Compensação ecológica, serviços ambientais e protecção da biodiversidade

May 27, 2017 | Autor: Sofia Viegas | Categoria: Biodiversity, Serviços Ecossistêmicos, Serviços Ambientais, Compensação Ambiental
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Descrição do Produto

Carla Amado Gomes (coordenadora)

Compensação ecológica, serviços ambientais e protecção da biodiversidade

Organização de Carla Amado Gomes e Tiago Antunes Com o patrocínio da Fundação Luso-Americana para o Desenvolvimento

Compensação ecológica, serviços ambientais e protecção da biodiversidade

Carla Amado Gomes (coordenadora)

Lisboa, 2014

Edição:

Instituto de Ciências Jurídico-Políticas www.icjp.pt Fevereiro de 2014 ISBN: 978-989-97834-9-2

Alameda da Universidade 1649-014 Lisboa e-mail: [email protected]

COMPENSAÇÃO ECOLÓGICA, SERVIÇOS AMBIENTAIS E PROTECÇÃO DA BIODIVERSIDADE

ÍNDICE Nota de apresentação Pagamento por serviços ambientais no Amazonas e no Acre: análise crítica do estado da arte das leis estaduais Alexandre Altmann A biodiversidade à mercê dos mercados? Reflexões sobre compensação ecológica biodiversidade

e

mercados

de

Carla Amado Gomes e Luís Batista

A compensação no direito ambiental brasileiro: o caso de Minas Gerais Beatriz Souza Costa e Lilian Maria Ferreira Marotta Moreira Realidades y Retos del Pago por Servicios Ambientales (PSA) en el Derecho Europeo y en el Derecho interno español Blanca Rodríguez-Chaves Mimbrero

Os princípios de Direito Ambiental e a compensação ambiental Sistema Nacional de Unidades de Conservação (SNUC)

no

Lyssandro Norton Siqueira

Biodiversidade e compensação ecológica: quantificar e hierarquizar os impactes

a

importância

de

Sofia Boanova Viegas

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INSTITUTO DE CIÊNCIAS JURÍDICO-POLÍTICAS

Nota de apresentação

Este livro começou por um texto, fruto de uma colaboração académica entre mim e o Mestre Luís Batista, meu orientando de mestrado, que em Junho de 2013 defendeu uma tese dedicada aos mercados de biodiversidade. Aproveitando o saber especializado do Dr. Luís Batista na materia, aproveitei para desenvolver algumas reflexões sobre a figura da compensação ecológica, instituto da maior relevância no domínio da protecção da biodiversidade e que tão obscuro se encontra no panorama legislativo ambiental português. Uma vez concluído o texto, pensei que seria interessante que ele servisse de pretexto a uma reflexão mais alargada, em âmbito e em idioma, testando soluções para os problemas de valoração dos elementos

de

biodiversidade

―,

ou,

pejorativamente,

mercantilização. Assim, lancei o repto a

quatro

da

sua

colegas,

que

generosamente se disponibilizaram a contribuir com textos sobre a temática. Três deles incidem sobre as experiências brasileiras, de pagamento por serviços ambientais e compensação ambiental; um aborda a experiência espanhola, no contexto do Direito da União Europeia. Pude ainda contar com o contributo da Mestre em Ciências e Tecnologia do Ambiente Sofia Viegas, que incorpora uma visão diferente desta problemática. São estes contributos que agora integram esta nova publicação do ICJP, depois de, em 2010, o Instituto ter editado No Ano Internacional da Biodiversidade. Contributos para o estudo do Direito da protecção da biodiversidade (disponível em http://www.icjp.pt/publicacoes/1/735).

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A temática reveste inquestionável actualidade. A recente Ley 21/2013, de 9 de Dezembro1, que aprova o novo regime da avaliação de impacto ambiental e da avaliação ambiental estratégica em Espanha contempla, na disposição adicional oitava, a previsão de criação de Bancos de conservação da natureza nos quais se implementarão serviços ambientais de forma a gerar créditos que poderão ser utilizados para compensar danos provocados por empreendimentos realizados em terrenos de características e valores naturais similares. Num momento em que o mecanismo REDD (Reducing Emissions from Deforestation and forest Degradation), lançado na COP16, realizada em Cancun, em 2010, começa a dar os seus primeiros passos (cfr. http://www.un-redd.org/CountryActions/),

enquanto

método

de

combate à desflorestação através da valoração das florestas como sumidouros de carbono e, paralelamente, a União Europeia lança, na Estratégia para a Biodiversidade 20202, o objectivo de No Net Loss (Perdas de rede: zero)3, este parece ser um tema tudo menos verde para aprofundamento, de práticos e académicos.

Lisboa, Fevereiro de 2014 Carla Amado Gomes Disponível em http://www.boe.es/diario_boe/txt.php?id=BOE-A-2013-12913 Communication from the Commission to the European Parliament, the Council, the Economic and social committee and the Committee of the regions ― Our life insurance, our natural capital: an EU biodiversity strategy to 2020, COM(2011) 244 final, de 3 de Maio de 2011 (disponível em http://ec.europa.eu/environment/nature/biodiversity/comm2006/pdf/2020/1_EN_ACT_ part1_v7%5b1%5d.pdf). 3 Cfr. Our life insurance…, Action 7: “7a) In collaboration with the Member States, the Commission will develop a methodology for assessing the impact of EU funded projects, plans and programmes on biodiversity by 2014. 7b) The Commission will carry out further work with a view to proposing by 2015 an initiative to ensure there is no net loss of ecosystems and their services (e.g. through compensation or offsetting schemes)”. 1

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Inicio texto

texto índice

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COMPENSAÇÃO ECOLÓGICA, SERVIÇOS AMBIENTAIS E PROTECÇÃO DA BIODIVERSIDADE

Pagamento por serviços ambientais no Amazonas e no Acre: análise crítica do estado da arte das leis estaduais

Alexandre Altmann Professor de Direito na Universidade de Caxias do Sul, Rio Grande do Sul Doutorando em Direito, Justiça e Cidadania no séc. XXI na Universidade de Coimbra

0. Introdução; 1. Legislação sobre PSA no estado do Amazonas; 2. Política de Valorização dos Serviços Ambientais do Acre; 2.1. Programa Estadual de Certificação de Unidades Produtivas Familiares do Estado do Acre; 2.2. Sistema Estadual de Incentivos a Serviços Ambientais – SISA; 3. Considerações finais

0. Introdução A polêmica envolvendo as alterações do Código Florestal Federal evidenciou o conflito existente entre a preservação ambiental e o desenvolvimento econômico, em particular a expansão da agricultura, pecuária e silvicultura no Brasil. Pesou na contenda o fato de ser o setor agropecuário o “motor” da economia nacional, pois foi o que mais contribuiu para o resultado positivo do PIB nos últimos anos. Durante os intensos debates sobre referida alteração legislativa, observou-se que apenas um ponto era passível de consenso: o incentivo àqueles que se dispõe voluntariamente a proteger o meio ambiente. A hipótese de remunerar pela proteção do meio ambiente vem sido aventada no país desde a década de 1990, através, sobretudo, de estudos acadêmicos e técnicos. Muitos desses estudos analisavam a experiência da Costa Rica, país centroamericano que conseguiu recuperar

suas

florestas

aplicando

uma

ferramenta

de

gestão

ambiental inovadora: o Pagamento por Serviços Ambientais (PSA). No caso costarriquenho, o PSA foi utilizado inicialmente para recuperar as 7

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bacias hidrográficas, remunerando os proprietários das áreas inseridas no programa que voluntariamente se dispusessem a proteger a cobertura florestal. O programa Proambiente, do Governo Federal, foi implantado como projeto-piloto de PSA em algumas localidades da Amazônia Legal, servindo como uma experiência pioneira. Em 2003 foi proposto o Projeto de Lei Federal número 60/2003 na Câmara dos Deputados. Tal projeto, posteriormente anexado aos Projetos de Lei n. 144/2003 e ao n. 4.160/2004, propunha “estabelecer mecanismos de compensação e incentivos econômicos aos proprietários rurais que mantenham em suas propriedades,

glebas

especialmente

destinadas

à

preservação

ambiental”, através de isenção de tributos e da concessão de “um bônus financeiro anual correspondente ao valor do arrendamento para fim de produção agrícola”. Os demais projetos de lei seguem a mesma ideia, no sentido de compensar os proprietários com bônus, mas não criam propriamente um sistema de PSA. Interessante anotar que tais projetos de lei foram rejeitados à época sob o argumento de que não haveria como se estipular qualquer espécie de remuneração ou ressarcimento para que se obedeça à lei. No entanto, o debate sobre a adoção do PSA no Brasil já estava instaurado na sociedade civil e o apelo à criação de mecanismos de incentivo econômico para àqueles que preservam voluntariamente o meio ambiente começa a tomar vulto. Mas, para que isso se tornasse possível no âmbito estatal, se fazia necessária a criação de um marco legal. Digno de nota que, até então, a legislação ambiental brasileira fundamentava-se quase que exclusivamente em normas de comando e controle. Nesse cenário, merece destaque o Programa Produtor de Água, concebido em 2005 pela Agência Nacional de Águas (ANA) e realizado em parceria com o município de Extrema, em Minas Gerais. Através da criação de uma lei municipal que autorizou o pagamento direto aos agricultores aderentes ao programa e do suporte técnico da ANA, foi 8

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possível recuperar e preservar as áreas de mananciais e nascentes com base no sistema de PSA. Importante se salientar que foi essa a primeira lei a tratar da matéria no Brasil. Após essas experiências, vários municípios e Estados passaram a estudar a adoção de legislações que recepcionam o PSA. No âmbito federal, surgiram propostas legislativas que aprimoraram a ideia de incentivos econômicos para a preservação, como, por exemplo, o PL n. 5.487/2009, que prevê a criação de uma política nacional de pagamento por serviços ambientais. Ao lado dessas iniciativas, os Estados e o Governo Federal implantaram programas e projetos que incluem estratégias baseadas no PSA, a exemplo do programa Bolsa Floresta, do Estado do Amazonas e do Programa de Apoio à Conservação Ambiental (Bolsa Verde), do Governo Federal. Hoje contabilizam-se várias legislações municipais e oito estados que adotaram normas prevendo o sistema de PSA. Também os projetos de lei que objetivam instituir o marco legal para PSA no âmbito federal provocam intenso debate no Congresso Nacional, especialmente após a aprovação do novo Código Florestal e da Política Nacional de Resíduos Sólidos (que prevêem expressamente o PSA dentre seus instrumentos). É certo, destarte, que o tema recebeu imensa atenção em todo país e que cada vez mais municípios e estados têm adotado normas que regulamentam a matéria. Não obstante esse crescente interesse no sistema de PSA, não existem resultados que demonstrem a eficácia desse instrumento nos projetos já implantados (como no caso da Costa Rica). O presente trabalho visa analisar o estado da arte das legislações estaduais sobre PSA no Amazonas e no Acre. Na medida em que o tema recebe mais atenção, torna-se necessário um maior cuidado com a criação de novos projetos, especialmente no tocante à legislação. Traçando um paralelo com a questão dos Espaços Especialmente Protegidos, pode-se afirmar que, antes do Sistema Nacional de 9

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Unidades de Conservação, existia (e continua a existir, pois o problema é difícil solução) uma panacéia de áreas ditas “protegidas” em muitos Estados e municípios. Cumpre ao Direito Ambiental pátrio criar entendimento uniforme sobre a matéria e orientar a implantação desse instrumento no país. 1. Legislação sobre PSA no estado do Amazonas O Brasil é um país de dimensões continentais que abriga seis grandes biomas: Amazônia; Floresta Atlântica; Cerrado; Caatinga; Pantanal Motogrossense e; Pampa. Sensível a essas diferenças, o legislador federal criou distintas normas de proteção ambiental para cada região do país, a exemplo dos percentuais de Reserva Legal do Código Florestal ou, até mesmo, uma regulamentação específica por bioma, como no caso da Floresta Atlântica. Esses diferentes biomas e realidades

socioambientais

Federados

a

buscarem

e

econômicas

distintas

soluções

levaram de

os

Estados

preservação

e

conservação da natureza. É o que também se verifica nas recentes legislações que tratam do PSA adotadas em oito estados brasileiros4. O estado do Amazonas é o pioneiro na concepção de uma política pública baseada na estratégia de PSA. Com a implantação do Bolsa Floresta, o Amazonas passa a ser o primeiro estado da federação a possuir legislação própria sobre a matéria. O programa é juridicamente estruturado com base na Lei Complementar 53/2007 (Sistema Estadual de Unidades de Conservação do Amazonas), na Lei 3.135/2007 (Política 4

De acordo com a pesquisa realizada pelo IMAZON sobre o marco regulatório do PSA no Brasil, foram analisadas “28 iniciativas legislativas sobre o tema. Oito delas estão no âmbito federal (2 leis, 2 decretos e 4 PLs) e 20, no âmbito estadual (14 leis e 6 decretos). Os estados abrangidos por estas leis incluem: Acre, Amazonas, Espírito Santo, Minas Gerais, São Paulo, Rio de Janeiro, Santa Catarina e Paraná. Observamos que algumas dessas leis encontradas são específicas sobre PSA. Outras são de fato leis sobre mudanças do clima, mas que instituem programas de PSA. Há ainda casos de regras sobre recursos hídricos que tratam sobre esse tipo de pagamento. Portanto, há uma grande diversidade de abordagens sobre o tema, principalmente na esfera estadual.” SANTOS, Priscilla; BRITO, Brenda; MASCHIETTO, Fernanda; OSÓRIO, Guarany; MONZONI, Mário (Orgs.). Marco regulatório sobre pagamento por serviços ambientais no Brasil. Belém, PA: IMAZON; FGV. CVces, 2012. p. 14.

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Estadual sobre Mudanças Climáticas, Conservação Ambiental e Desenvolvimento Sustentável do Amazonas), na Lei 3.184/2007 (Altera a Lei Estadual 3.135/2007) e no Decreto 26.958/2007 (Bolsa Floresta do Governo do Estado do Amazonas). Com o lema “fazendo a floresta valer mais em pé do que derrubada”, o programa Bolsa Floresta do estado do Amazonas consiste na remuneração por serviços ambientais para as populações que vivem em áreas florestais – unidades de conservação – da Amazônia e que se comprometem com a redução do desmatamento. De acordo com a Fundação Amazônia Sustentável (FAS) “pela primeira vez, a população do “Amazonas Profundo” – os caboclos – passaram a receber uma recompensa

direta

por

estarem

conservando

a

natureza,

transformando-se nos guardiões da floresta”5. O programa é dirigido para a “cadeia produtiva dos serviços e produtos ambientais de base florestal”6. O objetivo do programa Bolsa Verde é estruturar a economia dos serviços e produtos ambientais de origem florestal e, assim, alcançar a justiça social com conservação ambiental. Segundo dados da FAS, hoje o PBF é o maior programa de PSA do mundo, contando com a participação de cerca de 35 mil pessoas em 15 Unidades de Conservação do Estado do Amazonas, totalizando uma área 10 milhões de hectares7. Interessante salientar que todos os beneficiários do programa

devem

participar

de

oficinas

de

formação

sobre

sustentabilidade e mudanças climáticas e, ao final dessas oficinas, assinar um termo de compromisso com o desmatamento zero. Para participar do programa, as famílias devem preencher os seguintes requisitos:  Residir na Unidade de Conservação há mais de dois anos; FUNDAÇÃO AMAZONIA SUSTENTÁVEL (FAS). Programa Bolsa Floresta. Disponível < http://fas-amazonas.org/programa-bolsa-floresta/criacao-e-significado-do-bolsafloresta/> Acesso: 16 de agosto de 2013. 6 Idem, ibidem. 7 Idem, ibidem. 5

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 Assinar o termo de compromisso com o não-desmatamento;  Participar das oficinas do Bolsa Floresta Familiar;  Poder responder legalmente. O PBF se divide em quatro componentes:  Bolsa Floresta Renda: incentiva a produção sustentável.  Bolsa Floresta Social: consiste em investimentos em saúde, educação, transporte e comunicação.  Bolsa Floresta Associação: busca o fortalecimento da associação e controle social do programa.  Bolsa Floresta Familiar: objetiva o envolvimento das famílias na redução do desmatamento. A FAS sinaliza que o programa encontra-se em constante evolução e uma das principais modificações foi o desdobramento do Plano de Investimento Comunitário em Bolsa Floresta Renda e Bolsa Floresta Social, como forma de não caracterizar mero assistencialismo, mas como uma “ação coerente com os princípios de sustentabilidade, de acordo com a disponibilidade financeira da FAS"8. A administração do programa é concedida à iniciativa privada, no caso, à Fundação Amazônia Sustentável (FAS). O arranjo institucional criado pelo governo estadual para administrar o PBF adota um sistema de gestão púbico-privada, por meio da concessão do gerenciamento do programa à FAS. A FAS é uma instituição público-privada não governamental, sem fins econômicos e sem fins político-partidários que gerencia o PBF de forma coordenada com a Secretaria Estadual do Meio Ambiente, a qual coordena as demais políticas ambientais do Amazonas (como o sistema estadual de unidades de conservação, por exemplo). O financiamento do PBF que, inicialmente estava confiado ao Fundo Estadual

de

Mudanças

Climáticas,

Conservação

Ambiental

e

Desenvolvimento sustentável, foi alterado pela Lei 3.187/2007, a qual 8

FUNDAÇÃO AMAZONIA SUSTENTÁVEL (FAS), idem.

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autorizou o estado a participar da FAS, bem como autorizou a doação de R$ 20 milhões a essa fundação. Desse modo, a FAS administra um fundo composto por valores doados por entidades públicas e privadas (como, por exemplo, a Coca-Cola e o Bradesco que, juntos, doaram R$ 40 milhões) e reinvestidos na Bolsa de Valores para gerar os recursos que servirão para remunerar os participantes do programa. Um dado sobre o financiamento do PBF trazido pelo IMAZON chama a atenção: do orçamento executado (quase R$ 21,1 milhões em 2010), somente 10% eram provenientes de recursos governamentais, “o que demonstra a capacidade da FAS de captar recursos privados para as ações do programa”9. Algumas deficiências podem ser apontadas no PBF, quais sejam: O PBF não está direcionado a impedir o avanço da fronteira agrícola no sul do estado do Amazonas (a maior ameaça à floresta); não está ligado a outras políticas públicas de regularização ambiental, como, por exemplo, o Cadastro Rural Ambiental; não observa o Princípio do Poluidor Pagador, no sentido de que não restringe a participação de pessoas que foram responsabilizadas (ou deveriam ser) por danos ou crimes ambientais. Além disso, o sistema de financiamento híbrido do programa (fundos públicos e privados, doações e aplicações de valores na bolsa) sofre críticas da doutrina. A perspicaz observação de Morato Leite e Ernesto Roessing evidencia o paradoxo do sistema de financiamento do PBF: Um aspecto interessante do Bolsa Floresta é a forma como ele é gerenciado e financiado. A gestão cabe à Fundação Amazonas Sustentável [...] A Fundação capta recursos privados que, posteriormente são investidos em fundos fiduciários, de modo que somente os rendimentos do capital aplicado são utilizados para financiar o programa [...] prevê-se, pois, o uso de uma lógica capitalista para afastar o risco de uma crise ambiental10.

9

SANTOS, Priscilla; BRITO, Brenda; MASCHIETTO, Fernanda; OSÓRIO, Guarany; MONZONI, Mário (Orgs.)., op. cit., p. 34. 10 LEITE, José Rubens Morato e ROESSING NETO, Ernesto. Dano ambiental e a política do Estado do Amazonas para as mudanças climáticas. 2009. Brasil. Disponível Acesso 16 agosto 2013.

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Ora, o que garante que tais fundos fiduciários nos quais a FAS aplica os valores do fundo destinado ao programa não estão a financiar o desmatamento na Amazônia (ou em outros biomas ou atividades degradadoras)? Importante se salientar que o estado do Amazonas já havia recebido o programa do governo federal Proambiente no ano de 2003, um projeto piloto na implantação do PSA no Brasil 11. Mais recentemente, as unidades

de

contempladas

conservação com

o

Bolsa

do

estado

Verde

do

do

Amazonas

Governo

foram

Federal,

um

subprograma do programa Brasil Sem Miséria voltado para as populações rurais vulneráveis12. Esses esforços concatenados entre o Governo Federal e o Governo do Estado poderão redundar na reversão das tendências do desmatamento no Amazonas e a consolidação das Unidades de Conservação. Acredita-se, entretanto, que o reforço definitivo para o sistema de PSA do Amazonas será alcançado com a promulgação da Política Nacional de Pagamento Por Serviços Ambientais, atualmente em tramitação no Congresso Nacional. 2. Política de Valorização dos Serviços Ambientais do Acre O estado do Acre tem a sua história voltada para a exploração dos serviços ecossistêmicos florestais. A área que hoje corresponde ao Acre foi adquirida da Bolívia em 1903, após o conflito envolvendo os MATOS, Luciano; FALEIRO, Airton; PEREIRA, Cássio. Uma proposta alternativa para o desenvolvimento da produção familiar rural da amazônia: o caso do proambiente. in IV Encontro Nacional da Sociedade Brasileira de Economia Ecológica. (Anais). Rio de Janeiro, 2002. 11

Disponível em Acesso em 7 de setembro de 2013.

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seringueiros (trabalhadores da floresta que extraíam a borracha a partir da árvore conhecida como seringueira). É o estado menos povoado do Brasil e foi o último a ser ocupado, em sua maioria, por trabalhadores nordestinos. O Acre conheceu o apogeu econômico com o ciclo da borracha. Como lembra Celso Furtado, “a borracha estava destinada, nos fins do século XIX e começo do XX, a transformar-se na matériaprima de procura em mais rápida expansão no mercado mundial”13. Assim como a indústria têxtil caracteriza a Revolução Industrial, a indústria automotiva é o “principal fator dinâmico das economias industrializadas, durante um largo período”14, como lembra ainda o autor. De fato, essa primeira fase da economia da borracha ocorreu na Floresta Amazônica, em grande parte onde hoje se localiza o estado do Acre. Após a crise da borracha de 1913 e o período que abrange a Segunda Guerra Mundial, a exploração da borracha declinou acentuadamente. Se entre 1909-1911 o preço da borracha alcançava 512, já depois da Primeira Guerra Mundial, com a introdução da borracha oriental, o valor baixou para menos de 100 libras15. A queda na procura do produto foi sinalizada com a descoberta da borracha sintética durante a Segunda Guerra Mundial. Desde então, outros produtos florestais são explorados conjuntamente com a borracha no Acre. Observa-se, portanto, que a exploração dos produtos e serviços florestais permeiam a história econômica e de povoamento do Acre, influenciando a cultura nesse estado. No entanto, a supressão da floresta para outros usos – sobretudo pecuária extensiva – tem ganhado impulso desde a década de 1970. O episódio histórico que culminou no bárbaro assassinato do líder seringueiro Chico Mendes marcou a luta pelo desenvolvimento

FURTADO, Celso. Formação Econômica do Brasil. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 2005. 32 Ed. p. 132. 14 Idem, p. 131. 15 FURTADO, Celso. Op. cit. p. 132. 13

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sustentável no Brasil e no mundo. Depois disso, a luta dos povos da floresta tornou-se emblemática na proteção da Amazônia. A opção do estado do Acre pela proteção das suas florestas data dessa época e tem se fortalecido através das diversas políticas públicas na seara ambiental.

A

promoção

dos

serviços

ecossistêmicos

florestais,

especialmente no tocante aos produtos da floresta e o combate às mudanças climáticas constitui o ápice de um movimento pela valorização da floresta em pé. Para tanto, o estado do Acre criou a Política de Valorização do Ativo Ambiental Florestal, a qual visa incentivar as cadeias produtivas sustentáveis, bem como instituir políticas públicas que protejam as florestas, em uma “sustentabilidade não somente ambiental, mas também ética, cultural, econômica, política e social”16. As recentes políticas ambientais estão voltadas à valorização dos ativos ambientais do estado como forma de viabilizar os serviços ecossistêmicos por eles prestados às presentes e futuras gerações do planeta. Essa iniciativa decorre da própria história do Acre e levou ao que tem sido chamado de “florestania”. A florestania é um novo princípio que tem servido de referência para as decisões políticas na seara ambiental no Acre. A florestania, de acordo ainda com Neves, se caracteriza pelas seguintes diretrizes: a) uso dos recursos naturais com responsabilidade e sabedoria; b) reconhecimento ao conhecimento e direitos dos povos indígenas, populações tradicionais e extrativistas bem como o os direitos humanos; c) fortalecimento da identidade e respeito à diversidade cultural, combate à pobreza e elevação da qualidade de vida da população; d) utilização de incentivos econômicos objetivando o fortalecimento da economia de base florestal sustentável; e) transparência e participação social na formulação e execução de políticas públicas; f) repartição justa e equitativa dos benefícios econômicos e sociais oriundos das políticas públicas de desenvolvimento sustentável17.

16

NEVES, Rodrigo F. Sistema de Incentivo a Serviços Ambientais – SISA e REDD+ no Estado do Acre: contribuições para o desenvolvimento sustentável na Amazônia. p. 2. Disponível em www.planetaverde.org.br. Acesso em 03 de setembro de 2013. 17 NEVES, Rodrigo. Op. cit., p. 12.

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As normas que recepcionam o PSA no Acre são, respectivamente, a Lei 2.025/2008, a qual institui o Programa Estadual de Certificação de Unidades Produtivas Familiares do Estado do Acre e a Lei 2.308/2010 que institui o Sistema de Incentivo a Serviços Ambientais do Acre. 2.1. Programa Estadual de Certificação de Unidades Produtivas Familiares do Estado do Acre O Programa Estadual de Certificação de Unidades Produtivas Familiares do Estado do Acre, instituído em 2008 pela Lei 2.025, tem por fim estabelecer um processo voluntário de certificação socioambiental nas pequenas propriedades familiares (art. 1º.). O objetivo do programa é, segundo ainda o art. 1º da Lei 2.025/2008, o uso sustentável dos recursos naturais e a gestão adequada do território. Já o art. 2º estabelece como objetivos do programa (I) a mitigação e adaptação às mudanças climáticas e a conseqüente redução de emissões de gases poluentes, (II) o uso sustentável e adequado dos recursos naturais e a conservação da sociobiodiversidade, (III) a conservação das águas e recursos hídricos e (IV) a geração de renda por meio de produção sustentável. Em termos mais gerais, o programa visa à valorização dos serviços ambientais e do ativo ambiental florestal do Acre. Para atingir esse objetivo, o programa busca incentivar a adoção de práticas produtivas sustentáveis nas áreas já desmatadas, diminuindo, com isso, a pressão sobre as áreas florestadas. Os beneficiários podem participar do programa por nove anos e, findo esse período, pretende-se que estejam aptos para dar continuidade à produção sustentável desenvolvida durante esses anos. Essa ênfase na transição para práticas produtivas sustentáveis é, segundo o WWF, um dos pontos positivos das políticas de serviços ambientais do Acre18. No programa, o beneficiário recebe, WWF. O Sistema de Incentivos por Serviços Ambientais do Estado do Acre, Brasil. Brasília: WWF, 2013, p. 06. 18

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além do financiamento, a assistência técnica necessária para valorizar o ativo florestal e manter os serviços ambientais, além de produzir de maneira sustentável e sem degradar a floresta. Nesse sentido, o parágrafo único do art. 2º dispõe que “o Zoneamento Ecológico-Econômico do Estado do Acre é o instrumento norteador do programa, levando em consideração a valorização do ativo ambiental florestal e a consolidação das áreas desmatadas”. De todo adequado esse dispositivo, considerando-se que o Zoneamento Ecológico-Econômico é o instrumento ideal para indicar quais são as áreas

degradadas

que

devem

ser

recuperadas

para

fins

de

preservação (como as Áreas de Preservação Permanente, por exemplo) e quais as áreas desmatadas passíveis de abrigarem a produção agroflorestal ou o extrativismo. A gestão do programa é realizada pelo Poder Público através da Unidade

Executora,

a

qual

é

vinculada

administrativamente

à

Secretaria de Estado de Extensão Agroflorestal e Produção Familiar (SEAPROF). A regulamentação do programa é feita pela Secretaria Estadual do Meio Ambiente (SEMA), conforme o disposto nos artigos 9º e 10º da Lei 2.025/2008. Também participa diretamente do programa o Instituto do Meio Ambiente do Acre (IMAC), cuidando do licenciamento ambiental e na verificação do passivo ambiental. As competências da Unidade Executora, segundo o art. 8º, são o planejamento, o monitoramento

e

a

avaliação

do

programa,

bem

como

o

credenciamento das instituições para a rede de assistência técnica agroflorestal. Além disso, a Unidade Executora do programa é responsável por assegurar a participação das secretarias e órgãos do Estado na execução do programa e, ainda, auxiliar as atividades do Conselho Gestor da Política de Valorização do Ativo Ambiental Florestal (art. 8º, incisos III e VI). O

financiamento

do

programa

se



através

de

recursos

orçamentários do estado e do Fundo Estadual de Florestas. No entanto, em relação ao Fundo Estadual de Florestas, assevera Santos et al que 18

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“apesar de ter sido criado em 2001, o fundo só teve o seu regimento interno aprovado em 2010, e apenas uma parcela pequena dos recursos é direcionada ao programa”19. As fontes de recurso desse fundo advém, como lembra ainda Santos et al, “das taxas de reposição florestal, desoneração do passivo florestal previsto na legislação estadual e alienação de madeiras e doações”20. Os beneficiários são os pequenos agricultores familiares e assentados pela reforma agrária que voluntariamente se comprometam a adotar práticas sustentáveis. Além desses beneficiários, Santos et al destaca que “o programa tem avançado na inclusão de posses, com parceria do Iteracre, e abrage também moradores de Flonas [Florestas Nacionais] localizadas nos limites do Acre”21. São requisitos para participar do programa: 1. Ser agricultor familiar; 2. A propriedade não pode ultrapassar 150 hectares; 3. Apresentar os propriedade;

documentos

pessoais

e

os

relativos

à

4. Assinatura do termo de adesão, na qual o participante se compromete a adotar práticas sustentáveis e não utilizar o manejo com fogo.

