Compensação de ICMS decorrente do Princípio Constitucional da Não Cumulatividade

July 21, 2017 | Autor: C. Merlin Clève | Categoria: Direito Tributário (Tax Law), Direito Constitucional, Derecho Financiero Y Tributario
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COMPENSAÇÃO DE ICMS DECORRENTE DO PRINCÍPIO CONSTITUCIONAL DA NÃO-CUMULATIVIDADE

COMPENSAÇÃO DE ICMS DECORRENTE DO PRINCÍPIO CONSTITUCIONAL DA NÃO-CUMULATIVIDADE Revista dos Tribunais | vol. 741 | p. 505 | Jul / 1997 DTR\1997\532 Clémerson Merlin Cléve Titular de Direito Constitucional na UFPR. Professor dos Cursos de Mestrado e Doutorado. Jacinto Nelson de Miranda Coutinho Adjunto de Direito Processual Penal na UFPR. Professor dos Cursos de Mestrado e Doutorado. Área do Direito: Tributário Sumário: - 1.Antecedentes fáticos - 2.Da consulta - 3.Do parecer - 4.Das conclusões

Ementa: Princípio da não-cumulatividade do ICMS. Compensação garantida na Constituição Federal de 1988 , independentemente da existência de lei regulamentadora. Defensabilidade da tese. Denúncia criminal com fundamento no art. 1.º, II , da Lei 8.137/90 . Atipicidade das condutas. Inconfiguração de co-autoria. 1. Antecedentes fáticos 1. O ilustre advogado Max Roberto Bornholdt formula consulta no sentido de dirimir eventual dúvida que possa surgir a respeito da lisura de suas atividades profissionais, como advogado tributarista atuante no Estado de Santa Catarina. 2. Suas indagações envolvem questões que dizem com o direito constitucional, direito tributário, direito penal e direito processual penal, entre outros. A consulta, por isso, merece ser sintetizada. 3. O consulente desenvolve suas atividades prestando consultoria jurídica tributária, através de pareceres jurídicos nos quais, embasado em doutrina e jurisprudência, opina a respeito da legalidade ou ilegalidade, constitucionalidade ou inconstitucionalidade, de tributos. 4. Trata-se de atividade de planejamento tributário com a finalidade de orientar as empresas para a consecução de elisão fiscal, ou seja, redução dos valores a serem recolhidos a título de tributos mediante alternativas lícitas. 5. Nesse passo, o consulente cobra seus honorários na proporção do proveito econômico alcançado pelas empresas sob sua orientação. 6. Assim aconteceu com as empresas Frutícula Ipê Ltda., Agropel Agrícola Ltda., Agropel Indústria de Embalagens Ltda., Agropel Transportes Ltda. e Agropel - Agroindustrial Perazzoli Ltda., doravante denominadas simplesmente empresas, as quais são clientes do consulente, razão por que lhe formularam consultas a respeito de creditamento de Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços - ICMS, em diversas situações. 7. O consulente ofereceu resposta a todas as consultas formuladas, sempre se embasando em doutrina e invocando princípios constitucionais reitores da matéria. 8. Seus clientes, acatando a opinião (não se olvide que um parecer é sempre uma opinião) formulada pelo ora consulente, procederam ao respectivo creditamento do ICMS. 9. Não obstante, a fiscalização estadual, esposando entendimento diverso do preconizado nos Pareceres da sua lavra, entendeu ilegais os creditamentos efetuados e, além de elaborar Notificações Fiscais, formulou notitia criminis ao Ministério Público Estadual. Este, acatando a denúncia da fiscalização e entendendo haver tipicidade aparente na conduta dos administradores das empresas, acabou denunciando-os como incursos no art. 1.º, II, da Lei 8.137/90, o qual assim dispõe: "Art. 1.º Constitui crime contra a ordem tributária suprimir ou reduzir tributo, ou contribuição Página 1

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social e qualquer acessório, mediante as seguintes condutas: (...) II - fraudar a fiscalização tributária, inserindo elementos inexatos, ou omitindo operação de qualquer natureza, em documento ou livro exigido pela lei fiscal". 10. Na denúncia, procurou o ilustre órgão do Ministério Público, em longo arrazoado, demonstrar que, do ponto de vista do direito tributário, a opção pelo creditamento efetuada era incorreta, para, ao final, concluir que as empresas, por seus administradores, visaram à redução de tributo, mediante fraude à fiscalização, com inserção de elementos inexatos nos livros exigidos pela lei fiscal. 11. Tendo sido recebida a denúncia, no interrogatório dos réus foram formuladas, tão-só, perguntas a respeito da correção ou não da postura da empresa no tocante à licitude ou ilicitude tributária de seu procedimento, ou seja, cingiu-se o MM. Juiz a formular perguntas relativas aos creditamentos efetuados, no que diz com a admissibilidade, ou não, do ponto de vista tributário. 12. Em resposta a tais indagações, os administradores das empresas responderam que suas atitudes, no que diz respeito ao creditamento do ICMS, foram tomadas tendo em vista a orientação dada pelo consulente, demais advogados que com ele trabalham e contadores que prestam assessoria contábil às suas empresas. 13. Diante de tais respostas, o ilustre órgão do Ministério Público que atua no feito formulou requerimento ao MM. Juiz da causa no sentido de que se procedessem diligências para que fossem trazidos aos autos as cópias dos contratos de honorários advocatícios celebrados entre o consulente e as empresas, bem como os Pareceres que foram dados no cumprimento do contrato. 14. Tal solicitação teve em consideração o contido no art. 11 da Lei 8.137/90 ("quem, de qualquer modo, inclusive por meio de pessoa jurídica, concorre para os crimes definidos nesta Lei, incide nas penas a estes cominadas, na medida de sua culpabilidade"), para, após a análise do contrato de honorários, eventualmente, oferecer aditamento à denúncia caso se verificasse a existência de participação por parte do consulente, bem como dos advogados que com ele trabalham, no crime descrito na denúncia. 