Como preservar a arte computacional? Ações curatoriais para a criação e manutenção de acervos

May 31, 2017 | Autor: Pablo Gobira | Categoria: Artes, Preservação digital, ARTE DIGITAL, Artes digitais
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“O borboletear do método”

1ª Edição

ISBN: 978-85-62707-79-7

ANAIS DO CONGRESSO

Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas Belo Horizonte 12 a 15 de Abril de 2016

I Congresso do Núcleo Interdisciplinar de Estudos da Imagem NINFA/UFMG O Borboletear do Método Belo Horizonte, 12 a 15 de Abril de 2016

Como preservar a arte computacional? Ações curatoriais para a criação e manutenção de acervos1079 Pablo Gobira Doutor em Literatura Comparada Universidade do Estado de Minas Gerais [email protected] Fernanda Corrêa Graduanda em Artes Plásticas Universidade do Estado de Minas Gerais [email protected]

Resumo: este trabalho discute a preservação digital da arte computacional, considerando as possibilidades de preservação praticadas pela curadoria contemporânea. Para isso, foram estudados dois casos: o Museu da Língua Portuguesa e o Festival de Arte Digital (FAD). O uso da tecnologia no Museu da Língua Portuguesa, que sofreu um incêndio em 2015, permitiu que seu acervo fosse preservado. Já, o acervo do FAD abarca o site, catálogos e seu banco de dados. Palavras-chave: Arte computacional; Museu da Língua Portuguesa; Festival de Arte Digital (FAD); Preservação digital; Curadoria do digital.

Introdução No século XXI, com as tecnologias digitais presentes em nosso cotidiano, vemos e compreendemos o mundo também a partir de computadores. Estes são instrumentos de trabalho na indústria, nos escritórios, os temos desde as escolas de ensino básico e fundamental até às universidades. Dessa presença há décadas, intensificada neste século no formato móvel, é de se esperar também um aumento de sua relação com a arte e o consequente aumento dos tensionamentos gerados nessa relação. Os computadores, ou as tecnologias computacionais, são um dos pontos focais do Laboratório de Poéticas Fronteiriças (Lab|Front), grupo de pesquisa (CNPq) que busca desenvolver trabalhos em poéticas diversas, bem como constitui-se pela pesquisa e inovação. Este trabalho é resultado de uma das pesquisas desenvolvidas nesse grupo e pretende, em específico,

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Este artigo é um dos resultados de pesquisa desenvolvida no Laboratório de Poéticas Fronteiriças (http://labfront.tk) apoiada pela FAPEMIG, pelo CNPq, pela Fundação Municipal de Cultura de Belo Horizonte e pela PROPPG/UEMG aos quais agradecemos. Página | 563

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discutir como vem sendo realizada a preservação digital da arte computacional. Essa reflexão será alcançada considerando as possibilidades de preservação levadas a cabo pela curadoria contemporânea. Para dar base a esta proposta enfocaremos dois casos: o Museu da Língua Portuguesa e o Festival de Arte Digital (FAD). Enquanto o primeiro é um espaço que sofreu um incêndio em 2015 e teve seu acervo preservado, o FAD é um evento cuja curadoria também reflete sobre a questão acervística. Criado em 2007, ele tem a curadoria de Tadeus Mucelli e Henrique Roscoe. O Museu da Língua é dirigido pelo sr. Antônio Carlos Sartini. Após o incêndio de 21 de dezembro de 2015 a notícia que mais chamou a atenção na mídia é de que o acervo mantinha-se preservado. A curadoria digital, aqui, é compreendida a partir do intercâmbio dos conceitos de curadoria de dados1080 e de preservação digital1081. A ideia de preservação digital já é compreendida em vários campos, sobretudo nas Ciências da Informação: como preservação (enquanto dados) de documentos importantes (considerados historicamente ou culturalmente). Neste trabalho também se propõem e se reconhece a preservação digital através do registro audiovisual daquilo que se deseja preservar, sejam obras de arte, ou peças do patrimônio cultural e histórico sustentando a formação da categoria “documento”. Porém, tanto “dados”, “informação” ou “documento/documentação” serão aqui considerados como sinônimos tendo em vista o seu caráter de documentar a existência ou a exposição da obra de arte digital. A partir da noção de preservação digital pode-se pensar a curadoria digital em uma abordagem não apenas das coleções digitais, mas também da necessidade de mudanças diante das novas condições tecnológicas e novos conceitos acerca da obra de arte. A pergunta que nos guia é: como preservar a arte computacional? Para respondê-la vamos até os métodos de preservação do Museu da Língua Portuguesa e do Festival de Arte Digital pensando a partir de seus exemplos e em como mantém/mantiveram seus acervos até os dias de hoje. A preservação de arte contemporânea A arte exposta hoje, considerada até então como “arte contemporânea”, configura-se a partir das experiências do último século. Essa experiência a fez considerar como materiais da obra

