COMPARTILHAR, PENSAR E RESSIGNIFICAR: FORMAÇÃO DE PROFESSORES DE LÍNGUAS ESTRANGEIRAS SOB TRÊS PERSPECTIVAS

June 4, 2017 | Autor: Shirlene Bemfica | Categoria: Teacher Education, Applied Linguistics
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COELHO, H. S. H.; OLIVEIRA, S. B.; SÓL, V. A. S. Compartilhar, pensar e
ressignificar: Formação de professores de línguas estrangeiras sob três
perspectivas. In: XV ENDIPE – Encontro Nacional de didática e prática de
ensino. Convergências e tensões no campo da formação e do trabalho docente:
políticas e práticas educacionais. Anais ... Belo Horizonte: Faculdade de
Educação, UFMG, 2010.



COMPARTILHAR, PENSAR E RESSIGNIFICAR: FORMAÇÃO DE PROFESSORES DE LÍNGUAS
ESTRANGEIRAS SOB TRÊS PERSPECTIVAS
Hilda Simone Henriques Coelho (IFMG – Campus Ouro Preto)
Shirlene Bemfica de Oliveira (IFMG – Campus Ouro Preto)
Vanderlice dos Santos Andrade Sól(IFMG – Campus Ouro Preto)


RESUMO: O processo de renovação da prática docente envolve a construção
contínua, humana e ética do conhecimento. "É o saber do sujeito em
construção, primeiro em sua inserção histórica, arqueológica; segundo, é o
saber discursivo, atual, que busca no dialogismo lingüístico a força
inspiradora da mudança, da reestruturação, mas é também o saber da
aprendência contínua que encontra na teleologia da futuridade a humildade
de quem está a fazer o caminho e que encontra na transgressão, na ruptura
de conceitos construídos a motivação inspiradora de sua ação pedagógica"
(BOHN, 2001). Este painel tem como objetivo apresentar três pesquisas que
investigam a formação de professores envolvidos em um processo de prática
reflexiva sob diferentes abordagens e perspectivas de pesquisas. O primeiro
trabalho discute o fazer docente na perspectiva do compartilhar
experiências e emoções em um projeto de educação continuada. O segundo
discute 'o pensar' e verbalizar a prática como ferramentas para a mudança
conceitual (expandir). E o terceiro artigo discute a constituição
identitária do sujeito professor sob o viés da Análise de Discurso e da
Psicanálise, investigando as inquietações que se instauram nas pesquisas
sobre formação de professores de línguas estrangeiras no que tange os
processos de avaliação.
Os resultados apontam para a necessidade dos paradigmas de investigação
sobre a formação do professor de línguas estrangeiras (Inglês) no que diz
respeito a aspectos específicos do processo de ensino/aprendizagem,
colaborando dessa forma para a Formação de Professores e para os estudos em
Lingüística Aplicada.

FORMAÇÃO CONTINUADA: ESPAÇO DE CAPACITAÇÃO E COMPARTILHAMENTO DE
EXPERIÊNCIAS E EMOÇÕES
Hilda Simone H. Coelho (IFMG- Campus Ouro Preto)
Doutoranda - POSLIN/FALE/UFMG


Resumo: Vários são os tipos de projetos de educação continuada existentes
no Brasil (GIMENEZ, 2009). Recentemente percebemos o aumento no número de
publicações acerca das experiências acontecidas nesses projetos e suas
implicações no contexto da escola regular. Particularmente, parece ser
bastante significativo o impacto desses projetos na vida profissional dos
professores participantes. Todas as pesquisas realizadas no contexto dos
projetos visam, além dos objetivos específicos, um objetivo comum de melhor
compreensão da realidade do ensino de Línguas no país. A fim de contribuir
com a disseminação e conhecimento dos projetos de educação continuada, este
trabalho apresenta o projeto desenvolvido na Universidade Federal de
Viçosa, seguindo a tipologia sugerida em Gimenez (2009). O projeto segue
desde o seu início em 2004, uma natureza colaborativa que propicia a
negociação dos conteúdos a serem trabalhados, bem como o compartilhamento
de experiências e emoções dos professores participantes. Essa natureza
chamou a atenção de uma das professoras colaboradoras do projeto,
impulsionando-a a realizar uma investigação mais aprofundada de como
acontecem as interações naquele espaço, buscando compreender como as
experiências e emoções são compartilhadas e como influenciam a prática
daqueles professores. Assim, no segundo momento deste trabalho,
apresentarei parte do referencial teórico utilizado para a investigação de
experiências e emoções, pois percebo a carência de um fundamento teórico
para a realização das pesquisas com este foco (HARGREAVES 1998; DAY &
LEITCH, 2001; MATURANA, 2001, 2005, 2006; ZEMBYLAS, 2004, 2005; ISENBARGER
& ZEMBYLAS, 2006; ARAGÃO, 2007). Este trabalho aponta para a relevância
dos projetos de educação continuada como espaços de formação profissional e
compartilhamento de experiências e emoções de professores.


Palavras-chave: experiências, emoções, língua estrangeira, formação
continuada

1. Introdução:
A formação profissional e continuada de professores de Línguas é um
tema que tem ocupado espaço em encontros e congressos de âmbito nacional e
internacional na área da Lingüística Aplicada. Com o intuito de
compartilhar as experiências acontecidas nos diversos cursos de formação e
nos variados tipos de projetos de educação continuada no país, várias
publicações se encontram disponíveis no mercado (por exemplo, TELLES
(ORG.), 2009; MATEUS et.al., 2009).
Recentemente Gimenez (2009) publicou um artigo na tentativa de traçar
uma tipologia dos projetos de educação continuada de professores de Inglês.
A autora trata de quatro projetos em diferentes estados do Brasil, a saber,
Rio Grande do Sul, Paraná, Tocantins e Pernambuco. A intenção da autora era
apresentar os diversos referenciais teóricos, objetivos e ações dos
projetos bem como o impacto na vida de seus participantes, os planos
futuros e suas formas de sustentabilidade. No final do artigo, Gimenez
(2009) propõe algumas dimensões para auxiliar uma futura tipologia dos
projetos de educação continuada.
Neste artigo, apresentarei o Projeto de Educação Continuada Para
Professores de Língua Inglesa (PECPLI), da Universidade Federal de Viçosa,
seguindo as dimensões sugeridas por Giminez (2009), com ênfase na dimensão
da natureza do projeto. A seguir, apresentarei parte do referencial teórico
que está sendo utilizado por uma das colaboradoras do projeto em seu
doutoramento no intuito de disseminar a importância da pesquisa sobre as
experiências e emoções em contextos de educação continuada.

