relatórios devem ser apresentados de acordo com as determinações do 452 

Importa ressaltar as lições de Vladmir Oliveira da Silveira e Maria Mendez Rocasolano nesse desiderato, na medida em que entendem que “não há dúvida de que o pacto é aplicável a todos os Estados e não apenas aos países que o ratificaram, porque estão vinculados por força do consenso (soft law) da comunidade internacional, dentro da perspectiva da solidariedade” (Silveira, Vladmir Oliveira da; Rocasolano, Maria Mendez. Direitos Humanos: Conceito, Significados e Funções. São Paulo: Saraiva, 2010, p. 159).

  Leciona André de Carvalho Ramos que “o sistema de relatórios periódicos tem por fundamento o princípio de cooperação internacional e a busca da evolução na proteção dos direitos humanos, por meio do consenso entre o Estado e o órgão internacional” (Ramos, André de Carvalho. Processo Internacional de Direitos Humanos: Análise dos Sistemas de Apuração de Violação de Direitos Humanos e Implementação das Decisões no Brasil. Rio de Janeiro: Renovar, 2002, p. 121). 453

454

  Por meio da Resolução n° 1985/17, de 28 de maio de 1985. 313

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CSE455, indicando as medidas tomadas pelo Estado Parte, como também apontando fatores e dificuldades que possam vir a prejudicar o cumprimento das disposições do Pacto. O Pacto estabeleceu que o prazo de apresentação do primeiro relatório seria em um ano após a entrada em vigor no ordenamento jurídico interno de cada Estado. No entanto, a Resolução 1988/4, de 24 de maio de 1988 do CDESC, informa que o primeiro relatório deve ser submetido pelo Estado Parte em até dois anos após a entrada em vigor do Pacto e os demais, a cada cinco anos, lembrando que sua análise é de responsabilidade do CDESC, que dirige suas preocupações e recomendações ao Estado Parte na forma de “observações finais”. Os Estados Parte, em contrapartida, poderão encaminhar ao CDESC eventuais comentários a respeito das “observações finais”, objetivando justificar o descumprimento ou as dificuldades com relação ao Pacto. Ato contínuo, o CSE poderá encaminhar à Comissão de Direitos 456 Humanos da ONU ou às agências especializadas do sistema das ONU os relatórios apresentados pelos Estados Parte, acerca das medidas que tenham adotado no que diz respeito ao cumprimento das disposições contidas no Pacto, bem como o progresso realizado na consecução dos direitos humanos albergados no Pacto, para os fins de informação, estudo e recomendação de ordem geral. No que diz respeito especificamente ao Brasil, compete à Secretaria de Direitos Humanos (“SDH”), nos termos do artigo 24 da Lei n° 10.683, de 25 de maio de 2003: assessorar direta e imediatamente o Presidente da República na formulação de políticas e diretrizes voltadas à promoção dos direitos da cidadania, da criança, do adolescente, do idoso e das minorias e à defesa dos direitos das pessoas com deficiência e promoção da sua integração à vida comunitária, bem como coordenar a política nacional de direitos 455   Para um melhor aprofundamento nas diretrizes quanto à forma e o conteúdo dos relatórios a serem apresentados pelos Estados, vide HRI/GEN/2/Rev. 4. Disponível em: . Acesso em 19 de novembro de 2012. 456 

Criada em 1946 por decisão do CES foi extinta em 16 de junho de 2006 e substituída pelo Conselho de Direitos Humanos, por meio da Resolução n° 60/251 da Assembleia Geral da ONU de 15 de março de 2003, passando a ser um órgão subsidiário da ONU.

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humanos, em conformidade com as diretrizes do Programa Nacional de Direitos Humanos – PNDH, articular iniciativas e apoiar projetos voltados para a proteção e promoção dos direitos humanos em âmbito nacional, tanto por organismos governamentais, incluindo os Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário, quanto por organizações da sociedade, e exercer as funções de ouvidoria nacional de direitos humanos, da criança, do adolescente, do idoso e das minorias. O Programa Nacional de Direitos Humanos (“PNDH”) foi elaborado em conjunto com a sociedade civil, por meio de diversas consultas e seminários, e foram divididos até a presente data em: (i) PNDH 1 (1996), que tratou de estabelecer programas de ação no que se refere aos direitos civis e políticos; (ii) PNDH 2 (2002), que buscou cuidar das questões envolvendo direitos econômicos, sociais, culturais e ambientais; e o (iii) PNDH 3 (2007), que envolve questões diversas, tais como interação democrática do Estado e da sociedade civil, acesso à segurança pública e à justiça, universalização de direitos em um contexto de dificuldades econômicas e sociais, educação, cultura e direito à memória e à verdade. Nesse diapasão, cumpre à SDH a elaboração dos relatórios a serem apresentados no âmbito do Pacto, que entrou em vigor no Brasil em 1992. O primeiro relatório entregue pelo governo brasileiro foi em 2001, com quase uma década de atraso, pressionado por organizações e membros da sociedade civil, que se antecipou e apresentou um relatório em 2000457, sobre a situação dos direitos humanos no Brasil. O denominado “Relatório da Sociedade Civil sobre o Cumprimento, pelo Brasil, do Pacto Internacional de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais” (“Relatório da Sociedade Civil 2000”) foi produzido sob a coordenação da Comissão de Direitos Humanos da Câmara dos Deputados, do Movimento Nacional de Direitos Humanos e da Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão do Ministério Público Federal e “contém indicadores obtidos no Brasil por instituições oficiais ou dignas de elevada credibilidade, sobre 17 dos 19 tópicos de

457 

Como regra, as organizações da sociedade civil podem encaminhar ao CDESC seus próprios relatórios, denominados de “contra-informe”, sendo acolhidos como subsídio para a análise do relatório oficial. 315

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direitos contemplados pelo PIDESC”458. Referido Relatório da Sociedade Civil 2000 teve como fundamento o constante na Carta da IV Conferência Nacional de Direitos Humanos, que destacou que “as entidades de âmbito nacional participantes elaborem e apresentem à ONU relatório não-governamental do Brasil sobre a implementação no País do Pacto Internacional de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais”. Em 2001, o governo Brasil apresentou ao CDESC o “I Relatório Brasileiro sobre o Cumprimento do Pacto Internacional de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais” (“I Relatório”)459, que foi alvo de um contra-informe por parte da sociedade civil460 apresentado ao CDESC em 05 de maio de 2003 e sofreu algumas críticas quanto a efetivação dos direitos previstos no Pacto. Desta forma, na Trigésima Sessão, realizada entre 05 e 23 de maio de 461 2003 , o CDESC apontou os aspectos positivos do I Relatório (itens 4 a 14), bem como os principais pontos de preocupação quanto ao cumprimento do Pacto (itens 15 a 39) e algumas recomendações (itens 40 a 64). Em conclusão, Dimas Pereira Duarte Júnior462 entende que: (...) o relatório oficial apresentou-se mais como um documento destinado a cumprir uma mera formalidade e enfatizar ações estatais que rebatessem as informações constantes do relatório alternativo, do que propriamente o 458   Para melhor compreensão da estrutura e dos temas expostos no Relatório da Sociedade Civil, ver: . Acesso em 19 de novembro de 2012. 459   O I Relatório pode ser lido, na íntegra, no seguinte endereço: . Acesso em 19 de novembro de 2012.

  A íntegra do “Contra-Informe da Sociedade Civil” pode ser encontrada em: . Acesso em 19 de novembro de 2012. 460

  Importante ressaltar que a CDESC entendeu que o Relatório da Sociedade Civil como parte inicial do I Relatório, na medida em que assinala que “the Committee welcomes the submission of the initial report of Brazil, which has been prepared in conformity with the Committee’s guidelines, but regrets the late submission of the report and the absence of written replies to its list of issues (E/C.12/Q/ BRA/1)”. Disponível em: . Acesso em 19 de novembro de 2012. 461

462 

Duarte Júnior, Dimas Pereira. Impactos dos Mecanismos da International Accountability na Justicialização dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais no Brasil. São Paulo, 2008. Tese Doutorado em Ciências Sociais. Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo, 2008. p 138. 316

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compromisso do país com a observância de suas obrigações internacionais decorrentes da normativa de proteção aos direitos humanos. O “II Relatório Brasileiro sobre o Cumprimento do Pacto Internacional de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais” (“II Relatório”)463 foi apresentado pelo governo brasileiro em 06 de agosto de 2007, descumprindo não só o prazo determinado pelo CDESC (que seria até 30 de junho de 2006), como também a recomendação de o relatório ser preparado em conjunto com as organizações nãogovernamentais. Não obstante, o II Relatório foi resultado de um processo de consulta intersetorial coordenado pela Secretaria de Direitos Humanos, pelo Ministério das Relações Exteriores e pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada, durante o período de janeiro de 2001 a maio de 2006. Paralelamente, foi apresentado ao CDESC o “Contra-Informe da Sociedade Civil Brasileira sobre o Cumprimento do Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais” (“Contra-Informe”), datado de 2007, sob a responsabilidade de quatro organizações da sociedade civil464, a saber: (i) Articulação dos Parceiros de Misereor no Brasil (“Misereor”); (ii) Movimento Nacional de Direitos Humanos (“MNDH”); (iii) Plataforma Brasileira de Direitos Humanos Econômicos, Sociais, Culturais e Ambientais (“Plataforma Dhesca”); e (iv) Processo de Articulação e Diálogo entre Agências Ecumênicas Europeias e suas Contrapartes (“PAD”). Vale dizer que os contra-informes são tão importantes quanto à submissão dos relatórios oficiais. Por ser direcionada à CDESC, pretende contribuir ao processo coletivo de construção de iniciativas de monitoramento dos compromissos que o Brasil firma na seara internacional e, em especial, sobre os direitos humanos. Assim, o II Relatório foi objeto de apreciação da CDESC na Quadragésima Segunda Sessão, que teve turno entre os dias 04 e 22 de maio de 2009, e, diferentemente do que ocorreu no I Relatório, o governo brasileiro cumpriu com 463   O II Relatório pode ser lido, na íntegra, no seguinte endereço: . Acesso em 19 de novembro de 2012. 464   Disponível em: . Acesso em 19 de novembro de 2012.

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os ritos determinados pelo CDESC, inclusive respondendo às questões prévias elaboradas. Quando da análise do II Relatório, o CDESC apontou os aspectos positivos acerca das medidas legislativas e as demais medidas adotadas pelo Brasil desde o exame do I Relatório (itens 3 a 5), os principais temas de preocupações e recomendações (itens 7 a 33), concluindo com as seguintes ponderações465: 34. O Comitê solicita ao Estado Parte que providencie, em seu terceiro relatório periódico, informações detalhadas se os artigos estabelecidos no Pacto podem ser e foram diretamente aplicados em suas cortes. 35. O Comitê recomenda que o Estado Parte providencie, em seu terceiro relatório periódico, dados estatísticos atualizados sobre o gozo de cada direito do Pacto, desagregado por idade, gênero, origem étnica, população urbana/rural e outros níveis relevantes, em base comparativa anual sobre os últimos cinco anos. 36. O Comitê convida o Estado Parte a considerar a ratificação do Protocolo Facultativo ao Pacto Internacional sobre Direitos Econômicos, Sociais e Culturais466 e a Convenção Internacional para a Proteção dos Direitos Humanos de Todos Trabalhadores Migrantes e Membros de Suas Famílias. Importa salientar, contudo, que as recomendações e orientações gerais do CDESC não têm força vinculante, senão apenas uma força política e moral (power of embaressment), compelindo, assim, os Estados ao cumprimento de tratados e 465 

No original: “(…) 34. The Committee requests the State party to provide, in its third periodic report, detailed information regarding the question whether the rights enshrined in the Covenant can and have been directly applied in its courts. 35. The Committee recommends that the State party provide, in its third periodic report, updated statistical data on the enjoyment of each Covenant right, disaggregated by age, gender, ethnic origin, urban/rural population and other relevant status, on an annual comparative basis over the past five years. 36. The Committee invites the State party to consider ratifying the Optional Protocol to the International Covenant on Economic, Social and Cultural Rights and the International Convention on the Protection of the Rights of All Migrant Workers and Members of Their Families. (…)”. A íntegra do documento pode ser encontrada no seguinte endereço: . Acesso em 19 de novembro de 2012.

  Até o dia de hoje, o Brasil ainda não ratificou o Protocolo Facultativo que tem como um dos objetivos estabelecer mecanismos sancionatórios no que diz respeito ao descumprimento dos direitos estabelecidos no Pacto, de modo similar ao que ocorre com o Pacto Internacional sobre os Direitos Civis e Políticos. 466

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convenções internacionais que se vinculam, interna e internacionalmente. De todo modo, o Brasil, ainda que parcialmente acatando as recomendações do CDESC, busca tornar mais transparente o processo de monitoramento do cumprimento do Pacto, bem como dar efetividade aos diversos programas e ações governamentais no tocante aos direitos humanos e, mais recentemente, ao PNDH Assim, a SDH editou a Portaria n° 619, de 22 de maio de 2012, estabelecendo a criação de um comitê de monitoramento no âmbito do Sistema Nacional de Indicadores de Direitos Humanos (“SNIDH”), será composto, consoante artigo 5°, de: I – um representante da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República – SDH/PR, que coordenará a elaboração do SNIDH; II – um representante da Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE; III – um representante do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada – IPEA; IV – um representante da Sociedade Civil, indicado pela Plataforma Dhesca; e V – um representante das Agências das Nações Unidas, indicado pelo Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento – PNUD. Por outro lado, a Plataforma Dhesca, em conjunto com as já mencionadas organizações da sociedade civil, que monitoram o cumprimento do Pacto, lançaram em 29 de novembro de 2012, o Relatório “Direitos Humanos no Brasil: Diagnósticos e Perspectivas, vol. III”, que abrange a análise e evolução das medidas envolvendo direitos humanos inseridos no Pacto, desde 2007 até 2012. Provavelmente esse documento servirá de base para a elaboração do contra-informe para encaminhar ao CDESC ao próximo relatório a ser encaminhado pelo governo brasileiro (até 30 de junho de 2014).

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REFERÊNCIAS COMPARATO, Fábio Konder. A Afirmação Histórica dos Direitos Humanos. 4.ed. São Paulo: Editora Saraiva, 2005. DUARTE JÚNIOR, Dimas Pereira. Impactos dos Mecanismos da International Accountability na Justicialização dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais no Brasil. São Paulo, 2008, 240f. Tese (Doutorado em Ciências Sociais. Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo, 2008. Ramos, André de Carvalho. Processo Internacional de Direitos Humanos: Análise dos Sistemas de Apuração de Violação de Direitos Humanos e Implementação das Decisões no Brasil. Rio de Janeiro: Renovar, 2002. SILVEIRA, Vladmir Oliveira da; ROCASOLANO, Maria Mendez. Direitos Humanos: conceito, significados e funções. São Paulo: Saraiva, 2010.

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ARTIGO 20º Os Estados Partes no presente Pacto e as agências especializadas interessadas poderão encaminhar ao Conselho Econômico e Social comentários sobre qualquer recomendação de ordem geral, feita em virtude do artigo 19, ou sobre qualquer referência a uma recomendação de ordem geral que venha a constar de relatório da Comissão de Direitos Humanos ou de qualquer documento mencionado no referido relatório. Alexandre Cardeal de Oliveira Arneiro Bacharel em Direito pela PUC-SP, com extensão na Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, e Bacharelando em Ciências Sociais pela USP. Assistente voluntário na disciplina Direito Internacional Público, na PUC-SP. Advogado. Orides Mezzaroba Doutor e Mestre pela Universidade Federal de Santa Catarina - UFSC. Possui Pós- Doutorado junto à Universidade de Coimbra - Portugal. É professor nos Programas de Graduação e Pós-Graduação em Direito da Universidade Federal de Santa Catarina. Professor colaborador no Programa de Mestrado em Direito da UNINOVE. Pesquisador de Produtividade do CNPq.

COMENTÁRIOS: O artigo 20 do Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais (PIDESC) consolida uma das características do Sistema Internacional de Proteção dos Direitos Humanos, nomeadamente, o diálogo institucional no âmbito da ONU. Trata-se de um elemento decorrente do princípio da cooperação, previsto no artigo 1º (3) da Carta das Nações Unidas, o qual prescreve que um dos propósitos das Nações Unidas está em “conseguir uma cooperação internacional para resolver os problemas internacionais de caráter econômico, social, cultural ou humanitário, e para promover e estimular o respeito aos direitos humanos e às liberdades

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fundamentais para todos, sem distinção de raça, sexo, língua ou religião”. O diálogo institucional significa a concretização do princípio da cooperação internacional no bojo da ONU, e tem por meta tornar mais eficientes seus órgãos para a promoção dos objetivos comuns da ONU. O PIDESC, a Declaração Universal de Direitos Humanos de 1948 e o Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos juntos formam a “Carta Internacional de Direitos”, (International Bill of Rights), conjugação que contempla a expressão mais relevante do movimento internacional de proteção dos direitos humanos, pois tal conjunto de direitos representa o difundido consenso obtido “acerca dos requisitos minimamente necessários para uma vida com dignidade”467. O propósito da criação do PIDESC foi o de permitir a criação de uma linguagem de direitos obrigatórias no plano internacional, segundo a sistemática da international accountability. Pois, da mesma forma que outros tratados internacionais, introduziu aos Estados Parte obrigações legais, passíveis de responsabilização internacional em caso de violação dos direitos enunciados. O PIDESC, bem como o Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos, têm por escopo juridificar o domínio político da comunidade internacional, obrigando os Estados a observar deveres internacionais e investir os indivíduos de direitos essenciais à proteção da dignidade humana468. Os direitos humanos devem ser compreendidos como universais, indivisíveis, independentes e inter-relacionados, nos termos do parágrafo 5º da Declaração de Viena e do Programa de Ação de 1993.469 Assim, a violação aos direitos econômicos, sociais e culturais implica também um atentado aos direitos civis e políticos. Em tempos de crise econômica, a falta de moradia, a dificuldade de acesso à saúde ou ao pleno emprego podem significar o aviltamento de direitos   PIOVESAN, Flávia; GOTTI, Alessandra Passos; MARTINS, Janaína Senne. “A Proteção Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais” in PIOVESAN, Flávia. Temas de Direitos Humanos. 2ª ed. São Paulo: Max Limonad, 2003, p 98.

467

  PIOVESAN, GOTTI; MARTINS, Ibid. p 98.

468

  “Todos os direitos humanos são universais, indivisíveis interdependentes e interrelacionados. A comunidade internacional deve tratar os direitos humanos de forma global, justa e eqüitativa, em pé de igualdade e com a mesma ênfase. Embora particularidades nacionais e regionais devam ser levadas em consideração, assim como diversos contextos históricos, culturais e religiosos, é dever dos Estados promover e proteger todos os direitos humanos e liberdades fundamentais, sejam quais forme seus sistemas políticos, econômicos e culturais.” 469

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civis e políticos, como o exercício da cidadania e o direito à propriedade. Silveira e Rocasolano470 sustentam que os direitos enunciados no PIDESC não constituem obrigações apenas em relação aos Estados Parte, sendo aplicáveis a todos os Estados, uma vez que os direitos econômicos, sociais e culturais também têm lugar na Declaração Universal dos Direitos Humanos e foram confirmados e reafirmados em outros documentos internacionais, como a Declaração de Viena e o Plano de Ação de 1993. Desse modo, os direitos econômicos, sociais e culturais constituem obrigações a todos os Estados, porque estes “estão vinculados por força do consenso (soft law) da comunidade internacional, dentro da perspectiva da solidariedade”471. De acordo com o objetivo do conjunto desta obra, que é o de apresentar uma breve análise de cada um dos artigos que compõem o PIDESC, nesta parte do estudo será apresentada uma análise do artigo 20 à luz do princípio da cooperação internacional. A fim de que se tenha uma melhor compreensão do artigo 20 do PIDESC, se faz necessário uma breve apresentação dos órgãos que integram o sistema de proteção dos direitos humanos das Nações Unidas para daí então definir como se dá a cooperação entre eles. MECANISMO CONVENCIONAL NÃO CONTENCIOSO DE PROTEÇÃO DOS DIREITOS HUMANOS O art. 20 está incluído na Parte IV do PIDESC, a qual está composta pelos artigos 16 a 25 e se refere ao mecanismo de monitoramento dos direitos previstos no Pacto. Trata-se de mecanismo convencional não contencioso de resolução de controvérsias, muito semelhante aos bons ofícios e à conciliação, que são as formas mais antigas de solução de controvérsias no plano internacional. Sua atual aplicação não é exclusiva ao Pacto: há no sistema internacional de proteção dos direitos humanos tratados que prevêem sistemas de relatórios periódicos que os Estados se obrigam a apresentar, informando as ações empreendidas para a realização dos direitos enunciados num dado tratado de proteção internacional dos   SILVEIRA, Vladmir Oliveira da; ROCASOLANO, María Mendez. Direitos Humanos: conceitos, significados e funções. Saraiva: São Paulo, 2010, p.159.

470

  SILVEIRA; ROCASOLANO, Ibid., p. 159.

471

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direitos humanos. São informações sobre as mais relevantes medidas legislativas, judiciais ou administrativas adotadas no sentido de implementar os dispositivos da respectiva convenção472. O tratado em questão indica a periodicidade na apresentação dos relatórios, o procedimento a ser observado na sua elaboração e o exame pelo órgão competente, que é denominado, dentro do sistema da ONU, de “treaty-body”. Em todos os treatybodies, os relatórios são submetidos a peritos independentes, membros dos comitês, que atuam unilateralmente, e não na qualidade de representantes de Estados Parte. Nos comitês são realizadas sessões de apresentação dos relatórios. A metodologia das sessões procura respeitar o “diálogo construtivo” entre seus membros e Estadoinformante. Nas sessões é garantido ainda espaço para representantes da sociedade civil e membros de organizações não governamentais (ONGs). Esses representantes podem apresentar relatórios-sombra (shadow reports) contendo informações sobre os temas que estão sendo debatidos. O comitê, após a fase de diálogo, com base no relatório apresentado, destaca os aspectos positivos e negativos, faz as suas observações e recomendações visando a solução do problema que são encaminhadas à Assembleia Geral das Nações Unidas. Caberá à Assembleia, em suas sessões anuais, analisar o relatório final do comitê, podendo aprová-lo ou rejeitá-lo. Duarte Júnior473 aponta que o Pacto não tem expressamente o objetivo de constatar uma violação aos direitos nele previstos e responsabilizar o Estado informante, obrigando-o a reparar os danos produzidos. Para Duarte Junior, o maior objetivo do sistema de proteção dos direitos humanos da ONU está em “prevenir violações ou até mesmo o de forçar os Estados a dedicarem atenção às políticas internas de defesa dos direitos humanos”, uma vez que o sistema não prevê mecanismos efetivos de sanção internacional ao Estado informante que faltou com suas obrigações. No entanto, pode o comitê enviar relatório a Assembleia Geral da ONU informando a situação de reiteradas violações de direitos humanos no Estado  DUARTE JÚNIOR, Dimas Pereira. Impacto dos mecanismos da international accountability na justicialização dos direitos humanos econômicos, sociais e culturais no Brasil. 239 p. Tese (Doutorado em Ciências Sociais – Relações Internacionais). Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo, 2008, p. 153.

472

  DUARTE JÚNIOR, Ibid., p. 155.

473

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informante, e este poderá ser sancionado via o constrangimento moral que poderá sofrer perante a comunidade internacional, tendo em vista a resolução que a Assembleia Geral pode editar. No mais, a Assembleia Geral pode recomendar ao Conselho de Segurança, sob o abrigo da Parte VII da Carta da ONU, a adoção atos vinculantes sancionadores ao Estado violador, em nome da preservação da paz e da segurança mundial. O MECANISMO DE PROTEÇÃO DOS DIREITOS ECONÔMICOS, SOCIAIS E CULTURAIS Os mecanismos convencionais não contenciosos têm por finalidade criar subsídios para a responsabilização internacional do Estado em sede de mecanismos convencionais quase judiciais e contenciosos ou judiciais, bem como dar início ao trabalho de instituições públicas ou da sociedade civil para “propiciar o fechamento do círculo da accountability, enunciada nos tratados internacionais de proteção aos direitos humanos”474. O PIDESC é marco da justicialização dos direitos econômicos, sociais e culturais, previstos da Declaração Universal de Direitos Humanos de 1948, e, por isso, desvinculados de preceitos jurídicos vinculantes. O PIDESC tem por função justicializar os direitos sociais no plano internacional, uma vez que tal tratado ampliou o rol de direitos previstos na Declaração Universal dos Direitos Humanos, e estabeleceu mecanismos para seu monitoramento perante a comunidade internacional. Os Estados Parte do PIDESC devem se valer de seu impulso próprio ou da assistência e cooperação internacional para assegurar o pleno gozo dos direitos reconhecidos no Pacto, nos termos do artigo 2º. A sistemática de controle e monitoramento do cumprimento das obrigações assumidas pelos Estados Parte se dá pela apresentação de relatórios periódicos sobre as medidas adotadas por todas as autoridades nacionais e ao progresso alcançado, no sentido de proteger a eficácia dos direitos econômicos, sociais e culturais.   DUARTE JÚNIOR, Dimas Pereira. Impacto dos mecanismos da international accountability na justicialização dos direitos humanos econômicos, sociais e culturais no Brasil. 239 p. Tese (Doutorado em Ciências Sociais – Relações Internacionais). Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo, 2008, p. 156.

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O mecanismo de elaboração de relatórios é a principal medida de monitoramento no bojo do sistema internacional de proteção dos direitos humanos, o qual o PIDESC integra. O poder de sanção existente é o instituto do power of embarrassment – “poder de constrangimento político e moral perante a opinião pública internacional”475. Seguem abaixo breves informações sobre os principais órgãos do sistema internacional de proteção dos direitos enunciados no PIDESC. O CONSELHO ECONÔMICO E SOCIAL O Conselho Econômico e Social (cuja sigla em inglês “ECOSOC” é referência comum na literatura) está previsto no artigo 7º da Carta da ONU e tem o objetivo de ser o principal órgão de coordenação de todo o trabalho relacionado aos “assuntos internacionais de caráter econômico, social, cultural, educacional, sanitário e conexos”, conforme dispõe referido dispositivo. Tem a função de editar recomendações à Assembleia Geral, aos Membros das Nações Unidas e às entidades especializadas interessadas. O ECOSOC tem 54 (cinquenta e quatro) membros, cujo mandato é de 3 (três) anos. A votação se dá por maioria simples e cada membro tem direito a um voto. Dentre as atribuições do ECOSOC está a função de funcionar como fórum central sobre assuntos econômicos e sociais internacionais e na formulação de recomendações de políticas aos membros e demais órgãos do sistema da ONU. O ECOSOC também possui a atribuição de promover o respeito e a observância dos direitos humanos e das liberdades fundamentais. Outra função de grande relevância está na coordenação das atividades das agências especializadas através da elaboração de consultas e recomendações de trabalho com as mesmas, bem como a elaboração de recomendações à Assembleia Geral. A Parte IV do PIDESC atribui ao ECOSOC a função de conduzir os mecanismos de monitoramento dos direitos econômicos, sociais e culturais. O PIDESC, em seu artigo 16, investe o ECOSOC da função de receber do Secretário Geral o relatório periódico emitido pelos Estados Parte. O artigo 18 confere ao ECOSOC a atribuição de celebrar acordos de cooperação com as agências especializadas cujo campo de atividades corresponda a algum dos direitos   DUARTE JÚNIOR, Ibid., p. 163.