2. Da consulta 1. Diante dos antecedentes fáticos descritos, alguns informados pelo próprio consulente, outros extraídos dos documentos que acompanham a consulta, foram formuladas as seguintes questões: "A) As teses defendidas pelos advogados, conforme pareceres anexos, podem ser caracterizadas, do ponto de vista constitucional/tributário, como teses defensáveis? B) O procedimento dos advogados em fornecer pareceres por escrito aos clientes, manifestando opinião divergente do Fisco a respeito do creditamento de ICMS, pode caracterizar algum tipo de crime? C) O fato de os advogados terem celebrado um contrato de honorários com o cliente, recebendo um percentual incidente sobre os valores aproveitados (creditados) pelo cliente, caracteriza algum tipo de infração? D) O cliente que aceita a tese oferecida, procedendo ao creditamento, comete algum tipo de crime? E) Considerando que o Tribunal de Justiça de Santa Catarina já negou, em outros casos, habeas corpus impetrado por empresários que foram denunciados pelo mesmo motivo (Habeas Corpus 2.862-9-SC, Revista do STJ, n. 65, p. 157), pergunta-se: existe possibilidade de se impetrar um habeas corpus preventivo em favor dos advogados, ou este só deve ser impetrado depois de oferecida a denúncia? Num caso ou noutro, há uma boa possibilidade de se trancar a ação penal contra os advogados?" 2. A consulta, por evidente, é ampla, extrapolando o núcleo central das indagações, no qual é recomendável concentrar a abordagem. De qualquer sorte, às questões secundárias chegar-se-á por mera dedução das fórmulas apresentadas, o que é coerente para evitar o alongamento demasiado das análises. 3. Do parecer 3.1 Dos pareceres exarados pelo consulente e a questão tributária neles tratada

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1. Indaga o consulente, no primeiro item do rol de questões, se "as teses defendidas pelos advogados, conforme pareceres anexos, podem ser caracterizadas, do ponto de vista constitucional/tributário, como teses defensáveis". 2. Aludidas teses dizem respeito à possibilidade de realização de compensação de créditos tributários em face do princípio constitucional da não-cumulatividade do ICMS. E, com efeito, sob todos os aspectos, as teses apontam-se absolutamente defensáveis, mormente em face dos entendimentos doutrinários que, embora não majoritários mas, evidentemente, consideráveis, foram encartados aos pareceres. 3. Deveras, preceitua o art. 155, I, b , da Constituição Federal de 1988, o seguinte: "Art. 155. Compete aos Estados e ao Distrito Federal instituir impostos sobre: (omissis) II - operações relativas à circulação de mercadorias (...); § 2.º O imposto previsto no inc. II atenderá ao seguinte: I - será não-cumulativo, compensando-se o que for devido em cada operação relativa à circulação de mercadorias ou prestação de serviços com o montante cobrado nas anteriores pelo mesmo ou outro Estado ou pelo Distrito Federal". Trata-se, como se observa, de garantia constitucional relativa à não-cumulatividade do ICMS, pelo qual o contribuinte tem o direito de se creditar pelas entradas de mercadorias para a compensação com o imposto cobrado. 4. À toda evidência, referido princípio produz efeitos imediatos na ordem jurídica, não sendo possível sofrer qualquer restrição substancial (mas, apenas, delimitação) pela legislação infraconstitucional, ainda que mediante lei complementar. Assim é que Roque Carrazza, em indiscutível ensinamento, leciona que: "(...) são inconstitucionais as restrições ao direito de abatimento do ICMS, contidas em leis ou atos normativos infralegais. Nem mesmo a lei complementar - fora do limitado campo adjetivo e procedimental que lhe reservou a Constituição (art. 155, § 2.º, XII, c, CF/1988 (LGL\1988\3)) - pode criar obstáculos ou de alguma maneira inovar na regulação deste direito à não-cumulatividade, que foi exaustivamente disciplinado pelo próprio Texto Magno. Com maior razão, devem também os aplicadores do Direito integral e absoluto respeito ao regime da não-cumulatividade do ICMS, constitucionalmente disposto" (Roque Antonio Carrazza. ICMS. São Paulo : Malheiros, 1995, p. 90-1). No mesmo sentido, apenas para lembrar algumas preleções paradigmáticas (dentre outras que poderiam ser apontadas), verifique-se a lição de Geraldo Ataliba, lembrada pelo consulente em seus pareceres: "É a Constituição, meus Senhores, que dá a mim, cidadão que pratico operação mercantil, no Brasil, o direito de me creditar do ICMS relativo às operações anteriores, não é lei nenhuma. Não é a lei complementar que dá; não é a lei ordinária do Estado, muito menos; não é a doutrina; é a Constituição. Este é um direito constitucional, é um direito dado pela Constituição, é um direito público subjetivo constitucional de quem pratica operação mercantil. Portanto, a lei não pode diminuir, reduzir, retardar, anular, ignorar um direito que a Constituição deu. Mas, se a lei fizer isso, e faz, porque influenciada por essa literatura da Europa, onde ela pode fazer isso. O Juiz devia dizer: não quero saber de lei, a Constituição deu, está dado; acabou-se! E, portanto, os Juízes embrulhados por essa literatura - muitas vezes negam o direito. É porque a lei complementar não deu ou a lei complementar só deu 50%, ou restringiu aqui, ou anulou lá, ou a lei ordinária..." (RDT 57/90-104). Em suma, diante das inúmeras lições colacionadas pelo consulente, em termos doutrinários encontrava-se ele indiscutivelmente amparado por juristas do jaez de Geraldo Ataliba, Roque Carrazza, Cléber Giardino, Tércio Sampaio Ferraz Jr., Alcides Jorge Costa, Aliomar Baleeiro, Júlio de Castilhos Ferreira, Paulo Bonavides, José Eduardo de Mello, Marco Aurélio Greco, Ives Gandra da Página 3

