Como escrever (e publicar) artigos científicos em inglês e não morrer tentando

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Andrés Burgos Delgado

Como escrever (e publicar) artigos científicos em inglês e não morrer tentando Resenha escrita por Andrés Burgos Delgado*

*Biólogo, doutorando em Desenvolvimento Sustentável, CDS-UnB, Brasília, Distrito Federal, Brasil. E-mail: [email protected]

doi:10.18472/SustDeb.v7n1.2016.16855

RESENHA Ethel Schuster; Haim Levkowitz; Osvaldo N. Oliveira Jr. (editors.). Writing Scientific Papers in English Successfully: Your Complete Roadmap. São Carlos (SP): Compacta, 2014. 192 p. Bibliografia, figuras, tabelas, apêndice e índice. ISBN 978-85-88533-97-4. US$ 10,28.

“O sucesso na publicação de papers é o principal indicador de desempenho científico. No entanto, os estudantes raramente recebem qualquer formação em escrita científica. A única maneira que eles têm de aprender sobre os principais componentes de um artigo e como os trabalhos científicos estão organizados é por intuição, opção que pode ser ineficaz e/ou ineficiente; ou por tentativa e erro, estratégia que pode desperdiçar muito tempo e ferir sua confiança [...] O desafio de produzir artigos bem escritos é especialmente difícil para os falantes não-nativos de inglês, que representam a maioria dos cientistas de todo o mundo.” O trecho acima reproduzido foi retirado do prefácio não paginado do livro Writing Scientific Papers in English Successfully: Your Complete Roadmap, editado por Ethel Schuster, Haim Levkowitz e Osvaldo Novais de Oliveira Júnior. Oliveira é brasileiro, físico, membro fundador do Núcleo Interinstitucional de Linguística Computacional (NILC) e professor do Instituto de Física de São Carlos (IFSC). Os co-editores e co-autores são Schuster, professor do Departamento de Ciências da Computação e Informação da Northern Essex Community College, interessado na pesquisa sobre lingüística computacional; e Levkowitz, veterano das tecnologias da computação, membro da Faculdade de Ciências da Computação da University of Massachusetts, Lowell, ambas em Massachusetts, nos Estados Unidos. Os textos reunidos na coletânea são de autoria dos três editores e de Sandra Maria Aluísio, do Instituto de Ciências Matemáticas e de Computação (ICMC) da USP; Stella Esther Ortweiler Tagnin, do Departamento de Letras Modernas da USP; Valtencir Zucolotto, do IFSC; Valéria Delisandra Feltrim, da Universidade Estadual de Maringá (UEM), no Paraná; e Carmen Dayrell,

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do Centre for Corpus Approaches to Social Science da Lancaster University, no Reino Unido. Todos os autores compartilham o interesse pelo Natural Language Processing (“Processamento de Linguagem Natural”, PLN), como aplicação técnica computacional que possibilita analisar a semântica da linguagem. Os autores têm ainda uma preocupação de iniciar os estudantes nas estratégias de aprendizado da escrita científica, mediante o uso da linguística computacional. O livro em questão resulta de duas décadas de pesquisa e ensino sobre escrita científica em inglês, durante as quais os autores perceberam que a combinação entre a barreira da língua e a falta de conhecimento do estilo de escrita acadêmica tem um efeito negativo sobre a qualidade da redação produzida por falantes não-nativos de inglês. Além disso, o caráter demorado do processo de aprendizagem de escrita científica motivou os autores a desenvolver ferramentas de software que auxiliem nessa tarefa, algumas das quais são descritas na obra. Os argumentos apresentados apóiam-se na experiência dos autores de lecionar inúmeros cursos de escrita científica na USP. Os autores visam auxiliar principalmente a comunidade acadêmica a escrever artigos científicos em inglês com correção gramatical e coesão. Eles desenvolvem uma estratégia para que os escritores neófitos no gênero e no estilo científico superem os obstáculos da escrita científica e vençam as barreiras da língua inglesa. Essa estratégia consiste na utilização de um amplo leque de técnicas e ferramentas que ajudam os escritores a desenvolver as habilidades necessárias para redigir bem e com sucesso. As técnicas e ferramentas formam o coração do livro e são apresentadas mediante um roteiro completo. Porém, além da perspectiva utilitária da obra, como um guia que pode dar aos leitores uma melhor compreensão da aplicação das ferramentas descritas, os autores destacam a importância de aprender os fundamentos da escrita científica. Neste sentido, o livro se dedica a discutir os princípios básicos da escrita científica, estabelecendo pontes entre esse campo e o método científico. Para alcançar os objetivos propostos, os autores utilizam dois grupos de métodos. O primeiro é baseado no corpus linguístico e idealizado especificamente para minimizar a influência da língua materna sobre os falantes não-nativos de inglês. Um corpus linguístico é uma coleção de textos organizados pelo próprio aprendiz que serve como modelo para novos escritos, mediante a identificação de expressões e combinações de palavras da linguagem convencional. Essa estratégia está baseada na suposição de que a linguagem é probabilística, isto é, que determinadas combinações de palavras têm maior probabilidade de ocorrência que outras. O segundo grupo de métodos consiste na apresentação de um conjunto de ferramentas de software que ajudam os estudantes a produzir e avaliar os seus papers. Algumas dessas ferramentas auxiliam no planejamento da estrutura do artigo e na escrita de um primeiro rascunho, assim como na identificação de estruturas retóricas e de componentes ausentes nos abstracts. Outras ajudam a avaliar a organização do conteúdo e a fluidez de cada seção do artigo. O livro é dividido em duas partes. A primeira oferece princípios e procedimentos da redação científica e a segunda detalha técnicas e instrumentos que podem tornar o pesquisador ainda mais preparado para redigir artigos científicos eficazes em inglês. No Capítulo 1, os autores defendem a necessidade de escrever e a importância de publicar artigos científicos. Além disso, oferecem dicas para organizar as idéias e os resultados de uma pesquisa com vistas à publicação. O Capítulo 2 é dedicado a analisar a estrutura típica de um artigo científico, mostrando algumas orientações, relacionadas principalmente com o estilo de linguagem. A segunda parte do capítulo examina alguns modelos que ajudam a entender e adotar o estilo de escrita das diferentes seções dos trabalhos científicos.

