COMO SE PROCESSA A QUEBRA DE PARADIGMAS

May 23, 2017 | Autor: Fernando Alcoforado | Categoria: Religion, Sociology, Economics, Philosophy of Science, Social Sciences, Paradigm Shifts
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COMO SE PROCESSA A QUEBRA DE PARADIGMAS Fernando Alcoforado* De modo geral, as pessoas procuram se orientar na vida baseadas em padrões de comportamento ou paradigmas consagrados em todos os campos de atividade. Uma das questões que condicionam o comportamento do ser humano diz respeito às verdades estabelecidas seja pelas religiões e, também, pela ciência. As pessoas aceitam as verdades impostas pelas religiões baseadas na fé, enquanto aquelas impostas pela ciência são baseadas no sucesso que alcançam ao descrever as leis da natureza e consideradas válidas pela comunidade científica. Ao longo da história da humanidade, muitos dogmas religiosos foram demolidos pelo avanço no conhecimento científico, da mesma forma que muitos paradigmas científicos que explicavam os fenômenos da natureza foram demolidos com o surgimento de novos paradigmas aceitos pela comunidade científica. A quebra de dogmas religiosos e de paradigmas científicos ocorreu porque não se sustentaram como verdades a serem aceitas e, também, porque as pessoas passaram a pensar livre das amarras convencionais, isto é, porque passaram a “pensar fora da caixa” que é uma expressão oriunda do inglês “Think outside the box”. Como pensar fora da caixa? Quando esta expressão é usada, geralmente está se referindo à habilidade de pensar em soluções criativas fora do padrão para qualquer que seja o problema apresentado. Assim, pensar fora da caixa pode ser algo a ser trabalhado por alguém seguindo o descrito a seguir: 1) Estar sempre informado acompanhando tudo o que puder, buscando entender o cenário atual a partir de vários ângulos, com visão sistêmica, com sua mente fazendo conexões entre os elementos observados; 2) Fugir da rotina mudando de ambiente, ficando longe dos problemas do dia a dia; 3) Anotar no papel as questões que exijam solução a partir de ângulos diferentes para obter soluções alternativas; e, 4) Pensar positivamente eliminando de sua vida o que lhe coloca para baixo porque uma mente saudável é fonte para ideias criativas. Engajar-se na procura de coisas novas, observando-as sob outro ângulo, procurando novas alternativas que atendam às necessidades é o ponto de partida para se pensar fora da caixa ou do quadrado. Nesse quesito, um dos fundadores da Apple, Steve Jobs era um especialista. Quebrar paradigmas é sempre um desafio, independentemente do que seja. De um lado está o convencional, o pensamento linear, e, do outro, o espírito criativo, a inovação, a mudança de comportamento, o famoso "pensar fora da caixa". Em sua principal obra, A Estrutura das Revoluções Científicas, Thomas Kuhn apresenta, que por determinado tempo, as pessoas compartilham um padrão mental que orienta suas convicções para solução de determinado problema. No entanto, o padrão mental dominante, o paradigma, muitas vezes se constitui em barreira para enxergar alternativas para a solução do problema (KUHN, Thomas. The Structure of Scientific Revolutions. Chicago and London: University of Chicago Press 1970). Mesmo assim, muitos paradigmas foram substituídos por novos mais avançados ao longo da história. Bertrand Russell (1872-1970) lançou dúvidas se os paradigmas que prevaleceram no passado deveriam ser considerados no futuro. Ele se preocupou em examinar se a repetição de um fenômeno, num dado número de experiências no passado, constitui ou não uma garantia de sua ulterior ocorrência no futuro. Russell formulou duas questões: (a) as experiências passadas são a fonte de nossas expectativas futuras? (b) Como justificar tais expectativas? Russell pergunta: a constatação de um determinado número de ocorrências de uma lei sendo satisfeita no passado fornece evidência de que a mesma 1