Não obstante os requisitos para o ingresso no programa, a cada fase os beneficiários devem observar as condições específicas para obter o novo selo. Importante se salientar que, na inobservância das regras do programa, o beneficiário poderá ser excluído. O art. 5º da Lei 2.025/2008 estrutura o programa em quatro fases e respectivos prazos de duração: SANTOS, Priscilla; BRITO, Brenda; MASCHIETTO, Fernanda; OSÓRIO, Guarany; MONZONI, Mário (Orgs.). op cit. p. 37. 20 Idem, p. 37. 21 Ibidem, p. 37. 19

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1ª fase: termo de adesão ao programa (12 meses); 2ª fase: certificação básica (selo azul, 24 meses); 3ª fase: certificação intermediária (selo amarelo, 24 meses); 4ª fase: certificação plena (selo verde, 48 meses). Ao ingressar no programa, após a assinatura do termo de adesão, a propriedade do beneficiário passa por um processo de classificação, o qual identifica o seu nível de sustentabilidade e, assim, a unidade produtiva poderá ser enquadrada em uma das fases mencionadas acima, conforme o disposto no art. 6º da Lei 2.025/2008. O trabalho de enquadramento das propriedades aos requisitos de cada fase do programa é realizado pela Rede Estadual de Assistência Técnica e Extensão Agroflorestal, rede essa composta por instituições públicas e privadas (Organizações não-governamentais) e especialmente criada pelo art. 7º da Lei 2.025/2008 para essa finalidade. Como já salientado acima, para aceder ao programa é exigido do beneficiário a assinatura do termo de adesão pelo qual se compromete a elaborar o Plano de Certificação. A partir da inclusão o beneficiário passa a receber assistência técnica para atender aos requisitos da segunda fase do programa (selo azul). Para a obtenção do selo azul devem ser atendidos os seguintes requisitos: recuperação de 20% da Reserva Legal (RL); recuperação de 20% a 50% da Área de Preservação Permanente (APP); o manejo com fogo só é permitido em área sem floresta; o nível de degradação agrícola permitido é 30% a 50%; aprova o Plano de Certificação (PC) e deverá encaminhar o pedido de Cadastro Ambiental Rural (CAR); deverá estar filiado a associação ou fórum de discussão. Com o selo azul o beneficiário recebe R$ 500,00 por ano, por dois anos, no máximo. Para aceder à terceira fase e obter o selo amarelo, o beneficiário deverá implementar: 21% a 50% de RL; 50% a 80% de APP em regeneração; a queima deverá ser intercalada; o nível de degradação 20

COMPENSAÇÃO ECOLÓGICA, SERVIÇOS AMBIENTAIS E PROTECÇÃO DA BIODIVERSIDADE

agrícola de 15% a 30%; deverá executar 30% do PC ou três práticas sustentáveis de produção e; deverá estar filiado à associação ou fórum de discussão há um ano. Nessa fase, o beneficiário passa a receber R$600,00 por um período máximo de dois anos. Na última fase da certificação, para a obtenção do selo verde, o beneficiário deverá atender o seguinte: RL acima de 50%; 80% da APP em regeneração; não fazer uso do fogo; não poderá ter área agrícola degradada; deverá executar 70% do PC ou mais de três práticas sustentáveis e; deverá estar filiado ao programa de desenvolvimento comunitário. Com o selo verde, o beneficiário recebe R$ 600,00 pelo período máximo de quatro anos. Como destacado alhures, espera-se que, findo esse período, o beneficiário obtenha autonomia financeira a partir de práticas agrícolas sustentáveis. Cabe, por fim, tecer algumas considerações acerca da estrutura do Programa de Certificação. Primeiramente importa destacar que se trata de um sistema de PSA que tem no modelo de certificação de práticas sustentáveis a forma de classificar os participantes e evitar o prêmio àqueles que ainda não se adequaram às exigências legais. Nesse sentido, o Programa de Certificação atende, em parte, o Princípio do Poluidor-Pagador. Em parte, pois admite no programa beneficiários que não possuem os percentuais estabelecidos na legislação ambiental federal. No entanto, deve-se ponderar que a meta do programa é justamente alcançar esses percentuais e fazer com que os pequenos agricultores familiares possam adequar-se aos patamares exigidos na legislação. De fato, a assistência técnica provida pelo programa mostra-se essencial para alcançar esse resultados, considerando que no caso dos agricultores familiares do estado a falta de informação é o maior empecilho para a implementação de práticas agrícolas sustentáveis. Quanto à remuneração (em média US$ 211/ano/beneficiário para o selo azul e US$ 253/ano/beneficiário para os selos amarelo e verde), 21

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embora possa representar um valor irrisório em outras regiões brasileiras, para os pequenos agricultores familiares do interior da Amazônia pode significar a subsistência por alguns meses. Além disso, um valor muito elevado poderia conduzir a uma dependência econômica perniciosa, eis que, ao final do período de nove anos, o beneficiário não alcançaria a necessária e desejada autonomia financeira. Isso, pois, o beneficiário deixaria de gerar renda através da produção agroflorestal, passando a depender da remuneração do programa, o que ocasionaria um problema social com sua saída desse. Importante também se salientar que o financiamento do programa é totalmente suportado pelo Poder Público, seja através do orçamento, seja através de recursos do Fundo Estadual de Florestas. Isso pode representar um ponto frágil no momento em que a situação financeira do estado se modifique. Por outro lado, a excessiva dependência de recursos privados também poderia ocasionar um problema para o financiamento futuro do programa, que se exauriria com término das doações. Fundos que dependem de taxas são questionáveis na medida em que os recursos gerados por essa espécie de arrecadação constituem uma retribuição de serviço prestado pelo Estado e, portanto, deveriam ser dirigidos ao caixa único do governo – e não para um fundo em particular. A dependência do valor de multas ambientais é questionável porque os recursos aumentam na exata proporção da degradação ambiental, gerando uma incongruência no sistema que depende da degradação para se financiar. 2.2. Sistema Estadual de Incentivos a Serviços Ambientais - SISA O Sistema Estadual de Incentivos a Serviços Ambientais foi criado pela Lei 2.308/2010 com a finalidade de fomentar a manutenção e a ampliação da oferta dos serviços e produtos ecossistêmicos de (I) seqüestro, conservação, manutenção e aumento do estoque e a 22

COMPENSAÇÃO ECOLÓGICA, SERVIÇOS AMBIENTAIS E PROTECÇÃO DA BIODIVERSIDADE

diminuição do fluxo de carbono, (II) conservação da beleza cênica natural, (III) conservação da sociobiodiversidade, (IV) conservação das águas e dos serviços hídricos, (V) regulação do clima, (VII) conservação e o melhoramento do solo. Embora o artigo 1º, no seu inciso VI, contemple a “valorização cultural e do conhecimento tradicional ecossistêmico” como serviço ou produto ecossistêmico, é curiosa a equiparação da cultura ou conhecimento humanos com serviços ou produtos do ecossistema, devendo ser questionada sua inclusão no rol dos serviços ecossistêmicos a serem salvaguardados pelo SISA. O artigo 2º da 2.308/2010 consigna como princípios do SISA os já estabelecidos na Política Nacional de Meio Ambiente (Lei 6.938/1981) e na Política Nacional de Mudança do Clima (Lei 12.187/2009): desenvolvimento ecológico

e

sustentável;

climático

para

precaução; as

proteção

presentes

e

do

futuras

equilíbrio gerações;

responsabilidades comuns, porém diferenciadas; cooperação nacional e internacional e; justiça e equidade na repartição dos benefícios econômicos e sociais oriundos dos serviços ambientais. Não obstante, merecem destaque os princípios expressos nos incisos IV e V pela estreita relação com a realidade socioambiental do estado e pela sua originalidade em uma norma sobre a matéria de PSA: “IV – respeito aos conhecimentos e direitos dos povos indígenas, populações tradicionais e extrativistas, bem como aos direitos humanos reconhecidos e assumidos pelo Estado brasileiro perante a Organização das Nações Unidas e demais compromissos internacionais; V – fortalecimento da identidade e respeito à diversidade cultural, com o reconhecimento do papel das populações extrativistas e tradicionais, povos indígenas e agricultores na conservação, preservação, uso sustentável e recuperação dos recursos naturais, em especial a floresta...”

Interessante observar que o artigo 2º, inciso VII, menciona como princípio do SISA (ainda que se trate de verdadeira diretriz do sistema) a integração com a Política Nacional de Mudança no Clima e demais “políticas nacionais e normas gerais venham a regular os incentivos e 23

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pagamentos por serviços ambientais”, em clara referência a uma futura regulamentação federal da matéria. Ainda o art. 2º faz menção expressa em seu inciso VIII à observância do estabelecido no Zoneamento Ecológico-Econômico do Acre, bem como vincula o sistema às diretrizes da Política Estadual de Valorização do Ativo Florestal do Acre. Essa transversalidade pretendida para o SISA em relação a outras políticas e programas, tanto na esfera estadual quanto federal, é fundamental para operacionalizar um (almejado) futuro sistema nacional de incentivo a serviços ambientais. O SISA adota, em extensa lista, os conceitos técnicos constantes da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança no Clima, da Convenção de Diversidade Biológica, da Convenção das Nações Unidas sobre Desertificação, convenção de Ramsar, da Política Nacional de Mudança no Clima, além de outras normas que regulam o tema. O conceito de serviços ambientais ou ecossistêmicos é expresso no art. 3º, II, como as “funções e processos ecológicos relevantes gerados pelos ecossistemas, em termos de manutenção, recuperação ou melhoramento das condições ambientais, em benefício do bemestar de todas as sociedades humanas (...)”. Essa adoção de conceitos pautada em critérios técnico-científicos é salutar, visto que o debate sobre

os

termos

concernentes

aos

serviços

ambientais

(ou

ecossistêmicos) ganha amplitude no momento em que se discute a regulamentação federal da matéria. O SISA dispõe que serão considerados provedores de serviços ambientais “aqueles que promovam ações legítimas de preservação, conservação, recuperação e uso sustentável de recursos naturais”, ações essas que devem estar em consonância com as diretrizes dessa lei, com o ZEE, com a Política Estadual de Valorização do Ativo Ambiental Florestal e com o Plano de Prevenção e Controle do Desmatamento e Queimadas do Estado (art. 4º). São admitidos como beneficiários do SISA, os “provedores de serviços ambientais integrados aos programas, subprogramas, planos de ação 24

COMPENSAÇÃO ECOLÓGICA, SERVIÇOS AMBIENTAIS E PROTECÇÃO DA BIODIVERSIDADE

ou projetos especiais” aprovados nos termos da Lei 2.308/2010, os quais contemplarão os requisitos a serem preenchidos pelos beneficiários (art. 5º). Nota-se, pois, que não existe na Lei 2.308/2010 um rol de requisitos objetivos, mas sim uma designação genérica que permite aos programas específicos fixarem tais requisitos. Também fica a critério de cada projeto a fixação dos valores a serem pagos a título de remuneração por serviços ambientais. A gestão do SISA é compartilhada entre o Instituto de Mudanças Climáticas e Regulação de Serviços Ambientais (IMC), a Ouvidoria (ligada à SEMA) e a Agência de Desenvolvimento de Serviços Ambientais. Ligados ao IMC estão o Comitê Científico e a Comissão Estadual de Validação e Acompanhamento. A função do IMC no sistema é de fiscalizar, regulamentar e monitorar o desenvolvimento dos programas. A Ouvidoria é o canal de ligação com a sociedade para receber sugestões, denúncias, mediar conflitos e sugerir melhorias do sistema. A Agência de Desenvolvimento de Serviços Ambientais, prevista no art. 15 da Lei 2.308/2010, sob forma de sociedade anônima de economia mista, tem por finalidade captar recursos financeiros de fontes públicas, privadas ou multilaterais, a partir de doações ou investimentos. O dispositivo permite a essa agência gerir e alienar os ativos e créditos resultantes dos serviços e produtos ecossistêmicos gerados a partir dos programas do SISA. A

questão

relativa

à

comercialização

de

eventuais

créditos

decorrentes de um programa de PSA gera acirrados debates acerca da mercantilização dos serviços ecossistêmicos versus justiça social. Como lembram Novion e Valle: Os adeptos do mercado pregam que basta o Estado não atrapalhar que as coisas se resolverão por si só, pois os agentes econômicos estariam cada vez mais conscientes da necessidade de conservar os serviços ambientais que lhes aproveitam (...) No outro espectro político há os que defendem uma forte intervenção estatal e sistemas públicos de compensação por serviços ambientais. Criticam a ideia de que o mercado possa (...) alocar adequadamente recursos para salvar da destruição áreas importantes para a produção de serviços ambientais, e defendem a distribuição dos pagamentos

25

INSTITUTO DE CIÊNCIAS JURÍDICO-POLÍTICAS segundo critérios de justiça social, mas não necessariamente de eficiência econômica22.

Será a Agência de Desenvolvimento de Serviços Ambientais uma solução intermediária, no sentido de criar programas de PSA que atendam os critérios de justiça social e estabeleça a sua vinculação com as forças produtivas do mercado? O Comitê Científico, composto por personalidades de renome nacional e internacional de diversas áreas das ciências humanas e sociais, exatas e biológicas, tem a atribuição de manifestar-se acerca de assuntos jurídicos, científicos, técnicos e metodológicos relativos ao sistema

(art.

13).

A

Comissão

Estadual

de

Validação

e

Acompanhamento tem a finalidade de garantir a transparência, analisar e opinar sobre auditorias, propostas normativas, bem como requisitar informações e documentos relativos ao sistema (art. 12). O SISA é dividido em sete programas, de acordo com o serviço ecossistêmico a proteger: (I) incentivo a serviços ambientais – Carbono (ISA

Carbono);

(II)

conservação

da

sociobiodiversidade;

(III)

conservação das águas e dos recursos hídricos; (IV) conservação da beleza cênica natural; (V) regulação do clima; (VI) valorização do conhecimento

tradicional

ecossistêmico;

e

(VII)

conservação

e

melhoramento do solo. Importante se ressaltar que o programa ISA Carbono é o mais estruturado, possuindo, por exemplo, um sistema de monitoramento de adicionalidade. De acordo com o WWF, o programa ISA Carbono apresenta vários aspectos positivos e interessantes, dentre os quais se destaca “o estabelecimento de um arcabouço político e institucional no nível estadual antes de partir para iniciativas locais – em forte contraste

com

a

grande

maioria

de

experiências

de

REDD

documentadas no mundo.”23 NOVION, Henry; VALLE, Raul (Orgs.). É pagando que se preserva? Subsídios para políticas de compensação por serviços ambientais. São Paulo: Instituto Socioambiental, 2009, p. 03. 23 WWF. Op. cit. p. 06. 22

26

COMPENSAÇÃO ECOLÓGICA, SERVIÇOS AMBIENTAIS E PROTECÇÃO DA BIODIVERSIDADE

Necessário destacar que o SISA é “fruto de uma série de discussões com atores da academia, terceiro setor, mercado, negociadores internacionais e área estatal”24, com o objetivo de construir um sistema apto para criar “um ambiente de confiança para fomentadores, investidores, provedores e beneficiários dos serviços e produtos ambientais no Estado do Acre”25. Isso fica claro no ISA Carbono, o qual foi desenvolvido, inclusive, para possibilitar a comercialização dos créditos oriundos dos serviços ecossistêmicos.26 Não obstante os avanços legislativos perpetrados pelo Acre, a implantação de projetos de ISA Carbono em nível local, que poderia começar em 2014, foi prolongado por falta de recursos. Como lembra a WWF, “o tempo requerido para a definição do regime de REDD no Acre foi prolongado devido à falta de modelos e à escassez de apoio financeiro externo inicial, que foi de cerca de R$240.000 durante os primeiros três anos e meio do seu desenho”.27 No entanto, segundo o recente estudo do Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia – IPAM, o ISA Carbono “está prestes a se tornar um dos mais avançados programas de REDD+ Jurisdicional do mundo”.28 As discussões no Congresso Nacional acerca do marco regulatório do PSA em âmbito federal estão em fase adiantada29 e oito estados

NEVES, Rodrigo F., op. cit. p. 03. Idem, p. 03. 26 “Art. 27 - As reduções de emissões obtidas durante o período preliminar do Programa ISA Carbono poderão ser registradas para efeitos de alienação ou cumprimento das metas definidas pelo programa, desde que devidamente certificadas mediante submissão a metodologias que assegurem os critérios de medição, de quantificação, de verificação, de rastreabilidade e de transparência, nos termos desta lei.” [grifamos] 27 WWF, op. cit., p. 82. 28 ALENCAR, A.; NEPSTAD, D.; MENDOZA, E.; SOARES-FILHO, B.; MOUTINHO, P.; STABILE, M.C.C.; MCGRATH, D.; MAZER, S.; PEREIRA, C.; AZEVEDO, A.; STICKLER, C.; SOUZA, S.; CASTRO, I.; STELLA. O. Rumo ao REDD+ Jurisdicional: Pesquisa, Análises e Recomendações ao Programa de Incentivos aos Serviços ambientais do Acre (ISA Carbono). Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia: Brasília, 2012, p. 06. 29 CÂMARA DOS DEPUTADOS. Projeto de Lei nº 5.487/2009. Institui a Política Nacional de Pagamento por Serviços Ambientais, o Programa Federal de Pagamento por Serviços Ambientais, o Fundo Federal de Pagamento por Serviços Ambientais e o Cadastro Nacional de Pagamento por Serviços Ambientais, dispõe sobre os contratos 24 25

27

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brasileiros já adotaram normas relativas à matéria. Nesse sentido, a experiência do Acre, além de ser uma das primeiras, é a mais bem estruturada, podendo servir de modelo aos demais entes federados. Como recomenda a Carta de São Paulo, de 2013: É preciso desenvolver e fortalecer os mecanismos institucionais e jurídicos voltados ao pagamento por serviços ambientais, de forma a reconhecer o efetivo valor do meio ambiente para a conservação da biodiversidade, seqüestro de carbono, proteção de bacias hidrográficas e conservação da beleza cênica, e, com isso, recompensar adequadamente aqueles que assumem o compromisso de recomposição, preservação ou manutenção dos bens ambientais30.

Nesse contexto, a experiência do Acre chama a atenção pois o estado possui hoje 86% da sua cobertura vegetal original e, desde 2004, as taxas de desmatamento vêem caindo em virtude das diversas políticas públicas ambientais. O SISA complementa os esforços já empreendidos, agora em outra perspectivo jurídica, qual seja, a de reconhecer os esforços daqueles que assumem o compromisso com a proteção ambiental. Somado à rede de espaços especialmente protegidos e às políticas agroflorestais em andamento, o SISA e o Programa de Certificação podem servir de modelo para a proteção, recuperação e uso sustentável dos outros biomas brasileiros, os quais são ainda mais ameaçados e degradados do que a Amazônia. 3. Considerações finais Os complexos problemas socioambientais enfrentados na Amazônia brasileira exigem soluções igualmente complexas. A despeito das muitas experiências de políticas públicas na seara ambiental, o desmatamento continua e, a cada ano, perde-se milhares de quilômetros quadrados de floresta. Nesse cenário, o Poder Público regozija-se de diminuir as de pagamento por serviços ambientais. Disponível em http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=348783 30 BENJAMIN, Antônio H.; LECEY, Eládio; CAPPELLI, Sílvia; IRIGARAY, Carlos T. J. H. (Orgs.). Carta de São Paulo. In 18 Congresso Brasileiro de Direito Ambiental (Anais). São Paulo: 2013. Disponível em Acesso 06set2013.

28

COMPENSAÇÃO ECOLÓGICA, SERVIÇOS AMBIENTAIS E PROTECÇÃO DA BIODIVERSIDADE

taxas de desmatamento. Em outras palavras, o Estado não consegue zerar o desmatamento. Não obstante isso, alguns estados conseguem minimizar a pressão sobre a floresta. Notadamente os estados de Roraima, Acre, Amapá e Amazonas, por seu isolamento, conseguem manter intacta grande parte da sua área florestal. Mas a conversão da floresta para pastos (pecuária extensiva) ou agricultura (plantio de soja) tem aumentado no sul da Amazônia, acompanhando a expansão da fronteira agrícola no Mato Grosso, Rondônia e no Pará. As políticas públicas tradicionais, notadamente as de comando e controle, já não conseguem, por si só, conter a fronteira agrícola nessas regiões. Contribui para isso o fato de ter sido o setor primário o responsável pelo aumento do PIB do país nos últimos anos. E, quando as forças da produção agrícola confrontam a questão ambiental, àquelas quase sempre preponderam, a exemplo das recentes alterações dos Código Florestal Federal. O momento exige respostas dinâmicas a esses problemas e que não abordem tão somente a questão ambiental, mas abranjam a questão social envolvida. Ademais, as soluções pretendidas devem estar conectadas transversalmente às demais políticas públicas, sejam elas ambientais, econômicas ou sociais. As legislações voltadas para a remuneração ou compensação por serviços ambientais do Amazonas e do Acre, apesar de encontrarem-se em fase de implantação, caminham nesse sentido. O Amazonas, estado pioneiro na adoção do PSA e que hoje possui o maior programa do mundo de remuneração por serviços ambientais, já possui alguns fatores que favorecem a implantação do mecanismo. A sua localização geográfica o afasta um pouco da atual fronteira agrícola brasileira. A maior parte da população vive em cidades, principalmente na região de Manaus, atraída pelos postos de trabalho gerados pela Zona Franca. A rede de unidades de conservação e 29

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áreas indígenas cobre grande parte do território, facilitando a proteção. O desafio, portanto, é implantar os espaços especialmente protegidos e protegê-los da degradação. O Acre também é um dos estados pioneiros na adoção de medidas de proteção aos serviços ambientais, inicialmente com o Programa de Certificação e, mais recentemente, com o SISA. O Programa de Certificação têm o grande mérito de servir de transição para uma produção agroflorestal sustentável. Embora em fase de implantação, o SISA já é aclamado como um dos sistemas de PSA mais avançados do mundo.

Isso

somado

às

diversas

políticas

públicas

ambientais

implantadas nos últimos anos pode levar o Acre a estabilizar a degradação da floresta. Espera-se que em breve seja aprovada pelo Congresso Nacional a política federal de PSA e, com ela, os sistemas estaduais de PSA venham a ganhar forte impulso. As atuais experiências sinalizam, entretanto, algumas

deficiências

que

devem

ser

enfrentadas,

dentre

elas

identificamos:  Em relação às frentes de aplicação de políticas de PSA (priorizar o combate ao avanço da fronteira agrícola);  No tocante aos valores pagos (evitar a dependência econômica dos beneficiários);  Em se tratando das estratégias de financiamento (fundos exclusivamente públicos ou exclusivamente privados, dependência de taxas ou multas ambientais)  Em relação à admissão de beneficiários (observância do PPP). Esses são apenas alguns pontos sensíveis em se tratando do desenho de políticas públicas voltadas à remuneração por serviços ambientais. A lei federal que (pretende-se) regulamentará a matéria, deverá atentar para esses pontos com um desafio que perpassa o enfrentado pelos estados: necessitará criar um sistema que consiga abranger todos os seis biomas brasileiros. A Amazônia é apenas um deles e é o menos ameaçado. 30

COMPENSAÇÃO ECOLÓGICA, SERVIÇOS AMBIENTAIS E PROTECÇÃO DA BIODIVERSIDADE

RESUMO: O Pagamento por Serviços Ambientais (PSA) recebeu significativa atenção no Brasil nos últimos anos enquanto instrumento de gestão ambiental. Apesar de existirem pelo país alguns projetos em andamento, os resultados quanto à preservação e recuperação ambiental não são conclusivos. Não obstante essa falta de resultados e as incertezas quanto ao marco legal nacional, cada vez mais Estados da Federação e municípios instituem as suas legislações sobre a matéria, gerando grande expectativa nesse instrumento. O presente trabalho visa analisar o estado da arte das legislações sobre PSA no Acre e Amazonas, os primeiros estados da federação a instituírem marco legal para a remuneração por serviços ambientais.

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A biodiversidade à mercê dos mercados? Reflexões sobre compensação ecológica biodiversidade*

e

mercados

de

Carla Amado Gomes Professora Auxiliar da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa [email protected]

Luís Batista Mestre em Direito; Advogado-estagiário [email protected]

0. Introdução: biodiversidade e mercado, uma relação improvável?; 1. O instituto da compensação ecológica na origem da mercantilização da natureza: 1.1. Ponto prévio: compensação ex ante e compensação ex post; 1.1.2. Unicidade ou diversidade de fundamento?; 1.2. A compensação ecológica ex ante: 1.2.1. Na Convenção Ramsar (1971); 1.2.2. Nas directivas aves e habitats; 1.2.3. Na legislação nacional sobre protecção da Natureza; 1.2.4. A fixação de medidas provisórias e a decisão autorizativa; 1.3. A articulação entre o inexistente regime da compensação ex ante (no DL 142/2008) e a regulação prevista para a compensação ex post (no DL 147/2008); 2. Os mercados de biodiversidade: “a raridade apela à propriedade”; 2.1. O modelo norte-americano – o berço do Habitat Banking; 2.1.1. Súmula e articulação de conceitos fundamentais; 2.1.2. A rejeição de uma “Iicence to trash”: um mercado que se rege, em teoria, pelas regras próprias da compensação ex ante; 2.1.3. As principais dificuldades (e desafios) do Habitat Banking; 2.2. A realidade europeia – uma experiência feita “de baixo para cima”; 2.2.1. A perspectiva institucional e normativa; 2.2.2. As experiências encetadas a nível nacional 3. Biodiversidade e mercado, uma relação desaconselhável?

* Nota da primeira autora : Este texto constitui a versão longa da intervenção oral da primeira autora nas I Jornadas de Direito do Ambiente da Região Autónoma dos Açores, realizadas no dia 30 de Março de 2012 na Universidade dos Açores, em Ponta Delgada. Registo aqui o meu reconhecimento ao Dr. Rui Cordeiro pelo empenho e entusiasmo com que se bateu pela concretização das Jornadas, e também pelo convite que me endereçou. A compensação é um tema que me fascina e já de há algum tempo vinha pensando em escrever sobre ele. Contei, no desenvolvimento do texto, com a preciosa ajuda do Mestre Luís Batista, meu orientando de mestrado e hoje já Mestre, que realizou dissertação de mestrado nesta área ― ajuda de tal forma ampla que passou a co-autoria. O texto é dedicado à Profª Doutora Heline Sivini Ferreira, que pela primeira vez me despertou para ele, num convite para palestrar na Faculdade de Direito da Universidade do Paraná, em Curitiba, em 2009.