2. Dimensões do PECPLI
Seguindo a proposta de Gimenez (2009) para uma tipologia de projetos
de educação continuada, apresentarei o PECPLI.
2.1. Ponto de Partida
Alguns acontecimentos contribuíram para o início do projeto. Por um
lado, tínhamos o conhecimento de várias iniciativas para a educação
continuada de professores de Língua Inglesa (LI) – como, por exemplo, os
projetos desenvolvidos na PUC-SP, na UEL- PR e na UFMG-BH - que geraram em
nós o desejo de também atender a essas exigências educacionais[i]. Por
outro lado, os resultados de pesquisa de mestrado[ii] e de iniciação
científica[iii] revelavam a necessidade de uma ação no contexto vigente. A
literatura disponível para educação continuada serviu de base inicial de
nosso projeto, particularmente as publicações acerca de temas como a
colaboração (MATEUS, 2002) e sobre as dificuldades enfrentadas pelos
professores em escolas regulares (CELANI (ORG.), 2003; STEVENS & CUNHA
(ORG.), 2003; CONSLO & VIEIRA-ABRHÃO (ORG.), 2004; VIEIRA-ABRHÃO (ORG.),
2004).
2. Sujeitos proponentes
O projeto teve seu início com 26 professores da rede publica e privada
da região da Zona da Mata, MG, dez desses estão no projeto até o momento,
outros quatro professores integraram o grupo juntamente com quatro alunos
da graduação – dois atuam como estagiários para as aulas de LI que são
oferecidas no Projeto. Duas professoras colaboram voluntariamente desde o
início para a preparação dos encontros do projeto e uma terceira professora
tem colaborado para o preparo das aulas de LI assistindo aos estagiários.
2.3. Concepção e design do projeto
O projeto acontece com predomínio de professores de escolas públicas
que atuam como professores de LI no Ensino Fundamental e Médio. Alguns
desses professores também atuam como professores de Português.
As reuniões aconteceram mensalmente nos anos de 2004 e 2005. Atendendo
aos pedidos do grupo, as reuniões passaram a acontecer quinzenalmente,
sendo estabelecido os encontros aos sábados, das 8:30 às 11:30 para a
discussão de assuntos pedagógicos e das 13:00 às 14:30 para as aulas de LI.
Os encontros são abertos, seus participantes podem decidir deixar o
projeto quando quiserem assim como novos professores podem ingressar ao
grupo. Percebemos que aqueles professores participantes que estão desde o
início estabeleceram objetivos comuns e criaram laços afetivos que os
encorajam a compartilhar suas experiências e a comparecerem assiduamente ao
projeto.
4. Financiamento
No início do projeto contatamos a Secretaria Municipal e Regional de
Educação solicitando auxilio para a divulgação e desenvolvimento do
projeto, mas não obtivemos nenhum retorno. Assim, o projeto caminha com o
apoio oferecido pela estrutura do Departamento de Letras da universidade
para realizar seus encontros quinzenais.
A participação das professoras colaboradoras é voluntária. Nenhum tipo
de parceria, convênio ou incentivo financeiro foi estabelecido. Os
professores participantes do projeto arcam com suas próprias despesas.
Compreendemos que o projeto tem se desenvolvido bem desta maneira, embora
não tenhamos investigado se este é um fator que poderia gerar o impedimento
de novos participantes.
5. Ações e objetivos
O projeto tem como objetivo colaborar para a melhoria do ensino de LI
nas escolas regulares e para a melhoria da qualidade profissional e,
consequentemente, de vida dos professores. Assim, o projeto tem como
objetivos
"contribuir para o desenvolvimento profissional e
aperfeiçoamento da competência metodológica dos professores
de inglês do ensino fundamental e médio; contribuir para a
melhoria do ensino de inglês nas escolas; ajudar o professor
de inglês a se tornar consciente de sua prática e auxiliá-lo
em suas necessidades de aperfeiçoamento lingüístico e
pedagógico, e conhecer os professores da região,
compreendendo primeiro a situação para depois agir"
(BARCELOS E COELHO 2006).
Buscando responder às necessidades apontadas pelos professores desde o
início do projeto, os tópicos foram selecionados e trabalhados em
negociação com o grupo. Ao longo desses anos, foram discutidos textos sobre
leitura, indisciplina, avaliação, preparação de material didático,
pesquisas na escola pública, prática exploratória e gêneros textuais.
A agenda do encontro seguinte é sempre negociada no final de cada
encontro. As professoras colaboradoras se reúnem para preparar o encontro
seguinte e enviam com antecedência a agenda para cada professor
participante a fim de lembrá-los dos tópicos que serão discutidos e das
possíveis tarefas que foram solicitadas. Nesse momento, os professores
ainda podem sugerir alterações na agenda ou comunicar ao grupo sobre
eventual ausência.
6. Natureza do projeto
Conforme exposto nas dimensões anteriores, o projeto é de natureza
essencialmente colaborativa. O papel da colaboração como suporte ao
professor e como instrumento capaz de facilitar o processo de mudanças tem
sido fundamental em pesquisas com professores em serviço (JORGE, 2006;
OLIVEIRA, 2006; POTTER, 1998). Jorge define Diálogo Colaborativo (DC)
baseando-se em Wink e Putney (2002), Vygotsky (1987), Chang e Wells (1989)
e Freire (1970). A autora conceitua DC como
"um meio pelo qual, através do uso da linguagem, da
colaboração e da negociação de sentidos, os participantes
criam um conhecimento comum, próprio a um determinado
espaço de intersubjetividade, vinculado a uma realidade
sociocultural e que pode ser apropriado pelo indivíduo
para construções de novos sentidos" (p.).
Acreditamos que o Diálogo Colaborativo é um meio pelo qual as
professoras colaboradoras e os professores participantes refletem sobre
suas experiências de prática buscando em conjunto sua melhor compreensão.
Segundo os autores citados em Potter (1998) (dentre eles, FULLAN
(1993) e THARP & GALLIMORE (1988)), não há chance para que mudanças na
pedagogia ocorram caso os professores não estejam envolvidos
colaborativamente no processo e aptos a discutir, definir e resolver os
problemas por eles detectados. Dutra e Mello (2001) confirmam o papel da
motivação pessoal para que o processo de reflexão aconteça, mas reconhecem
o suporte do grupo, no qual as questões podem ser discutidas, como
ferramenta essencial no processo. As autoras propõem "uma combinação entre
auto-motivação e colaboração do grupo" (p. 3).
Segundo Potter (1998), a "colaboração é muito mais que um grupo de
pesquisadores que trabalham juntos no mesmo projeto. É um processo que
demanda um espírito de cooperação verdadeira, e companheirismo genuíno, e
uma divisão igualitária de poder, liderança, e responsabilidade" (p. 6).
Potter (1998) percebe a importância do trabalho colaborativo entre a
universidade e os professores e seus contextos de atuação[iv].
O PECPLI acontece em um contexto que tem como base esses princípios da
ação colaborativa entre seus participantes.
2.7. Avaliação
Devido ao caráter colaborativo, a avaliação é feita ao final de cada
encontro no momento de planejamento da agenda seguinte. Uma avaliação mais
detalhada é feita no final de cada ano através da aplicação de um
questionário elaborado pelas professoras colaboradoras. Nesse momento os
professores participantes destacam os assuntos mais importantes e apontam
aqueles que gostariam que fossem trabalhados no ano seguinte.
8. Disseminação
A divulgação do projeto é feita pelos próprios participantes. São eles
que convidam seus colegas para participarem dos encontros. O grupo
apresentou uma comunicação coordenada no II CLAFPL, no Rio de Janeiro.
Várias professoras estavam presentes e puderam relatar suas experiências no
projeto. As professoras colaboradoras tem realizado trabalhos de pesquisa e
publicado artigos disseminando suas experiências e as dos professores
participantes do projeto a fim de compartilhar com a comunidade acadêmica
os acontecimentos e resultados dos trabalhos no PECPLI.
2.9. Impacto
Ao final de cada ano é feita uma avaliação sobre o impacto do projeto
na vida profissional dos professores participantes. Um apanhado dessas
avaliações é feito pelas professoras colaboradoras e é apresentado no
último encontro do projeto para, a partir de então, planejarem as
atividades do próximo ano. No entanto, ainda não realizamos nenhum tipo de
avaliação que envolvesse os alunos desses professores ou alguém do corpo
administrativo de seus contextos de trabalho sobre os possíveis impactos ou
mudanças em suas práticas.
10. Duração
Dissemos que o projeto teve seu início visando atender as necessidades
de professores da região com o intuito de formar um grupo de educação
continuada que pudesse contribuir para a melhoria do ensino e qualidade de
vida dos professores. Por não estar organizado em módulos, o projeto tem
duração permanente, isto é, enquanto o grupo estiver se beneficiando ele
deve continuar.
11. Sustentabilidade
Devido às condições favoráveis do espaço da universidade para acolher o
PECPLI no Departamento de Letras, consideramos que o projeto tenha uma
estrutura sustentável e pode continuar acontecendo sem percalços.

Nesta seção, seguindo as sugestões de Gimenez (2009) para uma
tipologia de projeto de educação continuada, apresentei as dimensões do
PECPLI procurando caracterizá-lo em suas particularidades. Na seção
seguinte apresentarei parte do referencial teórico que está sendo utilizado
na pesquisa de doutorado de uma das professoras colaboradoras para o
aprofundamento da investigação das experiências e emoções dos professores
participantes do PECPLI.

3. A investigação de experiências e emoções no PECPLI
O PECPLI se apresenta como um projeto que tem contribuído para a
formação dos professores como, também, um espaço de compartilhamento de
experiências e emoções. Este último aspecto tem nos chamado atenção e, por
isso, o projeto foi escolhido como contexto de pesquisa para o doutoramento
de uma das professoras colaboradoras. Reconhecemos que este é um tema
pouco aprofundado nas pesquisas em Lingüística Aplicada no Brasil e por
isso optamos por apresentar parte do referencial teórico que está sendo
utilizado na investigação das experiências e emoções dos professores
participantes do PECPLI. Devido ao espaço limitado deste trabalho, os
resultados parciais da pesquisa serão discutidos em outro momento.
Segundo Miccoli (2006), nos últimos cinco anos poucos são os trabalhos
que fazem uso explícito do termo experiência, embora a identifiquem como um
aspecto importante em suas investigações (por exemplo, GIMENEZ et al.,
2001; DUTRA E MELLO, 2004; BARCELOS, 2004; TELLES, 2004; PAIVA, 2005 - com
foco na formação de professores, CELANI, 2002 – com foco na formação
continuada, e OLIVEIRA, 2004; ABRAHÃO, 2002 – com foco nos professores em
serviço). Outras pesquisas têm sido realizadas abrindo espaços para a
compreensão mais detalhada das experiências de professores e estudantes
através de um trabalho colaborativo entre esses e pesquisadores (JESUS,
MELLO & DUTRA, no prelo; JORGE, 2005, 2006; OLIVEIRA, 2006; LUVIZARI, 2007;
ARAGÃO, 2007), mas, segundo Miccoli (2006)
"apesar das riquezas dos relatos que se encontram documentados,
muito poucos autores exploram os processos e dinâmicas que
subjazem a essas experiências e os seus significados, explorando
a possibilidade de transformação que decorre de um foco nesses
processos e dinâmicas" (p. 241).


Em sua revisão, Miccoli (2005, p.10), observa que o conceito de
experiência compartilhado pelos pesquisadores em Lingüística Aplicada
atualmente remonta às concepções de Dewey e Hegel e destaca a natureza de
transformação contínua através das interações entre os seres vivos que
caracteriza a experiência. Em suas palavras, temos que:


(...) [a experiência] não pode mais ser considerada como um
fenômeno pessoal e individual, mas sim como uma manifestação
pessoal de um processo contínuo e em constante desenvolvimento
onde os indivíduos são historicamente constituídos a partir das
experiências de outros indivíduos (p. 10).


"é preciso estar atento para o caráter historicamente situado e
coletivo de uma experiência, buscando compreender sua relação
com as experiências de outros e com o meio em que acontece" (p.
17).


