COMENTÁRIOS ÀS CONTRIBUIÇÕES E LIMITAÇÕES DA CRÍTICA MATERIALISTA DE FEUERBACH A HEGEL

June 6, 2017 | Autor: John Aquino | Categoria: história da Filosofia, Idealismo Alemão, Materialismo, Dialética
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IV ENCONTRO INTERNACIONAL LUDWIG FEUERBACH TEMA: ANTROPOLOGIA E ÉTICA COMENTÁRIOS ÀS CONTRIBUIÇÕES E LIMITAÇÕES DA CRÍTICA MATERIALISTA DE FEUERBACH AO IDEALISMO DE HEGEL John Karley de Sousa Aquino1 RESUMO É digna de nota a crítica de Feuerbach a Hegel que atinge o núcleo do idealismo especulativo: a relação entre sujeito e objeto, isto é, idealidade e realidade. A grande novidade de Feuerbach e sua contribuição fundamental ao novo materialismo do século XIX é sua crítica à atitude idealista de fazer da ideia o sujeito do predicado realidade. Nossa pesquisa se propõe esclarecer tanto as contribuições teóricas de Feuerbach para a superação do idealismo quanto os limites da crítica materialista e antropológica de Feuerbach ao idealismo especulativo de Hegel. Nossa metodologia consistirá na exposição do resultado de nossas pesquisas baseadas em leituras de Ludwig Feuerbach em seus escritos Teses provisórias para a reforma da filosofia, capítulo I e capítulo II de A essência do Cristianismo e de G. W. F. Hegel em Enciclopédia das ciências filosóficas: Ciência da Lógica, Além do auxílio de comentadores. Concluiremos que apesar de um ponto de partida satisfatório, o materialismo de Feuerbach é insuficiente para fazer desmoronar a arquitetônica do sistema especulativo de Hegel, mas que permite lançar as bases para a crítica marxista posterior. Palavras – chave: Feuerbach; Hegel; Materialismo; Idealismo. ABSTRACT The criticism of Feuerbach to Hegel reaches the relationship between subject and object, between ideal and real, the criticism of speculative idealism. The Feuerbach's fundamental contribution to the XIX's materialism consists in its criticism to the idealistic approach, that the idea was the predicate of the reality. Our research proposes to highlights both the theoretical contributions of Feuerbach in overcoming idealism and the limits of materialistic and anthropological criticism of Feuerbach to the speculative idealism of Hegel. The methodology consists in the exposition of the result of our research, based on the Ludwig Feuerbach's Provisional Theses for the reformation of Philosophy, chapter I and chapter II of the Essence of Christianity and Hegel's Encyclopedia of the Philosophical Sciences: Science of Logic, and some commentators. We conclude that despite a satisfactory starting point, the materialism of Feurbach is unable to collapse the systematic architecture of the Hegel's speculaion, but allows the foundations to the next marxist criticism. Keywords: Feuerbach; Hegel; Materialism; Idealism

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Mestrando em Filosofia da Universidade Federal do Ceará/UFC. Bolsista/Capes, membro do GP Atualidade do pensamento político de Marcuse/UECE e do GP Dialética e Teoria Critica/UECE. Desenvolve sua pesquisa de pós-graduação na filosofia política de Hegel. [email protected].

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IV ENCONTRO INTERNACIONAL LUDWIG FEUERBACH TEMA: ANTROPOLOGIA E ÉTICA Introdução “Tudo está, sem dúvida, implicado na filosofia hegeliana, mas sempre e ao mesmo tempo como a sua negação e o seu contrário.” Feuerbach, Teses provisórias para a reforma da filosofia

Para Feuerbach, a essência da alienação religiosa e idealista consiste na inversão da prioridade na relação sujeito-objeto, que põe o determinado como se fosse o determinante. Portanto, a crítica materialista à teologia é o método adequado para a crítica ao idealismo especulativo de Hegel, O método da crítica reformuladora da filosofia especulativa em geral não se distingue do já aplicado na filosofia da religião. Temos apenas de fazer sempre do predicado o sujeito e fazer do sujeito o objeto e princípio – portanto, inverter apenas a filosofia especulativa de maneira a termos a verdade desvelada, a verdade pura e nua (grifo nosso) (FEUERBACH: 2002, pág. 20).