475

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enunciados no PIDESC para que as mesmas apresentem relatórios relativos aos progressos realizados pelos Estados Parte. O COMITÊ DOS DIREITOS ECONÔMICOS, SOCIAIS E CULTURAIs Por força da Resolução n.º 1985/17, de 28 de maio de 1985, do Conselho Econômico e Social da ONU, a função de monitoramento do ECOSOC prevista na Parte IV do PIDESC passou a ser exercida por órgão próprio, com funções análogas à do então Comitê de Direitos Humanos, denominado Comitê de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais. De modo semelhante aos demais treaty-bodies da ONU, o Comitê é composto por 18 (dezoito) peritos com reconhecida competência no campo nos direitos humanos e de modo que os lugares ocupados tenham uma igualitária distribuição geográfica. Seus nomes são indicados pelos Estados de sua nacionalidade, sendo eleitos pelo ECOSOC em escrutínio secreto para o período de quatro anos, permitida a recondução. Deve o Comitê submeter ao ECOSOC um relatório de suas atividades, incluindo um resumo de sua consideração sobre os relatórios submetidos pelos Estados Parte ao PIDESC, devendo também fazer sugestões e recomendações de natureza geral e analisar relatórios submetidos pelas agências especializadas. AS AGÊNCIAS ESPECIALIZADAS As agências especializadas da ONU são aquelas criadas por acordo intergovernamental, nos termos do artigo 57 da Carta da ONU, possuindo responsabilidades internacionais, nos campos econômico, social, cultural, educacional, sanitário e conexos. As agências especializadas mantêm vínculo com a ONU, conforme o acordo celebrado entre cada agência e o ECOSOC. A atuação das agências especializadas deve ser submetida à aprovação da Assembleia Geral, nos termos do artigo 63 da Carta. A Organização Internacional do Trabalho (OIT), a Organização Mundial da Saúde (OMS), a Organização Educacional, Científica e Cultural das Nações Unidas (UNESCO) e a Organização da Alimentação e da Agricultura (FAO) são os exemplos mais recorrentes. 327

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As agências especializadas possuem autonomia em relação à ONU, mas esta tem a faculdade de fazer recomendações para coordenação dos programas e atividades especializadas, nos termos do artigo 58 da Carta da ONU. Alston476 avalia que as agências especializadas têm uma responsabilidade fundamental para promover a realização dos direitos humanos em seus campos de trabalho, de acordo com a Carta da ONU, seus próprios instrumentos constitutivos e inúmeras declarações e resoluções da comunidade internacional. A tutela dos direitos humanos primeiro ocorre através das agências, já que estas possuem pessoal especializado para melhor orientar os Estados Parte na condução de suas políticas públicas. Para tanto, é necessário que os relatórios periódicos contenham informações precisas e confiáveis, a fim de que as agências, ao receberem os relatórios, possam adotar medidas formais e precisas. O CONSELHO DE DIREITOS HUMANOS O Conselho de Direitos Humanos da ONU (CDH), criado pela Resolução 60/251, de 3 de abril de 2006, é o órgão sucessor do Comitê de Direitos Humanos da Assembleia Geral da ONU. Trata-se de um órgão subsidiário à Assembleia Geral, e sua função, de acordo com a cláusula n. 3 da referida resolução, é analisar as situações de violações de direitos humanos e, a respeito delas, fazer recomendações, promovendo a coordenação e a difusão dos direitos humanos no sistema das Nações Unidas. Para Machado477, a antecessora Comissão de Direitos Humanos funcionava como mais “uma de várias comissões funcionais do ECOSOC, cuja função era, de acordo com procedimentos especiais apropriados, frequentemente de natureza extra-convencional, apreciar questões relacionadas com os direitos humanos, por Estado ou por área temática, e elaborar recomendações, devendo destacar-se a sua competência para investigar violações graves de direitos humanos e de apreciação de denúncias. A mesma tinha como incumbência a apresentação de 476   ALSTON, Philip. “United Nations’ Specialized Agencies and Implementation of the International Covenant on Economic, Social, and Cultural Rights”. Columbia Journal of Transnational Law, Vol. 18, 1979-1980, p. 117.

  MACHADO, Jónatas E. M. Direito Internacional: do paradigma clássico ao pós-11 de setembro. 3ª ed. Coimbra: Coimbra Editora, 2006, p. 377.

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relatórios junto do ECOSOC. A sua existência foi marcada por duras críticas por inoperância e por ter como membros Estados violadores sistemáticos de direitos humanos”. O artigo 19 prevê que cabe ao ECOSOC “encaminhar à Comissão de Direitos Humanos para fins de estudo e de recomendação de ordem geral ou para informação, caso julgue apropriado, os relatórios concernentes aos direitos humanos que apresentarem os Estados, nos termos dos artigos 16 e 17, e aqueles concernentes aos direitos humanos que apresentarem as agências especializadas, nos termos do artigo 18”. Onde se lê “Comissão de Direitos Humanos, leia-se o órgão sucessor “Conselho de Direitos Humanos”, órgão ao qual o ECOSOC encaminhará os relatórios dos Estados ou das agências especializadas. O modus operandi do Conselho de Direitos Humanos é guiado pelos princípios da universalidade, imparcialidade, objetividade e não seletividade, diálogo internacional construtivo e cooperação, no sentido de melhorar a promoção de todos os direitos humanos, civis, políticos, econômicos, sociais e culturais, incluindo o direito ao desenvolvimento. Entre as funções do Conselho de Direitos Humanos, se destaca o papel de promoção de políticas de educação sobre direitos humanos e de formação de equipes técnicas voltadas às autoridades nacionais, bem como a função de conduzir a revisão universal periódica, que consiste na elaboração de um relatório periódico acerca da situação de todos os direitos humanos em um Estado-membro da ONU. Por isso, pode-se afirmar que o Conselho de Direitos Humanos tem um papel fundamental na cooperação com o Comitê de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, uma vez que o primeiro tem a função de acompanhar o desenvolvimento integral dos direitos humanos em todos os Estados-membros. Contudo, ao contrário do Comitê de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, que é composto por 18 (dezoito) peritos independentes que atuam em sua capacidade, o Conselho de Direitos Humanos é composto por 53 (cinquenta e três) Estados eleitos pela Assembleia Geral. Enquanto que o primeiro tem um perfil independente e técnico, o outro tem um perfil predominantemente político. É verdade que a presença direta dos Estados no Conselho de Direitos Humanos pode obstar a edição de resoluções e recomendações sobre um determinado tema. No entanto, o Conselho de Direitos Humanos deve buscar exercer plenamente 329

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suas funções estabelecidas pela Resolução 60/251 da Assembleia Geral e aquelas herdadas pela antiga Comissão de Direitos Humanos, em especial, aquela prevista no artigo 19 do PIDESC, que é elaborar estudos ou recomendações de ordem geral acerca dos relatórios encaminhados pelo Comitê de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais. Nesse sentido, dispõe a cláusula 5 (h) da Resolução 60/51 que o Conselho de Direitos Humanos deve trabalhar em estreita cooperação no campo dos direitos humanos com governos, organizações regionais, instituições nacionais de direitos humanos e a sociedade civil. A FUNÇÃO DO DIÁLOGO ENTRE OS ESTADOS, AS AGÊNCIAS ESPECIALIZADAS, O CONSELHO DE DIREITOS HUMANOS E O CONSELHO ECONÔMICO E SOCIAL O artigo 20 do PIDESC expressa uma noção clara do diálogo que deve haver dentro do sistema de proteção internacional dos direitos humanos. O referido dispositivo permite ao Estado que tenha entregado seu relatório, nos termos dos artigos 16 e 17 e às agências especializadas que tenham feito relatórios relativos aos progressos realizados quanto ao cumprimento das disposições do PIDESC que correspondam ao seu campo de atividades apresentarem seus comentários acerca de qualquer recomendação de ordem geral que venha a constar de relatório do Conselho de Direitos Humanos. Lembre-se que o Comitê de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais pode encaminhar os relatórios dos Estados e das agências especializadas ao Conselho de Direitos Humanos. As recomendações que este órgão pode vir a adotar têm um claro aspecto político, uma vez que são emanadas de um colegiado de 53 (cinquenta e três) Estados. Nesse sentido, a possibilidade que o Estado-informante e as agências especializadas têm para elaborar comentários sobre o que o Conselho de Direitos Humanos venha a decidir serve, de um lado, para corrigir eventuais más interpretações por parte do Conselho, e, de outro, para tornar mais precisas e úteis as recomendações do Conselho, uma vez que o fornecimento de mais informações pode implicar o desenho de políticas melhor direcionadas. Igualmente, o diálogo previsto pelo artigo 20 do PIDESC decorre do princípio da cooperação internacional que orienta a ONU, conforme os artigos 1º (3) e 55 (b) da Carta da ONU. Estudo importante sobre o conteúdo jurídico do princípio da cooperação internacional foi elaborado em 1986 por jusinternacionalistas, 330

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membros do ECOSOC e de agências especializadas da ONU. Esse estudo passou a ser denominado de Princípios de Limburg sobre a Implementação do Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais. Por iniciativa do governo dos Países Baixos, esses Princípios passaram a fazer parte da agenda oficial da antiga Comissão de Direitos Humanos, votado pelo ECOSOC, em 8 de janeiro de 1987, dando origem ao documento E/CN.4/1987/17. O parágrafo 20 dos Princípios de Limburg enuncia ainda que a cooperação e assistência previstas na Carta das Nações Unidas (artigos 55 e 56) e no PIDESC devem levar em consideração a prioridade na realização de todos os direitos humanos, as liberdades fundamentais, os direitos econômicos, sociais, culturais, civis e políticos. Para tanto, segundo o parágrafo 30, a cooperação e a assistência devem se pautar por uma ordem internacional e social na qual os direitos e liberdades previstos no PIDESC possam ser plenamente realizados. Os Estados devem atuar em cooperação independentemente de suas diferenças políticas, econômicas e sociais (parágrafo 31), respeitada sua igualdade de soberania. O parágrafo 34 ainda destaca a importância das organizações internacionais e das organizações não governamentais no processo de diálogo entre Estados, agências especializadas, Conselho de Direitos Humanos e Conselho de Econômico Social no sistema de proteção internacional dos Direitos Humanos. Sobre as relações entre o Comitê dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, as agências especializadas e outros órgãos internacionais, o parágrafo 92 enuncia que na sua criação deve ser considerada uma oportunidade para se desenvolver uma positiva e mutuamente benéfica relação entre o Comitê, agências especializadas e outros órgãos internacionais. Nesse sentido, deve haver profundo diálogo entre tais órgãos a respeito das questões de interesse comum, de modo que agências especializadas e outros órgãos internacionais possam ter assento no Comitê (parágrafo 94). Quanto à atuação do Conselho de Direitos Humanos em relação aos direitos econômicos, sociais e culturais, o parágrafo 97 recomenda que o mesmo deva levar em consideração todo o trabalho do Comitê na realização de seu trabalho, incluindo os procedimentos decorrentes do artigo 19, nos quais o Comitê envia os relatórios dos Estados e das agências especializadas para seu conhecimento.

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CONCLUSÃO Desde a assinatura do PIDESC, em 1966, houve importantes avanços na proteção dos direitos econômicos, sociais e culturais. Em 1985, o ECOSOC criou um órgão especialmente dedicado ao mecanismo de monitoramento previsto na Parte IV do PIDESC, com a função de acompanhar o cumprimento do PIDESC nos Estados Parte. Em 2006, foi criado o Conselho de Direitos Humanos, que substituiu, ampliou e herdou as funções da antiga Comissão de Direitos Humanos. É válido citar que ao longo desse processo, foi assinada, em 1993, a Declaração de Viena e Plano de Ação sobre Direitos Humanos, que declarou a universalidade, indivisibilidade, interdependência e interdisciplinariedade dos direitos humanos, encerrando o antigo debate sobre a polaridade dos direitos civis e políticos e dos direitos econômicos, sociais e culturais. Desse modo, os Estados são igualmente responsáveis pelas violações dos direito civis e políticos e em relação aos direitos econômicos, sociais e culturais478. Na parte IV do PIDESC há a previsão de um procedimento convencional não contencioso chamado de relatórios, nos quais os Estados Parte informam periodicamente a implementação dos direitos econômicos, sociais e culturais em seu território, enquanto que as agências especializadas, o Conselho de Direitos Humanos e organizações não-governamentais atuam paralelamente fornecendo suas informações e comentários acerca do relatório estatal. O artigo 20 enuncia a possibilidade de Estados e agências especializadas oferecerem comentários sobre qualquer recomendação que o Conselho de Direitos Humanos venha a fazer sobre os relatórios por eles providenciados. A função desse artigo, considerando o princípio da cooperação na ONU, inscrito nos artigos 1º (3) e 55 (b) da Carta da ONU, é, de um lado, propiciar a correção de interpretações feitas pelo Conselho e, de outro, possibilitar que o Estadoinformante e as agências especializadas forneçam informações mais apuradas para o aperfeiçoamento das medidas propostas pelo Conselho para consecução dos direitos econômicos, sociais e culturais, por parte do Estado-informante em conjunto com as agências internacionais e demais órgãos internacionais de apoio.

478 

FLINTERMAN, Cees. Appendix II: The Maastricht Guidelines on Violations of Economic, Social and Cultural Rights. The NetherlandsQuarterly Human Rights, vol, 15, n. 2., p. 246, 1997.

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REFERÊNCIAS ALSTON, Philip. United Nations Specialized Agencies and Implementation of the International Covenant on Economic, Social, and Cultural Rights. Columbia Journal of Transnational Law. v. 18, p. 79-118, 1979-1980. DUARTE JÚNIOR, Dimas Pereira. Impacto dos mecanismos da international accountability na justicialização dos direitos humanos econômicos, sociais e culturais no Brasil. 239 p. Tese (Doutorado em Ciências Sociais – Relações Internacionais). Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo, 2008. FLINTERMAN, Cees. Appendix II: The Maastricht Guidelines on Violations of Economic, Social and Cultural Rights. The Netherlands Quarterly Human Rights, v. 15, n. 2., p. 244-252, 1997 MACHADO, Jónatas E. M. Direito Internacional: do paradigma clássico ao pós11 de setembro. 3. ed. Coimbra: Coimbra Editora, 2006. PIOVESAN, Flávia; GOTTI, Alessandra Passos; MARTINS, Janaína Senne. A Proteção Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais. In PIOVESAN, Flávia. Temas de Direitos Humanos. 2. ed. São Paulo: Max Limonad, 2003, p. 91-114. SILVEIRA, Vladmir Oliveira da; ROCASOLANO, Maria Mendez. Direitos Humanos: conceito, significados e funções. São Paulo: Saraiva, 2010.

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ARTIGO 21º Conselho Econômico e social poderá apresentar ocasionalmente à Assembleia Geral relatórios que contenham recomendações de caráter geral bem como resumo das informações recebidas dos Estados Partes do presente Pacto e das agências especializadas sobre as medidas adotadas e o progresso realizado com a finalidade de assegurar a observância geral dos direitos reconhecidos no presente Pacto.

ARTIGO 22º Conselho Econômico e Social Poderá levar ao conhecimento de outros órgãos da Organização das Nações Unidas, de seus órgãos subsidiários e das agências especializadas interessadas, às quais incumba a prestação técnica, quaisquer questões suscitadas nos relatórios mencionados nesta parte do presente Pacto que se possam ajudar essas entidades a pronunciar-se, cada um adentro de sua esfera de competência, sobre a conveniência de medidas internacionais que possam contribuir para a implementação efetiva e progressiva do presente Pacto.

Valesca Raizer Borges Moschen Doutora em Direito pela Universidade de Barcelona. Professora da Universidade Federal do Espírito Santo UFES. Coordenadora PPGDIR UFES479.

COMENTÁRIOS: O direito internacional contemporâneo possui como pressuposto fundamental a necessidade de articulação entre os interesses sociais cada vez mais complexos da comunidade internacional, encabeçados, muitas vezes, por estruturas não estatais, e as demandas de Estados heterogêneos em graus de desenvolvimento econômico e social480.   A autora contou com a colaboração da aluna Agatha Brandão, bolsista de iniciação científica da Universidade Federal do Espírito Santo – UFES. 479

  Juan Antônio Carrilllo Salcedo, chega a mencionar que o Direito internacional se configura hoje como um ordenamento jurídico regulador das relações de coexistência e de cooperação entre os Estados entre si e desses com as demandas e relações sociais complexas, não sempre estatais (CARRILLO SALCEDO, Juan A., Curso de Derecho Internacional Público, Madrid:Tecnos, 1999, p.18. 480

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Tal característica permite uma percepção, muitas vezes, de possuir o direito internacional certo caráter problemático, especialmente, relacionado à sua carência institucional481, o que coloca a em xeque, em algumas esferas, a efetividade de suas deliberações. A participação cada vez maior das organizações internacionais, enquanto instâncias de autoridade política, na comunidade internacional tem promovido a institucionalização do direito internacional e, consequentemente, o fortalecimento de instrumentos de seu controle e aplicação482. No âmbito da proteção e promoção dos direitos humanos é hodiernamente inquestionável o papel fundamental das organizações internacionais, particularmente, do sistema multilateral de proteção dos direitos humanos proposto pela Organização das Nações Unidas enquanto arcabouço principal do direito internacional na matéria. O sistema das Nações Unidas é de construção dual, uma vez que sua composição conta com instrumentos institucionais, advindos da própria estrutura jurídico-institucional da organização, e de instrumentos convencionais, cuja articulação se deve às instituições da organização internacional, particularmente ao Conselho Econômico e Social, mas, a sua concretização se faz, mediante consenso internacional expresso nos tratados. No último caso, as estruturas de proteção e promoção dos direitos humanos estão constituídas por instâncias estabelecidas em um acordo internacional. Como características gerais de tais mecanismos reputa-se, a limitação de seu alcance, tanto na esfera material, quanto na subjetiva. Desta forma, o âmbito de aplicação de tais estruturas, estará restrito aos direitos previstos nos textos convencionais e, assim como, à expressão da vontade estatal na ratificação ou não dos referidos textos. De outro lado, não obstante os limites descritos, as estruturas convencionais permitem, como análise positiva, a possibilidade, na sua maioria,   José A. Pastor Ridruejo enumera que tal carência institucional motiva certo relativismo no plano normativo do direito internacional e consequentemente, certa incerteza na sua aplicação (vid. PASTOR RIDRUEJO, José A., Curso de Derecho Internacional Público y Organizaciones Internacionales, 11 ed., Tecnos:Madrid, 2007, p.23.) . 481

482 

Para Juan Antonio Carrillo Salcedo as organizações internacionais representam a expressão de um dos fatos políticos mais relevantes da comunidade internacional contemporânea e o seu significado jurídico transcende ao problema da personalidade jurídica internacional e representa um cauce de transformación y modernización del Derecho Internacional (CARRILLO SALCEDO, Juan A., Curso de Derecho Internacional Público, Tecnos:Madrid, 1999, pp.78-79.).

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de um controle maior da eficácia de sua aplicação, em função do consentimento estatal, seja na delegação de competência à organização internacional para análise de comunicações e petições individuais de nacionais e/ou vítimas de Estados que os ratificaram; ou seja, pela incorporação nos textos convencionais de um sistema de acompanhamento e controle através da articulação entre a organização e os Estados nacionais, promovendo uma relação de coexistência e interação entre ambos sujeitos, promovendo em última instância, um controle da atuação dos Estados nacionais nos temas propostos convencionalmente. O Pacto Internacional de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais (PIDESC) e o Pacto Internacional de Direitos Civil e Políticos (DCP), ambos de 1966, representam os principais instrumentos convencionais do sistema das Nações Unidas para a proteção e promoção dos direitos humanos483. Nesse último, o consenso entre os Estados sobre os mecanismos de implementação dos direitos nele consagrados, permitiu, o estabelecimento de uma estrutura original, de ampliação da proteção e promoção dos direitos humanos, através de comunicações/queixas individuais. No primeiro, após uma longa discussão política entre os Estados484, a possibilidade de comunicações individuais não foi lograda, não obstante, a compreensão por parte da organização, da indivisibilidade e interdependência dos direitos humanos485 e da inexistência do impedimento de justiciabilidade dos direitos referidos no PIDESC. 483   Ambos aprovados pela Assembleia Geral das Nações Unidades por meio da Resolução 2200A (XXI), em 16 de dezembro de 1966, internacionalmente em vigor desde 03 de janeiro de 1976 e

ratificados pelo Brasil, através dos Decretos ns. 591 e 592, de 06 de julho de 1996, respectivamente.   Conforme afirma Soledad Villagra a não inclusão de comunicações individuais quando da aprovação dos Pactos e do Protocolo Facultativo do Pacto sobre Direitos Civis e Políticos se deveu a uma longa e acalorada discussão política entre os países sobre os diferentes mecanismos de implementação dos direitos, chegou-se a uma solução de consenso (VILLAGRA, Soledad, Protocolo Facultativo ao PIPIDESC: Uma ferramenta para exigir o PIDESC. Plataforma DhESCA Brasil, Curitiba, Maxigrafia, 2009. 484

485 

Uma crítica recorrente à existência de dois instrumentos gerais de promoção e proteção dos direitos humanos tem como base a afirmação realizada pela própria ONU quanto ao caráter indivisível dos direitos humanos. Afirma Vladimir Oliveira da Silveira que a existência de tais instrumentos foi elaborada “em meio à controvérsia sobre a necessidade de dois documentos para enunciar distintas categorias de direitos – em que pese o caráter indivisível dos direitos humanos...”, SILVEIRA, Vladmir Oliveria da, ROCASOLANO, Maria Mendez. Direitos Humanos: conceitos, significados e função, São Paulo:Saraiva, 2010, p.156. 337

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O Pacto Internacional de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais (PIDESC), promoveu, ao invés do sistema de queixas diretas486, um sistema de monitoramento e controle da aplicação de seus direitos, através do diálogo permanente entre os Estados nacionais e a Organização Internacional, conforme as ferramentas previstas em seus artigos 21 e 22. Tal sistema prevê duas classes de controle para a aplicação do presente pacto. Ambas através da atuação dos órgãos das Nações Unidas. Uma primeira, refere-se a possibilidade de encaminhamento de relatórios por parte do Conselho Econômico e Social informando à Assembleia Geral das Nações Unidas, descrevendo a análise da aplicação e evolução a proteção e promoção dos direitos econômicos, sociais e culturais em um determinado Estados nacional ou em um conjunto de Estados (previsão do artigo 21 do Pacto). A partir de 1985, o Conselho Econômico e Social (ECSOC), criou o Comitê de Direitos Econômicos e Sociais do PIDESC487, que entre outras competências está a de recebimento de relatórios por parte dos Estados nacionais. Em Abril de 2000, o Brasil remeteu ao Comitê seu primeiro relatório, “Relatório da Sociedade Civil sobre o Cumprimento pelo Brasil, do Pacto Internacional de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais488”, tal documento foi sistematizado a través da participação da sociedade civil, foram consultadas mais de 2.000 entidades, sua elaboração final ficou sob responsabilidade da Federação de Órgãos para a Assistência Social e Educacional (FASE) e nele se apontou um panorama nacional sobre a efetividade dos direitos econômicos e sociais no Brasil. Uma segunda forma de tutoria, proposta pelo artigo 22 do PIDESC, com um caráter de maior intervenção da organização internacional, na direção da promoção e proteção efetiva dos direitos econômicos, sociais e culturais, referese ao direito que possui o Conselho Econômico e Social das Nações Unidas, em   Posteriormente, o Protocolo adicional ao referente Pacto trouxe a possibilidade em seu artigo segundo e seguintes de comunicações individuais perante o Comitê sobre Direitos Econômicos, Sociais e Culturais.

486

487 

Comitê criado em 1985 pelo Conselho Econômico e Social (ECSOC) destinado ao controle, mediante relatório enviado pelos Estados partes, da aplicação dos direitos enunciados no PIDESC.   RELATÓRIO-O BRASIL E O PACTO INTERNACIONAL DE DIREITOS ECONÔMICOS, SOCIAIS E CULTURAIS. Federação de Órgãos para Assistência Social e Educacional (FASE), Coord. Comissão de Direitos Humanos da Câmara dos Deputados; Movimentos Nacional de Direitos Humanos; Procuradoria dos Direitos do Cidadão.Brasília, 2000.

488

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encaminhar a qualquer órgão daquela organização questões emergenciais sobre a proteção e promoção dos direitos previstos do PIDESC, com o intuito monitorar, através de assistência a real, a implantação do referido Pacto em um dado território. Ambas as prerrogativas permitem um avanço em direção à efetiva implantação do PIDESC, a partir do controle que poderá ser exercido pela organização internacional. Entretanto, são de difíceis implementações, uma vez que, a relação de comunicação e controle, ainda se mantém entre o Estado e a Organização Internacional e se baseiam, em sua grande maioria, em informações adquiridas de fontes estatais e consequentemente, no próprio interesse de cooperação do Estado nacional489. Uma proposta distinta é a prevista no Protocolo Facultativo ao Pacto de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais490, constituído sob os auspícios do Comitê de Direitos Econômicos, sociais e cultural, que a partir de 1990, materializa a necessidade de concretização de um instrumento que permitisse uma maior aplicação dos direitos previstos no PIDESC491. Em 1997, tal Comitê, apresenta um esboço de Protocolo Facultativo (Doc. E./CN.4/1997/105) e após amadurecimento da proposta e análise em diversas instâncias da organização, em 10 de dezembro de 2008, a Assembleia Geral das Nações Unidas, em seu 63operíodo de sessões, aprova o Protocolo Facultativo do PIDESC (A/RES/63/117)492. O Protocolo Facultativo tem como princípio fundamental o da unicidade dos direitos humanos e de sua interconexão. Sendo assim, parte da premissa de ser possível a judicialização dos direitos econômicos, sociais e culturais. Para tanto, 489 

Cabe remarcar que o Estado brasileiro em 2000 encaminhou um primeiro relatório, para o então instituído Comitê de Direitos Econômicos, sociais e Culturais, informando sobre o panorama nacional referente à proteção e promoção de tais direitos.

490   Aprovado por consenso pelo Conselho Econômico e Social em 18 de junho de 2008 (Resolução 8/2) e em 10 de dezembro do mesmo ano, pela Assembleia Geral das Nações Unidas. 491   O Protocolo possui 22 artigos e possui como objetivo principal estabelecer um sistema de controle da efetividade da aplicação dos DESC mediante comunicações diretas. 492 

O Protocolo aprovado ainda não está em vigor, uma vez que, conforme seu artigo 18, esse instrumento entrará em vigor após três meses da data de depósito junto ao Secretario Geral das Nações Unidas do décimo instrumentos de ratificação ou adesão. Hoje, oito foram os países que o ratificaram, entre os quais, Argentina, Bolívia, Equador, El Salvador da América latina; Espanha, Bósnia e Eslováquia da Europa e Mongólia. Info Option Protocol to the International Covenant on Economic, Social and Cultural Rights, IV 3. Human Rights, http//treaties.un.org., acesso 12 de janeiro de 2013. 339

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prevê a criação de um sistema pluridimensional de proteção e tais direitos. Em um primeiro plano, estabelece um mecanismo que permite aos particulares, individualmente ou em grupo, e que estejam sob a jurisdição de um Estado Parte do Protocolo Adicional, submeterem uma comunicação ao Comitê sobre Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, reivindicando a responsabilidade pela violação de qualquer um dos direitos econômicos, sociais e culturais arrolados no Pacto, cometida por aquele Estado493. Em um segundo, o Protocolo possibilita as comunicações interestatais. Permite-se a qualquer Estado parte, que tenha reconhecido a competência do Comitê no sistema de proteção proposto, e que considere que outro Estado parte não esteja cumprindo as obrigações do PIDESC, trazer a questão de descumprimento para o outro Estado, através de uma comunicação escrita494. O sistema possui como um terceiro alcance a possibilidade de solicitação de medidas provisionais em caráter de urgência. Uma vez realizada uma comunicação, seja individual ou interestatal, poderá o Comitê, antes da deliberação de mérito da questão, solicitar ao Estado que tome medidas cautelares de urgência com o objetivo de evitar danos irreparáveis para a/as eventuais vítimas495. Como mecanismo instrumental para a tomada de decisões, o Protocolo concede competência de investigação ao Comitê, que sob os princípios da confiabilidade e transparência, examinará informações indicativas de graves e/ou sistemáticas violações dos direitos econômicos, sociais e culturais. O Comitê poderá designar um ou mais membros para conduzir uma investigação e transmitir um informe, em caráter de urgência496. Quando necessário, 493   A sistemática de admissibilidade, legitimidade, procedimento, exame e decisão está prevista nos artigos 2 ao 9 do Protocolo Facultativo do Pacto Internacional sobre Direitos Econômicos, Sociais e Culturais. Enumera-se a possibilidade de bons ofícios e mediação por parte do Comitê antes da deliberação da decisão de mérito final sobre a demanda de violação.

  O Estado que encaminhou a comunicação poderá comunicar ao Comitê sobre o seu ato. Se dentro de seis meses do recebimento da comunicação, a questão não for decidida de forma satisfatória para os Estados partes interessados, qualquer um desses poderá diretamente encaminhar um aviso ao Comitê para que decida a questão. São previstos bons ofícios e mediação antes da tomada final da decisão de mérito, conforme procedimento descrito no artigo 10 do Protocolo Facultativo do DESC.

