Como se faz um músico?
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Como se faz um músico? Domingos Morais Instituto de Estudos de Literatura Tradicional, FCHS, UN de Lisboa A transmissão dos saberes próprios à profissão de músico existe em todas as culturas em que a diferenciação das profissões e algum bem estar resultante da divisão de trabalho permitiram a alguns músicos ocasionais tornarem-‐se músicos permanentes. Com a quase exclusiva obrigação de tocarem, comporem e participarem em todos os actos, profanos e sagrados, em que a sua presença é requerida e mesmo por vezes indispensável. Com a contrapartida de receberem pelo exercício da sua profissão o suficiente para apenas viverem dela. A necessidade de renovação das gerações é bem descrito por Raul Iturra1 : Todo o grupo social precisa de transmitir a sua experiência acumulada no tempo à geração seguinte, como condição da sua continuidade histórica. O facto de os membros individuais do grupo estarem sempre a renovar-se, seja pela morte, seja pelo nascimento, dinamiza a necessidade de que essa experiência acumulada, que se denomina saber e existe fora do tempo individual, fique organizada numa memória que permaneça no tempo histórico. Parece simples. Mas não é. Vejamos de que forma se pode entender essa necessidade, continuando a citar Raul Iturra: A questão está em saber se é mais útil para a reprodução do grupo que os novos reproduzam o saber; ou que entendam a necessidade dele por meio de praticar a sua utilidade. O primeiro seria ensinar o que já se tem, subordinada à letra do que já se possui como explicação da natureza e das relações entre os homens; o segundo seria aprender o processo que dinamiza as operações pelas quais a mente humana resolve uma questão cada vez que uma problemática se lhe coloca. A formação de um músico terá de ter em conta se queremos apenas formar reprodutores de práticas e procedimentos necessários para alimentar a procura do mercado de trabalho da música ou se a par dessas capacidades instrumentais se devem proporcionar aos futuros músicos a capacidade de renovar a sua profissão, ter um entendimento do lugar que ocupam a par de outros criadores e intérpretes nas comunidades em que exercem a sua profissão. Esse o principal motivo porque a actual formação proporcionada nas Escolas de Música (Conservatórios), a que se segue a formação em Escolas Superiores ou equiparadas, trouxe uma mudança qualitativa que deve ser defendida. O músico profissional é necessariamente um "técnico" especializado, capaz de responder a todas as situações que os seus "instrumentos" ou opções permitem. Violinistas, clarinetistas ou directores corais para citar alguma dessas opções, mas também novas profissões que têm na música o principal suporte (professores especializados, sonoplastas, engenheiros de som, compositores, informáticos musicais, e tantas outras). Devem ter um tronco comum de formação superior, na
1 ITURRA, Raúl (1994), “O processo educativo: ensino ou aprendizagem”,
Educação,. Sociedade & Culturas, nº1, pp.29-‐50
sequência da formação musical a nível secundário. Convivendo e partilhando saberes, realizando projectos académicos em colaboração, respondendo aos desafios das outras Artes (Teatro, Dança, Cinema, Artes plásticas, multimedia). Como aliás é uma realidade nas Escolas Superiores artísticas actuais. O que só é possível na Universidade, seja ela Politécnica ou Universitária, aberta a uma aprofundada formação humanística, com a possibilidade de construção de percursos pessoais que complementem o núcleo central de cada opção. A essa formação de primeiro nível, as actuais licenciaturas, a realização de formação de 2º nível (mestrados) e 3º (doutoramentos) é não só um direito mas uma necessidade que assegura a qualidade do ensino, o reconhecimento e equiparação dos músicos a outras profissões e a liberdade de pensamento e inovação que apenas a Universidade permite. O que se exige para os músicos profissionais não nos deve no entanto fazer esquecer as práticas musicais amadoras, coexistindo muitas vezes com outras profissões. Esses amadores que procuram nas escolas de formação musical ou numa diversificada oferta de formação privada resposta a uma necessidade pessoal de serem sujeitos musicais activos, nas bandas filarmónicas, nos grupos de música de câmara, nos grupos de música improvisada e popular, podem beneficiar do saber dos músicos profissionais caso estes entendam e saibam escutar os contextos em que é solicitada a sua intervenção especializada. Junho de 2013 (texto publicado no Boletim do Sindicato dos Músicos)
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