As investigações das experiências de professores e aprendizes,
portanto, devem seguir dois princípios apontados por Dewey (1933):
continuidade e interação. O princípio da continuidade estabelece uma
conexão entre as experiências passadas e as futuras, no sentido de que toda
experiência resgata algo de experiências passadas e contribui com algo para
as experiências futuras. O princípio da interação, por sua vez, estabelece
uma conexão recíproca entre o indivíduo e o ambiente, no sentido de que um
modifica o outro, em função da interação propiciada pela experiência.
Miccoli (2006) destaca a importância de se pesquisar experiências, pois
"professores e alunos que refletem sobre suas experiências se transformam e
transformam suas experiências como professores e estudantes em decorrência
da oportunidade de refletir sobre o que vivenciam" (MICCOLI 2006, p. 236).
Percebemos que também é pequeno o número de pesquisas que utiliza o
termo emoção. Parece que, no contexto nacional, ainda há um preconceito ao
lidar com o tema emoções em questões da sala de aula. Segundo Rajagopalan
(2004), por causa de uma herança filosófica de origem ocidental, os
lingüistas subestimaram o papel das emoções na língua. Para realizar um
estudo aprofundado das experiências e emoções de professores, esta pesquisa
tem como principal fundamento teórico os conceitos apresentados por
Humberto Maturana e seus colaboradores na Biologia do Conhecer, ou,
Biologia Cultural (MATURANA, 2001, 2005, 2006).
Maturana (2001) explica que "todas as ações humanas acontecem num
espaço de ação especificado estruturalmente como emoção" (MATURANA, 2006,
p. 46) Na Biologia do Conhecer, compreendemos o papel fundamental das
emoções, pois, ao serem definidas como "disposições corporais dinâmicas"
(MATURANA, 2005, p. 15), estão em consonância com o ser biológico,
coordenando nossas ações e definindo os sistemas. Por exemplo, a emoção que
especifica o conjunto básico de ações em um sistema de trabalho é a emoção
do compromisso, isto é, a pessoa será aceita sob a condição do cumprimento
de uma tarefa; a emoção que move um sistema hierárquico ou de poder é a de
autonegação e negação do outro, pois o espaço está caracterizado pela
obediência e pela ordem. Um sistema social é definido pelas "ações
coordenadas entre os sistemas vivos que o compõem e constituem sua
organização" (MATURANA, 2006, p. 192). Maturana (2006) reforça que um
sistema é considerado social somente quando a emoção que o move for o amor,
pois é no amor que o ser humano encontra condições para existir em suas
relações. Assim, conclui-se que os sistemas "são uma rede particular de
conversações que configuram um modo particular de emocionar a partir de uma
emoção definidora básica" (MATURANA, 2001, p. 177).
Acreditamos que um estudo sobre as experiências e emoções desses
professores pode clarear sua prática presente e torná-los mais capazes para
o ensino de LI no contexto escolar. Algumas pesquisas corroboram esta
afirmação (ARAGÃO, 2007 – no cenário nacional, e HARGREAVES 1998; DAY &
LEITCH, 2001ZEMBYLAS, 2004, 2005; ISENBARGER & ZEMBYLAS, 2006 – no cenário
internacional).
Em sua pesquisa, Aragão (2007) relata a experiência de aprendizagem de
LI de sete alunos universitários, utilizando vários instrumentos
(narrativas autobiográficas, entrevistas, diários, colagens, conversas
informais, notas de campo, filmagens e questionário final) diante dos quais
pôde "refletir sobre a complexidade da inter-relação entre emoção, ação e
reflexão no processo de ensino e aprendizagem de inglês em sala de aula"
(ARAGÃO 2007, p. 99). A reflexão sobre as emoções e ações desses alunos em
sala de aula tornou mais clara seus processos de aprendizagem e levando-os
a participar de modo mais autônomo e responsável nas aulas. Os resultados
confirmam o fato já constatado em várias pesquisas: a reflexão sobre as
experiências de ensino e aprendizagem pode proporcionar transformações que
favoreçam o processo (PESSOA, 2002; OLIVEIRA, 2006; JORGE, 2005).
Zembylas (2004) acompanhou uma professora com vinte e cinco anos de
experiência durante três anos no ensino Fundamental I. Sua pesquisa teve
como objetivo investigar o papel das emoções da professora em sua prática,
observando sua abordagem de ensino, seu relacionamento com os alunos e o
contexto político social da escola. O pesquisador atuou como observador-
participante auxiliando a professora na preparação de suas aulas e como
observador-colaborador auxiliando-a na reflexão sobre os acontecimentos
durante as observações e anotações das aulas feitas pelo pesquisador e
sobre as emoções descritas no diário da professora. Através de entrevistas,
diário da professora acerca de suas emoções, anotações de campo e análise
de documentos como planos de aula, por exemplo, o pesquisador pode
identificar três papéis majoritários das emoções da professora em sua
prática: (i) papel avaliativo das emoções, os valores da professora "foram
revelados através de expressões e comunicações de suas emoções" (p. 191).
As emoções auxiliaram a professora a perceber seu valor profissional e o
valor da disciplina que lecionava (ciências); (ii) papel relacional das
emoções no ensino, Zembylas (2004) afirma que "ao enxergar as emoções dos
professores como um fenômeno relacional ao invés de reações momentâneas
privadas, amplia-se nossa visão sobre o assunto e a percepção de uma nova
perspectiva culturalmente e historicamente relativa" (p.193); (iii) papel
de fundamentar as relações de poder no ensino, isto é, as questões
relacionadas às emoções dos professores estão imbricadas e podem "ser
moldadas pelas possibilidades, construtos e convenções do contexto da
escola" (p. 195).
O estudo de Zembylas (2004) é um exemplo de como o professor está
"constantemente negociando e respondendo às suas pedagogias e
epistemologias" (p. 198). Este tipo de investigação, acerca das emoções em
sua prática, auxilia a compreensão da formação "de um conjunto de
compromissos, avaliações e crenças pessoais" (ibid.) do professor; é,
também, um exemplo de como as emoções influenciam as tomadas de decisão do
professor; como as emoções formam o contexto para a prática, e, por último,
exemplifica como as emoções são práticas que revelam os efeitos do poder
político e administrativo no contexto de ensino.
Para Hargreaves (1998), "as emoções são o coração do ensino" (p.835) e
por isso devem e podem ser pesquisadas. Segundo o autor, não podemos
considerar apenas o aspecto técnico da prática, mas também, "a compreensão
emocional e o trabalho emocional[v]" (p. 850) que é realizado em sala de
aula, pois "as emoções são partes dinâmicas de nosso ser e, sejam positivas
ou negativas, todas as organizações, inclusive escolas, estão cheias delas"
(p.835). Zembylas (2005) corrobora a idéia e afirma que "o ensino é mais do
que um corpo de conhecimento ou uma lista de práticas e habilidades: é um
modo de ser e sentir, historicamente, em relação aos outros" (p. 469). O
autor ainda defende que se faça conhecer as emoções dos professores para
conhecer melhor suas práticas e como essas emoções influenciam-nas.
Os autores citados nesta seção (HARGREAVES, 1998; ZEMBYLAS 2004;
ISENBARGER & ZEMBYLAS, 2006; MICCOLI 2006; ARAGÂO, 2007) destacam que a
busca de uma identidade profissional própria está intrinsecamente ligada às
histórias pessoais das emoções de cada professor. Os professores se sentem
vulneráveis quando surgem contradições entre os seus valores e desejos e as
circunstâncias adversas experienciadas no contexto de trabalho. Assim,
acreditamos que a investigação sobre as emoções do professor é importante
por aquilo que pode oferecer aos professores e fazer por seus contextos de
atuação.
4. Conclusão
Neste trabalho apresentamos o projeto de educação continuada
desenvolvido na Universidade Federal de Viçosa, o PECPLI, seguindo a
tipologia sugerida por Gimenez (2007). Apresentamos parte do referencial
teórico que está sendo utilizado por uma das professoras colaboradoras no
PECPLI em sua pesquisa de doutoramento.
Acreditamos na importância dos projetos de educação continuada para
oferecer a continuidade e atualização da construção do conhecimento
profissional dos professores de LI. Porém, segundo as experiências no
PECPLI, destacamos a relevância desses projetos para o compartilhamento de
experiências e emoções de professores como fator fundamental para sua
valorização e seu crescimento profissional.



MODELOS MENTAIS EM INTERAÇÃO: O DESENVOLVIMENTO DO PENSAMENTO
REFLEXIVO


Shirlene Bemfica de Oliveira
IFMG – Campus Ouro Preto
Abstract: Nossas visões sobre o mundo, de nós mesmos, de nossas próprias
capacidades e das tarefas que somos solicitados a realizar no dia-a-dia ou
assuntos que somos compelidos a aprender, dependem muito das concepções
prévias que carregamos (NORMAN, 1983). Nossos conhecimentos anteriores em
interação com o ambiente, com as outras pessoas e com os artefatos
tecnológicos e didáticos, ajudam a formar internamente modelos mentais de
nós mesmos e das coisas com as quais interagimos. Esses modelos possuem um
poder de explicação e de previsão para o entendimento de nossas relações
com o mundo (JOHNSON-LAIRD, 1983; VOSNIADOU, 1994) e, quando expressos por
meio da linguagem, podem revelar características de nossos processos
cognitivos. Este artigo é um recorte de uma tese de doutorado que investiga
o desenvolvimento de uma professora professores participantes de um projeto
de educação continuada do ponto de vista cognitivo. A pesquisa foca em como
a participante conceitua interação e, a partir disso, analisa seu discurso
tanto em sala de aula como em sessões de discussão realizadas para
engendrar a reflexão durante a pesquisa e suas ações em sala de aula. Os
resultados deste estudo de dois anos de coleta e análise de dados apontam
para processos de mudança conceitual no discurso e nas ações pedagógicas.

1 Introdução


Este trabalho é, então, uma tentativa de aliar estudos sobre a
perspectiva sócio-histórico-cultural e cognitiva com a área de Linguística
Aplicada (LA), pois nosso interesse é compreender melhor os modelos mentais
implícitos no uso da linguagem em interação no contexto da sala de aula
que, geralmente, é organizado pelos professores. Além disso, porque sabemos
o quanto é relevante o professor estar envolvido em um processo de reflexão
crítica e em pesquisas sobre a própria prática, bem como da importância da
interação para o desenvolvimento da aprendizagem humana. Temos como
hipótese de que, por meio dos instrumentos de reflexão, alcançaremos a
compreensão do processo interacional e poderemos elucidar os fatores que
interferem nas práticas de sucesso ou nas dificuldades dos professores em
termos de interação. Essa reflexão pode nos levar a compreender os modelos
mentais construídos sobre interação de forma a reconhecê-la, construí-la,
gerenciá-la em sala de aula, assim como falar sobre ela e entender as
variações desses modelos de acordo com a competência interativa do
indivíduo, considerando sua idade, sua cultura, e outros aspectos (MOREIRA,
1997).

Acreditamos que a forma de compreender, representar e promover a
interação pode corresponder a diferentes versões de modelos mentais e
sabemos que é possível que os exemplares do mesmo modelo mental (de
interação) pouco ou nada tenham em comum se forem construídos por pessoas
com finalidades e representações totalmente diferentes. Com as análises
apresentadas a seguir, não pretendemos esgotar todas estas questões, mas
poderemos contribuir para a discussão de pontos essenciais para o ensino de
uma língua estrangeira (LE) - o processo interacional em salas de aula de
língua inglesa (LI); o uso da linguagem como ferramenta para a construção
da reflexão sobre interação; e formação de professores que se paute pela
educação continuada, pela reflexão crítica e dialogada. Acima de tudo,
pretendemos proporcionar oportunidades para que a participante da pesquisa
possa construir modelos mentais e pedagógicos mais informados e reflexivos
para a compreensão e aplicação do conhecimento científico. Nesse sentido, o
fato de a participante identificar e discutir suas percepções "tem valor
epistemológico, psicológico e pedagógico, na medida em que saber mais sobre
eles possibilita a construção de uma rede conceitual em que o conteúdo,
contexto e estrutura se articulem e possam esclarecer a dinâmica do
raciocínio. E, consequentemente, extrair implicações para a função e a
formação docente" (SCRIPTORI, 2006, p. 1).

Nesta investigação, trazemos à baila discussões com ênfase nos
processos cognitivos que informam as estruturas conceituais materializadas
no discurso de uma professora em processo de educação continuada, pois as
percepções que ela tem sobre o processo interacional que promove em sala de
aula podem revelar as teorias subjacentes às suas práticas e modelos
mentais, uma vez que o conceito que ela tem sobre interação é justificado
no seu discurso. Acreditamos que as respostas dadas por ela poderão tornar
explícitas as definições de interação propostas, os modelos mentais de
interação construídos pela professora e auxiliar na compreensão da prática
pedagógica proposta por ela mesma.