494

495 

A realização de solicitação de medidas provisionais não implica determinação relativa ao mérito ao à admissibilidade da questão. O procedimento relativo às medidas provisionais está determinado no artigo 5. do Protocolo Facultativo.

496 

Art. 11.3.Protocolo Facultativo do DESC.

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a investigação poderá incluir uma visita consensuada ao território do Estado parte demandado. Uma vez realizados os procedimentos de investigação o Comitê poderá decidir incluir os resultados em seu relatório anual. O Comitê poderá transmitir, às agências especializadas das Nações Unidas, seus pontos de vista e/ou recomendações relativas às comunicações e investigações realizadas sob a sua competência e nos moldes descritos pelo Protocolo Facultativo497. Conforme mencionado, o Protocolo possui como princípio primordial o da consagração da indivisibilidade dos direitos humanos e a partir dele, reafirma a perspectiva de exigibilidade e justiciabilidade dos direitos econômicos, sociais e culturais, constituindo instrumentos de comunicação particular, investigação e comunicação interestatal aptos a promoção dos direitos humanos em sua plenitude. A perspectiva é a de que a entrada em vigor do Protocolo Facultativo do PIDESC permita uma maior efetividade no controle dos direitos econômicos, sociais e culturais e a aproximação ainda maios do direito internacional às realidades e necessidades trazidas pelas relações jurídicas contemporâneas.

  Art. 14. 1-4 do Protocolo Facultativo do DESC.

497

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REFERÊNCIAS CARRILLO SALCEDO, Juan A., Curso de Derecho Internacional Público, Tecnos: Madrid, 1999. Option Protocol to the International Covenant on Economic, Social and Cultural Rights, IV 3. Human Rights, http//treaties.un.org. PASTOR RIDRUEJO, José A., Curso de Derecho Internacional Público y Organizaciones Internacionales, 11 ed., Tecnos: Madrid 2007. RELATÓRIO-O BRASIL E O PACTO INTERNACIONAL DE DIREITOS ECONÔMICOS, SOCIAIS E CULTURAIS. Federação de Órgãos para Assistência Social e Educacional (FASE), Coord. Comissão de Direitos Humanos da Câmara dos Deputados; Movimentos Nacional de Direitos Humanos; Procuradoria dos Direitos do Cidadão.Brasília, 2000. SILVEIRA, Vladmir Oliveira da, ROCASOLANO, Maria Mendez. Direitos Humanos: conceitos, significados e função, São Paulo:Saraiva.2010. VILLAGRA, Sólida. Protocolo Facultativo ao PIDESC: Uma ferramenta para exigir o DESC. Plataforma DhESCA Brasil, Curitiba, Maxigrafia, 2009.

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ARTIGO 23º Os Estados Partes no presente Pacto concordam em que as medidas de ordem internacional, destinadas a tornar efetivos os direitos reconhecidos no referido Pacto, incluem, sobretudo, a conclusão de convenções, a adoção de recomendações, a prestação de assistência técnica e a organização, em conjunto com os governos interessados, e no intuito de efetuar consultas e realizar estudos, de reuniões regionais e de reuniões técnicas. Wagner Menezes Professor Associado do Departamento de Direito Internacional e Comparado da Faculdade de Direito da USP. Professor Permanente do Programa de Mestrado em Direito da UNINOVE. Doutor, Livre-docente em Direito Internacional com pós-doutorado na Universidade de Padova –Itália. Vitor Geromel Mestrando em Direito Internacional pela Faculdade de Direito da USP. Membro do Núcleo de Estudos em Tribunais Internacionais da USP (NETI-USP). Secretário da Academia Brasileira de Direito Internacional (ABDI). Bolsista do The Ryoichi Sasakawa Young Leaders Fellowship Fund (Sylff) Program. COMENTÁRIOS: O dispositivo em análise diz respeito aos meios de implementação e efetividade do próprio Pacto. São ações da prática e da dinâmica internacionais, utilizadas, especialmente pelo pacto, para permitir fluidez no aprimoramento do diálogo que levarão a um entendimento comum sobre a aplicação dos seus dispositivos e a consecução dos objetivos estabelecidos por ele de maneira ente.498-499   Neste sentido Celso Lafer em relação aos Pactos, observa que a obrigação dos governos é basicamente – mas não só abstencionista, mas também de adotar medidas para obter progressivamente a realização dos direitos nele prescritos, como uma obrigação de resultado, mas também de comportamento. (LAFER. Celso. Comércio, desarmamento, direitos humanos: reflexões sobre uma experiência diplomática _ São Paulo: Paz e Terra, 1999, p. 160)

498

499   Para John Rawls os direitos humanos estabeleceriam um padrão necessário para a decência das instituições políticas e sociais e ao faze-lo, acabam por limitar as instituições nacionais e da sua or-

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Ao mencionar “medidas de ordem internacional para tornar efetivos os direitos reconhecidos” o tratado se refere à conclusão de novas convenções, à atuação do Comitê de Direitos Econômicos Sociais e Culturais do Conselho Econômico e Social da ONU - seu órgão de controle – e suas recomendações, bem como a assistência técnica e organização, em conjunto com os governos interessados, para realização de consultas e reuniões técnicas, deixando claro o espírito cooperativo que deve reger os Estados, próprio da essência do Direito Internacional contemporâneo e fundamental para realização do Direito Internacional dos Direitos Humanos. A plena efetividade dos tratados de direitos humanos depende da constatação de sua natureza objetiva, ou seja, ao contrário dos tratados no sentido clássico, os desse ramo do Direito Internacional não regulam relações de natureza recíproca entre Estados, e sim obrigações de seu signatário perante todo e qualquer indivíduo que se encontre em sua jurisdição e perante a sociedade internacional como um todo. Dessa forma, a interpretação desses documentos possui cânones específicos, desenvolvidos principalmente pela prática das cortes regionais de direitos humanos500 e além delas, dos mecanismos políticos e normativos de efetivação dessas regras.501 Trata-se acima de tudo no estabelecimento de uma relação simbiótica entre o global e o local, no entendimento de que experiências localizadas podem contribuir para a compreensão e a formação conceitual estabelecida em foros internacionais e a partir dele a disseminação compartida de tais conceitos, mecanismos e instrumentos aprimorados pela dinâmica nacional e internacional.502-503 dem jurídica, o que, o exercício permanente de diálogo entre instituições poderia levar a uma implementação coletiva de tais dispositivos (RAWLS, John. O Direito dos Povos. Tradução de Luís Carlos Borges, São Paulo: Martins Fontes, 2004).   Para Eusébio Fernandez Garcia é necessário ultrapassar os limites do próprio Estado para o exercício pleno dos Direitos Humanos, exercício de cidadania cosmopolita, de igualdade de valores entre os membros da comunidade internacional na busca da efetivação coletiva de tais valores, ancorado, sobretudo, em uma ideia de solidariedade para o compartilhamento de valores. (GARCIA, Eusébio fernandez. Diginidade Humana Y ciudadanìa Cosmopolita Dykinson: Madrid, 2001).

500

  MORANGE, Jean. Direitos Humanos e Liberdades Publicas, Tradução Eveline Bouteiller. _ Barueri: Manole: 2004.

501

502 

MENEZES, wagner. Ordem Global e transnormatividade, Ijuí: Editora Unijui, 2005.

  ARNAUD, André-Jean. O Direito entre a Modernidade e Globalização: Lições de filosofia do Direito e do estado, Tradução de Patrice Charles Wuillaume, Rio de Janeiro: Editora renovar, 1999. 503

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Desses, importa para o escopo desse comentário, uma análise mais detalhada do princípio da máxima efetividade, segundo o qual os direitos enunciados nos tratados de Direito Internacional dos Direitos Humanos devem ser interpretados de maneira a garantir-lhes a máxima efetividade, evitando que sejam meras normas programáticas.504 Também importa mencionar o princípio do não retrocesso, non cliquet, que propugna pela manutenção do standard de proteção já atingido, evitando-se, assim, que haja um retrocesso daquilo que já foi implementado. Em 1990, no Comentário Geral número 3, o Comitê de Direitos Econômicos Sociais e Culturais, assinalou que, apesar do Pacto dispor sobre o desenvolvimento progressivo dos direitos enunciados, esse impõe igualmente várias obrigações de efeito imediato505. Assim, o artigo 23 fornece ferramentas de cooperação entre as partes para plena e efetiva realização do PDESC, devendo ser interpretado juntamente com o artigo 2, (1).506 Advém daí a importância de concluir e aderir a novas convenções sobre o tema, pois isso reforça a efetividade dos direitos enunciados no PDESC, uma vez que não importa o âmbito de aplicação, se regional ou universal, aquelas serão importantes ferramentas para incrementar a proteção dos dispositivos do Pacto. Desde 1966 foram concluídos diversos tratados, tanto no quadro das Nações Unidas, quanto nos sistemas regionais sobre direitos econômicos, sociais   RAMOS, André de Carvalho. Teoria Geral dos Direitos Humanos na Ordem Internacional. 2.ed. São Paulo: Saraiva, 2012. P.84. 504

  CANÇADO TRINDADE, Antonio Augusto. Tratado de Direito Internacional dos Direitos Humanos. Vol. I. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor, 1997. P. 377.

505

  “A final element of article 2 (1), to which attention must be drawn, is that the undertaking given by all States parties is “to take steps, individually and through international assistance and cooperation, especially economic and technical ...”. The Committee notes that the phrase “to the maximum of its available resources” was intended by the drafters of the Covenant to refer to both the resources existing within a State and those available from the international community through international cooperation and assistance. Moreover, the essential role of such cooperation in facilitating the full realization of the relevant rights is further underlined by the specific provisions contained in articles 11, 15, 22 and 23. With respect to article 22 the Committee has already drawn attention, in General Comment 2 (1990), to some of the opportunities and responsibilities that exist in relation to international cooperation. Article 23 also specifically identifies “the furnishing of technical assistance” as well as other activities, as being among the means of “international action for the achievement of the rights recognized”. UNITED NATIONS. COMMITEE OF ECONOMIC, SOCIAL AND CULTURAL RIGHTS. The Nature of States Parties Obligations (art.2, par.1). General Comment 3. 5th Session, 1990. §13. 506

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e culturais, incluindo temas como educação, saúde, cultura, trabalho, proteção da propriedade intelectual etc. Nessa esteira, no ano de 2008 foi colocado à disposição dos EstadosMembros o Protocolo Opcional ao PDESC, que institui novos mecanismos de monitoramento, como as comunicações individuais, o que representou um grande avanço na proteção dos direitos econômicos, sociais e culturais no sistema ONU. Até a presente data apenas 10 Estados ratificaram o Protocolo, o Brasil nem mesmo o assinou.507 Conforme já comentado no artigo 16, o órgão responsável pela interpretação e fiscalização do cumprimento das obrigações contidas no PDESC é o Comitê de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais. Esse controle é feito das seguintes maneiras: envio de relatórios pelos próprios Estados Parte, comunicações individuais e investigações ex officio no caso de graves violações. Uma vez concluídos os procedimentos, o Comitê poderá emitir recomendações, as quais os Estados devem envidar esforços para cumprir, como dispõe o enunciado do artigo 23 do Pacto e do artigo 64 das Regras de Procedimentos do Comitê508. Essas recomendações, contudo, não possuem força juridicamente vinculante, são consideradas pela doutrina como sanções de caráter moral, como soft law.509 Isso se dá em razão da natureza do Comitê, que não é um tribunal internacional, mas sim uma instância política-institucional de monitoramento510. No entanto, isso não significa que os Estados Parte estejam livres de cumprir com suas determinações. Embora não haja qualquer sanção institucional contra   UNITED NATIONS TREATY COLLECTION. Acesso em 24.04.2013. Disponível em: < http:// treaties.un.org/Pages/ViewDetails.aspx?src=TREATY&mtdsg_no=IV-3-a&chapter=4&lang=en>

507

508 “Suggestions and recommendations. Rule 64. The Committee shall make suggestions and recommendations of a general nature on the basis of its consideration of reports submitted by States parties and of the reports submitted by the specialized agencies in order to assist the Council to fulfil, in particular, its responsibilities under articles 21 and 22 of the Covenant. The Committee may also make suggestions for the consideration by the Council with reference to articles 19 and 23 of the Covenant.” UNITED NATIONS. COMMITTEE ON ECONOMIC, SOCIAL AND CULTURAL RIGHTS. Rules of Procedure of the Commitee. 1st september 1993.   MENEZES, Wagner. Ordem Global e transnormatividade, Ijui: Editora Unijuí, 2005.

509

 “(...) Os Comitês são órgãos políticos ou ‘quase judiciais’ que, todavia, não apresentam caráter jurisdicional, isto é, suas decisões possuem natureza recomendatória e não jurídico-sancionatória, de modo que se aplicam ao Estado violador sanções de caráter moral e político, mas não jurídico, no enfoque estrito.” PIOVESAN, Flávia. Direitos Humanos e Justiça Internacional: um estudo comparativo dos sistemas regionais europeu, interamericano e africano. São Paulo: Saraiva, 2006. P. 45. 510

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o inadimplemento dessas, a não observância implica em um desrespeito ao artigo aqui comentado, pois esse enuncia muito claramente o dever de garantir ao Pacto sua máxima efetividade. Quanto à “assistência técnica” e a organização, “em conjunto com os governos interessados”, e com intuito de realizar estudos e consultas, de reuniões regionais e técnicas, o Pacto buscou dar ênfase a cooperação entre seus Estados Partes para a busca da efetividade de seus dispositivos. Trata-se de uma expressão essencial do Direito Internacional Contemporâneo, o qual demanda dos seus sujeitos atuações positivas na realização dos direitos que enuncia. Os Estados Partes devem, em virtude do artigo 23, oferecerem assistência técnica de natureza científica, tecnológica e social aos outros Estados Partes que por ventura a precisem para garantir a máxima efetividade dos direitos econômicos, sociais e culturais. Além disso, o Comitê pode em suas recomendações sugerir a procura voluntária desse recurso em casos que o relatório mostra uma insuficiência de capacidade para efetivação de algum direito enunciado no Pacto. A essência dessa perspectiva está essencialmente fundamentada no principio da solidariedade do Direito internacional, na compreensão de uma relação decorrente de um pacto que extrapola os limites da cooperação, mas evidencia uma co-responsabilidade coletiva temática pelos Estados-membros no sentido de promover vis a vis mecanismos de efetividade instrumental do Pacto. Por fim, quanto as reuniões regionais e técnicas, com o objetivo de consultas e estudos em conjunto com os governos interessados, o artigo em análise propugna por uma consultoria específica de seus experts aos Estados Partes em matérias relacionadas aos direitos protegidos no PDESC, como por exemplo, educação, combate ao vírus HIV, desenvolvimento, proteção do patrimônio cultural etc. Neste sentido, cada Estado, à medida que possui recursos, experiências e expertise desenvolvidos cientificamente e empiricamente sobre certos temas abrangidos pelo Pacto, pode oferecer aos signatários elementos para a formação e informação de quadros para uma melhor aplicação e persecução dos objetivos estabelecidos no marco jurídico do tratado.

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REFERÊNCIAS ARNAUD, André-Jean. O Direito entre a Modernidade e Globalização: Lições de filosofia do Direito e do estado, Tradução de Patrice Charles Wuillaume, Rio de Janeiro: Editora renovar, 1999. CANÇADO TRINDADE, Antonio Augusto. Tratado de Direito Internacional dos Direitos Humanos. Vol. I. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor, 1997. GARCIA, Eusébio fernandez. Diginidade Humana Y ciudadanìa Cosmopolita Dykinson: Madrid, 2001. LAFER. Celso. Comércio, desarmamento, direitos humanos: reflexões sobre uma experiência diplomática _ São Paulo: Paz e Terra, 1999. MENEZES, Wagner. Ordem Global e transnormatividade, Ijui: Editora Unijuí, 2005. __________. Direito Internacional na América Latina, Curitiba: Juruá, 2008 MORANGE, Jean. Direitos Humanos e Liberdades Publicas, Tradução Eveline Bouteiller. Barueri: Manole: 2004. PIOVESAN, Flávia. Direitos Humanos e Justiça Internacional: um estudo comparativo dos sistemas regionais europeu, interamericano e africano. São Paulo: Saraiva, 2006. RAMOS, André de Carvalho. Teoria Geral dos Direitos Humanos na Ordem Internacional. 2.ed. São Paulo: Saraiva, 2012. RAWLS, John. O Direito dos Povos. Tradução de Luís Carlos Borges, São Paulo: Martins Fontes, 2004. UNITED NATIONS TREATY COLLECTION. Acesso em 24.04.2013. Disponível em: http://treaties.un.org/Pages/ViewDetails.aspx?src=TREATY&mtdsg_no=IV3-a&chapter=4&lang=en. UNITED NATIONS. COMMITEE OF ECONOMIC, SOCIAL AND CULTURAL RIGHTS. The Nature of States Parties Obligations (art.2, par.1). General Comment 3. 5th Session, 1990. UNITED NATIONS. COMMITTEE ON ECONOMIC, SOCIAL AND CULTURAL RIGHTS. Rules of Procedure of the Commitee. 1st september 1993.

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ARTIGO 24º Nenhuma das disposições do presente Pacto poderá ser interpretada em detrimento das disposições da Carta das Nações Unidas ou das constituições das agências especializadas, as quais definem as responsabilidades respectivas dos diversos órgãos da Organização das Nações Unidas e agências especializadas relativamente às matérias tratadas no presente Pacto. Samyra Dal Farra Naspolini Sanches Doutora em Direito pela PUC/SP. Mestre em Direito pela UFSC. Professora Permanente do Mestrado em Direito da UNINOVE. Professora Colaboradora do Mestrado em Direito do UNIVEM. COMENTÁRIOS: Para melhor compreensão do presente artigo, necessário faz-se contextualizá-lo no texto do Pacto Internacional sobre Direitos Econômicos, Sociais e Culturais e este, por sua vez, no âmbito da normativa internacional de proteção aos Direitos Humanos, uma vez que a interpretação de normas e tratados de Direitos Humanos orienta-se por princípios e diretivas muito específicas, as quais obedecem a uma lógica própria inerente à natureza dos direitos protegidos e à forma como se organiza o sistema jurídico de proteção. No século XIX, a revolução industrial e o sistema de produção capitalista determinaram a formação nos Estados Europeus de uma nova classe popular para a qual as melhorias de condição de vida provocadas pela economia capitalista não chegaram, pelo contrário, houve piora em suas condições de vida ante a natural desigualdade existente entre estes e os titulares da atividade empresarial.511 Com a passagem do Estado Liberal para o Estado Social surgiu à necessidade de garantia de novos direitos humanos, os direitos sociais, ditos de segunda dimensão. Como explica Vladmir de Oliveira da Silveira e Maria Mendez 511   Análise histórica realizada em: BENACCHIO, Marcelo; NASPOLINI SANCHES, Samyra. H D. F.; A efetivação dos direitos humanos sociais no espaço privado. IN: BAEZ, Narciso; BRANCO, Gerson Luiz Carlos; PORCIUNCULA, Marcelo. (Orgs). A problemática dos direitos humanos fundamentais na América latina e Europa: desafios materiais e eficaciais. Joaçaba: Editora da UNOESC, 2012. p 377-422.

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Rocasolano512, esses direitos, reivindicados pelos movimentos sociais dos séculos XIX e XX: [...] surgiram após conquistas históricas dos direitos individuais ou de primeira geração. Eles traduziram uma próxima fase da evolução histórica dos direitos humanos, reivindicando um reposicionamento do Estado diante de um novo patamar mínimo de necessidades humanas. Nesta nova fase, os direitos humanos exigirão do Estado um posicionamento ativo, prestacional, no sentido de atender às necessidades humanas como exigência da preservação da sua dignidade. Surgem aqui, os direitos econômicos, sociais, tais como os trabalhistas e previdenciários. Assim, uma relevante manifestação legislativa de reconhecimento e proteção dos direitos sociais ocorreu na França por meio da Constituição da II República Francesa, de 4 de novembro de 1848, a qual previu o “bem-estar” como um dos objetivos da República, no que foi seguida, pela Constituição do México de 1917 e, o texto de maior importância, é a Constituição Alemã de Weimar de 1919. A intervenção estatal tem por finalidade a criação de situações sociais e econômicas que, por meio de liberdade positiva, garanta o exercício dos direitos humanos por todas as pessoas. Os seres humanos são considerados em uma perspectiva coletiva fundada na axiologia da igualdade.513 A I Guerra Mundial, a crise econômica de 1929 e a II Guerra Mundial exigiram atuação de todos os Estados para o combate ao desemprego e à pobreza, assim, desde meados do século XX todos os Estados Ocidentais democráticos introduziram em suas constituições um projeto político de sociedade - o Estado de Bem Estar Social, vinculado à satisfação das necessidades humanas de todos, ou seja, a concretização do princípio da dignidade da pessoa humana. Diferentemente dos Direitos Humanos de liberdade negativa (obrigações estatais de não fazer), os Direitos Humanos sociais e econômicos (liberdade positiva, obrigação de fazer) encerram a necessidade de recursos financeiros 512   SILVEIRA, Vladmir Oliveira da; ROCASOLANO, Maria Mendez. Direitos humanos: conceitos, significados e funções. São Paulo: Saraiva, 2010, p. 175. 513   SILVEIRA, Vladmir Oliveira da; ROCASOLANO, Maria Mendez. Direitos humanos: conceitos, significados e funções. São Paulo: Saraiva, 2010, p. 151.

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titulados pelo Estado para sua realização, os quais são buscados na parte produtiva da sociedade, designadamente os titulares do exercício da atividade econômica. O Estado passa a gerenciar essa transferência de riqueza por meio da criação do Welfare State, com a respectiva criação de normas jurídicas interventivas nas relações de trabalho, possibilitando a previdência social e outros direitos prestacionais. Com o fim da Segunda Guerra Mundial inicia-se o processo de universalização e internacionalização dos Direitos Humanos, uma vez que se tornaram uma legítima preocupação internacional, encerrando-se um período no qual perdurou a concepção de que a forma como o Estado tratava seu povo era concebida como um problema de jurisdição exclusivamente doméstica devido à soberania. Ao contrário, a relação do Estado com os seus nacionais passou a ser uma problemática internacional.514 O processo de universalização e internacionalização dos Direitos Humanos trouxe a necessidade de implementação desses mediante a criação de um Sistema Internacional de proteção, monitoramento e controle515, o qual foi dividido em Sistema Global de proteção e Sistema Regional de proteção, esses não substituem os tribunais internos e não são tribunais de recurso ou cassação, ao contrário, trata-se de direito subsidiário e suplementar ao direito nacional. O Estado tem a responsabilidade primária pela proteção desses direitos e a comunidade internacional tem a responsabilidade subsidiária, porém os atos internos dos Estados podem vir a ser objeto de exame dos tribunais internacionais.516 Tal entendimento pode ser encontrado, entre outros julgados, no julgamento paradigmático da Corte Interamericana de Direitos Humanos no Caso Lund e outros versus Brasil (Guerrilha do Araguaia) quando afirmou que o julgamento quanto à violação ou não, pelo Estado, de suas obrigações internacionais, é sim de sua competência, podendo revisar, inclusive, as decisões de tribunais superiores, para

514   TRINDADE, Antônio Augusto Cançado. Tratado de Direito Internacional dos Direitos Humanos. 2ª ed. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor. 2003. 515 

PIOVESAN, Flávia. Direitos humanos e o direito constitucional internacional. 9ª ed. São Paulo: Saraiva, 2008.

516   PIOVESAN, Flávia. Direitos humanos e o direito constitucional internacional. 9ª ed. São Paulo: Saraiva, 2008.

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estabelecer sua compatibilidade com a Convenção Americana.517 O Sistema Global de proteção é composto pela Carta das Nações Unidas de 1945 integrada posteriormente pela Declaração Universal de Direitos Humanos de 1948 e pelos dois Pactos Internacionais de 1966: o Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos e o Pacto Internacional sobre Direitos Econômicos, Sociais e Culturais. Ambos os Pactos possuem como principal objetivo dar concretude aos direitos já consagrados na Declaração Universal, “atribuindo-lhes valor jurídico na acepção positivista – o que os tornaria obrigatórios. No mesmo sentido, criou vinculações para os Estados Partes, abrindo a possibilidade de responsabilizá-los no plano internacional por atos atentatórios aos direitos humanos.”518 Por sua vez, os Sistemas Regionais buscam internacionalizar os Direitos Humanos no plano regional. Enquanto o Sistema Global fornece um parâmetro normativo mínimo, o regional deve ir além, buscando concretizar os direitos já existentes e adicionar novos, tudo isso levando em consideração as diferenças entre as regiões. Atualmente a Europa, a América e a África já possuem aparato jurídico próprio.519 É neste contexto que o artigo 24 do Pacto Internacional sobre Direitos Econômicos, Sociais e Culturais deve ser entendido, ou seja, o Pacto faz parte do Sistema Global, que por sua vez faz parte, juntamente com o Sistema Regional, do chamado Sistema Internacional, também composto por Tratados e Convenções Internacionais de proteção. Esses sistemas não são incompatíveis, ao contrário são complementares e indivisíveis, devendo sempre ser interpretados de forma integrada. Por esse motivo, a vedação expressa contida no art. 24 de que a interpretação das normas contidas no Pacto ao qual pertence não poderá nunca ser realizada em detrimento das disposições contidas na Carta das Nações Unidas. Aliás, é importante frisar, que pelo mesmo motivo, a mesma disposição encontrase no artigo 46 do Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos.

  Sentença disponível em http://www.corteidh.or.cr

517

  SILVEIRA, Vladmir Oliveira da; ROCASOLANO, Maria Mendez. Direitos humanos: conceitos, significados e funções. São Paulo: Saraiva, 2010, p. 158. 518

  PIOVESAN, Flávia. Direitos Humanos e justiça internacional. São Paulo: Saraiva, 2007.

519

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Artigo 24 - Nenhuma disposição do presente Pacto poderá ser interpretada em detrimento das disposições da Carta das Nações Unidas e das constituições das agências especializadas, as quais definem as responsabilidades respectivas dos diversos órgãos da Organização das Nações Unidas e das agências especializadas, relativamente às questões tratadas no presente Pacto.520 Extrai-se do exposto acima, uma regra básica de interpretação das normas contidas nos Pactos Internacionais e demais normas de proteção aos Direitos Humanos, ou seja, devido à indivisibilidades dessas normas e dos próprios Direitos Humanos, a interpretação deve ser integrada. Porém, revela-se importante e enriquecedor para este estudo investigar outras regras e princípios que e interpretação das normas de Direito Humanos deve obedecer. Primeiramente, não se pode perder de vista que seja no âmbito internacional, seja no âmbito regional ou interno, a dignidade da pessoa humana é princípio que unifica e centraliza todo o sistema normativo de proteção dos Direitos Humanos.521 Também é importante frisar que ainda que as normas de Direitos Humanos possuam uma metodologia própria de interpretação, quando se tratarem de Tratados Internacionais de Direitos Humanos, como é o caso dos Pactos, devem obedecer à regra geral de interpretação prevista no Tratado dos Tratados, a Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados, que estabelece em seus artigos 30 e 31 que devem ser interpretados “de boa fé, tendo em conta o objeto e propósito, o significado comum, o trabalho de preparação e a prática relevante.”522 A regra geral enunciada pela Convenção de Viena traz em seu bojo o princípio da efetividade, que remete à chamada interpretação teleológica, ou seja, uma interpretação com ênfase na realização do objeto e do propósito dos tratados de Direitos Humanos levará certamente a uma proteção mais eficaz destes direitos.523   Assembléia Geral das Nações Unidas. Pacto sobre Direitos Civis e Políticos. 1966.

520

  PIOVESAN, Flávia. Direitos humanos e o direito constitucional internacional. 9ª ed. São Paulo: Saraiva, 2008. 521

522   SILVEIRA, Vladmir Oliveira da; ROCASOLANO, Maria Mendez. Direitos humanos: conceitos, significados e funções. São Paulo: Saraiva, 2010, p. 159. 523   TRINDADE, Antônio Augusto Cançado. Tratado de Direito Internacional dos Direitos Humanos. vol 3. 2ª ed. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor, 2003, p. 32.