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Silva Martins, Paulo de Barros Carvalho, Dejalma de Campos, Aroldo Gomes de Matos e Gilberto de Ulhôa Canto, devendo-se ao rol acrescentar Misabel de Abreu Machado Derzi e Sacha Calmon Navarro Coelho. Portanto, sem qualquer dúvida, as teses eram, evidentemente, defensáveis. 5. Aliás, depreende-se a viabilidade das opiniões exaradas pelo consulente na medida em que, exatamente como propugnado nos pareceres, a Lei Complementar 87, de 13 de setembro de 1996, e, posteriormente, a Instrução Normativa 21, de 10 de março de 1997 (esta última publicada no Diário Oficial da União de 11 de março de 1997), dispuseram acerca da possibilidade da compensação dos créditos relativos ao ICMS, delimitando (e não restringindo) o direito assegurado constitucionalmente. Ora, então, a esta altura, o próprio legislador confirma aquilo que o constituinte havia estabelecido, que os doutrinadores vinham propugnando e que o consulente, legitimamente, vinha sustentando. Observe-se o que preceitua citada lei complementar, especialmente em seus artigos 19 e 20, caput: "Art. 19. O imposto é não-cumulativo, compensando-se o que for devido em cada operação relativa à circulação de mercadorias ou prestação de serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação com o montante cobrado nas anteriores pelo mesmo ou por outro Estado. Art. 20. Para a compensação a que se refere o artigo anterior, é assegurado ao sujeito passivo o direito de creditar-se do imposto anteriormente cobrado em operações de que tenha resultado a entrada de mercadoria, real ou simbólica, no estabelecimento, inclusive a destinada ao seu uso ou consumo ou ao ativo permanente, ou o recebimento de serviços de transporte interestadual e intermunicipal ou de comunicação". Após, nos artigos subseqüentes, como prelecionava a doutrina (e a opinião exarada pelo consulente em seus pareceres), a lei complementar apenas delineia (sem criar restrições substanciais) o direito de compensação. 6. Fora de questão, portanto, qualquer insinuação no sentido de que o consulente teria construído tese absurda, infundada, sem amparo legal ou doutrinário. Aliás, a defensabilidade das opiniões exaradas pelo ilustre consulente caminha no sentido de confirmar postura que somente pode ser esperada dos grandes operadores jurídicos: em defesa do próprio Estado Democrático de Direito, luta, através de teses consistentes, pela efetividade dos princípios constitucionais, buscando realizar a vontade soberana do constituinte, consubstanciadora de verdadeira reserva de Justiça. Não serão, espera-se, portanto, os poderes constituídos aqueles que criarão obstáculos à realização dos valores constitucionais, defendidos através de um compromisso ético do consulente com a ordem jurídica (não aquela ordem jurídica inerte, fechada às transformações sociais; mas aqueloutra verdadeiramente "arejada" pelo compromisso constitucional com a efetividade). 7. Assim, não se pode compreender, sob um juízo isento, que teses defendidas à luz da Constituição e dos ensinamentos dos mais renomados autores da área (Direito Constitucional e Tributário) não se mostrem como opiniões defensáveis. 3.2 Da atipicidade da conduta dos representantes das empresas 1. O ponto central da presente consulta diz respeito a um dos conceitos fundantes do direito penal moderno. Trata-se da tipicidade, ou, nas palavras de Zaffaroni,da "característica que tiene una conducta en razón de estar adecuada a un tipo penal, es decir, individualizada como prohibida por un tipo penal" (Eugenio Raul Zaffaroni. Manual de derecho penal. 5. ed. Buenos Aires : Ediar, 1987, p. 373). 2. Assim, tem-se o crime, em seu conceito analítico - na forma mais difundida -, como sendo uma ação típica, antijurídica e culpável. Isto não significa que o fenômeno do crime seja estratificado, como seu conceito analítico, ou seja, "não significa que os elementos encontrados na sua definição analítica ocorram seqüencialmente, de forma cronologicamente ordenada; em verdade acontecem todos no mesmo momento histórico..." (Luiz Alberto Machado. Direito criminal. São Paulo : Ed. RT, 1987, p. 79). A finalidade da estratificação, então, está em facilitar a posterior averiguação de determinada conduta para saber da presença ou ausência de crime em cada caso concreto (cf. Zaffaroni, E. R. Op. cit., p. 317). 3. Sob este prisma, é a partir da análise ordenada de cada um dos elementos integrantes Páginado 4

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conceito analítico de crime que se estabelecerá ser uma conduta criminosa ou não. O primeiro e mais importante passo a ser dado neste sentido é a averiguação da tipicidade da conduta, uma vez que "ningún hecho, por antijurídico y culpable que sea, puede llegar a la categoría de delito si, al mismo tiempo, no es típico, es decir, no corresponde a la descripción contenida en una norma penal" (Francisco Muñoz Conde, Mercedes García Arán. Derecho penal. 2. ed. Valencia : Tirat lo blanch, 1996, p. 268). Tudo, enfim, em decorrência lógica do princípio da reserva legal, insculpido no art. 5.º, XXXIX, da CF/1988 (LGL\1988\3), segundo o qual "não há crime sem lei anterior que o defina, nem pena sem prévia cominação legal". 4. A discussão a respeito da necessidade de estar uma determinada conduta revestida de tipicidade, para que possa ser considerada criminosa, poderia parecer despicienda, até porque se trata de ponto pacífico e indiscutível. 