1080 SAYÃO, Luis Fernando; SALES, Luana Faria. Curadoria digital: um novo patamar para preservação de dados digitais de pesquisa. Inf. & Soc.:Est., João Pessoa, v.22, n.3, p. 179-191, set./dez. 2012. 1081 NATIONAL LIBRARY OF AUSTRALIA. Directrices para la preservación del patrimonio digital. Austrália: UNESCO, 2003.

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de arte tudo o que está disponível e além dessa disponibilidade. Justamente por essa nova incorporação avançada de novos elementos, que remete às ações das vanguardas do início do século XX, fez com que essa arte fosse conhecida por sua efemeridade. Sabemos que a efemeridade não é uma característica generalizada da obra de arte contemporânea, porém grande parte do seu reconhecimento está justamente nos choques provocados por ela quando, por exemplo, uma instalação se desfaz após uma exposição, ou uma performance não pode ser repetida como foi realizada da primeira vez. Podemos também considerar que as obras de arte contemporâneas, a partir de autores como Arthur Danto, ocupam um lugar diferente do que ocupavam no século XIX, pois agora se configuram como um pensamento do artista e demanda-se do espectador o deslocamento para o lugar de pensá-la1082. Temos, então, na arte contemporânea o seguinte problema: a efemeridade nas obras de arte que se constituem a partir de considerações, pensamentos e ações associadas à realidade do artista coexiste com a necessidade de preservação da arte. Ao considerarmos, tal como se faz aqui, a entrada da arte denominada digital no âmbito da arte contemporânea a estamos também considerando efêmera1083, ou seja, seu processo de preservação também se torna um problema contemporâneo. O termo “arte digital” incorpora, de maneira ampla na visão dos autores deste trabalho, tanto as imagens produzidas com softwares diversos e equipamentos fotográficos digitais, quanto obras que envolvem o processamento em tempo real de códigos e imagens utilizando o computador. Arte digital é, aqui, arte de novas mídias, mas também arte computacional, arte binária, arte numérica, arte tecnológica e quaisquer outros desdobramentos que hajam a partir desses termos. Porém, como se verá, há um enfoque no problema de preservação digital da arte digital que tenha uma estrutura de funcionamento complexa, que envolva (em muitos casos) a interatividade do espectador (interator) no que poderíamos chamar de instalações artísticas. O campo da arte digital é ao mesmo tempo um movimento cultural e de arte, derivado dos processos de desenvolvimento computacional (hardwares e/ou softwares). Esse tipo de arte também pode ser definida como aquela arte que não poderia existir sem esse elemento como, por exemplo, a software art, a arte generativa, as instalações em arte digital, game art, as performances audiovisuais e web art. Essa arte de suporte computacional possui atores diversos, desde artistas nativos da era digital a artistas de várias áreas artísticas, bem como os “não artistas”, como engenheiros, programadores, biotecnólogos e profissionais de Tecnologia da Informação. 1082

DANTO, Arthur. O descredenciamento filosófico da arte. Belo Horizonte: Autêntica Editora, 2014. GOBIRA, Pablo. A preservação da obra de arte digital: reflexões críticas sobre sua efemeridade. In: 23º Encontro Nacional da ANPAP, 2014, Belo Horizonte. 1083