2 Metodologia
Esta pesquisa é um estudo de caso realizado pela pesquisadora (autora)
e Kênia, uma professora participante de um Projeto de Educação Continuada
de Professores de Línguas Estrangeiras (EDUCONLE). O projeto é desenvolvido
na Faculdade de Letras da UFMG e atende professores (inglês e espanhol) das
redes públicas de ensino e na época era composto dos eixos de
desenvolvimento: lingüístico, metodológico e reflexivo por meio de aulas de
metodologia, de língua e de oficinas para resolução de problemas e pesquisa-
ação. Na época o curso perfazia um total de trezentas horas (300 h)
dividido em dois anos. O EDUCONLE envolve professores da universidade,
alunos da graduação e pós-graduação e tem grande relevância acadêmica e
social. Até o momento as pesquisas desenvolvidas no EDUCONLE visaram traçar
o perfil do público atendido, avaliar a influência do projeto na vida do
professor participante, procurando constatar movimentos de mudanças
discursivas ou da prática pedagógica, intervir na realidade e avaliar os
resultados dessa intervenção (Dutra e Mello, no prelo).
Para realizar a investigação a coleta de dados durou dois anos e foram
utilizados os seguintes instrumentos de coleta: questionários, mapas
conceituais, observação e filmagens de aulas, uma sessão de visionamento e
cinco sessões de discussão. Como o papel da pesquisadora era o de
colaboradora do processo, após a sessão de visionamento, ela selecionou
leituras teóricas sobre interação em sala de aula de LE, técnicas e
instrumentos que pudessem deflagrar a reflexão crítica, a colaboração e
propiciar a captura e modelagem dos processos de mudança conceitual
(Vosniadou, 1994, p.45).
Para este artigo, apresentaremos a análise de uma sessão de discussão
em que ocorreu a identificação de um movimento discursivo, denominado por
Oliveira (2006) como Tensão Colaborativa. O modelo foi escolhido para as
análises porque esse construto pode "consubstanciar movimentos discursivos
capazes de engendrar o debate colaborativo, promovendo a integração teoria-
prática por meio da ação colaborativa" (OLIVEIRA, 2006, p. 58). Em nosso
estudo, o modelo de Oliveira (2006) foi usado na tentativa de descrever e
analisar os diálogos da professora participante e da pesquisadora,
construídos durante as sessões, demonstrando o percurso percorrido desde o
movimento discursivo de reflexão até movimentos discursivos que remetem à
atuação na prática docente. A figura 1 (anexo 1) ilustra como o diálogo
colaborativo pode gerar ações transformadoras.
Observou-se neste estudo que a pesquisadora ou as participantes
utilizaram-se de "enunciados geradores de tensão" (OLIVEIRA, 2006, p. 59),
que se configuravam como perguntas abertas (pedidos de solicitação ou de
esclarecimento) que problematizavam eventos observados em sala de aula,
textos teóricos lidos, aspectos da interação promovida no contexto escolar
ou os instrumentos utilizados para promover a reflexão. Oliveira (2006)
afirma que a "tensão colaborativa" instaurada com esse tipo de enunciado
origina-se das concepções divergentes do grupo e aponta para movimentos de
adesão ou de resistência que podem configurar-se como expressões de
opinião, enunciados avaliativos e expressões temporais. Esses enunciados
requerem a explicitação da prática por parte das professoras podendo
surgir, com base nessa articulação entre as concepções, a reflexão crítica
ou uma nova tomada de consciência.
Outra grelha de análise utilizada para analisar e discutir a sessão de
discussão foi baseada no modelo proposto por Miaskovsky (2008, p. 96) no
que se refere ao "contexto da produção, conteúdo temático, plano geral do
texto, análise do turno e argumentação". Esse modelo é uma forma de
evidenciar as sequências temáticas em que a produção de significado se
organiza. As análises foram organizadas em três momentos: o primeiro refere-
se ao contexto da produção, conteúdo temático e ao plano geral da sessão; o
segundo, à análise dos turnos no que se refere aos efeitos dos enunciados
geradores de tensão propostos pela pesquisadora, e o terceiro apresenta a
análise da argumentação utilizada pela professora ao discutir os temas
propostos. A análise dos temas salientados pelo grupo pode nos ajudar a
responder a segunda pergunta de pesquisa no que tange aos assuntos que
surgem quando as professoras discutem interação. A análise dos turnos e da
argumentação nos auxilia a compreender em que medida a tensão colaborativa
engendra a reflexão e a transformação dos modelos mentais da professora.
Para tal, foi feita a análise da conversação em três dimensões: (i) pedidos
de informação, solicitação ou esclarecimento, ou seja, os enunciados
geradores de tensão, as perguntas que podem desencadear o raciocínio, a
verbalização da prática e/ou a reflexão; (ii) a diferenciação entre
concordância e discordância, ou seja, os momentos em que o enunciado
gerador de tensão desencadeia a concordância ou a oposição do argumento
proposto com réplicas mínimas ou elaboradas; e (iii) a continuidade da
conversa, ou seja, se o fluxo da conversa é continuado ou não e como ele é
construído com réplicas elaboradas ou mínimas (MIASKOVSKY, 2008; ORSOLINI;
PONTECORVO, 1992).
Concordamos que a sessão discussão, se instaurados estes movimentos,
podem favorecer o desenvolvimento profissional crítico, uma vez que o
movimento discursivo em questão pode corroborar as fases do processo de
reflexão propostas por Bartlett (1990): mapear, informar, contestar,
avaliar e agir. A participante pode passar pela fase do auto conhecimento
profissional, coletando evidências sobre a própria prática. Ela pode
explicitar seus objetivos, questionando estruturas e ideias que subjazem às
suas práticas, teve também pode ter a oportunidade de refletir e buscar
formas alternativas de agir em sala de aula.

3 Análise e discussão de dados
O resultado da sessão de discussão que apresentaremos a seguir teve
como objetivo discutir o capítulo I "Classroom interaction and language
learning" do livro Introducing classroom interaction de Amy Tsui (1995) e
contrastá-los com os resultados das aulas planejadas e aplicadas
anteriormente. A configuração discursiva foi construída por meio de pedidos
de esclarecimento da pesquisadora e réplicas mínimas e elaboradas da
professora. Os resultados demonstram que as sequências discursivas
construídas naquela interação compunham os modelos mentais das
participantes durante aquelas colaborações e demonstra o ponto de vista
delas naquele momento.

3.1 O uso da linguagem em sala de aula
A primeira discussão a ser apresentada foi baseada em trechos do texto
de Tsui (1995) sobre como a linguagem que o professor utiliza em sala de
aula afeta a linguagem produzida pelos alunos, a interação que é construída
e, consequentemente, o tipo de aprendizagem. No exemplo 1 a seguir, as
participantes da sessão discutiam o trecho abaixo apresentado pela autora.
O aluno chega à sala de aula e mostra uma semente ao professor. Este faz
algumas perguntas para eliciar o conhecimento do aluno sobre a semente
prevalecendo o padrão de interação IRA.

TRECHO DO TEXTO TEÓRICO


Lee: I want to show you! Isn't it big?
Teacher: It is big, isn't it? What is it?
Lee: a conker.
Teacher: Yes.
Lee: Then that'll need opening up.
Teacher: It needs opening up. What does it need opening up for?
Lee: 'cos the seed's inside.
Teacher: Yes, very good. What will the seed grow into?
Lee: a conker.
Teacher: No, it won't grow into a conker. It'll grow into a sort of
tree, won't it? Can you remember the –
Lee: Horse chestnut.
Teacher: Horse chestnut – good. Put your conker on the nature table
then.
(TSUI, 1995, p. 8)


Ao falar sobre o trecho, Kênia concordou que o padrão interacional era
adequado em uma aula de LI. A pesquisadora fez alguns pedidos de
esclarecimento e deu exemplos semelhantes para que Kênia refletisse sobre
as reais intenções da autora ao apresentar o evento:


Exemplo 1
P: porque assim o menino chegou na sala de aula com uma sementinha (+)
o menino chega pra você e te mostra uma sementinha o quê que você fala
com ele? Leitura do texto / pedido de esclarecimento
K: (+++) eu posso falar that is good não desenvolvimento do raciocínio
P: ou um aluno chega lá, um aluno chega lá com::: a bandeira dos
Estados Unidos (+) fala que ele ganhou ou ele chega lá com um aparelho
que serve pra fazer (+++) pão réplica mínima
K: eu já tentei fazer eles /?/ na sala réplica mínima
P: não (+) vamos supor que o menino chega com uma curiosidade que ele
tem lá da casa dele e te mostra (+) qual que é sua reação? Pedido de
esclarecimento: enunciado gerador de tensão
K: oh, that is very nice (+) eu tento /fechar/ com eles o diálogo?
réplica mínima seguido de pedido de esclarecimento
P: [é?] Então (+) usando essa, essa estratégia? Pedido de
esclarecimento: enunciado gerador de tensão
K: eu já tentei fazer isso um pouquinho só que mesmo assim eles não,
não, não correspondem não réplica mínima
P: então porque olha só o que ele tá fazendo é criticando isso (+)
porque o menino só queria mostrar pra ela a sementinha (+) ele não
queria fazer um, uma conversa de professor e aluno réplica elaborada
K: e como que o menino aqui conseguiu seguir? Isso é que eu não
entendi (+) eu achei o contrário eu achei oposição
P: ele conseguiu seguir porque é a língua materna dele justificativa
K: ah bom (+++) ta validação interlocutória
P: entendeu? pedido de esclarecimento
K: entendi confirmação
P: porque o objetivo dele nesse /início/ aí é mostrar que o tipo de
interação que você vai promover dentro da sala de aula vai fazer com
que ele fale (+++) sem ser decorado réplica elaborada: reflexão
K: [mas] (+) mas /o tanto/ de tipo de interação que tem? Pedido de
esclarecimento: enunciado gerador de tensão
P: é um tipo de interação, mas não é interação de verdade réplica
elaborada: reflexão
K: não é? Pedido de esclarecimento: enunciado gerador de tensão
P: não (+) por quê? É o que ele vai explicar aqui embaixo (+) por que?
O que o professor faz muitas das vezes é MATAR o que esse aluno tá
falando (+) porque ele quer é fazer só aquela agenda que ele prepara
(+) ele usa o termo agenda (+) didática (+) as vezes o aluno chega
igual tem um caso do aluno que chegou e falou assim "Ô professora meu
pai morreu" só que ele falou em inglês "my dad, my daddy" ou "my
father died, my dad" réplica elaborada
K: My father died espelhamento
P: ou "my dad is dead now" or something aí a professora virou e falou
"this is very good" (risos) entendeu? (+) porque o professor tá tão
acostumado com essa agenda de conversa didática que ele esquece que o
aluno as vezes quer conversar simplemente réplica elaborada
K: entendi confirmação
P: entendeu? Pedido de confirmação
K: mas isso (+) in English? Pedido de esclarecimento: enunciado
gerador de tensão
P: in English réplica minima
(Sessão de discussão 2: linhas 262-310)

Percebemos no início que Kênia compreendeu que a estratégia utilizada
pelo professor foi adequada ao contexto de sala de aula de LI. Nesse
sentido, ela compartilhava da ideia de que em sala de aula o professor
tenha de usar uma 'agenda didática' em termos de interação, para promover a
comunicação. O problema apontado por Tsui (1995) é que muitas vezes o
professor perde a oportunidade de ter uma comunicação 'real' durante a aula
porque não escuta o que o aluno tem a dizer. Além disso, a forma como ele
gerencia essa interação vai refletir na forma como os alunos vão responder
a ela e, por sua vez, na forma como vão aprender. Uma vez que "a chave da
aprendizagem da LI é a exposição ao insumo e a interação significativa com
outro falante, é importante encontrar o tipo de insumo e os padrões
adequados de interação à nossa realidade" (VAN LIER, 1988, p. 77-78). O
segundo trecho do mesmo livro discutido foi uma conversa entre uma criança
de quatro anos com a mãe que está trabalhando em um jardim.