A crítica materialista, uma contribuição fundamental de Feuerbach ao programa crítico do idealismo, centra-se na relação sujeito-objeto. A verdade do idealismo consistiria, segundo a avaliação de Feuerbach, na sua inversão, e essa inversão atinge o fundamento do idealismo, a relação invertida entre sujeito e predicado. O objetivo geral do presente artigo é esclarecer tanto as contribuições teóricas de Feuerbach para a superação do idealismo quanto os limites da crítica materialista e antropológica de Feuerbach ao idealismo especulativo de Hegel. O presente artigo tem como justificativa a reconhecida importância de Feuerbach para o desenvolvimento do materialismo histórico de Marx, sendo Feuerbach a base na qual Karl Marx se apoiou para prestar contas com o idealismo de Hegel. Nossa referência bibliográfica consiste nas obras de Ludwig Feuerbach em seus escritos Teses provisórias para a reforma da filosofia, capítulo I e capítulo II de A essência do Cristianismo e de G. W. F. Hegel em Enciclopédia das ciências filosóficas: Ciência da Lógica e o prefácio da Fenomenologia do Espírito, Além do auxílio de comentadores.

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IV ENCONTRO INTERNACIONAL LUDWIG FEUERBACH TEMA: ANTROPOLOGIA E ÉTICA Conclui-se que apesar de um ponto de partida satisfatório, o materialismo de Feuerbach é insuficiente para poder fazer desmoronar a arquitetônica do sistema especulativo de Hegel, mas que permite lançar as bases para a crítica marxista posterior. 1.

Contribuições da crítica materialista de Feuerbach ao idealismo de Hegel Feuerbach se apropria do arcabouço teórico do idealismo de Hegel e se

propõe superá-lo, a partir de uma crítica interna ao sistema hegeliano. Para tanto Feuerbach usa do método que o mesmo desenvolveu na sua crítica à teologia, inverter as relações falsamente invertidas. A metodologia de Feuerbach parte da realidade para se alcançar o conceito, e não o contrário; por exemplo, o método de Feuerbach para compreender o conceito de religião é “uma análise empírica ou histórico-filosófica, uma solução para o enigma da religião cristã” (FEUERBACH: 2012, pág. 20). Para Feuerbach seu conceito de religião não deriva do pensamento, isto é, o conceito de religião não é o fundamento da realidade religiosa, mas pelo contrário, o conceito de religião em Feuerbach deriva da análise do fenômeno religioso, ou seja, seu método, contrariamente ao que ele acusa em Hegel, deriva a idealidade da realidade (sensível) e não o contrário, como faz a especulação filosófica idealista, cito: Em geral condeno incondicionalmente qualquer especulação absoluta, imaterial, autossuficiente – a especulação que tira a sua matéria de si mesma. Sou astronomicamente diferente dos filósofos que arrancam os olhos da cabeça para poderem pensar melhor; eu, para pensar, necessito dos sentidos, mas acima de todos dos olhos, fundamento minhas ideias sobre materiais que podemos buscar sempre através da atividade dos sentidos, não produzo coisas a partir do pensamento, mas inversamente os pensamentos a partir das coisas, mas coisa é somente o que existe 2 fora da cabeça (FEUERBACH: 2012, pág. 20).

Em síntese: em oposição à ontologia idealista de Hegel, Feuerbach propõe uma gnosiologia materialista. A filosofia teórica de Feuerbach é incompatível com a ontologia, pois enquanto a ontologia pensa o conceito (pensamento) para conhecer a coisa em-si, 2

O que existe fora da nossa cabeça é objeto. Objeto: do latim obiectum, que significa o que é posto adiante, jogado a frente e colocado no caminho. O que está fora e diante do sujeito. A filosofia de Feuerbach é uma filosofia cuja prioridade cabe ao objeto (sensível principalmente) e não ao sujeito.