5. Não obstante, analisando-se o teor da denúncia apresentada contra os administradores das empresas, percebe-se que foi dada uma extrema preponderância aos fundamentos que apontariam no sentido de caracterizar a ilicitude dos creditamentos efetuados. Isso, por si só, como é primário, não tipifica o crime. Em suma, olvidou-se ou, ao menos, foi relegada a um absoluto segundo plano a questão relativa à tipicidade; e ela é que é central. Narrou-se, enfim, conduta atípica, em absoluto desrespeito ao art. 43, I, do CPP (LGL\1941\8). 6. Com isso não se quer dizer que, no trato de questões penais tributárias, deva-se relegar por completo a caracterização da ilicitude tributária de determinada conduta. Mesmo porque, em sendo o ordenamento jurídico uma unidade - a divisão em ramos é doutrinária e tem finalidade didática -, o que é lícito para um ramo do direito não pode ser ilícito para um outro (Ada Pellegrini Grinover. Liberdades públicas - processo penal. São Paulo : Saraiva, 1976, p. 142; L. A. Machado. Op. cit., p. 133). 7. Nesse sentido, fazer algo permitido pela legislação tributária - o que ocorreu no presente caso, como se viu no tópico antecedente -, ainda que esse fazer esteja formalmente tipificado como crime (o que não ocorre no presente caso), de crime não se tratará, seja pela ausência de tipicidade conglobante para uns (E. R. Zaffaroni. Op. cit., p. 385 et seq.), seja pela ausência de tipicidade material para outros (L. A. Machado. Op. cit., p. 133), seja pela ausência de antijuridicidade, em razão do exercício regular de um direito, para os que aderem a uma corrente mais tradicional. 8. De qualquer forma, por mais importante que seja ao direito penal demonstrar-se a ilicitude (global) de determinada conduta, todo esforço será infrutífero se lhe faltar tipicidade, ficando a cargo de outros ramos do direito o restabelecimento da ordem jurídica. 9. Não é outra a hipótese do caso concreto. Afinal, ainda que fossem ilícitas as compensações efetuadas pelas empresas - mas não são! -, é necessário que se leve em conta que, entre compensar ICMS ilicitamente e fraudar a fiscalização tributária mediante a inserção de elementos inexatos nos livros exigidos pela lei fiscal, com a finalidade de suprimir ou reduzir tributos, conforme exige o art. 1.º, II , da Lei 8.137/90 , há uma distância enorme, como é básico. Deveras, se faltar qualquer elemento exigido pela lei penal não há, por primário, tipicidade! 10. Para tão pouco, necessário se faz, tão-só, não se perder de mente os elementos do tipo descrito no art. 1.º, II, da Lei 8.137/90, bem como a compreensão de cada um destes. O referido artigo, portanto, assim estabelece: "Art. 1.º Constitui crime contra a ordem tributária suprimir ou reduzir tributo, ou contribuição social e qualquer acessório, mediante as seguintes condutas: (...) II - fraudar a fiscalização tributária, inserindo elementos inexatos, ou omitindo operação de qualquer natureza, em documento ou livro exigido pela lei fiscal". 11. Antes de mais nada, é necessário que se atente para o verbo que corresponde ao núcleo da conduta proibida no referido artigo. Trata-se do verbo fraudar, já que a supressão ou redução de tributos ou acessórios é o resultado da conduta proibida - trata-se de crime material -, indicando-se, ainda, um elemento subjetivo do tipo. 12. Assim, o primeiro conceito que necessita ser corretamente compreendido é o de fraude. Neste aspecto, a doutrina é unânime em conceituar a fraude como sendo "o engano dolosamente provocado, o malicioso induzimento em êrro ou aproveitamento de preexistente êrro alheio, para o fim de injusta locupletação" (Nelson Hungria. Comentários ao Código Penal (LGL\1940\2). Rio de Página 5

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Janeiro : Forense, 1955, v. 7, p. 165), ou seja, fraudar é utilizar-se de expediente enganoso, ardiloso, artificioso, inverídico, para criar em outrem uma falsa representação da realidade. 13. Para além disso, o tipo ora em análise descreve um crime de forma vinculada, na classificação de Carnelutti, em razão de que "a atividade executiva está descrita no tipo de forma mais ou menos precisa" (Heleno Cláudio Fragoso. Conduta punível. São Paulo : José Bushatsky, 1961, p. 135; no mesmo sentido: Damásio E. de Jesus. Direito penal. 10. ed. São Paulo : Saraiva, 1985, p. 187). 14. Por esta razão, para a configuração do crime previsto no referido art. 1.º, II, da Lei 8.137/90, não é qualquer fraude que importa. Não é qualquer expediente fraudulento, não é qualquer atividade tendente a induzir a fiscalização em erro, mas sim a inserção de elementos inexatos ou omissão de operação de qualquer natureza nos livros ou documentos exigidos pela lei fiscal. 15. Desta forma, verifica-se que o referido tipo classifica como fraudulenta a inserção de elementos inexatos ou a omissão de operação. O que fez o legislador, portanto, foi elevar, dentre as diversas modalidades possíveis de fraude, à categoria de crime, somente aquela consistente na inserção de elementos inexatos ou omissão de operação nos livros ou documentos fiscais. 16. Ambos os elementos do tipo - fraude e inserção de elementos inexatos - estão intimamente ligados, sendo o segundo uma espécie do primeiro. 17. Ademais, não se pode perder de mente, ainda, que o objeto material da conduta criminosa vem determinado no próprio tipo. No caso, trata-se da fiscalização tributária, a qual, por óbvio, não se confunde com o fisco ou com a arrecadação, como equivocadamente se faz na denúncia, em seu item 12, onde restou expresso que: "Está por demais evidente que os denunciados fraudaram (...) a arrecadação tributária do Estado de Santa Catarina". 