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Partindo da idéia de que não se pode escrever um bom paper sem ler bons papers, o Capítulo 3 oferece pistas para que o leitor aprenda a “separar o joio do trigo” e consiga identificar publicações de seu interesse e de boa qualidade. Apresenta ainda um método de nove passos para orientar os estudantes na leitura sistemática de diferentes tipos de publicações científicas e na construção de um texto original, tomando como base fragmentos ou sentenças de textos “reutilizáveis”. No mesmo capítulo, os autores introduzem sucintamente duas ferramentas linguísticas que facilitam a detecção de componentes (antecedentes, lacunas, objetivo, métodos, resultados e conclusão) retóricos em abstracts escritos em inglês para cada fragmento do texto. O Capítulo 4 introduz a noção de corpus linguístico, como campo específico da linguística que permite examinar a linguagem dentro da área de pesquisa de interesse, e mostra o seu potencial de uso mediante a apresentação de vários corpus disponíveis on-line. O Capítulo 5 percorre e orienta sobre o uso de quatro ferramentas computacionais que auxiliam na escrita de artigos científicos: SciPo-Farmácia, Scien-Produção, MAZEA-WEB e SWAN. As três primeiras foram desenvolvidas pelos autores para ajudar estudantes brasileiros a planejar a estrutura de um artigo, a elaborar rascunhos iniciais e a estruturar e rever o abstract, respectivamente. O Capítulo 6 discute os padrões textuais predominantes em cada seção de um trabalho científico. Esses padrões são combinações recorrentes de palavras usadas nos artigos e que, identificados e bem usados, podem facilitar a comunicação, tornando a linguagem mais previsível e fluente para os leitores. O livro fecha com uma conclusão na qual os autores refletem sobre a intencionalidade da obra, no sentido de ajudar os interessados na redação de artigos eficazes, otimizando tempo e esforço. Discorrem ainda sobre o potencial de uso das ferramentas e estratégias apresentadas. Os autores reconhecem que existem limites para a aplicação de ferramentas computacionais à escrita científica, devido à indisponibilidade das próprias ferramentas ou porque elas estão adaptadas a áreas científicas específicas. Contudo, acreditam que a subutilização dos avanços tecnológicos na elaboração de papers se deve principalmente ao fato de que poucos estudantes sabem da sua existência. É por isso que o livro se apresenta também como um meio de divulgação do PLN, com a pretensão de expandir a consciência sobre o potencial dessas ferramentas. Outra característica a destacar é o convite aberto que os autores fazem para que pesquisadores e programadores de software de todo o mundo criem ferramentas mais genéricas e conviviais que ajudem a comunidade acadêmica a garantir a qualidade de textos em inglês e a eficiência da comunicação científica. O texto é indicado para estudantes de pós-graduação de língua não-inglesa, mais especificamente brasileiros, que estejam começando a carreira acadêmica e pretendam seguir a trilha da escrita e da publicação de textos científicos. Esse livro ajuda esses estudantes a enxergar o fato de que a carreira exige qualidade textual, eficiência da comunicação e um bom domínio da língua franca da moderna comunicação científica. Contudo, além de ser útil para cientistas iniciantes, o livro pode contribuir para aprimorar os trabalhos daqueles pesquisadores que estão no meio da carreira ou já estabelecidos, mas que desconhecem o amplo (e moderno) leque de recursos e ferramentas linguístico-computacionais disponíveis para auxiliar na escrita científica de maneira adequada ao contexto da língua inglesa. A obra não é um livro de “receitas prontas”, mas um compêndio de informações e orientações sobre os fundamentos e os modelos teóricos subjacentes ao gênero da escrita científica, assim como uma descrição minuciosa de vários softwares de auxílio à escrita. O que dá um diferencial de qualidade e novidade à obra são precisamente as estratégias, técnicas e ferramentas que facilitam a redação dos trabalhos científicos em inglês. Apesar de uma parte das ferramentas apresentadas estar orientada para as ciências farmacêuticas, as estratégias e interfaces descritas podem ser usadas por qualquer pesquisador que precise escrever um artigo científico. A

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linguagem clara e acessível e é complementada por inúmeras figuras e exemplos que facilitam a compreensão dos conceitos por leitores leigos, não especializados na área da linguística computacional. O livro é útil e acessível também para cientistas com pouca experiência em ensino e publicação. No entanto, algumas figuras não têm boa resolução, dificultando em parte o perfeito entendimento do texto. Depois de ler o livro, é possível afirmar que a escrita é ao mesmo tempo uma arte e uma ciência. Porém, ele deixa uma dúvida: será que o uso dessas ferramentas computacionais reforçará ainda mais o estilo padronizado de produção científica, considerado por alguns cientistas e editores como um estilo marcado pelo jargão, pela impessoalidade e pelo tédio que provoca no leitor? Chegados a este ponto, um equilíbrio entre as benesses dos softwares de escrita disponíveis e as vantagens do uso da linguagem mais amena e pessoal na redação é uma solução de bom senso para compor textos mais agradáveis, acessíveis e publicáveis, sem desatender os fundamentos da escrita científica e, sobretudo, sem morrer tentando.

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