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Importante salientar que a interpretação das normas de Direitos Humanos se dá de forma a buscar uma convergência jurisprudencial entre tribunais internacionais, utilizando-se do método comparativo que respeita as autonomias mas visa sempre o Princípio da máxima proteção à pessoa humana. Dessa forma se obtém uma Interpretação evolutiva que permite grande avanço jurisprudencial nesta área. Por fim, se a coexistência de distintos instrumentos jurídicos levar a “conflitos” devido à garantia de um mesmo direito, deve-se levar em conta na interpretação e na aplicação o princípio da primazia é da norma mais favorável à vítima, para solucionar a aparente antinomia.

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REFERÊNCIAS Assembleia Geral das Nações Unidas. Pacto sobre Direitos Civis e Políticos. 1966. BENACCHIO, Marcelo; NASPOLINI SANCHES, Samyra. H D. F.; A efetivação dos direitos humanos sociais no espaço privado. IN: BAEZ, Narciso; BRANCO, Gerson Luiz Carlos; PORCIUNCULA, Marcelo. (Orgs). A problemática dos direitos humanos fundamentais na América latina e Europa: desafios materiais e eficaciais. Joaçaba: Editora da UNOESC, 2012. pp. 377-422. COMPARATO, Fábio Konder. A afirmação histórica dos direitos humanos. São Paulo: Saraiva, 2008. Corte Interamericana de Direitos Humanos. http://www.corteidh.or.cr DIMOLIUS, Dimitri, MARTINS, Leonardo. Teoria geral dos direitos fundamentais. São Paulo: RT, 2008. LAFER, Celso. A reconstrução dos direitos humanos: um diálogo com o pensamento de Hannah Arendt. São Paulo: Companhia das letras, 1988. MEZZAROBA, Orides; MONTEIRO, Cláudia Sevilha. Manual de metodologia da pesquisa no direito. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2004. PIOVESAN, Flávia. Direitos Humanos e justiça internacional. São Paulo: Saraiva, 2007. ________________ Direitos humanos e o direito constitucional internacional. 9ª ed. São Paulo: Saraiva, 2008. SANTOS, Boaventura de Souza. Uma concepção multicultural de direitos humanos. São Paulo: Revista Lua Nova, 1997, v. 39, p. 105-123. SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais. 6ª ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2006. SILVEIRA, Vladmir Oliveira da; ROCASOLANO, Maria Mendez. Direitos humanos: conceitos, significados e funções. São Paulo: Saraiva, 2010, p. 158. TIMM, Luciano Benetti. Qual a maneira mais eficiente de prover direitos fundamentais: uma perspectiva de direito e economia. In: Direitos fundamentais: orçamento e “reserva do possível”. SARLET, Ingo Wolfgang; e TIMM, Luciano Benetti (org.). Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2010. TRINDADE, Antônio Augusto Cançado. Tratado de Direito Internacional dos Direitos Humanos. Vol 3. 2ª ed. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor. 2003. VIEIRA, Oscar Vilhena. Direitos humanos: normativa internacional. São Paulo: Max Limonad, 2001.

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ARTIGO 25º Nenhuma das disposições do presente Pacto poderá ser interpretada em detrimento do direito inerente a todos os povos de desfrutar e utilizar livremente suas riquezas e seus recursos naturais. Lívia Gaigher Bósio Campello Doutora em Direito das Relações Econômicas e Internacionais pela PUC-SP. Advogada em São Paulo e professora universitária. Vladmir Oliveira da Silveira Doutor em Direito pela PUC-SP. Pós-doutor em Direito pela UFSC. Diretor do Centro de Pesquisa em Direito da UNINOVE, professor de Direitos Humanos da UNINOVE, professor de Direito Internacional e Direitos Humanos da PUC-SP. Presidente do Conselho Nacional de Pesquisa e Pós-Graduação em Direito - CONPEDI. Advogado em São Paulo. COMENTÁRIOS: O artigo 25 do Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais nos remete à evolução do princípio da soberania permanente sobre os recursos e riquezas naturais, uma noção que há anos é utilizada pelos países em vias de desenvolvimento como instrumento de luta contra os países desenvolvidos nos seus objetivos de expropriações e nacionalizações, principalmente, a partir do pós-guerra. Na raiz dessa teoria se encontra a majestosa noção de soberania como força impulsora para uma série de países recém acedidos à independência política, resultado do processo de descolonização que se iniciou e prosseguiu aceleradamente 524

524 

Sobre o contexto do Pacto dos Direitos Econômicos Sociais e Culturais ensina Celso Lafer que: “[…] provém da herança do socialismo, afirma o princípio da igualdade e por isso foi articulado, na batalha ideológica Leste/Oeste, em plano internacional, pela URSS.” (LAFER, Celso. A soberania e os direitos humanos. In: Lua Nova - Revista de Cultura e Política, n. 35, Centro de Estudos de Cultura Contemporânea, 1995. p. 144.) 357

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após a segunda guerra mundial.525 Assim, o princípio da soberania permanente sobre os recursos e riquezas naturais, naquele contexto de fatos históricos e desenvolvimento do direito internacional, despontou como consequência da ideia de igualdade soberana dos Estados, do dever de não intervir em assuntos internos de outros Estados e, particularmente, da igualdade de direitos dos povos e o direito de dispor de si próprios.526 Por se tratar de estudo descritivo e exploratório, será realizado com base na pesquisa bibliográfica, utilizando-se o método dogmático e histórico. Nesse sentido, pretende-se abordar o tema da soberania permanente sobre os recursos e riquezas naturais e seus novos contornos, tendo como pano de fundo a consagração histórica da solidariedade ambiental como valor social a ser tutelado, o que de fato gerou efeitos para os Estados, e sobretudo, em face do consequente enriquecimento normativo da proteção internacional do meio ambiente e do direito ao desenvolvimento no âmbito da Organização das Nações Unidas – ONU. O PRINCÍPIO NO ÂMBITO DAS RESOLUÇÕES DA ONU A soberania sobre os recursos naturais aparece com frequência nos documentos da Assembleia Geral das Nações Unidas527, em especial em suas

525 

Não há dúvidas de que a soberania permanente sobre os recursos naturais apareceu de maneira intimamente vinculada com o princípio da livre determinação dos povos e com a política de descolonização que estava sendo posta em prática.

526

  Um nítido movimento para a concretização da soberania política que notadamente precisava estar acompanhada de uma adequada soberania econômica. Nesse sentido, asseverou o argelino Bedjaoui que: “a soberania formal e fictícia havia de seguir sendo uma ilusão institucional enquanto não se estabelecesse uma concepção moderna de soberania que incorporasse a dimensão da independência econômica [...] o princípio da independência econômica, dotado de uma função jurídica nova e capital, e elevado à categoria de princípio de Direito Internacional moderno, deve traduzir-se em particular no direito dos povos e dos Estados de dispor dos seus recursos naturais, em proibição de todas as formas de intervenção ilegítima em seus assuntos econômicos, e na interdição de empregar a força ou qualquer outra forma de coação nas relações econômicas internacionais. Tal é o esboço de uma nova ordem econômica internacional.” (BEDJAOUI, Mohammed. Hacia un nuevo orden económico internacional. Salamanca: Unesco, 1979. p. 73-74.) 527   Ver também as resoluções do Conselho Econômico e Social, 1737 (LIV), de 4 de maio de 1973, e 1956 (LIX), de 25 de julho de 1975.

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resoluções528. Desse modo, cumpre assinalar a importância histórica da Resolução 626 (VII) da Assembleia Geral das Nações Unidas, de 21 de dezembro de 1952, tendo em visto que foi o primeiro documento que encarou diretamente a questão.529 De fato, iniciava-se um processo nas Nações Unidas que teria projeções no Direito Internacional, quando veio a afirmar como indiscutível que o “direito dos povos a dispor e explorar livremente suas riquezas e recursos naturais é inerente a sua soberania” e que como consequência se devem “repudiar as medidas que direta ou indiretamente estão dirigidas a restringir ou impedir o exercício deste direito.” Alguns anos depois, em 1958, a Resolução 1314 (XIII) criou a Comissão da Soberania Permanente sobre os Recursos Naturais. Em 1960, a Resolução 1514 (XV), “Declaração sobre concessão de independência aos países e povos coloniais”, afirmou no seu 8º § preambular que: “os povos podem, para seus próprios fins, dispor livremente das riquezas e recursos naturais sem prejuízo das obrigações resultantes da cooperação internacional, baseada no princípio do benefício mútuo e do direito internacional.” Com base em tais precedentes, em 1962, já se havia alcançado uma base necessária para elaborar um texto declarativo geral relativo à questão da soberania permanente sobre os recursos e riquezas naturais. Assim, foi aprovada a Resolução 1803 (XVII), que reconheceu a soberania sobre os recursos e o controle sobre os investimentos estrangeiros para sua exploração.530 A Assembleia Geral da ONU é um órgão deliberativo que confronta e reflete a opinião pública mundial. Suas resoluções podem representar um peso extraordinário em favor de uma determinada posição, mas carecem de força vinculante em sua maioria. Não obstante, a repetição contínua de um enunciado pode converter-se em uma fonte efetiva de direito.

528 

  Foi durante o sétimo período de sessões da Assembleia Geral de 1952 que Angel Maria Cusano, delegado do Uruguai, apresentou o tema “Desenvolvimento econômico dos países insuficientemente desenvolvidos, um projeto de resolução sobre o direito de cada país a nacionalizar e a explorar livremente seus recursos naturais como fator indispensável de independência econômica. 529

  Capítulo 1, números 2 e 3. Ademais, avançando sobre a questão a resolução se referiu expressamente às nacionalizações no parágrafo 4º, in verbis: “A nacionalização, a expropriação ou a requisição deverão se fundar em razões ou motivos de utilidade pública, de segurança ou de interesse nacional, os quais se reconhecem como superiores ao mero interesse particular ou privado, tanto nacional como estrangeiro. Nesses casos se pagará ao proprietário a indenização correspondente, de acordo com as normas em vigor no Estado que adote as medidas no exercício de sua soberania e em conformidade com o direito internacional. Em qualquer caso em que a questão da indenização der origem a um litígio, deve esgotar-se a jurisdição nacional do Estado que adote tais medidas. Não obstante, por acordo entre Estados soberanos e outras partes interessadas, o litígio poderá dirimir-se por arbitragem ou mecanismo judicial internacional.” 530

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A Resolução 1803 (XVII) constituiu um texto sistemático abarcando os princípios e critérios da Comunidade Internacional sobre a matéria naquele contexto. De fato, contém uma regulação bastante completa da soberania sobre os recursos naturais, com evidente harmonização entre o interesse nacional e a soberania estatal de uma parte, e as exigências de cooperação e do direito internacional de outra parte. Nesse sentido, a resolução sublinha que o princípio deve ser exercido com respeito aos direitos e deveres dos Estados sob o manto do direito internacional, bem como a sua igualdade soberana, e além disso, estimula a cooperação internacional para o desenvolvimento econômico dos países em desenvolvimento.531 Em 1966, a Resolução 2158 (XXI) reafirmou o direito soberano sobre as riquezas e recursos naturais, que qualificou como inalienáveis e confirmou que a exploração dos recursos naturais de cada país se sujeitará sempre às leis e regulamentos nacionais. No mesmo ano, o direito dos povos à soberania permanente sobre seus recursos e riquezas naturais, um dos pilares do direito internacional, encontrou sustentação em ambos os Pactos Internacionais de Direitos Humanos. E, assim, sobre o tema no Pacto dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais temos que interpretar conjuntamente os artigos 1º, § 2 e 25, in verbis: 1º, § 2. Para atingir os seus fins, todos os povos podem dispor livremente das suas riquezas e dos seus recursos naturais, sem prejuízo das obrigações que decorrem da cooperação econômica internacional, fundada sobre o princípio do interesse mútuo e do direito internacional. Em nenhum caso poderá um povo ser privado dos seus meios de subsistência. 25. Nenhuma das disposições do presente Pacto poderá ser interpretada em detrimento do direito inerente a todos os povos de desfrutar e utilizar pela e livremente suas riquezas e seus recursos naturais.532 Como se observa até aqui, a origem do princípio da soberania sobre os recursos naturais pode ser rastreada nas várias resoluções da Assembleia Geral do 531 

Acrescente-se que a Resolução 1803 (XVII) também estabelece regras básicas relativas ao tratamento de investidores estrangeiros.

532   Em idêntica redação o Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos prescreve o mesmo no artigo 47.

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ONU, que apesar de não terem efeito vinculante para os Estados-membros, não há como negar que existem muitos exemplos em que tais resoluções contribuíram efetivamente para o desenvolvimento do direito internacional consuetudinário.533 E, a ampla aceitação do princípio da soberania sobre os recursos naturais constituindo, assim, direito consuetudinário, sem dúvida também ficou gravada pela positivação dessa questão nos Pactos Internacionais de Direitos Humanos. Dando continuidade, em 1970, a Resolução 2962 (XXV) reafirmou todos esses critérios e ainda reconheceu no parágrafo 3º que “o exercício pelos países em desenvolvimento da soberania permanente sobre suas riquezas e recursos naturais é indispensável a fim de que possam, entre outras coisas, acelerar seu desenvolvimento.” Depois de três anos, a Resolução 3171 (XXVIII) também reiterou todos os critérios já afirmados, em especial a aplicação do princípio da nacionalização pelos Estados, como expressão para salvaguardar seus recursos naturais e que toda controvérsia deverá ser resolvida em conformidade com a legislação nacional. Em 1974, a Resolução 3281 (XXIX) da Carta de Direitos e Deveres Econômicos dos Estados reafirmou em seu artigo 2º o direito de “soberania plena e permanente, incluindo posse, uso e disposição, sobre os recursos naturais e atividades econômicas”.534 A SOBERANIA PERMANENTE INCORPORADA AO DIREITO INTERNACIONAL AMBIENTAL Com as crescentes preocupações com o meio ambiente no rescaldo da Declaração de Estocolmo de 1972 e sua influência sobre a moderna legislação ambiental internacional, a Assembleia Geral da ONU passou a incluir 533   Isso fica evidenciado em vários acórdãos da Corte Internacional de Justiça (CIJ). Assim, a repetição e recitação das resoluções servem para comprovar uma forte opinio juris e, nesse sentido, o princípio da soberania permanente pôde ser aceito como um verdadeiro direito internacional consuetudinário. (Ver KERWIN, G. J. The Role of United Nations General Assembly Resolutions in Determining Principles of International Law in United States Courts. In: Duke Law Journal, n. 4, 1983. pp. 883-890.)

  Esse preceito não deixa dúvidas sobre a ampliação do conteúdo da soberania para abarcar o direito soberano sobre as atividades econômicas, além dos recursos naturais. (Ver VIRALLY, M. Notes de Lectures sur la Charte des Droits et Devoirs Économiques des Etats. In: Annuaire Français du Droit International, n. 20, 1974. p. 68.) 534

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regulamentações sobre a gestão do meio ambiente e métodos para sua exploração. A Carta da Natureza, aprovada pela Resolução 37/7 da Assembleia Geral é um exemplo do reconhecimento da importância da incorporação pelos Estados de práticas de conservação ao realizar suas atividades no exercício da sua soberania sobre os recursos naturais. 535 O artigo 3º da Carta dos Direitos e Deveres Econômicos dos Estados constituiu um primeiro passo no processo que resultou na elaboração de orientações pelo Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente - PNUMA sobre a questão dos recursos naturais compartilhados entre Estados. Assim, o referido dispositivo prescreve que: Na exploração dos recursos naturais compartilhados entre dois ou mais países, cada Estado deve cooperar com base em um sistema de informação e consulta prévia com o objetivo de obter uma melhor utilização dos mesmo que não cause danos aos legítimos interesses de outros. Vê-se que a proposta de conservação está voltada para a utilização harmoniosa pelos Estados que compartilham recursos naturais com outros Estados. A despeito disso, devido às divergências sobre se a soberania dos Estados deveria ser entendida como total ou parcial, a orientação da Assembleia Geral da ONU foi para que os Estados atuassem em boa-fé. Em 1992, a Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento (Rio-92), cujos resultados foram proclamados na Declaração do Rio, colocou ênfase entre a ligação do princípio com o objetivo de desenvolvimento, que na verdade sempre foi uma das intenções originais do princípio da soberania sobre os recursos naturais. As políticas de desenvolvimento foram, portanto, o maior foco da Declaração, resgatando a importância do princípio da soberania sobre os recursos naturais, visto como uma ferramenta para que muitos países garantissem os seus direitos de explorar e utilizar os seus recursos naturais situados em seus territórios. A Conferência do Rio de 1992 inspirou a elaboração de vários tratados internacionais ambientais que reproduziram536 o seu Princípio 2, in verbis:   Preâmbulo da Carta Mundial da Natureza.

535

  Por exemplo, a Convenção sobre Mudança do Clima (1992) e a Convenção sobre Diversidade Biológica (1992). 536

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Os Estados, em conformidade com a Carta das Nações Unidas e os princípios da lei internacional, têm o direito soberano de explorar seus próprios recursos segundo suas próprias políticas ambientais e de desenvolvimento, e a responsabilidade de velar para que as atividades realizadas sob sua jurisdição ou sob seu controle não causem danos ao meio ambiente de outros Estados ou de zonas que estejam fora dos limites da jurisdição nacional. Sendo assim, ao contrário das abordagens iniciais que focavam na garantia aos Estados da soberania plena sobre seus recursos, o desenvolvimento da ideia nos vários instrumentos internacionais, sob a égide do princípio do desenvolvimento sustentável e da solidariedade ambiental537, é uma prova da nova abordagem integrada na utilização dos recursos. Desse modo, o princípio da soberania permanente sobre os recursos e riquezas naturais passou a incorporar novos conceitos em evolução que ensejaram novas obrigações para os Estados, como se verá no capítulo seguinte. DIREITOS E OBRIGAÇÕES DECORRENTES DO PRINCÍPIO DA SOBERANIA PERMANENTE SOBRE OS RECURSOS E RIQUEZAS NATURAIS Como dito acima, o princípio da soberania permanente sobre os recursos naturais modernamente vem com um amplo conjunto de direitos, mas também obrigações que impõem limites ao exercício desses direitos. A soberania aqui tratada, sem equívoco, compreende um conteúdo próprio, o direito inalienável de todos os povos e Estados de disporem livremente dos seus recursos.538 A esse direito corresponde o direito de controle, com base no ordenamento interno, sobre seus os recursos e sua exploração. Nesse sentido, a Carta dos Direitos e Deveres Econômicos dos Estados, no seu artigo 2º, § 2, a) e b) dispõe que: “todo Estado tem o direito de regulamentar e exercer autoridade sobre os investimentos estrangeiros dentro de sua jurisdição 537   HESTERMEYER, Holger P. Reality or Aspiration? Solidarity in Environmental and World Trade Law. In ______________ Ed et. al. Coexistence, Cooperation and Solidarity. Liber Amicorum Rudiger Wolfrun. Martinus Nijhoff Publishers, 2012. pp. 50-51.

  Ali se encontra o cerne desse princípio, na medida em que nasceu como uma resposta ao sistema anterior de propriedade estrangeira, para reforçar sua posição diante do velho mundo, atribuindo aos Estados um meio de recuperar a sua soberania e controle dos seus recursos, o que permite seu próprio desenvolvimento político e econômico. 538

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nacional”, assim como, o de “regulamentar e supervisionar as atividades de empresas transnacionais que operem dentro da sua jurisdição nacional e adotar medidas para assegurar-se de que essas atividades se ajustem às suas leis, regulamentos e disposições e estejam de acordo com suas políticas econômica e social.” Desse modo, para que os Estados tenham capacidade de determinar o destino dos seus recursos naturais é fundamental que se beneficiem dos direitos de regular o uso e métodos de exploração dos seus recursos, inclusive com respeito às autorizações para investidores estrangeiros. Assim, por exemplo, os Estados possuem o direito de regular a admissão de investidores estrangeiros, a outorga de concessões para exploração de determinados recursos naturais, a duração da autorização e a distribuição dos lucros. Em sua concepção original, o controle final sobre os recursos é dado e permanece em todos os momentos – daí porque se falar em soberania permanente – com os Estados, e, por conseguinte, as atividades relacionadas com o uso e exploração estão sujeitas às suas leis internas. Na prática, portanto, os Estados podem optar por celebrar contratos internacionais que garantam o acesso de outras entidades aos seus recursos naturais e facilitar os investimentos estrangeiros. Por outro lado, também podem invocar o princípio para invalidar acordos internacionais existentes e renegociar concessões a outros Estados. Do ponto de vista das obrigações, segundo a Resolução 1803 (XVII), a soberania permanente deve ser exercida no interesse do desenvolvimento nacional e do bem-estar do povo daquele Estado. Assim, ainda que cada Estado possua o direito de dispor livremente sobre seus recursos naturais, esse direito deve ser exercido para favorecer o seu desenvolvimento e em benefício do bem-estar do seu povo. No campo da proteção ambiental, a necessidade de cooperação se tornou mais aparente uma vez que os efeitos da degradação ambiental podem ser sentidos em vários Estados, ou seja, ultrapassam as fronteiras. Desse modo, a noção de soberania experimentou um confronto com os recentes princípios do direito ambiental. 539   Ver SANDS, Philippe. Principles of International Environmental Law. 2. ed., Cambridge: University Press, 2003.

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A obrigação de não causar danos ao território de outro Estado, que teve sua origem no caso da Fundição Trail (Trail Smelter) é um forte exemplo em que o tribunal chegou à conclusão que nenhum Estado tem o direito de usar ou permitir o uso de seu território de tal forma a causar lesões no território de outro Estado.”540 Mais tarde, a Corte Internacional de Justiça declarou no seu acórdão no caso do Canal de Corfu que cada Estado tem a obrigação de garantir que o seu território não será utilizado para atos que violem os direitos de outros Estados.541 Outro exemplo é o princípio das responsabilidades comuns, porém diferenciadas, pelo qual os Estados possuem responsabilidades comuns de proteger o meio ambiente, mas as suas responsabilidades devem ser diferentes tendo-se em conta as injustiças históricas. Assim, os Estados desenvolvidos carregam maior responsabilidade, pois contribuíram em maior quantidade para a estado atual do meio ambiente, e portanto devem ajudar financeiramente e com transferência de tecnologias para os Estados em desenvolvimento, entre outras possibilidades. Como mencionado acima, os Estados de um lado gozam de sua soberania sobre seus recursos naturais, por outro, estão sob a obrigação de não causar danos a outros Estados. Essa interação entre esses dois conjuntos de regras levou a proclamação do princípio do uso sustentável. A Convenção sobre a Diversidade Biológica 542 define uso sustentável como a utilização de componentes de modo que não conduza a uma diminuição da diversidade biológica a longo prazo e atende as necessidades e aspirações das gerações presentes e futuras. Enfim, o princípio da soberania permanente sobre os recursos e riquezas naturais foi tendo reconhecido seus limites e, assim, o seu direito inerente de desfrutar, que não é absoluto, foi mitigado por outros interesses da sociedade e fatores que devem ser levados em consideração. Trata-se, sem dúvida, do reconhecimento e concretização de um valor social - a solidariedade – destacada no processo contínuo da “dinamogenesis dos 540   Caso da Fundição Trail (EUA vs. Canadá). Trata-se de um caso que envolve os EUA e o Canadá tendo como objeto a atividade de fundição de cobre e zinco. As emissões poluentes tinham efeitos nos EUA, pois se manifestavam na forma de chuva ácida, prejudicando as pessoas, lavouras e animais. Assim, após reclamações, foi acordada entre os países e instituída uma arbitragem. Em 11 de março de 1941, foi proferida sentença de mérito proclamando o princípio. 541 

Caso do Canal de Corfu (U.K. vs. Albania).

  Artigo 2º da Convenção sobre a Biodiversidade de 1992.

542

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valores e o direito”. 543 A solidariedade, que fundamenta a proteção dos direitos de terceira 544 geração , dentre os quais estão inseridos a proteção do meio ambiente e o direito à qualidade de vida do ser humano, é um valor-guia fruto dos desejos da sociedade para solucionar os problemas globais e transfronteiriços. Assim, não há como negar que o meio ambiente representa, na atualidade, o marco histórico para um redirecionamento das relações do homem com o seu entorno. Nesse estudo, isso fica especialmente evidente no caso do reconhecimento da obrigação de não causar danos ambientais a outros Estados, bem como o dever de compartilhar recursos e cooperar a fim de alcançar o uso sustentável em benefício das próximas gerações.

CONCLUSÃO O princípio da soberania permanente sobre os recursos e riquezas naturais é internacionalmente aceito há mais de 50 anos, compreendido pelo direito dos povos e Estados para dispor livremente, usar e explorar seus recursos naturais, para regularem suas economias, no interesse do desenvolvimento nacional e do bemestar de seus povos. Ao longo desse período, os direitos e obrigações que estão nele inseridos foram se expandindo e incorporando novos interesses, como nos casos das questões de investimentos internacionais e dos princípios decorrentes do direito ambiental internacional. Por outro prisma, o princípio que era utilizado inicialmente como uma das armas para combater a estrutura econômica internacional que estava posta, atualmente se revela como um princípio em evolução que modernamente reproduz direitos e deveres concretos para os Estados, especialmente em face da emergência da proteção dos direitos de terceira geração como o direito ao meio ambiente e o direito ao desenvolvimento e das ampliações normativas da ONU nessa matéria. Com base nas normas ambientais internacionais, especialmente as   SILVEIRA, Vladmir; MENDEZ ROCASOLANO, Maria. Direitos Humanos: conceitos, significados e funções. São Paulo: Saraiva, 2010.

543

544  Ver PÉREZ-LUÑO, Antonio-Enrique. La tercera generación de derechos humanos. Navarra: Editorial Aranzadi, 2006.

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elaboradas no âmbito da ONU, é que se verifica a tendência crescente em reconhecer certos recursos ambientais como bens de interesse comum da humanidade e a conjugação da premente necessidade do desenvolvimento dos Estados, que de fato exigem uma abordagem revisada e limitada do princípio da soberania permanente sobre os recursos naturais. Na atualidade, os Estados possuem direitos decorrentes do princípio em análise, mas também, a partir da conjugação com outros princípios do direito ambiental internacional, exige-se que tomem medidas de integração entre a gestão dos recursos e a proteção ambiental, cooperem entre si para mitigar os efeitos maléficos ao meio ambiente e prestem ajuda aos países em vias desenvolvimento e não desenvolvidos. Em suma, a soberania permanente sobre os recursos naturais compreende o direito inalienável dos povos e dos Estados de disporem livremente sobre os seus recursos e riquezas naturais. Entretanto, esse direito não é absoluto, pois apesar do seu reconhecimento não há como se olvidar as obrigações de não causar danos a outros Estados, de uso sustentável dos recursos, de boa-fé no compartilhamento das riquezas e de cooperação, por exemplo, com ajuda financeira e transferência de tecnologias aos países em desenvolvimento e não desenvolvidos. Nessa lógica, é fundamental que os Estados reconheçam, além dos seus direitos, as responsabilidades que lhes cabem na proteção do meio ambiente, as quais foram motivadas pela reivindicação da sociedade por soluções aos problemas globais. Por conseguinte, torna-se imprescindível que cada vez mais os membros da comunidade internacional compreendam e aceitem conscientemente que seus próprios interesses são indissociáveis dos interesses dos outros membros do grupo, e cooperem imbuídos pela solidariedade mundial, assumindo e realizando seus compromissos.

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REFERÊNCIAS BEDJAOUI, Mohammed. Hacia un nuevo orden económico internacional. Salamanca: UNESCO, 1979. CASESSE, Antonio. International law. 2. ed., New York: Oxford University Press, 2005. HESTERMEYER, Holger P. Reality or Aspiration? Solidarity in Environmental and World Trade Law. In ______________ Ed et. al. Coexistence, Cooperation and Solidarity. Liber Amicorum Rudiger Wolfrun. Martinus Nijhoff Publishers, 2012. KERWIN, G. J. The Role of United Nations General Assembly Resolutions in Determining Principles of International Law in United States Courts. In: Duke Law Journal, n. 4, 1983. KISS, Charles-Alexandre; BEURIER, Jean-Pierre. Droit International de l’Environnement. Paris: A. Pedone, 2004. LAFER, Celso. A soberania e os direitos humanos. In: Lua Nova - Revista de Cultura e Política, n. 35, Centro de Estudos de Cultura Contemporânea, 1995. PÉREZ-LUÑO, Antonio-Enrique. La tercera generación de derechos humanos. Navarra: Editorial Aranzadi, 2006. PRIEUR, Michel. Droit de l’environnement. 5. ed., Paris: Dalloz, 2004. SANDS, Philippe. Principles of International Environmental Law. 2. ed., Cambridge: University Press, 2003. SILVEIRA, Vladmir; MENDEZ ROCASOLANO, Maria. Direitos Humanos: conceitos, significados e funções. São Paulo: Saraiva, 2010. VIRALLY, M. Notes de Lectures sur la Charte des Droits et Devoirs Économiques des Etats. In: Annuaire Français du Droit International, n. 20, 1974.