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COMPENSAÇÃO ECOLÓGICA, SERVIÇOS AMBIENTAIS E PROTECÇÃO DA BIODIVERSIDADE

0. Introdução: biodiversidade e mercado, uma relação improvável? O diagnóstico da tragédia da biodiversidade a que chegámos está feito: deparamo-nos com a maior extinção massiva de espécies desde que os dinossauros desapareceram da Terra, há 65 milhões de anos1. A explosão demográfica, a urbanização galopante, as necessidades energéticas, as alterações climáticas, são causas que concorrem para a situação emergencial em que o Planeta se encontra no que toca às perdas de biodiversidade. A biodiversidade é alvo fácil da cobiça humana, as suas captura e destruição não envolvem grandes meios e geram utilidades imediatas ─ mas, reversamente, provocam perdas incomensuráveis e muitas vezes irreversíveis, no médio e longo prazo. "A natureza não tem preço, mas tem um custo", de preservação, sobretudo. Demasiado fácil de destruir, demasiado difícil de rentabilizar ─ o destino da biodiversidade parece traçado. E, no entanto, Relatórios como o TEEB Report demonstram que se pode ganhar dinheiro com a biodiversidade, aliando fruição a turismo, ou exploração a emprego2. A biodiversidade tem utilidades materiais e imateriais, directas e indirectas, actuais e futuras, que devem entrar na equação da gestão racional dos recursos para que os instrumentos, internacionais e nacionais, apontam. A valorização da diversidade biológica passa pela atribuição de um preço, desde logo, à sua existência e, acrescidamente, aos "serviços"

1 Sobre a evolução da biodiversidade na história da Humanidade, Humberto ROSA, Conservação da biodiversidade: significado, valorização e implicações éticas, in RJUA, nº 14, 2000, pp. 9 segs, 23 segs. 2 Cfr. Carla AMADO GOMES, Uma mão cheia de nada, outra de coisa nenhuma: duplo eixo reflexivo em tema de biodiversidade, in No Ano Internacional da Biodiversidade. Contributos para o estudo do Direito da protecção da biodiversidade, coordenação de Carla Amado Gomes, e-book publicado pelo ICJP, disponível in http://www.icjp.pt/system/files/files/e-book/ebook_completo/ebook_biodiversidade2.pdf - ISBN: 978-989-97410-2-7, pp. 7 segs, 9-12.

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ecológicos que proporciona ─ por outras palavras, traduz-se em revelar utilidades até aí desconsideradas3. Nas palavras do Preâmbulo do DL 171/2009, de 3 de Agosto, “A biodiversidade, a diversidade da vida em todas as suas formas, inclui a diversidade genética, de organismos, de espécies e de ecossistemas, e proporciona reconhecidamente uma vasta gama de benefícios à humanidade.

Os

ecossistemas

fornecem

bens,

como

oxigénio,

alimentos, medicamentos, vestuário, materiais, pesticidas, e serviços, como a purificação de águas, a regulação do clima, a polinização, a fertilização do solo ou a protecção contra desastres naturais. Para além destes serviços, cujo valor económico, embora frequentemente desconsiderado, pode ser identificado e quantificado, a biodiversidade também detém atributos intangíveis de elevado valor estético, emocional, cultural, social e ético”. A descoberta dos “valores” inerentes à biodiversidade, sobretudo do económico, torna a associação desta realidade com a do mercado de títulos de emissão de gases com efeito de estufa ― mecanismo introduzido pelo Protocolo de Quioto e em funcionamento (a título de mercado obrigatório) na União Europeia ―, inevitável. Neste, trata-se de atribuir um valor à emissão de CO2, por tonelada, para a atmosfera, poluição que até então fora desconsiderada enquanto custo do processo produtivo e passou a ser encarada como uma externalidade negativa, devendo os operadores custear os títulos que suportam as emissões; no mercado de biodiversidade, a ideia é atribuir um valor à perda de elementos naturais ou de utilidades ecológicas destes e reclamar de quem realiza intervenções que degradam a biodiversidade uma compensação por equivalente. Em ambos os casos, e em síntese, o mercado serve para fazer circular títulos que possam validar as intervenções lesivas. Veja-se também o estudo coordenado por Helena BONIATTI PAVESE para o PNUA, sobre o valor de conservação da floresta amazónica ─ The contribution of Brazilian conservation units to the national economy, disponível em http://www.unepwcmc.org/medialibrary/2011/11/17/3b37be2d/PUBLI_PNUMA_UNEP.pdf 3

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COMPENSAÇÃO ECOLÓGICA, SERVIÇOS AMBIENTAIS E PROTECÇÃO DA BIODIVERSIDADE

Se é verdade que o mercado de títulos de emissão tem filiação directa no Protocolo de Quioto, não menos certo é que falha aos mercados

de

biodiversidade

a

identidade

de

condições

de

operacionalidade, concretamente, no que tange a fungibilidade dos componentes ambientais em jogo. Apesar das dúvidas expressas sobre a sua criação, tanto nos EUA, como na Europa ― como se verá no decurso do texto ―, o legislador português foi sensível à ideia e já foi preparando a sua entrada no ordenamento jusambiental, como se pode constatar no texto do DL 171/2009, de 3 de Agosto (que criou o Fundo para a conservação da natureza e da biodiversidade = FCNB). Com efeito, os artigos 2º/2/e) e 2º/3 deste diploma avançam claramente a hipótese de implementação de mecanismos de mercado e da introdução de créditos de biodiversidade. Cumpre, pois, indagar como se desencadeou esta ideia, analisar as suas concretizações e testar a sua adequação aos princípios de prevenção, gestão racional e responsabilização, vigentes no Direito do Ambiente.

1. O instituto da compensação ecológica na origem da mercantilização da natureza Na base dos "mercados de biodiversidade" está o instituto da compensação ecológica, através do qual se colmata uma lesão provocada no meio ambiente criando um benefício que neutralize a perda. Esta compensação pode, no quadro legislativo actual, surgir em dois momentos diversos: antes da intervenção e depois da intervenção, rectius, antes de um dano previsível e depois de um dano efectivo. É esta dualidade que convém explicar.

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1.1. Ponto prévio: compensação ex ante e compensação ex post A compensação é uma modalidade de reparação do dano contemplada no instituto da responsabilidade civil. Trata-se de um sucedâneo ou complemento da restauração in natura, que actua quando esta não é fáctica ou economicamente possível (por excessivamente onerosa), ou quando é insuficiente (cfr. o artigo 566º/1, 1ª parte, do CC). Se a responsabilidade civil tem uma dupla função, reparatória e penalizadora, o que se pretende é tornar indemne uma esfera jurídica que sofreu uma lesão, deixando-a o mais próximo possível do estado em que se encontrava quando a lesão sobreveio e censurando

patrimonialmente

o

lesante.

No

Direito

Civil,

a

compensação prevista no artigo 566º traduz-se num equivalente pecuniário e pode, teoricamente, despontar em qualquer hipótese de dano, quer de bens fungíveis quer de bens infungíveis. No Direito do Ambiente, o artigo 48º da LBA traça uma hierarquia de soluções similar: restauração in natura, com reposição do estado anterior à infracção “ou equivalente”; ressarcimento pecuniário, quando não for “possível” a restauração natural, em montante a definir em lei especial. Deve observar-se que a LBA lida com um conceito de dano amplo, fortemente antropocêntrico, como a leitura do artigo 40º confirma – concepção que terá justificado a “colagem” ao Código Civil. Não é este, no entanto, o referencial que devemos hoje ter em conta. A lógica primeira e desejavelmente única do Direito do Ambiente deveria ser a da prevenção ─ é ela que se destaca no elenco das tarefas de protecção do ambiente inscritas no artigo 66º/2 da CRP, logo na alínea a), como é ela que tem a primazia na lista de princípios apresentada na LBA, no artigo 3º/a). Contudo, porque numa sociedade altamente industrializada, os danos ao ambiente são inevitáveis, a responsabilização teria identicamente que constar da pauta de princípios orientadores ─ como consta, efectivamente, no fecho do 36

COMPENSAÇÃO ECOLÓGICA, SERVIÇOS AMBIENTAIS E PROTECÇÃO DA BIODIVERSIDADE

artigo 3º da LBA [alínea h)] e também, ainda que não da forma mais clara, no artigo 52º/3/a) da CRP. O DL 147/2008, de 29 de Junho (=RPRDE), transpondo a directiva 2004/35/CE, do Parlamento e do Conselho, de 21 de Abril, veio dar operacionalidade à noção de dano ecológico,

assentando,

precisamente,

na

dupla

vertente

prevenção/reparação deste. É deste diploma que resulta a metodologia de reparação do dano ecológico, dano que se há-de traduzir numa 1) alteração 2) significativa 3) adversa 4) mensurável do estado de um componente ambiental ou da redução da sua aptidão para gerar "serviços" ─ cfr. o artigo 11º/1/d) e e) do RPRDE. Tal metodologia encontra-se descrita no Anexo V do RPRDE, traçando uma hierarquia de soluções não exactamente coincidente com o disposto no artigo 48º da LBA, uma vez que refere reparação primária, complementar e compensatória, eliminando a atribuição de quantias pecuniárias "a membros do público". Por outras palavras,

do

RPRDE

resulta

aparentemente

a

abolição

da

compensação pecuniária e a introdução de uma nova técnica de compensação,

por

recuperação

de

componentes

ambientais

equivalentes. Além disso, o RPRDE introduz a noção de perdas intermédias, para colmatar as quais avança a figura da reparação compensatória (melhor seria ter-lhe chamado complementar), cuja implementação viabiliza uma reparação verdadeiramente integral do dano ecológico, não se bastando com a ficção de uma restauração natural cujos efeitos, em bom rigor, se projectam num futuro que se constrói ao ritmo da natureza. A

lógica

subjacente

ao

novo

regime

assenta,

entre

outros

pressupostos, na existência de um dano iminente ou já verificado, proveniente de uma actividade, se não forçosamente industrial, pelo menos com um determinado nível de complexidade e continuidade (cfr. os artigos 2º/1, 14º e 15º do RPRDE). O dano, quando iminente, deve assumir um grau de verosimilhança e de probabilidade consistente, que 37

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justifique a adopção de medidas preventivas (cfr. o artigo 5º do RPRDE). A iminência não é caracterizada, mas a ratio do diploma aponta para que se trate de ameaças de dano provocadas por eventos inesperados (ainda que contidos dentro do âmbito de risco potencial da actividade), ou seja, cuja eclosão está fora do controlo do operador. A razão que nos leva a assinalar este ponto prende-se com a diferença que queremos aqui iluminar, entre a compensação de um dano no âmbito do RPRDE ─ um dano efectivo, decorrente de um evento indesejado pelo operador, embora resultante da sua actividade económica ─, e o dano potencialmente previsível e decorrente de uma intervenção desejada pelo seu autor ― subjacente ao regime previsto no diploma que regula a rede Natura 2000 (DL 140/99, de 24 de Abril, revisto e republicado pelo DL 49/2005, de 24 de Fevereiro (=RRN)4 ─ , bem como ao regime jurídico de conservação da Natureza e da biodiversidade, estruturado no DL 142/2008, de 24 de Julho (=RCNB). Referimo-nos às medidas compensatórias nomeadas nos artigos 10º/12 do RRN e 36º do RCNB, que são desenhadas em função de um dano ainda não verificado, embora presumivelmente inevitável, em razão da intervenção programada. A

esta

dualidade

de

momentos

de

aplicação

do

instituto

corresponderão diversos fundamentos? 1.1.2. Unicidade ou diversidade de fundamento? O fundamento da compensação ex post, determinada na sequência da

verificação

de

um

dano

ecológico,

reconduz-se

inquestionavelmente ao princípio da responsabilização, plasmado no artigo 3º/h) da LBA. Os bens ambientais são bens de fruição colectiva, metaindividuais e metageracionais ─ a afectação da sua integridade,

Operando a transposição da directiva 79/409/CEE, do Conselho, de 2 de Abril, com alterações; e da directiva 92/43/CEE, do Conselho, de 21 de Maio, com alterações (que suportam a rede Natura 2000). O DL 140/99 foi objecto de uma segunda alteração pelo DL 156-A/2013, de 8 de Novembro. 4

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COMPENSAÇÃO ECOLÓGICA, SERVIÇOS AMBIENTAIS E PROTECÇÃO DA BIODIVERSIDADE

no sentido da destruição ou degradação, ainda que possa ser de difícil quantificação, não pode ficar impune. O lesante deve reconstituir in natura a situação que existiria à data da lesão ou, não sendo tal possível, compensar por equivalente. Na compensação ex ante, em contrapartida, o dano não se consumou ainda, mas o projecto da intervenção planeada permite aferir a sua inevitabilidade e estimar a sua intensidade. O futuro lesante vê-se, portanto, obrigado a compensar na medida do dano que virá a produzir, uma vez que a reconstituição natural fica, por definição, afastada. Se é certo que a fixação das medidas compensatórias constitui cláusula modal do acto autorizativo5, também é verdade que a

sua

implementação

será

normalmente

subsequente

(ou

contemporânea) da verificação do dano, podendo eventualmente vir a rectificar-se a estimativa inicial em função do dano efectivamente produzido, para mais ou para menos – cfr. infra, 1.2.4. a). O princípio da responsabilização parece, assim, constituir identicamente o fundamento da compensação ex ante, uma vez que quando a medida compensatória se materializa, o dano já terá mesmo ocorrido ou estará em curso. Embora o RCNB autonomize um princípio de compensação [no artigo 4º/d)], traduzindo-se este no instituto a que se refere o artigo 36º do mesmo diploma, não se vislumbra aqui qualquer diferença do princípio da responsabilização6. Diversa começou por ser a natureza do instituto no ordenamento jusambiental brasileiro7. Aí, ao operador que desejasse promover a realização de projectos em unidades de conservação integradas no 5

Já assim entendia a primeira autora em Uma mão cheia de nada…, cit., pp.

28-29. 6 Diversa seria a nossa opinião se o legislador tivesse falado em usuário-pagador, na medida em que o RCNB admite a fixação de taxas de acesso às zonas protegidas "destinadas a contribuir para o financiamento da conservação da natureza e da biodiversidade e para regular naquelas áreas o impacte da presença humana" (artigo 38º do RCNB). 7 Desenvolvidamente sobre o modelo brasileiro de compensação, Hortênsia GOMES PINHO, Prevenção e reparação de danos ambientais, Rio de Janeiro, 2010, pp. 389 segs.

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sistema de protecção da natureza as quais induzissem “significativo impacto ambiental”, começou por ser exigido o pagamento de um montante pecuniário, que a versão original do artigo 36º da Lei 9.985, de 18 de Julho de 20008 fixava em nunca inferior a 0,5% do investimento total. Tal indexação do valor de compensação ao custo do empreendimento (e não ao custo de recuperação de unidades ambientais equivalentes) foi considerada inconstitucional na acção directa de inconstitucionalidade 3378 (ADI decidida pelo Plenário do Supremo Tribunal Federal em 20 de Junho de 20089) quer do ponto de vista procedimental por atentar contra os princípios do contraditório e ampla defesa ─ ou seja, o procedimento equitativo ─, quer do ponto de vista material, por violar o princípio da proporcionalidade na vertente da adequação. O atentado à proporcionalidade derivaria de que a compensação se traduz numa restrição ao direito de propriedade

vinculada

ao

dever

de

proteger

o

ambiente,

constitucionalmente inscrito no artigo 225º da CF88, e à consequente responsabilização por danos. Daí que o cálculo da compensação deva ser feito em função do dano projectado e não do investimento realizado (na reformulação do STF, “sendo [o montante de recursos a ser destinado pelo empreendedor para esta finalidade] fixado pelo órgão ambiental licenciador, de acordo com o grau de impacto ambiental causado pelo empreendimento”)10.

Diploma que institui o Sistema Nacional de Unidades de Conservação ─ regulamentado pelo Decreto 4340, de 22 de Agosto de 2002, alterado pelo Decreto 5.566/05, de 26 de Outubro de 2005. 9 Texto da ADI disponível em http://www.stf.jus.br/portal/peticaoInicial/verPeticaoInicial.asp?base=ADIN&s1= 3378&processo=3378 10 Violando a decisão do STF, sobreveio uma alteração do Decreto 4.340 pelo Decreto 6.848, de 14 de Maio de 2009, no qual se desconsiderou (ainda que dissimuladamente) o juízo de inconstitucionalidade relativo ao cálculo em proporção do investimento realizado, repondo-o através do novo artigo 31A. Este dispositivo aponta para a equação baseada no produto do grau de impacto (no valor de 0 a 0,5%) vezes o valor de referência (somatório dos investimentos realizados para a implantação do projecto) ― cfr. José MARCOS DOMINGUES e Júlia ARAÚJO CARNEIRO, A compensação SNUC, a ADI nº 3.378 e o Decreto 6.848/09: novos desdobramentos, in Interesse Público, nº 64, 2010, pp. 233 segs, 239-240. 8

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COMPENSAÇÃO ECOLÓGICA, SERVIÇOS AMBIENTAIS E PROTECÇÃO DA BIODIVERSIDADE

A primeira versão do artigo 36º apontava claramente para uma medida fundada no princípio do poluidor-pagador (o Supremo Tribunal Federal fala em "usuário-pagador"), enquanto a versão introduzida pela ADI se filia, cremos, no princípio da responsabilização, pois aí se rectifica o texto do artigo 36º no sentido de que compete "ao órgão licenciador fixar o quantum da compensação, de acordo com a compostura do impacto ambiental a ser dimensionado no relatório ― EIA/RIMA". Note-se que a expressão inicial indiciava uma natureza estritamente fiscal, desligada do impacto/dano ambiental e vinculada ao volume de investimento do operador11 ─ descartando mesmo as implicações ecológicas do projecto na ponderação (v.g., se era uma instalação de produção de electricidade a partir de fontes renováveis; se se tratava de um projecto turístico ambientalmente amigo). A formulação rectificada faz depender o cálculo da compensação do dano projectado no estudo de impacto ambiental, o que casa as medidas de compensação com o princípio da responsabilização. 1.2. A compensação ecológica ex ante: O mecanismo da compensação ecológica encontra a sua origem na Convenção Ramsar sobre zonas húmidas, de 1971, tendo vindo a merecer posteriores e pontuais concretizações noutros instrumentos. 1.2.1. Na Convenção Ramsar (1971)12; A Convenção Ramsar foi assinada em 1971, no Irão, no intuito de intensificar a protecção das chamadas zonas húmidas de importância internacional e de lhes assegurar uma gestão racional13. A lógica do Neste sentido, José MARCOS DOMINGUES e Júlia ARAÚJO CARNEIRO, A compensação SNUC,…, cit., pp. 236-238. 12 Sobre a Convenção, cujo nome "oficial" é Convention on Wetlands of International Importance, especially as waterfowl habitat, veja-se o site: http://www.ramsar.org/cda/en/ramsar-home/main/ramsar/1_4000_0__ 13 A Convenção, que entrou em vigor em Dezembro de 1975, conta hoje com 168 ratificações, e levou à qualificação de 2.143 áreas, num total de 205,530,026 11

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documento é, em coerência com os objectivos de prevenção e uso ambientalmente adequado, evitar a destruição ou deterioração de zonas húmidas, em razão do seu potencial ecológico; no entanto, aceitando

a

inevitabilidade

de

algumas

intervenções

e

numa

perspectiva realista (de resto, confirmada pela afirmação da soberania do Estado sobre as zonas classificadas, apesar da classificação: artigo 2/3)

prevê

que

o

sacrifício

de

uma

zona

possa

acontecer,

excepcionalmente e com fundamento em imperiosos motivos de interesse nacional, em troca da criação de novas zonas húmidas. Na formulação do artigo 4 da Convenção, "2. Where a Contracting Party in its urgent national interest, deletes or restricts the boundaries of a wetland included in the List, it should as far as possible compensate for any loss of wetland resources, and in particular it should create additional nature reserves for waterfowl and for the protection, either in the same area or elsewhere, of an adequate portion of the original habitat".

Mesmo tendo em consideração a natureza flexível que uma convenção multilateral internacional deve revestir ─ tanto mais acentuada quanto a preocupação com a protecção ambiental em 1971 estava a despontar ─, não podemos deixar de assinalar dois aspectos desta norma que nos parecem negativos: por um lado, o facto de a obrigação de compensação ser "as far as possible", abrindo uma ampla margem de ajustamento por parte dos Estados (e operadores económicos) ─ melhor teria sido utilizar "as whole as possible"; por outro lado, o facto de o dispositivo ser excessivamente aberto no que toca à localização da zona de compensação ("… either in the same area or elsewhere…"), descurando a observância de uma regra de ouro na conservação da biodiversidade: o respeito pelo continuum naturale.

hectares. Teve duas alterações, em 1982 (Protocolo de Paris) e 1987 (Emendas Regina), que não incidiram sobre a solução da compensação.

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COMPENSAÇÃO ECOLÓGICA, SERVIÇOS AMBIENTAIS E PROTECÇÃO DA BIODIVERSIDADE

1.2.2. Nas directivas aves e habitats O Direito da União Europeia não é imune ao instituto da compensação ex ante, embora a primeira expressão apenas tenha surgido em 1992, com a directiva habitats. Na verdade, a directiva 79/409/CEE, do Conselho, de 2 de Abril, relativa à conservação das aves selvagens, já previa uma cláusula derrogatória das restrições e proibições de venda e captura das aves listadas, embora não contivesse qualquer referência a compensação por afectação de habitats das mesmas (expressamente merecedores de protecção, nos termos do artigo 4 da directiva). Curiosamente, o artigo 4/2 da directiva 79/409/CEE contém uma alusão clara ao regime da Convenção de Ramsar, mas apenas no sentido da articulação da classificação entre

habitats

protegidos

e zonas

húmidas14. Só mais de uma década transcorrida, com a directiva habitats (directiva 92/43/CEE, do Conselho, de 21 de Maio), viria a figura da compensação ex ante a tomar forma no ordenamento jurídico europeu. O artigo 6/4 acolhe-a. A centralidade deste artigo 6 na operacionalidade do sistema de protecção gizado pela directiva justifica a sua citação integral: "1. Em relação às zonas especiais de conservação, os Estados-membros fixarão as medidas de conservação necessárias, que poderão eventualmente implicar planos de gestão adequados, específicos ou integrados noutros planos de ordenação, e as medidas regulamentares, administrativas ou contratuais adequadas que satisfaçam as exigências ecológicas dos tipos de habitats naturais do anexo I e das espécies do anexo II presentes nos sítios. 2. Os Estados-membros tomarão as medidas adequadas para evitar, nas zonas especiais de conservação, a deterioração dos habitats naturais e dos habitats de espécies, bem como as perturbações que atinjam as espécies para as quais as zonas foram designadas, na medida em que essas perturbações possam vir a ter um efeito significativo, atendendo aos objectivos da presente directiva. 14 Sublinhe-se que a União Europeia não é parte na Convenção de Ramsar, embora tenha ratificado outros instrumentos de tutela internacional da biodiversidade. Cfr. o Anexo III da Comunicação da Comissão ao Conselho, ao Parlamento e ao Comité Económico e Social Integrar o ambiente e o desenvolvimento sustentável na política de cooperação económica e para o desenvolvimento. Elementos de uma estratégia global, COM(2000) 264 final, 18 de Maio de 2000, disponível em http://eurlex.europa.eu/LexUriServ/LexUriServ.do?uri=COM:2000:0264:FIN:PT:PDF

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INSTITUTO DE CIÊNCIAS JURÍDICO-POLÍTICAS 3. Os planos ou projectos não directamente relacionados com a gestão do sítio e não necessários para essa gestão, mas susceptíveis de afectar esse sítio de forma significativa, individualmente ou em conjugação com outros planos e projectos, serão objecto de uma avaliação adequada das suas incidências sobre o sítio no que se refere aos objectivos de conservação do mesmo. Tendo em conta as conclusões da avaliação das incidências sobre o sítio e sem prejuízo do disposto no nº 4, as autoridades nacionais competentes só autorizarão esses planos ou projectos depois de se terem assegurado de que não afectarão a integridade do sítio em causa e de terem auscultado, se necessário, a opinião pública. 4. Se, apesar de a avaliação das incidências sobre o sítio ter levado a conclusões negativas e na falta de soluções alternativas, for necessário realizar um plano ou projecto por outras razões imperativas de reconhecido interesse público, incluindo as de natureza social ou económica, o Estado-membro tomará todas as medidas compensatórias necessárias para assegurar a protecção da coerência global da rede Natura 2000. O Estado-membro informará a Comissão das medidas compensatórias adoptadas. No caso de o sítio em causa abrigar um tipo de habitat natural e/ou uma espécie prioritária, apenas podem ser invocadas razões relacionadas com a saúde do homem ou a segurança pública ou com consequências benéficas primordiais para o ambiente ou, após parecer da Comissão, outras razões imperativas de reconhecido interesse público".

O artigo 6/4 da directiva espelha a lógica da Convenção de Ramsar, mas é igualmente insuficiente no que tange aos

critérios de

compensação e aos locais de compensação (sem embargo da referência à "coerência global da rede Natura 2000"). A norma é muito aberta e tem sido objecto de algumas decisões do TJUE, mas nem estas deixaram mais claros os aspectos apontados. Certo, da jurisprudência do TJUE resulta a excepcionalidade da compensação a qual, na maioria das hipóteses, corresponderá a uma desafectação da zona integrada na rede Natura, quebrando-se assim o continuum naturale, ou a coerência da rede15 ─ mas nada se avança quanto à metodologia de compensação por elemento equivalente, nem quanto ao perímetro geográfico a ter em conta na intervenção compensatória. Foi a Comissão que, em 2007, num documento de orientação, estabeleceu algumas premissas quanto à implementação de medidas

Cfr. o caso C-57/89 (Comissão contra a Alemanha), acórdão do TJUE de 28 de Fevereiro de 1991. 15

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COMPENSAÇÃO ECOLÓGICA, SERVIÇOS AMBIENTAIS E PROTECÇÃO DA BIODIVERSIDADE

compensatórias nas áreas de rede Natura 200016. Vale a pena determonos um pouco na sua análise. A Comissão começa por sublinhar, no Guidance document (ponto 1.2.1.), que a autorização de projectos que possam causar impactos significativos em sede de rede Natura 2000 é excepcional, devendo ser justificada por apelo, primeiro, ao supremo interesse nacional na concretização do projecto e, segundo, à total ausência de alternativas viáveis (a jurisprudência do TJUE contribuiu para esta afirmação de princípio). Estabelecidas estas bases, cumpre ainda verificar se a severidade do dano não é minimizável ― degradando-o em não significativo e dispensando assim as medidas compensatórias. Por fim, atestada a inevitabilidade do dano ― certo ou não excluível com base na melhor informação disponível ―, as razões de imperioso interesse público que devem prevalecer sobre os interesses ecológicos hão-de ser especial e fundamentadamente apresentadas, bem como descritas as medidas compensatórias que visam colmatar o prejuízo ecológico superveniente. Fundamental para a correcta percepção do âmbito e conteúdo das medidas compensatórias é a adequada avaliação de impacto ambiental. Por outras palavras, a “leitura” biológica, com base na melhor informação disponível, do estado do sítio no qual se fará a intervenção é pressuposto essencial à aferição dos previsíveis danos, cuja eclosão deve demonstrar-se ser inevitável, quer em termos de isolamento daquela alternativa como única viável, quer no plano da sua minimização e redução ao mínimo indispensável. O Guidance document

dá claras indicações para a composição de uma

“avaliação adequada” (ponto 1.3.), na qual se deverá abordar:

Cfr. Guidance document on Article 6(4) of the 'Habitats Directive' 92/43/EEC : "Managing Natura 2000 sites. The provisions of Article 6 of the 'Habitats' Directive 92/43/EEC" (2007-2012) ― Clarification of the concepts of: alternative solutions, imperative reasons of overriding public interest, compensatory measures, overall coherence: Opinion of the Commission, Versão revista em 2012, disponível em http://ec.europa.eu/environment/nature/natura2000/management/guidance_en.htm 16

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“- A estrutura e função do sítio e dos respectivos componentes biológicos; - A área, representatividade e estado de conservação dos habitats, prioritários e não prioritários; - O tamanho da população, o estado de isolamento, o ecotipo, grupo genético, idade e estrutura da classe, e o estado de conservação das espécies dos Anexo II da directiva habitats e do Anexo I da directiva aves presentes; - A importância do sítio para a região biográfica e para a coerência da rede Natura 2000; - Quaisquer outros componentes ecológicos presentes e suas funções”. Como veremos, a similitude destes factores com os dados requeridos no âmbito da reparação de danos ecológicos (à biodiversidade) no contexto do RPRDE é grande. Compensar ex ante traduz-se em reparar um dano por equivalente, o que justifica a aproximação. Este dano, no entanto, por ser imperativo evitar a todo o custo mas que um superior interesse pode justificar, deve ser suportado por uma segunda ponderação, conforme sublinha a Comissão. Ou seja, à primeira avaliação, que redunda num juízo negativo, deve suceder-se uma segunda

ponderação,

agora

numa

vertente

estrita

de

indispensabilidade da realização do projecto em face de concretos interesses públicos superiores e na redemonstrada ausência de alternativas, contra a implementação de medidas compensatórias 17. As medidas compensatórias devem ser decretadas no contexto da “coerência global da rede Natura 2000”, uma fórmula que a Comissão tenta circunscrever no ponto 1.4.2. do Guidance document. Para atingir este desiderato, as medidas compensatórias devem: aplicar-se, em 17 « Specifically, the logic and rationale of the assessment process requires that if a negative impact is foreseen then an evaluation of alternatives should be carried out as well as an appreciation of the interest of the plan/project in relation to the natural value of the site. Once it is decided that the project/plan should proceed, then it is appropriate to move to a consideration of compensation measures. This approach has also been confirmed in the opinion given by the advocate general in the case C 239/04 (paragraph 35)» (ponto 1.4.1.).