TRECHO DO TEXTO TEÓRICO


Elizabeth: What are you doing that for?
Mother: I'm gathering it up and putting it outside so that Daddy can
put it on the garden.
Elizabeth: Why does he have to put it on the garden?
Mother: To make the compost right.
Elizabeth: Does that make the grass grow?
Mother: Yes.
Elizabeth: Why does it?
Mother: You know how I tell you that you need to eat different things
like eggs and cabbage and rice pudding to make you grow into a big
girl.
Elizabeth: Yes.
Mother: Well, plants need different foods, too. And ash is one of the
things that's good for them.
(Tsui, 1995, p. 10)

O excerto foi usado por Tsui para chamar a atenção da diferença da
natureza das interações. No primeiro excerto, os tópicos e os turnos foram
controlados pelo adulto, no caso o professor. No segundo, a criança iniciou
o questionamento e guiou a conversa de acordo com o seu interesse e, o
adulto, no caso a mãe, por meio do seu conhecimento, ajudou a criança a
compreender como as cinzas auxiliam no crescimento das plantas. Em nossa
pesquisa, durante a discussão dos excertos, a pesquisadora tentou usar a
leitura teórica como um organizador comparativo para que Kênia pudesse
refletir acerca dos padrões interacionais que usa em sala de aula. No
exemplo 2 abaixo, a pesquisadora relembrou momentos das aulas filmadas em
que a professora utilizou padrões interacionais semelhantes aos dois
excertos discutidos para que a professora pudesse narrar e refletir acerca
dos eventos, percebendo que ela mesma tinha a preocupação em criar momentos
para que os alunos utilizassem a LE de forma contextualizada e com um
propósito real:


Exemplo 2

P: que é a primeira coisa que ele fala (+) que::: essa interação pode
promover aprendizagem então olha só você pode analisar duas conversas
que você teve (+) uma que foi o momento em que eles estavam batendo
papo em português e outra que é o momento em que eles estavam fazendo,
te fazendo as perguntas naquele tipo de atividade eram perguntas
pessoais não era nada controlado réplica elaborada: organizador
comparativo
K: as perguntas/ sobre o Bruno (+) estavam falando sobre o Bruno
réplica mínima
P: é validação interlocutória
K: e eu coloquei aquela atividade no, no, no meu portifólio. Eles
fizeram os cartões (de conversação) e eu pedi pra eles igual eu falei
pra eles descreverem um amigo /eles tinham que tentar/ descobrir quem
era réplica elaborada: descrição do evento
P: é e eles foram fazendo as perguntas réplica mínima: complementação
K: é (+) aí depois eu pedi pra eles me perguntarem pra saber (+) ah:::
réplica mínima: complementação
P: e você não tinha as respostas prontas (+) porque você não sabia o
que eles iam perguntar réplica elaborada: reflexão
K: entendi (+) mas a diferença do tipo de atividade que eu fiz pra
essa que tá aqui? pedido de esclarecimento: enunciado gerador de
tensão
P: é que ele até fala aqui ó (+) que o Lee começa com algo que ele
está interessado e quer compartilhar com o professor que é o que fala
aqui (+) aí o professor com boa intenção tenta ajudar a criança a
aumentar seu conhecimento com relação a sementinha, lá né? Ou com
relação a como se formam as árvores e coisa e tal. No entanto, o autor
observa que ao fazer isso o professor tá impondo né? Aquela agenda
didática aquele formato de fala que::: ao invés de tentar ver o quê
que o aluno quis dizer com aquilo e geralmente a gente faz isso
réplica elaborada: complementação
K: então me fala o quê que ele poderia fazer aqui nessa situação de
diferente /?/ pedido de esclarecimento: enunciado gerador de tensão
P: por exemplo, o menino chegou mostrou a semente, "ah por que você
trouxe essa semente pra sala?" (+++) aí o aluno ia falar uai porque
que ele (+) porque aqui a gente não fica sabendo porque o menino
trouxe a sementinha (+) porque o menino trouxe a sementinha, mostrou
"Professor eu quero te mostrar não é grandona?" "é, é grande (+) o que
que é isso?" o professor já sabia o que que era (+++) a semente "ah
então a gente precisa abrir então invés de ela falar "e por que que
precisa abrir? (+) e quando abrir e quando plantar vai fazer o que?
vai transformar em que? Vai transformar em árvore (+) todo mundo sabe
que vai transformar né? réplica elaborada: explicação
K: sim::: mas as vezes você faz com a criança esse tipo de diálogo pra
ela se soltar mesmo você sabendo a resposta eu olhei por esse lado
réplica elaborada: oposição/ justificatviva
P: é um dialogo puramente didático que não vai acontecer numa situação
normal que é o que ele vai mostrar mais na frente aí (+) aqui ó vai lá
na, na::: (+) aqui ó página dez (+) você chegou a ler ele? réplica
elaborada: complementação
K: li réplica mínima
(Sessão de discussão 2: linhas 360-404)

A atividade relatada foi um momento posterior à construção de cartões
de conversação em que a professora abriu espaço para que os alunos fizessem
perguntas sobre a vida pessoal dela em LI. Muitos alunos participaram dessa
interação elaborando perguntas em inglês. Neste excerto narrativo que foi
construído de forma colaborativa pela pesquisadora e a participante a
partir da observação das aulas, o advérbio então, utilizado por Kênia,
conferiu um tom de conclusão à fala da pesquisadora, mas é seguido de um
pedido de esclarecimento que julgamos gerar uma tensão entre a forma de
pensar das participantes, o que demonstra também que Kênia tinha um outro
ponto de vista em relação à leitura. A réplica elaborada da pesquisadora é
um enunciado explicativo marcado pela conjunção porque e é uma tentativa de
a pesquisadora mostrar uma outra possibilidade de tornar a fala do
professor mais próxima do interesse real do aluno e mostrar também que, no
exemplo, "a natureza da interação muda de uma criança compartilhando suas
observações com o professor para uma sequência didática de perguntas e
respostas em que a criança dá respostas cada vez mais curtas para o
professor" (TSUI, 1995, p. 8). Apesar de Kênia não concordar naquele
momento com o posicionamento e a explicação da pesquisadora, acreditamos
que a sequência discursiva que se instaurou é benéfica, pois "a negociação
de sentidos e significados, bem como as situações de conflito e confronto
de ideias, o desequilíbrio e a reorganização dos processos mentais
possibilitam a produção do conhecimento" (MIASKOVSKY, 2008, p. 40).
Em seguida, a pesquisadora fez um pedido de esclarecimento com
relação à prática da professora. Kênia afirma já consegue fazer-se
compreendida em inglês, mas ainda não consegue fazer com que os alunos
falem em inglês, como mostra o exemplo 3.
Exemplo 3
P: ela volta na agenda pedagógica dela (+) que é::: explicar (+) Como
é que você lida com essas questões na sala de aula? pedido de
esclarecimento: enunciado gerador de tensão
K: você chega (+) eu dou muita corda pros meu alunos, né? você chega
(risos) minha aula é pra eles (+) eu ouço assim eu ouço até demais e
até réplica mínima: complementação
P: mas você usa essas questões pra aula (+) pra aula? Pedido de
esclarecimento: enunciado gerador de tensão
K: [mas eu queria assim] tento usar (+) é isso que eu tô tentando (+)
o que eu ainda não estou conseguindo é tentar fazer com que essa
contribuição que eles estão dando ela, elas possam ser feitas em
inglês porque quando elas começam a acontecer réplica elaborada:
complementação
P: é em português validação interlocutória
K: é, é (+) mas eu percebo também que eu tenho que estar sempre
levando coisas que sejam do interesse deles (+) aí você consegue puxar
réplica elaborada: complementação
P: ou pelo menos do conhecimento deles né? pedido de esclarecimento:
enunciado gerador de tensão
K: é validação interlocutória
P: porque você viu que o conhecimento prévio é importante né? Pra:::
pra que ele possa contribuir pedido de esclarecimento: enunciado
gerador de tensão
(...)
(...) K: é verdade eu faço, eu faço isso aqui sim mas essa questão
do, do::: eu preciso fazer mais uma tentativa pra ver como é que
funciona eu ainda to naquela eu, eu consegui só uma coisa até agora
que eu não consigo ver um caminho pra poder sair (+) eu consigo fazer
eles me entenderem mas não falarem (+) tudo que eu falo e gesticulo eu
consigo fazer eles puxarem isso pra aula (+) igual semana passada eu
tava lá eles "não entendo nada, não entendo nada" me dá uma raiva
falei "vocês entendem sim (+) vocês entendem muito bem" aí eu começo a
reformular sabe? Começo a falar tudo de novo aí eles vão soltando (+)
vão soltando vão soltando (+) é::: (+) quando eu vou passar um
trabalho eu explico esse trabalho todo em inglês primeiro (+) "o quê
que vocês entenderam?" "não entendi nada" mas entende (+) entende sim
(+) aí vou falando um fala uma coisa outro fala outra outro fala outra
réplica elaborada: complementação
P: você volta pra eles a instrução réplica mínima: complementação
K: volto pra eles a instrução aí falo "tá vendo como vocês
entenderam?" (+) aí depois eu confirmo em português que realmente é
aquilo que eles que alguns alunos conseguiram colocar e a sala
entendeu só que (+) no dia que eu dei a atividade dos corações eu fiz
isso (+) do correio elegante (+) pegar a folhinha dos corações não sei
se eu te mostrei e agora fazer um correio elegante (+) dei a instrução
toda em inglês (+) "first of all I'm going to, I'm going to, to read
all the expression from /these hearts/ after that we are going to
write some ah::: some papers you have to draw cut (+) and cut some ,
something you have to make /your/ heart too and we are going to change
it with others the heart you have to write anything in English
anything you want réplica elaborada: complementação
(Sessão de discussão 2: linhas 555-621)
Alguns pesquisadores atribuem a essa dificuldade ao fato de os alunos
não estarem em situação de participação simétrica social. Os alunos "podem
estar envolvidos em interações mais assimétricas em que a distribuição de
poder e de controle não ocorre de forma equitativa" (FIGUEIREDO, 2005, p.
30). Outros pesquisadores afirmam que outros fatores interferem no tipo de
produção que o aluno vai desempenhar em sala de aula: a abordagem utilizada
pelo professor e o tipo de tarefa proposta; o nível ou a falta de
proficiência dos alunos; medo da crítica dos colegas; timidez; falta de
confiança no que eles já sabem; os alunos se sentem pressionados a dar as
respostas certas; a cultura a qual o aluno pertence; a intolerância que
alguns professores têm em relação aos momentos de silêncio ou a ansiedade
em perguntar e obter uma resposta rápida (ALLRIGHT; BAILEY, 1991; SWAIN,
1985; TSUI, 1995). Uma sugestão dada por vários autores é o uso de
trabalhos em grupo, porque isso muda o padrão de interação de uma
perspectiva avaliativa para uma fala exploratória. "O trabalho em grupo dá
aos alunos a oportunidade de se engajarem em uma comunicação genuína, em
que eles produzem um discurso coerente em vez de frases isoladas, e isso
ajuda a adquirir a competência discursiva" (TSUI, 1995, p. 21).
Acreditamos que o TAC O uso da linguagem em sala de aula foi
importante para Kênia. O movimento discursivo consubstanciado proporcionou
a ela a oportunidade de ler, discutir, compreender, concordar, refutar,
confrontar e pensar sobre seu fazer docente. Nas palavras de Freire
É pensando criticamente a prática de hoje ou de ontem que
se pode melhorar a próxima prática. O próprio discurso
teórico, necessário à reflexão crítica, tem de ser de tal
modo concreto que quase se confunda com a prática. O seu
distanciamento epistemológico da prática, enquanto objeto
de análise, deve dela aproximá-lo ao máximo (FREIRE,
1996, p. 39).


