Como os Stockler chegaram ao Porto

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COMO OS STOCKLER CHEGARAM AO PORTO (Séculos XVII – XIX)

Como os Stockler chegaram ao Porto (Séculos XVII – XIX)

Autor:

António Manuel de Carvalho Lima

Título:

Como os Stockler chegaram ao Porto (Séculos XVII – XIX)

Edição:

Edição do Autor, Porto, Dezembro de 2014. Esta edição inclui dois anexos: Anexo I - Descendência portuguesa de Christian Stockler Anexo II -Os Stockler: De Ottendorf (Alemanha) ao Porto (Portugal) © Todos os direitos reservados.

Créditos das imagens: Capa e Fig. 1

Google Earth

Fig. 2

http://www.gazetadopovo.com.br/viver-bem/turismo/a-cosmopolita-hamburgo/

Fig. 3, 4, 6, 13 - 16, 18, 20 - 22, 25, 27

Arquivo Distrital de Lisboa

Fig. 5

http://miguelboto.blogspot.pt/2010/10/stockler-barao.html

Fig. 7 - 11, 26, 28, 29

António Manuel de Carvalho Lima

Fig. 12

http://babel.hathitrust.org/cgi/pt?id=mdp.39015020178292;view=1up;seq=8

Fig. 17

http://en.wikipedia.org/wiki/Giovanna_Sestini

Fig. 19

http://purl.pt/13426

Fig. 23, 24

http://purl.pt/index/geral/aut/PT/1285153.html

Fig. 30

http://pt.wikipedia.org/wiki/Ponte_de_D._Maria_Pia

Fig. 31 - 33

Arquivo Distrital do Porto

Fig. 34

Arquivo familiar de Ana Rosalina Tavares Stockler Nunes

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Para a Carla Natal de 2014

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I Era uma vez em Ottendorf, no Imperio Alemao…

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Como os Stockler chegaram ao Porto (Séculos XVII – XIX) Era uma vez em Ottendorf, no Império Alemão…

Era uma vez um habitante da pequena localidade de Ottendorf, situada na região de Dresden, estado da Saxónia, na Alemanha. O seu nome era Carsten Stockler e viveu há mais de 350 anos. Nessa altura reinava em Portugal D. João III, o primeiro rei da nossa terceira dinastia e ainda se vivia a euforia da restauração da independência portuguesa face à dinastia filipina de Espanha.

Fig. 1 – Ottendorf, Alemanha. Vista aérea

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Carsten (cujo nome é o equivalente dinamarquês para Cristiano), pertencia a uma família que, por tradição, seria originária da Dinamarca, de onde teriam passado para o Império Alemão no século XVII. De Ottendorf, Carsten decidiu mudar-se para a importante cidade de Hamburgo e casou pouco depois, em 1670, com uma senhora chamada Margareth Wolckers, natural de Hamburgo e aí residente, dando origem a uma poderosa família, que, como grande parte das famílias germânicas de então, professava uma religião iniciada pouco antes por um homem de seu nome Martinho Lutero. Carsten Stockler tornou-se rico e poderoso: além de se dedicar ao comércio com o estrangeiro, chegou a desempenhar o cargo de Burgomestre da cidade de Hamburgo. Do seu casamento com Margareth, viria a nascer um filho que herdou o nome e mais tarde as funções do pai: Christian Stockler.

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II Da Alemanha ate Portugal: uma geraçao de sucesso

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Como os Stockler chegaram ao Porto (Séculos XVII – XIX) Da Alemanha até Portugal: uma geração de sucesso

Christian Stockler nasceu a 2 de Agosto de 1688 e foi batizado na Igreja neogótica de São Nicolau. Esta igreja, localizada na Cidade Velha de Hamburgo, foi quase toda destruída pelos bombardeamentos aliados durante a Segunda Guerra Mundial e dela só restou uma torre. Essa torre foi restaurada e recebeu um elevador que hoje permite aos turistas apreciarem uma das mais belas panorâmicas da cidade de Hamburgo.

Fig. 2 - Torre da igreja de São Nicolau de Hamburgo, onde foi batizado Christian Stockler

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Em 1720, dando continuidade aos negócios do pai, Christian Stockler instalou-se em Lisboa para assumir, a 28 de Setembro desse ano, o cargo de Cônsul Geral de Hamburgo e das Cidades Hanseáticas em Portugal, cargo que ainda exercia por altura do batismo do seu sétimo e penúltimo neto, em Outubro de 1760. Além das suas funções diplomáticas, Christian tornou-se também um dos administradores daquela que era considerada a mais rica e importante fábrica portuguesa de então: a Companhia da Fábrica das Sedas. Estas funções certamente contribuíram para a sua fortuna mas também lhe trouxeram problemas: foi acusado de não defender convenientemente os interesses comerciais da fábrica portuguesa no estrangeiro, interesses esses que seriam incompatíveis com os dos comerciantes de Hamburgo, também eles representados por Christian, o que lhe valeu o seu afastamento forçado dessas funções. Em Portugal, Christian renuncia ao luteranismo e professa o catolicismo, fazendose batizar numa outra igreja de São Nicolau, a de Lisboa. Porém, a sua conversão não terá sido publicamente assumida, pois as suas relações profissionais com o meio protestante dos comerciantes de Hamburgo não o deveriam permitir: o padre que viria a batizar o seu primeiro filho chama-lhe “Christiano Estoqueler hamburgues catholico romano ainda que occulto por causa de seos negocios”. Pouco depois, ainda antes do Natal de 1721, casou-se na freguesia do Socorro, em Lisboa. Aquando do seu casamento, a 23 de Dezembro, a sua noiva, Margarida 9

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Antónia do Espírito Santo Álvares Moreira, então com 20 anos de idade (Christian contava 33) estava já prestes a dar à luz o primeiro dos cinco filhos do casal. Uma licença especial do Cardeal Patriarca permitiu que o casamento se realizasse em cerimónia privada na capela particular da casa de Pedro Álvares, pai da noiva, situada na freguesia do Socorro (Lisboa).