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COMPENSAÇÃO ECOLÓGICA, SERVIÇOS AMBIENTAIS E PROTECÇÃO DA BIODIVERSIDADE

proporções comparáveis ao dano provocado, a espécies e habitats similares aos afectados e promover funções idênticas àquelas que justificaram a classificação das espécies e habitats lesados, tendo em especial consideração a localização geográfica. A Comissão enfatiza que a contiguidade geográfica pode não ser requisito essencial para a realização adequada das medidas desde que o sítio a recuperar ou incrementar tenha características similares ao sacrificado, mesmo que em zona geográfica diversa. A Comissão estabelece sete tipos de critérios que devem presidir ao decretamento de medidas compensatórias (cfr. o ponto 1.5. do Guidance document em apreço): a) Que seja orientada para a reposição da integridade biológica dos componentes

afectados

noutro

local18.

A

Comissão

realça

a

preferência absoluta por prestações de facere imediatas e a excepcionalidade de constituição de fundos, mesmo que afectos à realização de medidas compensatórias futuras; b) Que seja efectiva. Ficando a concretização do projecto na dependência da contrapartida ecológica do custo provocado, a compensação tem que ser real e não puramente teórica, devendo estudar-se várias alternativas e escolher-se a que demonstrar melhores possibilidades de sucesso. Isto significa que a execução das medidas deve ser monitorizada e garantida a sua boa performance do ponto de vista ecológico;

Com vista à consecução deste objectivo, a Comissão ressalta a importância de identificar (ponto 1.5.1.):  « the total numbers of species affected;  the principle species affected and the broad proportion of the total population(s) that these occur in;  the principle function(s) of the habitats that will be adversely affected that the species depend on e.g. feeding, roosting, etc;  the likely populations of species and the habitat functions at favourable conservation status;  the measures needed to offset the damage to the habitat functions and species affected so that they are restored to a state that reflects the favourable conservation status of the area affected ». 18

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c) Que seja tecnicamente viável. Cada conjunto de medidas compensatórias deve obedecer a estudos baseados na melhor informação técnico-científica disponível e seguir uma metodologia de abordagem do caso concreto, em toda a sua especificidade; d) Que seja suficiente. O Guidance document realça a necessidade de a proporção da compensação ser aferida caso a caso, pois a hipótese

de

sucesso

das

medidas

varia

muito

consoante

os

componentes ambientais em jogo, a sua raridade, as suas interacções. Em regra, a compensação adequada deverá ser sempre superior ao ratio 1:1, pois as possibilidades de insucesso na relocalização de espécies e habitats e na reprodução de condições de existência únicas são altas; e) Que seja adequadamente localizada. Já se referiu que a contiguidade geográfica não é uma exigência absoluta mas a continuidade

biogeográfica

é

uma

condição

inequivocamente

preferencial. A Comissão sublinha também que as medidas hão-de recair sobre uma zona com idêntico potencial de desenvolvimento à zona afectada, podendo ser já integrada na rede Natura 2000 ou vir a integrá-la, após a realização das medidas. Em contrapartida, não devem realizar-se medidas compensatórias que minimizem os valores de áreas de rede Natura 2000 já existentes; f) Que seja temporalmente adequada. A perspectiva do Guidance document é a de que as medidas compensatórias devem, de preferência, estar concluídas ― pelo menos no que toca ao início de execução e existência de plano de gestão ― no momento em que o projecto tem início, para que não haja sequer perdas interinas. Os diferentes tempos da natureza e do Homem podem, no entanto, levar a que a compensação se prolongue no tempo e ultrapasse até a fase de instalação do projecto, pelo que pode haver lugar á fixação de medidas compensatórias das perdas interinas; g)

Que

seja

implementação

revisível de

longo

em

face

curso

de

novas

implica,

circunstâncias.

segundo

o

A

Guidance 48

COMPENSAÇÃO ECOLÓGICA, SERVIÇOS AMBIENTAIS E PROTECÇÃO DA BIODIVERSIDADE

document, uma articulação entre o regime de fiscalização das medidas compensatórias e o regime de reparação do dano ecológico ― ou seja, o facto de elas serem fixadas e cumpridas não significa que, em

razão

de

circunstâncias

supervenientes,

não

devam

ser

actualizadas, sob pena de penalizações aos Estados e imputação de responsabilidade por danos “a descoberto”. 1.2.3. Na legislação nacional sobre protecção da Natureza Portugal incorporou o tecido normativo relativo à rede Natura 2000 através do RRN, cujo artigo 10º/12 refere a figura das medidas compensatórias. O regime aponta para a sua natureza excepcional e de ultima ratio: em princípio, intervenções em áreas de rede Natura 2000 (ou contíguas, desde que o impacto lesivo se estenda a estas) são proibidas, sempre que se não reflictam imediatamente em infraestruturas ou equipamentos de apoio e possam ter efeitos nefastos na manutenção

do

equilíbrio

ecológico

da

zona

protegida.

Excepcionalmente, por razões "imperativas de reconhecido interesse público, incluindo de natureza social ou económica"19, devidamente reconhecidas ao nível ministerial, e depois de constatada a absoluta ausência de alternativas, uma intervenção com efeitos adversos significativos poderá ser autorizada20, desde que acompanhada da prescrição de medidas compensatórias "necessárias à protecção da Conforme explicita a Comissão no Guidance document referenciado, estas razões devem revestir manifesto interesse público, independentemente de o projecto ser prosseguido por entidades públicas ou privadas (ponto 1.3.). O documento sublinha os dois pólos de relevância do interesse: ser « overriding» (no sentido de poder prevalecer sobre a magnitude de um interesse ecológico que se traduz numa « Community’s natural heritage »), e ser « long term » (na perspectiva de duração do retorno do projecto contra a durabilidade do efeito ecológico que se sacrifica). 20 Sobre esta possibilidade de derrogação do efeito preclusivo da DIA (desfavorável), veja-se Tiago ANTUNES, Singularidades de um regime ecológico. O regime jurídico da rede Natura 2000 e, em particular, as deficiências da análise de incidências ambientais, in No Ano Internacional da Biodiversidade. Contributos para o estudo do Direito da protecção da biodiversidade, coordenação de Carla Amado Gomes e Tiago Antunes, e-book publicado pelo ICJP, disponível in http://www.icjp.pt/system/files/files/e-book/ebook_completo/ebook_biodiversidade2.pdf - ISBN: 978-989-97410-2-7, pp. 147 segs, 208 segs. 19

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coerência global da rede Natura 2000" (artigo 10º/10 e 12) 21. Caso a lesão projectada incida sobre espécies e/ou habitats prioritários (ou seja, especialmente frágeis), as condições de autorização excepcional agravam-se, devendo a intervenção basear-se exclusivamente ou na salvaguarda da segurança e saúde públicas; ou numa contrapartida "primordial" para o ambiente; ou em outras razões, igualmente imperativas de interesse público, que deverão ser reconhecidas ao nível da União, através de parecer prévio da Comissão Europeia (artigo 10º/11 e 12). Em qualquer caso, as medidas adoptadas deverão ser comunicadas à Comissão Europeia. No

RCNB,

abre-se

identicamente

espaço

às

medidas

compensatórias, no artigo 36º (cuja epígrafe é: Instrumentos de compensação ambiental)22, que passamos a transcrever: "1 — A conservação da natureza e da biodiversidade pode ser promovida através de instrumentos de compensação ambiental que visam garantir a satisfação das condições ou requisitos legais ou regulamentares de que esteja dependente a execução de projectos ou acções, nomeadamente decorrentes do regime jurídico da avaliação de impacte ambiental ou do regime jurídico da Rede Natura 2000. 2 — Sem prejuízo do disposto no número seguinte, a compensação ambiental concretiza-se pela realização de projectos ou acções pelo próprio interessado, previamente aprovados e posteriormente certificados pela autoridade nacional, que produzam um benefício ambiental equivalente ao custo ambiental causado. 3 — Mediante iniciativa e financiamento pelo interessado, dependente de acordo com a autoridade nacional, a compensação ambiental pode também ser concretizada através da realização de projectos ou acções pela autoridade nacional. 4 — Sempre que nos termos do número anterior haja lugar a financiamento pelo interessado de projectos ou acções a realizar pela autoridade nacional, os pagamentos em causa ficam obrigatoriamente adstritos às finalidades de compensação ambiental que lhes subjazem".

21 Pascale STEICHEN (La responsabilité environnementale dans les sites Natura 2000, in REDE, 2009/3, pp. 247 segs, 261) aponta o exemplo destas intervenções absolutamente excepcionais como a única derrogação à aplicação do regime de responsabilidade civil por dano ecológico em zona de rede Natura 2000. 22 Assinale-se que a Rede Regional de Áreas Protegidas dos Açores, criada pelo DLR 15/2007/A, de 25 de Junho, não contemplava qualquer disposição semelhante ao artigo 36º do RCNB. O novo regime, aprovado pelo DLR 15/2012/A, de 2 de Abril, apenas as contempla em sede estrita de protecção de áreas incluídas na rede Natura 2000 ― cfr. o artigo 23º/3 e 4.

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COMPENSAÇÃO ECOLÓGICA, SERVIÇOS AMBIENTAIS E PROTECÇÃO DA BIODIVERSIDADE

Este dispositivo, diferentemente do artigo 10º supra citado, dirige-se a particulares, embora, como se estabelece nos nº 3 e 4, a realização da intervenção compensatória possa ser realizada por entidade pública e custeada pelo promotor da intervenção lesiva ─ imagina-se que esta hipótese se destina a possibilitar a intervenção quando esta recair em espaço cujo domínio (maxime, titularidade) o interessado não detém (podendo ser público ou privado23). Continua, no entanto, a não avançar quaisquer critérios que possam nortear a Administração na fixação destas medidas, que deverão ser aprovadas e certificadas pelo Instituto da Conservação da Natureza e das Florestas, I.P. (autoridade nacional, nos termos do artigo 8º/1/a) do RCNB24 = ICNF), apenas se limitando a afirmar que devem produzir "um benefício ambiental equivalente ao custo ambiental causado". A fonte de inspiração para ir beber tais critérios seria, decerto, o RRN ─ que os omite. O nº 1 deste artigo 36º bem para ele remete, mas o esforço é inglório. Mais estranha é a remissão para o regime da avaliação de impacto ambiental, pois que se trata de um mecanismo de aplicação geral, a impactos

de

todas

as

ordens

e não

especificamente os relativos à biodiversidade. Acresce que o artigo 43º do DL 151-B/2013, de 31 de Outubro (regime da avaliação de impacto ambiental =RAIA), em cuja epígrafe se lê "Medidas compensatórias", se Normalmente, tenderá a ser público uma vez que as operações de compensação ecológica constituem uma valorização do imóvel se traduzem num enriquecimento do seu titular, cujo ainda que involuntário locupletamento não pode rebater-se junto de nenhuma entidade. 24 Refira-se que o Instituto da Conservação da Natureza e da Biodiversidade, I.P., foi substituído, na nova orgânica do Ministério da Agricultura, Mar, Ambiente e Ordenamento do Território, adoptada pelo DL 7/2012, de 17 de Janeiro, pelo Instituto da Conservação da Natureza e das Florestas, I.P. [artigo 5º/1/b)]. O DL 119/2013, de 21 de Agosto, ao aprovar a nova orgânica do XIX Governo constitucional decorrente das remodelações ministeriais de Julho de 2013, cindiu o Ministério da Agricultura, Mar, Ambiente e Ordenamento do Território em dois ― e afectou a política de Energia ao Ministério do Ambiente (com orgânica aprovada pelo DL 17/2014, de 4 de Fevereiro). Assim, temos hoje, por um lado, o Ministério do Ambiente, Ordenamento do Território e Energia, e o Ministério da Agricultura e Mar, por outro lado. Conjuntamente, estes dois Ministérios exercem a tutela sobre o ICNF, I.P. (cfr. o artigo 16º-A/4 do DL 119/2013) ― uma repartição que certamente agravará a complexidade de resolução das questões relacionadas com a tutela da biodiversidade. 23

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INSTITUTO DE CIÊNCIAS JURÍDICO-POLÍTICAS

reporta à compensação ex post, na sequência de uma infracção cujos efeitos lesivos o agente não consegue restaurar in natura. Ora, sendo o RAIA anterior ao RPRDE (quer na versão original, quer na revista), a articulação que o legislador teve em mente foi certamente com a LBA ─ e esta aponta para uma compensação in pecunia, bem diferente daquela a que o RRN ou o RCNB se reportam. O artigo 36º do RCNB representa, no entanto, um avanço na uniformização

da

obrigação

de

compensação

do

dano

à

biodiversidade, pois equipara o regime de compensação na rede Natura 2000 às restantes áreas, eliminando assim a possibilidade de gradações entre espécies de fauna e flora e respectivos habitats consoante a sua natureza, puramente interna ou também europeia. Descartando a metodologia das autorizações que envolvam sacrifício de espécies e habitats prioritários no seio da rede Natura 2000 por razões de interesse público diversas das indicadas nas alíneas a) e b) do nº 11 do artigo 10º do RRN ─ que envolverá uma fundamentação específica, com invocação de motivos restritos, e ficará sujeita a tutela integrativa a priori da Comissão Europeia, através de parecer prévio ─, o regime das medidas compensatórias (seja lá o que for) valerá para ambos os sistemas de protecção (que, aliás, se reconduzem ao Sistema Nacional de Protecção da Natureza). Sendo certo, porém, que as medidas compensatórias aplicadas no seio do subsistema Natura 2000 deverão ser comunicadas à Comissão Europeia. Ou seja, só "razões imperativas de reconhecido interesse público" ─ nos termos do artigo 10º/10 do RRN ─ poderão justificar uma intervenção em área protegida, cuja validade fica dependente da aprovação e certificação das medidas compensatórias que dela são "contrapartida" pela Autoridade Nacional, quando estas não sejam levadas a cabo pela própria Autoridade (artigo 36º/2 do RCNB). Sublinhe-se a bipolaridade deste procedimento: por um lado, temos um reconhecimento

de

valores,

em

concreto

e

no

contexto

socioeconómico, de natureza essencialmente política, que há-de ser 52

COMPENSAÇÃO ECOLÓGICA, SERVIÇOS AMBIENTAIS E PROTECÇÃO DA BIODIVERSIDADE

realizado pela entidade que classificou a área protegida em causa (uma vez que a intervenção a que o reconhecimento desses valores dará azo implicará uma desafectação/desclassificação implícita da parcela em causa, por destruição e/ou degradação dos valores ambientais sustentáculo da classificação)25. Questionável é saber se tal desclassificação

opera

através

do

mesmo

ritual

procedimental,

nomeadamente se envolve prévia discussão pública. Cremos que isso deveria acontecer, mas tal não decorre do texto da lei ─ dir-se-ia que a lei aligeira a "desclassificação", remetendo para a Autoridade Nacional a avaliação periódica das áreas protegidas de âmbito regional e local, podendo integrá-las em áreas nacionais ou exclui-las do Sistema Nacional, ou seja, desclassificando-as por perda dos valores relevantes de biodiversidade que justificaram a integração (cfr. o artigo 15º/5 e 6 do RCNB).

Nos termos dos artigos 9º segs do RCNB, o Sistema Nacional de Áreas Protegidas é composto por áreas de rede Natura 2000, por áreas decorrentes de classificações estabelecidas em instrumentos internacionais dos quais Portugal é signatário, e ainda por áreas protegidas nacionais. No território continental, estas podem revestir a forma de parque nacional, parque natural, reserva natural, paisagem protegida e monumento natural. À excepção das primeiras, todas as outras podem ser regionais ou locais (cfr. o artigo 11º do RCNB). As áreas de âmbito nacional são classificadas por decreto-regulamentar (artigo 14º/3 do RCNB); as de âmbito regional por acto do órgão deliberativo da associação de municípios (artigo 15º/2 do RCNB) e as de âmbito local, pela assembleia municipal (artigo 15º/2 do RCNB), todas antecedidas de consulta pública, anunciada com uma antecedência mínima de 10 dias, em aviso a publicar no Diário da República ou nos locais de estilo, não devendo ter duração inferior a 20 nem superior a 30 dias (artigo 15º/3 do RCNB). Para a Madeira, vejam-se, sobretudo, o Decreto Regional 14/82/M, de 10 de Novembro (cria o Parque Natural da Madeira), e o DLR 11/85/M, de 23 de Maio (define as medidas preventivas, disciplinares e de preservação do Parque Natural da Madeira) ― veja-se também o DLR 14/90/M, de 23 de Maio (cria a Área de protecção especial das Ilhas Selvagens, aletrado pelo DLR 9/95/M, de 20 de Maio) e o DLR 32/2008/M, de 13 de Agosto (cria a rede de áreas protegidas marinhas de Porto Santo e respectivo regime jurídico); para os Açores, o recente DLR 15/2012/A, de 2 de Abril. Sobre o anterior sistema de protecção regional da biodiversidade açoriana, veja-se Rui CORDEIRO, Os desafios da tutela da biodiversidade na região autónoma dos Açores: um trilho a seguir?, in No Ano Internacional da Biodiversidade. Contributos para o estudo do Direito da protecção da biodiversidade, coordenação de Carla Amado Gomes, e-book publicado pelo ICJP, disponível in http://www.icjp.pt/system/files/files/e-book/ebook_completo/ebook_biodiversidade2.pdf - ISBN: 978-989-97410-2-7, pp. 113 segs. 25

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INSTITUTO DE CIÊNCIAS JURÍDICO-POLÍTICAS

Uma vez reconhecido o interesse ─ económico, social ou mesmo ambiental ─ relevante justificativo da intervenção lesiva, pública ou privada, deverão ser fixadas as medidas de compensação a aplicar, a decidir pela Autoridade Nacional26. Deter-nos-emos sobre esta fixação e sobre a sua relação com o acto autorizativo no ponto seguinte mas, por ora, gostaríamos de chamar a atenção para que pode haver medidas de compensação fixadas por outras entidades e sujeitas a pressupostos mais restritivos, desde que a lei expressamente assim determine. Um exemplo encontra-se no repristinado DL 169/2001, de 25 de Maio [por força da revogação do DL 254/2009, de 24 Setembro (o nado-morto Código Florestal), pela Lei 12/2012, de 13 de Março], que admite a fixação de medidas compensatórias de corte de sobreiros e azinheiras sob invocação de razões de “imprescindível utilidade pública e de relevante e sustentável interesse para a economia local” (no caso de empreendimentos agrícolas). Vale a pena reportar aqui o conteúdo da norma (artigo 8º)27, confrontando-a com o artigo 36º do RCNB: "Artigo 8º (Manutenção da área de sobreiro e azinheira) 1 — O Ministro da Agricultura, do Desenvolvimento Rural e das Pescas [hoje, Ministério do Ambiente, do Ordenamento do Território e da Energia] condicionará a autorização de corte ou arranque de sobreiros e azinheiras em povoamentos, determinando como forma compensatória, sob proposta da Direcção-Geral das Florestas [hoje, ICNF] 28, medidas específicas para a constituição de novas áreas de povoamento ou beneficiação de áreas existentes, devidamente geridas, expressas em área ou em número de árvores. 2 — A constituição de novas áreas de sobreiros ou azinheiras ou a beneficiação de áreas preexistentes devem efectuar-se em prédios rústicos pertencentes à entidade proponente, com condições edafo-climáticas adequadas à espécie e abranger uma área nunca inferior à afectada pelo corte ou arranque multiplicada de um factor de 1,25.

26 Hoje extinta, na sequência da remodelação do Ministério do Ambiente e com as competências transitadas para a esfera do Instituto da Conservação da Natureza e das Florestas, I.P. (cfr. o artigo 34º/3/h) do DL 7/2012, de 17 de Janeiro). 27 Assinale-se que o corte carecia sempre de autorização prévia, muito embora fora dos casos previstos no artigo 45º fosse necessário, acrescidamente, fazer declarar a imprescindível utilidade pública dos cortes, nos termos do artigo 113º do Código. 28 A Direcção-Geral das Florestas foi posteriormente qualificada como Autoridade Florestal Nacional, actualmente extinta, na sequência da remodelação do Ministério do Ambiente. As suas competências transitaram para a esfera do Instituto da Conservação da Natureza e das Florestas, I.P. (cfr. o artigo 34º/3/h) do DL 7/2012, de 17 de Janeiro).

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COMPENSAÇÃO ECOLÓGICA, SERVIÇOS AMBIENTAIS E PROTECÇÃO DA BIODIVERSIDADE

3 — Para a elaboração da proposta a apresentar à tutela, a Direcção-Geral das Florestas [ICNF] deve solicitar à entidade promotora do empreendimento a apresentação de um projecto de arborização e respectivo plano de gestão e proceder, conjuntamente com a direcção regional de agricultura competente, à sua análise e aprovação. 4 — Para efeitos do disposto no nº 1, pode ainda ser exigida à entidade promotora a constituição de garantia bancária, a favor da Direcção-Geral das Florestas [ICNF], com o objectivo de assegurar o cumprimento das medidas nele previstas.

Sublinhe-se o detalhe do nº 2, indicando tanto o tipo de solo no qual devem ser implantadas as novas árvores ou beneficiadas as existentes, como a continuidade natural com a área afectada, e ainda a proporção da compensação (a multiplicar por 1.25 relativamente à área afectada)29. Acrescente-se ainda a possibilidade de exigência de uma garantia bancária ao promotor e a monitorização da operação de compensação por este. A constituição da garantia bancária poderia funcionar como penhor da boa conclusão da operação de compensação, faltando talvez uma referência mais explícita à execução subsidiária pela Direcção-Geral, hoje ICNF, em caso de incumprimento pelo promotor ou pelo terceiro ao seu serviço. Uma última nota respeita a saber se, nos espaços do sistema nacional de protecção da Natureza sujeitos também ou exclusivamente a normas de protecção oriundas de instrumentos internacionais (vide o artigo 27º do RCNB, referindo-se a "áreas abrangidas por designações de

conservação

de

carácter

supranacional"),

que

hão-de

desejavelmente ser absorvidas pelos instrumentos de gestão territorial que lhes forem aplicáveis (vide o nº 3 do artigo 27º do RCNB), poderá aplicar-se a técnica da compensação quando tal instrumento internacional a não consagre30. Entendemos que não, dado que a solução da compensação ex ante deve ser entendida restritivamente, pois claramente atenta contra a regra de ouro na matéria, que é a Sublinhe-se que o artigo 8º/2 do DL 254/2009, agora revogado, impunha uma compensação em proporção superior : 1,5. 30 Da lista de instrumentos constante do nº 2 do artigo 27º, apenas a Convenção de Ramsar consagra a técnica da compensação ecológica, como vimos supra. 29

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INSTITUTO DE CIÊNCIAS JURÍDICO-POLÍTICAS

prevenção. Assim, não existindo norma habilitativa da utilização do instrumento, ele não deve ser aceite, depreendendo-se daí uma consideração do alto grau de infungibilidade que os Estados consideraram revestir os bens naturais sujeitos à regulação. 1.2.4. A fixação de medidas compensatórias e a decisão autorizativa A previsão da figura das medidas compensatórias na textura normativa da rede Natura 2000 parece apontar para que apenas os Estados podem ficar adstritos à implementação destas – um tanto por força da presunção de que os empreendimentos a requisitá-las, na sua maioria, se traduzem em grandes intervenções, necessariamente públicas, e outro tanto porque, mesmo desenvolvidas por privados, são os Estados que, perante a União Europeia, têm o dever de cumprir e fazer cumprir as obrigações decorrentes das directivas. Tal primeira impressão falece, todavia, pois ainda que a actividade da qual decorre a compensação seja levada a cabo por privados, ela deve ser autorizada pelas entidades nacionais competentes, de acordo com os constrangimentos advenientes das vinculações eurocomunitárias. Acresce que em todas as áreas protegidas não sujeitas ao regime da rede Natura 2000, as medidas compensatórias serão igualmente exigidas, nos termos do artigo 36º da RNCB, quer a entidades públicas quer a privados. No esquema da compensação ex ante, o instrumento onde se acolhem as medidas compensatórias parece ser, por excelência, a declaração de impacto ambiental31. Deve sublinhar-se, todavia, o entendimento de que no caso de serem decretadas medidas compensatórias, tal competência pertence ao ICNF32, que deverá 31 Nos casos de dispensa do procedimento de AIA (artigo 4º do RAIA), e em todos os casos de insubmissão a AIA (por não aplicação de qualquer um dos nºs do artigo 1º do RAIA), a serem decretadas medidas compensatórias, elas deverão constar da modalidade de ponderação alternativa que no caso se aplicar. 32 Ressalte-se que o estudo de impacto ambiental apresentado pelo operador pode já contemplá-las, não escamoteando os danos futuros. Porém, esta é tendencialmente uma visão não imparcial, necessitando de ser confirmada/aditada/corrigida pelo ICNF, no âmbito do procedimento de AIA, quanto

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COMPENSAÇÃO ECOLÓGICA, SERVIÇOS AMBIENTAIS E PROTECÇÃO DA BIODIVERSIDADE

intervir no procedimento de avaliação de impacto lavrando um parecer vinculativo – situação que não resulta líquida do regime geral de AIA33, mas que se revela inquestionável em razão do disposto no artigo 36º/1 do RCNB. Com efeito, e na sequência do regime da directiva habitats supra descrito, a autorização de projectos que envolvam danos significativos em zonas protegidas nacionais e de rede Natura 2000 está “dependente” da aprovação e realização de medidas compensatórias adequadas e suficientes, “que produzam um benefício ambiental equivalente ao custo ambiental causado” (artigo 36º/2 do RCNB), a determinar pelo ICNF. Por outras palavras e ainda que a competência de emissão da DIA seja do Ministro responsável pela pasta do Ambiente, configura-se aqui uma situação de competência conjunta no que toca à determinação das medidas compensatórias, dimensão decisória esta que constitui, na verdade, uma cláusula acessória, modal, do acto autorizativo parcial em que se traduz a DIA (ou equivalente34). Acresce que o cumprimento das obrigações em que se traduz esta cláusula deverá ser certificado pelo ICNF – em momento e com efeitos que a lei não explicita. Especialmente problemático é saber em que momento e documento se inscrevem as medidas compensatórias em caso de intervenção em zona de rede Natura 2000. Isto porque o regime traçado no RRN é altamente equívoco,

aos danos à biodiversidade. Recorde-se o paralelo da reparação do dano ecológico, no âmbito do qual a APA, nos termos do artigo 16º do RPRDE, pode ― e deve ― pronunciar-se sobre o plano de reparação apresentado pelo agente (caso este o tenha elaborado). 33 Muito menos resulta líquida do excepcional procedimento de dispensa de AIA, que refere apenas as medidas de minimização (artigo 4º/4/a) do RAIA). Cremos, todavia, que a dispensa de AIA não acarreta, em razão da sua excepcionalidade, a dispensa de medidas compensatórias quando imprescindíveis à reposição, na medida de ecologicamente possível, do continuum naturale. 34 No Acórdão do TCA-Sul de 14 de Setembro de 2010 (proc. 05424/09), o Tribunal pronunciou-se sobre medidas compensatórias de abate de sobreiros (replantio) como fórmula particular de ponderação de interesses, no âmbito de um pedido de suspensão de eficácia de autorização de corte de 50 sobreiros com vista a loteamento urbano com finalidade de habitação social que não estava sujeito a AIA, por não recondução aos casos do (então) artigo 1º/3 do RAIA. Neste caso, a fixação de medidas compensatórias foi feita na declaração de utilidade pública do empreendimento, que permitiu o abate sob condição de replantio.