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IV ENCONTRO INTERNACIONAL LUDWIG FEUERBACH TEMA: ANTROPOLOGIA E ÉTICA pois seu fundamento é a unidade do ser e pensar, a filosofia teórica de Feuerbach é uma teoria do conhecimento que recusa a identidade entre ser e pensar, “que não identifica o pensamento da coisa com a própria coisa (...)” (grifo nosso) (FEUERBACH: 2012, pág. 21). Para Hegel a filosofia é justamente a compreensão da efetividade no pensamento, pensando o pensamento da realidade conhecemos a realidade, “inicialmente, a filosofia pode determinar-se em geral, como consideração pensante dos objetos” (HEGEL: 2012, §2). Segundo o entendimento de Feuerbach, Hegel ao considerar a ideia da coisa como idêntica à realidade da coisa (princípio da identidade ser e pensar), se permite abstrair da realidade e pensar unicamente a ideia da realidade, é fundamentalmente isso o que Feuerbach censura em Hegel. Para Feuerbach é equivocado o princípio da especulação hegeliana que se fundamenta na infinitude do pensamento puro, que faz “do pensamento mesmo, sem mistura, o objeto” (HEGEL: 2012, §3), sendo desse modo o pensamento considerado princípio do ser; para Feuerbach o contrário que é verdadeiro, o pensamento é que deriva do ser, e do ser sensível, “em resumo, nenhum princípio abstrato ou somente pensado ou imaginado desta filosofia que produz o pensamento retirando-o do seu oposto, da matéria, da essência” (FEUERBACH: 2012, pág. 22). Essa tese é importantíssima no materialismo de Feuerbach: a matéria é a essência oculta que a filosofia idealista procura, e não a aparência a ser superada, mas pelo contrário, o materialismo reconhece que é a ideia que é a aparência e não a realidade3. Nesse caso, a filosofia de Feuerbach é como o mesmo afirma “de forma nenhuma um produto que se poderia classificar na categoria da especulação, mas é antes o extremo oposto: é a dissolução da especulação” (FEUERBACH: 2012, pág. 22). Desse modo podemos compreender que o fundamento de toda crítica materialista de Feuerbach a Hegel situa-se na dimensão da relação sujeito-objeto, essa relação é a relação da qual derivam todas as conclusões teóricas de Hegel quanto de Feuerbach, e é essa relação que desenvolve (ou não) a alienação, quando o objeto realizado pelo sujeito torna-se estranho ao mesmo.

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“(...) esta época prefere a imagem a coisa, a cópia ao original, a fantasia à realidade, a aparência a essência (...)” (FEUERBACH: 2012, pág. 25).

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IV ENCONTRO INTERNACIONAL LUDWIG FEUERBACH TEMA: ANTROPOLOGIA E ÉTICA Para Feuerbach as religiões criacionistas (judaísmo e cristianismo) derivam da relação alienada do sujeito para com o objeto, é o que Feuerbach desenvolve na introdução e no capítulo XII da Essência do Cristianismo. Tanto para a filosofia especulativa de Hegel quanto para a crítica antropológica de Feuerbach “toda atividade – ideal ou real, espiritual ou material, teórica ou prática – acarreta certa correlação sujeito-objeto, em virtude da qual o objeto não pode manter uma posição absolutamente em-si, à margem de sua relação com o sujeito” (VÁSQUEZ: 1977, pág. 95). O sentido da relação sujeito-objeto é o núcleo da crítica de Feuerbach a Hegel e não o ativismo ateísta de Feuerbach, o ateísmo torna-se uma conclusão, não o princípio. Na perspectiva de Feuerbach, Hegel pôs o Eu, o sujeito, como sinônimo de Deus. Não seria o Eu do idealismo transcendental, mas o Eu Absoluto, e toda realidade seria nada mais nada menos que a autoprodução desse sujeito absoluto, i.e., Deus. Mesmo Hegel tendo exposto o Absoluto como unidade do sujeito e objeto, afirmou que o Absoluto é sujeito e não a substância (o objeto) de Spinoza, “segundo o meu modo de ver, que somente a exposição do próprio sistema deve justificar, tudo depende de apreender e exprimir o verdadeiro não como substância, mas exatamente na mesma medida, como sujeito” (HEGEL: 1974, pág. 18), portanto, na relação sujeito-objeto a prioridade reside decididamente no sujeito, mesmo que seja um pretenso sujeito Absoluto. Feuerbach acusa constantemente o idealismo de Hegel de ser abstrato. Mas o que significa abstrato em Feuerbach? Ora, a palavra abstrato vem do latim, abstractu, uma declinação do latim abstrahere4 e significa “separar”, “arrancar”. Para Feuerbach, abstrair é um processo cognitivo e isso não consiste em um problema, o problema é que o idealismo confunde a abstração que resulta de um ato cognitivo com o princípio da própria realidade, isto é, a ideia que é abstraída da realidade concreta é confundida com o fundamento e princípio da realidade, por exemplo, Hegel, que confunde a ideia abstrata com um ser autônomo que autorrealiza o real. Para Feuerbach, a abstração hegeliana “consiste em pôr a essência da natureza fora da natureza, a essência do homem fora do homem, a essência do pensamento fora do ato de pensar. Ao fundar todo o seu sistema