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ARTIGO 26º 1. O presente Pacto está aberto à assinatura de todos os Estados membros da Organização das Nações Unidas ou membros de qualquer de suas agências especializadas, de todo Estado Parte do Estatuto da Corte Internacional de Justice, bem como de qualquer outro Estado convidado pela Assembléia-Geral das Nações Unidas a tornar-se Parte do Presente Pacto. 2.  O presente Pacto está sujeito à ratificação. Os instrumentos de ratificação serão depositados junto ao Secretário-Geral da Organização das Nações Unidas. 3.  O presente Pacto está aberto à adesão de qualquer dos Estados mencionados no § 1º do presente artigo. 4.  Far-se-á a adesão mediante depósito do instrumento de adesão junto ao Secretário-Geral da Organização das Nações Unidas. 5.  O Secretário-Geral da Organização das Nações Unidas informará todos os Estados que hajam assinado o presente Pacto ou a ele aderido, do depósito de cada instrumento de ratificação ou de adesão.

Roberta Soares da Silva Doutoranda em Direito Previdenciário pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, professora da Escola Paulista de Direito e do Instituto Brasileiro de Estudos Previdenciários, advogada.

COMENTÁRIOS: O Direito Internacional Público, tem por elemento fundamental, o estabelecimento da segurança entre as Nações, sobre princípios de justiça para que dentro delas cada homem possa ter paz, trabalho, liberdade de pensamento e crença. E nesse sentido emerge o Pacto Internacional sobre os Direitos Econômicos, Sociais e Culturais que representa o comprometimento das nações do mundo com o reconhecimento ao direito à dignidade humana, a liberdade, a justiça e a paz no mundo. E para o reconhecimento desses direitos fundamentais da pessoa humana, por meio do Pacto Internacional, os membros da Organização das Nações Unidas, ou membros de qualquer de suas agências especializada, de todo Estado Parte do Estatuto da Corte Internacional de Justiça, bem como de qualquer outro 369

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Estado convidado pela Assembleia Geral das Nações Unidas, necessitam ratificar o tratado, bem como proceder ao depósito do tratado junto ao Secretário- Geral da Organização das Nações Unidas. Assim, a ratificação e o depósito do Pacto Internacional é conditio sine qua non para o comprometimento das nações com o reconhecimento dos direitos fundamentais do homem. O fundamento quanto à observância da ratificação e do depósito está no Direito Internacional Público. O fundamento do Direito Internacional Público, busca explicar a sua observância, neste ponto surgem duas correntes, uma voluntarista e a positivista. Para os defensores dessas correntes a observância do Direito Internacional Público decorre da vontade dos próprios Estados (corrente voluntarista). Já para os defensores da corrente positivista, a obrigatoriedade é baseada em razões objetivas, isto é, acima da vontade dos Estados, ou ainda, na Teoria da Autolimitação que se funda numa vontade metafísica do Estado, que estabelece limitações ao seu poder absoluto. Em outras palavras, o Estado obriga-se para consigo próprio. O Brasil já contou com essa a teoria da autolimitação, no entanto, bastante criticada, dada a possibilidade de o Estado de um momento a outro modificar sua posição. A teoria aceita pelos autores modernos baseia-se em princípios superiores que estão acima da vontade dos Estados, ao qual está consagrada a ideia de princípio indemonstrável, consagrado na Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados de 1969, em seu artigo 26: Todo tratado obriga as partes e deve ser cumprido por elas de boa-fé. Aí está o elemento fundante da ideia de princípio indemonstrável da observância dos tratados – o art. 26 da Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados de 1969. Mas qual a importância de um Pacto, tratado ou convenção? DOS TRATADOS (ART. 2º DA CONVENÇÃO DE VIENA SOBRE O DIREITO DOS TRATADOS DE 1969) Uma das fontes mais importante para o Direito Internacional Público é a Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados, assinada em 1969, ratificada pelo Brasil através do Decreto 7.030 de 14 de dezembro de 2009. 370

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O tratado é o ato jurídico por meio do qual se manifesta o acordo de vontades entre duas ou mais pessoas internacionais. E o Pacto Internacional é o ato pelo qual os Estados Partes reconhecem os direitos fundamentais ao desenvolvimento social, político e econômico para sua nação e seu povo. É importante ressaltar que podem firmar tratados - as demais pessoas internacionais, conforme explicita no artigo em comento (os Estados membros da Organização das Nações Unidas ou membros de qualquer de suas agências especializadas, de todo Estado Parte do Estatuto da Corte Internacional de Justice, bem como de qualquer outro Estado convidado pela Assembléia-Geral das Nações Unidas). Ou seja, o Pacto está aberto à adesão de qualquer dos Estados mencionados no § 1º do presente artigo. Portanto, não sendo mérito exclusivo dos Estados e organizações governamentais e intergovernamentais. Importante ainda frisar que o termo tratado se refere a um acordo regido pelo direito internacional, “qualquer que seja a sua denominação”. Em outras palavras - tratado é uma expressão genérica. Outras denominações podem ser utilizadas conforme sua forma, seu conteúdo, o seu objeto ou o seu fim, sendo estas: convenção, protocolo, convênio, declaração, modus vivendi, protocolo, ajuste, compromisso etc, além das concordatas que são os atos sobre assuntos religiosos celebrados pela Santa Sé com os Estados que têm cidadãos católicos. Cumpre ressaltar que hoje em dia, o tipo de tratado hierarquicamente mais importante é a “Carta” - expressão utilizada no tocante as Nações Unidas e à Organização dos Estados Americanos. A palavra Estatuto, outrora sem maior expressão, é a que nos depara em relação à Corte Internacional de Justiça (CIJ). A palavra Convenção tem sido utilizada nos principais tratados multilaterais, como os de codificação assinados em Viena. Podemos classificar os tratados (ato jurídico por meio do qual se manifesta o acordo de vontades entre duas ou mais pessoas internacionais) em bilaterais ou multilaterais, conforme o número de partes contratantes: a) Bilaterais – quando celebrado entre duas partes; b) Multilaterais – quando as partes são numerosas. No entanto, a divisão para os autores modernos em DIP, ensina que a melhor classificação é a que tem em vista a natureza jurídica do ato. Sob este aspecto, podem ser divididos em: a) tratados contratos; e b) tratados leis ou tratados-normativos. 371

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Os tratados normativos ou tratados leis - são geralmente celebrados entre muitos Estados com o objetivo de fixar as normas de DIP, as convenções multilaterais como as de Viena, são os exemplos perfeitos; além dos tratados de criação de uniões internacionais administrativas, como a União Postal Internacional, da Organização Mundial da Saúde e da Organização Mundial de Meteorologia. Os tratados contratos procuram regular interesse recíproco dos Estados e, dividem-se em: a) tratados executados também chamados transitórios ou de efeitos limitados – como por exemplo, os tratados de cessão ou de permuta de território; e, b) tratados executórios, ou permanentes ou de efeitos sucessivos – são os que prevêem atos a serem executados regularmente, toda vez que se apresentem às condições necessárias, como nos tratados de comércio e nos de extradição. Os tratados são, geralmente, escritos, sendo raros os exemplos modernos em contrário. Embora a Convenção de 1969 sobre os Direitos dos Tratados no art. 2º, não mencione os tratados não escritos. Tratado significa um acordo internacional concluído por escrito entre Estados e regido pelo Direito Internacional, quer conste de um instrumento único, quer de dois ou mais instrumentos conexos, qualquer que seja sua denominação específica. Mas quando um tratado é considerado válido? CONDIÇÃO DE VALIDADE DOS TRATADOS (ART.5º DA CONVENÇÃO DE VIENA SOBRE O DIREITO DOS TRATADOS) Para que um tratado seja considerado válido é necessário que as partes contratantes (Estados ou organizações internacionais) tenham capacidade para tal; que os agentes estejam habilitados; que haja consentimento mútuo; e que o objeto do tratado seja lícito e possível. Todos os Estados podem celebrar um tratado, um pacto? CAPACIDADE DAS PARTES CONTRATANTES (ART.6º DA CONVENÇÃO DE VIENA SOBRE O DIREITO DOS TRATADOS DE 1969) A doutrina tradicional, baseada na prática dos Estados, ensinava que apenas os Estados soberanos tinham o direito de assinar tratados. 372

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No entanto, a Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados entre Estados e Organizações Internacionais ou entre Organizações Internacionais de 1986 (VCLTIO, Vienna Convention on the Law of Treaties between States and International Organizations or Between International Organizations), tratou especificamente da questão em seu art. 86, disciplinado que a faculdade de celebrar tratados internacionais não era mais exclusividade dos Estados. Neste particular cumpre notar que o Brasil assinou a Convenção em 21.3.1986, mas ainda não foi aprovado no Congresso Nacional e, por isso, não apresentou o instrumento de ratificação junto ao Secretário-Geral da ONU. E quem tem habilitação para celebrar tratados ou pactos internacionais? HABILITAÇÃO DOS AGENTES SIGNATÁRIOS (ART. 7º DA CONVENÇÃO DE VIENA SOBRE O DIREITO DOS TRATADOS DE 1969) A maioria dos autores modernos qualifica como agente habilitado para a adoção ou autenticação do texto de um tratado, todo aquele que apresenta possuir plenos poderes. No entanto, o art. 7 da Convenção sobre o Direito dos Tratados de 1969, espelhando uma tendência no sentido de simplificar as formalidades na matéria, diz que os plenos poderes podem ser dispensados em certas circunstâncias. Hoje em dia, a apresentação de plenos poderes é dispensada no caso dos Chefes de Estado ou de Governo e dos Ministros das Relações Exteriores. A carta de plenos poderes deverá ser firmada pelo Chefe de Estado ou pelo Ministro das Relações Exteriores. Podem conter vícios os tratados ou pactos? CONSENTIMENTO MÚTUO (ART. 11º DA CONVENÇÃO DE VIENA SOBRE O DIREITO DOS TRATADOS DE 1969) O tratado é um ato jurídico, de acordo de vontades de todos os Estados que participam na sua elaboração. É importante salientar que quanto o tratado é de natureza multilateral, negociados numa Conferência Internacional, a adoção do texto efetua-se pela maioria de dois terços dos Estados presentes e votantes, a não ser que, pela mesma 373

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maioria, decidam adotar uma regra diversa. Ademais, cabe ressaltar que os vícios do consentimento do Direito Civil, não podem ter a mesma aplicação no direito internacional. Nesse momento citamos tratar-se dos vícios relativos ao erro, dolo, coação. Isto em razão do interesse superior da comunidade internacional de que os tratados sejam respeitados. Ainda, a Conferência de Viena de 1968-1969, seguindo orientação da CDI (Comissão de Direito Internacional das Nações Unidas), se ocupa dos vícios (erro, dolo, coação etc.), como motivos de nulidade do tratado. No caso de coação exercida contra representante de um Estado, a Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados de 169, estabelece em seu artigo 51 que o tratado “não produz efeito jurídico”. Em tal hipótese, o Estado que ele representa pode deixar de ratificar o tratado ou contestar a sua validade. E quanto ao seu objeto? OBJETO LÍCITO E POSSÍVEL O consenso de vontades em Direito Internacional Público só deve visar a uma coisa materialmente possível e permitida pelo direito e pela moral. E a validade de um pacto ou tratado? RATIFICAÇÃO, ADESÃO E ACEITAÇÃO DE TRATADO (ART.14º DA CONVENÇÃO DE VIENA SOBRE O DIREITO DOS TRATADOS DE 1969) O consentimento de um Estado em obrigar-se por um tratado pode manifestar-se pela assinatura, troca dos instrumentos constitutivos do tratado, ratificação, aceitação, aprovação ou adesão, ou por quaisquer outros meios, se assim for acordado. É necessário observar que o art. em face de prática que vem sendo adotada entre países da Comunidade Européia, a ratificação – que é o ato administrativo mediante o qual o Chefe de Estado confirma um tratado firmado em nome do Estado, declarando aceito o que foi convencionado pelo agente signatário. 374

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A ratificação somente ocorre depois que o tratado foi devidamente aprovado pelo Parlamento, a exemplo do que ocorre no Brasil, onde está faculdade é do Congresso Nacional. É importante ressaltar que apenas os Estados que assinaram um tratado multilateral é que devem ratificá-lo; no caso de países que posteriormente desejarem ser parte dele, o recurso é a adesão ou a aceitação, mas hoje em dia devem ser consideradas sinônimas. A exemplo do que ocorre com os tratados assinados, a adesão ou a aceitação é feita junto à Organização ou ao Estado Depositário. REGISTRO E PUBLICAÇÃO DE TRATADO (ART.24º DA CONVENÇÃO DE VIENA SOBRE O DIREITO DOS TRATADOS DE 1969) O Tratado deverá, logo que possível, ser registrado no Secretariado ou por este publicado, acrescentando que nenhuma parte num tratado não registrado poderá invocá-lo perante qualquer órgão das Nações Unidas. A designação de um depositário têm a finalidade deste poder praticar o registro do tratado. Nenhum tratado ou compromissos internacional será obrigatório antes de ter sido registrado. INTERPRETAÇÃO DE TRATADOS (ART.26º DA CONVENÇÃO DE VIENA SOBRE O DIREITO DOS TRATADOS DE 1969) O tratado deve ser interpretado de boa-fé. Os tratados devem ser interpretados como um todo, cujas partes se completam umas às outras. Um termo será entendido em sentido especial se estiver estabelecido que essa era a intenção das partes.

CONCLUSÃO O Pacto Internacional sobre os Direitos Econômicos, Sociais e Culturais nasceu a partir de negociações formais entre os Estados interessados no interesse em firmar o compromisso com a humanidade - nações e povos, na busca pela preservação dos valores sociais, culturais e políticos. É buscar o bem estar humano, o bem estar dos homens, de todos os homens – de todas as nações - a pacificação social – o desenvolvimento social - a paz mundial. E nesse sentido, o Brasil ratificou o Pacto Internacional através do Decreto nº591 - de 6 de julho de 1992. 375

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ARTIGO 27º 1.  O presente Pacto entrará em vigor três meses após a data do depósito, junto ao Secretário-Geral da Organização das Nações Unidas, do trigésimo-quinto instrumento de ratificação ou adesão.  2.  Para os Estados que vierem a ratificar o presente Pacto ou a ele aderir após o depósito do trigésimo-quinto instrumento de ratificação ou adesão, o presente Pacto entrará em vigor três meses após a data do depósito, pelo Estado em questão, de seu instrumento de ratificação ou adesão. Cristiana Eugenia Nese Mestranda em Direito (Área de Concentração: “Justiça, Empresa e Sustentabilidade”) pela UNINOVE. Graduada em Direito pela Universidade Paulista-UNIP. Advogada. Vanessa Toqueiro Ripari Mestranda em Direito (Área de Concentração: “Justiça, Empresa e Sustentabilidade”) pela UNINOVE. Graduada em Direito pela Faculdade de Direito de São Bernardo do Campo – FDSBC.

COMENTÁRIOS: O Pacto Internacional sobre os Direitos Econômicos, Sociais e Culturais foi adotado e aberto a assinaturas pela Resolução 2200-A (XXI) da Assembléia Geral das Nações Unidas em 16 de dezembro de 1966, entrando em vigor na ordem internacional no dia 03 de janeiro de 1976, após dez anos, na forma do seu artigo 27. O Pacto em comento e seu protocolo opcional, juntamente com a Declaração Universal dos Direitos Humanos (DUDU) e com o Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos e seus dois protocolos opcionais (sobre procedimento de queixa e sobre pena de morte), formam a chamada Carta Internacional dos Direitos Humanos.545   Disponível em: http://www.onu.org.br/a-onu-em-acao/a-onu-e-os-direitos-humanos acesso em

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O artigo 27 do Pacto prevê um lapso temporal para o início da sua vigência, após o depósito do trigésimo quinto instrumento de ratificação ou adesão. Esse lapso temporal, ou seja, esse intervalo entre a data da publicação e a sua entrada em vigor no sistema brasileiro, é denominado de vacatio legis. Oportuno referir neste sentido a Lei de Introdução das Normas de Direito Brasileiro (LINDB), atual denominação da Lei de Introdução do Código Civil (LICC - Decreto-lei nº 4.657, de 4 de setembro de 1942), que dispõe em seu artigo 1º. que a lei começa a vigorar no Brasil, salvo disposição em contrário, 45 (quarenta e cinco) dias após oficialmente publicada. No caso do Pacto em comento, o seu artigo 27 estabelece uma vacatio legis de 03 (três) meses após a data do depósito, junto ao Secretário Geral da Organização das Nações Unidas. Neste sentido, o presente Pacto obedeceu às regras de formação dos tratados internacionais, estabelecendo um número mínimo de Estados Partes, e, como registrado, condicionando o início de sua vigência a uma vacatio legis de 03 (três) meses. Frente à administração das Organizações das Nações Unidas encontramos a figura do Secretário-Geral da ONU546, o funcionário mais graduado da instituição. Pode-se afirmar que o Secretário-Geral é o símbolo dos ideais das Nações Unidas e porta-voz dos interesses dos povos do mundo, principalmente dos mais pobres e vulneráveis547. Ele é nomeado pela Assembléia Geral da ONU seguindo recomendação do Conselho de Segurança. Portanto, deve reunir, entre outras vontades, a unanimidade dos membros permanentes do Conselho de Segurança548. 12.01.13.   Conforme previsto na Carta das Nações Unidas no Capítulo XV que trata do Secretariado, em seu artigo 97: “O Secretariado será composto por um Secretário-Geral e pelo pessoal exigido pela Organização. O Secretário-Geral será nomeado pela Assembleia Geral mediante recomendação do Conselho de Segurança. Será o principal funcionário administrativo da Organização.” A ONU está dividida em instâncias administrativas, destacando-se a Assembleia Geral, o Conselho de Segurança, o Conselho Econômico e Social, o Secretariado e o Tribunal Internacional de Justiça. A figura mais publicamente visível da ONU é o Secretário-Geral. Nesse sentido ver o organograma disponível no site: http://www.onu.org.br/img/organograma.png 546

  Conforme a própria ONU o descreve, Disponível em http://www.onu.org.br/conheca-a-onu/o-secretario-geral/ Acesso em 06/11/2012.

547

  Capítulo V - CONSELHO DE SEGURANÇA Artigo 23º 1. O Conselho de Segurança será constituído por 15 membros das Nações Unidas. A República da China, a França, a União das

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A duração do seu mandato é de cinco anos, definido assim por uma resolução elaborada por intermédio da Assembléia Geral, pois a Carta da ONU não previu a duração do mandato. O Secretário-Geral da ONU não deve ser influenciado por nenhum dos Estados membros, pois suas atitudes e decisões devem ser sempre voltadas ao interesses dos povos, buscando alcançar o pleno desenvolvimento dos países, principalmente daqueles que mais são afetados pela falta de liberdade e a miséria, sendo um cargo de extrema responsabilidade e confiança. O Pacto Internacional sobre os Direitos Econômicos, Sociais e Culturais reforçou essa idéia quando colocou a figura do Secretário-Geral em destaque, confiando a guarda do tratado a ele, quando assim dispõe o artigo 27 que o Pacto entrará em vigor três meses após a data do depósito o tratado junto ao Secretário Geral da Organização das Nações Unidas. “Seu irmão”549 - assim chamado, por terem sido feitos juntos - o Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos, também coloca o Secretário-Geral da ONU em lugar de destaque, quando confere também a este a guarda do tratado, conforme dispõe o artigo 49 do Pacto550. Repúblicas Socialistas Soviéticas, o Reino Unido da Grã-Bretanha e a Irlanda do Norte e os Estados Unidos da América serão membros permanentes do Conselho de Segurança. A Assembleia Geral elegerá 10 outros membros das Nações Unidas para membros não permanentes do Conselho de Segurança, tendo especialmente em vista, em primeiro lugar, a contribuição dos membros das Nações Unidas para a manutenção da paz e da segurança internacionais e para os outros objetivos da Organização e também uma distribuição geográfica equitativa. 2.Os membros não permanentes do Conselho de Segurança serão eleitos por um período de dois anos. Na primeira eleição dos membros não permanentes, depois do aumento do número de membros do Conselho de Segurança de 11 para 15, dois dos quatro membros adicionais serão eleitos por um período de um ano. Nenhum membro que termine o seu mandato poderá ser reeleito para o período imediato. 3.Cada membro do Conselho de Segurança terá um representante.   Ao mesmo tempo em que o mencionado documento era lançado, adotava-se também o seu “irmão”, o Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos, ambos reconhecidos a 16 de dezembro de 1966 pelo mesmo instrumento, a Resolução n. 2.200-A da Assembléia Geral das Nações Unidas. Os dois Pactos entraram em vigor quase ao mesmo tempo, isto é, três meses após o depósito do trigésimo quinto instrumento de adesão ou ratificação junto ao Secretário Geral da ONU, o que aconteceu em 3 de janeiro de 1976 para o Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais e 23 de março do mesmo ano para o Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos. 549

  1.  O presente Pacto entrará em vigor três meses após a data do depósito, junto ao Secretário-Geral da Organização das Nações Unidas, do trigésimo-quinto instrumento de ratificação ou adesão.  2.  Para os Estados que vierem a ratificar o presente Pacto ou a ele aderir após o depósito do trigésimo-quinto instrumento de ratificação ou adesão, o presente Pacto entrará em vigor três meses após a data do depósito, pelo Estado em questão, de seu instrumento de ratificação ou adesão. 550

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O Secretário-Geral exerce importante função também no que diz respeito ao Tribunal Internacional de Justiça, no qual o mesmo é responsável por preparar uma lista por ordem alfabética de todas as pessoas assim designadas pelos grupos nacionais do Tribunal Permanente de Arbitragem, e após submeter essa lista à Assembléia Geral e ao Conselho de Segurança, que elegerão os membros do Tribunal dessa lista de pessoas apresentadas Não é a toa que a Carta da ONU, lhe oferece um grande poder, pois ele é a única pessoa que, não possuindo representação de Estado membro, “poderá chamar a atenção do Conselho de Segurança para qualquer assunto que em sua opinião possa ameaçar a manutenção da paz e da segurança internacionais (art.99)” Além disso, o Secretário poderá contar com uma equipe de assessores, que serão nomeados pelo próprio, de acordo com regras estabelecidas pela Assembleia Geral. Para tanto, usufruem de imunidades diplomáticas e respondem somente perante as Nações Unidas. O artigo 100 da referida Carta assim dispõe: “no desempenho de seus deveres, o Secretário-Geral e o pessoal do Secretariado não solicitarão nem receberão instruções de qualquer Governo ou de qualquer autoridade estranha à Organização. Abster-se-ão de qualquer ação que seja incompatível com a sua posição de funcionários internacionais responsáveis somente perante a Organização. Cada membro das Nações Unidas se compromete a respeitar o caráter exclusivamente internacional das atribuições do Secretário-Geral e do pessoal do Secretariado, e não procurará exercer qualquer influencia sobre eles, no desempenho de suas funções.” Desde a criação da ONU551 – 1945 – houve oito Secretários-Gerais da ONU, dos quais se pode destacar: da Noruega, que se demitiu antes do final de seu segundo mandato, Suécia, o qual acabou morrendo num acidente aéreo no Congo. Ainda, da Birmânia, do Peru, da Áustria, Gana e do Egito. Atualmente o Ban Himoon da República da Coreia é o oitavo desde 01 de Janeiro de 2007. No caso do Egito, verifica-se a importância do veto dos países membros do Conselho de Segurança da ONU, pois esse ex-Secretário-Geral não foi reconduzido para um segundo mandato em razão do veto dos Estados Unidos.   As Nações Unidas, começaram a existir oficialmente em 24 de outubro de 1945, após a ratificação da Carta pela China, Estados Unidos, França, Reino Unido e a ex-União Soviética, bem como pela maioria dos signatárioshttp://www.onu.org.br/conheca-a-onu/a-historia-da-organizacao, acesso em 12.01.13. 551

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Além de suas funções administrativas, o Secretário-Geral pode exercer grande influência dentro da organização, junto aos Estados membros e perante o mundo exterior. Tem iniciativa diplomática para mediar ou conciliar conflitos. Pessoalmente ou por intermédio de representantes, o Secretário pode estar á frente dos esforços para a solução pacífica das controvérsias. Trata-se de atividades essencialmente diplomáticas. Os dias de trabalho do Secretário-Geral da ONU incluem sua presença nas reuniões dos diversos órgãos das Nações Unidas, consultas com líderes mundiais, e viagens pelo mundo. Estas viagens permitem o contato direto com as pessoas que vivem nos 192 Estados-Membros da Organização e fazem que ele esteja informado sobre a vasta lista de problemas internacionais que estão na agenda da ONU. Um dos papéis mais importantes do Secretário-Geral é o uso de “bons ofícios” – passos dados pública ou privadamente – para impedir que as disputas internacionais cresçam, se elevem ou se espalhem. Cada Secretário-Geral também define, ao assumir o cargo, sua própria agenda de prioridades.552 Pode-se concluir que o Secretário-Geral da ONU é de suma importância para o desenvolvimento não só dos países, mas da própria ONU, concretizando os ideais a ele confiados. O principal objetivo do Pacto foi dar concretude aos direitos econômicos, culturais e sociais já elencados na Declaração Universal de Direitos Humanos, atribuindo-lhes assim eficácia jurídica. Entretanto, os Estados apenas se obrigam internacionalmente no caso de oferecerem manifestação clara de concordância isto significa dizer que a simples condição de signatário, ou seja, a mera assinatura do tratado internacional não os obriga, já que apresenta uma vigência precária, com base apenas na soft Law. 553 Nas palavras de Flávia Piovesan554: A assinatura do tratado por si só, traduz um aceite precário e provisório, não irradiando efeitos jurídicos vinculantes. Trata-se de mera aquiescência do   Disponível em http://www.onu.org.br/conheca-a-onu/o-secretario-geral/ Acesso em 06/11/2012.

552

  O termo soft law refere-se a instrumentos “quase-legais” que não têm caráter juridicamente vinculativo, ou cuja força de ligação é um pouco “mais fraca” do que a força obrigatória das leis.Nesse sentido ver: Guido Fernando Silva Soares, que dá um tratamento mais elaborado sobre o tema em seu Curso de direito internacional público. São Paulo: Atlas, 2002, p. 136-140.

553

  PIOVESAN, Flávia. Direitos Humanos e o Direito Constitucional Internacional. 13ª. Edição revista e atualizada. São Paulo: Ed. Saraiva, 2012, p. 103.

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Estado em relação a formação e ao conteúdo final do tratado. A assinatura do tratado, via de regra, indica tão somente que o tratado é autêntico e definitivo. Para que o tratado possa adquirir caráter obrigatório, cada Estado precisará inicialmente proceder à ratificação interna, conforme os critérios estabelecidos em sua Constituição ou legislação doméstica específica sobre o assunto, e depois a uma ratificação externa, que se conclui com o efetivo depósito da ratificação junto ao Secretário-Geral, no caso do Pacto Internacional sobre Direitos Econômicos, Sociais e Culturais. No Brasil, por exemplo, exige-se a promulgação de um decreto presidencial conferindo eficácia ao referido tratado, o qual foi ratificado em 24 de janeiro de 1992. Até 13 de janeiro de 2013 contava com 160 Estados Partes.555 Assim, é possível compreender que o artigo 27 do Pacto, trata dessa diferença quando coloca: do trigésimo quinto instrumento de ratificação ou adesão, pois muitos países podem assinar ao tratado mas, não ter ratificado – como é o caso dos Estados Unidos da América que até hoje não ratificou, apenas assinou em 05 de Outubro de 1977 –, ou seja, o tratado passou pelo crivo interno do país, mas não foi feito o depósito de ratificação e quando ocorre isso não só traz uma grande diferença na contagem para se chegar ao trigésimo quinto instrumento de ratificação do artigo 27, mas também uma grande diferença entre esses dois institutos – o da assinatura e ratificação. Contudo, pode-se definir a assinatura como um ato que autentica o texto do tratado, mas não o torna imediatamente obrigatório para as Partes, pois via de regra, é necessário um ato adicional e posterior (geralmente chamado ratificação) que comunique a vinculação do Estado aos termos do tratado. A assinatura sob reserva de ratificação (a mais comum) permite o início do procedimento interno de aprovação do tratado. É a fase na qual os órgãos internos do Estado apreciam o teor do tratado e o aprovam ou o rejeitam. Em determinados Estados, o seu direito interno exige que o tratado seja submetido à apreciação do Poder Legislativo em outros, não há este tipo de exigência e o Poder Executivo é livre para ratificar o tratado quando lhe convier. 555  Lista completa em: http://treaties.un.org/Pages/ViewDetails.aspx?src=TREATY&mtdsg_no=IV-3&chapter=4&lang=en, acesso em 13.01.13.