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INSTITUTO DE CIÊNCIAS JURÍDICO-POLÍTICAS dando azo a querelas doutrinárias e a insegurança jurídica, num domínio em que a fragilidade e importância dos valores envolvidos reclamaria maior clareza35. À primeira vista, a resposta vai no sentido de que aquelas medidas constam do instrumento que, em concreto, e nos termos do artigo 10º/2 do RRN, procede à avaliação de incidências ambientais. Porém, o regime legal aponta para um procedimento bifásico e misto em caso de avaliação desfavorável ou condicionalmente favorável (porque esta implica um risco, maior ou menor, de impacto ou mesmo dano, ou seja, é à partida desfavorável, com possibilidade de minimização/compensação da desfavorabilidade ― logo, inviabiliza o empreendimento projectado), que se traduz em fazer prevalecer um juízo político de superioridade de interesses diversos do ambiental (maxime, económicos) que não os da preservação da biodiversidade. Ora, esta prevalência deve ser demonstrada através de uma declaração ministerial que envolve o Ministro do qual emana a avaliação ambiental negativa e do(s) ministro(s) que tutelam os outros interesses em conflito, na qual se afirme a relevância de tais interesses, se confirme a inexistência de alternativas viáveis e se decrete medidas compensatórias para “neutralizar” o dano aos valores de biodiversidade em risco. Por outras palavras, a intervenção do ICNF, que num procedimento de avaliação de impacto fora de rede Natura 2000 relativo a um projecto do qual possam resultar danos ecológicos, acontecerá a pedido da Autoridade da AIA e se traduzirá num parecer vinculativo para o Ministro do Ambiente, deverá surgir, necessariamente, dentro de um procedimento de avaliação de impactos/incidências ambientais relativo a um projecto em rede Natura 2000 cuja primeira avaliação seja desfavorável ou condicionalmente favorável, como formalidade essencial do procedimento de ponderação que redundará no acto político que “trunfa” a avaliação ambiental que desaconselha a intervenção. Sublinhe-se que o ICNF até pode ter intervindo no momento avaliativo “puramente” ambiental ― mas tal intervenção deverá ser repetida uma vez que pode ter que ser revista (de uma negativa para uma positiva) ou, ainda que mantida, confirmada, em face da “desvitalização” da avaliação ambiental provocada pela decisão política de preferência de outros interesses em face do ambiental. É este acto de ponderação de interesses, do qual as medidas compensatórias constituem (nos termos do artigo 10º/11 do RRN) elemento essencial36, que vai absorver todos os passos procedimentais anteriores e constituir a pauta de actuação do proponente.

Para mais desenvolvimentos, veja-se Carla AMADO GOMES, Introdução ao Direito do Ambiente, Lisboa, 2012, pp. 133-138 36 A essencialidade das medidas compensatórias num domínio de alta vulnerabilidade como as áreas de rede Natura 2000 (insista-se nas leituras da Comissão Europeia e do TJUE) tornam obrigatória e imprescindível a emissão de pareceres pelo ICNF, bem como apontam para a sua inarredável vinculatividade. Assim, é com profunda perplexidade e preocupação que assistimos à tomada de opções legislativas que branqueiam a obrigatoriedade destes pareceres, adoptando a solução do silêncio endoprocedimental positivo (como acontece em sede de licencimento de centrais electroprodutoras em regime especial, ou seja, a partir de recursos renováveis) ― cfr. o artigo 33º-S/8 do DL 172/2006, de 23 de Agosto, alterado e republicado pelo DL 215-B/2012, de 8 de Outubro. 35

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COMPENSAÇÃO ECOLÓGICA, SERVIÇOS AMBIENTAIS E PROTECÇÃO DA BIODIVERSIDADE

A interpenetração das medidas compensatórias com a autorização do projecto levanta várias questões, de entre as quais identificaríamos: a) O efeito conformativo da cláusula inserta na DIA não só relativamente à fase de instalação do projecto como também à fase de funcionamento e mesmo desmantelamento, por força da projecção das directrizes da DIA nos actos autorizativos, parciais e finais, subsequentes (cfr. o artigo 22º do RAIA). Temos aqui em mente a possibilidade da eventual extensão da obrigação de realização de medidas compensatórias em razão de danos futuros e certos decorrentes da utilização da infra-estrutura implantada (v.g., em casos de instalações sujeitas a licença ambiental, renováveis a cada renovação desta em virtude da contínua afectação de valores de biodiversidade37). Repare-se que aceitar esta modalidade de compensação pelo funcionamento implica estabelecer uma derrogação à aplicação do regime da compensação ex post e abrir lugar a uma nova espécie de poluidor: o poluidor-compensador;

b) A eventual revisibilidade da cláusula modal, em face de circunstâncias supervenientes (cfr. os artigos 25º e 26º/6 do RAIA) – com inerente reflexão nos actos autorizativos posteriormente emitidos, maxime na decisão final. A fixação de medidas compensatórias pode sofrer alterações, não só em sede de revisão do projecto de execução em face da DIA previamente emitida sobre o anteprojecto (cfr. o artigo 25º do RAIA), como em razão de

37 Esta hipótese é expressamente admitida no novíssimo regime de licenciamento ambiental, aprovado pelo DL 127/2013, de 30 de Agosto, no tocante às instalações de gestão de resíduos (que se pautam por um modelo simplificado, só necessitando de licença de exploração : artigo 6º/1). O artigo 19º/9/a) atribui à APA a competência para alterar a licença de exploração no sentido de impor ao operador « medidas adequadasa ara minimizar ou compensar os efeitos negativos não previsíveis para o ambiente ou para a saúde pública ocorridos durante a exploração da instalação », e o artigo 78º/2/a) reconhece à APA competência de revogação, total ou parcial, da licença de exploração caso se verifique uma impossibilidade de compensar os « efeitos negativos significativos não previsíveis para o ambiente ou para a saúde em resultado da exploração da instalação ».

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INSTITUTO DE CIÊNCIAS JURÍDICO-POLÍTICAS circunstâncias

ou

análises

supervenientes

do

estado

dos

valores

de

biodiversidade que sofrerão com a implantação do projecto (cfr. o artigo 26º/6 do RAIA). Note-se que a actualização das medidas compensatórias estabelecidas na DIA pode ocorrer até à certificação do ICNF, quer aumentando as obrigações do operador, quer reduzindo-a; c) A múltipla fiscalização do operador: pela entidade coordenadora, pela autoridade de AIA e pelo ICNF, no tocante à observância das medidas compensatórias. Queremos chamar aqui a atenção para que a consequência de incumprimento das medidas compensatórias não está definida na lei – por um lado, porque as normas relativas a contra-ordenações só abrangem, e implicitamente, as medidas de minimização (cfr., por exemplo, o disposto no artigo 39º/3/c) do RAIA) e, por outro lado, porque o efeito natural do incumprimento será a não certificação pelo ICNF. Esta fiscalização (sempre que as medidas sejam desenvolvidas pelo operador; já não se a sua realização for levada a cabo pelo ICNF: cfr. o artigo 36º/3 e 4 do RCNB) deverá ser tão efectiva quanto possível e envolver um contacto próximo com as entidades com competências autorizativas do projecto, em razão da relação de dependência entre a plena compensação do dano e a válida autorização da actividade lesiva. Ressalte-se que a compensação há-de estar a ocorrer em local diverso daquele onde se realiza a intervenção e obedece a critérios que só o ICNF está em condições de controlar. Por uma questão de estabilidade da posição do operador mas também em homenagem à observância do princípio da responsabilização por dano ecológico, julgamos que o ideal será que as medidas de compensação sejam concretizadas e certificadas até ao momento da autorização final, em razão do que referiremos já de seguida. d) A (in)validade do acto autorizativo final em caso de incumprimento das medidas compensatórias (ou seja, em face da não certificação destas pelo ICNF), uma vez que a realização destas constitui contrapartida inarredável da concretização do projecto.

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COMPENSAÇÃO ECOLÓGICA, SERVIÇOS AMBIENTAIS E PROTECÇÃO DA BIODIVERSIDADE A contemporaneidade da concretização das medidas compensatórias relativas à fase da instalação – mesmo que os seus efeitos possam protelar-se no tempo – em face do procedimento autorizativo do projecto é fundamental para a sua certificação prévia à emissão do acto autorizativo. Sem esta certificação do pleno cumprimento da cláusula modal por parte do ICNF, a entidade coordenadora não pode, validamente, exercer a sua competência autorizativa – esta dir-se-ia sujeita a uma condição suspensiva. A intrínseca dependência da autorização da prestação da sua contrapartida ecológica coloca o órgão autorizante numa dependência de tutela integrativa material a priori em face do ICNF, por ser da mão deste que sai a decisão validante da operação final. Temos consciência do “fundamentalismo” deste posicionamento que, infelizmente, o ordenamento não confirma – nem desmente, de resto. Porém, a verdade é que, a não se entender assim, o instituto das medidas compensatórias

pode

ser

totalmente

frustrado

na

sua

intenção

de

salvaguarda de valores de biodiversidade – e ressalte-se a sua natureza compromissória com uma ideia de fungibilidade que os mais ecologicamente veristas têm dificuldade em aceitar… A entender-se ― numa lógica de flexibilização que nos parece contrária ao Direito da União Europeia e, portanto, será mais aceitável (apesar do duplo standard que isso implica) fora da rede Natura 2000 ― que o cumprimento das medidas compensatórias pode ser posterior ao lançamento da infra-estrutura projectada, e que pode concretizar-se (no que tange a danos imediatos decorrentes

da

implantação)

eventualmente

até

ao

início

da

sua

utilização/funcionamento, a questão que se coloca é a de saber se o incumprimento certificado posteriormente à emissão do acto autorizativo (que, nesse cenário, deverá ser entendido como condicionado na sua validade ao cumprimento integral da obrigação modal) acarreta a invalidação do acto. Admitiríamos que não, sempre que tal cumprimento configurar prestações fungíveis, que podem ser supridas pela Autoridade Nacional (o ICNF, como se referiu supra), a expensas do operador ― e em razão do superior interesse do empreendimento. Porém, melhor seria impor a prestação de caução como regra, para não se correr o risco de cobrança

61

INSTITUTO DE CIÊNCIAS JURÍDICO-POLÍTICAS difícil e de financiamento de acções lesivas da biodiversidade através de verbas afectas a fundos constituídos para a sua defesa…

Permitimo-nos

sublinhar

a

originalidade

do

esquema

de

entrelaçamento destes momentos, num cenário ideal: a fixação de medidas compensatórias na DIA (ou em outro acto, equivalente ou prevalecente) é condição de validade desta; o cumprimento daquelas é condição de certificação das mesmas; a certificação do bom cumprimento das medidas compensatórias é condição de emissão válida do acto autorizativo que permite iniciar a actividade 38; dependendo de que actividade se trate mas sobretudo quando ela envolver emissões poluentes continuadas (que, embora dentro do limite permitido, possam causar dano à biodiversidade em razão da extrema fragilidade de certas espécies), poderão ser decretadas medidas compensatórias posteriores, relativas ao funcionamento, sendo a sua fixação, por seu turno, também condição de manutenção da validade do acto autorizativo (ou de suas renovações). A incerteza quanto à intensidade do dano pode justificar a constituição de um fundo exclusivamente adstrito a compensação por danos decorrentes da implantação do projecto – como sucedeu com a construção da Barragem do Sabor, no âmbito da qual, além de um vasto pacote de medidas compensatórias de facere, a EDP constituiu um Fundo, à ordem do ICNF, com vista a compensar previsíveis danos futuros à biodiversidade derivados da entrada em funcionamento da barragem. Assinale-se que esta afectação de recursos a um fundo permite contornar a eventualidade de as medidas compensatórias certificadas virem a revelar-se aquém das necessárias, em virtude de alteração de circunstâncias ou impossibilidade de cálculo pleno dos 38 Recorde-se o parágrafo 26 da decisão do TJUE no caso C-57/89, supra citado, a propósito da afectação de uma zona de protecção especial (de Leybucht e Leyhörn) na sequência da construção de um dique para protecção do acesso a um porto: «a intenção de garantir a sobrevivência do porto de pesca de Greetsiel era susceptível de ser tomada em consideração para justificar a decisão sobre o traçado do novo dique, na condição de existirem as compensações ecológicas acima referidas, e apenas por esta razão » (realçado nosso).

62

COMPENSAÇÃO ECOLÓGICA, SERVIÇOS AMBIENTAIS E PROTECÇÃO DA BIODIVERSIDADE

danos decorrentes do funcionamento da instalação. Caso esta hipótese sobrevenha, e se não houver cobertura in futurum (insista-se: desde que atestada a causalidade e a previsibilidade), entendemos que o operador poderá ser responsabilizado ex post pelo dano causado e não (antecipadamente) compensado39. 1.3. A articulação entre a acriteriosa compensação ex ante (no DL 142/2008) e os critérios da compensação ex post (no Anexo V do DL 147/2008) O instituto da compensação, central para a harmonização de valores ecológicos e sócio-económicos, encontra-se claramente deficitário de densificação, quer na legislação da União Europeia, quer na nacional. O artigo 36º do RCNB estabelece uma articulação com o RRN, o qual nada esclarece, e o próprio artigo 36º a única premissa que impõe é a de que o custo ambiental seja compensado através de um benefício ambiental equivalente. Ficam por explicitar alguns dos aspectos que identificámos supra – relativos às relações entre acto autorizativo e medidas

compensatórias



,

mas

não

só:

por

exemplo

e

nomeadamente, fica por apurar, da leitura do RCNB, o que é um “custo ambiental”, para efeitos de compensação; em que podem consistir tais medidas (se apenas em obrigações de facere, se também em obrigações de dare); qual a área onde devem preferencialmente ser implementadas tais medidas – e a excepcionalidade que deve revestir a sua realização em locais diversos dos indicados. Este alheamento do legislador pode explicar-se pela novidade da matéria, em razão da circunscrição desta figura ao domínio estrito da tutela

da

biodiversidade,

devido

à

forte

componente

técnica

(biológica e biofísica) que envolve esta temática, até ao carácter excepcional que as medidas devem revestir. Porém, é precisamente este carácter excepcional que reclama uma regulamentação mais Neste sentido, também Marie-Pierre CAMPROUX-DUFFRÈNE, La création d’un marché d’unité de biodiversité, est-elle possible?, in RJE, 2009/1, pp. 69 segs, 76-77. 39

63

INSTITUTO DE CIÊNCIAS JURÍDICO-POLÍTICAS

detalhada, sob pena de abuso. Com efeito, a vaguidade que a legislação denota acarreta sérias consequências para a coerência do princípio da responsabilização o qual é posto em causa através de um mau

uso

ou

ignorância,

mesmo,

do

instituto

das

medidas

compensatórias. Esta indiferença torna-se mais preocupante se pensarmos na unidade de fundamento entre compensação ex ante e ex post – a segunda, com um regime bastante desenvolvido no RPRDE. O RCNB (e o RRN) e o RPRDE estão de costas voltadas, pois a directiva 2004/35/CE, na qual o RPRDE é filiado, não opera qualquer remissão ou articulação com o regime da directiva habitats, sede das medidas compensatórias no âmbito do Direito da biodiversidade da União Europeia no qual, por seu turno, vai entroncar – pelo menos implicitamente – o instituto da compensação a que alude o artigo 36º do RCNB. No entanto, o problema pode apontar a solução, ou seja, a forma de minimizar o défice resultante das lacunas do artigo 36º pode ser o recurso ao regime do RPRDE ― em face da identidade de fundamento. O RPRDE pode trazer valiosos contributos, tanto materiais como procedimentais. No entanto, cumpre assinalar desde já que o facto de se considerar que este regime deve constituir o epicentro normativo do instituto das medidas compensatórias não exime o legislador de rapidamente intervir nesta sede, com o intuito de clarificar os pressupostos, os procedimentos, os critérios e os conteúdos das medidas compensatórias. Em bom rigor, o facto de a compensação ser, não só uma modalidade de reparação do dano ex post como um penhor da legitimação de um dano ex ante recomendaria, porventura, a autonomização do seu regime em diploma autónomo. Na sua ausência, cumpre buscar paliativos para que a compensação possa ser levada a sério como um instrumento de tutela da biodiversidade e não como um factor de incentivo à sua degradação. No RPRDE, a compensação é uma modalidade de reparação. Isso é desde logo patente na definição de medidas de reparação que consta 64

COMPENSAÇÃO ECOLÓGICA, SERVIÇOS AMBIENTAIS E PROTECÇÃO DA BIODIVERSIDADE

do artigo 11º/1/n), que a desenha como visando “fornecer uma alternativa equivalente” a recursos ou serviços (desses recursos), nos termos do Anexo V. Note-se que a implementação da reparação, em qualquer modalidade, está dependente da possibilidade de avaliação do estado do recurso e seus serviços antes de o dano ocorrer, aferindo o seu estado de conservação com base na melhor informação disponível, tal como descrito nas alíneas h) e i) do mesmo artigo 11º/140 e explicitado nos nºs 2 e 3 do artigo 11º, que passamos a transcrever: “2 — Para efeitos do disposto na alínea h) do número anterior, o estado de conservação de um habitat natural é considerado favorável quando: a) A sua área natural e as superfícies abrangidas forem estáveis ou estiverem a aumentar; b) A estrutura e funções específicas necessárias para a sua manutenção a longo prazo existirem e forem susceptíveis de continuar a existir num futuro previsível; c) O estado de conservação das suas espécies típicas for favorável, tal como definido no número seguinte. 3 — Para efeitos do disposto na alínea i) do número anterior o estado de conservação de uma espécie é considerado favorável quando: a) Os dados relativos à dinâmica populacional da espécie em causa indiquem que esta se está a manter a longo prazo enquanto componente viável dos seus habitats naturais; b) A área natural da espécie não se esteja a reduzir e não seja provável que se venha a reduzir num futuro previsível; c) Exista, e continue provavelmente a existir, um habitat suficientemente amplo para manter as suas populações a longo prazo.

Esta noção de “favorabilidade” do estado da espécie ou habitat, estritamente tributário de critérios biológicos, é importante em sede de medidas compensatórias, a dois títulos: por um lado, é o patamar a usar para aferir a medida da obrigação do lesante (ex post) reparatória e/ou compensatória (do lesante ex ante); por outro lado, é o patamar ideal que o ICNF deve indicar ao operador-compensador (lesante ex 40

“Artigo 11º/1, alíneas h) «Estado de conservação de um habitat natural» o somatório das influências que se exercem sobre um habitat natural e sobre as suas espécies típicas e que podem afectar a respectiva distribuição natural, estrutura e funções a longo prazo, bem como a sobrevivência a longo prazo das suas espécies típicas na área de distribuição natural desse habitat; e i) «Estado de conservação de uma espécie» o somatório das influências que se exercem sobre uma espécie e que podem afectar a distribuição e a abundância a longo prazo das suas populações, na área de distribuição natural dessa espécie”.

65

INSTITUTO DE CIÊNCIAS JURÍDICO-POLÍTICAS

ante) nas operações de compensação que este tiver que realizar, em local diverso, para colmatar o custo ambiental que provocou. Acresce que a aferição do estado não favorável do habitat pode ainda relevar para operações de recuperação levadas a cabo por privados, na sequência de degradações provocadas por pragas naturais ou outros eventos que lhes não sejam imputáveis, tendo em vista a recompensa destas melhorias, em dinheiro (por exemplo, através do Fundo para a conservação da biodiversidade) ou em títulos transaccionáveis. Questionável é saber se um estado de conservação não favorável pode

dispensar

o

operador

de

promover

quaisquer

medidas

compensatórias, uma vez que nada haverá, de positivo, a compensar. Dever-se-á apurar a que se deveu a degradação e mesmo que tenha sido provocada por incúria de anterior proprietário, impor ao novo o ónus de reabilitação? Mas com que ponto de referência temporal no tocante à aferição do status quo ante? Do Anexo IV do RPRDE resultam mais dados importantes nesta sede, nomeadamente a noção de “dano significativo”, que pode ser aferido através de elementos indiciários como o número de indivíduos, densidade e área ocupada; o papel dos indivíduos em causa ou da zona em relação à espécie ou aos habitats, bem como a raridade da espécie ou dos habitats; a capacidade de propagação da espécie ou a capacidade de regeneração natural do habitat; e a capacidade de recuperação do meio – espécie ou habitats – num curto prazo, através da sua dinâmica própria41. O mesmo Anexo explicita, em contrapartida, o que não tem de se considerar dano significativo: “As variações negativas inferiores às flutuações naturais consideradas normais para a espécie ou habitat em causa;

Todos estes factores devem ser vistos tanto numa perspectiva geracional como intergeracional, nomeadamente quanto ao valor da perda da integridade do existente, com as virtualidades eventualmente associadas e ainda não plenamente conhecidas ― chamando a atenção para este ponto na avaliação da (ir)reversibilidade das perdas, Myriam FRITZ-LEGENDRE, Biodiversité et irréversibilité, in RJE, 1998 - nº especial, pp. 79 segs, 90-93. 41

66

COMPENSAÇÃO ECOLÓGICA, SERVIÇOS AMBIENTAIS E PROTECÇÃO DA BIODIVERSIDADE

As variações negativas devidas a causas naturais ou resultantes de intervenções ligadas à gestão normal dos sítios, tal como definidas nos registos do habitat ou em documentos de fixação de objectivos, ou tal como eram anteriormente efectuadas por proprietários ou operadores; Os danos causados a espécies ou habitats sobre os quais se sabe que irão recuperar, dentro de um prazo curto e sem intervenção, até ao estado inicial ou que conduza a um estado que, apenas pela dinâmica das espécies ou do habitat, seja considerado equivalente ou superior ao estado inicial”.

Estes conceitos, que só os profissionais da biologia podem preencher, permitem aferir as situações de impacto42 no meio que não devem considerar-se “dano significativo” e, destarte, não implicarão medidas compensatórias. Reversamente, é também de uma qualificação técnico-científica que resulta a delimitação de dano significativo ― neste regime, sublinhe-se, a realizar pela Agência Portuguesa do Ambiente, I.P. (APA, I.P.)43. O Anexo V vem explicitar o que são medidas compensatórias ― a que chama, incorrectamente, medidas complementares. Os objectivos da reparação “complementar” traduzem-se em “proporcionar um nível de recursos naturais e ou serviços, incluindo, quando apropriado, num sítio alternativo, similar ao que teria sido proporcionado se o sítio danificado tivesse regressado ao seu estado inicial. Sempre que seja possível e adequado, o sítio alternativo deve estar geograficamente relacionado com o sítio danificado, tendo em conta os interesses da população afectada” (ponto 1.1.2.). Nos pontos 1.2.2. e 1.2.3., o RPRDE estabelece

ainda

complementares

critérios

de

identificação

(=compensatórias)

e

das

medidas

compensatórias

(=complementares de perdas transitórias):

42 De acordo com o RAIA, impacto ambiental traduz-se no “conjunto das alterações favoráveis e desfavoráveis produzidas no ambiente, num determinado período de tempo e numa determinada área, resultantes da realização de um projecto, comparadas com a situação que ocorreria, nesse período de tempo e nessa área, se esse projecto não viesse a ter lugar” [artigo 2º/k)]. 43 Cfr. o DL 56/2012, de 12 de Março, que estabelece a nova orgânica da Agência, resultante da aprovação da nova orgânica do Ministério da Agricultura, Mar, Agricultura e Ordenamento do Território (actualmente, Ministério do Ambiente, do Ordenamento do Território e da Energia).

67

INSTITUTO DE CIÊNCIAS JURÍDICO-POLÍTICAS “1.2.2 — Ao determinar a escala das medidas de reparação complementar e compensatória, considerar-se-á em primeiro lugar a utilização de abordagens de equivalência recurso-a-recurso ou serviço-a-serviço. Segundo esses métodos, devem considerar-se em primeiro lugar as acções que proporcionem recursos naturais e ou serviços do mesmo tipo, qualidade e quantidade que os danificados. Quando tal não for possível, podem proporcionar-se recursos naturais e ou serviços alternativos. Por exemplo, uma redução da qualidade pode ser compensada por um aumento da quantidade de medidas de reparação. 1.2.3 — Se não for possível utilizar as abordagens de equivalência de primeira escolha recurso-a-recurso ou serviço-a-serviço, serão então utilizadas técnicas alternativas de valoração. A autoridade competente pode prescrever o método, por exemplo, valoração monetária, para determinar a extensão das medidas de reparação complementares e compensatórias necessárias. Se a valoração dos recursos e ou serviços perdidos for praticável, mas a valoração dos recursos naturais e ou serviços de substituição não puder ser efectuada num prazo ou por um custo razoáveis, a autoridade competente pode então escolher medidas de reparação cujo custo seja equivalente ao valor monetário estimado dos recursos naturais e ou serviços perdidos. As medidas de reparação complementar e compensatória devem ser concebidas de forma a permitir que os recursos naturais e ou serviços suplementares reflictam as prioridades e o calendário das medidas de reparação. Por exemplo, quanto maior for o período de tempo antes de se atingir o estado inicial, maior será o número de medidas de reparação compensatória a realizar (em igualdade de circunstâncias)”.

De ressaltar é a proibição que o RPRDE decreta no sentido de destas medidas reparatórias nunca dever resultar a atribuição de quantias aos membros do público ― na expressão fiel do diploma, “não consiste numa compensação financeira para os membros do público” (Anexo V, 1/d) e 1.1.3.). Esta ressalva, a que já noutras ocasiões nos reportámos, parece-nos

constituir

fundamentalmente

uma

vedação

do

locupletamento à custa alheia de eventuais denunciantes da situação de dano colectivo, quer

a

título de “recompensa”, quer de

indemnização (por dano moral ambiental)44. No entanto, tal expressão não inviabiliza, em nossa opinião, o pagamento de quantias pecuniárias a afectar ao Fundo de Intervenção Ambiental ― em sede de protecção da biodiversidade, ao Fundo para a conservação da natureza e da biodiversidade,

nos

termos

do

artigo

37º

do

RCNB

e,

mais

concretamente, do artigo 7º/1/e) do FCNB ― por parte do lesante, caso

São as “vítimas institucionais” de que fala Marie-Pierre CAMPROUX-DUFFRÈNE (Plaidoyer civiliste pour une meilleure protection de la biodiversité, in Revue interdisciplinaire d’études juridiques, vol. 60, 2008, pp. 1 segs, 20). 44

68

COMPENSAÇÃO ECOLÓGICA, SERVIÇOS AMBIENTAIS E PROTECÇÃO DA BIODIVERSIDADE

nenhuma solução de reparação esteja imediatamente disponível ou seja suficiente45. Porque o RPRDE visa a administrativização do procedimento de reparação do dano ecológico (ou a desjudicialização do mesmo), tentando agilizar a recuperação do meio através da concertação das operações de reparação directamente com o lesante, com a participação dos denunciantes e de eventuais interessados directos e indirectos, sob a coordenação da APA, o artigo 16º do diploma assume uma importância nuclear. Aí se prevê o procedimento de obtenção do acto/acordo administrativo de reparação, da iniciativa do lesante mas plenamente modificável, no sentido da maior ou menor carga de obrigações, idênticas ou diversas das propostas, sob a batuta da APA. A falta de iniciativa do lesante deverá ser suprida pela APA, que, no limite (na falta de comparência daquele), poderá decidir à sua revelia e mesmo substituir-se-lhe na realização das operações de reparação, que depois recuperará junto do lesante, num prazo máximo de 5 anos a contar da data de conclusão das mesmas (cfr. o artigo 19º/3 do RPRDE). Julgamos que haveria toda a conveniência de harmonização de regimes, a partir do RPRDE, concentrando a fixação das medidas compensatórias dos danos significativos à biodiversidade, ex ante e ex post, no ICNF e promovendo um procedimento idêntico ao descrito no RPRDE (salvo, eventualmente, quando a reparação do dano incidir maioritariamente sobre outro componente ambiental e o dano à biodiversidade for de menor relevância ― mas ainda assim, julgamos que o ICNF deverá ser consultado pela APA, como de resto é nitidamente aceite pelo artigo 16º/4 do RPRDE). Nomeadamente, na 45

Cfr. Carla AMADO GOMES, De que falamos quando falamos de dano ambiental? Direito, mentiras e crítica, in Actas do Colóquio A responsabilidade Civil por dano ambiental, e-book disponível no site http://www.icjp.pt/publicacoes, Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, 18, 19 e 20 de Novembro de 2009, coord. de Carla Amado Gomes e Tiago Antunes, Lisboa, 2010, pp. 153 segs, 165 segs.

