COMO É POSSÍVEL O CONHECIMENTO MATEMÁTICO: uma análise fundamentada no modelo do sistema de esquemas de ações e operações sobre símbolos e signos

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COMO É POSSÍVEL O CONHECIMENTO MATEMÁTICO: uma análise fundamentada no modelo do sistema de esquemas de ações e operações sobre símbolos e signos FERRAZ, Alexandre Augusto UNICAMP TASSINARI, Ricardo Pereira. UNESP - MARÍLIA [email protected] Eixo Temático: Conhecimento Matemático Agência Financiadora: FAPESP Resumo O objetivo deste texto é mostrar como o sujeito representa e, com isso, compreende as estruturas lógico-matemáticas abstratas por meio de uma discussão fundamentada em nossos estudos anteriores e no Modelo do Sistema de esquemas de ação e operações sobre símbolos e signos (MoEAOSS), idealizado por Tassinari (2014) como uma tentativa de sistematização dos resultados teóricos e experimentais da Epistemologia Genética e da Psicologia Genética de Jean Piaget e colaboradores. Nossos resultados mostraram que o sujeito compreende as estruturas matemáticas através da coordenação de operações sobre signos no Período Operatório Formal ou Hipotético-Dedutivo, cujo surgimento, segundo o MoSEAOSS, caracteriza esse período. A compreensão das estruturas matemáticas pelo sujeito se dá na medida em que ele as representa por meio de um sistema de operações sobre signos e compreende o jogo estabelecido por esse sistema (sendo que, em geral, essa compreensão é parcial, pois nossas representações das estruturas matemáticas abstratas são, em geral, parciais). Palavras-chave: Estruturas lógico-matemáticas; Estruturas epistêmico-psicológicas; Sistema de Esquemas de Ações e Operações sobre Símbolos e Signos. Abstract This work has the purpose of showing how the epistemic subject represents and understands the abstract logical-mathematical structures through a discussion based on our earlier studies and in the Model of the System of Schemes of Actions and Operations on Symbols and Signs. This model was idealized by Tassinari (2014) as a systematization of the theoretical and experimental results from Piaget and collaborators’ Genetic Epistemology and Psychology. Our results have shown the subject understands the mathematical structures through the coordination of Operations on Signs in the Formal Operational Period. The mathematical structures understanding is possible due to the fact the epistemic subject represents them through a System of Operations on Signs and understands the relationship established by this ISSN 2237-5856

system. Note that, in general, this understanding is partial as our representations of abstract mathematical structures are partial. Keywords: Logical-mathematical structures; Epistemic-psychological Structures; System of Schemes of Actions and Operations on Symbols e Signs. Introdução Em estudos anteriores (FERRAZ, 2014 e FERRAZ, A. A.; TASSINARI, R. P., 2015, Cap. 4), buscamos compreender como o conhecimento matemático é possível, mais especificamente o conhecimento das estruturas lógico-matemáticas abstratas formais, a partir da Epistemologia Genética de Jean Piaget (1896-1980). Nossas pesquisas mostraram a existência de uma estrutura epistêmico-psicológica que possibilita ao sujeito epistêmico a representação das estruturas matemáticas e, assim, sua compreensão: o Sistema de Operações sobre Signos. Como buscamos mostrar aqui, a noção de Sistema de Operações sobre Signos e a noção de transignação, introduzidas pela primeira vez por esses estudos, possibilitam estudar detalhadamente as diversas formas dos sistemas de operações sobre signos, ou mais precisamente, dos sistemas de esquemas de transignações, e mostrar que é a partir dessas formas e devido a elas que é possível ao sujeito epistêmico tomar consciência das estruturas matemáticas abstratas. Por outro lado, tais sistemas de operações sobre signos são partes integrantes de um sistema maior, o Sistema de Esquemas de Ações e Operações sobre Símbolos e Signos, que, por sua vez, possibilita ao sujeito epistêmico construir as diversas estruturas necessárias ao conhecimento científico. A existência de tal sistema foi proposta por Tassinari (2014) por meio de um modelo, denominado Modelo do sistema de esquemas de ações e operações sobre signos e símbolos (MoSEAOSS), que articula alguns dos principais resultados (teóricos e experimentais) a que chegaram Piaget e seus colaboradores, em uma visão sistêmica, sistemática e sintética. Tal modelo, com a ajuda de colaboradores, pôde ser aplicado para mostrar como se desenvolvem noções lógicas de classes e relações (TASSINARI, 2011), o conhecimento matemático abstrato (FERRAZ; TASSINARI, 2015, e FERRAZ, 2014), a gênese da capacidade de predicação universal e da função proposicional (FERREIRA; TASSINARI, 2013, e FERREIRA, 2011), as noções de espaço (TASSINARI, 2014, p. 16, e MARÇAL; ISSN 2237-5856