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Essa complexidade produtiva da obra de arte digital é somada à especificidade do autoregistro das máquinas. Tais registros são submetidos a uma imposição do efêmero. As oscilações de funcionamento de determinadas formas de execução são a base estrutural da arte digital ou computacional, uma vez que a instabilidade pode ser identificada nas interfaces, dispositivos (ou hardwares) e também em programas, aplicativos (softwares) ou ambientes computacionais programáveis1084. Ainda, desde a revolução industrial, o mercado e a indústria vêm desenvolvendo uma lógica que se estabelece na melhora funcional ou econômica de seus produtos, sendo que algumas tecnologias são cotidianamente substituídas por outras apenas pelo fato de serem mais eficazes, deixando suas versões anteriores obsoletas1085. Ao se apropriar da tecnologia, o artista a utiliza em aplicações diferenciadas em relação as suas finalidades primeiramente instituídas pelo mercado e indústria tal como os usos dos produtos e objetos do cotidiano foram transformados pelas vanguardas do século XX. Ao fazê-lo, o artista busca escapar da lógica de mercado, e, ao mesmo tempo contribui para que o produto se torne obsoleto. A volatilidade também pode ser observada quando a escolha e troca de interfaces ou linguagens por outras mais recentes leva à impossibilidade operacional da obra artística proposta inicialmente ou até mesmo ao seu extermínio. A curadoria, ao pensar sobre a preservação digital, precisa lidar com essa imposição do efêmero através da volatilidade das obras e através da obsolescência programada. Os dois estudos de casos a serem tratados adiante refletem os problemas e as possibilidades no caminho da curadoria do digital diante da volatilidade das obras. Elaboramos análises sobre o Museu da Língua Portuguesa de São Paulo/SP e sobre o FAD – Festival de Arte Digital – de Belo Horizonte/MG. Para desenvolvermos a análise do Museu da Língua Portuguesa, nos baseamos numa entrevista concedida pelo diretor do museu – sr. Antônio Carlos Sartini – além das informações disponibilizadas no site do museu e das visitas realizadas antes do incêndio. O estudo acerca do FAD é fundamentado nas entrevistas realizadas no contexto da pesquisa mencionada da qual se origina este trabalho, além do estudo em seu acervo digital disponível online e em uma pesquisa de campo em que os pesquisadores tiveram a sua disposição o banco de dados do festival.

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GOBIRA, Pablo; MUCELLI, Tadeus; PROTA, Raphael. Instabilidade digital: a preservação e a memória da arte digital no contexto contemporâneo. In: 13° Encontro Internacional de Arte e Tecnologia (#13.ART): arte, política e singularidade, 2014, Brasília. Anais... Brasília: Medialab, 2014. 1085 GOBIRA, Pablo; MUCELLI, Tadeus; PROTA, Raphael. Instabilidade digital: a preservação e a memória da arte digital no contexto contemporâneo. Página | 566

