COMO CÉREBRO SE REINVENTA

June 19, 2017 | Autor: Claudia Nunes | Categoria: Neuroscience
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CMN E o cérebro se reinventa...

Há muito tempo desisti do 'quadro de giz'. Minha conclusão: Língua
Portuguesa e Literatura podiam ser reinventadas. Apresentá-las
paulatinamente aos aprendentes tinha que acontecer em outra dimensão, de
outro jeito e, principalmente, com outros objetivos e recursos. Duas
palavras borbulham em minha mente tal e qual um mantra: ritmo e repetição.
Ao serem apresentadas pela neurocientista Profa. Marta Relvas, nova
certeza: depois de compreendido o contexto de onde vêm meus aprendentes,
ritmo e repetição são palavras de ordem do meu 'fazer pedagógico'.
Mas como (me) reinventar? Como ativar essa engrenagem de sentidos em
práticas mais prazerosas sem perder significância formal em meio a cada
etapa do ensino e da aprendizagem? Só tenho uma opção: fazer diferente. E
fazer diferente era me articular com outras formas de ensinar, outros
recursos, outros olhares sobre meu aprendente; fazer diferente era provocar
mutações em mim, em minha formação e, por consequência, em minha sala de
aula.
Primeiro movimento: entender a dinâmica intrínseca da minha sala de
aula. Ai eu reconheci que o tempo de aprendizagem deve ser usado (e
organizado) de outra maneira: eu precisava causar surpresas, sustos,
estranhamentos. Então segundo movimento: por motivação, ritmo e repetição,
a aula precisava se articular dentro de práticas cujos resultados
fomentassem descobertas variadas e a produção de novas conexões cerebrais e
mentais em torno dos conteúdos. Mais do que quantificar era preciso
qualificar as mentes curiosas para aprender, ainda que não se percebessem
assim.
Ainda hoje em dia, diante de um educador encontram-se mentes com
potenciais de ação inimagináveis e que, por isso, demandam transformações
nas estruturas de ensino. Ainda hoje em dia, diante de um educador
encontram-se 86 milhões de neurônios cheios de informação e totalmente
interconectados esperando estímulos (excitações) que empreendam dinâmicas
neocorticais (sinápticas) variadas. Estes estímulos (desafios, atividades
individuais, trabalhos em grupo e/ou dinâmicas) são importantes para
nutrir, tonificar e fortalecer os cérebros de maneira a prevenir, ampliar e
resgatar capacidades e habilidades mentais; além disso, entram em
perspectiva com as expectativas discentes porque são sentidas como mais
agradáveis, reais e focadas em seus contextos pessoais ou intelectuais. É o
diálogo pedagógico em respeito mútuo.
Ao rompermos com conjuntos estáticos de comportamentos com a crença de
que 'sucesso do passado deve ser reproduzido', ou ao rompermos com a
estrutura tradicional de ministrar aula 'pura e simples', rompemos com a
linearidade do pensamento, rompemos com as zonas reflexivas de conforto
(exercícios descontextualizados) e rompemos com determinadas
desconcentrações, desatenções e indisciplinas, tão 'gritadas' nas salas dos
professores. O educador precisa, então, de timing perceptivo.
Numa turma de 2º ano, do ensino médio, à noite, eu tenho 32 alunos
frequentes. Em sua maioria, rapazes. Desde o início do ano letivo, eu
percebia forte indiferença com a Literatura, além de grande dificuldade com
a Língua Portuguesa. Enquanto outras turmas de 2º ano iam muito bem, esta
turma teve primeiras avaliações muito ruins. Ai era a minha vez de pensar:
o que fazer? Como promovê-los?
Passei um fim de semana pensando. Eu não tinha feito um link com esses
cérebros. Minhas práticas não foram pertinentes. Eu tinha a afetividade
(sistema límbico) equilibrada, mas não alcançara o patamar do neocórtex de
maneira que eles aprendessem para a vida, para a vivência autônoma da
própria subjetividade em outros ambientes. Era então preciso influenciar o
sistema nervoso diretamente e provocar a evocação mnemônica pessoal de
maneira mais contundente. Era preciso mudar o comportamento cognitivo. Mas
antes, eu precisava mudar.
No domingo, sem conseguir concentração para leitura, deixei a TV no
canal MTV e fiquei vendo clipes de músicas. De repente, tive um insight:
todos gostam de música! Cada clipe conta uma história. A partir dessas
historias posso trabalhar fundamentos da literatura e língua portuguesa.
Mas como seria a dinâmica? Com a música, eu atingiria os 05 sentidos,
modificaria os ritmos intrínsecos dos cérebros e atingiria emoções
apropriadas, memórias e certos comportamentos. Além disso, segundo
pesquisas do neurocientista Roberto Lent, ao ser estimulado e dependendo do
ambiente, o cérebro se reorganiza, se adapta e aprende. Mas como?
Bem, pensei muito e fiz o seguinte: ao final da aula, apresentei a
ideia sobre os clipes e pedi que trouxessem, em DVD, clipes de HIP-HOP que
contivessem uma história, ou seja, clipes cujas letras das músicas fossem
representadas por histórias. Eles ficaram animados, perguntaram mil coisas
e de repente eu tinha muito material para escolher. Cérebros discentes
atentos, participativos e ansiosos pelo que eu faria. Separei