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“Abstrair – do latim abstrahere, em que trahere significa arrastar, tirar” (NASCENTES: 1955, pág.3). Em Alemão abstrakt.

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IV ENCONTRO INTERNACIONAL LUDWIG FEUERBACH TEMA: ANTROPOLOGIA E ÉTICA nesses atos de abstração a filosofia hegeliana alienou o homem de si mesmo” (FEUERBACH: 2002, pág. 22). O materialista reconduz o abstrato à sua real condição, a de resultado e não de princípio, pois o princípio é o concreto, que em Feuerbach significa realidade sensível imediata, “a filosofia hegeliana falta à unidade imediata, a certeza imediata, a verdade imediata” (FEUERBACH: 2002, pág. 22). Para Feuerbach a certeza sensível (Sinnliche Gewisshei) é o critério da verdade, pois parte do concreto e se mantém no concreto, i.e., o imediatamente dado, o que aparece e está aí. Enquanto a filosofia idealista é fundamentalmente uma filosofia do sujeito (seja ele finito ou absoluto), partindo do idealizador ao “realizado”, a filosofia materialista é fundamentalmente uma filosofia do objeto. O materialismo parte da realidade sensível e somente depois alcança a idealidade pensada, desse modo realidade é o que é sensível e ideal é o que é inteligível. Para Feuerbach , o sensível precede ao inteligível, o objeto precede o sujeito, “para a certeza sensível, o „isto aqui‟, o objeto (der Gegenstand) é o imediato (das Unmittelbare), o verdadeiro (das Wahre), o essencial, que é, independentemente de ser sabido ou não, ou seja, permanecendo o mesmo se não for conhecido” (CHAGAS: 2007, pág. 163, 164). Em síntese: “a origem e o movimento subjetivos da filosofia são também o seu movimento e origens objetivos. Antes de pensares a qualidade, sentes a qualidade. A afecção precede o pensamento” (FEUERBACH: 2002, pág. 25). Parece que para Feuerbach o empirismo (guardadas as diferenças) é o método adequado do filosofar, pois todo raciocínio deriva da empiria, ou seja, somente há pensamento devido à sensação, desse modo “a especulação ou filosofia verdadeira nada mais é do que a empiria verdadeira e universal” (FEUERBACH: 2002, pág. 25). Mediante seu método, Feuerbach inverte a relação idealidade e realidade na especulação hegeliana que, segundo Feuerbach, confundiu o resultado (a ideia) com o princípio (real), transformando a ideia no demiurgo da realidade. Além do mais, Feuerbach, contrariamente ao idealismo de Hegel, compreendeu que a natureza (sensível e material) é o substrato de onde se desenvolve a totalidade, por exemplo, a cultura (o Geist, inteligível e espiritual) seria uma dimensão que se basearia na natureza, havendo uma prioridade ontológica da natureza diante do espírito, ou seja, a natureza existe sem o espírito, mas o espírito não existe sem FORTALEZA - CE 19 A 23 DE MAIO DE 2015