TASSINARI, 2013 e 2014) e de tempo (LATANSIO, 2010, p. 86-94, e TASSINARI, 2014, p. 28-33), e processos de ressignificação em Terapia Cognitiva (DANTAS, 2016). Nesse contexto, o termo modelo significa uma representação esquemática e abstrata da experiência, cujas relações entre os seus elementos podem ser exploradas através da Lógica e da Matemática, deduzindo propriedades que correspondam a características empíricas diretamente observáveis, como, por exemplo, o próprio comportamento do sujeito. Tal sistematização ainda se faz necessária, uma vez que [...] a originalidade e a complexidade [da obra de Piaget] é ainda, em geral, pouco compreendida, inclusive nos meios científicos, especialmente, [...] devido à extensão e complexidade de sua obra. Nesse contexto, uma sistematização de alguns dos resultados (teóricos e experimentais) em termos de um modelo, como em geral se procede nas ciências, possibilitaria uma visão sistêmica, sintética e sistemática desses resultados e suas interrelações, além de vir a fornecer uma interpretação renovada deles, na medida em que eles podem ser ressignificados em função dessa síntese mesma (Tassinari, 2014, p. 8).

Neste trabalho, apresentamos algumas hipóteses que nos permitem explicitar como o sujeito epistêmico compreende as estruturas lógico-matemáticas abstratas, com base nos trabalhos de Ferraz (2014), Tassinari (2014) e Ferraz e Tassinari (2015). Como o sujeito epistêmico compreende as estruturas lógico-matemáticas formais? Iniciemos com algumas definições lógico-matemáticas que nos possibilitarão mostrar como o sujeito epistêmico representa e compreende as estruturas lógico matemáticas. Definição 1. Dado um conjunto A, uma n-upla em A é uma sequência de n elementos (não necessariamente distintos) de A. Notação 2. Denotamos por (a , a , …, a ) a n-upla cujos elementos são, 1

2

n

respectivamente, a , a , …, a e denotamos por An o conjunto de todas as n-uplas em A. 1

2

n

Definição 3. Dado um conjunto A, um predicado n-ário em A é um subconjunto do conjunto de n-uplas em A. Por exemplo, no conjunto dos números naturais, o predicado (relação ou propriedade) unário “x é Par” é o conjunto {2, 4, 6, 8, …}, o predicado 2-ário (binário) “x é menor que y” é o conjunto {(x,y) | x < y}, ou seja, {(0,1), (0,2), (1,2), …}, e o predicado binário “x é maior que y” é o conjunto {(x,y) | x > y}, ou seja, {(1,0), (2,0), (2,1), …}.

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Definição 4. Dados dois conjuntos A e B não-vazios, um mapeamento F de A em B é uma atribuição de um objeto b em B para cada objeto a em A. Nesse caso, b é denominado valor de a segundo o mapeamento F, A de domínio de F e B de contradomínio de F. Notação 5. Escrevemos F(a) para denotar o valor de a segundo o mapeamento F. Definição 6. Uma função n-ária de A em B é um mapeamento de An em B. Por exemplo, a função sucessor s do conjunto dos números naturais para o conjunto dos números naturais, tal que s(0) = 1, s(1) = 2, s(2) = 3, etc. é uma função unária; a função adição “+” do conjunto de pares de números naturais para o conjunto dos números naturais, tal que ao par (x,y) é atribuído o valor x+y, é uma função binária. Podemos agora introduzir a definição de estrutura matemática específica. Definição 7. Uma estrutura matemática específica A é constituída por: (i) Um conjunto não vazio |A| de elementos; |A| é denominado o universo ou domínio da estrutura e os seus elementos são denominados indivíduos da estrutura; (ii) Um conjunto P de predicados n-ários em |A|n; A