Fig. 3 – Certidão de casamento de Christian Stockler e Margarida do Espírito Santo Álvares Moreira. Trata-se de um segundo assento, lavrado em 1773, pelo facto de o original se ter perdido com o terramoto de 1755

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Não se sabe com exatidão onde se situava a casa em que a família Stockler residia habitualmente. Mas seria certamente na baixa de Lisboa, na área da freguesia de São Nicolau, onde todos os filhos do casal viriam a nascer e a receber o batismo, na década de 20 do século XVIII. Uma semana depois do casamento, a 2 de Janeiro de 1722, era batizado Cristiano, o primeiro dos Stockler nascidos em Portugal.

Fig. 4 – Assento de batismo de Cristiano Stockler, datado de 2/1/1722

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Christian e Margarida ainda teriam mais quatro filhos, todos nascidos em São Nicolau, em pleno centro da capital: Francisco Xavier, nascido em 1724, Ana Margarida em 1727, Mariana Joaquina em 1734 e Ana, cuja data de nascimento se desconhece. Provavelmente por causa da delicada situação dos pais, recém-casados aquando do batismo do seu primeiro filho, Cristiano deve ter sido batizado discretamente: foi o único dos cinco irmãos a ter um padrinho modesto, que foi o próprio Prior da Igreja de São Nicolau. Também foram certamente questões religiosas que ditaram a ausência do pai, Christian, que não esteve presente na cerimónia. De resto, a importância que já então tinha o ramo português da família Stockler está bem patente na condição social dos que acederam a serem padrinhos dos restantes filhos de Christian e Margarida. Francisco Xavier teve por padrinho o Desembargador Jorge Freire de Andrade e Ana Margarida foi apadrinhada por Diogo de Mendonça Corte-Real (Secretário de Estado de D. João V) e sua esposa Dona Teresa de Bourbon (irmã do Cardeal Patriarca de Lisboa). Mariana Joaquina foi assim chamada porque teve por madrinha a “Augustíssima Senhora Rainha-mãe” [Maria Ana, Arquiduquesa de Áustria, esposa de D. João V de Portugal]. O padrinho foi o “Sereníssimo Senhor Infante Dom Pedro” (futuro rei D. Pedro III, casado com a Rainha D. Maria I). 12

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Embora Cristiano fosse o filho primogénito, o facto de ter sido fruto de uma relação anterior ao matrimónio de seus pais terá ditado que fosse o segundo filho, Francisco Xavier, a herdar os cargos do pai: Francisco foi nomeado Cônsul de Hamburgo em 1757 e Cônsul Geral do Império Alemão em 1760. A 2 de Agosto de 1792, quando Francisco Xavier já contava 68 anos de idade, a rainha D. Maria I criou a seu favor o título de Barão de Stockler.

Fig. 5 - Brasão dos barões de Stockler. Partido I - de azul, com três troncos esgalhados de ouro, postos em pala e alinhados em banda; II - de ouro, com uma faixa de azul, carregada com uma estrela de ouro de seis raios; Elmo de prata a 3/4 tauxeado de ouro e forrado de vermelho; virol e paquifes de ouro e azul; coronel de Barão; Timbre de Stöckler: peça de ouro, de onde saiem três plumas, a do centro de ouro e as laterais de azul; correias de azul perfiladas de ouro. Tachões de ouro. Foi Barão de Stöckler, Francisco Xavier Stöckler (cidadão alemão) que foi autorizado a usar o título em Portugal, pela autorização de 02 de Agosto de 1792, de D. Maria. 13

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III Cinco filhos, um so com descendencia

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Cinco filhos, um só com descendência

Embora Francisco Xavier tenha casado, não deixou descendência conhecida, pelo que foi o primeiro e último a usar o título de Barão de Stockler. Provavelmente pertence à sua esposa a documentação que se guarda no Arquivo Nacional da Torre do Tombo sob o título de “Administração da Casa da Baronesa de Stockler”. Das filhas de Christian e Margarida também não se conhece qualquer descendência.

Mariana

Joaquina

ficou

solteira.

Ana

Margarida

casou

clandestinamente e foi por isso processada, tendo sido feita reclusa no Convento de Santa Marta, em Lisboa. Assim, para dar sequência à linhagem dos Stockler em Portugal, restou o filho mais velho, Cristiano, que viria a casar aos 26 anos de idade, a 12 de Janeiro de 1748, com Margarida Josefa Rita Dorgier Garção de Carvalho, que era apenas uns meses mais nova que o noivo. Proveniente do mesmo círculo social da alta nobreza, Margarida tinha a mesma madrinha de batismo que Francisco Xavier, irmão de Cristiano: D. Teresa de Bourbon, irmã do Cardeal Patriarca de Lisboa. O seu padrinho era o não menos ilustre Duque D. Jaime.

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A cerimónia realizou-se na Rua do Bemformoso, ao Rossio (Lisboa), no oratório privado das casas de Filipe Correia da Silva – ilustre pai da noiva, Cavaleiro Fidalgo da Casa Real, Oficial Maior da Secretaria de Estado dos Negócios Estrangeiros e Cavaleiro Professo da Ordem de Cristo. Desconhecemos em que local Cristiano e Margarida Josefa se instalaram e constituíram família. Provavelmente terá sido na Baixa de Lisboa pois os assentos de batismo dos seus três primeiros filhos, nascidos antes de 1755 – António Xavier, José Cristiano e Luísa – arderam nos incêndios que se seguiram ao terramoto que devastou o centro da cidade, durante os primeiros dias do mês de Novembro desse ano.

Fig. 6 – Assento de casamento de Cristiano Stockler e Margarida Josefa Rita Dorgier Garção de Carvalho

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IV Tempos dramaticos e uma decisao acertada

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Tempos dramáticos e uma decisão acertada

No início da década de 1750, Christian Stockler tomou uma decisão que, muito provavelmente, salvou a vida de toda a sua família uns anos mais tarde: decidiu comprar uma quinta na mais requintada área de lazer das famílias nobres da época: a Quinta do Alto, em Colares (Sintra). Aí mandou construir aquilo a que então se chamava uma “pleasure – house”, uma casa e quinta de recreio onde a família passava algumas temporadas, longe da cidade.

Fig. 7 – Quinta do Alto (Colares, Sintra)

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É nesta quinta que se encontra o único brasão dos Stockler conhecido em Portugal, o qual, segundo consta, ostentava a data de 1753. Porém, da antiga quinta do século XVIII, subsistem apenas vestígios de três tanques ornados com frontões em terracota, bustos e azulejos representando cenas mitológicas e profanas. A atual casa, erigida na parte baixa da propriedade, data já dos inícios do século XIX.