18. Diante disto, percebe-se que o tipo previsto no art. 1.º, II, da Lei 8.137/90, não tem o conteúdo a ele dado na denúncia contra os representantes das empresas. A conduta nele proibida, que importa ao presente caso, é a inserção de elementos inexatos nos livros fiscais. Tal inserção, contudo, vai qualificada pelo próprio tipo como sendo uma conduta fraudulenta, ou seja, uma conduta enganosa e que tem por finalidade induzir a - repita-se - fiscalização em erro, a fazer com que tenha ela uma falsa representação da realidade. 19. Portanto, para que tenha a dignidade penal exigida pelo tipo em questão, a inserção de elementos inexatos tem de consistir em uma falsidade, ou seja, os elementos inseridos no livro fiscal devem exprimir uma operação inexistente na realidade fática ou diversa da que realmente ocorreu. 20. A inexatidão dos elementos inseridos no livro fiscal, que exige o tipo penal em questão, não pode ser vista apenas do ponto de vista jurídico. Assim, para o referido tipo penal, não é inexato o elemento que não poderia constar no livro porque, eventualmente, o creditamento de ICMS não é permitido pela legislação tributária. Será inexato apenas o elemento que descreve uma operação não realizada na realidade fática ou que fora realizada de outra forma da que está escrita, ou seja, o fato econômico descrito no livro não pode ser outro senão aquele que realmente ocorreu. Em suma, a inexatidão exigida pelo tipo é fática, e não jurídica. Eis a confusão que se faz na denúncia! 21. Isto porque, como se sabe, trata-se o ICMS de imposto cujo lançamento se dá por homologação. Nesse passo, o tipo acima referido impõe ao contribuinte a obrigação de, sob pena de estar cometendo crime, inscrever nos livros e documentos as operações efetuadas sem engodo, mentira, falsidade, embuste, artifício, ardil, em resumo, sem qualquer expediente tendente a criar uma falsa representação da realidade no agente do fisco que irá examinar tais livros e documentos para verificar a correção do lançamento para sua posterior homologação. 22. Busca-se, então, através do tipo acima transcrito, preservar a lisura dos livros fiscais de modo sejam escrituradas as operações da forma como realmente ocorreram. Tudo, para que não sejam os fiscais iludidos em suas atividades. Neste sentido: Antonio Corrêa. Dos crimes contra a ordem tributária. São Paulo : Saraiva, 1994, p. 105; Pedro Roberto Decomain. Crimes contra a ordem tributária. 2. ed. Florianópolis : Obra Jurídica, 1995, p. 53; Samuel Monteiro. Crimes fiscais e abuso de autoridade. 2. ed. São Paulo : Hemus, 1994, p. 160-162. 23. Ora, se os agentes da fiscalização catarinense, ao fiscalizarem os livros das empresas, constataram, desde já, as inscrições dos créditos questionados na denúncia, ainda que pudessem Página 6

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entendê-los ilícitos, efetuados em desacordo com as regras tributárias, não se pode falar em fraude. 24. Assim, se os créditos foram inscritos nos livros fiscais da forma como realmente ocorreram, ou seja, para citar apenas um exemplo, se os representantes das empresas inscreveram em seus livros fiscais como crédito de ICMS o indébito pago a título de adicional de imposto de renda, e isto estava claro no livro, não há que se falar em crime, haja vista que a operação efetuada foi inscrita no livro próprio, da forma como de fato ocorreu. A discussão a respeito da licitude tributária de tal operação é algo que escapa do âmbito do direito penal pela absoluta falta de tipicidade e encontrará sede própria para discussão no juízo cível. 25. Isto tem uma razão simples: a inexatidão dos elementos insertos nos livros fiscais é uma fraude e, como tal, deve ser apta a criar na fiscalização uma falsa representação da realidade. 26. Como se vê, todo problema passa pela correta compreensão do termo inexatos(elementar do tipo), inserto no art. 1.º, II, da Lei 8.137/90. Dar a ele a conotação dada na denúncia, aquela segundo a qual a inexatidão jurídica seria apta a configurar o referido tipo, significa negar a existência do verbo nuclear (fraudar) da conduta nele narrada. 27. Afinal, se fosse assim, qualquer atitude do contribuinte embasada em entendimento jurídico discordante daquele adotado pelo fisco seria considerada criminosa e estaria transformado em crime o descumprimento de qualquer regra tributária, tomando-se por referencial, por mais incrível que possa parecer, o entendimento do fisco. 28. Como é elementar, o direito, ao contrário da contabilidade, não tem exatidão científica. Nesta ótica, sempre admite interpretações divergentes. Há sempre mais de uma solução possível, perfeitamente amoldável e contemplada no sistema como um todo. Exigir do contribuinte uma interpretação sempre conforme àquela manifestada pelo fisco, sob pena de se lhe imputar a prática de um crime, beira os regimes autoritários fascistas, onde a obediência ao Estado era o que de mais importante se buscava. 29. Neste passo, percebe-se, sem dificuldade, a ausência de tipicidade da conduta dos representantes das empresas. 3.3 Da conduta dos advogados 1. Visto que a conduta narrada na denúncia é atípica, resta, ainda, analisar as condutas do consulente, bem como a dos advogados que com ele trabalham, os quais orientaram os representantes das empresas no sentido da licitude dos creditamentos efetuados. 2. Assim, importa analisar a questão relativa à co-autoria, mais especificamente sobre a possibilidade de se tomar os advogados que responderam às consultas formuladas pelas empresas como co-autores do crime imputado aos seus administradores. 