(iii) Um conjunto F de funções n-árias de |A|n em |A|. A

Por exemplo, podemos considerar a estrutura N constituída pelo (i) conjunto dos números naturais, com (ii) os predicados binários “x é menor que y” (denotada por “”), e (iii) com as funções adição (denotada por “+”) e multiplicação (denotada por “.”). Neste caso, (i) |N| é o conjunto dos números naturais, (ii) P

A

= {} e (iii) F = {+, .}. A

Notação 8. Escrevemos < |A|, P , F > para denotar a estrutura matemática específica A

A

A, constituída pelo conjunto |A|, pelo conjunto de predicados n-ários P e o conjunto de A

funções n-árias F

A.

Vemos assim como uma estrutura matemática pode ser definida de maneira completamente geral e abstrata, considerando-se apenas um conjunto de indivíduos e os predicados n-ários e funções n-árias entre eles. Definição 9. Dado um conjunto A, uma operação matemática n-ária em A é um mapeamento do conjunto de n-uplas em A para o próprio A. Por exemplo, a operação adição, no conjunto dos números naturais, atribui ao par ordenado (2, 3) o número natural 5. Notemos então que as funções sucessor “s”, adição “+” e multiplicação “ .” citadas anteriormente são operações matemáticas no conjunto dos números

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naturais, sendo que a operação “s” é uma operação unária, e as operações “+” e “.” são operações binárias. Notemos ainda que uma operação matemática em A é uma função (Definição 6) n-ária de An em A. Além disso, é condição necessária que uma operação n-ária tenha, para cada elemento ou n-upla do domínio, um e somente um elemento correspondente no contradomínio. No entanto, podemos considerar certos tipos de operações que não estão definidas para todos esses elementos, o que motiva a definição a seguir. Definição 10. Dado um conjunto A, seja B um subconjunto de An; uma operação matemática parcial n-ária em A é um mapeamento de B em A, atribuindo, a cada n-upla pertencente a B (e cada n-upla pertencente a B é uma n-upla pertencente a An), um elemento correspondente em A. Notemos que uma operação matemática parcial n-ária em A pode não estar definida para todos os elementos de An. Por exemplo, a operação divisão no conjunto dos números racionais é uma operação parcial binária, pois não está definida para os casos em que o divisor é igual a zero. Um ponto importante para este texto é que n-uplas em A denotam tipos particulares de operações matemáticas parciais em A, como veremos a seguir. Definição 11. Dado um conjunto A não-vazio, seja B um subconjunto unitário de An; uma operação matemática parcial unitária e n-ária em A é um mapeamento de B em A, atribuindo à n-upla pertencente a B (que é uma n-upla em A), um único elemento de A. Em outras palavras, uma operação matemática parcial unitária em A é um mapeamento de apenas uma n-upla pertencente a An para um elemento de A. Assim, uma operação matemática parcial unitária está definida apenas para uma n-upla pertencente a |A|n. Notação 12. A operação parcial unitária que atribui o valor a à n-upla (a , a ,…, a ) n+1

1

2

n

será denotada por (a , a ,…, a , a ). 1

2

n

n+1

Por exemplo, o par (a , a ) denota a operação matemática parcial definida apenas para 1

2

o elemento a cujo valor desse elemento pela operação parcial é o elemento a ; ou ainda, o par 1

2

(0,1) denota a operação matemática parcial (operação sucessor, por exemplo) no conjunto dos números naturais definida apenas para o elemento 0 e cujo valor desse elemento pela operação parcial é o elemento 1.