Fig. 8 - Brasão dos Stockler no Largo da Quinta do Alto (Colares, Sintra)

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Fig. 9 - Peças de escultura da antiga quinta dos Stockler no Largo da Quinta do Alto (Colares, Sintra)

Como já era habitual, em finais de Outubro de 1755 a família rumou à sua quinta em Sintra. Aí podiam usufruir dos ares do campo e também da praia, que não se encontra muito longe. A mais próxima e acessível a partir da Quinta do Alto é a Praia da Adraga. Era lá, a cerca de 30 km. de Lisboa, que Christian Stockler, acompanhado (pela família?) se encontrava no dia 31 de Outubro de 1755. E também no dia seguinte…

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Fig. 10 – Praia da Adraga, Sintra

O que Christian observou a partir da Adraga já foi reproduzido vezes sem conta por todos aqueles que tentam perceber o que se passou no fatídico dia 1 de Novembro:

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Como os Stockler chegaram ao Porto (Séculos XVII – XIX) “A 31 de Outubro havia céu limpo e estava invulgarmente quente para aquela época do ano; soprava vento norte e, cerca das quatro horas da tarde, surgiu um nevoeiro vindo do mar que cobriu os vales; algo de muito comum no Verão mas raro nesta época do ano. Pouco depois de o vento mudar para Este, o nevoeiro regressou ao mar, engolindo-se a si próprio, e tornando-se o mais espesso que já vi. Quando o nevoeiro se retirou, o mar como que se elevou numa prodigiosa ressonância. No dia 1 de Novembro, o dia nasceu com céu sereno, o vento continuava de Este; mas cerca das nove da manhã o sol começou a escurecer e cerca de meia hora depois começamos a ouvir um ruído a ressoar, como o que fazem as carruagens, que foi crescendo até se tornar igual ao do mais forte canhão; e imediatamente sentimos o primeiro abalo que foi seguido por um segundo e por um terceiro; no qual, tal como no quarto, foram vistas várias chamas de fogo emergindo dos lados das montanhas, fazendo lembrar o que se observa nos gravetos do carvão. No local em que permaneci até o terceiro abalo terminar, observei as paredes a moveremse de Este para Oeste. Observei a partir de uma das colinas, chamada do Fojo, junto à praia da Adraga, que se libertou uma grande quantidade de fumo, muito espesso mas não muito negro; que foi aumentando até ao quarto abalo e depois disso continuou a surgir com maior ou menor intensidade. Logo que começamos a ouvir o eco de estrondos subterrâneos, percebemos que esse fumo espesso iria explodir próximo do Fojo, onde nos encontrávamos, já 22

Como os Stockler chegaram ao Porto (Séculos XVII – XIX) que a quantidade de fumo era sempre proporcional ao barulho subterrâneo. Continuei a observar isto até ao meio-dia de 2 de Novembro, quando me retirei do local. Continuou a fumegar por mais alguns dias, umas vezes mais, outras vezes menos, de acordo com os ruídos que vinham de baixo da terra […]. No dia 20 à tarde, estando eu no mesmo local, vi um pequeno nevoeiro surgindo do mar (vindo da mesma direcção da qual surgia o fumo), que cheirava a enxofre; e quando o vento voltou a soprar de Este, o nevoeiro retirou-se para o mar; e na manhã do dia 21, por volta das nove da manhã, sentimos dois abalos de um terramoto suficientemente violento, mas não vimos mais fumo. […] Fui examinar o local onde havia surgido o fumo mas não descobri de onde ele poderia ter saído; nem descobri quaisquer sinais de fogo nas proximidades; pelo que presumo que o fumo foi libertado por alguma erupção ou vulcão no mar, que as águas voltaram a cobrir, ou que ele saíu por alguma fenda na terra, que voltou depois a fechar”. Numa outra carta, Christian Stockler refere que “na tarde do dia 31 de Outubro, a água de uma fonte diminuíu bastante: na manhã do dia seguinte correu bastante lamacenta e depois do terramoto voltou ao seu estado normal, quer em quantidade, quer em limpidez. Algumas fontes, depois do terramoto, correram lamacentas, umas diminuiram, outras aumentaram o volume de água, outras simplesmente secaram; e uma, que com o terramoto secou completamente, 23

Como os Stockler chegaram ao Porto (Séculos XVII – XIX) voltou passados dois dias ao seu estado normal. Em alguns lugares onde antes não havia água, brotaram nascentes, cuja água depois continuou a correr. No lugar de Varge [Várzea de Colares?], e no rio de Macaas [Praia das Maçãs?], no momento do terramoto, brotaram várias nascentes de água, cujo jacto, nalguns casos, atingiu 25 palmos de altura, projectando areias de várias cores, que permaneceram no chão. Nas colinas, muitas rochas abriram fendas e estavam várias outras no chão, mas nenhuma delas de tamanho considerável. Na costa, caíram bocados de rocha, alguns deles bastante grandes e no mar partiram-se várias pedras: os mais notáveis são aqueles a que os marinheiros chamam Sarithoes ou Biturecras, das quais uma se partiu apenas no topo e outras se fez toda em pedaços. Entre essas rochas e a principal, as embarcações costeiras navegavam em águas baixas; e agora consegue-se lá chegar sem molhar os pés. Num rochedo chamado Pedra de Alvidrar, surgiu uma espécie de parapeito, cujas fundações brotaram do mar. Num pântano ou lago, que recebeu bastante água no Inverno, e que não estava seca no Verão, emergiu terra; pelo que agora tem a aparência de uma pequena cavidade, que antes tinha seis ou sete palmos de profundidade e que agora está ao nível do terreno adjacente. Noutros locais, pela mudança de correntes, a terra parece terse movido, pelo que alguns locais estão agora mais elevados, outros mais deprimidos do que antes.”