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IV ENCONTRO INTERNACIONAL LUDWIG FEUERBACH TEMA: ANTROPOLOGIA E ÉTICA natureza. Feuerbach, mediante essas inversões materialistas das conclusões de Hegel, pôs o finito (real, determinado) como fundamento da totalidade e destituiu o infinito (ideal, indeterminado) dessa posição “ontológica” privilegiada que o Absoluto foi posto pela tradição racionalista e idealista. Não seria Deus a medida de todas as coisas, mas o homem finito, sensível e material a medida de todas as coisas. Um radical rompimento com a tradição metafísica. Essas são contribuições significativas de Feuerbach ao programa de crítica ao Idealismo Alemão. 2. Limitações da crítica materialista de Feuerbach a Hegel Desenvolveremos agora as limitações teóricas da crítica materialista de Feuerbach ao idealismo de Hegel. Partiremos da tese de que o materialismo de Feuerbach é ingênuo. Desenvolveremos pormenorizadamente a tese de que, apesar de um ponto de partida satisfatório , o materialismo de Feuerbach é insuficiente para poder fazer desmoronar a arquitetônica do sistema especulativo de Hegel. Segundo Feuerbach, ao confundir a ideia com a gênese do real, Hegel filosofou de maneira idealista, ao confundir que quando falava da ideia falaria do verdadeiro e fundamento da totalidade, enquanto na verdade falava da abstração da realidade, e em seu equívoco pôs a “nu” a essência da especulação: a necessidade irremediável que a idealidade infinita possui da realidade finita, pois “deduzir o finito do infinito é determinar e negar o infinito e o indeterminado; é admitir que sem determinação, sito é, sem finitude, o infinito nada é, é, pois confessar que o finito se põe como a realidade do infinito” (FEUERBACH: 2002, pág. 24). Mas Feuerbach , sem perceber, cai diante da ardilosidade dialética de Hegel, pois Feuerbach crítica em Hegel seu ponto de partida, a ideia, que para Feuerbach já seria uma mediação e censura Hegel por não partir da realidade, do imediato. Para Feuerbach a especulação é um equívoco, pois principia do abstrato (ideia) e resulta no concreto (real), mas mesmo se fosse válido a tese de Hegel de que o abstrato se autoconcretiza, Feuerbach critica em Hegel o fato de retornar a abstração ao negar a negação da infinitude (o finito) e infinitizá-la novamente, “mas como a quimera negativa do absoluto permanece como fundamento, a finitude posta é sempre de novo suprimida. O finito é a negação do infinito e, por seu turno, o infinito é a negação do finito” (FEUERBACH: 2002, pág. 24). Feuerbach não compreendeu FORTALEZA - CE 19 A 23 DE MAIO DE 2015

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IV ENCONTRO INTERNACIONAL LUDWIG FEUERBACH TEMA: ANTROPOLOGIA E ÉTICA que em Hegel: (1) o imediato não é concreto, mas abstrato, pois simplesmente indeterminado5, (2) a realidade sensível é imediata, pois indeterminada e (3) a negação da negação, o singular, é o concreto e verdadeiramente a ideia em unidade com a realidade, pois síntese de múltiplas determinações, isso que é o concreto6, o pensado (mediação), não o sensivelmente dado e não pensado. A verdade não é imediata, mas processo, “com efeito, a coisa não se consuma no seu fim, mas na sua atuação (i.e., realização ou desenvolvimento), e o todo efetivo, a não é o resultado a não ser conjuntamente com seu devir” (grifo nosso) (HEGEL: 1976, pág. 12), segundo Hegel “automediação”, portanto uma atividade do sujeito e não passividade do sujeito em relação ao objeto, como pensa Feuerbach. Para Feuerbach a inversão do idealismo é a verdade. E Feuerbach leva essa tese à sua teoria do conhecimento para o qual a verdade das coisas não se dá mediante a intelecção, mas da sensação. É da sensação que se deve iniciar a filosofia, não do saber absoluto, mas da certeza sensível, “por conseguinte, a filosofia não deve começar por si, mas pela sua antítese, pela não filosofia. Esta essência distinta do pensamento, afilosófica, absolutamente anti-escolástica em nós, é o princípio do sensualismo” (FEUERBACH: 2002, pág. 28). Para Feuerbach, contrariando as exigências absolutamente racionalistas e idealistas de Hegel, a verdade em-si-e-para-si não é possível de ser pensada unicamente, mas intuída. A via de acesso à verdade é a intuição (por isso indemonstrável) e não o pensamento (que exige demonstração). A intuição que fala Feuerbach é a intuição sensível, o captar imediato do ser da realidade, pois Na intuição, sou determinado pelo objeto; no pensamento sou eu que determino o objeto; no pensamento, eu sou seu, na intuição, não-eu. Só a parir da negação do pensamento, a partir do ser determinado pelo objeto, a partir da paixão, a partir da fonte de todo o prazer e necessidade se produz o pensamento verdadeiro e objetivo, a filosofia verdadeira e objetiva (grifo nosso) (FEUERBACH: 2002, pág. 28).