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Já a ratificação pura e simples é o ato pelo qual o Estado Parte comunica que se considera vinculado/obrigado aos termos do tratado no plano internacional. Entretanto, pode ocorrer que o tratado não entre em vigor neste momento, por exemplo, na hipótese de seu texto estipule uma condição adicional para tanto, como é o caso do artigo 27 do Pacto que estipula número mínimo de ratificações. Cabe ressaltar que há autores556 que entendem que os direitos humanos, trazem consigo a obrigatoriedade de concretização, ou seja não é possível fazer essa diferença entre assinatura e ratificação para que um Estado se torne vinculado ao tratado, pois mesmo que um Estado não seja parte do tratado, pela força obrigatória intrínseca do núcleo de direitos humanos, o mesmo tem mais que uma obrigatoriedade, um dever de cumprir o que dispõe naquele tratado. Nesse sentido Vladmir Oliveira da Silveira557 explica: Nos dias de hoje, o marco dos direitos humanos impõe obrigações aos governos. O Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais é um caso exemplar. Este Pacto é um tratado e, portanto, obrigatório para os Estados Partes que o ratificaram. No entanto, os direitos nele consagrados derivam da Declaração Universal dos Direitos Humanos e, nesse sentido, encontram-se confirmados em outros instrumentos de direitos humanos. Desse modo, pode-se dizer que o Pacto, como um todo, foi reafirmado em várias declarações, sendo mais recentemente na Declaração de Viena. Portanto, seja pelo primeiro documento, ou seja ainda pelos demais que o sucederam, não há dúvida que o Pacto deve ser considerado aplicável a praticamente todos os Estados, e não simplesmente aos Estados Partes que ratificaram o primeiro documento, porque estão vinculados por força das leis eternas e naturais. Apesar do artigo 27 do Pacto em comento estipular a necessidade de um número mínimo de Estados Partes, conceder à época um vacatio legis de 03 meses após a 35ª ratificação ou adesão para sua entrada em vigor, o Pacto Internacional   Ver nesse sentido: SILVEIRA, Vladmir Oliveira da; ROCASOLANO, Maria Mendez. Direitos Humanos Conceitos, Significados e Funções. São Paulo: Saraiva, 2010 e PIOVESAN, Flávia. Direitos Humanos e o Direito Constitucional Internacional. 13ª. Edição revista e atualizada. São Paulo: Ed. Saraiva, 2012. 556

557 

SILVEIRA, Vladmir Oliveira da. Direito ao Desenvolvimnento na Doutrina Humanistica do Direito Econômico. Tese de Doutorado. PUC/SP, p.194. 383

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dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais tem o objetivo de incorporar os dispositivos da Declaração Universal sob a forma de preceitos juridicamente obrigatórios e vinculantes. Nas palavras de Vladmir Oliveira da Silveira e Maria Mendez Rocasolano558: Como tratado, esse pacto é obrigatório para os Estados Partes que o ratificaram, embora os direitos nele consagrados derivem da Declaração Universal dos Direitos Humanos e encontrem-se confirmados e reafirmados em outros instrumentos, sendo um dos mais recentes a Declaração de Viena, de 1993. Sendo assim, pelo primeiro instrumento, seja pelos que o sucederam, não há dúvida de que o pacto é aplicável a todos os Estados e não apenas aos países que o ratificaram, porque estão vinculados por força de consenso (soft law) da comunidade internacional, dentro da perspectiva da solidariedade. Assim, entende-se que apesar do artigo 27 do Pacto, nenhum Estado pode desobedecer aos preceitos nele contidos em virtude de violar os direitos fundamentais consagrados na Declaração Universal dos Direitos Humanos.

558  SILVEIRA, Vladmir Oliveira da; ROCASOLANO, Maria Mendez. Direitos Humanos Conceitos, Significados e Funções. São Paulo: Saraiva, 2010, p.159.

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REFERÊNCIAS GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro. Vol I, Parte Geral, 2. Ed. São Paulo: Saraiva, 2005. PIOVESAN, Flávia (Coordenação Geral). Código de Direito Internacional dos Direitos Humanos Anotado. São Paulo: DPJ Editora, 2008. ___________. Direitos Humanos e o Direito Constitucional Internacional. 13. Edição revista e atualizada, São Paulo: Ed. Saraiva, 2012. SILVEIRA, Vladmir Oliveira da. Direito ao Desenvolvimnento na Doutrina Humanistica do Direito Econômico. Tese de Doutorado PUC/SP, 2006. __________; ROCASOLANO, Maria Mendez. Direitos Humanos Conceitos, Significados e Funções. São Paulo: Saraiva, 2010. SEITENFUS, Ricardo. Manual das Organizações Internacionais. Livraria do Advogado, Porto Alegre, 1997.

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ARTIGO 28º Aplicar-se-á as disposições do presente Pacto, sem qualquer limitação ou exceção, a todas unidades constitutivas dos Estados federativos. André Vinícius da Silva Machado Advogado, Mestrando em Direito (Área de Concentração: “Justiça, Empresa e Sustentabilidade) pela UNINOVE. Graduado em Direito pelas Faculdades Metropolitanas Unidas – UNIFMU. Marcelo Benacchio Mestre e Doutor pela PUC/SP. Pós-doutorando pela Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa. Prof. do Mestrado em Direito da Universidade Nove de Julho. Professor Convidado da Pós Graduação lato sensu da PUC/COGEAE e da Escola Paulista da Magistratura. Prof. Titular de Direito Civil da Faculdade de Direito de São Bernardo do Campo. Associado Fundador do Instituto de Direito Privado. Juiz de Direito em São Paulo.

COMENTÁRIOS: Os direitos humanos, econômicos, sociais e culturais objetivam melhorar a igualdade entre todos os seres humanos sem qualquer distinção diante do fato de todos nascermos ligados a um contexto social preexistente, nesse sentido, não nascemos livres e tampouco iguais. Um dos subscritores destes comentários 559 já mencionou a respeito: Conforme ressalta Norberto Bobbio havia necessidade de inversão dessa perspectiva, ou seja, caberia conceber uma hipótese racional, em desconsideração à origem histórica das sociedades humanas que considerasse o indivíduo em si mesmo, fora de qualquer vínculo social e (com maior razão) político, num estado,   BENACCHIO, Marcelo. O ser humano como sujeito de direito: os direitos humanos. In: Furlan, Valéria C. P. (Org.). Sujeito no Direito: História e Perspectivas para o Século XXI. Curitiba: CRV, 2012, pp. 104-105. 559

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como o estado de natureza, no qual não se constitui ainda nenhum poder superior aos indivíduos e não existem leis positivas que imponham esta ou aquela ação, sendo portanto um estado de liberdade e igualdade perfeitas, ainda que hipotéticas. Na compreensão anterior à modernidade, o ser humano nascia preso a vínculos familiares e sociais inserido em uma hierarquia preexistente, destarte, não nascia livre e tampouco igual aos outros seres humanos. Portanto, coube aos pensadores iluministas formularem um modelo teórico apto a garantir a liberdade e igualdade dos homens desde o nascimento, para tanto, criaram a hipótese de um estado originário, no qual não havia sociedade nem Estado, governado por leis naturais emanadas da razão. Para tanto, a comunidade internacional estabelece o reconhecimento do direito de um nível de vida adequado para todos os seres humanos indistintamente voltado ao trabalho, moradia, alimentação, educação e outros direitos fundamentais à condição humana, competindo aos Estados a garantia de seu acesso a todos num quadro de constante melhora. Os direitos econômicos, sociais e culturais, diversamente dos direitos políticos e civis, enquanto objetivos a serem realizados progressivamente pela ação estatal são tutelados, normalmente, por meio de relatórios de organismos internacionais que avaliam a situação de grupos ou coletividades humanas e a forma de superação dos problemas existentes quanto a esses direitos560. O artigo 28 do PIDESC envolve a efetividade das disposições do Pacto perante os Estados prevendo impossibilidade da aplicação de seus mandamentos de maneira parcial, especialmente em consideração à forma do Estado no tocante à existência de autonomia política interna. A forma de cada Estado decorre de questões históricas, movimentos sociais e elementos culturais, é um fenômeno político-social em constante mutação, daí a dificuldade de nos basearmos numa compreensão científica rígida para sua explicação, em verdade, as teorias existentes devem ser submetidas a constante crítica para sua evolução561.   LAFER, Celso. A reconstrução dos direitos humanos. São Paulo: Companhia das Letras, 2006, p. 129.

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  Karl Popper ressalta o erro e a crítica como fundamentais à evolução da ciência, como se observa do seguinte extrato: A discussão crítica, mesmo das nossas melhores teorias, revela sempre novos problemas. Ou, traduzindo estes quatro passos em quatro palavras: problemas – teorias - críticas 561

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Numa perspectiva ampla a forma do Estado encerra a maneira de distribuição dos poderes dentro do território, redundando genericamente em duas espécies estruturalmente opostas: o Estado Unitário e o Estado Federal. Apesar das raízes históricas desses dois modelos, ou seja, a superação do feudalismo fragmentário na criação do Estado Unitário e a união de Estados independentes formando um Estado Federal562, contemporaneamente há subespécies de cada um desses modelos e também a criação de situações híbridas em decorrência da concessão de maiores poderes à regiões no Estado Unitário (a exemplo da Espanha e da Itália) e limitação de autonomia dos entes federativos no Estado Federal563. No Estado Unitário há apenas um centro de poder político no qual as funções executiva, legislativa, e judicial estão concentradas em órgãos do governo central havendo a possibilidade de desconcentração e descentralização, todavia, mantido o poder central. Em campo diverso situa-se o Estado Federal, porquanto ocorre divisão de poderes e competências por meio da existência de vários entes com autonomia política no sentido da tomada de decisões no âmbito das funções executiva, legislativa e judicial. Há duas esferas de poder político: os entes constitutivos do Estado Federal e a própria federação (União), tudo ordenado por meio da uma Constituição Federal. Segundo Eliana Franco Neme564 o ideal federalista pode ser fundamentado na noção de liberdade, portanto, a estrutura federal seria interessante à proteção dos Direitos Humanos, são suas proposições: – novos problemas. Destas quatro importantíssimas categorias, a mais característica da ciência é a eliminação de erros pela crítica. Pois o que chamamos vagamente de objetividade da ciência, e racionalidade da ciência, são meros aspectos da discussão crítica das teorias científicas (O mito do contexto: em defesa da ciência e da racionalidade. Lisboa: Edições 70, 2009, p. 255). 562 

Deixamos claro a ressalva do presente estudo não ter por escopo o exame do federalismo em profundidade, mas somente o necessário para o exame da disposição em exame do PIDESC.

563   Manoel Gonçalves Ferreira Filho ao tratar dos problemas da estrutura federalista brasileira, afirma: É, sobretudo, a posição dos muitos que, não recusando propriamente o modelo federalista, rejeitam sua versão 1988. Indignam-se, especialmente, pelo fato de a Constituição vigente haver transferido, em detrimento da União, recursos financeiros para os Estados e municípios, sem a contrapartida de uma transferência de encargos (Constituição e governabilidade. São Paulo: Saraiva, 1995, p. 51). 564  NEME, Eliana Franco. O federalismo como sistema de proteção dos direitos fundamentais. Seqüência: estudos jurídicos e políticos, Florianópolis, v. 55, dez. 2007, p. 104.

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O que não significa dizer que os Direitos Humanos carecem de respaldo nos Estados Unitários, o que por certo não acontece, mas sim que, dadas as peculiaridades do Estado e optando este pelo modelo federativo, a implementação e a proteção dos direitos humanos está necessariamente atrelada ao acesso ao poder e vinculada atividade dos entes federados. O poder político é uno e indivisível, a conformação do Estado há de determinar apenas se suas manifestações serão produzidas por um único centro de poder ou por uma pluralidade deles. A democracia, presumida aqui como o único modelo de exercício de poder legítimo, está umbilicalmente ligada à ideia de descentralização do poder, à idéia de Estado Federal. A Constituição Federal é uma característica do Estado Federal ao estabelecer a divisão de competências entre a ordem central e as parciais. Gilmar Ferreira Mendes e Paulo Gustavo Gonet Branco565 afirmam a respeito: A Constituição Federal atua como fundamento de validade das ordens jurídicas parciais e central. Ela confere unidade à ordem jurídica do Estado Federal, com o propósito de traçar um compromisso entre as aspirações de cada região e os interesses comuns às esferas locais em conjunto. A Federação gira em torna da Constituição Federal, que é o seu fundamento jurídico e instrumento regulador. No Estado Federal não se confunde soberania com autonomia, a soberania é atributo do Estado Federal como um todo enquanto a autonomia política cabe aos entes federados, gerando duas esferas de poder normativo sobre um mesmo território, entretanto, no âmbito internacional a personalidade externa compete ao Estado Federal por ser o titular da soberania. Hildebrando Accioly, G. E. do Nascimento e Silva e Paulo Borba 566 Casella referem essa situação nos seguintes termos: Estado federal ou federação de estados - É a união permanente de dois ou mais estados, em que cada um deles conserva apenas sua autonomia 565  MENDES, Gilmar Ferreira, e BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de direito constitucional. São Paulo: Saraiva, 2013, p. 780. 566 

ACCIOLY, Hildebrando, SILVA, G. E. do Nascimento e, e CASELLA, Paulo Borba. Manual de direito internacional público. São Paulo: Saraiva, 2010, p. 264.

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interna, sendo a soberania externa exercida por um organismo central, isto é, pelo governo federal, plenamente soberano nas suas atribuições, entre as quais se salientam a de representar o grupo nas relações internacionais e a de assegurar a sua defesa externa. Nesse tipo de união de estados, a personalidade externa existe somente no superestado, isto é, no estado federal. De outra parte, o Estado Federal é diverso da Confederação, a qual encerra um agrupamento de Estados objetivando assegurar a defesa comum de seus participantes sem perda da soberania de cada Estado (na federação a partir do ingresso de cada ente há perda de sua soberania em favor da ordem central), donde seu nascimento decorre de um tratado (“Pacto de Confederação”). Na Confederação os Estados conservam sua soberania e personalidade internacional567. No Estado Unitário não há maiores problemas na aplicação das disposições do PIDESC em virtude da existência de um centro único de poder, portanto, não há dúvidas acerca da imediata efetividade de suas determinações legais em virtude da unidade de poder que o caracteriza. No Estado Federal por força de sua estrutura de poder poderia ocorrer dúvidas acerca da necessidade de atuação das ordens autônomas parciais, a par da soberania da federação, na realização dos direitos humanos econômicos, sociais e culturais. A superação desse problema, reforçando o exercício da soberania pela Federação, foi justamente o objeto do artigo em comento, o qual estabelece a imediata eficácia de suas disposições sem qualquer limitação ou exceção, a todas as unidades constitutivas dos Estados federativos, ou seja, no Estado Federal todas as divisões políticas nele compreendidas (territórios, estados-membros, cantões, províncias, possessões ultramarinas) estão obrigadas ao cumprimento do Pacto568. Há disposições semelhantes no Pacto Internacional de Direitos Civis e

  GUERRA, Sydney. Curso de direito internacional público. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2009, p. 107/108; AMARAL JÚNIOR, Introdução ao direito internacional público. São Paulo: Atlas, 2008, p. 161. 567

  Essa disposição não impede que os entes federados possibilite uma maior e ou melhor proteção aos Direitos Humanos, mas somente a impossibilidade da forma federal de Estado ser utilizada como justificativa para o inadequado cumprimento das normas legais contidas no PIDESC. 568

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Políticos (1966)569, na Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados (1969)570 e na Convenção Americana de Direitos Humanos (1969)571. A finalidade da previsão, ressaltadas as particularidades e condição de cada Estado signatário, objetiva evitar a utilização pelo Estado aderente ao PIDESC de disposição de seus regramentos legais internos como justificativa para o descumprimento das obrigações assumidas. Lembre-se o fato de somente o Estado Federal (União) ser detentor de soberania e personalidade jurídica internacional demanda na responsabilização perante a comunidade internacional no caso de violação dos direitos econômicos, sociais e culturais. A validade e eficácia dos direitos humanos sociais, econômicos e culturais nos Estados Federais não dependerá de sua aprovação pelas ordens parciais dos entes federados, a mera adesão da ordem central no exercício da soberania em conformidade à sua personalidade internacional às disposições do PIDESC repercutirá na plena eficácia perante todos os entes federados sem possibilidade de limitação ou exclusão da parte de quaisquer dos entes federados fundados na sua autonomia. Os direitos humanos sociais, econômicos e culturais são aplicados à totalidade do território do Estado Federal em conformidade à sua ordem jurídica como forma de proteção do ser humano, porquanto, tecnicamente, a expressão “direitos humanos” consagra uma tautologia, pois, o núcleo significativo de ambos os termos, “direito” e “pessoa humana” expressa exigências éticas ou 569  O artigo 50, tem a seguinte redação: Aplicar-se-ão as disposições do presente Pacto, sem qualquer limitação ou exceção, a todas as unidades constitutivas dos Estados federativos.

  O artigo 27 (Direito Interno e Observância de Tratados), dispõe: Uma parte não pode invocar as disposições de seu direito interno para justificar o inadimplemento de um tratado. Esta regra não prejudica o artigo 46.

570

  O artigo 28 (cláusula federal), estabelece: 1. Quando se tratar de um Estado Parte constituído como Estado federal, o governo nacional do aludido Estado Parte cumprirá todas as disposições da presente Convenção, relacionadas com as matérias sobre as quais exerce competência legislativa e judicial. 2. No tocante às disposições relativas às matérias que correspondem à competência das entidades componentes da federação, o governo nacional deve tomar imediatamente as medidas pertinentes, em conformidade com sua Constituição e com suas leis, a fim de que as autoridades competentes das referidas entidades possam adotar as disposições cabíveis para o cumprimento desta Convenção. 3. Quando dois ou mais Estados Partes decidirem constituir entre eles uma federação ou outro tipo de associação, diligenciarão no sentido de que o pacto comunitário respectivo contenha as disposições necessárias para que continuem sendo efetivas no novo Estado, assim organizado, as normas da presente Convenção.

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mesmo direitos típicos do gênero humano572. Reforçamos, não é permitido a qualquer unidade constitutiva do Estado Federal limitar ou excluir a proteção dos direitos humanos reconhecidos no PIDESC e tampouco àquele justificar o descumprimento desses Direitos Humanos em razão da forma de sua organização. Analisados os aspectos gerais do artigo em exame na esfera internacional, passemos ao exame de sua incidência no ordenamento jurídico brasileiro. Há Estados Federais que se formaram desde a união de Estados anteriormente independentes, criando uma estrutura estatal superior a eles – a estrutura federal, a União, como ocorreu com os Estados Unidos da América e a Suíça. Esse fenômeno é denominado federalismo de agregação. De outra banda, há Estados Federais formados desde a descentralização de Estados Unitários instituindo os entes federativos, como os Estados-membros, autônomos, formando o Estado Federal, a exemplo do Brasil. Tal é o federalismo por segregação573. O federalismo brasileiro decorreu de um ato político (federalismo por segregação) e não de um “pacto federativo” (federalismo de agregação) por força de um ato político emanado do Governo Provisório da República (15.11.1889)574 e regulado na Constituição de 1889 sendo previsto sucessivamente nas Constituições Federais que se seguiram575. A Constituição Federal de 1988 estabelece a forma federal de Estado para o Brasil576 objetivando satisfazer suas necessidades próprias577. SILVEIRA, Vladmir Oliveira da; ROCASOLANO, Maria Mendez. Direitos humanos: conceitos, significados e funções. São Paulo: Saraiva, 2010, p. 212.

572 

573 

FERREIRA FILHO, Manuel Gonçalves. Op. cit., p. 52/53.

  Não obstante, desde a independência do Brasil havia uma corrente liberal que pretendia a criação de uma monarquia federalista como forma de partição do poder político das elites e eficiência na administração do país em decorrência de sua extensão territorial. A respeito consulte-se, DOLHNIKOFF, Miriam. O pacto imperial: origens do federalismo no brasil. São Paulo: Globo, 2007.

574

575 

A única exceção em sentido substancial foi a Carta Constitucional de 1937, pois, apesar de formalmente estabelecer a forma federal ao estado brasileiro, substancialmente aspirava um Estado Nacional. Conforme Manuel Gonçalves Ferreira Filho (op. cit., p. 59): durante o Estado Novo os Estados não tiveram autonomia, governados que foram, aberta ou disfarçadamente, por delegados do Presidente da República (em São Paulo, por exemplo, os interventores).

576 

O art. 1º, caput, da Constituição da República não deixa dúvidas acerca da opção constitucional pela forma federativa de Estado como se observa de sua redação - Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos:   Detalhes do sistema federativo brasileiro estão além das finalidades deste estudo, para o exame

577

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A organização federal do Estado brasileiro é absolutamente conforme à previsão contida no artigo 28 do PIDESC, pois, a ordem jurídica interna é adequada ao sistema internacional de proteção dos direitos humanos permitindo sua supervisão e controle pela Organização das Nações Unidas e pelos sistemas global e regional de proteção dos Direitos Humanos. A Constituição Federal de 1988 prevê a integração de novas normas de Direito Internacional, no tocante à proteção e realização dos Direitos Humanos, consoante previsão contida em seu art. 5º, parágrafos 2º e 3º578. Esse preceito tem como resultado imediato não apenas a confirmação dos direitos constitucionalmente assegurados, mas a previsão da integração de novos direitos necessários e indispensáveis à condição humana oriundos de tratados e convenções internacionais. Eis os dizeres do texto constitucional: Art. 5.º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: ... §2º - Os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte. § 3º Os tratados e convenções internacionais sobre direitos humanos que forem aprovados, em cada Casa do Congresso Nacional, em dois turnos, por três quintos dos votos dos respectivos membros, serão equivalentes às emendas constitucionais. (grifos nossos) O parágrafo 3º, do art. 5º, da Constituição Federal foi incluído pela Emenda Constitucional n. 45/2004; entretanto, os tratados de Direitos Humanos anteriores à emenda já possuíam caráter supralegal consoante a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal de maneira à impedir a eficácia jurídica de qualquer ato mais aprofundado e geral das características do federalismo brasileiro, consulte-se MENDES, Gilmar Ferreira, e BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. op. cit., p. 784/808.   PIVA, Otávio. Comentários ao Art. 5º da Constituição Federal de 1988 e teoria dos direitos fundamentais, 3ª ed. São Paulo: Editora Método, 2009, p. 322

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normativo infraconstitucional contrastante. Vladmir Oliveira Silveira e Samantha Ribeiro Meyer-Pflug579 ao analisarem julgado do Supremo Tribunal Federal referente à constitucionalidade da prisão civil do depositário infiel frente a tratado de direitos humanos anterior à Emenda Constitucional 45/04, concluem: O Supremo Tribunal Federal não conferiu um caráter constitucional ou supranacional, mas sim um caráter supralegal aos tratados de direitos humanos anteriores à EC n. 45/04, o que já representa um grande avanço na jurisprudência pátria que até então somente reconhecia o caráter legal dessas normas. A supralegalidade desses tratados possibilita que eles paralisem a eficácia jurídica de qualquer ato normativo infraconstitucional com eles conflitantes. Isso significa que nenhum ato normativo infraconstitucional pode contrariar o disposto no tratado de direitos humanos que lhe é superior em razão de sua supralegalidade. A França, a Holanda, a Rússia (por força de reforma jurídica de 1993) e a Grécia também adotam essa posição de supralegalidade em relação aos tratados. No âmbito de nossa investigação compete-nos destacar o fato de encerrar hipótese de intervenção federal a necessidade de prover a execução de lei federal, ordem ou decisão judicial, bem como assegurar o princípio da dignidade da pessoa humana (CF, art. 34, inc. VI e VII, “b”), em virtude da responsabilidade pela violação dos direitos humanos no plano internacional competir à União, consoante previsão contidas nas Cartas Internacionais de proteção de Direitos Humanos, a exemplo do PIDESC. Flávia Piovesan580 acentua esse caráter nos seguintes termos: De acordo com o Direito Internacional, a responsabilidade pelas violações de direitos humanos é sempre da União, que dispõe de personalidade jurídica na ordem internacional. Nesse sentido, os princípios federativo e da separação dos Poderes não podem ser invocados para afastar a 579 

SILVEIRA, Vladmir Oliveira da; e MEYER-PFLUG, Samantha Ribeiro. Tratados de direitos humanos e a evolução jurisprudencial do supremo tribunal federal. In: BAEZ, Narciso Leandro Xavier; BRANCO, Gerson Luiz; PORCIUNCULA, Marcelo. A problemática dos direitos humanos fundamentais na américa latina e na europa. Joaçaba: Unoesc, 2012, p. 190. 580   PIOVESAN, Flávia. Direitos humanos e o direito constitucional internacional. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 304.

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responsabilidade da União em relação à violação de obrigações contraídas no âmbito internacional. Em razão da forma federal do Estado brasileiro e da respectiva personalidade jurídica internacional da União, todos os tratados de direitos humanos aos quais houve adesão do Brasil, a exemplo do PIDESC, ingressam em nossa ordem jurídica de forma imediata sem a necessidade ou possibilidade de qualquer atuação no âmbito de retificação ou restrição da parte dos entes federativos, enfim há vinculação imediata dos Estados-membros, Distrito Federal e Municípios. No Brasil o direito interno é absolutamente conforme ao contido no artigo 28 do Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais em virtude da impossibilidade de limitação ou exceção na plena efetividade de suas prescrições legais por força da estrutura federativa do Estado brasileiro. O PIDESC promove e garante direitos socais, econômicos e culturais já contidos na Constituição Federal e outros que sua interpretação em conformidade à constituição permitem, bem como é um fundamental instrumento jurídico para efetividade desses direitos no âmbito interno. Nestes termos, a forma Federal do Estado brasileiro não impede, mas facilita a aplicação dos direitos socais, econômicos e culturais em conformidade às características de nossa sociedade e do aspecto continental de nosso território.

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REFERÊNCIAS ACCIOLY, Hildebrando, SILVA, G. E. do Nascimento e, e CASELLA, Paulo Borba. Manual de direito internacional público. São Paulo: Saraiva, 2010. AMARAL JÚNIOR, Introdução ao direito internacional público. São Paulo: Atlas, 2008. BAEZ, Narciso Leandro Xavier (Organizador). A problemática dos Direitos Humanos Fundamentais na América Latina e na Europa – desafios materiais e eficácias. Joaçaba: Editora Unoesc, 2012. BENACCHIO, Marcelo. O ser humano como sujeito de direito: os direitos humanos. In: Furlan, Valéria C. P. (Org.). Sujeito no Direito: História e Perspectivas para o Século XXI. Curitiba: CRV, 2012. DOLHNIKOFF, Miriam. O pacto imperial: origens do federalismo no brasil. São Paulo: Globo, 2007. FERREIRA FILHO, Manuel Gonçalves. Constituição e governabilidade. São Paulo: Saraiva, 1995. GUERRA, Sydney. Curso de direito internacional público. Rio de Janeiro: Lúmen Juris, 2009. LAFER, Celso. A reconstrução dos direitos humanos. São Paulo: Companhia das Letras, 2006. MENDES, Gilmar Ferreira; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de direito constitucional. São Paulo: Saraiva, 2013. NEME, Eliana Franco. O federalismo como sistema de proteção dos direitos fundamentais. Seqüência: estudos jurídicos e políticos, Florianópolis, v. 55, p. 95117, dez. 2007. PIOVESAN, Flávia (Coordenação Geral). Código de Direito Internacional dos Direitos Humanos Anotado, São Paulo: DPJ Editora, 2008. _______. Direitos humanos e o direito constitucional internacional. São Paulo: Saraiva, 2009. PIVA, Otávio. Comentários ao Art. 5º da Constituição Federal de 1988 e teoria dos direitos fundamentais. 3. ed. São Paulo: Editora Método, 2009. POPPER, Karl. O mito do contexto: em defesa da ciência e da racionalidade. Lisboa: Edições 70, 2009. SILVEIRA, Vladmir Oliveira da. O poder reformador na Constituição de 1988 e 397

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os limites jurídicos das reformas constitucionais. São Paulo: Rcs, 2006. _______; e MEYER-PFLUG, Samantha Ribeiro. Tratados de direitos humanos e a evolução jurisprudencial do supremo tribunal federal. In: BAEZ, Narciso Leandro Xavier; BRANCO, Gerson Luiz; PORCIUNCULA, Marcelo. A problemática dos direitos humanos fundamentais na América latina e na Europa. Joaçaba: Unoesc, 2012. _______; ROCASOLANO, Maria Mendez. Direitos humanos: conceitos, significados e funções. São Paulo: Saraiva, 2010.