69

INSTITUTO DE CIÊNCIAS JURÍDICO-POLÍTICAS

compensação ex ante ― como na compensação ex post ―, o lote de medidas

compensatórias

deverá

ser,

o

mínimo

previamente

comunicado e, no máximo, consensualizado com o operador, numa tentativa de incrementar os níveis de cumprimento. Sem embargo de estarmos perante cláusulas acessórias, estas são modais ― implicam obrigações autónomas que constituem restrições (fundamentadas) à liberdade de iniciativa económica e/ou ao direito de propriedade do interessado ―, donde hão-de seguir o mesmo trâmite de audiência prévia que os actos ablativos, nos termos do CPA (cfr. os artigos 100º e segs). Esta

harmonização

não

deve

esquecer,

contudo,

algumas

indicações transitadas do RRN, concretamente a questão de fazer “abater” ao custo ecológico da intervenção projectada o eventual benefício ambiental da mesma. Esta equação é particularmente relevante

em

casos

de

autorizações

relativas

a

centrais

electroprodutoras de energia a partir de fontes renováveis, dada a contrapartida ambiental ― nomeadamente, em termos de redução de emissão de gases com efeito de estufa ― que veiculam. Estas situações não esgotam, decerto, a necessidade de introdução do factor “consequências benéficas” para o ambiente, no seu todo.

2. Os mercados de biodiversidade: “a raridade apela à propriedade” De “provisão”, “reguladores”, de “suporte” ou “culturais”, para empregar as quatro categorias identificadas no Biodiversidade

Global

346,

os

diferentes

serviços

Panorama da ecossistémicos

conhecidos e aqui enunciados acabam por partilhar entre si uma característica que, correndo o risco de soar coloquial, dir-se-á ser o reflexo de um “modo de estar na vida”: a sua crescente escassez. Na verdade, mesmo sendo divulgada e de fácil percepção (pense-se nas Publicado pelo Secretariado da CDB e disponível para consulta em http://www.cbd.int/doc/publications/gbo/gbo3-final-pt.pdf. 46

70

COMPENSAÇÃO ECOLÓGICA, SERVIÇOS AMBIENTAIS E PROTECÇÃO DA BIODIVERSIDADE

espécies que têm sido elevadas a símbolo da causa conservacionista, como o panda, o tigre ou o lince ibérico47), tal característica acaba por ceder aos hábitos de consumo de bens e serviços tidos por adquiridos: “When we bite into a juicy apple we may think of soil and water, but not of the natural pollinators that fertilize the apple blossom so the fruit can set. When we drink a cool glass of water from the tap we may think of the local reservoir, but the real source of the water quality lies many miles upstream in the wooded watershed that filters and cleans the water as it flows downhill…”48.

O desinteresse explica-se, embora não exclusivamente, pelo actual regime de acesso à biodiversidade. Se estes bens e serviços são de livre acesso, ou de acesso só dificilmente restringível (entenda-se, se constituem recursos comuns), o animus de cada utilizador será o de aproveitamento máximo, em concorrência com os restantes utilizadores e sem perspectivas de sustentabilidade a longo-prazo – para o bom samaritano, aquele que se abstenha de aderir a este animus, a recompensa será puramente espiritual (um sentimento de rectidão desprovido de uma qualquer recompensa material). Tudo estaria bem se continuássemos a viver em comunidades isoladas, de reduzida dimensão e abençoadas com uma abundância de recursos naturais. Mas o cenário presente é exactamente o oposto: o de uma comunidade global, sobrepovoada, de recursos cada vez mais depauperados e, não obstante, em incessante disputa. Para evitar o pior ― e a janela de oportunidade é cada vez menor ―, as entidades reguladoras são chamadas a intervir e a adoptar medidas correctivas das tendências ou dos comportamentos individuais. Habitualmente, governos e autoridades públicas recorrem a um dos cinco “P’s”: 1) “prescription”, através da emissão de comandos

Mais desenvolvidamente, alertando para a existência de uma elite biológica que tem vindo a merecer uma atenção e protecção reforçadas, ver Paulo de BESSA ANTUNES, Direito Ambiental 12ª ed., Rio de Janeiro, 2010, pp. 339-340. 48 James SALZMAN, Creating markets for Ecosystem Services : notes from the field, 2005, p. 871 ― Disponível para consulta em: http://www.obwb.ca/fileadmin/docs/NYU302.pdf. 47

71

INSTITUTO DE CIÊNCIAS JURÍDICO-POLÍTICAS

normativos que condicionam as condutas nocivas, impondo restrições de uso / de acesso e fixando sanções para o seu incumprimento; 2) “penalties”, recorrendo a instrumentos de natureza fiscal, como as taxas e os impostos, por forma a encarecer o consumo e a desencorajar excessos; 3) “persuasion”, implementando acções de informação e de sensibilização, disponibilizando práticas alternativas; 4) “payment”, sob a forma de subsídios, através de pagamentos directos ou da concessão de benefícios fiscais; e, 5) “property rights”, apostando na privatização de recursos e serviços, ou na venda e reconhecimento de um acesso exclusivo (v.g., uma quota-parte da captura de peixe ou da emissão de poluentes)49. Os mercados de biodiversidade representam uma construção artificial que encontra o seu suporte numa das principais lições da história da civilização: “la rareté demande proprieté”50. Do que se trata, para quem sufraga este modo de pensar, é de “colocar o mais depressa possível no mercado, a terra, a água, o ar, os animais em perigo e as espécies raras” 51. Não que a tarefa seja fácil – longe disso! Embora as virtualidades desta nova forma de protecção do meio ambiente, em geral, e da biodiversidade, em especial, sejam objecto de um consenso crescente (pelo menos, em teoria), as transacções estão longe de se assimilarem às que, diariamente, realizamos. Primo, James SALZMAN, Creating markets…, cit., pp. 884 e ss. Henri LEPAGE, Pollution : l’approche économique, Écologie et Liberté – une approche de l’environnement, Paris, 1992, p. 198. 51 François OST, A Natureza à margem da Lei : a ecologia à prova do Direito, s/local, 1995, p. 157. De notar, desde já, que nos mercados de biodiversidade existe um corte claro relativamente à lógica que preside aos mercado de créditos de carbono e de quotas pesqueiras: ali, segundo Íñigo SANZ RUBIALES e Isabel CAROPATÓN CARMONA, “la creación del mercado nunca determina la privatización de la titularidad colectiva o pública de los recursos naturalres que siempre se conserva (...). Lo que persigue el mercado es la creación o atribución de derechos de uso (bien sobre cuotas o porciones de bienes colectivos o bien sobre la contaminación” ― Los mercados artificiales de recursos naturales, in Libre mercado y protección ambiental. Intervención y orientación ambiental de las actividades económicas, org. F. Javier Sanz Larruga, Marta García Pèrez e J. José Pernas García, INAP, 2013, pp. 463 segs, 466); aqui, essa privatização existe e convive com as experiências de iniciativa e titularidade pública. Há, inclusive, uma cisão entre o direito de propriedade (que permanece na esfera do banqueiro) e o direito de uso e fruição do recurso ou serviço compensado (que é “absorvido” pelo lesante, ao comprar os créditos). 49 50

72

COMPENSAÇÃO ECOLÓGICA, SERVIÇOS AMBIENTAIS E PROTECÇÃO DA BIODIVERSIDADE

porque a realidade ecológica é complexa e a sua valorização monetária constitui uma incógnita – será que o preço atribuído a um bem

ou

serviço

é

suficientemente

elevado

para

compensar

integralmente quem o assegurou e garantir a sua substituição? Secundo, na medida em que as trocas que incidam sobre bens ou serviços de origem natural (por oposição aos produtos da criação humana) nem sempre serão transparentes: dada a sua unicidade, é legítimo equacionar se o que se vende pode ser devidamente compensado ou se, como a prática tem vindo a demonstrar, alguns bens e serviços acabam negligenciados pela simples razão de que a sua comercialização acarreta riscos superiores (de exequibilidade, de procura, de retorno). Uma coisa é certa: a dificuldade da tarefa não arreda a sua necessidade, ao ponto de serem cada vez mais as vozes que se pronunciam a favor de um novo dever jurídico, de valorar52 – que os ordenamentos jurídicos começam a acolher e cujo conteúdo se vai reforçando à medida que o debate se orienta para a conciliação da protecção

ambiental

biodiversidade

são,

com

dentro

o

crescimento.

das

Os

modalidades

mercados

de

de

compensação

existentes, uma forma de assegurar essa valorização. 2.1. O modelo norte-americano – o berço do Habitat Banking Nos EUA, o declínio generalizado das zonas húmidas (um dos ecossistemas que ocupam maior percentagem do território, com elevada riqueza biológica) motivou a adopção de uma estratégia nacional

de

“no

net

loss”,

formalizada

pelo

Memorando

de

Entendimento firmado, em 1990, pelas duas principais agências de protecção e gestão dos recursos aquáticos: a EPA (Environmental Protection Agency) e o ACE (Army Corps of Engineers). Agora, os danos Sobre este novo dever jurídico, ver Maria Alexandra ARAGÃO, A natureza não tem preço… mas devia. O dever de valorar e pagar os serviços dos ecossistemas, in Estudos em homenagem ao Prof. Doutor Jorge Miranda, IV, Lisboa, 2012, pp. 18 segs. 52

73

INSTITUTO DE CIÊNCIAS JURÍDICO-POLÍTICAS

não são proibidos à partida, conquanto neutralizados do ponto de vista do efeito final de rede: no mínimo, o seu causador deve garantir um ganho equivalente à perda registada (“break even”). Em sintonia com esta nova estratégia, o Clean Water Act de 1972 (Lei-base de combate à poluição aquática) vem proibir as descargas, salvo autorização da Administração condicionada à verificação cumulativa de um conjunto de critérios ou requisitos estabelecidos pelas referidas agências governamentais [cfr. a Secção 404(a)], a saber: uma licença só pode ser concedida se inexistir uma solução alternativa ambientalmente preferível; se for clara a necessidade social do dano (por razões económicas, energéticas, de segurança); e mediante a prévia adopção das medidas de mitigação exigíveis e tidas por adequadas53 in casu, a par das medidas de compensação que se venham a revelar necessárias54. Em

bom

rigor,

torna-se

necessário

adoptar

medidas

de

compensação sempre que o dano causado a uma zona húmida não seja plenamente prevenido e/ou mitigado (ao ponto de deixar de representar

uma

lesão

grave

e

mensurável

dos

componentes

ambientais naturais). Então, caberá a quem lesa demonstrar que estão reunidas as condições para evitar perdas de rede, em virtude de acções de preservação, melhoria, restauração ou criação de bens e/ou serviços equivalentes (em quantidade e em funções), por si ou por via de um terceiro. O Direito norte-americano disponibiliza três vias para o efeito: a compensação directa (“permittee-responsible mitigation”), em que a tarefa é assumida pelo próprio lesante, intervindo 53 De notar, neste ponto, que as medidas adequadas serão todas aquelas que, do ponto de vista fáctico e técnico, permitam a evitação e mitigação do dano, à luz de uma apreciação objectiva do caso concreto, quer o lesante tenha ou não condições financeiras para as suportar – se não tiver, a licença não é concedida. 54 Part 230 – Section 404(b)(1) Guidelines for specification of disposal sites for dredged or fill material, cfr. o §230.10, alíneas (a) a (d) ― disponível para consulta no site oficial da EPA: http://www.epa.gov/. Sobre o carácter vinculante, para muitos, destas orientações ver, na doutrina, Jon SCHUTZ, The steepest hurdle in obtaining a Clean Water Act Section 404 permit: complying with the EPA’s 404 guidelines’ least environmentally damaging practicable alternative requirement, in UCLA Journal of Environmental Law & Policy, vol. 26, 2006, pp. 235-236.

74

COMPENSAÇÃO ECOLÓGICA, SERVIÇOS AMBIENTAIS E PROTECÇÃO DA BIODIVERSIDADE

directamente no meio afectado (compensação in situ), ou noutro que contenha

bens

e/ou

serviços

funcionalmente

equivalentes

(compensação ex situ) – que o RCNB acolhe, no artigo 36º/2, como a solução-tipo no ordenamento pátrio; os pagamentos compensatórios (“in-lieu fee mitigation”), por recurso a um terceiro, a quem o lesante entrega uma determinada quantia pecuniária para que cumpra com a sua obrigação primitiva – que o RCNB acolhe, no mesmo normativo, como alternativa válida e à qual associa, no artigo 37º, o já mencionado FCNB; e o habitat banking, também ele uma modalidade indirecta de compensação ― se bem que única pelo facto de admitir a lógica de mercantilização dos bens e serviços naturais, concebendo-os como unidades tangíveis de biodiversidade aptas para a troca. O espírito voluntarioso dos norte-americanos leva-os a não só acolher expressamente os mercados de biodiversidade, como a estabelecer uma preferência (flexível, é certo – sempre de acordo com as particularidades de cada caso) em face das demais modalidades de compensação. Nas palavras de Michael BEAN, Rebecca KIHSLINGER e Jessica WILKINSON, “we all recognize that traditional approaches to pursuing environmental goals have not been entirely satisfactory, and seek

to

expand

the

conservation tool

box

with

market-based

mechanisms”55. 2.1.1. Súmula e articulação de conceitos fundamentais A estruturação e o modus operandi dos mercados de biodiversidade encerram toda uma panóplia de conceitos próprios, de entre adaptados

e

originais,

cujo

sentido

(mas,

também,

a

própria

articulação) importa pôr em evidência. Não podemos, num trabalho desta natureza, realizar uma abordagem exaustiva do universo

55

Design of U.S. Habitat Banking System to support the conservation of wildlife habitat and at-risk species, Environmental Law Institute, 2008, p. 6 ― disponível para consulta em: http://www.elistore.org/reports_detail.asp?ID=11273 .

75

INSTITUTO DE CIÊNCIAS JURÍDICO-POLÍTICAS

terminológico56, razão pela qual foram escolhidos apenas os que consideramos essenciais à formação de uma base de compreensão do tema (deixando ao leitor, consoante o interesse que o mesmo lhe suscite, a eventual decisão de aprofundamento). O habitat banking pode ser definido como um mercado no qual créditos

gerados

por

acções

com

efeitos

benéficos

para

a

biodiversidade, sejam elas de preservação, de melhoria, de restauração ou de criação de bens e/ou de serviços funcionalmente equivalentes, podem ser adquiridos a um banco, nos termos fixados no respectivo instrumento de aprovação, para compensar os débitos resultantes de danos causados dentro da sua área de serviço. Por si só, esta primeira noção pouco esclarece – ela serve, fundamentalmente, o fim de condensar toda uma série de outros conceitos e demonstrar a sua constante articulação. Em primeiro lugar, convém esclarecer que as diferentes formas de operar a compensação ecológica, no que toca ao tipo de acção ou intervenção, no sítio da lesão (in situ) ou dentro da mesma unidade geográfica (relativamente ex situ), não são exclusivas do habitat banking. Seja a compensação directa ou indirecta (por pagamentos ou recurso aos mercados de biodiversidade), ela é passível de execução, alternativa ou cumulativamente: quer por via de

preservação,

entendida como a intervenção em bens ou serviços ameaçados tendo em vista a remoção da ameaça e a prevenção / agravamento do seu declínio ― porventura mediante a aprovação de um estatuto proteccionista; quer através de melhoria, mediante a manipulação das características biológicas, físicas ou químicas, dos bens e serviços de substituição, aperfeiçoando uma função preexistente e incrementando o seu valor; quer, ainda, através de restauração, que implica uma Para um panorama mais completo da vasta gama de conceitos que importa dominar quando se fala em mercados de biodiversidade, ver The use of market-based instruments for biodiversity protection – the case of Habitat Banking, Technical Report for the European Comission DG Environment, 2010, pp. 5-13 ― disponível para consulta em : http://ec.europa.eu/environment/enveco/pdf/eftec_habitat_technical_report.pdf. 56

76

COMPENSAÇÃO ECOLÓGICA, SERVIÇOS AMBIENTAIS E PROTECÇÃO DA BIODIVERSIDADE

manipulação similar, com o propósito de reabilitar bens e serviços degradados e funções perdidas; quer, finalmente, recorrendo à criação, desenvolvendo um bem ou serviço ex novo, para lá do ponto inicial de biodiversidade57. É através destas acções que os bancos geram créditos de biodiversidade58, que irão disponibilizar no mercado aos interessados em adquiri-los com vista a cumprir a imposição/requisito legal de prévia compensação de um dano. Começa a ganhar forma a lógica de troca por troca: de um débito, que mais não é do que uma unidade de medida à qual se faz corresponder a exacta extensão do dano; por um crédito, também ele uma unidade de medida (métrica, funcional ou mista), que representa o valor acrescentado pelas acções de compensação. Com uma particularidade: a de a experiência norteamericana distinguir entre os “créditos de habitat” e os “créditos de espécies”, cada qual objecto de um mercado próprio. Trata-se, segundo cremos, de uma decorrência da biodiversidade e da complexidade

que

em

si

encerra:

se

é

composta

por

uma

multiplicidade de seres vivos que se organizam, interagem e relacionam numa variedade de lugares, formando um universo dinâmico de comunidades animais e vegetais59, dita a razão porque uma lesão de um componente só dificilmente não se repercutirá sobre os demais. Destarte, na maioria das vezes, o lesante necessitará, para neutralizar na íntegra (ou tão próximo quanto tecnicamente possível) um dano ambiental, de adquirir os dois tipos de créditos.

57 Mais desenvolvidamente, sobre as noções acabadas de referir, cfr. o §230.92 das “Guidelines” da EPA. 58 Em bom rigor, e à semelhança do que sucede nos mercados de títulos de emissão de gases com efeito de estufa, a materialização dos créditos de biodiversidade está dependente da chancela administrativa. Terá de ser a entidade reguladora a certificar as acções de compensação empreendidas, à luz dos critérios de performance previamente estabelecidos. 59 Sobre o conceito de biodiversidade ver, entre outros, Michel DUROUSSEAU, Le constat: la biodiversité en crise, in Revue Juridique de l’Environnement – Biodiversité et Évolution du Droit de la Protection de la Nature : Réflexion prospective, 2008, nº especial, pp. 11 segs, 12.

77

INSTITUTO DE CIÊNCIAS JURÍDICO-POLÍTICAS

Na prática, estabeleceram-se dois mercados complementares: o primeiro, para a compensação de danos causados às zonas húmidas, corresponde

ao

“wetland

mitigation

banking”,

comummente

designado por habitat banking; o segundo, para a compensação de danos causados a espécies ameaçadas e protegidas, o “conservation banking”. Ressalvado o tipo de crédito que cada um comercializa, a par do instrumento legal que lhes serve de base (o Clean Water Act, para os bancos de zonas húmidas, e o Endangered Species Act, para os bancos de conservação), as diferenças são mínimas. Em cada mercado operam bancos da respectiva especialidade (com a especificação de que os bancos de conservação podem operar na modalidade “single-species” ou “multi-species”), que mais não são do que agregados ou depósitos de bens e/ou serviços existentes na área de implementação – ali, por reporte a funções aquáticas; aqui, com ênfase nos factores genético e taxonómico60. Qualquer que seja o banco, a sua criação é um misto de ius imperii e de contratualização, uma vez que o instrumento legal de aprovação (o banking instrument) é firmado entre intervenientes com capacidades de negociação muito diferentes. Num exemplo dado por Morgan ROBERTSON, que envolve o Pierce Lakes Bank, em Rushford – Minnesota, os proponentes estiveram em negociações com as autoridades locais e com as agências reguladoras durante cerca de ano e meio até conseguirem

alcançar

condições

(de

preço,

localização)

que

Assim, a Federal Guidance for the Establishment, Use and Operation of Mitigation Banks, de 1995, define os bancos de zonas húmidas como “a site where wetlands and/or other aquatic resources are restored, created, enhanced, or in exceptional circumstances, preserved expressly for the purpose of providing compensatory mitigation in advance of authorized impacts to similar resources” (cfr. o ponto II). Por seu turno, a Guidance for the Establishment, Use and Operation of Conservation Banks, de 2003, define os bancos de conservação como “a parcel of land containing natural resource values that are conserved and managed in perpetuity (…) for specified listed species and used to offset impacts occurring elsewhere to the same resource values on non-bank lands” (cfr. o ponto I.B.1.). Estas Orientações podem ser consultadas, respectivamente, em: http://water.epa.gov/lawsregs/guidance/wetlands/mitbankn.cfm; e http://www.fws.gov/endangered/esalibrary/pdf/Conservation_Banking_Guidance.pdf. 60

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COMPENSAÇÃO ECOLÓGICA, SERVIÇOS AMBIENTAIS E PROTECÇÃO DA BIODIVERSIDADE

satisfizessem todas as partes envolvidas61. Do que se trata, na verdade, é de assegurar que a perspectiva de lucro, para os banqueiros mas, também, para as comunidades locais que abdiquem da propriedade da terra em troca do direito a uma percentagem das receitas do banco, não compromete as exigências legais em matéria de prevenção de perdas de rede. Assim, a EPA e o ACE vão influenciar ao máximo o teor do instrumento de aprovação, que há-de incluir: os objectivos do banco; a sua dimensão e composição (isto é, o tipo ou tipos de bens e serviços providenciados); a definição da “baseline” ou estado inicial do sítio, que serve de contraponto aos resultados das acções de compensação e permite determinar se foi ou não gerado um ganho (“additionality”); os critérios de cálculo dos créditos e débitos bancários; as metas a atingir para que sejam reconhecidos créditos e autorizada a sua venda; as medidas de fiscalização, de monitorização, de contingência...62. Uma vez aprovado um banco, e tendo as medidas de compensação por si implementadas atingido a maturidade (a qual há-de significar a capacidade de assegurar o mesmo nível de funções, em quantidade e em qualidade, que se perderão com a consumação do dano), os créditos e débitos a utilizar serão, grosso modo, calculados em função de um rating ou intervalo de valoração que, para os primeiros, corresponde à diferença entre as condições estruturais do sítio do banco pós-compensação e pré-compensação e, relativamente aos segundos, traduz a diferença entre as condições estruturais do sítio

61 O Pierce Lakes Bank surgiu como uma resposta à necessidade crescente de compensar perdas de biodiversidade provocadas pela expansão urbana no condado ― cfr. The work of wetland credit markets: two cases in entrepreneurial Wetland Banking, Wetlands Ecol Manage, 2009, p. 35, disponível em: http://www.springerlink.com/content/1l87t01u63480784/. 62 Para um exemplo de um instrumento de aprovação, ver Mitigation Banking as an Endangered Species Conservation Tool, Report by Environmental Defense in cooperation with Sustainable Conservation, 1999, Appendix II, pp. 23-24 ― disponível para consulta em: http://moderncms.ecosystemmarketplace.com/repository/moderncms_documents/14 6_mb.pdf.

79

INSTITUTO DE CIÊNCIAS JURÍDICO-POLÍTICAS

lesado em momentos pré-dano e pós-dano63. Ponto assente, em teoria e na prática, é o de que nem todas as condições estruturais valem o mesmo: se pensarmos nos bancos de zonas húmidas, compreende-se que as condições hidrológicas sejam aquelas de que mais depende o seu sucesso; para os bancos de conservação, deve ser dada maior atenção à remoção de espécies invasivas e à contiguidade de habitats. De notar, ainda, que mesmo que ecologicamente equivalentes, os créditos vendidos por um determinado banco só podem servir para compensar um dano ambiental se este se circunscrever à respectiva área de serviço. Quer se trate de uma circunscrição puramente administrativa (como sucede com os bancos que são criados especificamente para que uma municipalidade fique com uma reserva de compensação de que se pode aproveitar à medida que for crescendo), quer decorra de limitações físicas ou relacionadas com o tipo de bem ou serviço que se quer compensar, esta área de serviço representa muito mais do que uma base de cálculo para o banqueiro (das medidas que poderá implementar, do número de créditos que conseguirá produzir, do tipo de procura de que poderá beneficiar). Ela é uma garantia fundamental da exigência de equivalência funcional que preside a qualquer modalidade de compensação ecológica: “...if the goal of the credit is to offset the loss of wetland habitat and function in a particular watershed, the credit site should be located in the same impacted watershed. If, however, the goal is to protect an endangered species, the credit site should be located in an area that provides high quality habitat suitable for that particular species”64.

Em conclusão, ao afirmar-se que a área de serviço de um banco equivale ao espaço geográfico dentro do qual um dano pode ser compensado com um crédito por si gerado e colocado no mercado, o Eric D. STEIN, Fari TABATABAI e Richard F. AMBROSE, Wetland Mitigation Banking: a framework for crediting and debiting, in Environmental Management, nº 23, 2000, pp. 235 e segs. 64 The use of market-based instruments…, cit., p. 205. 63

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COMPENSAÇÃO ECOLÓGICA, SERVIÇOS AMBIENTAIS E PROTECÇÃO DA BIODIVERSIDADE

sentido subjacente a esta mesma afirmação ultrapassa o meramente literal. Quer-se, com isto, dar uma garantia de que o interessado não comprará “gato por lebre”, adquirindo um crédito que se vem a revelar incapaz de compensar adequadamente o dano por si causado. 2.1.2. A rejeição de uma “Iicence to trash”: um mercado que se rege, em teoria, pelas regras próprias da compensação ex ante A ideia de que os mercados de biodiversidade contribuem para um processo gradual de liberalização dos danos à biodiversidade ― como se a aquisição de créditos fizesse surgir, na esfera jurídica do lesante, uma licença para destruir ―, está longe de corresponder à realidade. Há, inclusive, uma tendência para se confundir a teoria com a prática ou, se se preferir, os contornos e a natureza de um instituto tal como configurado para operar, e a batota introduzida pelos seus utilizadores (por desvio às regras, com ou sem conhecimento e consentimento das entidades supervisoras). Desde logo, conceda-se que a ser uma licença para destruir, a regulação vigente dificulta ao máximo a sua obtenção. Por força dos requisitos traçados pela EPA, existe um iter procedimental rigoroso a seguir: primeiro, o interessado tem de demonstrar que inexiste uma solução ambiental preferível, mediante a realização de um estudo exaustivo e a consideração de todos os efeitos que possam consubstanciar um dano, isolada ou cumulativamente 65; segue-se o esforço de prova da tolerabilidade do dano, mesmo se compensado (assim, por exemplo, a EPA e o ACE têm entendido, a propósito das zonas húmidas, que determinados tipos de danos nunca podem ser autorizados, tais como a afectação significativa do ciclo de vida das espécies

aquáticas

e

o

potencial

de

auto-regeneração

do

Sobre os contornos e a importância deste primeiro requisito, ver Jon SCHUTZ, The steepest hurdle…, cit.. 65

81

INSTITUTO DE CIÊNCIAS JURÍDICO-POLÍTICAS

ecossistema66); mais, deve o proponente expor em que medida a autorização do dano serve a satisfação de um interesse público superior, donde o necessário teste de proporcionalidade que inclui todas as facetas do bem sacrificado e do que se oferece em contrapartida (qualquer que ele seja). Em acréscimo, a compensação ecológica (e o banking) segue uma lógica rigorosa de subsidiariedade, semelhante à que encontramos no artigo 6.º da directiva habitats: num primeiro momento, os impactos adversos identificados devem ser evitados, se possível, uma vez mais considerando (exaustivamente) todas as alternativas viáveis; os que não puderem ser evitados, no todo ou em parte, terão de ser minimizados com recurso à “melhor” técnica conhecida e existente; por fim, os impactos insusceptíveis de mitigação e o remanescente que implique um dano serão objecto de medidas de compensação67. Deverá, porventura, perguntar-se se é justo o receio em apreço uma vez que os mercados de biodiversidade, sem excepção, devem obediência à exigência de equivalência funcional. Deixa-se, a propósito, a reflexão de J. B. RUHL, Alan GLEN e David HARTMAN ao tema do “conservation banking”: “We will trade you ten acres of lush Texas Hill Country for a 100-yard run of the Columbia River. Sound silly? (…) if we are talking about habitat for wildlife, particularly endangered and threatened species wildlife, our proposed trade violates all sensibilities. What good is a run of the Columbia River to an endangered warbler in Texas? Yet, perhaps it is not out of bounds to think about trading endangered species habitat when the trade is closer to apples for apples than our proposed cross-country swap involves”68.