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Notemos então que a notação anterior implica, por outro lado, que toda n-upla pertencente a |A|n denota uma operação parcial unitária em A: a n-upla (a , a , …, a ) denota a 1

2

n

operação parcial unitária que atribui à (n-1)-upla (a , a , …, a ) o valor a e ela é parcial pois 1

2

n-1

n

está definida somente para a (n-1)-upla (a , a , …, a ) do domínio An-1. 1

2

n-1

Esse resultado nos permite, pois, correlacionar as operações parciais unitárias com as estruturas lógico-matemáticas. Em linhas gerais, temos o que segue. Proposição 13. P é um conjunto de conjuntos de operações matemáticas parciais A

unitárias em |A|. Proposição 14. F se constitui um conjunto de conjuntos de operações matemáticas A

parciais unitárias em |A|. A partir dos resultados acima, mostramos o seguinte resultado geral. Uma estrutura matemática A pode ser considerada como constituída por conjuntos de conjuntos de operações parciais unitárias em |A|. Como dissemos, nossas pesquisas (FERRAZ, A. A.; TASSINARI, R. P., 2015, Cap. 4) mostraram a existência de uma estrutura epistêmico-psicológica, o Sistema de Operações sobre Signos, que permite ao sujeito epistêmico a representação das estruturas matemáticas e, assim, sua compreensão. De acordo com o MoSEAOSS (TASSINARI, 2014, Hipótese 5, p. 21), tal estrutura surge no Período Formal ou Hipotético-Dedutivo e é solidário com as outras estruturas construídas nos períodos precedentes, em conformidade com o pensamento de Piaget (1976). Resumidamente, mostramos (FERRAZ; TASSINARI, 2015, p. 107) que o Período Operatório Formal tem como características: (i) possibilidade do sujeito pensar hipoteticamente e de construir teorias; (ii) a possibilidade de realizar operações de segunda potência, isto é, operações sobre operações; (iii) a capacidade de realizar uma combinatória exaustiva; e (iv) uma inversão de sentido entre o possível e o real, uma vez que o real se subordina ao possível, e o sujeito considera que os fatos se tornam fatos propriamente ditos somente após uma verificação efetiva, verificação essa que se refere às hipóteses criadas e compatíveis com a situação dada. O fato, portanto, é resultado da experimentação das hipóteses admitidas como possíveis. Nesses casos, chegamos à conclusão de que o sujeito não apenas se utiliza de signos para a representação dos objetos e situações, como também se mostra capaz de agir internamente ou operar sobre tais signos e seus significados, em uma estrutura operatória nova que vai muito além das estruturas do período anterior (Operatório ISSN 2237-5856

Concreto), pelas quais os sujeitos agiam internamente apenas sobre imagens mentais. Para então considerar essa nova capacidade, apresentamos as definições de transignações e seus esquemas, cujos sistemas, como dissemos, surgem e caracterizam, segundo o MoSEAOSS, o Período Operatório Formal ou Hipotético-Dedutivo (cf. TASSINARI, 2014, p. 25 e PIAGET; INHELDER, 1976). Definição 15. Chamamos de transignação a uma ação, realizada endogenamente pelo sujeito epistêmico, que consiste em passar de um signo (que representa uma situação ou objeto que chamaremos estado 1) a outro signo (estado 2) e que permite comparar os estados 1 e 2, sendo que os signos não podem estar fundidos em uma representação sígnica única, ou seja, o sujeito deve expressar em seu comportamento (o que mostra haver a consciência de) que se trata de dois estados distintos e que estão ligados por essa própria ação endógena que os compara. E, da mesma forma que Piaget e Beth (BETH; PIAGET, 1961, p. 251) definem um esquema de ação, temos a seguinte definição. Definição 16. Um esquema de transignação é a forma geral de certas transignações, isto é, é o conjunto de qualidades gerais de uma transignação. Temos então que o esquema de transignação é o que permite repetir a mesma transignação ou aplicá-la a novos conteúdos. Além disso, como, para a Epistemologia Genética, a coordenação de esquemas de ações é ainda um esquema de ação, podemos dizer que a coordenação de esquemas de transignações é ainda um esquema de transignação. Notamos também que, na medida em que, no Período Operatório Formal, qualquer objeto, incluindo os representados por imagens mentais, pode vir a ser um signo, inclusive por uma convenção de designação estabelecida pelo próprio sujeito, então as estruturas operatórias de transignação ampliam consideravelmente as estruturas operatórias de transfiguração (em que estas últimas se restringem a operar sobre imagens mentais – trans = movimento para além de, figura = imagem) (cf TASSINARI, 2011 e 2014, Seção 6). Na medida em que um esquema de transignação é uma operação sobre signos, no sentido de uma ação interiorizada que se apoia sobre signos, então seu surgimento possibilita a lógica operatória formal, fazendo parte também de um sistema de operações de “segunda potência”. Cabe aqui evidenciar que, segundo Piaget (1976, p. 191), as “operações interproposicionais se referem a enunciados cujo conteúdo intraproposicional é formado por ISSN 2237-5856