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Fig. 11 – Vista do Fojo, junto à Praia da Adraga. Esta vista corresponde aproximadamente àquela que Christian Stockler tinha quando assistiu ao terramoto de 1 de Novembro de 1755

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Fig. 12 - The Gentlemen Magazine. Uma das revistas em que Christian Stockler publicou o seu relato do terramoto de 1 de Novembro de 1755

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V Refazer a vida nos suburbios da capital

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Refazer a vida nos subúrbios da capital

À custa da viagem e estadia na sua quinta em Sintra, todos os Stockler sobreviveram à catástrofe de 1 de Novembro. Coube a Christian, o decano da família, testemunhar os efeitos do terramoto numa zona rural e escapar à devastação que não poupou o centro da cidade, onde viviam. A mesma sorte não teve o sogro de Cristiano. Neste mesmo terramoto, ruíram as casas do Rossio onde Cristiano e Margarida Josefa tinham casado e nesse desmoronamento perderam a vida o pai e uma das irmãs de Margarida Josefa. Rezam os respectivos assentos de óbito que “em o primeyro dia do mês de Novembro [de 1755] falleceo no Rocio de morte súbita na ruyna das suas casas Felippe Correa da Sylva” e “com elle juntamente Dona Joaquina donzella”, sua filha.

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Fig. 13 – Assento de óbito do sogro de Cristiano Stockler, falecido no terramoto

Após o terramoto, Christian e sua esposa, Margarida Antónia, mantiveram-se em Lisboa mas mudaram-se para o que então era periferia da cidade, São Jorge de Arroios. Instalaram-se na Rua Direita das Marias, no lugar dos Lagares, onde viveram até ao verão de 1772. Margarida Antónia viria a falecer em casa, a 27 de Junho desse ano, e “foi sepultada na igreja do Menino Deus”. Cristiano não lhe sobreviveu sequer dois meses: faleceu com 84 anos de idade, a 20 de Agosto, na mesma casa. Diz o pároco de então que o seu estado já não lhe permitiu receber todos os sacramentos. Foi sepultado no Convento de São Francisco.

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Fig. 14 – Assento de óbito de D. Margarida Antónia do Espírito Santo Álvares Moreira (27/06/1772)

Fig. 15 – Assento de óbito de Christian Stockler (20/08/1772)

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Quanto ao casal Cristiano e Margarida Josefa, também se mudaram para a periferia mas para uma outra freguesia, São Sebastião da Pedreira, mais concretamente para o lugar de Ponte do Rego, não longe do sítio onde atualmente fica a estação ferroviária de Entrecampos. Aí nasceram os seus restantes cinco filhos: Maria Margarida (1757), Cristiano José (1758), Francisco (1759), Filipe (1760) e Filipe José (1764), estes dois últimos muito provavelmente assim chamados em honra de seu avô materno. Depois do terramoto, a nova residência dos Stockler, na Ponte do Rego, não deveria ser uma grande propriedade. Nas “Memórias Paroquiais” que o pároco de São Sebastião da Pedreira nos deixou, datadas de 1758, são descritas todas as grandes quintas e palácios da freguesia e mencionados, quer os respetivos proprietários, quer os seus ocupantes. Mas delas não consta a família de Cristiano, o que não significa que os Stockler tenham perdido riqueza ou prestígio. Como já vimos, Cristiano Stockler, o “hamburguês”, continuava a exercer o cargo de Cônsul Geral, no que viria a ser substituído em finais de 1760 por seu segundo filho, Francisco Xavier. O qual, como também já vimos, viria a ser promovido a Barão por D. Maria I. No século XVIII, um dos maiores sinais de riqueza e estatuto social, em Portugal, ainda era a posse de escravos – a escravatura só viria a ser totalmente abolida nas colónias portuguesas em Portugal em 1869. Mas apenas uns meses antes de o Marquês de Pombal, em 12 de Fevereiro de 1761, decretar o fim da escravatura 31

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em Portugal continental, a família Stockler tinha pelo menos uma escrava, Maria do Rosário, “solteira, serva de Cristiano Estoqueler” que “de repente, perdeu os sentidos athé morrer” conforme nos relata em 6 de Dezembro de 1759 o pároco da freguesia onde viviam.

Fig. 16 – Assento de óbito de Maria do Rosário, “solteira, serva de Cristiano Estoqueler”

Uma outra das formas mais fiáveis de medir o prestígio social de uma família é conhecendo aqueles que aceitam ser padrinhos de batismo dos recém-nascidos. Um critério em que a primeira geração portuguesa dos Stockler tinha atingido o topo da hierarquia social. Infelizmente, os assentos de batismo dos três primeiros filhos de Cristiano e Margarida, nascidos antes de Novembro de 1755, arderam nos incêndios que se sucederam ao terramoto. Mas os dos restantes filhos, que já nasceram na Ponte do Rêgo, entre 1757 e 1764, permitem-nos perceber que o prestígio da família se mantinha ao mais alto nível. 32

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Nos primeiros anos de vida na Ponte do Rego, tentando não deixar que se quebrassem as relações familiares, a estratégia parece ter sido a consolidação dos laços de sangue: Margarida teve por padrinho Rodrigo de Sande e Vasconcelos e Cristiano José teve Luis António Roberto Correia da Silva, irmão de sua mãe. Passados os tempos mais atribulados revelam-se de novo as relações sociais: a Francisco e Filipe, coube-lhes o mesmo padrinho, nada menos do que o “Ilustríssimo e Excelentíssimo Francisco Xavier de Mendonça Furtado, Ministro e Secretário de Estado dos Negócios do Reino”. E Filipe José, o irmão mais novo, foi apadrinhado por Monsenhor Paulo de Carvalho e Mendonça.

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VI A diaspora dos Stockler portugueses

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A diáspora dos Stockler portugueses

Os oito irmãos tiveram percursos de vida muito diferentes. E, ao contrário da primeira geração portuguesa, que deu origem a uma única linhagem de descendentes, que se manteve em Lisboa, esta nova geração deu origem a várias linhagens. António Xavier casou e teve uma filha, Maria Margarida, que por sua vez viria a casar com seu tio, Francisco, irmão de António Xavier. Mas do casamento entre tio e sobrinha não resultou descendência. Filipe tornou-se clérigo e de Cristiano José – cujo casamento, em 1794, não parece ter sido de grande prestígio – conhece-se um único descendente, também ele Cristiano, que faleceu ainda jovem, na zona de Benfica (Lisboa). Os restantes cinco irmãos foram responsáveis pela disseminação dos Stockler de origem portuguesa, que se espalharam pelos cinco continentes. - Luísa é aquela cuja vida é menos bem conhecida. Viria a falecer no Rio de Janeiro, onde terá constituído família. A par de Francisco, seu irmão, terá sido ela uma das principais origens dos Stockler do Brasil.