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O acervo do Museu da Língua Portuguesa O Museu da Língua Portuguesa, inaugurado em março de 2006, é um dos museus mais visitados do Brasil e da América do Sul1086. A Fundação Roberto Marinho, juntamente com o Governo do Estado de São Paulo, é a responsável pela concepção e implantação do museu avaliado em trinta e sete milhões de reais. O museu, que tem como fundamento a manutenção de um patrimônio imaterial, utiliza recursos tecnológicos interativos para levar ao público o seu conteúdo. Entre as exposições, de temas diversos, também houve a presença de obras de arte ou obras digitais criadas por artistas. Além disso, o espaço realizava ações variadas independentes das exposições permanente e temporárias, tais como: cursos, palestras, seminários e uma mostra itinerante. Por uma questão comparativa, entre o FAD e o Museu da Língua Portuguesa, iremos considerar o que foi exposto em suas galerias como similares ao menos no nível tecnológico. Essa estratégia facilitará, no escopo deste trabalho, a análise da preservação e o como se preservar digitalmente o que é digital. A exposição permanente integra formas expositivas que utilizam projeções de filmes e imagens, recursos e jogos interativos, além de totens e painéis. As temáticas passam pela história da Língua Portuguesa, pelas influências das línguas e dos povos indígenas no Português falado, pela etimologia através de um jogo com origens, significados e criação de palavras, e, também, pelos “diversos” falares no Brasil. As exposições temporárias são realizadas também com tecnologias (como áudio e vídeo), e são constituídas com ênfase na cenografia como recurso didático, interativo e trazem temas em torno da literatura e cultura produzidas em Língua Portuguesa. Em uma entrevista para a elaboração deste trabalho, o diretor do museu, o sr. Antônio Carlos Sartini, afirma que os recursos oferecidos pela tecnologia são muito importantes para a comunicação dos conteúdos de um patrimônio imaterial, sendo que existe no museu uma equipe de consultores que verificam a aplicabilidade de novas tecnologias1087. Em relação ao incêndio de dezembro de 2015, Sartini afirma que o museu possui todos os arquivos, sendo assim será possível a recuperação de todo o conteúdo da exposição permanente. Já as exposições temporárias, por serem cenográficas, segundo Sartini, não foram preservadas numa reserva técnica, tal como é realizado em museus tradicionais. Somente projetos, plantas e conteúdos digitalizados foram preservados, permitindo a remontagem das exposições. Também, foram mantidos arquivos contendo catálogos, cadernos educativos e outros materiais de

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MUSEU da Língua Portuguesa. Disponível em: < http://www.linguaportuguesa.org.br/> Entrevista realizada com os autores do artigo no dia 31/03/2016. Fonte: Arquivos da pesquisa. Página | 567

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divulgação. Para o diretor, devido a questões físicas e orçamentárias, fica impraticável a preservação de tudo. Podemos perceber por essas declarações que há certa prioridade em se manter o acervo armazenado digitalmente. No entanto, ao ser questionado sobre como seria a preservação de peças/obras/trabalhos digitais para que elas se mantivessem permanentemente passíveis de serem expostas novamente, o diretor declara que é preciso condicionar os trabalhos da melhor forma possível com constante observação, ao mesmo tempo em que é preciso manter os estudos e documentos que os geraram. Ainda, podemos notar que a curadoria do Museu da Língua Portuguesa está preocupada com um modo prioritário de preservação dos trabalhos expostos. Sua atenção principal à preservação do máximo de informações, projetos, e outros documentos das exposições (temporárias ou permanente) apontam essa direção preservacionista. Porém, esse caminho da preservação como documento, quando enfocamos a obra de arte, pode dificultar o processo de retorno da obra de arte ao espaço expositivo. Acervo de arte digital de um festival O Festival de Arte Digital (FAD) é um projeto que apresenta ações inventivas que se constituem a partir de novas tecnologias nos campos da comunicação e das artes. O festival, idealizado pelos curadores e diretores Henrique Roscoe e Tadeus Mucelli, possui sete edições e tem como sede de suas principais realizações a cidade de Belo Horizonte. O festival promove ações durante um período de 30 dias que vão desde exposições a debates e workshops. Além da criação de programas de conteúdo artístico, o FAD é um projeto que dá acesso ao público às novas tendências e manifestações artísticas e também estimula a formação de novos artistas e conceitos através da exposição de instalação, performances e outras apresentações que têm como foco a arte produzida por máquinas e softwares, ou seja, por mídias digitais1088. O evento, que conta com a participação tanto de artistas nacionais quanto internacionais e traz obras inéditas para o Brasil, teve em sua primeira edição (2007) categorias como web art, arte generativa, poesia interativa, games, screen magazine e vídeos com a participação de artistas como Golan Levin e Stanza, além do brasileiro Roberto Bellini. A edição também ofereceu oficinas como a de Circuit Bending que propõe a modificação de circuitos eletrônicos para a produção de instrumentos musicais. A mesa de debate trouxe a discussão da mídia digital em comunicação com a arte através da apresentação de novas ideias e trabalhos. 1088