operações de classes e de relações”. Como uma proposição é constituída por signos, temos então que as operações sobre signos referem-se também a operações sobre enunciados cujo conteúdo refere-se, por sua vez, a operações concretas (operações sobre objetos reais). Mostramos agora os resultados de nossas pesquisas anteriores a respeito de como o sujeito epistêmico compreende as estruturas formais. Notemos inicialmente que, segundo Piaget e seus colaboradores, “A extensão de um esquema é a reunião das extensões de ações das quais ele é o esquema. A compreensão de um esquema é o esquema em si mesmo” (APOSTEL et al, 1957, p. 48, tradução nossa). Assim, o esquema de uma transignação é justamente a compreensão dessa transignação. A partir das definições de transignação e de esquema de transignação, temos os seguintes resultados. 1) Uma transignação também pode ser representada pelo par (x,y), no qual x designa o signo 1 e y designa o signo 2. 2) Nesse caso, “(x, y)” representa a operação parcial unitária (e unária) definida apenas para o signo x, cujo resultado, aplicado a x pela operação (x, y) é o signo y. Logo, uma transignação “(x,y)” é também uma operação parcial unitária (e unária). 3) Notemos que a junção de signos é ainda um signo. Por exemplo, temos que as expressões “(x, y)” ou “(y, x)” são signos formados pela junção dos signos “(“, “x”, “y” e “)”. 4) A partir do item anterior, podemos considerar que uma n-upla de signos, como, por exemplo “(a , a , …, a )”, constitui um único signo. 1

2

n

5) Assim, qualquer (n+1)-upla da forma (a , a ,…, a , a ) representa uma transignação 1

2

n

n+1

que parte do signo “(a , a ,…, a )” e chega ao signo “a ” e, inversamente, toda transignação, 1

2

n

n+1

quando o estado x é composto por n elementos, pode ser representada pela (n+1)-upla (a , 1

a ,…, a , a ). 2

n

n+1

6) Por outro lado, na medida em que o sujeito realiza a mesma transignação, isto é, aplica a mesma forma de operação a outro conteúdo (n-uplas), ele está em posse de um esquema E de transignação. Assim, um esquema E de transignação determina um conjunto C de transignações: as transignações em C são justamente as transignações que têm o esquema E. 7) Temos, pois, que, por um lado, os esquemas de transignações determinam conjuntos de transignações e, por outro, conjuntos de transignações determinam esquemas de

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transignações. Nesse último caso, dado um conjunto C de transignações, podemos considerar que uma transignação tem o esquema E se, e somente se, pertence ao conjunto C. Para melhor entendimento do que foi exposto nos itens acima, consideremos o seguinte exemplo, já relacionando os resultados acima com a compreensão de uma estrutura matemática abstrata. Consideremos a estrutura , isto é, a estrutura matemática específica com a operação sucessor sobre o conjunto dos números naturais. Notemos que, nesse caso, os números naturais são representados por numerais e, por questão de convenção, vamos usar aqui os numerais arábicos. Como compreendemos a estrutura matemática acima segundo o que foi exposto até o presente momento? Lembremos então que a operação sucessor é uma função unária s do conjunto dos números naturais para o conjunto dos números naturais, tal que, por exemplo, s(0) = 1, s(1) = 2, s(2) = 3, etc. Nesse caso, temos que cada aplicação s sobre um número define uma operação parcial no conjunto dos números naturais; por exemplo, a aplicação s(0) = 1 define a operação parcial unária (0,1) que está definida apenas para o elemento 0 e que tem como resultado o elemento 1. De forma geral, s determina o conjunto de operações parciais unitárias da forma (x, s(x)) sobre o conjunto dos números naturais. Por outro lado, como associado a cada número natural temos o numeral arábico correspondente, a cada operação parcial unitária da forma (x, s(x)) está associada direta e univocamente a transignação (y, z) que é uma operação parcial unitária no conjunto dos numerais arábicos tal que y é o numeral arábico correspondente a x e z o numeral arábico correspondente a s(x). Assim, por exemplo, associado à operação parcial unitária (0,1) sobre números naturais está associada direta e univocamente a transignação (“0”,“1”). De forma geral, existe um isomorfismo entre o conjunto de operações parciais unitárias da forma (x, s(x)) sobre o conjunto dos números naturais e o conjunto de transignações da forma (y, z) sobre o conjunto dos numerais arábicos. Logo, o esquema de transignação s determina o conjunto de pares ordenados {(“0”,“1”), (“1”,“2”), (“2”,“3”), ...}e como um esquema de transignação, do ponto de vista da Epistemologia Genética, é compreensão, temos que o sujeito que o possui compreende a forma geral dessas transignações, e, portanto, compreende a estrutura matemática ISSN 2237-5856