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- José Cristiano teve uma história de vida mais atribulada mas nem por isso mal sucedida, que merece ser contada. Após o terramoto, era prática comum na capital portuguesa recrutar atrizes italianas para animar as representações nos teatros da cidade. Entre elas, estavam duas irmãs de Florença, Giovanna e Anna Sestini, que alcançaram algum sucesso em Portugal, com as suas atuações no Teatro da Rua dos Condes, entre 1768 e 1774. Os talentos de Giovanna foram mais reconhecidos, o que lhe valeu mais papéis principais. Tornou-se uma famosa cantora de ópera e envolveu-se com José Cristiano Stockler, cuja família então frequentava os círculos mais próximos da Corte real. Não obstante o desacordo dos pais, José casou com Giovanna e dela terá tido dois filhos ainda antes de se mudarem para Londres, em 1774.

Fig. 17 - Giovanna Sestini, mais tarde conhecida como Joanna Stocqueler, numa obra de Ozias Humphry. Giovanna está retratada como Terpsichore (musa da dança e dos coros dramáticos)

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José Cristiano renegou todos os privilégios e propriedades de que poderia usufruir por herança e tornou-se um bem-sucedido homem de negócios na capital inglesa, no ramo do comércio do Vinho do Porto. Giovanna, por seu lado, teve uma carreira de sucesso e foi, por muitos anos a popular prima buffa (ou “primeira dama”) dos espetáculos de ópera cómica do King’s Theatre, em Londres. Instalaram-se em Oxendon Street e não tardou a que nascesse o seu terceiro filho, primeiro nascido em Inglaterra, batizado com um nome igual ao do pai, Joseph Christian Stocqueler, no dia de Ano Novo de 1775, na capela privada da Embaixada portuguesa em Londres. Giovanna e José tiveram mais dois filhos. Um deles, ainda jovem, teve uma experiência no meio artístico, onde era chamado Master Sestini. O outro, Joachim Christian Stocqueler, casou e foi pai de um conhecido escritor e jornalista, Joachim Hayward Stocqueler (1801 – 1886). Este último tornou-se autor de uma vasta obra literária e seguiu inicialmente a carreira militar, o que o levou a viajar bastante. Casou três vezes e dos seus casamentos resultou descendência em Inglaterra, na Índia e, através de um dos seus netos, também na Austrália. Em fuga devido a dificuldades financeiras, que chegaram a valer-lhe a prisão, emigrou para os Estados Unidos da América, onde, por disfarce e por fantasia – dizia-se filho ilegítimo da conhecida atriz Sarah Siddons – adoptou o apelido Siddons e também aí deixou descendência.

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- Maria Margarida casou com José Maria Salema Garção, filho do célebre poeta Correia Garção, um dos fundadores da Arcádia (mais tarde refundada como Nova Arcádia, à qual viriam a pertencer outros célebres poetas como Bocage). Correia Garção era, por sua vez, filho de Filipe Correia da Silva e como tal irmão de Margarida Josefa Rita Dorgier Garção de Carvalho – progenitora dos primeiros Stockler portugueses. Tiveram pelo menos três filhos dos quais resultou numerosa descendência. A maior parte dos ramos de descendentes de Maria Margarida constituiu família em Lisboa e pelo menos dois instalaram-se na área de Alenquer. Nos inícios do século XX, havia pelo menos oito casais com descendência direta de Maria Margarida. - Francisco viria a ser um dos mais célebres dos Stockler portugueses. Ficou para a história como Francisco de Borja Garção Stockler. Dado que não tem antecedentes familiares que justifiquem os seus dois primeiros nomes, é provável que lhe tenham sido dados em honra de São Francisco de Borja, um santo italiano que na época em que os Stockler se instalaram em São Sebastião da Pedreira, era aí venerado numa capela existente na Rua do Arco do Cego, ao Campo Pequeno. Para além do mais, São Francisco de Borja era então considerado em Portugal como o santo protetor contra terramotos. Não fosse repetir-se a tragédia ocorrida em Lisboa quatro anos antes do nascimento de Francisco…

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Fig. 18 – Assinatura autógrafa de Francisco de Borja Garção Stockler

Ainda hoje se publicam artigos sobre a sua obra como matemático. Tem uma vasta obra publicada da qual sobressai o “Ensaio Historico sobre as Origens e Progressos das Mathematicas em Portugal”.

Fig. 19 - Frontispício de uma das obras mais conhecidas de Francisco de Borja Garção Stockler

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Fez também carreira no exército tendo chegado ao posto de Tenente-General e exercido as funções de Governador dos Açores. Foi o primeiro e único Barão da Vila da Praia. Nascido em Lisboa a 25 de Setembro de 1759, casou por duas vezes, a segunda das quais com a sua sobrinha, Maria Margarida. Só do primeiro casamento teve descendência conhecida em Portugal. Dos quatro filhos, sobressai Ana Margarida de Mendonça Moura Stockler, de quem descende o mais extenso ramo familiar dos Stockler portugueses, que se tornou senhor da Casa das Obras (actual edifício da Câmara Municipal de Seia, no distrito da Guarda) e que está na origem da família dos Stockler Pinto de Albuquerque, que ainda nos dias de hoje usam esses apelidos. Francisco de Borja tinha uma carreira promissora, primeiro como membro da Academia Real da Marinha e mais tarde como membro da Academia Real das Ciências, mas caiu em desgraça por ter sido acusado de acolher o General Junot e colaborar com as tropas francesas. Desacreditado após o fracasso das invasões francesas, emigrou para o Brasil em 1812 onde passou a integrar a Academia Real das Ciências no Rio de Janeiro. Aí, à semelhança de sua irmã Luísa, terá deixado descendência. Regressado a Portugal em 1820 e reabilitado por D. João VI, chegou a ser preso em 1821 por apoiar a família real, opondo-se aos liberais. Em sua defesa, seu filho 40

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António Nicolau de Moura Stockler fez publicar alguns textos que procuravam explicar as posições políticas do pai. Foi definitivamente libertado em 1823 tendo recuperado todos os seus direitos. - Por fim, Filipe José, o filho mais novo de Cristiano e Margarida Josefa, nascido em 1764 quando os seus pais já contavam 42 anos de idade. Batizado com doze dias de vida, a 9 de Fevereiro de 1764, augurava-se uma vida próspera a Filipe José: foi seu padrinho o “Ilustríssimo Monsenhor Paulo de Carvalho e Mendonça”, Monsenhor da Patriarcal, mais tarde Cardeal, nada mais, nada menos do que irmão de Sebastião José de Carvalho e Melo, Marquês de Pombal.