lei continuará a ser satisfeita no futuro? Isto significa dizer que devemos ficar abertos à possibilidade de introduzirmos novos paradigmas (RUSSELL, Bertrand. Les problems de philosophie. Paris: Payot, 1989). Pierre Duhem (1861-1916), físico francês e historiador da ciência, afirma que a ciência, longe de poder provar suas asserções por meio de uma derivação lógica de princípios auto evidentes, tem como seu método derivar predições empíricas de suas teorias e compará-las com o que é observado. Por esse método, porém, nenhuma teoria pode ser estabelecida definitivamente, pois sempre é possível que mais de uma teoria se ajuste satisfatoriamente aos dados empíricos. (DUHEM, Pierre. Sauver les apparences. Paris: Vrin, 2003). Duhem admite, portanto, a possibilidade de existirem vários paradigmas que explicam o mesmo fenômeno. Por sua vez, Henri Poincaré (1854-1912), matemático, físico e filósofo da ciência francês e Albert Einstein (1879-1955), físico teórico alemão, apesar das significativas divergências de suas respectivas filosofias do conhecimento científico tinham em comum a convicção de que as ideias científicas, na elaboração das teorias físicas e matemáticas, são construções livres do pensamento. Neste sentido, entendiam que elas não são induzidas de maneira lógica e unívoca, necessária e compulsória, a partir dos dados da experiência e, além disso, que elas não estão inscritas numa estrutura inata ou a priori do pensamento. É nesse espaço de liberdade que entra a ideia da criação no trabalho científico que conduz à descoberta (PATY, Michel. A criação científica segundo Poincaré e Einstein. Disponível no website . São Paulo, 2001). Segundo Henri Poincaré, a ciência nada pode nos ensinar sobre a verdade, só pode nos servir como regra de ação. Nessa perspectiva, a ciência não seria mais que uma regra de ação, pois seríamos impotentes para conhecer o que quer que seja e, contudo, como precisamos agir firmamos regras. Nassim Nicholas Taleb, afirma em sua obra A lógica do Cisne Negro que a mente humana é afligida por três males quando entra em contato com a história, o que chama de “terceto da opacidade”. Eles são: a) a ilusão da compreensão, ou como todos acham que sabem o que está acontecendo em um mundo que é mais complicado (ou aleatório) do que percebem; b) a distorção retrospectiva, ou como podemos abordar assuntos somente após o fato, como se estivessem em um espelho retrovisor (a história parece mais clara e organizada nos livros de história do que na realidade empírica) e c) a supervalorização da informação factual e a deficiência de pessoas com conhecimentos profundos e muito estudo. Taleb faz referência ao que define como a lei suprema do Mediocristão quando a amostra é grande e nenhum exemplar isolado alterará de modo significativo o agregado ou o total. No Extremistão, as desigualdades são tantas que uma única observação pode exercer um impacto desproporcional sobre o agregado ou sobre o total. No Mediocristão é onde devemos suportar a tirania do coletivo, do rotineiro, do óbvio e do previsto e no Extremistão é onde estamos sujeitos à tirania do singular, do acidental, do não visto e do imprevisto (TALEB, Nassim Nicholas. A lógica do Cisne Negro. Rio: Best Business. 2015). Nassim Nicholas Taleb, afirma em sua obra A lógica do Cisne Negro que o Cisne Negro é um “outlier” (dado espúrio de uma amostra estatística), pois fora do âmbito das estatísticas comuns, já que nada no passado pode apontar convincentemente para a sua possibilidade de ocorrência. O “cisne negro” exerce um impacto extremo. Ele diz: pense no ataque de 11 de setembro de 2001 que foi um “cisne negro”: se o risco fosse razoavelmente concebível no dia 10 de setembro, ele não teria acontecido. Para Taleb, o 2