Para Feuerbach o conhecimento é passivo, passional e não ativo , como é em Hegel. O princípio do conhecimento declara o materialismo de Feuerbach é a 5

O indeterminado é o que não possui determinação alguma, simplesmente “é”. Imediatamente sabemos mediante a certeza sensível que “as coisas são”, mas não sabemos o que as coisas são, permanecemos na pura indeterminação, desse modo são sinônimos o imediato e o indeterminado. Não há nada mais abstrato do que declarar das coisas simplesmente que elas “são”. 6 Concreto: do Latim concretus, particípio passado de concrescere, “crescer em conjunto, aumentar por processo de agregação”, formada por com-, “junto”, mais crescere, “aumentar, crescer”. Em alemão konkret. O concreto é o que se desenvolve em unidade, o concreto é resultado de um processo, uma mediação, não uma realidade imediata. Hegel compreende isso, Feuerbach não.

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IV ENCONTRO INTERNACIONAL LUDWIG FEUERBACH TEMA: ANTROPOLOGIA E ÉTICA experiência (empiria) sensível, “o saber desta é, segundo Hegel, uma apreensão imediata, um saber imediato de um objeto, de um existente, imediato ou de um objeto que está aí física ou imediatamente presente na sua singularidade empírica, palpável” (CHAGAS: 2007, pág. 161), o princípio não seria o pensamento ativo, como afirmou Hegel. Conhecer é ser afetado pelo objeto. Para Feuerbach o pensamento distingue a essência da existência e nos garante uma verdade produzida pela atividade do sujeito, a ideia, e não a verdade imediata, unidade da essência e da existência, segundo Feuerbach. Somente “a intuição da essência imediatamente idêntica a existência, o pensamento proporciona a essência mediatizada pela distinção, a separação da existência” (FEUERBACH: 2002, pág. 28). Feuerbach, ao cortar a cabeça do idealismo, reduzindo o conhecimento a corporeidade, reduziu o conhecimento à passividade, eliminando a dimensão ativa e produtiva do conhecimento humano. Porém, em nenhum ponto os limites do materialismo de Feuerbach são tão evidentes do que nas suas posições éticas e práticas. Para Feuerbach , é somente na realidade prática, que para o mesmo é a moralidade, que há a passagem do ideal, que Feuerbach contra Hegel e com Kant entende como dever-ser (sollen), que a ideia pode vir a ser real, “a passagem do ideal ao real tem lugar apenas na filosofia prática” (FEUERBACH: 2002, pág. 25). Segundo Feuerbach, enquanto do ponto de vista teórico, seu posicionamento filosófico é materialista, pois reduz o critério da verdade à realidade sensível e não à ideia inteligível, do ponto de vista prático é idealista, ou seja, a realidade deve conformar-se a ideia e não o contrário, “sou idealista somente no campo da filosofia prática (...)” (grifo nosso) (FEUERBACH: 2012, pág. 21). Feuerbach reconhece que seu próprio materialismo é limitado e faz concessões ao idealismo subjetivo (e não ao idealismo absoluto de Hegel, pois para Hegel a ideia é efetividade, já para Feuerbach a ideia é algo a se realizar no futuro, logo é sinônimo do que deve ser, à la Kant) e reconhece que sua filosofia é em si cindida entre uma ética que é idealista e uma teoria do conhecimento materialista, posicionamento que remonta os empiristas como Locke e o criticismo de Kant, cito: Resumindo, a ideia é para mim somente a confiança no futuro histórico, na vitória da verdade e da virtude, tem para mim significado apenas político e moral; mas no campo da filosofia propriamente teórica vale para mim, numa oposição direta a filosofia de Hegel em que se dá exatamente o