3. No direito penal brasileiro, desde 1940, adota-se a teoria monista sobre o concurso de pessoas. Segundo esta teoria, como se sabe, para efeitos de punição, não se distinguem as diversas formas de participação na prática de um crime. 4. Assim, da mesma forma que fizera o legislador italiano de 1930, reputavam-se equivalentes os co-autores, os instigadores e os cúmplices, através da seguinte fórmula, inserta no art. 25 do CP (LGL\1940\2) de 1940: "Quem, de qualquer modo, concorre para o crime incide nas penas a este cominadas". 5. Com a reforma de 1984, na fórmula acima transcrita, inseriu-se, ao final do dispositivo, agora no art. 29, a expressão na medida de sua culpabilidade, tudo visando reforçar a idéia segundo a qual, embora as penas cominadas ao autor e ao partícipe em sentido estrito sejam as mesmas, no momento de sua fixação deve o juiz atentar para a censurabilidade individual de cada um dos participantes, bem como para reforçar a idéia segundo a qual, embora se adote a teoria monista, a distinção entre co-autoria e participação é de suma importância. 6. A Lei 8.137/90, em seu art. 11, adota a mesma regulamentação do art. 29, do CP (LGL\1940\2). Todavia, reforça (o que seria desnecessário) que, ainda que os crimes tenham sido praticados por intermédio de pessoa jurídica, todo aquele que concorre para sua prática incide nas penas a ele Página 7

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cominadas, dispondo da seguinte forma: "Art. 11. Quem, de qualquer modo, inclusive por meio de pessoa jurídica, concorre para os crimes definidos nesta Lei, incide nas penas a ele cominadas, na medida de sua culpabilidade". 7. Com a adoção da teoria monista, o que buscou o legislador de 1940, seguido pelos que o sucederam, foi abandonar aquilo que alguns chamaram de casuísmos dos códigos anteriores, os quais distinguiam as diversas formas de participação e dispunham no sentido de obrigar "o responsável para apresentação da denúncia ou da queixa, assim como o juiz que as recebesse, a analisarem minuciosamente o comportamento de cada partícipe para o efeito de enquadrá-lo numa das categorias previstas em lei" (Esther de Figueiredo Ferraz. A co-delinqüência no direito penal brasileiro. São Paulo : José Bushatsky, 1977, p. 11). Assim, segundo as palavras do Ministro Francisco Campos, em sua Exposição de Motivos do Código Penal (LGL\1940\2) de 1940, "os juízes já não ficarão em perplexidade, como atualmente, para distinguir entre auxiliar necessário e auxiliar dispensável" (sobre o tema: José Henrique Pierangelli. Códigos penais do Brasil: evolução histórica. Bauru : Jalovi, 1980, p. 423). 8. Entretanto, conforme adverte Esther de Figueiredo Ferraz, "a simplicidade da fórmula contida no art. 25 do Código vigente (e do art. 35 do Código de 1969) oferece a intérpretes e aplicadores menos avisados grandes perigos. A expressão 'de qualquer modo' convida a um comodismo funesto em conseqüências. Pode dar a impressão de que se tornem dispensáveis quaisquer indagações sobre qual seja esse modo de concorrer para o crime, sabido como é que, de um modo ou de outro, sempre incidirá o co-autor nas penas àquele cominadas. Assim, a simples presença inativa de alguém, gestos e atitudes completamente irrelevantes do ponto de vista penal, corre o risco de passar à categoria de atos de participação, esquecidos o intérprete e o aplicador da lei que ser co-autor é uma forma de ser autor, de que para responder por um crime individual ou coletivamente praticado cumpre seja o agente preliminarmente causa material do resultado danoso ou perigoso e, além disso, sua causa psíquica. Em suma, a formulação até certo ponto simplista dada às regras sobre a co-autoria pode induzir-nos a relegar para um plano secundário o aspecto causal do problema" (op. cit., p. 12). 9. Assim, apesar da aparente simplicidade com que é tratada a co-autoria pelo Código Penal (LGL\1940\2), ao operador jurídico não é dado deixar de levar em consideração a distinção entre co-autoria e participação na análise dos casos concretos. Isto porque, como parece sintomático, a disciplina de cada uma das formas de se tomar parte numa empreitada criminosa apresenta particularidades que não podem ser desprezadas (Heleno Cláudio Fragoso. Lições de direito penal. 12. ed. Rio de Janeiro : Forense, 1990, p. 252). 10. Afinal, o próprio Código Penal (LGL\1940\2), embora adotando a teoria monista como regra geral, disciplina a participação de forma particular em diversas hipóteses. Distingue-a, portanto, da co-autoria. Veja-se, por exemplo, os arts. 29, § 1.º, 31 e 62, do CP (LGL\1940\2). 11. Desta forma, a partir do critério formal-objetivo - ainda dominante na doutrina pátria -, é autor aquele que executa a ação prevista no tipo penal, havendo a co-autoria quando mais de um agente, em conjunto, realizar a conduta penalmente proibida. Já a participação caracteriza-se pelo fato de o partícipe não realizar a conduta descrita no tipo. Trata-se de uma colaboração, consciente e causal, com a atividade criminosa de outrem. Em sendo tal colaboração material (auxílio), está-se diante da cumplicidade. Na hipótese da colaboração moral (intelectual), está-se diante da instigação (ver, por todos: Nilo Batista. Concurso de agentes. Rio de Janeiro : Liber Juris, 1979, p. 45 et seq.). 12. Do caso concreto o que se abstrai é um indicativo do intento do ilustre órgão do Ministério Público no sentido de tomar como partícipes-instigadores os advogados que opinaram no sentido da licitude tributária dos creditamentos efetuados pelas empresas. Tal, contudo, a se laborar dentro da dogmática penal, é inimaginável! 13. Com efeito, o primeiro ponto a não ser olvidado na hipótese é o da natureza acessória da participação. Como se está diante de um sistema penal onde prevalece o princípio da tipicidade, as condutas tidas por criminosas devem estar descritas de forma clara em lei. 14. Nesse sentido, no que toca com as formas de participação, o art. 29 do CP (LGL\1940\2) não deixa de funcionar como um tipo aberto, estendendo a punibilidade a condutas que, numa análise a priori, não se amoldariam a tipos incriminadores previstos na Parte Especial e em leis extravagantes Página 8