(e as estruturas matemáticas em geral) por meio de um conjunto de esquemas de transignações. Mais ainda, como os numerais arábicos são signos, o sujeito pode atribuí-los a diversos conteúdos e, em especial, pode corresponder a cada numeral n os conjuntos que têm n elementos. Assim, a estrutura adquire não apenas uma significação abstrata mas também uma significação concreta na medida em que ordena os conjuntos segundo o número de seus elementos. Notemos que essa correspondência de um numeral n a um conjunto se dá, em geral, por uma contagem (esquema de ação) do sujeito associando o signo “1” a um elemento do conjunto, o signo “2” a outro elemento e, assim por diante, até esgotar todos os elementos do conjunto. Tratamos agora da compreensão das estruturas matemáticas em geral. Notemos então que nós utilizamos signos para referenciar os indivíduos do domínio das estruturas matemáticas específicas. Inversamente, em princípio, podemos supor que é possível a atribuição de um signo (constante) para cada elemento da estrutura, como o faz Shoenfield (1967, p. 18). Nesse caso, dizemos que cada constante é o nome de um indivíduo da estrutura. Temos então os seguintes resultados. 1) Vimos que uma estrutura matemática específica é caracterizada pelo domínio da estrutura e pelos predicados n-ários e funções n-árias. 2) Pelos dados anteriores, é possível, em princípio, considerar que os elementos do domínio da estrutura são designáveis por signos e, como vimos, cada função n-ária e cada predicado n-ário é um conjunto de n-uplas, logo, cada um desses pode ser representado através de um esquema de transignação, o que nos leva ao seguinte resultado geral. A representação de uma estrutura matemática específica pode ser considerada um sistema de esquemas de transignação. 3) Mais ainda, se, como escrito anteriormente, “Podemos considerar que uma estrutura matemática específica < |A|, P , F > constitui uma forma matemática: as propriedades e as A

A

relações comuns a todas as estruturas isomorfas à < |A|, P , F >”, logo, a forma de um sistema A

A

de esquema de transignações que representa uma estrutura matemática específica constitui uma estrutura matemática específica apenas formal (independente dos signos que podem ser escolhidos para explicitá-las). ISSN 2237-5856