normal costuma ser irrelevante porque quase tudo na vida social é produzido por choques e saltos raros, enquanto quase tudo que é estudado sobre a vida social é centrado no “normal”, particularmente com métodos de dedução do tipo “curvas na forma de sino” ou de Gauss, que não revelam praticamente nada. Porque a curva na forma de sino ignora grandes desvios, sendo incapaz de lidar com eles, e ainda assim faz com que nos sintamos confiantes de termos domado a incerteza. “Pensar fora da caixa” seria considerar, além dos eventos normais, a ocorrência de “cisnes negros”, isto é, de eventos improváveis. Um exemplo de pensamento convencional é o da tentativa de manter operando o fracassado modelo neoliberal que domina o sistema capitalista mundial e que está levando muitos países à ruína. Diante deste fato, torna-se um imperativo “pensar fora da caixa” com a invenção de novos modelos de sociedade em escala planetária e nacional que sejam capazes de racionalizar o processo de crescimento e desenvolvimento econômico e social de todos os países do mundo. O novo modelo de sociedade a ser edificado em escala planetária deveria ser capaz de administrar a economia mundial e as relações internacionais baseadas em um Contrato Social Planetário para assegurar a paz mundial e promover a prosperidade econômica global em benefício de todos os países e seres humanos. Este Contrato Social Planetário deveria resultar da vontade da Assembleia geral da ONU que se constituiria no novo Parlamento Mundial que elegeria um Governo Mundial representativo da vontade de todos os povos do mundo. Ao nível de cada país, “pensar fora da caixa” significa edificar novo modelo de sociedade inspirado na social democracia nórdica ou escandinava praticada na Dinamarca, Noruega, Suécia, Finlândia e Islândia onde foi implantado o Estado de Bem-Estar Social. O modelo nórdico ou escandinavo de social democracia poderia ser melhor descrito como uma espécie de meio-termo entre capitalismo e socialismo, sendo a tentativa de fundir os elementos mais desejáveis de ambos os sistemas em um sistema "híbrido". Foi a social democracia construída até hoje nos países escandinavos o único modelo de sociedade que permitiu avanços econômicos, sociais e políticos simultâneos. Não é por acaso que os países escandinavos, além de apresentarem grandes êxitos econômicos e sociais, são líderes em IDH (Índice de Desenvolvimento Humano) no mundo. *Fernando Alcoforado, 77, membro da Academia Baiana de Educação, engenheiro e doutor em Planejamento Territorial e Desenvolvimento Regional pela Universidade de Barcelona, professor universitário e consultor nas áreas de planejamento estratégico, planejamento empresarial, planejamento regional e planejamento de sistemas energéticos, é autor dos livros Globalização (Editora Nobel, São Paulo, 1997), De Collor a FHC- O Brasil e a Nova (Des)ordem Mundial (Editora Nobel, São Paulo, 1998), Um Projeto para o Brasil (Editora Nobel, São Paulo, 2000), Os condicionantes do desenvolvimento do Estado da Bahia (Tese de doutorado. Universidade de Barcelona,http://www.tesisenred.net/handle/10803/1944, 2003), Globalização e Desenvolvimento (Editora Nobel, São Paulo, 2006), Bahia- Desenvolvimento do Século XVI ao Século XX e Objetivos Estratégicos na Era Contemporânea (EGBA, Salvador, 2008), The Necessary Conditions of the Economic and Social Development- The Case of the State of Bahia (VDM Verlag Dr. Müller Aktiengesellschaft & Co. KG, Saarbrücken, Germany, 2010), Aquecimento Global e Catástrofe Planetária (Viena- Editora e Gráfica, Santa Cruz do Rio Pardo, São Paulo, 2010), Amazônia SustentávelPara o progresso do Brasil e combate ao aquecimento global (Viena- Editora e Gráfica, Santa Cruz do Rio Pardo, São Paulo, 2011), Os Fatores Condicionantes do Desenvolvimento Econômico e Social (Editora CRV, Curitiba, 2012), Energia no Mundo e no Brasil- Energia e Mudança Climática Catastrófica no Século XXI (Editora CRV, Curitiba, 2015) e As Grandes Revoluções Científicas, Econômicas e Sociais que Mudaram o Mundo (Editora CRV, Curitiba, 2016). Possui blog na Internet (http://fernando.alcoforado.zip.net). E-mail: [email protected].

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