A análise e discussão com um aporte teórico serviram de ponto de
ancoragem para a construção de novos conhecimentos. A teoria pode ter
ajudado Kênia a sair da reflexão "ingênua" ou puramente descritiva para a
reflexão "epistemológica" ou crítica que é alçada pela consciência das
ações e eventos, relacionando-os a um contexto sócio-histórico-cultural
(FREIRE, 1996; HATTON; SMITH, 1995).

4. Conclusões
Acreditamos que é possível desenvolver um programa de educação
continuada de professores de LE de qualidade. Então, optamos por um modelo
de formação baseada na colaboração, na investigação da própria prática,
considerando o conhecimento e as experiências do professor, como
ferramentas que o auxiliassem na análise das ações pedagógicas sob o ponto
de vista da interação para a construção e /ou reconstrução de modelos
mentais e práticas docentes mais elaboradas ou aproximadas das postuladas
cientificamente. O Projeto EDUCONLE, como um dos contextos de coleta de
dados, contribuiu muito no que tange a esse processo de articulação entre a
teoria e a prática docente considerando os elementos metodológicos,
lingüísticos, sociais e pessoais "sob o ponto de vista da integração, da
parceria e do trabalho conjunto" (OLIVEIRA, 2006, p. 177). Desse modo,
pareceu necessário, neste estudo, problematizar a construção e
transformação dos processos conceituais da professora participante sobre
interação do ponto de vista cognitivo e sócio-histórico-cultural. Essa
opção tornou-se necessária devido ao escopo metodológico da pesquisa.
Verificamos que a professora, ao fazer parte da pesquisa e do EDUCONLE,
apresentou movimentos de mudanças na forma de definir interação e em suas
ações pedagógicas. Tais mudanças ocorreram a partir de uma conscientização
de que é preciso se responsabilizar pelo próprio processo de aprendizagem e
desenvolvimento profissional.

Bibliografia

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DUTRA, D. P. MELLO, H. Pesquisas em linguagem: o que elas revelam sobre um
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Disponível em: http://www.if.ufrgs.br/public/ensino/N3/moreira.htm Acesso
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NORMAN, D.A. Some observations on mental models. In: Gentner, D. and
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OLIVEIRA, A. L. A. M. Hermes e bonecas russas: Um estudo colaborativo para
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ORSOLINI, M.; PONTECORVO, C. Children's talk in classroom discussions. In:
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VAN LIER, L. Interaction in the language curriculum: Awareness, autonomy &
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VOSNIADOU, S. Capturando e modelando os processos de mudança conceitual.
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http://www.geocities.com/modelos_mentais/menus.htm Acesso em 29 de maio de
2007.

VYGOTSY, L. S. A formação social da mente. São Paulo: Martins Fontes, 1984.




Anexos

Anexo 1: Figura 1























FIGURA 1 Tensão Colaborativa

Fonte: OLIVEIRA, 2006, p. 60
Constituição identitária de professores de inglês: a avaliação como foco

Vanderlice dos Santos Andrade Sól (IFMG- Campus Ouro Preto)
Doutoranda - POSLIN/FALE/UFMG


Resumo: É cada vez mais recorrente nas pesquisas em Linguística Aplicada a
dedicação de pesquisadores na compreensão da formação do professor de
línguas estrangeiras. Essas tentativas de compreensão decorrem de diversos
paradigmas e abordagens metodológicas de pesquisa. Nesta perspectiva, serão
abordadas neste estudo as contribuições da Análise do Discurso e da
Psicanálise na investigação das inquietações que se instauram nas pesquisas
sobre formação de professores de línguas estrangeiras no que tange os
processos de avaliação. Os estudos sobre o uso de portfólios como um
instrumento de avaliação alternativa na sala de aula de Língua Inglesa
revelam características importantes do processo de ensino/aprendizagem,
possibilitando aos alunos e ao professor uma avaliação processual, que pode
levar à reflexão e possíveis deslocamentos sobre as concepções de
ensino/aprendizagem de Língua Inglesa. A literatura especializada no estudo
de avaliação mostra que o uso de portfólios permite ao aprendiz um maior
grau de envolvimento em sua aprendizagem e avaliação e ao professor uma
possibilidade de re-significação da prática, tomando novas posições frente
às suas práticas de avaliar. Este é um estudo de caso de natureza
qualitativa que visa investigar a constituição identitária de três
professoras do ensino médio e técnico de uma instituição pública federal de
ensino em relação ao uso de portfólios como instrumento de avaliação do
aprendizado de Língua Inglesa. O corpus foi coletado por meio de
portfólios, entrevistas semi-estruturadas com as três professoras. Os
resultados apontam para a necessidade de implementar em sala de aula formas
de avaliar mais diversificadas e processuais. O estudo aponta, também, que
é necessário (re)pensarmos a constituição identitária do professor de
línguas.


Palavras-chave: língua estrangeira, avaliação, portfólios, identidade,
formação de professores

1 Introdução


A avaliação é imprescindível no processo de ensino/aprendizagem. É
pelo processo de avaliação que o professor determina quanto e em que nível
seus objetivos estão sendo atingidos. Para isso é necessário o uso de
instrumentos e práticas de avaliação adequados. No contexto de ensino de
línguas estrangeiras estamos acostumados com termos como "avaliação
somativa" (aquela que focaliza a nota, o produto) e "avaliação formativa"
(que focaliza o processo). Nessa perspectiva, é comum ver o processo de
"avaliação" ser considerado sinônimo de "provas escritas" e, muitas vezes,
com foco apenas na gramática e no vocabulário. Os professores reclamam do
mau desempenho dos alunos responsabilizando-os pelo fracasso e os alunos
queixam das notas e responsabilizam os professores pelo problema. E nesses
casos, professores e alunos, no embate, não se percebem no processo como
sujeitos que agem responsáveis pela mudança. Nesse sentido, Cavallari
(2009, p. 1) afirma que
o constante julgamento do professor sobre o aluno retoma e
reflete algumas imagens com as quais este possivelmente
passará a se identificar. Em suma, acreditamos que o
discurso-avaliador do sujeito-professor a respeito do
sujeito-aluno é legitimado e produz sentidos, ao evocar,
interdiscursivamente, outros domínios discursivos que
circulam em um determinado contexto histórico-social.
Assim, a passagem de uma avaliação normativa para a formativa,
implica necessariamente um deslocamento das práticas do professor em
compreender que o aluno é, não só o ponto de partida, mas também o de
chegada. Seu progresso só pode ser percebido quando comparado com ele mesmo
(HADJI, 2001). Desse modo, uma forma de minimizar os problemas do processo
de avaliação é criar meios para gerenciá-la de forma válida, confiável e ao
mesmo tempo processual. O uso de portfólios, conforme apresentarei neste
estudo pode ser um meio de acessar e efetivar a aprendizagem de forma
transformativa.
Nesta perspectiva, serão abordadas neste estudo as contribuições da
Análise do Discurso em interface com alguns conceitos da Psicanálise na
investigação das inquietações que se instauram nas pesquisas sobre formação
de professores de línguas estrangeiras no que tange os processos de
avaliação.

2 Fundamentação Teórica

Nesta seção apresento uma breve discussão sobre o uso de portfólios
como alternativa para avaliação do processo de ensino/aprendizado e a
constituição identitária do sujeito professor nas práticas avaliativas.
Trago essas considerações por acreditar que essa problematização sustentará
os gestos de interpretação empreendidos nesse estudo.