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ARTIGO 29º 1.  Qualquer Estado Parte do presente Pacto poderá propor emendas e depositálas junto ao Secretário-Geral da Organização das Nações Unidas. O SecretárioGeral comunicará todas as propostas de emendas aos Estados Partes do presente Pacto, pedindo-lhes que o notifiquem se desejam que se convoque uma conferência dos Estados Partes destinada a examinar as propostas e submetê-las a votação. Se pelo menos um terço dos Estados Partes se manifestar a favor da referida convocação, o Secretário-Geral convocará a conferência sob os auspícios da Organização das Nações Unidas. Qualquer emenda adotada pela maioria dos Estados Partes presentes e votantes na conferência será submetida à aprovação da Assembléia-Geral das Nações Unidas. 2.  Tais emendas entrarão em vigor quando aprovadas pela Assembléia-Geral das Nações Unidas e aceitas em conformidade com seus respectivos procedimentos constitucionais, por uma maioria de dois terços dos Estados Partes no presente Pacto. 3.  Ao entrarem em vigor, tais emendas serão obrigatórias para os Estados Partes que as aceitaram, ao passo que os demais Estados Partes permanecem obrigados pelas disposições do presente Pacto e pelas emendas anteriores por eles aceitas. Antônio Márcio da Cunha Guimarães Doutor e Mestre em Direito Internacional pela PUC/SP, Professor AssistenteDoutor da PUC/SP, Membro da UJUCASP – União dos Juristas Católicos de São Paulo e Membro da APD – Academia Paulista de Direito. Autor de livros jurídicos. Arianna Stagni Guimarães Doutora e Mestre em Direito Constitucional pela PUC/SP, Professora das Faculdades Integradas Rio Branco – Fundação de Rotarianos de SP, Membro da UJUCASP – União dos Juristas Católicos de São Paulo. Autora de livros jurídicos. Adriano Stagni Guimarães Mestrando e Bacharel em Direito pela PUC/SP. Advogado.

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COMENTÁRIOS: O presente estudo faz parte de uma obra coletiva de vários autores analisando o Pacto Internacional sobre direitos econômicos, sociais e culturais como um todo. De nossa parte passaremos a analisar o seu artigo 29 do referido Pacto Internacional, sua amplitude e relevância no tocante ao tratado internacional. Em primeiro lugar, apresentaremos uma visão sobre os objetivos esperados no Pacto Internacional sobre direitos econômicos, sociais e culturais firmados entre os Estados e num segundo momento passaremos a verificação do teor do próprio artigo 29 do referido Pacto Internacional. O Pacto Internacional sobre direitos econômicos, sociais e culturais foi adotado na XXI Sessão da Assembléia Geral das Nações Unidas em 19 de dezembro de 1966, sendo que seu texto foi aprovado pelo Congresso Nacional Brasileiro em 12 de dezembro de 1991 por meio do Decreto Legislativo nº: 226 e após a Carta de Adesão do Brasil ao Pacto em 24 de janeiro de 1992, foi promulgado internamente entrando em vigor no Brasil em 24 de abril de 1992. OBJETIVO DO PACTO INTERNACIONAL SOBRE DIREITOS ECONÔMICOS, SOCIAIS E CULTURAIS O Homem vem conseguindo obter proteção aos seus direitos básicos, principalmente no século XX que se encerrou há pouco. Neste sentido, indo um pouco mais além, a sociedade internacional buscou ainda uma proteção maior, baseada sempre na dignidade da pessoa humana, que além de possuir direito à vida, à liberdade, moradia, trabalho, tem também, direito ao desenvolvimento econômico, social e cultural, ou seja, direitos humanos de natureza sociais, decorrentes de sua vida em sociedade com outros homens. Sob este aspecto, podemos dizer então, que se tratam de direitos de um patamar mais avançado, ou de outra geração. No dizer de Marcelo Novelino581 temos os direitos chamados de primeira dimensão (ou geração), que são aqueles ligados à liberdade (direitos civis e políticos), depois os de segunda dimensão/ geração que são os direitos sociais, econômicos e culturais, em seguida os direitos   NOVELINO, Marcelo. Direito Constitucional. São Paulo: Editora Método, 2009, 3º ed., p.362/364.

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de terceira dimensão/geração ligados ao valor fraternidade ou solidariedade, são os relacionados ao desenvolvimento ou progresso, ao meio ambiente, à autodeterminação dos povos, bem como ao direito de propriedade sobre o patrimônio comum da humanidade e ao direito de comunicação, e por fim, os direitos de quarta dimensão/geração que abrangem os direitos à democracia, informação e pluralismo. Já os direitos de segunda geração, que surgiram ao término da Primeira Guerra Mundial, “são os direitos econômicos e sociais que não excluem nem negam as liberdades públicas, mas a elas se somam. Consagra-os a Constituição Alemão de 1919 e a Constituição de Weimar.”582. Como bem lembra o presente autor, o surgimento dos direitos de segunda geração, é uma consequência da deterioração do “Quadro Social” (expressão utilizada pelo autor para indicar a situação da classe trabalhadora num momento especial do desenvolvimento capitalista), de forma que esta deterioração nada mais é do que a reivindicação dos direitos de segunda geração. Não obstante toda a importância dos direitos de primeira geração e segunda geração em todo o processo evolutivo, o presente tratado internacional trata a respeito dos direitos de terceira geração. Estes, por sua vez, são os denominados Direitos fundamentais de solidariedade (nos dizeres de Manoel Gonçalves na mesma obra supra indicada). De acordo com o autor “o reconhecimento dos direito sociais não pôs a termo à ampliação do campo dos direitos fundamentais. Na verdade, a consciência de novos desafios, não mais à vida e à liberdade, mas especialmente à qualidade de vida e à solidariedade entre os seres humanos de todas as raças ou nações.”583. Podemos dizer que existe aqui, a internacionalização dos direitos fundamentais, ultrapassando os limites dos Estados na medida que se apresenta como proposta da comunidade internacional, como este Pacto de direito ao desenvolvimento. O artigo 29 em análise trata da possibilidade de se emendar o texto e teor do tratado internacional em questão. E para tanto, estipula as regras para que tal aconteça. 582 

FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Direitos Humanos fundamentais. 3ª ed. – São Paulo: Saraiva, 1999, p. 41.   FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Ops. Cit., pag. 57

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O interessante neste artigo não é a forma como se emenda ou não o texto principal, a forma de proposição, o quorum para deliberação e conseqüente alteração de texto, mas sim, a possibilidade de alteração em si. Sim porque, muitos tratados internacionais não admitem qualquer ressalva uma vez aprovados e aceitos pelos Estados que a ele aderiram, como é o caso do Tratado de Roma – relativo ao Tribunal Penal Internacional. Outrossim, o presente tratado – Pacto Internacional sobre desenvolvimento prevê sim, a possibilidade de sua alteração, entendemos que no sentido de melhoria e maior alcance dos direitos nele protegidos, não em regressão ou supressão dos mesmos. Trata-se portanto, de um tratado internacional que tem a característica de ser flexível quanto à forma de alteração de seu texto, como já tivemos oportunidade de comentar na obra Tratados Internacionais584. De qualquer forma, existe a concreta possibilidade de se propor emendas, serem analisadas e votadas, caso haja o quorum especificado no próprio texto do artigo 29, item 2, e portanto, alteração do texto do presente tratado internacional. Outro aspecto muito relevante trazido pelo artigo 29 é que as alterações produzidas através das emendas propostas e votadas, somente valem para aqueles Estados que com elas aduziu ou se comprometeu, não alcançando os demais Estados que dela se abstiveram ou com elas não concordaram expressamente. Isto traz uma tranqüilidade no sentido de consolidação de direitos já assegurados e aceitos pelos Estados, com possibilidade de crescimento, de alargamento destes direitos, através destas emendas citadas no artigo 29, e que sejam observadas, obviamente, por aqueles Estados que a elas aderiram, mas se constituem sempre, um avanço e ainda, que nem todos os Estados dela façam parte ou sejam concordes, a proteção internacional dos direitos do homem vai avançando e ocupando novos espaços. Aquilo que hoje é aceito por poucos, amanhã poderá ser aceito por todos ou por muitos Estados. Note-se que no item 01 do artigo 29 existe a abertura para este progresso - um Estado pode propor uma emenda (no nosso entendimento, de melhoria e maior proteção dos direitos humanos que já existem no Pacto) e se pelo menos 1/3 (um terço) dos Estados partes se manifestarem a favor da convocação, a mesma 584 

GUIMARÃES, Antonio Marcio da Cunha. Tratados Internacionais. Edit. Aduaneiras, SP, 2009, p.65

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será levada para discussão/votação em conferência sob os auspícios da ONU. A emenda que for adotada pela maioria dos Estados partes presentes e votantes na conferência, será submetida à aprovação da Assembléia Geral da ONU, e entrarão em vigor quando aprovadas por esta Assembléia e aceitas pela maioria de 2/3 (dois terços) dos Estados partes do Pacto.

CONCLUSÕES O tratado internacional Pacto sobre direito ao desenvolvimento é uma importante conquista no âmbito da proteção dos direitos humanos, in casu, da sua proteção internacional, uma vez que se trata de regras emanadas da sociedade internacional, acertadas pelos Estados parte que do tratado participam. A existência de uma proteção internacional de direitos do homem fortalece e aumenta sua segurança na medida que estas regras internacionais pressionam aqueles Estados que dela ainda não façam parte, movendo-os ou obrigando-os a também participar e aderir à proteção proposta. O artigo 29 dá uma grande flexibilidade ao Pacto internacional pois possibilita a alteração de suas regras (insistimos que seja sempre no intuito de melhorar os direitos e proteção e nunca para diminuí-los ou restringi-los), através de emendas. As emendas por si, não afugentam os Estados nem impedem sua participação porquanto os Estados podem aderir ao Pacto, e somente irem aceitando as emendas com as quais concordem e lhes interessem, ou seja, pode participar em parte do tratado internacional (ao menos do seu texto inicial), e somente avançar na medida de suas possibilidades, isto porque o exercício dos direitos previstos no presente Pacto internacional implica numa atitude positiva do Estado em promover ações que resultem em desenvolvimento social, econômico e cultural, coisas que o homem não atingirá sozinho, mas com a efetiva participação e pro-atividade do Estado parte.

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REFERÊNCIAS ACCIOLY, Hildebrando; G.E. do Nascimento e Silva. Manual de Direito Internacional Público. 14. Edição, SP, Edit. Saraiva, 2002. BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de Direito Constitucional. 18. edição, SP. Edit. Saraiva, 1997. BOBBIO, Norberto. Estado Governo Sociedade – para uma teoria geral da política. 3. Edição. SP, Edit. Paz e Terra, 1990. CANOTILHO, J.J.Gomes. Direito Constitucional. 5. Edição, Coimbra, Edit. Almedina, 1991. DALLARI, Dalmo de Abreu. Elementos de Teoria Geral do Estado. 6ª. Edição. SP. Edit. Saraiva, 1979. GUIMARAES, Antonio Marcio da Cunha. Direito Internacional – Coleção OAB Doutrina, Edit. Campus Elsevier, SP, 2009. GUIMARAES, Antonio Marcio da Cunha. Tratados Internacionais. Edit. Aduaneiras, SP, 2009. GUIMARÃES, Arianna Stagni. Princípios de Interpretação Constitucional - Editora LTr. SP, 2004. KELSEN, Hans. Teoria Pura do Direito. Tradução de João Baptista Machado. Edit. Martins Fontes, SP, 2003. _____, CAMPAGNOLO, Umberto. Direito Internacional e Estado Soberano. Tradução de Marcela Varejão, Edit. Martins Fontes, SP, 2002. MAROTTA, Vicente Rangel. Direito e Relações Internacionais. 7. Edição, Edit. RT, SP, 2002. MARTINS, Ives Gandra da Silva. A Constituição Aplicada. Edit. CEJUP, 1993. MELLO, Celso D. de Albuquerque. Direito Internacional Público – Tratados e Convençoes. 5. Edição. Edit. Renovar, RJ, 1997. MONTORO, Andre Franco. Estudos de Filosofia do Direito. Editora RT, SP, 1981. POLITIS, Nicolas. Les Nouvelles Tendences Du Droit International. Paris, 1927. REZEK, Francisco. Direito Internacional Público – curso elementar. 10. Edição, Ed. Saraiva, SP, 2005. 404

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SICHES, Luis Recasens. Tratado General de Filosofia Del Derecho. Editorial Porrua, Mexico, 1970. SILVA, Jose Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 8. Edição, Edit. Malheiros, SP, 1992. SOARES, Guido Fernando Silva. Curso de Direito Internacional Público. Edit. Atlas, SP, 2002.

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ARTIGO 30º Independentemente das notificações prevista no § 5° do artigo 26, o SecretárioGeral da Organização das Nações Unidas comunicará a todos os Estados referidos no § 1° do referido artigo: a) as assinaturas, ratificações e adesões recebidas em conformidade com o artigo 26;  b)  a data de entrada em vigor do pacto, nos termos do artigo 49, e a data de entrada em vigor de quaisquer emendas, nos termos do artigo 51. Andrés Felipe T. S. Guardia Doutor em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Professor/ pesquisador Convidado da Faculdade de Direito da Universidad Complutense de Madrid. Desenvolve pesquisas junto a instituições brasileiras e estrangeiras sobre Direitos Humanos, Proteção de Dados e Direitos de Internet.

COMENTÁRIOS: O penúltimo artigo do Pacto Internacional sobre Direitos Econômicos, Sociais e Culturais (PIDESC) deve ser interpretado de maneira bastante objetiva e sucinta. Inscrito na parte V do texto normativo – que dispõe sobre assinatura, ratificação, adesão, modificação e início da vigência do Pacto –, o artigo 30 não tem por meta consagrar direitos ou impor obrigações aos Estados Partes585. Representa, pois, uma prescrição de caráter geral, que aclara e amplia o disposto no artigo 26. É evidente que a compreensão do artigo 30 adstringe-se a uma prévia análise dos artigos 26, 27 e 29. Sem embargo, seria completamente inoportuno empreender aqui o exame de conteúdo que necessariamente deve figurar nos comentários de outros artigos desta obra coletiva. 585 

Cumpre lembrar que o PIDESC divide-se formalmente em cinco partes. A primeira, compreende apenas o art. 1o., e diz respeito ao reconhecimento do direito à autodeterminação dos povos. A segunda, constituída pelos arts. 2o. a 5o., individualiza obrigações assumidas pelos Estados. A terceira, integrada pelos arts. 6o. a 15, equivale ao rol de direitos taxativamente enunciados. A quarta, formada pelos arts. 16 a 25, descerra medidas necessárias à efetivação dos direitos inscritos no Pacto. Por fim, a quinta parte compreende os arts. 26 a 30, que dispõem sobre a ratificação, o aperfeiçoamento e a entrada em vigor do Pacto. 407

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Mais que reexaminar os conceitos de assinatura, ratificação, adesão; discorrer exaustivamente sobre a natureza jurídica das notificações revistas no parágrafo 5o. do artigo 26; repisar os marcos iniciais de vigência do Pacto ou descrever as formalidades que permeiam a propositura de emendas, há que se ater aos efeitos gerados pelo artigo 30 sobre o primeiro cânon da parte V e destacar alguns importantes aspectos referentes à efetiva implementação do PIDESC. O caput do artigo 30 não se limita a reafirmar o dever de informar os Estados que já assinaram ou aderiram ao Pacto sobre o depósito de novos instrumentos de ratificação ou de adesão, mas de pronto evidencia a intenção do legislador internacional de ampliar a previsão do último parágrafo do artigo 26. Assim é que, ao Secretário-Geral da Organização das Nações Unidas incumbe expressamente comunicar a um rol mais amplo de Estados, a data de entrada em vigor do Pacto e de quaisquer emendas, além de assinaturas, ratificações e adesões recebidas na conformidade do artigo 26. Em suma, correlato ao dever imposto ao Secretário-Geral, surge o direito à informação dos Estados membros da ONU (ou de qualquer de suas agências especializadas), de todo Estado Parte do Estatuto da Corte Internacional de Justiça (CIJ), bem como de qualquer Estado que já tenha sido convidado pela AssembleiaGeral das Nações Unidas a tomar parte no PIDESC. Em tempos correntes, quando praticamente todos os Estados soberanos internacionalmente reconhecidos integram os quadros das Nações Unidas como membros efetivos ou observadores e consideram-se Estados Partes na Carta das Nações Unidas e no Estatuto da Corte Internacional de Justiça, afigura-se redundante o texto da norma. No entanto, o excesso de zelo do legislador internacional, que se refere taxativamente aos Estados que tomam parte no Estatuto da CIJ, na ONU ou em qualquer de suas agências, bem traduz o propósito de estender as comunicações sobre o PIDESC a todo o globo terrestre. Embora aparentemente imprecisa, a menção individualizada a Estados membros da ONU e Estado Parte do Estatuto da CIJ era absolutamente necessária no ano de 1966, quando adotado o Pacto pela Assembleia Geral das Nações Unidas. Naquela época, embora tomassem parte no Estatuto, Liechtenstein, San Marino e Suíça curiosamente não eram considerados membros da ONU. Panorama paulatinamente modificado nas décadas seguintes, quando estes Estados passaram 408

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a integrar as Nações Unidas586. Tais considerações servem à demonstração do caráter incidental do artigo 30, que não objetiva individualizar quaisquer direitos econômicos, sociais ou culturais, mas dar publicidade a fatos que diretamente produzem efeito sobre a vigência e o conteúdo da norma. “Tão importante quanto estes587 instrumentos internacionais de direitos humanos, a promoção e proteção dos direitos enumerados requer mecanismos que permitam monitorar a performance dos governos e avaliar seu cumprimento.”588 Mais que simples preceptivo destinado a estimular o reconhecimento e conferir efetividade ao Pacto, imperioso reconhecer que representa o anseio das Nações Unidas de estimular a implementação da norma e instituir procedimentos de supervisão que permitam acompanhar cada etapa deste processo. Dentre os mecanismos de monitoramento destinados a promover a efetiva implementação do PIDESC nos Estados Partes, destacam-se os relatórios apresentados pelos Estados589 e as análises elaboradas pelas Nações Unidas a partir de informações colhidas por organizações não-governamentais e agências especializadas como a Organização Internacional do Trabalho (OIT), a Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO) e a Organização Mundial de Saúde (OMS). Desta forma, ainda que as informações prestadas pelos Estados sejam imprecisas, parciais ou tendenciosas, faz-se possível aferir, de maneira geral, o nível de proteção conferido aos direitos econômicos, sociais e culturais em cada parte do mundo. Atualmente, duas questões bastante complexas representam considerável entrave à implementação do Pacto: a necessidade de convencer certos Estados a ratificálo e a dificuldade de tornar operativos os direitos e garantias consignados no texto. 586   Liechtenstein (admitido em 18 de setembro de 1990); San Marino (admitido em 2 de março de 1992) e Suíça (admitida em 10 de setembro de 2002). 587 

No parágrafo anterior, a autora refere-se ao PIDESC e a outras importantes normativas internacionais sobre Direitos Humanos.

588   CHAPMAN, Audrey R. Monitoring Women’s Right to Health Under the International Covenant on Economic, Social and Cultural Rights. The American University Law Review, Washington, D.C., v. 44, pp. 1157-1175, 1994-1995, p. 1158. (Trad. nossa).

  Vid. arts. 16 e 17, PIDESC.

589

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Dentre os cento e sessenta Estados considerados partes do PIDESC, destacam-se aqueles que ainda não o ratificaram: Belize; Comores; Cuba; São Tomé e Príncipe; Palau; África do Sul e Estados Unidos. Causa estranheza que um dos países mais desenvolvidos do planeta permaneça ainda à margem do PIDESC; a manifesta resistência dos Estados Unidos em ratificar o Pacto não encontra fundamentação lógica. No entanto, o esforço empreendido para legitimá-la produziu extensos efeitos sobre o estudo dos Direitos Humanos e acabou por instaurar uma injustificada polêmica. O PIDESC foi assinado pelos Estados Unidos em 1977, durante o governo do presidente Jimmy Carter. Naquela época, pouco mais de trinta Estados haviam ratificado o Pacto e acreditava-se que a plena adesão dos Estados Unidos não tardaria. Todavia, a partir de 1981590 o governo estadunidense deixou expressamente de reconhecer os direitos econômicos, sociais e culturais como direitos e passou a considerá-los simples metas destinadas a balizar a economia e a política social. A controvérsia tem origem na diferença entre direitos positivos e negativos, que se faz evidente quando cotejados direitos civis e políticos com direitos econômicos, sociais e culturais. Se os primeiros ordenam aos Estados que se abstenham de violá-los, os outros demandam atuação direta do ente estatal, que se obriga não apenas a deixar de perpetrar determinadas condutas mas a intervir para assegurá-los. Por conseguinte, a garantia dos direitos econômicos, sociais e culturais, demanda consideráveis esforços conjuntos e exige que sejam despendidas consideráveis somas de dinheiro. Esta a razão pela qual os direitos civis e políticos frequentemente são descritos como direitos gratuitos ou cost-free rights. A partir do instante em que um Estado assume estes signos como direitos, compromete-se a lutar por sua concreção e não pode mais legá-los à incerteza de metas, cuja persecução depende de conveniências e oportunidades. Observe-se, por exemplo, o direito a um nível de vida adequado, expressamente consignado no art. 11. Sob esta perspectiva, o combate à pobreza não representa um projeto a ser oportunamente realizado, mas dever que impõe ao Estado um árduo trabalho. A pobreza representa um dos mais graves problemas enfrentados pelos 590 

Cfr. ALSTON, Philip; QUINN, Gerard. The Nature and Scope of States Parties’ Obligations under the International Covenant on Economic, Social and Cultural Rights. Human Rights Quarterly, Baltimore (Maryland), v. 9, pp. 156-229, 1987, p. 158.

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Estados que ainda não ratificaram o PIDESC e faz-se mais evidente nos países subdesenvolvidos, em que as condições sanitárias são deploráveis e muitas populações não dispõem nem mesmo de água potável. Ao confrontar a mais absoluta miséria destes países com os problemas enfrentados nos Estados Unidos, onde o governo consegue manter políticas regulares de distribuição ou subvenção de alimentos, poder-se-ia supor que o PIDESC cobra sentido apenas em relação aos locais onde a pobreza é mais flagrante. Contudo, não há como ocultar a imensa desigualdade social assente nos Estados Unidos, que a muitos impõe condições de vida completamente avessas ao que se convencionou designar desenvolvimento591. Neste contexto, o PIDESC converte-se em importante ferramental, capaz de assegurar a igualdade592 e, em ultima ratio, garantir o respeito à dignidade humana. Não se deve descurar, o legislador nacional norte-americano há algumas décadas tem se preocupado em fomentar iniciativas que permitam atenuar as desigualdades sociais e combater a pobreza. Sem olvidar, por exemplo, a célebre legislação apresentada pelo presidente Lyndon Johnson dois anos antes da aprovação do PIDESC, popularmente conhecida como Guerra contra a Pobreza. O aperfeiçoamento das normas de direito interno destinadas a combater a pobreza deve ser louvado, mas a consecução de resultados satisfatórios vai muito além destas medidas e demanda a ratificação do Pacto e a coordenação de esforços internacionais. Do contrário, a recepção pelo legislador ordinário dos direitos e garantias consagrados no PIDESC poderia tardar décadas. Como precisamente adverte Piccard593, as medidas de combate à pobreza adotadas nos Estados Unidos estão completamente fora de sintonia com 591   Interessante mencionar a noção de desenvolvimento apresentada pelo prof. Amartya Sen em um de seus mais relevantes trabalhos: “O desenvolvimento consiste na eliminação de privações de liberdade que limitam as escolhas e as oportunidades das pessoas de exercer ponderadamente sua condição de gente.” “O desenvolvimento requer que se removam as principais fontes de privação de liberdade: pobreza e tirania, carência de oportunidades econômicas e destituição social sistemática, negligência dos serviços públicos e intolerância ou interferência excessiva de Estados repressivos.” SEN, Amartya Kumar. Desenvolvimento como liberdade. 4a. reimp. Trad. Laura Teixeira Motta. São

Paulo: Companhia das Letras, 1999, p. 10 e 18.   Neste tópico, o emprego do vocábulo igualdade refere-se especificamente ao dever de assegurar o mesmo respeito e as mesmas oportunidades a cada indivíduo.

592

  Cfr. PICCARD, Ann M. The United States’ Failure to Ratify the International Covenant on Economic, Social and Cultural Rights: Must the Poor Be Always With Us? The Scholar: St. Mary’s Law Review on Race and Social Justice. San Antonio (Texas), v. 13, pp. 231-272, 2010-2011, p. 234.

593

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as iniciativas desenvolvidas em outros países: é possível erradicar a pobreza nos Estados Unidos e deixar de aceitá-la como um inevitável fato da vida. Seria a ratificação do Pacto suficiente para garantir o respeito aos direitos econômicos, sociais e culturais em cada Estado? Certamente, não. A ratificação representa um passo decisivo para a salvaguarda destes direitos, mas pouco significa sem a efetiva operacionalização da norma. Não basta reconhecer como legítimas as disposições do Pacto, é preciso transplantá-las ao ordenamento nacional. Por esta razão, destacou-se nos parágrafos anteriores a árdua tarefa de tornar operativos os direitos e garantias consignados no texto. A dificuldade em dar cumprimento aos tratados e implementar as disposições pactuadas é fato recorrente nos sistemas internacionais de proteção dos Direitos Humanos e não se constringe apenas ao PIDESC. Ciente das inúmeras barreiras que se antepõem à recepção dos direitos econômicos, sociais e culturais pelos legisladores nacionais, optou a ONU por outorgar aos Estados o beneplácito da implementação progressiva, que difere completamente da implementação imediata aplicada ao Pacto de Direitos Civis e Políticos, por força do art. 2o. A noção de implementação progressiva, que figura na segunda parte do PIDESC, deve ser interpretada com cautela, em estreita consonância com os fundamentos da norma. Implementação progressiva não se confunde com implementação indefinida, pois o legislador é bastante claro ao afirmar que o compromisso assumido obriga os Estados a empregar o máximo de seus recursos disponíveis para assegurar os direitos consagrados no Pacto. Não convém aprofundar aqui a noção de implementação progressiva, terminologia que mais propriamente deve ser discutida nos comentários ao art. 2o do Pacto. Todavia, nas páginas finais desta obra, inevitável instigar o leitor a questionar se a implementação do PIDESC em concreto tem sido mesmo progressiva ou se, na maior parte dos casos, reputa-se completamente indefinida. Neste mister, forçoso recorrer aos Princípios de Limburg594, elaborados por vinte e nove renomados estudiosos do Direito Internacional, que se reuniram para tratar destas questões em Maastricht, no ano de 1986.   UNITED NATIONS. Economic and Social Council. E/CN.4/1987/17, 8 January 1987.

594

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Estruturados há quase trinta anos, os princípios de Limburg desdobramse em mais de uma centena de enunciados que não devem ser tomados como princípios em sentido estrito, mas produto de análise cautelosa e acurada do PIDESC. Por esta razão, continuam a orientar de maneira segura a interpretação dos direitos consagrados no PIDESC e são considerados referência obrigatória em qualquer estudo mais aprofundado que este breve comentário.