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(Giuseppe Bettiol. Direito penal. Trad. Paulo José da Costa Júnior e Alberto Silva Franco. São Paulo : Ed. RT, 1971, v. 2, p. 246). 15. Por isto, uma conduta não prevista em uma regra incriminadora principal, mas que colabore na conduta típica de outrem, será necessariamente acessória àquela e, desde que haja nexo de causalidade e vontade livre e consciente de cooperação (ajuste), será punida por força do art. 29 do CP (LGL\1940\2). Diz-se, então, que o partícipe acede à conduta do autor, sendo que a sua está subordinada à dele, para efeitos de punição. Não sendo ao menos típica e antijurídica a conduta do autor, não há que se falar em configuração da participação. Trata-se da teoria da acessoriedade limitada, adotada por nosso Código (sobre o tema: N. Batista. Op. cit., p. 127; na doutrina estrangeira são imprescindíveis as considerações de Günther Jakobs. Derecho penal: parte general: fundamentos e teoría de la imputación. Trad. Joaquín Cuello Contreras, José Luis Cerrano Gonzalez de Murillo. Madrid : Marcial Pons, 1995, p. 819 et seq.). 16. Deste modo, todas as considerações a respeito da atipicidade das condutas narradas na denúncia servem, também, para demonstrar a impossibilidade de se tomar os advogados como partícipes do "crime" imputado aos administradores das empresas. Não havendo sequer conduta típica por parte dos administradores, não se pode cogitar de tipicidade na conduta dos advogados. 17. Entretanto, tomando-se como típicas as condutas dos administradores das empresas (ad argumentandum tantum), o que seria um absurdo, ainda assim não se poderia vislumbrar qualquer atividade de participação (instigação) naquela dos advogados. 18. Isto porque, como se sabe, a instigação, assim como toda forma de participação, necessita ser uma efetiva contribuição na ação criminosa de outrem. 19. No caso específico da instigação, esta se dá mediante a criação, na mente do autor, de um propósito criminoso; ou mediante o reforço de um intento criminoso preexistente. Isso efetiva-se por qualquer meio persuasivo empregado pelo partícipe-instigador sobre o autor. Como exemplo, a doutrina cita, em geral, a promessa de uma dádiva, o conselho, a coação resistível, enfim, todo e qualquer método eficaz no sentido de enfraquecer os freios inibitórios do autor (N. Batista. Op. cit., p. 139). 20. Deste modo, um ponto que não pode, em hipótese alguma, ser esquecido - e que ao caso concreto é de imperiosa observância -, é o da necessidade da eficácia da determinação, para que se tenha por configurada a instigação. Em suma, os meios empregados devem ser aptos a transformar o intento de outrem para que se tenha presente a instigação. 21. Por esta razão, a doutrina é unânime em afirmar que: "Sem eficácia causal da participação, não há concurso" (N. Hungria. Op. cit., v. 1, p. 557); "é necessário que a determinação e a instigação sejam eficazes em relação ao nexo de causalidade" (Damásio de Jesus. A co-delinqüência em face do novo Código Penal (LGL\1940\2). São Paulo : Ed. RT, 1976, p. 67); "o que se tem por verificar é se os meios empregados pelo instigador representam um eficaz processo de convencimento no sentido de criar (determinação) ou reforçar (instigação propriamente dita) a resolução do autor direto" (N. Batista. Op. cit., p. 141). No mesmo sentido: Ferrando Mantovani. Diritto penale. Padova : Cedam, 1979, p. 465 et seq. 22. Tais assertivas, em geral, são enriquecidas com o seguinte exemplo: "Per contro, non vi è concorso quando l'individuo, che riceve l'esortazione o il consiglio, era già definitivamente e fermamente risoluto a commettere il delitto" (F. Mantovani. Op. cit., p. 465); do mesmo exemplo utiliza-se Damásio E. de Jesus quando afirma que "se o autor principal já está firmemente decidido a cometer o delito, mesmo excluindo-se a conduta do que seria partícipe, o crime ocorreria. Então, a conduta deste não pode ser considerada causa, e sem causa não há participação. Por outro lado, se após a participação moral acontecerem fatos que, por si mesmos, produzem o resultado de forma exclusiva, aquela não é considerada vinculativa, não respondendo pelo evento aquele que seria partícipe (art. 13, § 1.º)" (Damásio E. de Jesus. Op. cit., p. 67). O exemplo é idêntico ao utilizado por Nilo Batista, em sua obra já citada, à p. 141. 23. Nesse passo, verifica-se que a instigação, para sua configuração, exige uma causalidade especial. Assim, dentro da teoria da equivalência dos antecedentes, o resultado tem de ter por causa a ação do instigador. A peculiaridade, contudo, advém da necessidade de também a ação do autor principal exigir um vínculo causal com a conduta daquele que instiga, ou seja, a ação do autor deve Página 9