2.1 O portfólio como instrumento de avaliação


A avaliação constitui um dos elementos envolvidos no processo de
ensino e aprendizagem de línguas estrangeiras, assim como a escolha da
abordagem, método, material, entre outros. O que define a avaliação em
relação a esses componentes é a sua função que, além de medir o
conhecimento do aluno, refletir sobre sua proficiência, revela se as
escolhas do professor foram acertadas e garantiram o sucesso da
aprendizagem. Diante disso, surge então a questão de que o professor, além
de ensinar, deve também avaliar o que ensinou e como ensinou. Sendo assim,
é seguro dizer que existe uma relação entre os objetivos de um curso, os
métodos de ensino adotados e as formas de avaliar. A criação de
instrumentos avaliativos não é uma tarefa simples para o professor, uma vez
que "a avaliação perfeita, justa e correta não existe" (Doll, 2000, p. 40),
mas ela pode ser bem eficiente se as formas de avaliar atenderem ao
estabelecimento de objetivos claros, critérios coerentes, conhecimento das
limitações dessas formas, etc. Neste trabalho buscarei apresentar um estudo
de caso envolvendo o uso de portfólios como um instrumento alternativo de
avaliação.
O portfólio é um recurso de avaliação da aprendizagem que consiste
em uma coleção de trabalhos escolhidos por cada aluno que demonstra para
ele mesmo e outras pessoas, seu progresso, esforço e suas realizações em
determinadas áreas. (Genesee & Upshur, 1996, p. 99).
No contexto de ensino de uma língua estrangeira, o portfólio pode
ser utilizado como parte da avaliação do ensino/aprendizado produzindo uma
visão global desse processo e para o desenvolvimento da competência
comunicativa, autonomia e capacidade de reflexão. Com ele os alunos podem
se tornar mais ativos no processo através da reflexão que fazem de seu
progresso, conquistas e limitações. Os portfólios podem conter uma
coletânea de trabalhos dos alunos elaborados com propósitos específicos,
incluindo: mostras de produções escritas e orais, poemas, fotos, perfis,
reflexões pessoais, anotações de aulas, ou seja, o que o aprendiz julgar
relevante em sua experiência de aprendizagem (Genesee & Upshur, 1996).
Algumas vantagens são apontadas para o uso dos portfólios: em
primeiro lugar, eles permitem uma organização do próprio aluno, a partir de
suas experiências e suas reflexões ao longo do processo de aprendizagem
(Torres, 2008, p. 552). Para a autora, o uso dessa inovação beneficia
qualquer tipo de aluno e não só o extrovertido, visto como "participativo",
ou o visual, que tem mais facilidade em exercícios escritos, possibilitando
ao aluno que ele mesmo descubra suas potencialidades e talentos. Por outro
lado, o uso desse recurso pode vir a trazer algumas desvantagens, do ponto
de vista do aluno vindo de um sistema educacional que não privilegia a
criatividade ou a independência (Torres, 2008, p. 552). Outra desvantagem
apontada por Torres (2008) é a de que o portfólio pode ser confundido com
uma "coleção de trabalhos" tornando assim essencial a preparação do
professor, com leituras e reflexões para que tenha uma compreensão clara e
abrangente desse processo e possa ajudar seus alunos durante o período de
seleção e análise dos materiais.
O grande desafio de se utilizar o portfólio é o de fazer com que o
aluno perceba que ele é responsável pelo seu processo de aprendizagem e o
professor é um aliado para a construção desse sujeito. Concebemos o sujeito
para além da concepção biológica, o qual incorpora a dimensão simbólica e
significante, isto é, a subjetividade constituída por condicionantes
inconscientes e ideológicos, resultantes de sua inscrição em formações
discursivas que formam o interdiscurso (Coracini, 2007; Neves, 2008). O
termo formação discursiva foi usado por Michel Pêcheux como sendo aquilo
que determina, a partir de uma formação ideológica, uma posição dada em uma
conjuntura sócio-histórica, o que pode e deve ser dito. É preciso estar na
mesma formação discursiva para que haja compreensão do que é dito e as
palavras mudam de sentido ao passar de uma formação discursiva à outra. O
termo formação discursiva foi cunhado por Michel Foucault, mas não para se
referir à ideologia, as lutas de classes, conforme reformulou Pêcheux, e
sim ao saberes/poderes (Para discussão mais ampla a esse respeito, ver a
obra de Foucault A arqueologia do saber, (1969) ). E o termo interdiscurso
remete às memórias implícitas (o já-dito) que atravessam o discurso (é da
ordem do inconsciente). Nessa perspectiva, professores e alunos são
"sujeitos que possuem múltiplas vozes" que configuram a complexidade, a
heterogeneidade e o constante movimento de sua identidade.


2.2. Avaliação: o professor no espelho

Conforme já foi mencionado, avaliar não é um processo simples e
fácil. Nele os professores fazem escolhas sobre o que avaliar, como, quando
e porquê, visando, sempre, uma função interativa entre ensinar e aprender
(Scaramucci, 1998/1999). Scaramucci afirma que a função de avaliar engloba
a utilização de instrumentos avaliativos que retratem o estágio de
aprendizagem em que o aluno se encontra, dando condições para que sejam
tomadas decisões suficientes e satisfatórias que contribuam no avanço da
aprendizagem desse aluno.

Muitas vezes o professor que se pauta nas metodologias
contemporâneas de ensino de línguas reconhece que a avaliação deve ser
processual, mas na prática do dia-a-dia a avaliação acaba tendo um caráter
punitivo e promocional cuja função passa a ser disciplinatória (Hoffmann,
1999, 16). Nessa perspectiva, temos o professor cuja prática de avaliação
pode se manifestar numa representação dicotômica sobre a avaliação
tradicional em oposição à avaliação considerada como alternativa, ou seja,
menos ameaçadora (Neves, 2008). O professor, muitas vezes, deseja esse
modelo de avaliação para seus alunos e evidencia-se seu desejo de
completude e perfeição no que tange as suas tomadas de posição nas práticas
avaliativas.

Nesse sentido, trago à baila as noções de sujeito e identidade sob
o viés da dos estudos que assumem a perspectiva discursiva comprometida com
a Psicanálise. Tais estudos afirmam que a fala é fundamentalmente
heterogênea e o sujeito é dividido. Nessa perspectiva, constrói-se a noção
do discurso atravessado pelo inconsciente e de um sujeito descentrado,
barrado pelo desejo, dito de outro modo, dividido, clivado entre o
consciente e o inconsciente. Assim, o professor de línguas se apresenta
como sujeito da falta sempre em busca de (alg)uma completude, inteireza e
controle. Nesse sentido o sujeito-professor, marcado pela falta e pelo
desejo, é visto por Ghiraldelo (2006) como sujeito sócio-histórico,
constituído na e pela linguagem, não possuindo nessa perspectiva, controle
sobre seu discurso e prática (o seu dizer será sempre afetado pelo
inconsciente). Assim, a subjetividade é compreendida como algo em
construção, calcada no inconsciente, construída no e pelo Outro (lugar do
tesouro dos significantes ou um espaço aberto de significantes que o
sujeito encontra desde o seu ingresso no mundo. É a referência ao simbólico
(Lacan, 1985).
A partir da definição de sujeito como cindido, heterogêneo,
polifônico, atravessado pelo inconsciente e habitado por outros, a
identidade é entendida como algo em construção, em movimento constante e em
constante modificação. Na perspectiva psicanalítica de Lacan (1966 [1998]
citado por Coracini, 2007, p. 17), nos vemos pelo olhar do outro e somos
constituídos por esse olhar. Sendo assim, "a imagem que construímos de nós
mesmos provém do(s) outro(s), cujo discurso nos perpassa e nos constitui em
sujeitos, construindo, no nosso imaginário, a verdade sobre nós mesmos,
verdade com a qual nos identificamos e que assumimos como se não fosse
transitória". Desse modo, o outro funciona como um espelho (Nasio, 1997) é
esse processo que Lacan chama de estádio do espelho. Nesse sentido,
Coracini ressalta que
é pelo e no olhar do outro que me vejo como um, outro que
internalizo como sendo o "eu", outro que constitui
enquanto sujeito da linguagem, pelo discurso que diz o que
e quem sou, como e porque sou. E é na medida em que assumo
esse dizer, que a ele me submeto (inconscientemente), que
dele me aproprio, digerindo-o, tornando-o "carne", que me
torno sujeito (CORACINI, 2003, p. 6, citada por ECKERT-
HOFF, 2008, p. 143, grifos nossos).

Considerando a discussão feita acima, é necessário (re)pensarmos a
identidade do aluno e do professor de línguas, pois acreditamos que, apesar
dos esforços dos cursos de educação continuada, ainda não nos sentimos
preparados para lidar com a heterogeneidade que se instaura nesses
contextos, com as frustrações dos professores, dos alunos, enfim com todos
os conflitos que emergem. Nesse processo de reconfiguração de paradigmas
vale ressaltar que a identidade se constitui no e do confronto; é através
do olhar do outro que o sujeito se vê e a identidade do sujeito não é
estável, está sempre em movimento, em transformação (Coracini, 2007, p.
194).
Apresentei nessa seção um breve aporte teórico sobre avaliação com
foco no portfólio como uma ferramenta alternativa de avaliação processual
que auxilia na (des)construção da identidade tanto do aluno em relação ao
seu papel no processo de ensino/aprendizagem quanto para o desenvolvimento
profissional dos docentes. A seção a seguir se encarregará de apresentar a
metodologia que norteou o estudo em questão.

3 Metodologia

Este trabalho se constitui em uma pesquisa qualitativa na
modalidade de estudo de caso que visa analisar o discurso de três
professoras de inglês sobre o uso de portfólios no ensino médio e técnico
de uma instituição pública federal de ensino. A pesquisa foi realizada em
um Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Estado de Minas
Gerais contando com a participação de três professoras de Língua Inglesa
(Mariana, Sarah e Viviane). As professoras possuem tempo de magistério que
varia de 10 a 16 anos como mostra o quadro 1 (ANEXO A).
Para a realização do estudo foram utilizados os seguintes
instrumentos de formação de corpus: portfólios desenvolvidos pelos alunos e
entrevistas semi-estruturadas com 03 professoras (ANEXO B). As entrevistas
foram realizadas no mês de abril de 2009. Para a análise dos dados, sigo as
orientações do referencial teórico descrito na seção 2 deste estudo.

4 Análise e discussão do corpus

Nesta seção será apresentada a análise e discussão do corpus das
professoras enunciadoras sobre o uso do portfólio no ensino/aprendizado de
inglês como LE.