aleatoriamente os clipes e levei na semana seguinte.
Interessante como a presença de material eletrônico em sala já dá um
up à futura dinâmica. Eles se interessam, olham, se aproximam e se oferecem
para ajudar a ligar tudo: eles mexem em tudo sem medo. Depois de um tempo
percebo que não há mais o 'entra-e-sai' de sala porque a perspectiva de
algo diferente e a curiosidade são tão grandes que o 'fora-de-sala' é perde
'o gosto'. Os cérebros discentes estão em plasticidade total e, segundo
Roberto Lent, respondendo positivamente aos estímulos do ambiente não
apenas com alterações funcionais imediatas, mas também com alterações de
longa duração, algumas das quais podem se tornar permanentes.
Eles montaram tudo. Eu os deixei sentar em qualquer lugar, mesmo em
cima da mesa. Ações iniciais: eles viram cada clipe e anotaram
(descreveram) que historias foram vistas (narradas). Eles viram 08 clipes.
Depois troquei todas as anotações e pedi que completassem a história do
colega com detalhes esquecidos, se fosse o caso (dissertação e
argumentação). Ai 'destroquei' tudo e pedi, oralmente, que separassem
alguns elementos a partir de seguintes perguntas: onde aconteceu, com quem
aconteceu, quando aconteceu, como aconteceu (elementos da narrativa). A
partir disso discutimos alguns clipes (valores, ética, perda) e pedi que
refizessem os finais de dois clipes a escolher (escrita e interpretação).
Ao final apresentei os elementos da narrativa e expliquei o que é texto
(tipos de) e suas formas de interpretação.
Na aula seguinte, aproveitamos as escritas e trabalhamos o
substantivo, o adjetivo, o artigo e alguns pronomes (classes de palavras).
Menos classificação e mais compreensão sobre a participação dessas classes
de palavras nos sentidos que queremos dar aos nossos pensamentos. Ao final
do trabalho e até hoje escuto: "e ai professora, vamos fazer algo diferente
hoje?" Ou "poxa professora, entendi muito melhor agora o que é interpretar,
é difícil mesmo né?" Ou ainda 'não perco mais suas aulas, sabe-se lá o que
vai acontecer?"
Estou satisfeita, porém o movimento de transformação (e inovação) não
pode mais retroceder: não posso mais me dar ao luxo de perder esses
cérebros para o nada; preciso continuar 'antenada' e manter a motivação, o
ritmo e a repetição. As mudanças geraram novas necessidades de aprender, de
conhecer, de entender outros assuntos; e geraram também confiança para
perguntar o que quer que fosse. Estavam motivados! E por que, de repente,
essa motivação?
A dinâmica abriu espaço para que eles se apresentassem como seres
pensantes reais, proporcionou abertura para criatividades cognitivas
objetivas e melhoria nos relacionamentos interpessoais. O desenvolvimento
da atividade gerou reflexos positivos no contexto da sala de aula e aumento
das capacidades verbal, auditiva e visual da maioria dos aprendentes. Minha
sala de aula estava emocionada!
Faço minha então, a questão que levanta Lent: não é a educação a
prática social que objetiva mudar as pessoas, capacitá-las a realizar
tarefas e comportamentos, ensiná-las a executar operações mentais
sofisticadas e complexas e viver em sociedade segundo normas vantajosas
para as coletividades? SIM! Então, um bom meio para isso é fortalecer o
sistema atencional do aprendente com práticas desafiantes cuja repercussão
seja uma forte alteração cerebral e o uso pleno das funções cognitivas em
geral.
A mudança de ritmo da sala e a repetição de atividades diferentes vão
incorporando outros hábitos à cognição discente, o que gera eficiência no
tratamento dos desafios seguintes. É afetar o corpo caloso no meio dos
hemisférios cerebrais e energizar a mielinização das sinapses. É entender
que para aprender, é preciso prestar atenção. E pode-se aprender a prestar
atenção.
Hoje realmente outra questão me incomoda: por que tantas reclamações
sobre a superficialidade das cognições de nossos alunos? Se esta suposta
superficialidade for um fato, qual é o papel do professor hoje? Só
reclamar? Eu reconheço que há outros senões embutidos nessas reclamações,
mas será que há disposição para mudar e assim criar um clima melhor na sala
de aula, quiça na escola? Eu não sei. Isto demandaria outra análise séria.
Porém acredito que seja preciso outras posturas profissionais diante do
outro que se desconhece e que está ali, na escola, na expectativa de
aprender ou de ser (fazer) diferente.
Mesmo hoje em tempos líquidos, mais velozes, de forte integração das
novas tecnologias virtuais, continuamos recebendo aprendentes em nossas
escolas. Aprendentes com características cognitivas diferentes? É, pode
ser, esta é uma discussão que vai longe, mas são aprendentes, estão dentro
da escola e precisam aprender a aprender para fazer, ser, conhecer e
conviver em sociedade. E ai ao professor não cabe se isentar deste
processo: somos muito importantes sim!!!!! Só que precisamos remodelar
nossas práticas diante dos 'novos' alunos e seus 'novos' comportamentos em
geral.

Profa Ms Claudia Nunes
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