Fig. 20 – Assento de batismo de Filipe José Stockler, nascido a 28/1 e baptizado a 9/2/1764

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VII O início do afastamento de Lisboa

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O início do afastamento de Lisboa

Para Filipe José, o descendente mais novo do casal Cristiano Stockler e Margarida Josefa, não parece ter sido reservado um casamento de conveniência que lhe assegurasse as relações sociais necessárias para a manutenção do prestígio dos seus antepassados. Ou então ele tomou a iniciativa de escolher por si, pois para a sua esposa não se conhece qualquer ascendência de realce. Da sua vida profissional, sabe-se que tirou partido do prestígio e das funções de seu irmão, Francisco de Borja. Em 1801, Filipe José, sendo já oficial da Secretaria de Estado dos Negócios da Guerra, foi nomeado pelo príncipe regente, D. João, para servir no ofício de secretário do Conselho Ultramarino, nos impedimentos de seu irmão e enquanto este não tivesse filho varão maior de idade. Na verdade, seria mesmo Filipe José e não António Nicolau, o filho mais velho de Francisco, a suceder a este último como titular de tão importante cargo, embora António Nicolau fosse mais tarde nomeado para as mesmas funções por D. João VI.

Fig. 21 – Assinatura autógrafa de Filipe José Stockler

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Aliás, António Nicolau de Moura Stockler, nascido em 1805, filho primogénito varão de Francisco de Borja, certamente enquanto herdeiro do pai, deverá ter sido, do ponto de vista económico e profissional, o mais bem-sucedido dos Stockler na geração seguinte à de Filipe José. As suas posses e o seu estatuto social estão bem patentes, não só no facto de lhe ter sido destinada a sucessão do pai mas também no seu casamento e residência: casou com Anna Elizabeth Pusich, filha de um homem de origem croata, ilustre Chefe de Esquadra Naval e governador das ilhas de Cabo Verde, nascida no Brasil e irmã daquela que é considerada a primeira jornalista portuguesa. E estabeleceu residência num palácio com capela privada dedicada a Santo António, situado na Calçada dos Barbadinhos, em Santa Engrácia (Lisboa). Embora António e Anna tivessem tido filhos, não se lhes conhecem netos, o que poderá explicar o facto de as gerações seguintes dos Stockler não mais terem gozado do estatuto e prestígio social atingidos por Francisco de Borja e António Nicolau. Quanto a Filipe José Stockler, ainda antes de casar mas já com 40 anos de idade, a 27 de Março de 1804, “homem solteiro e Official da Secretaria de Estado dos Negócios Estrangeiros e da Guerra, Cavaleiro Fidalgo da Casa Real e Cavaleiro Professo na Ordem de Christo” foi pai de um menino a que deu o nome de Filipe Roberto, juntando o nome de Filipe, seu e de seu avô materno falecido no terramoto, ao de seu tio também do lado materno, Luís António Roberto.

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Nada de grandes personalidades para apadrinharem um filho dito “natural” (por oposto ao filho “legítimo”, nascido de um casamento): o padrinho foi o tesoureiro da igreja de Santa Marinha de Lisboa, onde se realizou o batismo. O batismo de Filipe, cujo nome completo viria a ser Filipe Roberto da Silva Stockler, tem uma característica muito rara, mais ainda por se tratar de um registo do início do século XIX: ele foi registado exclusivamente em nome do pai, omitindo-se o nome da mãe, que, oficialmente, ficou incógnita por mais de 20 anos. Só em 1846, por ordem do Vigário Geral, se acrescentou ao assento de batismo de Filipe Roberto uma declaração do seguinte teor: “A May do baptizado Felippe chamavase Maria Ignacia Franco e elle foi legitimado por Carta de Legitimação de vinte e seis de Maio de mil oitocentos vinte e cinco, passada em nome de Sua Magestade Fidelissima, pelo Dezembargo do Paço, por Despacho dezenove do dito mez e anno, registada na Chancellaria Mor da Corte e Reino a folhas cento e trinta do Livro de Legitimações”.

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Fig. 22 – Assento de batismo de Filipe Roberto da Silva Stockler

Oito anos depois de Filipe Roberto, em 1812, nasceu em Alcântara (Lisboa) Maria Emídia, uma das duas filhas “legítimas” de Filipe José Stockler, então já casado com Rosa Maria da Piedade Silva. Da outra filha, Maria Rosa Silva, nascida em São João Baptista de Tomar, desconhecemos a data exata do nascimento. A ligação da família à cidade de Tomar não se ficaria por aqui. Quer o filho, quer o neto de Filipe José Stockler haveriam de lá arranjar noiva. Mas Filipe José terá permanecido em São Sebastião da Pedreira, na capital. Ou, pelo menos, para lá voltou, já que aí viria a falecer aos 65 anos de idade, em 1831.