A ideia aqui, como no caso das transfigurações, é que as transignações e seus esquemas definem tanto operações epistêmico-psicológicas e suas coordenações quanto têm a forma de operações matemáticas e seus sistemas. Ou seja, tem-se uma conformação imediata entre as operações epistêmico-psicológicas e as operações matemáticas enquanto forma daquelas. 4) Assim, o sujeito pode compreender as estruturas matemáticas específicas e abstratas na medida em que pode compreender esse jogo de signos estabelecidos pelos sistemas de transignações (sendo que, em geral, essa compreensão é parcial, pois nossas representações das estruturas matemáticas abstratas são, em geral, parciais, ou ainda, em termos técnicos, as axiomatizações não são completas ou são incompletáveis, como no caso da Aritmética, segundo os Teoremas da Incompletude de Gödel). Por fim, utilizaremos a expressão “operações sobre signos” para designar as transignações e seus esquemas (ou, em outras palavras, as operações formais são, segundo nossa convenção, operações sobre signos). Logo, a partir do que foi exposto, temos a seguinte conclusão. As operações matemáticas parciais n-árias e unitárias são formas matemáticas das operações mentais, isto é, são formas das operações sobre signos em geral e das transignações em particular. Considerações finais O presente texto mostrou, em linhas gerais, alguns dos principais resultados alcançados em nossas pesquisas anteriores (FERRAZ, 2014 e FERRAZ; TASSINARI, 2015, Cap. 4) a respeito de como o sujeito-epistêmico representa e, com isso, compreende as estruturas lógico-matemáticas, fundamentados no Modelo do Sistema de Esquemas de Ações e Operações sobre Símbolos e Signos, elaborado por Tassinari (2014), que articula alguns dos principais resultados teóricos e experimentais a que chegaram Piaget e seus colaboradores, em uma visão sistêmica, sistemática e sintética, e que mostra que o sistema de esquemas de ação e operações sobre símbolos e signos está na base dos resultados obtidos pela Epistemologia e Psicologia Genéticas. Nossos resultados mostraram que o sujeito compreende as estruturas matemáticas através da coordenação de operações sobre signos, ou, mais precisamente, por meio de sistemas de esquemas de transignações, no Período Operatório Formal ou HipotéticoISSN 2237-5856

Dedutivo, cujo surgimento, segundo o MoSEAOSS, caracteriza esse período. A compreensão das estruturas matemáticas pelo sujeito se dá na medida em que ele as representa por meio de um sistema de operações sobre signos, ou ainda, por meio do sistema de esquemas de transignações, e compreende o jogo estabelecidos por esse sistema (sendo que, em geral, essa compreensão é parcial, pois nossas representações das estruturas matemáticas abstratas são, em geral, parciais). Referências APOSTEL, L.; MANDELBROT, B.; PIAGET, J. Logique et Équilibre. Paris: PUF, 1957. APOSTEL, L.; MAYS, W.; MORF, A.; PIAGET, J. Les liaisons analytiques et synthétiques dans les comportements du sujet. Paris: Presses Universitaires de France, 1957. BETH, E. W; PIAGET, J. Épistemologie mathématique et psychologie: essai sur les relations entre la logique formelle et la pensée réelle. Paris: Presses Universitaires de France, 1961. DANTAS, L. C. V. A Ressignificação na Terapia Cognitiva: Uma Análise a partir da Modelo do Sistema de Esquema de Ações e Operações sobre Símbolos e Signos (Dissertação de Mestrado). Programa de Pós-Graduação em Filosofia, Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho, Marília, 2016. Disponível em: http://repositorio.unesp.br. Acesso em: 14 set 2016. FERRAZ, A. A. Como é Possível o Conhecimento Matemático: Uma Análise a Partir da Epistemologia Genética. 2014. Dissertação (Mestrado em Curso de Pós-Graduação em Filosofia) - UNESP – Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho, Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior / Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo. . Disponível em: http://repositorio.unesp.br. Acesso em: 14 set 2016. FERRAZ, A. A.; TASSINARI, R. P. As Formas Matemáticas no Período Sensório-Motor. In: III Colóquio Internacional de Epistemologia e Psicologia Genéticas: Retrospectivas e Perspectivas, 2013, João Pessoa - PB. Anais e Programação do III Colóquio Internacional de Epistemologia e Psicologia Genéticas: Retrospectivas e Perspectivas. João Pessoa - PB: UFPB, 2013. p. 227-241. FERRAZ, A. A.; TASSINARI, R. P. Como é possível o conhecimento matemático: as estruturas lógico-matemáticas a partir da Epistemologia Genética. 1. ed. São Paulo: Editora Unesp/Cultura Acadêmica, 2015. 135p. Disponível em: www.culturaacademica.com.br/catalogo-detalhe.asp?ctl_id=543. Acesso em: 14 set 2016. FERREIRA, R. R. Sobre o Uso da Função Proposicional e sua Gênese segundo a Epistemologia Genética. 2011. Dissertação (Mestrado em Filosofia) - Faculdade de Filosofia ISSN 2237-5856

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