FESTIVAL de Arte Digital. Disponível em: Página | 568

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Em 2010, o festival foi organizado enfocando mostras de galeria, web art, performances, simpósio, laboratório e vídeo. O FAD galeria exibiu os trabalhos de artistas como o brasileiro Jarbas Jácome e o alemão Jörg Niehage. A mostra FAD performance trouxe a apresentação de Nosaj Thing (Estados Unidos) e o grupo Zilch (Brasil). No FAD laboratório, teve oficinas como a de Sampleamento Radical em que são desenvolvidos projetos musicais a partir de gravações através de um software de edição sonora multipista. Houve também um seminário em que se desenvolve uma teoria básica sobre Live Media e apresenta ao público o conceito de FLOSS (software livre) com o artista italiano Marco Donnarumma. Em sua quinta edição em 2011, o festival apresenta trabalhos em que o uso do digital não é imprescindível, mas que é possível perceber seu surgimento de maneira periférica na criação da obra. Ainda, os curadores optam por escolher um eixo temático para o festival: o cinético. O festival faz uma homenagem ao artista plástico brasileiro Abraham Palatnik, referência em arte cinética no Brasil. O festival é ordenado por galeria, laboratório, performances e simpósio. Dentre os artistas e obras que fizeram parte dessa edição, encontram-se nomes como Laurent Debraux (França) com sua nuvem de algodão que flutua no ar, Karina Smigla-Bobinski (Alemanha) e sua obra Ada (globo transparente preenchido com hélio com pedaços de carvão) e O Grivo (Brasil) com a obra Passo-apasso. Obras de arte experimentais criadas a partir da tecnologia digital têm expandido o novo cenário da arte no Brasil, e festivais de arte, como o FAD, são responsáveis pela promoção e exibição de tais obras fazendo com que se estabeleça um circuito de arte digital no Brasi 1089l. O FAD é o precursor desse novo cenário em Minas Gerais e é um dos mais importantes festivais do país. A direção do evento se preocupa não só com a exibição das obras, mas também com questões como a preservação e a promoção da arte digital e seus criadores para um público mais amplo através de diferentes mídias. A relação dos curadores/criadores do FAD com a tecnologia digital e o espaço de exposição se desenvolveu a partir das suas próprias produções e atuações artísticas que os levaram a buscar festivais e eventos de arte digital em todo o mundo. Com a criação do FAD, os curadores/criadores passaram a atuar não só artisticamente, mas também crítica e reflexivamente na política que tem sido implantada no campo da arte digital. Ao longo dos anos, a estruturação do festival tem sido fundamentada em adequações e elaborações de conceitos reconstruídos também em toda a arte digital. Dentre eles, encontra-se a problemática do acervo.

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GASPARETTO, Débora. O “curto-circuito” da arte digital no Brasil. Santa Maria: Ed. do autor, 2014. Página | 569