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Da filha Maria Rosa nada mais se conhece. Quanto a Maria Emídia, teve pelo menos quatro filhos, dos quais resultou numerosa descendência. Nos inícios do século XX, de Lisboa aos Açores, ainda havia quatro casais a darem sequência a este ramo da família, dos quais pelo menos três tiveram descendentes. Como nos é desconhecida a data do seu casamento com Rosa Maria da Piedade Silva e como Filipe Roberto terá nascido antes das filhas legítimas do casal, não se sabe se ele foi fruto de uma relação extraconjugal ou de uma ligação anterior ao matrimónio de Filipe José. O certo é que, como vimos, Filipe Roberto terá sido legitimado quando atingiu os 21 anos de idade É possível que a família tenha residido, pelo menos temporariamente, na cidade de Tomar. Não só foi aí que nasceu uma das filhas de Filipe José como foi aí que seu filho Filipe Roberto encontrou companheira, de seu nome Teresa de Jesus Rodrigues. No entanto, a ligação a Lisboa não se perdeu de imediato. Pouco se sabe sobre a vida profissional de Filipe Roberto, a não ser que seguiu as pisadas do tio, Francisco, do pai, Filipe José, e do primo, António Nicolau: trabalhou na Secretaria do Conselho Ultramarino, para onde terá sido levado por Francisco de Borja que, mesmo depois de ter sido feito “Barão da Vila da Praia”, continuou a exercer funções de relevo nessa Secretaria de Estado. Filipe Roberto nunca terá chegado a Secretário, como os seus familiares, ficando-se pelo cargo de “Oficial do Assentamento do Conselho Ultramarino”, cargo que exerceu, pelo menos, entre 1823 e 1833. 47

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A faceta mais interessante de Filipe Roberto foi a sua dedicação às artes gráficas. Conhecem-se pelo menos seis litografias da sua autoria, executadas entre 1840 e 1860. De cada uma delas a Biblioteca Nacional guarda um exemplar. Representam figuras de relevo da história portuguesa, tais como Pedro Álvares Cabral, João de Barros, D. Francisco de Almeida e ainda o Visconde da Senhora da Luz.

Fig. 23 – Litografias da autoria de Filipe Roberto da Silva Stockler, datadas entre 1840 e 1860: D. Francisco de Almeida e João de Barros (exemplares guardados na Biblioteca Nacional)

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Fig. 24 – Litografias da autoria de Filipe Roberto da Silva Stockler, datadas entre 1840 e 1860: Pedro Álvares Cabral e Visconde da Senhora da Luz (exemplares guardados na Biblioteca Nacional)

De qualquer das formas, a geração de Filipe Roberto, embora continue a ter acesso a cargos administrativos no governo central, marcou, para esta linhagem, o fim dos títulos nobiliárquicos, dos ofícios ligados à Casa Real e ao governo central e a frequência dos círculos mais próximos da Corte.

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Na esteira do que havia sucedido com seu o seu progenitor, Filipe Roberto e Teresa de Jesus, na condição de solteiros, foram pais de três crianças: duas meninas, Maria Amália e Maria Emília, e um rapaz, batizado a 24 de Abril de 1828 na igreja do Sagrado Coração de Jesus, em Lisboa. Deram-lhe o nome de Filipe Fiel.

Fig. 25 – Assento de batismo de Filipe Fiel Stockler, nascido a 24/4/1828

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VIII Rumo ao Norte, sobre carris…

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Rumo ao Norte, sobre carris…

Filipe Roberto terá vivido no Bairro Alto, longe das zonas mais nobres da capital onde se haviam instalado os primeiros Stockler portugueses. Seu filho, Filipe Fiel, seguiu-lhe os passos em vários aspetos: - A mãe dos seus filhos, Maria da Piedade Ferreira, era natural da cidade de Tomar, tal como a sua própria mãe; - Com ela se juntou ainda antes de casar: o casamento ocorreu em 1866, já depois de nascerem os dois primeiros dos quatro filhos do casal – a mais velha, Matilde do Patrocínio já tinha quatro anos e Eusébio Filipe era ainda um bebé de meses. Já depois de casarem, Filipe Fiel e Maria da Piedade ainda teriam António Filipe (nascido em 1867) Camila (em 1869) e Júlia (em 1873). - Manteve residência no Bairro Alto, mais concretamente na Rua do Passadiço, “número trinta e cinco, moderno terceiro andar”. Era aí que o casal residia quando nasceu a primeira filha, Matilde, em 1862.

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Fig. 26 - Rua do Passadiço nº 33 - Bairro Alto, Lisboa

Filipe Fiel e Maria da Piedade casaram a 28 de Outubro de 1866, na Igreja do Sagrado Coração de Jesus (Lisboa). No mesmo dia e no mesmo local em que casaram, batizaram o seu segundo filho, Eusébio Filipe, nascido em Julho. Dizemse por essa altura ainda moradores na Rua do Passadiço em Lisboa mas a verdade é que Eusébio Filipe já não nasceu em Lisboa mas sim em Santa Marinha de Vila Nova de Gaia. Três dias antes do Natal seguinte, a 22 de Dezembro de 1867,

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quando batizaram o seu terceiro filho, António Filipe, a família já se tinha mudado definitivamente para Vila Nova de Gaia.

Fig. 27 – Assento de casamento de Filipe Fiel Stockler e Maria da Piedade Ferreira

Filipe Fiel começou por trabalhar como enfermeiro no Hospital Nacional e Real de São José, em Lisboa. Era aí que exercia a sua profissão em 1862, quando nasceu a sua primeira filha. Maria da Piedade, por seu lado, não se apresenta com qualquer profissão, nem tão pouco assina os assentos de batismo dos seus filhos, pelo facto de “não saber escrever”. Nos anos que se seguiram, aquilo que se 54

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passou viria a mudar radicalmente a sua vida profissional e familiar, e levaria, pela primeira vez, à fixação de uma das linhagens dos Stockler portugueses no Norte do país.

Fig. 28 – Real Hospital de São José, em Lisboa, onde Filipe Fiel trabalhou até passar a trabalhar para os caminhos-de-ferro e mudar para Vila Nova de Gaia

Alguém de grande influência parece ter tido muita importância nesta mudança de rumo da vida de Filipe Fiel Stockler e de todos os seus descendentes: Dom Eusébio

Cardero

Kolokosky,

Tesoureiro

portugueses. 55

Geral

dos

Caminhos-de-ferro

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Dom Eusébio aparece em Outubro de 1866 como testemunha no casamento de Filipe Fiel e Maria Piedade e no batismo do segundo filho do casal, a quem, em sua honra, deram precisamente o nome de Eusébio. Logo a seguir, o casal mudase a título definitivo para Vila Nova de Gaia (onde já tinha nascido Eusébio), Filipe Fiel passa a apresentar-se como “empregado dos Caminhos-de-Ferro” (onde continuou a exercer a profissão de enfermeiro) e a família passa a residir na… Estação Ferroviária das Devesas.