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IV ENCONTRO INTERNACIONAL LUDWIG FEUERBACH TEMA: ANTROPOLOGIA E ÉTICA contrário, somente o realismo, o materialismo no sentido já indicado (grifo nosso) (FEUERBACH: 2012, pág. 21).

O materialismo de Feuerbach é limitado por várias razões. Primeiramente: o seu realismo opera uma contrarrevolução na revolução copernicana de Kant. Ora, se Kant fez os objetos girarem ao redor do sujeito, Feuerbach repôs a centralidade epistêmica do objeto diante do sujeito. Para Feuerbach, o homem é um sujeito rodeado por objetos sensíveis e religiosos, sendo passivo diante dos mesmos (exceto do religioso), diferentemente do sujeito ativo, criativo e produtivo do idealismo alemão. Feuerbach, ao criticar com razão o subjetivismo que perpassa todo o idealismo alemão, inverteu a prioridade na relação sujeito-objeto de Hegel, o objeto passou a ser o determinante, porém, a relação em Hegel é sujeito-objeto-sujeito, isto é, triádica: sujeito se autoproduz em objeto e se reconhece em suas produções. Feuerbach acertou ao inverter a prioridade, mas não deu o necessário passo adiante, após o objeto afetar o sujeito, Feuerbach não foi capaz de compreender a dimensão produtiva do sujeito, que transforma esse objeto que lhe afeta, por exemplo, convertendo (mediante o trabalho, como compreenderam tanto Hegel quanto Marx) a natureza em civilização e cultura. O erro de Feuerbach se deve a falta de compreensão dialética, aliás, Feuerbach não foi um pensador dialético, talvez por isso pensou apenas de forma dualista a relação sujeito-objeto, fazendo do sujeito um ser contemplativo diante dos objetos. Inclusive sua crítica ao criacionismo judaico-cristão é justamente por essas religiões pensarem um Deus produtor, criador de objetos, por exemplo, o mundo. Se Feuerbach tivesse seguido até as últimas consequências suas conclusões, poderia ter concluído que: sendo Deus a imagem e semelhança do homem, se Deus é um sujeito que produz objetos, consequentemente o homem é um sujeito que produz objetos, pois conhecendo o Deus, conheces o homem, diz Feuerbach. Acontece que Feuerbach não concluiu o que sua metodologia permitiria concluir. Seu materialismo foi contemplativo. Além disso, Feuerbach somente é capaz de pensar a práxis do sujeito enquanto prática moral, retrocedendo ao idealismo subjetivo inferior ao idealismo absoluto de Hegel. Na dimensão prática da sua filosofia, Feuerbach fez concessões ao idealismo, e ao idealismo pré-hegeliano. Essa é uma conclusão necessária do seu materialismo ingênuo e contemplativo. FORTALEZA - CE 19 A 23 DE MAIO DE 2015