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Os processos de arquivamento do festival são bem peculiares, acontecendo tanto durante o festival quanto em momentos anteriores e posteriores a ele. Se de fato há um arquivamento automático ocorrendo por meio das novas tecnologias (GOBIRA, 2013), o FAD tem participado dessa dinâmica a cada edição. Os curadores/criadores entendem a impossibilidade de existência de obras de arte digital que sejam permanentemente estáveis. Ao mesmo tempo, eles percebem que a estabilidade é um fundamento importante para o estabelecimento de critérios de seleção e formas de armazenamento dos dados das (e sobre as) obras que contribuirão não só para se obter um acervo, mas também uma exposição estável. A escolha dos curadores do FAD é pela formação de um acervo como sinônimo de banco de dados. As primeiras questões acervísticas podem ser identificadas durante a seleção das obras. Essa seleção é realizada através de um edital online que alimenta o banco de dados do festival. A peculiaridade do uso do banco de dados como forma de acervo é determinada desde a seleção e se instituem a partir dos conteúdos das edições do FAD. Primeiramente, todos os artistas e obras cadastrados durante a etapa da seleção fazem parte do acervo, acarretando a inexistência de uma ação curatorial acervística. Em outras palavras, seguindo os caminhos de um arquivamento automático o banco de dados se forma sem a ação dos curadores. Em segundo lugar, o acervo é alimentado com dados dos artistas e de suas obras, como, por exemplo, informações sobre a autoria da obra (coletivo ou artista individual, nomes, contatos etc.), o site em que a obra está armazenada, uma curta biografia do artista/coletivo, o tipo de obra (instalação, performance ou workshop, entre outros), o título e ano da obra, o meio utilizado para sua constituição (áudio/vídeo, mixed media, flash, video interaction e outros), seu tempo de duração (loop infinito, 3 minutos etc.) e a descrição da obra. Um dos pontos importantes do cadastramento dos dados da obra e artista já na seleção faz ser possível identificar se a obra tende a ser estável ou não. Também, ao pedir a localização do armazenamento da obra na internet, os curadores direcionam a responsabilidade de preservação para o artista, enquanto sua responsabilidade de guarda estará focada nos dados descritivos (ou mesmo metadados). Durante o festival, são feitos registros das obras (inclusive performances e site-specific) em fotos e vídeos, além de gravações com os artistas comentando a arte digital e o festival. A fala dos artistas é disponibilizada na internet após o festival. Os registros fotográficos das performances, obras e site-specific fazem parte do catálogo após a exposição e, também, do acervo digital disponível online. Segundo os curadores, em um primeiro momento do festival não havia uma noção de acervo das obras expostas. Com isso, o site do festival passou a ser utilizado como acervo digital. Assim, a noção acervística que vem sendo construída ao longo das edições do evento abarca o catálogo,

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como o FAD - Festival de Arte Digital - 2010 que reúne as edições de 2007, 2009 e 20101090, o banco de dados (acesso restrito), o acervo digital do FAD1091 (http://www.festivaldeartedigital.com.br) e o acervo digital dos próprios artistas expostos no festival (como, por exemplo, a obra Floccus de Golan Levin apresentada em 2007 e mantida no acervo digital do artista1092). Ao estabelecer que o arquivamento feito pelos próprios artistas é parte integrante do acervo do festival, a responsabilidade na preservação da arte se direciona também para os artistas, originando uma relação curatorial interdependente. A arte digital requer que curadores e artistas colaborem para a manutenção de sua preservação, ou seja, tanto os curadores quanto os artistas devem criar estratégias de preservação. Sendo que a tentativa de preservar do curador será mais bem-sucedida, acarretando maior estabilidade da obra, se ela for amparada por formas de preservação também por parte do artista. A responsabilidade da preservação é tanto de um como do outro. Como já afirmado, há o entendimento por parte dos curadores/criadores do FAD de uma impossibilidade de existência de obras de arte digital que sejam permanentemente estáveis. Todavia, a compreensão de que uma base estável é fundamental no que se refere à arte faz com que critérios de seleção e formas de armazenamento dos dados das obras sejam elaborados não somente para se obter um acervo, mas também uma exposição estável. Os curadores do FAD também têm consciência da dificuldade em se manter um acervo físico. Essa dificuldade consiste na inviabilidade de se manter um espaço físico, além da impraticabilidade em se manter máquinas que irão perecer rapidamente. Ao se assemelhar em alguns pontos com a posição do curador do Museu da Língua Portuguesa, aqui se expõe uma das questões da arte digital: a busca pelo arquivamento de dados e não das obras em sua plenitude. Na arte contemporânea nem sempre é possível preservar a obra na sua plenitude. Essa não é uma escolha, pois as obras de arte contemporânea, muitas vezes, são constituídas para se desfazerem com: o tempo, a participação do espectador, com a atuação climática etc. Diferente desse caminho tomado pela arte contemporânea sem a presença do digital, a arte computacional opta, em geral, por ser uma “obra que funciona”. Opta-se intensamente pela “estabilidade” da obra de arte digital. Ao fazê-lo, escolhas diferentes daquelas costumeiras no campo artístico – e da sua preservação – são tomadas como é o caso de não se preservar as CPUs (Central Processing Unit) ou notebooks utilizados nas instalações interativas, por exemplo. Quando não conservamos esses