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ter por causa a instigação (neste sentido: N. Batista. Op. cit., p. 141). 24. Ora, diante de tais considerações - a não ser que se perca de mente a natureza de um Parecer jurídico -, não há como se chegar à conclusão de que a opinião expressa em uma peça jurídica de tal porte é capaz (ou possui eficácia causal) de reforçar ou incutir um propósito criminoso na mente de outrem. 25. Trata-se o Parecer, como é do saber de todos, de uma opinião fundamentada, a qual, como salta aos olhos, não pode ser confundida com um conselho. Este é persuasivo, visa convencer alguém a agir nesta ou naquela direção. O Parecer, por outro lado, não tem essa finalidade. Seu propósito será sempre o de responder a uma ou mais questões formuladas, dizendo-se o direito aplicável à situação fática apresentada, segundo o entendimento do seu autor. Tal, contudo, nunca se dá de forma definitiva e absoluta. Tanto é assim que, por costume, como ocorreu no caso concreto, inscreve-se ao final de cada Parecer a sigla SMJ (salvo melhor juízo), o que está a indicar que não se trata, a conclusão a que nele se chegou, de algo absoluto e dito de forma definitiva. 26. Sob outro prisma, o parecerista, a priori, não se mostra engajado à sua conclusão, como ocorre com aquele que aconselha alguém. Afinal, trata-se, a conclusão a que se chega em um Parecer, do produto de um processo lógico de dedução e aplicação de um conhecimento preexistente, fruto de um estudo que, por essência, é provisório. O que se demonstra em um Parecer é, justamente, tal conhecimento, o qual, em geral, é pouco acessível ao leigo. 27. No caso concreto, verifica-se que os Pareceres exarados pelo consulente, bem como pelos advogados que com ele trabalham, estão fundamentados em respeitada doutrina, sendo que, em alguns deles, cita-se, inclusive, jurisprudência. Como toda tese jurídica, admitem a discordância e a apresentação de uma tese contrária. O que não se admite, porém, é que a discordância chegue ao nível do totalitarismo, até porque não há, em direito, proprietários da verdade, a qual mostra-se sempre em evolução e, no momento histórico onde é observada, impõe-se como resultado da aceitação, da corroboração. 28. Desta forma, não se pode tomar um Parecer jurídico elaborado nos moldes daqueles que foram elaborados pelo consulente e sua equipe como meio apto ou eficaz a criar ou reforçar em alguém um intento criminoso, ainda que os administradores das empresas tenham dito que agiram conforme a orientação de seus advogados. 29. Afinal, diante de um Parecer, aquele que o lê tem plena e total liberdade para decidir como agir, da melhor forma que lhe aprouver. Por sinal, o agir, em sendo assim, pode ser informado por qualquer fonte de conhecimento, um livro, verbi gratia, sem que se possa cogitar de co-autoria. 30. Portanto, se há plena e total liberdade na decisão do autor, há, aí, um rompimento do nexo de causalidade entre a ação que expressa uma opinião e aquela consistente em um agir de acordo com a opinião expressada. Inaugura-se, por esse motivo, um novo curso causal relativamente independente, o que, por evidente, exclui a imputação, tudo nos termos do art. 13, § 1.º, do CP (LGL\1940\2). 31. Com isto não se quer dizer que, quando de fato ocorre a instigação, não há margem de liberdade por parte daquele que é instigado. Tanto há que ele, apesar de instigado, é punido nos mesmos termos em que o é o instigador. Tal liberdade de ação, contudo, na instigação, é sempre viciada, ainda que em um grau de inescusabilidade. Tem-se, então, o seguinte quadro: havendo vício de vontade escusável por parte daquele que recebe a determinação criminosa alheia, está-se diante da autoria mediata; sendo inescusável o vício, está-se diante da instigação; não ocorrendo, contudo, qualquer vício, ou seja, sendo o autor direto plenamente livre para agir ou não agir diante de dada situação fática, não há que se cogitar da existência de instigação. 32. Tal conclusão salta aos olhos. Para tanto, basta que se imagine, por hipótese, tivessem os administradores das empresas, em seus interrogatórios, dito que agiram conforme haviam lido na obra do Prof. Geraldo Ataliba, um dos eminentes tributaristas citados nos Pareceres elaborados pelo consulente. Cogitar-se-ia denunciar o eminente professor, se vivo fosse, como partícipe? Ou, por outro lado, cogitar-se-ia denunciá-lo por incitação à prática de crime (art. 286 do CP (LGL\1940\2))? A mesma hipótese é perfeitamente amoldável aos magistrados que relataram os acórdãos citados nos referidos Pareceres. Página 10

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33. Assim, resta evidente que o ato de expressar uma opinião a respeito do direito aplicável a um caso concreto não se mostra revestido de eficácia causal para a configuração da instigação e, de conseqüência, de co-autoria. 4. Das conclusões Diante do exposto, cabe responder às perguntas formuladas na consulta, o que se faz da forma que segue: A) Sim, porque se tratam de teses amparadas pelo próprio texto constitucional, a partir de normas que operam aplicabilidade imediata, escoradas nos ensinamentos dos maiores autores da matéria e, posteriormente, confirmadas por lei complementar. B) Não, porque há plena liberdade profissional na avaliação jurídica, a qual deve ser respeitada. C) Não, porque o contrato, por si só, é lícito e legal; o agir dos clientes, ademais, independe da opinião expressa em Pareceres. D) Não, porque a assunção da tese jurídica é lícita, assim como o creditamento; e ambos configuram atividades atípicas, porque não se amoldam à figura lançada na acusação, ou seja, o art. 1.º, II, da Lei 8.137/90. E) Pelos elementos contidos na consulta, não há como caracterizar a hipótese que ensejaria um habeas corpus preventivo porque, no caso, seria necessária uma ameaça concreta à liberdade de locomoção, e não meramente potencial, como registrado. No entanto, no caso de oferecimento de denúncia, não só cabe habeas corpus como, também, há real possibilidade de trancamento do processo, porque a hipótese é, em verdade, uma daquelas (poucas) onde o writ, para tal fim, é admitido.

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