Cfr. o §230.10(c)(1) a (4). Sobre a “three-step mitigation sequence”, cfr. a Part 332 – Compensatory Mitigation for losses of aquatic resources. Em particular, ver a § 332.1(c)(2). Disponível para consulta no site oficial do ACE : http://www.usace.army.mil/. 68 A practical guide to habitat conservation banking Law and Policy, Natural Resources & Environment, American Bar Association, 2005, p. 1 ― disponível para consulta em: http://www.law.fsu.edu/faculty/profiles/ruhl/2005HabitatBanking20NRESummer.pdf. 66 67

82

COMPENSAÇÃO ECOLÓGICA, SERVIÇOS AMBIENTAIS E PROTECÇÃO DA BIODIVERSIDADE

Há, por conseguinte, uma preferência inegável pela adopção de medidas de compensação “in-kind”, que incidam sobre bens ou serviços da mesma quantidade e qualidade dos que serão alvo da lesão. Os próprios créditos e débitos bancários devem, sempre que possível, ser apurados por referência a medidas funcionais, por forma a garantir que os bens e serviços oferecidos em substituição prestam funções de tipo, qualidade e valor comparável aos que se perderam. Assim, por exemplo, o Hydrogeomorphic Approach (HGM) procede à comparação

de

uma

determinada

zona

húmida

com

outra

semelhante, em estado inalterado, para determinar as funções que presta correntemente e as alterações que irão resultar, previsivelmente, das actividades propostas69. Não se ignora, e convém deixar bem explícito, que perante o elevado grau de conhecimento exigido, a complexidade e mesmo a morosidade associada à execução de critérios funcionais, tem-se traduzido num desvio à regra por parte dos bancos e da própria Administração: com efeito, em sua substituição, e em mais de 60% dos casos, são empregues critérios puramente métricos, por referência exclusiva à área compensada vs. área perdida. O facto de a este problema estar associada a ignorância que continua a caracterizar, em larga medida, a nossa percepção dos ecossistemas, ajuda a explicar a complacência da EPA. Com efeito, não é fácil exigir a alguém que assegure a equivalência funcional por reporte a um bem ou serviço cujas idiossincrasias escapam aos entendidos – há uma impossibilidade técnica. Mas esta não é uma deficiência exclusiva dos mercados de biodiversidade: ao invés, aí, e por nos encontrarmos diante de autênticas joint ventures, a taxa de sucesso deve ser maior do que a registada em projectos individuais e isolados. Onde a ciência falhar, manda a cautela que se reforcem os ratios de compensação, em Sobre o HGM e outros exemplos de critérios funcionais, ver Michael BEAN, Rebecca KIHSLINGER e Jessica WILKINSON, Design of U.S. Habitat Banking System..., cit., pp. 44 e segs. 69

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INSTITUTO DE CIÊNCIAS JURÍDICO-POLÍTICAS

benefício da biodiversidade (impondo, em caso de dúvida quanto ao grau de equivalência, ratios de 2:1 ou até mesmo superiores, em função da importância do bem ou do serviço). Os mercados de biodiversidade, pode afirmar-se com segurança, são um mal menor: um escape para as necessidades constantes de crescimento, disciplinando-o de forma flexível e salvando a face do princípio da responsabilização. Tal como a prevenção nem sempre é possível, enquanto estratégia de actuação perante um dano iminente, a

restauração

omnipotente.

in Aliás,

situ

está

quando

longe uma

de das

configurar principais

uma

solução

ameaças

à

biodiversidade é a fragmentação de habitats, cada vez mais reduzidos a pequenas manchas do globo terrestre, não será altura de validar a concentração de esforços, se a mesma favorecer a viabilidade de espécies e a sustentabilidade de funções70? Em todo o caso, a EPA e o ACE não abdicam de uma ligação geográfica entre o objecto das trocas. A localização dos bancos e a implementação dos mercados obedece, na verdade, a regras próprias: para os bancos de zonas húmidas, e sem prejuízo de outros critérios a ter em consideração (condições hidrológicas, do solo, características químicas e físicas do local), vale a regra da bacia hidrográfica – a compensação há-de incidir sobre um sítio que pertence à mesma bacia hidrográfica da área lesada71; para os bancos de conservação, é dada preferência à área de aplicação/influência do plano de recuperação ou de protecção da espécie (se existir), e a áreas de especial valor para a conservação das espécies (se não existir)72. Assim,

70 Identificando, justamente, como ratio do surgimento dos primeiros bancos de biodiversidade, a reduzida taxa de recobro de bens e serviços nos projectos de compensação in situ, ver Matthew H. BONDS e Jeffrey J. POMPE, Calculating Wetland Mitigation Banking credits : adjusting for wetland function and location, in Natural Resources Journal, vol. 43, 2003, pp. 962-963. Para uma súmula das principais vantagens do banking em comparação com a compensação directa, vejam-se as pp. 974-975. 71 Cfr. o §230.92. 72 Cfr. o ponto II.B.3. da Guidance for the Establishment, Use and Operation of Conservation Banks.

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COMPENSAÇÃO ECOLÓGICA, SERVIÇOS AMBIENTAIS E PROTECÇÃO DA BIODIVERSIDADE

se possível, os bancos devem ser adjacentes a áreas ecologicamente relevantes, de habitat idêntico, ou reservadas para a conservação da mesma espécie – se o forem, ainda que de reduzida dimensão, verão aumentar as suas probabilidades de êxito e darão melhor resposta às exigências de tutela do continuum naturale73. A fechar, e talvez se pudesse ter principiado por aqui, é com curiosidade que constatamos que os mercados de biodiversidade são, à luz das Orientações da EPA e do ACE, a única modalidade de compensação ecológica onde a actuação ex ante é a única admitida. Com efeito, ainda que se preveja, com carácter geral, que as acções de compensação devem ser executadas antes da ocorrência dos danos a autorizar ou, quando muito, ao mesmo tempo, apenas quanto aos bancos se dispõe, de forma obrigatória, que nenhum crédito pode ser vendido sem que antes tenham sido atingidas as metas ou critérios de performance fixados no instrumento de aprovação74. O mesmo é dizer que, apenas quando o banco tenha já preservado, melhorado, restaurado ou criado bens e serviços em quantidade e qualidade suficientes, pode o interessado na obtenção de uma autorização adquirir os créditos de que irá necessitar para compensar os danos inerentes à actividade em causa. Excepcionalmente, do instrumento de aprovação pode resultar, para o proprietário do banco, o direito a vender uma pequena percentagem do total de créditos projectado para quando o banco for capaz de assegurar plenamente o nível de funções ecológicas pretendido75. Todavia, para que isso suceda, é necessário, por um lado, que as condições essenciais à viabilidade do banco a longo prazo estejam 73 Recorrendo à definição dada pelo artigo 5º/2/d) da LBA, por continuum naturale entende-se o “sistema contíguo de ocorrências naturais que constituem o suporte de vida silvestre e da manutenção do potencial genético e que contribui para o equilíbrio e estabilidade do território”. 74 Cfr. os §§230.93(b)(2) e 332.3(b)(2). 75 A percentagem de créditos passível de libertação antecipada terá sempre de ser muito reduzida. Na Federal Guidance for the Establishment, Use and Operation of Mitigation Banks era de 15%.

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reunidas aquando da libertação antecipada de créditos, a saber: o instrumento de aprovação e as medidas de compensação tenham sido aprovadas; o sítio do banco estar garantido (ter sido adquirido), e terem sido prestadas garantias financeiras76. Por outro lado, justificar-se-á a expressa previsão no instrumento de aprovação de que a obrigação de compensação só se tem por definitivamente cumprida, em relação aos bens e serviços compensados com créditos antecipados, quando os bens e serviços que os substituem atingirem a sua maturidade – entenda-se, quando o nível de funções perdidas for plenamente reposto (com uma outra inevitabilidade: a de que todas as perdas interinas ou temporárias terão de ser, também elas, objecto de reparação). 2.1.3. As principais dificuldades (e desafios) do Habitat Banking A despeito do seu potencial contributo para a preservação da biodiversidade numa perspectiva de rede, a experiência norteamericana dos mercados de biodiversidade tem permitido identificar tendências desviantes e dificuldades características com que os mesmos se deparam. Num estudo sobre a implementação e evolução de oito bancos de zonas húmidas, de 1998, Fari TABATABAI e Robert BRUMBAUGH começam por sugerir que o termo “sucesso” é relativo: um banco até pode ter sucesso do ponto de vista dos critérios fixados no instrumento de aprovação (isto é, dar cumprimento a todas as imposições da entidade reguladora) e, no entanto, ser um falhanço do prisma ecológico (se essas mesmas imposições ficarem aquém do que seria necessário para gerar a reposição do status quo ante). Seguidamente, os autores propõem a distinção entre os “problemas técnicos” e os

76

“problemas administrativos” que tendem

a ser

Cfr. o §230.98(m).

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COMPENSAÇÃO ECOLÓGICA, SERVIÇOS AMBIENTAIS E PROTECÇÃO DA BIODIVERSIDADE

encontrados77, categorias que ajudam à arrumação de ideias e de que nos serviremos para deixar aqui alguns exemplos. Principiando pelos problemas técnicos, assinala-se um de fácil percepção e já aflorado: como é que a entidade reguladora e o banco podem saber qual a exacta extensão do dano e, em função da mesma, fixar a precisa medida da obrigação de compensação? Nas palavras de Philip GIBBONS e de David LINDENMAYER, “offsetting is based on the assumption that impacts from clearing can be offset if sufficient habitat can be protected, enhanced and / or established elsewhere”78 (sublinhado nosso). Não será essa uma suposição, no mínimo, arriscada, perante a infungibilidade dos bens e serviços cuja perda se quer compensar? A resposta parece-nos evidente: o risco é inevitável sempre que lidamos com realidades que a ciência, no seu presente estádio, se mostra incapaz de apreender integralmente. E a opção só poderá ser: ou a de “empacotar” o instituto da compensação ecológica e vetar todas os planos e projectos cujos efeitos nocivos não possam ser plenamente prevenidos e/ou mitigados ― o que inclui aqueles que seriam aptos a satisfazer um reconhecido interesse público superior (em bom rigor, estar-se-ia a blindar o interesse ecológico e imunizá-lo contra a aplicação do princípio da proporcionalidade); ou a de encontrar, no seu seio, panaceias – mecanismos que, sem oferecer a perfeição, reduzam o mais possível a margem de erro. Uma destas panaceias passa pela combinação de diferentes métodos de compensação. Com efeito, nem todos oferecem as mesmas garantias de que será conseguido o ganho (“addittionality”) de 77 National Wetland Mitigation Banking study. The early mitigation banks: followup review, Institute for Water Resources, 1998, pp. 21-22 ― disponível para consulta em: http://www.iwr.usace.army.mil/docs/iwrreports/98-WMB-WP.pdf. Fica, todavia, a advertência de que os bancos estudados pelos autores se encontram entre os primeiros existentes, remontando a uma altura em que ainda não existiam as Orientações da EPA e do ACE. 78 Philip GIBBONS e de David LINDENMAYER, Offsets for land clearing: no net loss or the tail wagging the dog?, Ecological Management & Restoration, vol. 8, 2007/1, pp. 26 segs, 27.

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que depende a manutenção do estado da rede. Assim, as Orientação da EPA e do ACE defendem que a preservação de zonas húmidas, enquanto opção para compensar um dano que se quer autorizar ao abrigo do Clean Water Act, só pode ser admitida em circunstâncias excepcionais, dada a sua menor capacidade de gerar ganhos de rede79, maxime porque, ao preservar, apenas se mantém uma condição ― logo, evita-se a deterioração para lá do ponto de intervenção, mas não se recuperam perdas anteriores. Mais, tratando-se de licenças que recorram à preservação como método de compensação, o ratio exigido pelo ACE é superior a 1:1, sendo a diferença aferida em função da gravidade do dano e da importância dos recursos preservados para a manutenção das funções aquáticas80. Apenas como exemplo, no Saipan Upland Mitigation Bank (um banco de conservação instalado nas Ilhas Marianna), cujos créditos servem para compensar danos causados ao rouxinol dos caniços com a construção de uma estância turística, foi implementada uma política: (i) de preservação do habitat suficiente para manter um casal de rouxinóis existente no local; (ii) de melhoria do habitat necessário para introduzir um novo casal81. Ainda em sede de problemas técnicos, não há como ignorar que os bens e serviços que um banco coloca no mercado para compensar danos são, pela sua própria natureza, voláteis. É possível garantir que o habitat recriado ou que a espécie introduzida vão perdurar durante o tempo necessário? Esta é uma incerteza que acaba por se reflectir em dois pormenores da regulação. Um, traduz-se na obrigação legal de cada banco apresentar, logo aquando da aprovação, garantias do seu financiamento e gestão a longo prazo, desde títulos e letras de

Cfr. os §§230.93 (h)(1) e 332.3 (h)(1). No mesmo sentido, ver a Federal Guidance for the Establishment, Use and Operation of Mitigation Banks, ponto II.B.4. 80 Cfr. o §332.8 (o)(6). 81 Mitigation Banking as an Endangered Species…, Appendix I, pp. 9 e segs. 79

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COMPENSAÇÃO ECOLÓGICA, SERVIÇOS AMBIENTAIS E PROTECÇÃO DA BIODIVERSIDADE

crédito, escrow accounts82, seguros ou a inclusão, no respectivo instrumento de aprovação, de uma cláusula de transmissão da propriedade (por exemplo, a favor de uma entidade pública). Quanto à sua duração (isto é, ao período de tempo durante o qual o beneficiário pode activar as garantias), a regra é a do balanço temporal entre os danos autorizados e a sua compensação: os de efeitos permanentes devem ser contrabalançados por garantias prestadas em perpetuidade; e os de efeitos não permanentes, sê-lo-ão através de garantias que sejam, no mínimo, de duração equivalente à estimada para a sua subsistência. O outro pormenor traduz-se na promoção de um modelo de “adaptive management” que incorpore no instrumento de aprovação medidas de contingência83. Por outras palavras, se os relatórios de monitorização ou se os dados livremente fornecidos pelo banco denotarem um fraco progresso, deve reagir-se o mais rapidamente possível e corrigir a falha (ou falhas) – eventualmente, revendo a sua localização, as medidas de compensação em prática ou o ratio de compensação usado. A propósito dos problemas administrativos, um alerta frequente é o de que os casos de sucesso “do not simply fall out of the sky”. Investir num banco (pelo menos, de forma racional), exige que se domine a lógica de mercado inerente ao seu funcionamento. Olhando para a história do Hickory Pass Ranch Conservation Bank, em Austin – Texas, que recria o habitat natural do rouxinol de bochecha dourada, a sua

82 As escrow accounts são contas de garantia, através das quais um proprietário, promitente ou obrigado ao cumprimento de uma obrigação, legal ou contratual, confia um determinado bem (em regra, uma quantia pecuniária ou um conjunto de valores) à guarda de terceiro, para que seja mantido e apenas desbloqueado na ocorrência de um evento ou condição pré-fixada (in casu, uma qualquer contingência relacionada com o funcionamento do banco). 83 Cfr. os §§230.97(c) e 332.7(c).

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criação foi precedida de um estudo intensivo das condições do mercado local, sem com isso descurar os aspectos ecológicos84: - num primeiro momento, o banqueiro começa por estimar o potencial produtivo do banco, comparando o estado inicial do sítio visado com aquele que resultará da sua fixação e da execução das medidas de compensação (isto é, fazendo uma estimativa dos créditos que o banco irá gerar); - num segundo momento,

terá de ponderar o nível da procura,

dentro da área de serviço do banco (uma estimativa dos débitos que o banco irá absorver) – o que nem sempre é fácil, dada a natureza subjectiva e imprevisível da regulação, do crescimento urbanístico e do mercado imobiliário; - num terceiro momento, deverá proceder-se a um ajustamento do preço de venda dos créditos, consoante os custos registados e a relação entre a oferta e a procura; - num quarto momento, finalmente, o banqueiro terá de comparar o preço a que chegou com o custo, para os potenciais compradores, das alternativas disponíveis naquele mercado (v.g., compensação directa, ou pagamento a Fundos de Conservação). O mesmo exemplo permite constatar a importância de o banco dispor de apoio científico. A expressão “joint venture” pressupõe, na verdade, algo mais do que o contributo do banqueiro, do regulador e/ou das entidades públicas locais. Passo a passo, desde a sua génese, é fundamental que os entendidos sejam chamados a dar o seu contributo,

desde

os

académicos

aos

biólogos



sendo,

por

conseguinte, altamente recomendável a constituição de comités de aconselhamento. Acresce que, se um banco não chegar a ser aprovado, todo este esforço do banqueiro sai frustrado. Ora, para que um banco seja aprovado, já não se exige o simples domínio da lógica de mercado (a J. B. RUHL, Alan GLEN e David HARTMAN, A practical guide to habitat conservation…, cit., pp. 6 e segs. 84

90

COMPENSAÇÃO ECOLÓGICA, SERVIÇOS AMBIENTAIS E PROTECÇÃO DA BIODIVERSIDADE

sua utilidade vem depois). O banqueiro de biodiversidade tem de saber articular essa lógica com todas as outras que interagem no âmbito destes novos mercados, sendo as principais concorrentes a ecológica e a reguladora. No caso do Clearwater Bank, em Hartshorne – Oklahoma, este aspecto ficou bem patente, considerando todas as “dificuldades” que os proprietários tiveram de superar para negociar, com sucesso, a sua aprovação. Desde a subcontratação necessária à realização de trabalhos de remoção de terras (para preparação do sítio), passando pela obtenção de licenças, pela coordenação com projectos de construção civil confinantes, e terminando nas exigências do comité de avaliação e do mayor, “...the bankers achieved the alignment of disparate forces through their own flexibility while not expecting these other interests and climatic forces to conform to a strictly economic calculus”85.

“On top of it all”, os mercados de biodiversidade carecem de ser vigiados em permanência e com o maior rigor possível, quer através da submissão de relatórios de performance às entidades supervisoras (em intervalos compatíveis com a estratégia de gestão acordada, a fim de permitir traçar uma evolução entre diferentes períodos de “gestação” das medidas de compensação), quer por via de inspecções ao local – um misto de auto e de hetero-monitorização, à semelhança do que sucede no âmbito da avaliação de impacto ambiental de planos e projectos86. Não está apenas em causa o brio da Administração, ou seja, saber se as condições que foram impostas em troca da autorização do banco estão ou não a ser respeitadas. Na verdade, se o banqueiro não for diligente e agir por sua própria iniciativa, é através dos relatórios de monitorização e das acções de inspecção que a Administração pode vir a deparar-se com a necessidade de urgente

Morgan ROBERTSON, The work of wetland credit…, cit., pp. 44 e segs. Em Portugal, cfr. a Secção VI do Capítulo III do RAIA, intitulada “pósavaliação”. 85

86

91

INSTITUTO DE CIÊNCIAS JURÍDICO-POLÍTICAS

implementação das medidas correctivas: aquelas que constam do instrumento de aprovação ou outras que assegurem a compensação integral dos danos à biodiversidade. 2.2. A realidade europeia – uma experiência feita “de baixo para cima” A ligação entre o mercado e a preservação de biodiversidade está longe

de

ser

ignorada

no

velho

continente.

Da

leitura

das

Comunicações da Comissão Europeia, e sem prejuízo de não nos podermos deter exaustivamente sobre as mesmas, fica a clara impressão de que, ainda assim, a evolução intelectual fica muito aquém da transformação prática, ao estilo de um muito gradual e cauteloso “se não podes vencê-los, junta-te a eles”. Assim, na Comunicação dirigida ao Conselho, ao Parlamento Europeu, ao Comité Económico e Social e ao Comité das Regiões sobre o sexto programa de acção da União Europeia em matéria de ambiente, de Janeiro de 2001, com o nome “Ambiente 2010: o nosso futuro, a nossa escolha”87, pode ler-se que: “A protecção do ambiente coloca-nos simultaneamente perante desafios e oportunidades... A protecção do nosso ambiente não tem de se traduzir numa restrição do crescimento ou do consumo em si mesmos. O nível ambicioso das normas ambientais constitui também um motor para a inovação – criando novos mercados e oportunidades de negócio”.

Pouco tempo depois, na Comunição dirigida ao Conselho Europeu de Gotemburgo, de Maio de 2001, intitulada “Desenvolvimento sustentável na Europa para um mundo melhor: Estratégia da União Europeia em favor do desenvolvimento sustentável”88, reconhece-se expressamente a forma como a sinalização de preços, típica da lógica de mercado, pode servir para corrigir condutas ambientalmente A versão integral da Comunicação, publicada em português, pode ser consultada em: http://eurlex.europa.eu/LexUriServ/LexUriServ.do?uri=CELEX:52001DC0031:PT:NOT. 88 A versão integral da Comunicação pode ser consultada em: http://eurlex.europa.eu/LexUriServ/LexUriServ.do?uri=CELEX:52001DC0264:PT:HTML 87

92

COMPENSAÇÃO ECOLÓGICA, SERVIÇOS AMBIENTAIS E PROTECÇÃO DA BIODIVERSIDADE

indesejáveis e, ao mesmo tempo, recompensar quem investe em actividades

sustentáveis,

em

detrimento

de

outros

instrumentos

económicos como os subsídios públicos: « As reformas do mercado destinadas a fixar preços correctos podem gerar novas oportunidades de as empresas desenvolverem serviços e produtos que atenuam a pressão sobre o ambiente e satisfazem necessidades sociais e económicas. Por vezes, isto equivale ao financiamento público de serviços que, caso contrário, não seriam prestados, nomeadamente serviços públicos essenciais em zonas de baixa densidade populacional. Mais frequentemente, o problema consiste em eliminar subsídios que promovem o desperdício de recursos naturais e atribuir um preço à poluição. Este tipo de alteração de preços é um incentivo permanente ao desenvolvimento e utilização de tecnologias e equipamentos mais seguros e menos poluentes, constituindo muitas vezes tudo o que é necessário para fazer pender a balança em seu favor ».

O tema específico dos bancos de biodiversidade só viria, ainda assim, a ser introduzido no debate em 2007: primeiro, em Janeiro, por via do já “tratado” Guidance Document (cfr. supra 1.2.2.); e, em Março, através do Livro Verde da Comissão, sobre instrumentos de mercado para fins da política ambiental e de políticas conexas 89. De seguida, veremos como esta introdução, nos moldes extremamente restritos em que foi feita, pouco representou em termos de um compromisso ao nível da União, ao ponto de as únicas iniciativas conhecidas, desamparadas de uma regulação comum, partirem de cada Estado-membro. 2.2.1. A perspectiva institucional e normativa Das duas instituições da União Europeia que mais vezes têm sido chamadas a pronunciar-se sobre a disciplina da compensação ecológica ex ante, dir-se-á que pouco ou nenhum foi o tempo despendido em reflexão sobre os mercados de biodiversidade. Relativamente ao Tribunal de Justiça da União Europeia, este alheamento é mais compreensível: enquanto órgão jurisdicional, na

A versão integral do Livro Verde, publicada em português, pode ser consultada em: http://eurlex.europa.eu/LexUriServ/site/pt/com/2007/com2007_0140pt01.pdf. 89

93

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maior parte das vezes chamado a intervir por via do reenvio prejudicial ou no âmbito de acções por incumprimento, a sua intervenção encontra-se algo limitada. Nos casos de reenvio, o Tribunal do Luxemburgo vai apreciar apenas as questões concretas que lhe foram colocadas pela jurisdição nacional e que, até hoje, nunca versaram sobre o recurso e/ou contornos dos mercados de biodiversidade. Por seu turno, nas acções por incumprimento, e em homenagem aos princípios

da

separação

de

poderes

e

discricionariedade administrativa, o Tribunal

de

salvaguarda

da

debruça-se sobre a

suficiência das medidas de compensação adoptadas em cada caso concreto, à luz dos objectivos de conservação traçados pela legislação vigente90. Logo, até que o incumprimento se reporte a uma situação específica que envolva um Estado-membro e uma sua obrigação de compensação ecológica através da criação de um banco ou reserva de biodiversidade, permanece a expectativa de saber qual é o entendimento do guardião da ordem jurídica da União. Mais difícil é, na verdade, justificar a apatia da Comissão Europeia que, salvo raras excepções, só muito timidamente se pronunciou sobre a nova via de tutela da biodiversidade – e sempre com o cuidado de ressalvar o seu carácter excepcional. No supra referido Guidance Document, ao tratar do âmbito geral das medidas compensatórias que podem ser adoptadas ao abrigo do artigo 6º/4 da Directiva Habitats, a abordagem é feita num tom que é tudo menos encorajador: “A opção de constituir reservas de habitats (habitat banking) como medida compensatória (...) apresenta um interesse bastante limitado, devido aos critérios estritos referidos no respeitante à necessidade de compensação para garantir a protecção da coerência da rede [natura 2000]”91.

Apenas a titulo de exemplo, vejam-se os Acórdãos Marismas de Santoña, caso C-355/90, de 2 de Agosto de 1993, e Comissão contra a França, caso C-166/97, de 18 de Março de 1999. Ambos ilustram o tipo de controlo exercido pelo Tribunal de Justiça, um controlo de suficiência, perante os objectivos de conservação da biodiversidade, por oposição à escolha das medidas de compensação. 91 Cfr. o ponto 1.4.3. do Guidance Document. 90

94

COMPENSAÇÃO ECOLÓGICA, SERVIÇOS AMBIENTAIS E PROTECÇÃO DA BIODIVERSIDADE

Da mesma forma, no Livro Verde, depois de percorrida a Introdução, na qual se dá conta de uma “nova tendência” para privilegiar, progressivamente, os instrumentos económicos e de mercado, e após reconhecer-se que os danos inevitáveis infligidos à biodiversidade podem ser compensados “através da criação de habitats semelhantes noutros locais”, a Comissão enuncia que: (i) “deve ser mantida a equivalência de habitats”; (ii) “devem existir critérios de aferição”, e (iii) “no caso das zonas protegidas, apenas em último recurso devem ser aplicadas medidas compensatórias para a perda de habitats”92. Pela nossa parte, cremos que a exigência expressa de equivalência funcional é escusada, dado constituir um pressuposto comum a qualquer modalidade de compensação ecológica (ex ante ou ex post). Já a restrição do âmbito objectivo da compensação ecológica por recurso a bancos ou reservas de habitat é uma decorrência do contexto específico em que a mesma é ponderada: o de derrogação do regime de conservação de áreas de protecção especial e de áreas especialmente protegidas que preconiza, nos termos do artigo 6º/4 da Directiva Habitats, a manutenção da coerência global da rede Natura 200093. O problema não é, portanto, endógeno (dos mercados de biodiversidade) mas exógeno (da configuração da rede de áreas protegidas). Existe, subjacente à ideia de coerência global desta mesma rede, a adstrição da compensação a critérios estritos de concretização, quanto ao seu objectivo, à sua localização e às suas funções. Assim, por exemplo, no quadro da Directiva Aves, a compensação deverá: possuir objectivos idênticos aos da decisão inicial de classificação e de conservação de uma determinada área; desempenhar a mesma função na mesma rota migratória e incidir sobre Cfr. o ponto 4.3. do Guidance Document. Esclareça-se que, conforme decorre do artigo 7º da Directiva Habitats, o procedimento derrogatório ou de desclassificação traçado no artigo 6º é aplicável, igualmente, as áreas de protecção especial, classificadas ao abrigo da Directiva Aves. 92 93

95

INSTITUTO DE CIÊNCIAS JURÍDICO-POLÍTICAS

uma área de fácil acesso às aves que frequentem, habitualmente, a área classificada. Para a Comissão: “...se uma ZPE com a função específica de proporcionar áreas de repouso para aves migratórias na sua rota para o Norte for afectada significativamente por um projecto, as medidas compensatórias propostas devem incidir na função específica desempenhada pelo sítio. Deste modo, a adopção de medidas compensatórias passíveis de reconstituirem as condições necessárias para o repouso das mesmas espécies numa zona situada fora da rota migratória, ou dentro desta, mas a uma distância considerável, não seria suficiente para assegurar a coerência global da rede...”94.

Haverá, portanto, e na perspectiva da Comissão, um conjunto de serviços

ecossistémicos

cuja

perda

não

pode

ser

plenamente

compensada fora do sítio original (entenda-se, não é susceptível de compensação ex situ), de que constituiu exemplo o suporte migratório assegurado

por

determinados

habitats,

cuja

supressão

afecta

directamente os hábitos de aves migratórias e/ou de ocorrência regular. Numa perspectiva estritamente normativa, e ainda em relação à Directiva

Habitats,

as

exigências

“like

for

like”

restringem

consideravelmente a eventual procura por créditos de biodiversidade, dentro de cada Estado-membro mas, sobretudo, entre diferentes regiões biogeográficas. Todavia, nem tudo são más notícias. Por um lado, nada impede que os bancos de biodiversidade sejam usados no quadro de um regime obrigatório ligado ao artigo 6º/1. Por exemplo, sempre que se preveja um empreendimento, poderá ser adequado ponderar e integrar no plano de gestão elaborado para o sítio as medidas compensatórias, antes de ser tomada uma decisão final pelas autoridades competentes. Por outro, fora dos sítios da rede Natura 2000, podem vir a ser usados créditos de biodiversidade para reforçar o nível de protecção, devido às espécies referidas no artigo 12º e listadas no Anexo IV95. Sendo certo,

94 95

Cfr. o ponto 1.4.2. do Guidance Document. Neste sentido, cfr. The use of market-based instruments…, cit., p. 179.