4.1 Discurso das professoras sobre o uso de portfólios


As professoras consideraram a experiência de trabalhar com o
portfólio muito positiva. Vários aspectos foram apontados por elas como
vantagens do portfólio como uma forma alternativa de avaliar. Destaco os
seguintes pontos positivos: respeito dos alunos pelo trabalho do professor,
desenvolvimento processual dos alunos, liberdade de criação, motivação e
possibilidades de contextualização, como mostra o excerto abaixo:
Acho muito bom usar o portfólio porque me possibilita
acompanhar os meus alunos de perto, de forma processual,
dá aos alunos a liberdade de criar, inserir atividades do
interesse deles e de rever o conteúdo trabalhado de forma
contextualizada. O trabalho com o portfólio me deu o
respeito dos alunos no que se refere às minhas intenções e
preocupações com o aprendizado deles. Eles passaram a ver
que, apesar de trabalhoso, o portfólio contribui muito
para a aprendizagem deles. Quanto a mim, passei a repensar
a minha prática a partir do impacto dos portfólios que eu
recebia dos alunos. Às vezes eu via que algum conteúdo não
tinha ficado claro para os alunos, porque isso era
refletido nas atividades do portfólio deles. Então, eu
passei a rever a minha prática a cada dia por meio dos
porfólios (Viviane).

Foi positivo porque pude conhecer melhor os meus alunos e
tive mais certeza do quê e como eles estavam aprendendo
/.../(Sarah).




As professoras demonstram uma grande preocupação com o
desenvolvimento dos alunos respeitando a singularidade de cada um no
processo de avaliação "Acho que a gente tem que ser bastante flexível e
avaliar o todo. Cada turma oferece um perfil porque cada aluno permite que
a gente chegue até ele de forma diferente" (Mariana). Além da preocupação
com o aluno, as professoras revelam preocupações com o desenvolvimento
profissional e ações implementadas para realizar deslocamentos nesse
sentido "Passei a repensar a minha prática a partir do impacto dos
portfólios que eu recebia dos alunos" (Viviane).
Na perspectiva discursiva adotada neste estudo, acredito que "é a
palavra que fala do sujeito e não o sujeito que controla a palavra" (Eckert-
Hoff, 2008, p.134). Assim, as professoras, apesar de estarem envolvidas com
propostas contemporâneas de ensino/aprendizagem de línguas, deixam escapar
através de escolhas lexicais como "garantir o processo de avaliação",
"parte gramatical, "forçar o aprendizado", "rever o conteúdo";"garantir a
avaliação", ter certeza", "reforçar vocabulário" efeitos de sentido que
remetem ao ensino tradicional, revelando o desejo de completude e de
controle na avaliação (Coracini, 2007). Nessa perspectiva, a (in)corporação
do portfólio como ferramenta de avaliação moderna não é garantia plena de
mudança na prática do professor, uma vez que como sujeitos constituídos na
e pela linguagem afetados pelo inconsciente, o professor não controla os
efeitos do seu dizer. As professoras ao mesmo tempo em que negam o ensino
tradicional e tentam inovar, elas deixam escapar vozes de um sistema de
avaliação somativa.
Embora professoras considerem a experiência do portfólio positiva,
elas enfrentaram frustrações, dificuldades e limitações, tais como o desejo
de aumentar a participação dos alunos e adesão dos alunos, a correção
individualizada, carga horária insuficiente, como mostram os excertos
abaixo:


Muitos alunos se recusaram a fazer o portfólio, então eu
argumentei as vantagens, quando meus argumentos se
esgotaram tentei convencer pela nota, mas mesmo assim
alguns relutaram. Então, o maior desafio foi convencer os
alunos de que a idéia era boa pra eles. Mas acho que isso
não é uma limitação (Viviane).

Vivenciei dois desafios: aumentar a participação dos
alunos e corrigir dando feedback individualizado para
todos. Confesso que fiquei muito cansada porque eles
faziam as produções, eu lia dava um retorno e devolvia.
Eles reescreviam e colocavam no portifólio. Deu muito
trabalho (Sarah).

Então deu pra cumprir, apesar do aperto da carga horária
mínima a gente conseguiu com muito critério, com muita
exigência nesse dia. Não pode faltar, não pode, na outra
semana. É lamentável que as vezes a gente não consiga
atendê-los em função da pouca carga horária, do número de
alunos, principalmente para a área de línguas, é
lamentável (Mariana).




Mariana, em especial, revela grande desejo em satisfazer o aluno,
pautando-se nos binarismos tradicional/contemporâneo, velho/novo,
antiquado/inovador. A problematização desses binarismos mostra que "mudar
não é fácil; impõe um constante rever-se, um constante questionar-se e,
sobretudo, um constante perdoar-se" (Eckert-Hoff, 2004, p. 11).
todas as vezes que a gente tenta trabalhar com algo
inovador o resultado é melhor. Aquele tradicionalismo de
trinta anos, os adolescentes não gostam. Eles gostam de
coisas diferentes. Eles gostam de coisas novas. E a gente
está em um mundo de muitas tecnologias e eles movimentam
muito mais nessa tecnologia do que a gente, então não dá
pra ficar parada só no giz, só o professor que fala, não
tem como (Mariana).



Esses binarismos levam o professor a idealizar representações
identitárias dos alunos, sobre o ensino, as abordagens que podem levá-lo a
uma frustração porque ele deseja esses modelos e são eles que norteiam suas
tomadas de posição nas salas de aula no caso deste estudo, nas práticas
avaliativas. Nesse sentido, ressalto a importância dos cursos de educação
continuada, que são vistos como espaços nos quais "o professor é convocado
a assumir diferentes posições na cadeia discursiva e a reconstruir
discursos sobre si e sobre sua prática". Os espaços para educação
continuada têm o potencial de fornecer oportunidades para os professores
(re)significarem suas práticas e compreender que o processo de formação é
contínuo e que as "mudanças" tão desejadas não são tão simples conforme se
poderia pensar .


5 Considerações finais

Este estudo aponta que avaliar é uma tarefa difícil que exige muito
esforço, mas é recompensadora. O estudo também evidencia que o uso do
portfólio como instrumento de aprendizagem trouxe implicações para o
aprendizado dos alunos e para a prática pedagógica e contribuiu para a
problematização do discurso das professoras no que tange a avaliação.
Sendo assim, justifico a necessidade de pesquisas desenvolvidas sob
o viés da Análise do Discurso e da Psicanálise que explorem as percepções
dos professores e alunos quanto às práticas avaliativas subsidiando uma
reflexão valiosa acerca de suas ações, práticas, e das relações que se
estabelecem na sala de aula de Línguas Estrangeiras. Nesse sentido, destaco
a importância de se compreender e repensar nossas práticas avaliativas. Se
considerarmos que nos vemos no espelho do olhar do outro, é necessário que
o professor de línguas reconheça a singularidade dos alunos, e reconheça
que seu discurso e sua prática são permeados por várias vozes e são essas
que guiam suas tomadas de posição na sala de aula.
Concluindo, o estudo evidencia que as imagens de si e do outro (os
alunos), que estão em funcionamento no discurso das professoras sobre as
práticas de avaliar possui efeitos, também, na constituição identitária do
aprendiz. Tendo em vista que a identidade do sujeito-aluno é construída
imaginariamente, convém atentarmos para as representações presentes nos
freqüentes julgamentos do professor a respeito do sujeito aluno. Essas
representações podem refletir na constituição identitária deste, deixando
marcas e/ou traços com os quais o aluno passa a se identificar e que
interfere no seu desempenho no processo de ensino/aprendizagem.
Concluindo, por meio da análise do funcionamento do dizer das
professoras, o estudo evidencia as imagens que as professoras têm de si, do
outro (aluno) e do processo de avaliação e da instituição onde atuam. Tais
considerações foram feitas a partir do arcabouço teórico subsidiado pela
interface da Análise de Discurso e a Psicanálise, que se apresenta como um
grande potencial para reflexões sobre questões relacionadas à
ensino/aprendizagem de LE, problematizando questões do tipo: a ilusão da
completude, a objetividade (tentativa de apagamento da subjetividade), a
singularidade (o inconsciente), a complexidade das metodologias e
estratégias de ensino, etc.


Referências Bibliográficas
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língua inglesa, n.4, p. 115 – 124, 1998/1999.

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implicações para a prática pedagógica reflexiva. In: Rev. Diálogo Educ.,
Curitiba, v. 8, n. 24, p. 549-561, maio/ago. 2008.


ANEXO A

Quadro 1 – Perfil dos participantes
"Participant"Formação acadêmica "Tempo de "Carga horária "
"e " "magistério "semanal "
"Mariana "Licenciatura em "13 anos "38 horas/aula "
" "Língua Inglesa e " " "
" "Língua Portuguesa " " "
"Sarah "Licenciatura em "16 anos "16 horas/aula "
" "Língua Inglesa " " "
"Viviane "Licenciatura em "10 anos "16 horas/aula "
" "Língua Inglesa " " "


Fonte: Entrevista
ANEXO B
ENTREVISTA SEMI ESTRUTURADA COM OS PROFESSORES (ORAL)

1. Por que você decidiu trabalhar com o portfólio?
2. Como você avalia a experiência de trabalhar com o portfólio como um
instrumento de avaliação?
3. Qual o impacto do portfólio na sua prática de avaliação da
aprendizagem?
4. Houve alguma limitação durante o processo? Quais?
5. O que você entende por avaliação?

-----------------------
[i] Artigo 63, inciso 3, da LDB de 20 de dezembro de 1996 e Art.14, inciso
2, das Diretrizes Curriculares Nacionais para a Formação de Professores da
Educação Básica, em nível superior, curso de licenciatura, de graduação
plena.
[ii] COELHO, H.S.H. "É possível aprender inglês na escola?" Crenças de
professores e alunos sobre o ensino e a aprendizagem de língua inglesa em
escola pública. Dissertação de mestrado. Belo Horizonte, UFMG – FALE, 2005.
[iii] Chinelatto, E. Crenças sobre ensino de inglês e a prática de sala de
aula: um estudo etnográfico em escolas públicas. Relatório Final de Projeto
PIBIC/CNPq. Universidade Federal de Viçosa, MG.
[iv] Potter (1998) vai além do espaço da escola e leva seus professores ao
contexto familiar dos alunos com que trabalhavam.
[v] Hargreaves (1998) define trabalho emocional a partir de Hochschild
(1993): "Este trabalho requer de um sujeito induzir ou reprimir os
sentimentos, a fim de sustentar um semblante que produz o bom estado de
espírito em outros ... Este tipo de trabalho exige uma coordenação de mente
e sentimento, e às vezes recorre a uma fonte pessoal que honra muito
profunda integralmente nossa personalidade" Hochschild (1993) .


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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