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IV ENCONTRO INTERNACIONAL LUDWIG FEUERBACH TEMA: ANTROPOLOGIA E ÉTICA Conclusão A crítica materialista de Feuerbach ao idealismo especulativo de Hegel resultou na superação da teologia pela antropologia. Mas a crítica materialista não se limita em substituir Deus pela essência genérica humana, mas é digna de nota a crítica de Feuerbach a Hegel que atinge o núcleo do idealismo especulativo: a relação entre sujeito e objeto, isto é, idealidade e realidade. A grande novidade de Feuerbach e sua contribuição fundamental ao novo materialismo do século XIX é sua crítica à atitude idealista de fazer da ideia o sujeito do predicado realidade, e é desse preconceito filosófico (do qual Hegel é a maior expressão e, para Feuerbach, a última) que derivam as especulações metafísicas e a alienação religiosa. O significado da relação sujeito-predicado é o núcleo da crítica de Feuerbach a Hegel e não o ativismo ateísta de Feurbach, o ateísmo é conclusão e não o princípio. Nossa pesquisa se propôs esclarecer tanto as contribuições teóricas de Feuerbach para a superação do idealismo quanto os limites da crítica materialista e antropológica de Feuerbach ao idealismo especulativo de Hegel. Na primeira parte da nossa pesquisa realizamos a exposição das contribuições críticas de Feuerbach a Hegel e na segunda parte as limitações dessas críticas. Concluímos que apesar de um ponto de partida satisfatório, o materialismo de Feuerbach foi insuficiente para fazer desmoronar a arquitetônica do sistema especulativo de Hegel, mas que permitiu lançar as bases para a crítica marxista posterior. O materialismo ingênuo de Feuerbach não foi capaz de alcançar o mesmo patamar que o materialismo histórico de Marx, pois, ao contrário de Feuerbach, a crítica de Marx a Hegel foi capaz de desestruturar a dialética idealista de Hegel, não apenas de lançar as bases para uma crítica posterior a Hegel, que foi o que Feuerbach realizou, i.e., desenvolveu o chão do qual se poderia apoiar uma crítica decisiva ao idealismo especulativo de Hegel e à tradição metafísica de até então. Podemos concluir que apesar das contribuições de Feuerbach (como ressaltar a importância do conceito de alienação), seu materialismo é insuficiente e não conseguiu alcançar seu objetivo, a saber, refutar ou superar o idealismo de Hegel, desse modo “a crítica a que submeteu Hegel deixou um balanço negativo (...) (VÁSQUEZ: 1977, pág. 115), pois o materialismo ingênuo de Feuerbach desconsidera

dois

conceitos

fundamentais

do

idealismo

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de

Hegel,

que

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IV ENCONTRO INTERNACIONAL LUDWIG FEUERBACH TEMA: ANTROPOLOGIA E ÉTICA posteriormente Marx irá se apropriar para desenvolver seu materialismo, os conceitos de trabalho e história, daí a necessidade de Marx de retornar a Hegel após a sua leitura interessada de Feuerbach. Referência Bibliográfica ABBAGNAMO, Nicola. Dicionário de Filosofia (Edição revisada e ampliada). Tradução de Alfredo Bosi e revisão da tradução de Ivone Castilho Benedetti, 5° Edição. São Paulo: Martins Fontes, 2007. FEUERBACH, Ludwig. A Essência do Cristianismo. Tradução e notas de José da Silva Brandão, 3° Edição. Petrópolis, Rio de Janeiro: Editora Vozes, 2012. ___________________. Teses provisórias para a reforma da Filosofia. In:. Princípios da Filosofia do Futuro. Tradução portuguesa de Artur Morão. Lisboa: Edições 70, 2002. CHAGAS, Eduardo Ferreira. Os Limites da Certeza Sensível e da Percepção na “Fenomenologia do Espírito” de Hegel. In:. Comemoração aos 200 anos da “Fenomenologia do Espírito” de Hegel. Eduardo Ferreira Chagas, Konrad Utz e James Wilson J. de Oliveira (Orgs.) . Fortaleza: Edições UFC, 2007. HEGEL, G. W. F. Fenomenologia do Espírito. (Prefácio, introdução, caps. I e II). Seleção, tradução e notas de Henrique Cláudio de Lima Vaz. In:. Hegel, Coleção Os Pensadores. São Paulo: Editora Abril Cultural, 1974. . Enciclopédia das ciências filosóficas: A Ciência da Lógica; Volume I. Tradução de Paulo Menezes com a colaboração do Pe. José de Machado. 3° Edição. São Paulo: Edições Loyola, 2012. NASCENTES, Antenor. Dicionário Etimológico da Língua portuguesa. Rio de Janeiro: 1955. VÁSQUES, Adolfo Sánchez. Filosofia da Práxis. Tradução de Luís Fernando Cardoso, 2° Edição. Rio de Janeiro: Editora Paz e Terra, 1977.

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