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ROSCOE, Henrique; MORAN, Patrícia; MUCELLI, Tadeus. FAD - Festival de Arte Digital - 2010. Belo Horizonte: Instituto Cidades Criativas, 2010. 1091 FAD, disponível em: 1092 LEVIN, Golan. Floccus, 1997. Disponível em: Página | 571

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hardwares ou mesmo licenças de softwares proprietários (ou cópias de softwares livres) que são parte do todo da arte digital, temos a opção clara pela conservação apenas da obra enquanto dados seja por comodidade ou pela impossibilidade espaço-orçamentária. Para Boris Groys (2010, p.125), desde o advento da arte do vídeo e a sua chegada ao espaço expositivo, temos nos acostumado a expor como arte o que ele chama de “documentação de arte”1093. Essa documentação artística é desde os vídeos de uma performance executada, até mesmo um vídeo realizado a partir de uma instalação ou até como uma instalação. Groys acredita que a documentação de arte, por definição, não é arte. Ao trazermos o seu pensamento para o campo da arte digital, parece que a escolha em se preservar a arte digital como dados, tal como tem sido feita, encerra uma escolha arriscada em prol das dificuldades espaço-orçamentárias citadas. Ações curatoriais possíveis Ao pensar na pergunta colocada no início deste trabalho sobre “como preservar a arte computacional?”, parece que a respondemos afirmando que é necessário não nos precipitarmos em escolhas pela conservação apenas documental. Ao mesmo tempo, temos que levar em consideração as realidades brasileira e mundial que ainda não têm parâmetros de preservação digital da arte digital definidos e acordados. É possível que do mesmo modo que a arte digital se desenvolve, em grande parte, pela colaboração, que a saída para esse impasse seja uma perspectiva colaboracionista. A colaboração deveria não apenas ocorrer na preservação de dados das obras, como no caso apresentado do FAD, mas através de passos dos agentes envolvidos nessa preservação. Ao considerarmos que as obras devem funcionar e para isso devem ter alguma estabilidade, os passos colaborativos a serem dados poderiam compartilhar práticas para tornar estável um acervo colaborativo entre curador e artista, mediados pela instituição de guarda (um museu ou mesmo um festival). Um dos passos para a instituição de estabilidade na arte digital é a elaboração de algumas ações curatoriais cujo foco seja a sua preservação desde a exposição das obras. Pensamos que é fundamental a existência de uma equipe técnica de apoio na montagem e para acompanhamento das obras durante a exposição. De forma ideal, seria importante que o artista estivesse envolvido em todo o processo de exibição das obras, seja através de sua presença na montagem, ou seja, através de instruções elaboradas cuidadosamente para a instalação e manutenção da obra antes, durante e após a exposição.

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GROYS, Boris. Camaradas do tempo. Caderno SESC-Videobrasil, São Paulo, n. 6, p. 119-127, 2010. Página | 572

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Seria importante, ainda, haver uma conscientização dos artistas em relação à qualidade técnica do seu trabalho, a fim de que sejam utilizadas tecnologias que permitam atualizações sem haver perda significativa no conceito primeiro desenvolvido na obra. Por fim, é preciso também que o artista desenvolva formas de acesso à memória de suas obras através de disponibilização de: portfólios online que contenham a descrição da obra (equipamentos utilizados, softwares utilizados etc.); informações sobre os códigos utilizados (ou os códigos disponibilizados integralmente); roteiro, design document (para design da interface, design da interação etc.), dentre outros. Com isso, entendemos que a associação entre artista e curador é de máxima importância dentro do contexto da arte digital para que haja maior efetividade na preservação sem restrição à obra de arte como dados.

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