Como saber do que fugimos

June 8, 2017 | Autor: J. Todorov | Categoria: Análise Do Comportamento, Análise Experimental Do Comportamento
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Como saber do que fugimos?

João Claudio Todorov

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Uma das áreas de estudo mais difíceis é a do controle coercivo ou aversivo: o que fazemos para evitar ou fugir de situações, de pessoas, ou até (ou principalmente) de nossos próprios pensamentos. Ao contrário de situações que desejamos, facilmente identificadas quando conseguimos o que buscamos, as que envolvem fuga e/ou esquiva podem ser de difícil entendimento. Na clínica é comum o terapeuta detectar que a pessoa está evitando falar ou mesmo lembrar-se de um assunto, mas leva tempo para que esse assunto venha a aparecer nos diálogos terapêuticos.
Esse processo é visto de diferentes maneiras por diferentes abordagens da psicologia clínica, das que postulam causas remotas na história de vida da pessoa às que deixam esse assunto de lado e se concentram em como a pessoa vê seu presente. A interpretação dada pela Análise do Comportamento se baseia em informações obtidas em experimentos de laboratório e em observação do que acontece no ambiente natural, inclusive na clínica e na relação terapeuta-cliente.
Em artigo publicado no Journal of the Experimental Analysis of Behavior de 1984 Deisy das Graças de Souza, da Universidade Federal de São Carlos, Antonio Bento Alves de Moraes, da Unicamp, e João Claudio Todorov da Universidade de Brasília demonstraram que a manutenção do comportamento de esquiva independe da intensidade do estímulo aversivo sendo evitado. Há um limiar de intensidade, abaixo do qual a situação não gera fuga nem esquiva; acima desse mínimo, aumentos na intensidade são desnecessários. O comportamento é mantido regularmente mesmo com intensidades logo acima do limiar, e a situação indesejável raramente acontece.
Outros experimentos importantes para entender o comportamento de esquiva foram publicados na década de 50 do século passado na revista Science, pelos analistas do comportamento Murray Sidman e E. Hearst. Comprovou-se em laboratório o que a sabedoria popular guardou em ditados como "Cachorro mordido de cobra tem medo de linguiça" e "Gato escaldado tem medo de água fria": qualquer situação levemente parecida com aquela em que se viveu alguma experiência dolorosa (mesmo que a dor tenha sido sentida só na "alma") gera fuga e esquiva. Não só fugimos, passamos a evitar.
Quando a interação comportamento-ambiente de interesse envolve estímulos externos (como a cobra e a linguiça) o trabalho do terapeuta é facilitado. Quando nem a pessoa sabe o que a incomoda a terapia requer muito mais esforço, conhecimento e experiência do terapeuta . Por isso dizemos que a psicoterapia muitas vezes assusta quem a procura. Só é possível perder o medo do indizível falando daquilo que o esconde. O processo pode ser doloroso. Talvez por isso tenhamos a tendência de fugir ou evitar a terapia.
Há uma piada antiga sobre um louco no hospício que vivia a estalar os dedos. Perguntado por que fazia isso respondia que era para espantar os elefantes. Ao ouvir que não havia elefantes no Brasil, os mais próximos estavam na África, respondia: "Viu como funciona!". Por um lado, a piada é um bom exemplo de comportamento de esquiva. O comportamento ocorre sem que haja consequência imediata, ocorre e nada acontece. Por outro lado é ruim, pois nosso herói sabe por que faz isso. O xis do problema está em descobrir por que alguém estala os dedos ou algo equivalente quando a própria pessoa não sabe por quê.

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Hearst, E. (1960). Stimulus generalization gradients for appetitive and aversive behavior. Science, 132, 1769-1770.
Souza, D. G., Moraes, A. B. A., & Todorov, J. C. (1984). Shock intensity and signaled avoidance responding. Journal of the Experimental Analysis of Behavior, 42, 67-74.




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