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REFERÊNCIAS ALSTON, Philip; QUINN, Gerard. The Nature and Scope of States Parties’ Obligations under the International Covenant on Economic, Social and Cultural Rights. Human Rights Quarterly, Baltimore (Maryland), v. 9, pp. 156-229, 1987. CHAPMAN, Audrey R. Monitoring Women’s Right to Health Under the International Covenant on Economic, Social and Cultural Rights. The American University Law Review, Washington, D.C., v. 44, pp. 1157-1175, 1994-1995. ________. A “Violations Approach” for Monitoring the International Covenant on Economic, Social and Cultural Rights. Human Rights Quarterly, Baltimore (Maryland), v. 18, n. 1, pp. 23-66, 1996. CHOUKROUNE, Leila. Justiciability of Economic, Social, and Cultural Rights: the un Committee on economic, social and cultural right’s review of China’s first periodic report on the implementation of the international covenant on economic, social and cultural rights. Columbia Journal of Asian Law, New York, v. 19, pp. 30-49, 2005-2006. DANKWA, E.V.O.; FLINTERMAN, Cees. Commentary by the Rapporteurs on the Nature and Scope of States Parties’ Obligations. Human Rights Quarterly, Baltimore (Maryland), v. 9, pp. 136-146, 1987. PICCARD, Ann M. The United States’ Failure to Ratify the International Covenant on Economic, Social and Cultural Rights: Must the Poor Be Always With Us? The Scholar: St. Mary’s Law Review on Race and Social Justice. San Antonio (Texas), v. 13, pp. 231-272, 2010-2011. RAMCHARAN, B. G. The History, Role and Organization of the “Cabinet” of the United Nations Secretary-General. Nordic Journal of International Law, Boston, v. 59, pp. 103-116, 1990. SEN, Amartya Kumar. Desenvolvimento como liberdade. 4a. reimp. Trad. Laura Teixeira Motta. São Paulo: Companhia das Letras, 1999. SYMPOSIUM: The implementation of the international covenant on economic, social and cultural rights. The Limburg Principles on the Implementation of the International Covenant on Economic, Social and Cultural Rights. Human Rights Quarterly, Baltimore (Maryland), v. 9, pp. 122-135, 1987.

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ARTIGO 31º 1. O presente Pacto, cujos textos em chinês, espanhol, francês, inglês e russo são igualmente autênticos, será depositado nos arquivos da Organização das Nações Unidas.  2.  O Secretário-Geral da Organização das Nações Unidas encaminhará cópias autênticas do presente Pacto a todos os Estados mencionados no artigo 48.  Em fé quê, os abaixo-assinados, devidamente autorizados por seus respectivos Governos, assinaram o presente Pacto, aberto à assinatura em Nova York, aos 19 dias do mês de dezembro do ano mil novecentos e sessenta e seis. Viviane Coêlho de Séllos-Knoerr Doutora e Mestre em Direito (PUC/SP). Coordenadora e Professora do Programa de Mestrado do Centro Universitário Curitiba – UNICURITIBA. Advogada.

Frederico Eduardo Zenedin Glitz Doutor e Mestre em Direito (UFPR). Professor Convidado do Programa de Mestrado do Centro Universitário Curitiba - UNICURITIBA. Advogado.

COMENTÁRIOS: Os Pactos Internacionais de Direitos Humanos nascem em um contexto de afirmação da necessidade de os Estados promoverem medidas de defesa dos Direitos humanos. Trata-se, contudo, como se sabe, de dever imposto não apenas ao Estado, mas, igualmente, ao particular. Esta característica, reconhecida apenas mais recentemente na história da formação dos Direitos humanos, é especialmente refletida no texto do Pacto Internacional sobre os Direitos Econômicos, Sociais e Culturais (PIDESC) do Homem.Outro dado marcante é que o próprio texto do Pacto prevê a possibilidade de sua limitação pela legislação interna do país signatário, na medida em que isso não seja incompatível com a natureza desse direito e sempre com o intuito de promover bem-estar geral.

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O PIDESC foi concluído e assinado em Nova Iorque, em dezembro de 1966, mas entrou em vigor tão somente em janeiro de 1976 três meses após a data do depósito do instrumento de ratificação do trigésimo quinto Estado signatário (nos termos do art. 27, 2). O Brasil, por sua vez, aderiu ao Pacto apenas na década de 1990, tendo-o ratificado em janeiro de 1992, e o promulgado por meio do Decreto n° 591/1992. O Pacto foi ratificado, até o momento, por 160 países, dos quais as mais significativas ausências são: Cuba, África do Sul e Estados Unidos da América (já signatários)595. A “recente” ratificação brasileira, a complexidade normativa da tradução de instrumentos de Direitos humanos para o ordenamento jurídico interno e a dificuldade de concretização dos direitos econômicos, sociais e culturais em um país de terceiro mundo motivam o adensamento do debate. Propõe-se, portanto, por meio da análise da perspectiva econômica, a ponderação de como se trabalhar com tais direitos, reconhecidos como Humanos e, portanto, universais e fundamentais, a partir de seu reconhecimento normativo pelo ordenamento jurídico nacional e sua tradução pelo judiciário brasileiro. Para tanto, o presente artigo será dividido em três itens: um primeiro em que se percebe a preocupação econômica a partir dos olhos do Direito internacional a motivar sua tradução em Direito Humano; uma segunda, em que esta relação é explicitada e uma terceira em que se tenta entender como o judiciário brasileiro a percebe. Advirta-se, desde já, que esta pesquisa jurisprudencial foi limitada ao Superior Tribunal de Justiça que, por razões normativas, tem o papel de unificar o entendimento sobre matéria infraconstitucional (já que o Tratado internacional uma vez recepcionado pelo Direito brasileiro, antes da Emenda Constitucional n° 45, teria esta natureza). A FORMAÇÃO DE UM DIREITO INTERNACIONAL ECONÔMICO Interessante desdobramento das discussões doutrinárias acerca do objeto e extensão do Direito internacional foi a constatação de que existiriam momentos em que se ocuparia de problemas “mistos” (ora, públicos, ora privados). Esta 595   Dados disponibilizados pelas Nações Unidas (http://treaties.un.org). Consulta em 11 de outubro de 2012.

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“ambiguidade” refletiria a preocupação com os efeitos econômicos internacionais e seus reflexos jurídicos596. A História econômica demonstra que inúmeras são as mudanças desde os meados da década de 1940, o que historicamente coincide com a criação da Organização das Nações Unidas e da Corte Internacional de Justiça. A ameaça nuclear garante a gélida paz597 entre as superpotências militares, econômicas e ideológicas, ao mesmo tempo, em que antigas colônias ingressam nos jogos comerciais internacionais. Esta “nova ordem econômica internacional”598 acabaria por refletir, em termos políticos, também, o choque entre os países desenvolvidos e subdesenvolvidos, especialmente na definição das novas regras do comércio internacional. Este embate, levado à Assembleia Geral das Nações Unidas, redundou na Carta dos Direitos e Deveres Econômicos dos Estados (1974) pelos quais os diversos países assumiam o expresso compromisso de preservar a soberania alheia, coexistência pacífica, respeito aos Direitos Humanos e liberdades fundamentais, dentre outros (Capítulo 1º)599. Se uma nova ordem econômica se coloca, fortalecida pela crise e desmoronamento soviético, também novos desafios se apresentam. É a partir da afirmação da liberalização do comércio internacional e da chamada “globalização econômica” que a antiga explicação jurídica da “soberania” encontra seu ocaso. Desta forma, por exemplo, já era possível, desde meados do século passado, reconhecer-se que o conceito de soberania passava a estar condicionado ao Direito internacional, restringindo-se a discricionariedade estatal, especialmente

 TRACHTMAN, Joel P. The International Economic Law Revolution. In: Journal of International Economic Law, n. 17, 1996, p. 33-55, passim. 596

597   MELLO, Celso Duvivier de Albuquerque. Perspectivas do Direito Internacional Econômico. In: CASELLA, Paulo Borba; MERCADANTE, Araminta de Azevedo. (Coords.). Guerra comercial ou integração mundial pelo comércio? A OMC e o Brasil. São Paulo: LTr, 1998, p. 71.

  VINUESA, Raúl Emilio. El nuevo orden económico internacional. In: Revista de Direito Mercantil, Industrial, Econômico e Financeiro, n. 55. São Paulo: RT, jul./set. 1984, p. 114-121.

598

  NAÇÕES UNIDAS. Assembléia Geral. Resolução n. 3281 de 12 de dezembro de 1974 que institui a Carta dos Direitos e Deveres Econômicos do Estado. Disponível em: . Acesso em: 19 de outubro de 2011. 599

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com vistas à proteção dos Direitos Humanos600. É também, portanto, em razão disso que o Direito Internacional passa a se ocupar de questões envolvendo os domínios econômicos e sociais601. Em termos teóricos, estes movimentos internacionais repercutem no desenvolvimento dos chamados “Direito do Desenvolvimento”602 e “Direito Internacional econômico”603. Enquanto a primeira linha teórica ainda situava a discussão em torno do papel exclusivo dos Estados, a segunda partia da premissa de que as relações comerciais internacionais não diziam respeito, apenas, aos agentes privados, mas ao Estado como um todo. Em outros termos, a lógica liberal clássica de que haveria um papel a ser desenvolvido pelo Estado e outro pelos agentes particulares604, separados com forma de preservação da liberdade, acaba se mostrando insuficiente a explicar a nova lógica do Mercado. Além disso, atualmente se reconhece a existência de diversos possíveis atores com capacidade de participar de relações internacionais significativas e com algum tipo de possibilidade de produção normativa, desde os tradicionais Estados e organismos Internacionais, até as Organizações não governamentais e empresas

  TRINDADE, Antônio Augusto Cançado. Os rumos do Direito internacional contemporâneo: de um jus inter gentes a um novo jus gentium no século XXI. In: O Direito Internacional em um Mundo em transformação. Rio de Janeiro: Renovar, 2002, p. 1047-1051. 600

601 

TRINDADE, Antônio Augusto Cançado. Os rumos..., p. 1054.

602  “O direito internacional do desenvolvimento, com seus vários componentes (direito à autodeterminação econômica, soberania permanente sobre os recursos naturais, princípios do tratamento não recíproco e preferencial para os países em desenvolvimento e da igualdade participatória dos países em desenvolvimento nas relações econômicas internacionais e nos benefícios da ciência e tecnologia), emergiu como um sistema normativo internacional objetivando regular as relações entre Estados juridicamente iguais mas economicamente desiguais”. TRINDADE, Antônio Augusto Cançado. Os rumos..., p. 1065.   Que segundo Mello deve ser entendido como a regulamentação de “diferentes aspectos das relações internacionais, como investimento estrangeiro, integração econômica, organizações internacionais econômicas, moeda, regime jurídico do estrangeiro, etc”. (MELLO, Celso Duvivier de Albuquerque. Perspectivas do Direito..., p. 79). Já segundo Carreau e Juillard seria o conjunto de regras que regem a organização das relações internacionais macro-econômicas, das quais se excluiriam os contratos de interesse estritamente particular. Cf. CARREAU, Dominique; JUILLARD, Patrick. Droit international économique. 3. ed. Paris: Dalloz, 2007, p. 02-03.

603

NUSDEO, Fábio. Fundamentos para uma codificação do Direito econômico. São Paulo: RT, 1995, p. 12.

604 

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transnacionais605. Além disso, não só se percebe nítido aumento desse tipo de “envolvimento”, como sua natureza tem variado: [...] aumento no papel e responsabilidades dos atores privados na vida econômica, diminuição do papel do Estado (tendência para privatização), e um fortalecimento do envolvimento de organizações governamentais internacionais e forças internacionais do Mercado nas políticas econômicas e financeiras estatais606. MELLO, contudo, mostrava-se cético quanto aos interesses e possibilidades deste ramo do Direito, ao qual atribuía o fortalecimento das desigualdades entre os Estados, embora reconhecesse seu condicionamento aos Direitos humanos607. POR QUE SE RELACIONAR DIREITOS HUMANOS E DIREITO INTERNACIONAL ECONÔMICO? Se do ponto de vista nacional é possível limitar constitucionalmente o conteúdo de uma norma, por outro lado, este controle nem sempre é simples quando essas mesmas normas (sejam contratuais ou consuetudinárias) fogem do estrito controle do Estado. Como salientado anteriormente, uma das consequências atribuídas a chamada globalização econômica é o virtual deslocamento da exclusividade de atuação estatal para a pluralidade de instituições608 e, portanto, de fontes normativas. 605   “O termo empresa transnacional assim cobre um conjunto de situações. Inicialmente, estende-se além das fronteiras nacionais. Segundo, pela sua estrutura e organização foge de controles internacionais, tornando-se juridicamente desnacionalizada. Terceiro, tendo unidades de produção em vários países, tem o montante de seu ativo e de seus resultados descentralizados e no estrangeiro. Sendo administrada por indivíduos de origens nacionais, suas decisões escapam da ótica nacional, cujas operações não se encontram ao alcance das políticas nacionais de país algum”. (OLIVEIRA, Odete Maira de.Relações Internacionais: estudos de introdução. Curitiba: Juruá, 2001, p. 261.). 606   COOMANS, Fons.Application of the International Covenant on Economic, Social and Cultural rights in the framework of International Organisations. Max Planck Yearbook of United Nations Law, vol. 11, 2007, p. 360. 607 

MELLO, CelsoDuvivier de Albuquerque. Perspectivas do Direito..., p. 93.

  JAYME, Erik. O Direito Internacional Privado do novo milênio: a proteção da pessoa humana face à globalização. In: MARQUES, Cláudia Lima; ARAÚJO, Nádia de. (Orgs.). O novo direito interna608

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Em termos de tutela da pessoa humana, podemos concluir, com razoável certeza, que deixa o Estado de ser o único protagonista, deslocando parte de sua antiga atribuição para organizações privadas, nacionais e internacionais, frente ao onipresente “Mercado”. Além disso, é igualmente razoável concluir que o próprio Mercado não teria condições de regular, exclusivamente, a matéria609. Desta forma, ainda que o Estado ceda parte de seu poder, nem todo ele é apropriado de forma excludente. Resta, assim, o dilema de como resolver as aparentes contradições que, eventualmente, surgissem da ausência de um sistema dotado da coerência estatal. É neste sentido que se afirma que a relação dos Direitos humanos com os direitos nacionais é de supremacia, cabendo, em alguma medida, a sua coordenação pela Constituição (uma vez que positivados como fundamentais) e demais fontes normativas610. Interessante, ainda, destacar que de acordo com a tradicional doutrina611 e jurisprudência brasileira612, anteriores a Emenda Constitucional n° 45, o tratado internacional uma vez recebido no seio de nosso ordenamento passaria a ter natureza de norma infraconstitucional. Além disso, o Estado também não é o único agente econômico e jurídico 613 global . Em razão de esse poder crescente atribuído ao particular de exercer cional: estudos em homenagem a Erik Jayme. Rio de Janeiro: Renovar, 2005, p. 04-05. 609 

“O mercado, malgrado suas evidentes qualidades, não é um mecanismo apto a resolver e a equacionar todas as situações que se apresentam a um sistema econômico. Por um lado, ele contém falhas operacionais; por outro, não consegue assegurar a realização de certas metas ambicionadas pela sociedade através de seus canais de expressão política”. NUSDEO, Fábio. Op. cit., p. 16-17.

610 

Este posicionamento não negaria, portanto, uma construção normativa piramidal. Reconhece-se, contudo, a problemática desta visão quando se trata de enfrentar o Direito internacional e as clássicas doutrinas monista e dualista. Embora não se negue, por pressuposto, o pluralismo normativo convém que haja, como se está tentando demonstrar, algum tipo de controle sobre as fontes internacionais. Este controle embora não seja exclusividade do Estado-nacional parece ter nele, e nos demais organismos jurisdicionais por ele tolerados, o principal sustentáculo de proteção. Neste sentido compartilha-se parcialmente o posicionamento de BOGDANDY, que não nega a estrutura hierárquica, mas também não nega o pluralismo normativo e a independência normativa do Direito internacional. BOGDANDY, Armin von. Pluralism, direct effect, and the ultimate say: On the relationship between international and domestic constitutional law. In: ICON, v. 6, n. 3/4,2008, p. 412-413.

  Cite-se, por exemplo: FRAGA, Mirtô. O Conflito entre Tratado Internacional e norma de Direito Interno. Rio de Janeiro: Forense, 1997. 611

  Cite-se o famoso Recurso Extraordinário n° 80.004 de 1977.

612

  MCCORQUODALE, Robert. An Inclusive International Legal System. In: Leiden Journal of International Law, v. 17, 2004, p. 477–504. 613

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liberdade de definição normativa pode-se aceitar sua responsabilidade para o respeito e implantação de padrões mais condizentes com as necessidades de proteção do homem. Just as States, at one and the same time, are capableof breaching human rights standards and are charged with the responsibility of upholding those standards, so corporations and other global commercial actors are equally capable and can be expected to shoulder the same or similar responsibility.614 A responsabilização da atividade empresarial por violação dos Direitos humanos não é de todo desconhecida. TRIPONEL destaca as diferentes abordagens promovidas pela legislação americana e francesa. Estas iniciativas vão desde o estabelecimento de obrigações legais, até a adoção do standards voluntários e a responsabilização do Estado por violação cometida por particulares615. Certo, no entanto, é que a mera tutela repressiva, ainda que civil, não é suficiente já que não inibe a consecução da violação. É de se pensar também em medidas preventiva. Confiar, no entanto, no “livre jogo do Mercado” não parece suficiente. As mesmas forças que impedem o consenso político em âmbito internacional são aquelas que definem as regras do jogo. Estas, por sua vez, nem sempre levam em consideração outros valores que não a mera sustentação das próprias trocas, seu discurso, portanto, não é apolítico616. 614   KINLEY, David. Human rights, globalization and the rule of law: friends, foes or family. In: UCLA JournalofInternationallawandforeignaffairs, v. 7.2002, p. 262.Tradução livre: “Assim como os Estados são capazes de violar, ao mesmo tempo, em que assumem o dever de sustentar os padrões de Direitos Humanos, as corporações e outros atores comerciais internacionais são capazes de assumir, e se espera que o façam, responsabilidade similar”. 615   TRIPONEL, Anna. Business &Human rights law: diverging trends in the United States and France. In: American Uniform and International Law Review, v. 23, 2008, p. 874-898.

  ZUMBANSEN menciona a origem não política e a possibilidade de repolitização da lexmercatoria (ZUMBANSEN, Peer. Piercing the legal veil: commercial arbitration and transnational law. In: European Law Journal, v. 8, n. 3, 2002, p. 430). Em outro texto, referindo-se à adoçãopelaanáliseeconômica do Direito da defesa das normassociais, o autordeixamaisclara a preocupação: “What really lies behind the plea for social norms over law is not a genuine interest in norm-formation but a disregard for processes of negotiation and contestation”. ZUMBANSEN, Peer. Law After the Welfare State: Formalism, Functionalism and the Ironic Turn of Reflexive Law. In: Comparative Research in Law and Political Economy, v. 4, n. 3, 2008, p. 37. Tradução livre: “O que realmente está atrás do argumento das normas sociais não é o interesse genuíno na formação da norma, mas a desconsideração

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É, portanto, em razão disso que já se defende a possibilidade de responsabilização da “Corporação Transnacional” pela proteção dos Direitos humanos617: atribuindo-lhe o dever respeitar e implantar de padrões protetivos aos Direitos humanos, seja no mercado interno ou internacional (por exemplo proibição de comportamentos que violem o direito a vida, liberdade e integridade física, proteção aos direitos trabalhistas – por exemplo vedação de trabalho forçado, trabalho infantil e direito a negociação coletiva-, proteção do meio ambiente e dos direitos das comunidades nativas)618. Tal responsabilidade deveria ser pensada sobre a participação dessas Corporações nos três âmbitos da economia mundial: empreendimentos empresariais, comércio e investimento e ajuda financeira internacional619. Por outro lado, nem sempre mecanismos tipicamente privados são adequados a este propósito. ZUMBANSEN comenta que apoio jurídico ao discurso da autorregulação social apenas reduz e torna formal o papel do Direito e das instituições jurídicas, já que como sua principal função e assegurar a previsibilidade, efetividade, confiabilidade para os participantes dos jogos de Mercado, qualquer interferência a título de política pública poderia ser negada com base em violação da autonomia privada620. Além disso, adverte TEUBNER: Driving motive behind such an extension of constitutional rights in the private sphere is the more general normative argument to constitutionalize private law. This is to argue not only for the infusion of the law of contract, tort and property with the values of the political constitution, which is important enough, but rather for transforming private law itself into a new constitutional law. If it is true that today’s dos processos de negociação e contestação”. 617 

WEISSBRODT, David; KRUGER, Muria.Norms on the Responsibilities of Transnational Corporations and Other Business Enterprises with Regard to Human Rights. In: The American Journal of International Law, v. 97, n. 4, 2003, p. 901-922.

618 

KINLEY, David; TADAKI, Junko. From talk to walk: the emergence of Human rights responsibilities for Corporations at International law. In: Virginia Journal of International Law, v. 44, n. 4, 2003-2004, p.931-1023.

619   KINLEY, David; NOLAN, Justine. Trading and aiding human rights: corporations in the global economy. In: Nordisk Tidsskrift for Menneskerettigheter, v. 25, n. 4. 2007, p.353-377. 620  ZUMBANSEN, Peer. The law of society: governance through contract. In: Indiana Journal of Global Legal Studies, v. 14, n. 2, 2007, p. 232.

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private governance regimes are producing vast amounts of law that govern, regulate and adjudicate wide areas of social activities then the question of a ‘constitution’ for these private regimes is as pressing as the constitutional question was for the monarchical political regimes in recent European history. Traditional private law could be fundamentally transformed to play this role of a private constitution protecting the many autonomies of civil society.621 Alternativa sustentada é a abertura desta normatividade oriunda do Mercado (que chamaremos de lex mercatoria) para o “debate e controle público”622 e o reconhecimento e proteção dos Direitos humanos por meio da atuação de organizações internacionais como as agências especializadas da ONU e a OMC623. Advirta-se, contudo, que este posicionamento levanta críticas624, especialmente pela suposta colonização econômica da temática625, a proposta não deixa de ser interessante: a proteção dos Direitos humanos não só na agenda política, mas igualmente econômica626. Embora, em princípio, as obrigações previstas pelo tratado da OMC, por exemplo, não sejam incompatíveis com a proteção dos Direitos humanos, a verdade é que o sistema de solução de controvérsias não seria   TEUBNER, Gunther. Contracting worlds: the many autonomies of private law. In: Social and Legal Studies, v. 9, n. 3, 2000, p. 414. Tradução livre: O motivo determinante por detrás de tamanha extensão dos Direitos fundamentais na esfera privada é o argumento normativo mais geral de constitucionalização do direito privado. Isto é argumento a infusão dos valores constitucionais no Direito contratual, responsabilidade civil e propriedade, o que é suficientemente relevante, mas de preferência transformar o Direito privado em um novo Direito constitucional. Se for verdade que regimes de governança estão produzindo grandes quantidades de normas que regulam, governam e julgam várias áreas da atividade social, então o tema de uma constituição para esses regimes é tão premente quanto o foi para os regimes monárquicos na recente história europeia. O Direito privado tradicional poderia fundamentalmente transformado para exercer este papel de constituição privada para proteger estas diferentes autonomias da sociedade civil.

621

  TEUBNER, Gunther. A Bukowina..., p. 27.

622

  PETERSMANN, Ernst-Ulrich. Time for a United Nations ‘Global Compact’ for integrating human rights into the law of worldwide organizations: lessons from european integration. In: European Journal of International Law, v. 13, n. 3, 2002, p. 621-650.

623

  HOWSE, Robert. Human rights in the WTO: whose rights, what humanity? Comments on Petersmann. In: European Journal of International Law, v. 13, n. 3, 2002, p. 651-659.

624

625   ALSTON, Philip. Resisting the merger and acquisition of human rights by trade law: a reply to Petersmann. In: European Journal of International Law, v. 13. n. 4, 2002, p. 815-844.

 PETERSMANN, Ernst-Ulrich.Taking human dignity, poverty and empowerment of individuals more seriously: rejoinder to Alston. In: European Journal of International Law, v. 13, n. 4, 2002, p. 845-851. 626

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adequado para interpretá-los e impô-los627. Segundo FORST os Direitos humanos são um fenômeno complexo com faceta moral, jurídica, política e histórica628. Eles são, historicamente, justificados com base em argumentos morais, políticos e jurídicos. De qualquer forma, normalmente se atribui a eles a capacidade de proteção de condições mínimas de desenvolvimento do indivíduo, inclusive o desenvolvimento econômico, como lembra BAPTISTA629. O PACTO E O SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA: NOTAS CONCLUSIVAS BENYEKHLEF parece identificar esta tendência e descreve como os direitos da pessoa poderiam influenciar o judiciário nacional, seja pela aceitação de sua recepção (por meio da aceitação de que as Convenções de Direitos Humanos não são como as demais e independem de alguns de seus (destas) requisitos); seja pela compreensão de que eles podem servir como elemento de persuasão de decisões domésticas (transjudicialism)630. Aqui, então, se apresenta o problema chave que nos fez indagar como o Judiciário brasileiro recepciona a construção histórica dos Direitos humanos, especialmente aqueles consagrados no PIDESC. Com base em pesquisa realizada no site do Superior Tribunal de Justiça pode se perceber que esta recepção está longe da ideal. Antes, contudo, de tecermos maiores comentários, mister explicar que a pesquisa se limitou ao Superior Tribunal de Justiça em razão de seu papel uniformizados da jurisprudência nacional em matéria infraconstitucional. Além disso, a pesquisa não teve qualquer limitador temporal ou de relatoria e Turma. A única exceção se deu em relação ao verbete adota, este foi o mais amplo possível: “Pacto”, “internacional”, “direitos”, “econômicos”. 627   MARCEAU, Gabrielle. WTO Dispute Settlement and human rights. In: European Journal of International Law, v. 13, n. 4, 2002, p. 753-814. 628   FORST, Rainer. The justification of human rights and the basic right to justification: a reflexive approach. In: Ethics, v. 120. jul. 2010, p. 711-712.

  BAPTISTA, Luiz Olavo. Mundialização, comércio internacional e Direitos humanos. In: PINHEIRO, Paulo Sérgio; GUIMARÃES, Samuel Pinheiro. (Orgs.). Direitos humanos no Século XXI. Brasília: IPRI, 1998, p. 260.

629

  BENYEKHLEF, Karim. Op. cit., p. 198-203.

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Surpreendentemente, no entanto, foi localizado um único julgado que preenchesse estes critérios. Trata-se do recurso especial n° 1.264.116/RS que trata da matéria do Direito à educação e o direito à transferência voluntária. Da leitura do acórdão depreende-se que a menção ao PIDESC embasa a noção da educação como direito universal e inafastável, dirigida ao “pleno desenvolvimento da personalidade humana”, não podendo, portanto, sofrer limitações. Embora fora dos critérios aqui esboçados, o Relatório da Comissão Internacional de Juristas sobre os “Tribunais e o reconhecimento dos direitos econômicos, sociais e culturais”631 menciona, ainda, decisão do Supremo Tribunal Federal (RE436.996) em que também serve de base para a discussão o direito a educação. Digna de menção, ainda, é a pesquisa realizada por CUNHA632 e outros, mas limitada ao judiciário estadual carioca, que permitiu concluir haver descompasso entre o discurso judicial e o efetivo conhecimento sobre os sistemas de proteção dos Direitos humanos da ONU e OEA. Estranhamento, no entanto, vários daqueles mesmos direitos humanos que constam do Pacto também estão consagrados como fundamentas pela Carta brasileira. Ou bem se trata de desconhecimento de importante fonte internacional ou estreita consideração do que venha ser o sistema jurídico nacional.

  ICJ. Courts and the Legal Enforcement of Economic, Social and Cultural Rights: Comparative experiences of justiciability. Geneva: ICJ, 2008, p.109.

631

  CUNHA, José Ricardo e outros. Direitos humanos globais e Poder Judiciário: uma análise empírica sobre o conhecimento e aplicação das normas dos sistemasONU e OEA no Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro. In Novos Estudos Jurídicos, vol. 13, n. 2, p. 133-176-jul/dez 2008.

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