Fig. 29 – Estação Ferroviária das Devesas

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A Estação das Devesas, em Vila Nova de Gaia, foi, durante algum tempo, o ponto de partida e de chegada dos primeiros comboios a fazerem a ligação Lisboa – Porto. Os passageiros provenientes do Sul que pretendiam ir ao Porto tinham de sair nas Devesas e ir a pé – quando muito, para os mais afortunados, de carruagem – e atravessar o Douro na desaparecida “Ponte das Barcas”, a que sucedeu a atual Ponte de D. Luís I, inaugurada em 1888. A ligação Lisboa – Porto só viria a ser concluída com a construção da Ponte D. Maria Pia – a primeira travessia ferroviária a ser construída sobre o Douro – inaugurada em 4 de Novembro de 1877, que permitiu a chegada dos carris a Campanhã, cujo terminal ferroviário já funcionava desde 1875 com ligações a Braga. A ligação da família ao mundo ferroviário não se ficou por aqui. Matilde do Patrocínio, a filha mais velha de Filipe Fiel viria a casar com um outro funcionário estrangeiro dos caminhos-de-ferro, José Ignácio Rodríguez, natural de Pontevedra (Espanha).

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Fig. 30 – Ponte ferroviária D.Maria Pia. Gravura da época da sua inauguração (1877)

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IX Uma ponte para a outra margem

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Uma ponte para a outra margem

A família continuou a residir na Estação das Devesas pelo menos até 1873, altura em que nasceu a filha mais nova, Júlia. Mas cinco anos depois, aquando do casamento da mais velha, Matilde, já tinham passado para a outra margem: nessa altura Filipe Fiel diz-se ainda empregado nos Caminhos-de-Ferro mas já residente na Rua do Bonfim, na cidade do Porto. Ou seja, foi a ligação profissional de Filipe Fiel Stockler aos caminhos-de-ferro que trouxe os Stockler para o Norte: - Primeiro, com a inauguração da linha entre Lisboa e as Devesas, instalaram-se em Vila Nova de Gaia por volta de 1866 – 67. - Dez anos mais tarde, com a inauguração da ponte ferroviária de D. Maria e a ligação à estação de Campanhã, em 1877, passaram para a margem Norte e instalaram-se na rua do Bonfim, não longe da estação que era, então, a única da cidade do Porto (São Bento só entraria ao serviço em 1896). Já foi no Bonfim que casaram Matilde (1878), Eusébio Filipe (1889) e António Filipe (1890). Foi também na Rua do Bonfim, nº 409, que faleceu precocemente Camila, com apenas 18 anos de idade, a 13 de Dezembro de 1886. Ao lado, no nº 411, vivia Filipe Fiel, que faleceu no primeiro de Dezembro de 1890. 60

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Fig. 31 – Assento de óbito de Filipe Fiel Stockler (1/12/1890)

Quanto a Júlia, embora não tenha casado, também deve ter rumado com a restante família para a cidade do Porto, pois era residente na Rua de Barros Lima quando se tornou mãe solteira, em 1892. A sua filha, Eufrásia da Piedade (Eufrásia como a madrinha, Piedade como a avó materna) casou mais tarde nesta mesma freguesia do Bonfim com Francisco Duborjal, dando origem ao ramo dos Stockler Duborjal.

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Matilde teve três filhos. As duas filhas mais velhas nasceram do seu casamento com José Ignácio Rodríguez: Maria Rodrigues – nascida exatamente um mês depois do casamento dos pais, e Maria Amália, nascida em 1881, que ficaram solteiras sem descendência. Eram elas ainda crianças quando o pai faleceu. A mãe viria ainda a ter mais um filho, António Filipe, nascido de pai incógnito, que faleceu muito jovem. Eusébio casou duas vezes, mas de nenhum dos seus casamentos se lhe conhece descendência. António Filipe foi o que mais descendentes deixou. Dando continuidade a algo que se tornou quase uma tradição familiar, António Filipe tornou-se pai ainda antes de casar: em Dezembro de 1887, ainda solteiro, a morar na Rua do Bonfim, surge a apadrinhar o filho da sua irmã viúva, Matilde, que em sua honra recebe o nome do padrinho. A madrinha, Maria Coelho de Sousa, também solteira, moradora na Travessa de Campanhã, viria a dar à luz dois meses mais tarde uma criança que seria o primeiro dos cinco filhos que nasceriam da sua relação com António Filipe. Depois do nascimento de Amélia (1888) e Efigénia (1890), António e Maria casaram-se na igreja do Bonfim e tiveram mais três filhos: José Filipe (1895), Filipe Nery (1896) e Eusébio (1898). Ele litógrafo, ela costureira, mudaram várias vezes de residência mas mantiveramse sempre na freguesia do Bonfim. Aquando do nascimento da primeira filha, 62

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moravam na rua do Bonfim (1888), da segunda na Rua do Monte Belo (1890), do terceiro e do quarto na Travessa da Póvoa, nº 66 (1895) e do quinto e último na rua do mesmo nome (1898).

Fig. 32 – Casamento de António Filipe Stockler e Maria Coelho de Sousa (17/8/1890)

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Fig. 33 – Batismo de José Filipe Stockler, nascido a 27/5/1895

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De nenhum deles se conhece descendência a não ser de José Filipe Stockler, que viria a casar em 1919 com Amélia Cândida Martins. Entre o Bonfim e Campanhã, a família manteve-se na margem Norte do Douro e na cidade para onde a ponte D. Maria Pia os trouxe, na década de 70 do século XIX.

Fig. 34 – Bilhete de Identidade de José Filipe Stockler

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X 3 seculos, entre Ottendorf e o Porto

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Geração 1 – Descendência de Carsten Stockler e Margareth Wolckers

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Geração 2 – Descendência de Christian Stockler e Margarida Antónia do Espírito Santo Álvares Moreira

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Geração 3 – Descendência de Cristiano Stockler e Margarida Josefa Rita Dorgier Garção de Carvalho

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Geração 4 – Descendência de Filipe José Stockler e Maria Inácia Franco

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Geração 5 – Descendência de Filipe Roberto da Silva Stockler e Teresa de Jesus Rodrigues

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Geração 6 – Descendência de Filipe Fiel Stockler e Maria da Piedade Ferreira

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Geração 7 – Descendência de António Filipe Stockler e Maria Coelho de Sousa

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