96

COMPENSAÇÃO ECOLÓGICA, SERVIÇOS AMBIENTAIS E PROTECÇÃO DA BIODIVERSIDADE

frise-se, que num e noutro casos o mercado não é chamado a intervir no âmbito da compensação ecológica ex ante. Olhando, agora, para a Directiva 2004/35/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, relativa à responsabilidade ambiental em termos de prevenção e reparação de danos ambientais, não vemos razão para rejeitar liminarmente a articulação entre a obrigação de compensação aí consagrada e as novas soluções de mercado. Com efeito, por aplicação conjugada dos artigos 6º/1, alínea b), e 7º/1, o operador, perante a consumação de um dano ambiental, deve identificar e apresentar à autoridade competente (nacional) as medidas de reparação adequadas, seguindo as orientações traçadas no Anexo II. Ora, da leitura do Anexo II resulta, para os danos causados às espécies e habitats naturais protegidos, uma hierarquia de reparação. Na eventualidade de não ser possível a reparação “primária” do bem ou serviço afectado, deve proceder-se à reparação “complementar”, por “qualquer medida” capaz de “proporcionar um nível de recursos naturais e/ou serviços, incluindo, quando apropriado, num sítio alternativo, similar ao que teria sido proporcionado se o sítio danificado tivesse regressado ao seu estado inicial”96. Do que se trata é, conforme supra se expôs a propósito do diploma pátrio de transposição desta

Directiva

(o

DL

147/2008),

de

reparação

por

via

de

compensação. Logo, desde que um banco consiga providenciar o nível de equivalência que se exige, e à falta de indicação legal em contrário, será (mais) uma opção ao dispor do operador. Sendo certo, insiste-se, que nos encontramos fora do âmbito da compensação ecológica ex ante. Como última referência normativa, diremos que não é, sequer, de excluir o recurso aos mercados de biodiversidade (naturalmente, se implementados) no contexto da Directiva 2011/92/UE, do Parlamento Europeu e do Conselho, relativa 96

à avaliação dos

efeitos

de

Cfr. os pontos 1. b) e 1.1.2. do Guidance Document.

97

INSTITUTO DE CIÊNCIAS JURÍDICO-POLÍTICAS

determinados projectos públicos e privados no ambiente (vulgarmente designada por Directiva AIA)97. De acordo com o artigo 5º/3/b), de entre as informações a fornecer pelo dono da obra (entenda-se, do projecto sujeito a avaliação de impacto ambiental) conta-se “uma descrição detalhada das medidas previstas para evitar, reduzir e, se possível, compensar os efeitos negativos significativos”. Não obstante, ainda que o banking possa servir para conseguir a atenuação destes efeitos, é certo que nos encontramos perante impactos e não danos ambientais, esses sim o cerne do instituto em apreço. Eis-nos, pois, chegados a uma conclusão inevitável: a de que existem, no Direito da União, várias pontes de acesso aos mercados de biodiversidade. Infelizmente, para o nosso estudo, poucas são as verdadeiras oportunidades no que toca à compensação ex ante de danos causados à biodiversidade. 2.2.2. As experiências encetadas a nível nacional Um pouco por todo o mundo, de iniciativa estatal, regional ou local, pública e/ou privada, a criação de mercados de biodiversidade para dar resposta às crescentes perdas de rede, sem comprometer outras políticas de fundo (como o crescimento económico, alojamento, produção de alimentos, emprego...), é cada vez mais comum. E o Velho continente, conforme ilustração que infra se deixa, não escapa à regra. De França, Estado-membro que elegemos para selecção do primeiro exemplo, chega-nos o projecto-piloto da Planície de Crau, situado na região de Provence-Alpes-Cotes d’Azur, local onde encontramos o único exemplar de estepe semi-árida existente na Europa Ocidental. Apesar da importância ecológica deste bioma, que constitui o habitat de várias espécies de aves raras e ameaçadas, insectos e plantas, a Faz-se referência a esta “nova” diretiva AIA, sem prejuízo de a directiva 85/337 (e suas alterações) ser aquela que, para todos os efeitos, se encontra transposta presentemente para o direito interno. 97

98

COMPENSAÇÃO ECOLÓGICA, SERVIÇOS AMBIENTAIS E PROTECÇÃO DA BIODIVERSIDADE

pressão causada por factores externos (a construção de vias rodo e ferroviárias, implantação de unidades de captura e de produção de energia, a poluição causada pela lixeira municipal de Marselha) era motivo de degradação do estado inicial da biodiversidade. Como resposta, e depois de terem sido tentados outros métodos de conservação (como a inserção da Planície de Crau na rede Natura 2000 e a classificação de 7.411 hectares como Reserva Natural Nacional), a CDC Biodiversité98 optou por adquirir uma parcela da planície (cerca de 357 hectares) para aí implantar um banco de biodiversidade99. Para localização exacta, a CDC escolheu uma parcela adjacente à Reserva Natural Nacional, visando aumentar a coerência ecológica local e a conectividade de habitats. Como objectivo, elegeu-se: a recuperação da cobertura vegetal nativa, perdida após uma conversão da terra para uso agrícola, com recurso a acções de melhoria das condições ecológicas da estepe, pela conversão de pomares e campos abandonados e remoção de equipamentos agrícolas. Na Alemanha, Sandra NAUMANN, Antje VORWEK e Ingo BRÄUER, dão-nos a conhecer duas experiências com origens e estratégias distintas100. Uma, é do habitat banking instituído e gerido pelo Município de Mainz, como forma de dispor de uma reserva (“pool”) de hectares à qual recorrer perante projectos que careçam de compensação a uma larga escala. De cada vez que um projecto de construção é aprovado,

Entidade integrada na Caisse des Dépôts, uma instituição financeira, sob controlo parlamentar, encarregue da prossecução de interesses públicos, de âmbito geral e territorial. 99 Mais desenvolvidamente, sobre esta experiência francesa, ver Les mesures compensatoires pour la Biodiversité, publicado pelo Réseau Régional des Gestionnaires d’Espaces Naturels Protégés, em colaboração com o CEEP. Disponível para consulta em: http://www.arpepaca.org/files/20110509_Mesurescompensatoires4bd.pdf. 100 Compensation in the form of Habitat Banking: short case-study report, Remede, 2008, pp. 7- 8 ; sobre a previsão do banking na legislação urbanística e ambiental, ver a p. 3 ― disponível em: http://www.envliability.eu/docs/D12CaseStudies/D12_REMEDE_Habitat_Banking_Oct%2 008.pdf. 98

99

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o interessado vê-se obrigado a “reservar” uma parcela de terreno, que vai integrar a reserva e servir como uma espécie de “cintura verde”. Por vezes, o Município chega a acordo com os privados para trocar a parcela reservada (que permaneceu, para todos os efeitos, na sua propriedade) por uma outra (pública), para conseguir formar uma área de compensação mais abrangente. Uma outra experiência que os autores citados nos apresentam é a do banco Hof Hasemann, criado em Fevereiro de 2000, na Baixa Saxónia, totalmente privado. Com um total de 86 hectares, esta antiga quinta é, hoje, capaz de compensar danos causados em sítios distintos e tem como principal cliente a cidade de Bramsche, localizada a cerca de 15 km. É uma parceria que aproveita a ambos: por um lado, ao banco e à fundação que o gere, com as receitas geradas pela venda de créditos; por outro lado, à localidade, que pode reorientar os seus recursos administrativos

para

outras

tarefas,

pagando

ao

banco

para

compensar os danos que forem sendo causados pela construção de novos edifícios e/ou infra-estruturas. Em Inglaterra, Rob GILLESPIE e David HILL sugerem que a ideia dos bancos de biodiversidade está muito perto de algumas das práticas que já se conhecem. Um dos exemplos avançados é o das obras no porto de Felixstowe, para aumentar a profundidade em dois metros e acomodar barcos de maior envergadura101. Com as escavações e a dragagem do fundo do mar, alterou-se o movimento da maré e acelerou-se a erosão da parede costeira. A solução encontrada foi a de criar 16,5 hectares de habitat litoral numa zona agrícola em Trimley, realinhando a parede costeira.

Cfr. este e outros exemplos em Rob GILLESPIE e David HILL, A new look at nature and development mitigation, Town & Country Planning, vol. 76, 2007/4, pp. 121 segs, 124. 101

100

COMPENSAÇÃO ECOLÓGICA, SERVIÇOS AMBIENTAIS E PROTECÇÃO DA BIODIVERSIDADE

Finalmente, em Espanha, o El Pais publicou, recentemente, uma notícia a dar conta do “Ecoacsa, un banco para la naturaleza”102. Contrariamente ao que o título sugere, não se trata de um banco de biodiversidade. O Ecoacsa é um projecto – uma empresa que presta serviços inovadores em matéria de conservação da biodiversidade, um dos quais o “desarrollo de planes para la puesta en funcionamiento de bancos de conservación de la naturaleza”103. É, em bom rigor, um consultor especializado em mercados de biodiversidade e que os promove junto de outras empresas e de proprietários: “Para las empresas, son un modo de obtener visibilidad via responsabilidad corporativa, pues les permite optimizar sus procesos productivos. Para los proprietarios de tierras, les permite obtener una rentabilidad que antes no podía darle a un terreno. Lo hacen valorizando los servicios ambientales que genera un ecosistema...”.

Por detrás de todas estas experiências, encontramos a mesma lógica que subjaz à prática norte-americana dos mercados de biodiversidade: garantir a neutralidade dos planos ou projectos ambientalmente nocivos, sempre que causem danos ambientais insusceptíveis de prevenção e/ou mitigação, pela criação de uma reserva de activos biológicos transaccionáveis, equivalentes aos bens e serviços afectados, e disponível previamente à sua afectação. Não está em causa um direito a destruir, mas sim a procura da melhor solução para cada situação concreta – nuns casos, in situ, noutros, ex situ. Porém, ao contrário da prática norte-americana, inexiste ao nível da União um sistema institucionalizado ou um quadro normativo específico (mesmo sem ser vinculativo), o que acaba por aumentar o risco de insucesso pois, se os potenciais benefícios são grandes, também o são os perigos de se registarem perdas de rede se não se proceder com a maior das cautelas. Urge, portanto, na nossa opinião, disciplinar aqueles Esta notícia encontra-se disponível, na íntegra, em: http://economia.elpais.com/economia/2013/04/10/actualidad/1365587726_831386.ht ml. 103 Cfr. http://www.ecoacsa.com/servicios.html. 102

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que são os aspectos essenciais do banking: (i) a clarificação das acções

de

compensação

passíveis

de

gerar

um

ganho

de

biodiversidade; (ii) a delimitação dos critérios de localização dos bancos; (iii) a quantificação dos créditos; (iv) a fixação da duração mínima das acções de compensação. Tão breve quanto surjam directrizes claras e uniformes sobre estes pontos, assistiremos certamente à rápida multiplicação dos exemplos que aqui deixamos. 3. Biodiversidade e mercado, uma relação desaconselhável (?) Do percurso que vimos trilhando, transparece que a ideia de constituição de mercados de biodiversidade, com origem nos EUA e em duas

das

principais

leis

norte-americanas

de

protecção

da

biodiversidade – o Clean Water Act, de 1972, e o Endangered Species Act, de 1973 – se assume como uma terceira via da compensação ecológica de habitats admitida, pela primeira vez, pela Convenção Ramsar. À primeira vista, poderia pensar-se que as diferenças em relação ao já conhecido mercado de títulos de emissões de CO 2, estruturado, na União Europeia por força da ratificação do Protocolo de Quioto, são poucas. Todavia, convém ter presente que a biodiversidade é uma realidade bastante diferente da atmosfera, concretamente no que tange a sua fungibilidade. Com efeito, a substituibilidade de componentes de flora, fauna e suas interrelações é altamente duvidosa, percepção que desaconselha a “normalização” desta nova técnica da compensação. Quando, em 1992, a Convenção sobre a Diversidade Biológica qualificou a conservação da biodiversidade como uma “preocupação comum da Humanidade”, já havia dados suficientemente dramáticos sobre a degradação do meio ambiente e a extinção de muitas espécies, animais e vegetais. Dez anos antes, a Carta Mundial da Natureza havia lançado o repto da conservação (“…the supreme importance of protecting natural systems, maintaining the balance and 102

COMPENSAÇÃO ECOLÓGICA, SERVIÇOS AMBIENTAIS E PROTECÇÃO DA BIODIVERSIDADE

quality of nature and conserving natural resources, in the interests of present and future generations…” ― do Preâmbulo) e, embora sem o seu pendor ecocêntrico, a Convenção da UNESCO sobre o património natural e cultural mundial, de 1972, também deixara o alerta para a imperiosa necessidade de salvaguardar valores meta temporais e meta geracionais de danos irreversíveis (“…the importance, for all the peoples of the world, of safeguarding this unique and irreplaceable property, to whatever people it may belong...” ― do Preâmbulo). A (in)definição de “diversidade biológica” que decorre da Convenção de 1992 atesta bem a complexidade do objecto: "variabilidade entre os organismos vivos de todas as origens, incluindo, inter alia, os ecossistemas terrestres, marinhos, e outros ecossistemas aquáticos e os complexos ecológicos dos quais fazem parte; compreende a diversidade dentro de cada espécie, entre as espécies e dos ecossistemas" (cfr. o artigo 2º) ―, e a dificuldade da sua substituição, uma vez severamente danificado. Conforme sobreleva FRITZ-LEGENDRE, a biodiversidade traduz uma realidade complexa porque ela não é apenas a soma das partes, mas também o resultado das interacções entre elas104. A biodiversidade constitui uma síntese de noções jurídicas (res communis, res nullius, bens corpóreos, bens incorpóreos)105 e de componentes bióticos (exemplares de fauna e de flora; habitats e ecossistemas; seus serviços; suas interrelações)106, composição que pode tornar árdua a tarefa de, uma vez afectado um componente ou factor, proceder à sua reposição ou à sua replicação. Bem assim como avaliar, definitivamente, a reversibilidade ou irreversibilidade de um dano ― e o momento em que ele se torna irreversível ― , pois os sistemas ecológicos têm resiliências insuspeitadas e podem conseguir recuperar, naturalmente, de certas

Myriam FRITZ-LEGENDRE, Biodiversité…, cit., p. 80. Para mais desenvolvimentos, veja-se Marie-Pierre CAMPROUX-DUFFRÈNE (Plaidoyer civiliste…, cit., pp. 9 segs), acentuando a preponderância de componentes res communis. 106 Cfr. Marie-Pierre CAMPROUX-DUFFRÈNE, La création d’un marché…, cit., pp. 7173. 104 105

103

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lesões que à partida pareceriam fatais. Seguro parece ser que tal dinâmica pode evitar ou atrasar a degradação ou extinção mas dela sempre resultará algo diverso do que existia antes da intervenção107 ― facto que vem relativizar a noção de “significatividade” ou gravidade do dano, aumentando, correlativamente, a complexidade da tarefa de determinação de medidas compensatórias. A Convenção Ramsar, ao abrir a porta à compensação por equivalente em sede de zonas húmidas, destapou uma caixa de Pandora na medida em que, e embora por motivos ponderosos, aceitou que a destruição ou diminuição de uma zona húmida pudesse ser colmatada pela recuperação de outra, na mesma zona ou noutro local. Este instituto, que deveria ser encarado a título absolutamente excepcional, acabou por ser o motor da instituição do habitat banking nos EUA e animou experiências do género no seio da União Europeia – sob o olhar céptico da Comissão, é certo, mas que vão despontando a nível nacional (cfr. supra, 2.). É certo, dir-se-á, que mais vale destruir, compensando, do que destruir sem contrapartidas. Os danos consentidos pelo regime da rede Natura 2000 e pelo regime nacional da protecção da natureza devem justificar-se numa lógica de harmonização de interesses e da pontual sobrevaloração do interesse sócio-económico ao interesse ecológico ― logo, as autorizações hão-de reduzir-se ao estritamente essencial e não banalizar-se

em

compensação.

nome Ou

seja,

de

um

deve

facilitismo autorizar-se

nas

operações

porque

se

de

pode,

adequadamente, compensar, e não compensar-se para se poder, arbitrariamente, autorizar.

107 Sobre a noção de irreversibilidade aplicada ao dano à biodiversidade, desenvolvidamente, Myriam FRITZ-LEGENDRE, Biodiversité…, cit., passim. A autora, se bem que aceitando algum relativismo na apreciação da reversibilidade do dano, não deixa de anotar, particularmente, que « toute disparition a un caractère irréversible de par ses conséquences sur les processus écologiques globaux et [elle] menace l’intégrité de la biosphère. L’idée d’intégrité a un caractère qualitatif et renvoie à un ensemble qui est demeuré intact » (p. 87).

104

COMPENSAÇÃO ECOLÓGICA, SERVIÇOS AMBIENTAIS E PROTECÇÃO DA BIODIVERSIDADE

A compensação é, não se nega, um instituto paradoxal: no rigor dos rigores, deveria ser afastada, sobretudo na perspectiva ex ante, uma vez que constitui uma derrogação manifesta do princípio da prevenção de danos ao ambiente; no entanto, ignorar a sua possibilidade, desde que criteriosa e excepcional, seria uma atitude irrealista e, em última análise, ainda mais lesiva para a biodiversidade, que ficaria assim duplamente ferida (por via da acção destrutiva e por via da omissão compensatória). Aceitar a sua existência não implica, contudo, relaxar o grau de exigência, independentemente da forma escolhida para compensar. A mercantilização da biodiversidade nunca pode ser vista e/ou transformada num salvo-conduto do livre arbítrio de uns (que lesam), à custa do sacrifício de outros (que compensam). Assim, as condições que se exigem para que, simultaneamente, essa meta seja atingida e a frágil aliança entre os mercados e a biodiversidade fique validada, na esteira de autores como Marie-Pierre CAMPROUX-DUFFRÈNE,

Phillip

GIBBONS

e

David

LINDENMAYER108,

pressupõem que: i) a recuperação dos bens e serviços perdidos seja possível ex situ e, em caso afirmativo, numa área contígua ou geograficamente ligada à que sofre a lesão, que a prolonga e complementa; ii) as operações de compensação se desenrolem, tanto quanto possível, previamente à destruição ou, no mínimo, à medida que esta vai evoluindo, por forma a evitar perdas temporárias; iii) exista um controlo e supervisão pública constantes; iv) se conceba um plano de contingência que permita a revisão, adaptação e/ou substituição das medidas inicialmente fixadas por outras mais adequadas à evolução natural do sítio e das espécies; e 108 Cfr., respectivamente, La création d’un marché…, cit., pp. 75-76 ; e Offsets for land clearing…, cit., pp. 29 e 30. Ainda, para um panorama dos principais aspectos que devem ser corrigidos, tal qual denotados pela experiência empírica dos bancos de zonas húmidas nos EUA, ver Jeffrey MATTHEWS e Anton G. ENDRESS, Performance criteria, compliance success and vegetation development in Compensatory Mitigation Wetlands, Environmental Management, 2008, pp. 135 e segs ― disponível em: http://link.springer.com/article/10.1007%2Fs00267-007-9002-5.

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v) haja consciência de que certos benefícios (para os lesantes) trazem (para os bancos) um compromisso em perpetuidade, sempre que os efeitos dos danos persistam com o passar do tempo – então, também as medidas de compensação terão de persistir, e os respectivos créditos serão “bloqueados” (isto é, deixam de poder ser novamente usados). Sublinhe-se que, no nosso sistema, relativamente: a) Ao objecto das medidas compensatórias, as expressões da RPRDE são bastante clarificadoras da elíptica fórmula de “custo ambiental” utilizada pelo artigo 36º do RCNB. Recordem-se os critérios presentes nos Anexos IV e V supra descritos, bem assim como as considerações expendidas no Guidance document da Comissão sobre medidas compensatórias em sede de rede Natura 2000, e rapidamente se constatará a utilidade de unificação de regimes; b) Ao tempo das medidas compensatórias, a norma do artigo citado é algo ambígua mas julgamos dever dela depreender-se que as medidas compensatórias da instalação do projecto devem ser fixadas na DIA (ou acto equivalente ou prevalecente) e deverão estar concluídas, nos seus passos essenciais ― não necessariamente nos seus resultados de equivalência ― até à emissão do acto autorizativo final, sob pena de impossibilidade

legal de

emissão deste (recordem-se

os termos

previamente aprovados e posteriormente certificados pela autoridade nacional, constantes do artigo 36º/2 do RCNB). Caso se admita que possam ser concretizadas (total ou parcialmente) em momento posterior à emissão do acto autorizativo, a validade deste ficará pendente da certificação ulterior, em prazo a fixar. Já

quanto

às

medidas

compensatórias

de

funcionamento, a

justificarem-se, a legislação é totalmente omissa, embora tal não implique a impossibilidade da sua fixação, aquando da renovação do acto autorizativo ou em períodos a determinar no acto inicial; c) Ao espaço em que serão implementadas as medidas compensatórias, o RPRDE limita-se a apontar para a prioridade de as realizar “num sítio alternativo” o qual, “sempre que possível deve estar geograficamente

106

COMPENSAÇÃO ECOLÓGICA, SERVIÇOS AMBIENTAIS E PROTECÇÃO DA BIODIVERSIDADE relacionado com o sítio danificado, tendo em conta os interesses da população afectada” (ponto 1.1.2. do Anexo V). Vale a pena recordar que, nos termos do artigo 8º do DL 169/2001, de 25 de Maio (reposto em vigor pela Lei 12/2012, de 13 de Março), o ICNF (hoje) pode ordenar medidas compensatórias de abate de sobreiros e azinheiras, nomeadamente

replantio

ou

recuperação

de

áreas

degradadas,

procedendo às inscrições matriciais necessárias ― inscrições que podem justificar-se tanto no tocante ao proprietário da área intervencionada, como face a terceiros cujos terrenos confinem com aquele onde foi realizado o abate e nos quais as medidas compensatórias devam ocorrer ― com eventual constituição de servidões de interesse público nas parcelas a cultivar. Este regime alerta-nos igualmente para a questão do ratio de compensação, que deverá ser sempre superior a 1:1, como se ressalva no Guidance Document da Comissão sobre medidas compensatórias em sede de rede Natura 2000 supra analisado (cfr. supra, 1.2.2.).

Todas estas especificidades atestam, em suma, as dificuldades inerentes à constituição de mercados de biodiversidade. A conversão dos bens e serviços ecossistémicos em unidades de troca que podem ser usadas para cumprir a obrigação legal de compensação de um dano continuará, decerto, a causar estranheza: tanto àqueles a quem repugnar a alegada banalização de valores insubstituíveis, como aos que suspeitem de que a desmaterialização, titularização e divisão de um

dano

ecológico

em

partes

negociáveis

não

permitirá,

efectivamente, lograr a equivalência funcional. O caminho, bom ou mau, parece estar, ainda assim, traçado. E, uma coisa é certa: há muito espaço para evoluir, sendo o melhor exemplo o do desdobramento de um mercado geral em sub-mercados cada vez mais especializados na compensação de um determinado tipo de bem ou serviço, de entre a “inesgotável” gama que a Natureza providencia. A “fragmentação” do mercado é, no campo da biodiversidade, um requisito essencial da sua justificabilidade ambiental, dado que tal 107

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operação promoverá a homogeneização do recurso e a sua mais fácil mensurabilidade para efeitos de “troca”109. Todavia, deve reconhecerse que sempre haverá menos oferta do que procura, dado que um dano ambiental dificilmente se contém, quanto aos seus efeitos, na lesão estrita de um, dois ou três componentes naturais. O respeito pelas “regras do jogo” num mercado de biodiversidade pauta-se pela observância da equivalência funcional, facto que pressupõe uma relação estreita entre a lógica de mercado e a lógica de regulação: o mercado só é admissível se for objecto de regulação atenta e cuidada, porque este tipo de mercado não serve objectivos económicos mas ambientais110. Resistir à lógica de mercado não implica a vedação, pura e simples, da técnica da compensação ― apenas inviabiliza a generalização das “trocas” de bens que, na sua imaterialidade, não são transaccionáveis, nem comutáveis nas suas natureza e funções. É aí que a regulação deve actuar. A defesa da biodiversidade não deve constituir um objectivo blindado à ponderação de interesses, servindo a compensação, justamente, de instrumento de harmonização111. Todavia, o respeito efectivo

pelo

compensação

princípio seja

da

realizada

responsabilização de

acordo

obriga

com

o

a

que

princípio

a da

proporcionalidade, nas vertentes da adequação (do ganho ambiental ao custo ambiental, biológica, espacial e temporalmente falando), da indispensabilidade (o sacrifício dos valores da biodiversidade deve conter-se no estritamente necessário para a realização de outros fins igualmente valiosos) e da salvaguarda do núcleo essencial dos interesses e valores em jogo (nomeadamente, quando estivermos perante perdas irreversíveis ― por exemplo, no caso de espécies em vias 109 Cfr. os requisitos físicos dos mercados de (direitos sobre) recursos naturais elencados por Íñigo SANZ RUBIALES e Isabel CARO-PATÓN CARMONA, Los mercados artificiales…, cit., pp. 467 segs (nomeadamente, homogeneidade e mensurabilidade do recruso; escassez do recurso). 110 Neste sentido, Ínigo SANZ RUBIALES e Isabel CARO-PATÓN CARMONA, Los mercados artificiales..., cit., p. 464. 111 Cfr. o Acórdão do TCA-Sul de 14 de Setembro de 2010, supra citado (nota 34).

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COMPENSAÇÃO ECOLÓGICA, SERVIÇOS AMBIENTAIS E PROTECÇÃO DA BIODIVERSIDADE

de extinção ―, a compensação deve ser proibida112, salvo se estiver em causa, de forma irrefutável, a vida ou a segurança das pessoas)113. Resumo: Este artigo pretende constituir uma reflexão sobre uma realidade emergente na Europa ― mas já com algumas décadas nos EUA: o habitat banking ou os bancos de biodiversidade. A compensação ecológica visa compatibilizar o interesse na preservação de áreas especialmente frágeis e ricas em biodiversidade e os interesses de desenvolvimento económico (industrial; comercial; turístico). Analisar a origem da noção, estudar a sua assimilação pelo Direito da União Europeia, testar a sua operacionalidade no sistema português, são objectivos deste texto. O carácter lacunar do instituto provoca muitas dúvidas e outras tantas inquietações aos que se preocupam com a protecção do ambiente. Mas a inevitabilidade de compatibilização de economia e ambiente aponta para um desenvolvimento das técnicas de “mercantilização” da Natureza, desejavelmente com rigorosos limites, em nome da sustentabilidade.

112 A Comissão, no Guidance document, afirma que em caso de perdas irreversíveis com afectação de habitats ou espécies prioritários, a « opção zero » deve ser seriamente ponderada ― cfr. o ponto 1.4.3. Mais desenvolvidamente sobre a autorização em sede de habitats e/ou espécies prioritárias, cfr. o ponto 1.8. do Guidance document. 113 Chamando a atenção para a centralidade do princípio da proporcionalidade no âmbito da compensação ecológica no sistema brasileiro, Hortênsia GOMES PINHO, Prevenção e reparação…, cit., p. 445.

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Inicio texto

texto índice

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A compensação no direito ambiental brasileiro: o caso de Minas Gerais

Beatriz Souza Costa Mestre e Doutora pela UFMG em Direito Constitucional Professora do Mestrado da Escola Superior Dom Helder Câmara-ESDHC

Lilian Maria Ferreira Marotta Moreira Mestranda em Direito Ambiental e Desenvolvimento Sustentável da Escola Superior Dom Helder Câmara-ESDHC

Sumário: 1. Introdução; 2. A compensação ambiental no direito brasileiro; 3. Análise sobre a reparação civil e a compensação ambiental, prevista no art. 36 da Lei 9.985/00; 4. Situação das Unidades de Conservação de Proteção Integral e aplicação de recursos, em Minas Gerais: 4.1. Avaliação das unidades de conservação no Estado de Minas Gerais; 4.2. Regularização fundiária; 4.3. Plano de manejo; 4.4. Recolhimento e destinação de recursos. 5. Atuação do Ministério Público; 6. Considerações finais

1. Introdução Com o avanço de novas tecnologias a partir do século XVIII e o aumento exponencial da população humana, intensificaram-se os efeitos danosos das ações antrópicas sobre o meio ambiente, levando à ocorrência dos grandes desastres ambientais da atualidade1, o que favoreceu uma ampliação da capacidade de percepção sobre os riscos gerados pelo crescimento industrial e suas mais diversas aplicações2.

1 Acidente de Seveso, na Itália em 1976, quando foram mortos e sacrificados cerca de 10.000 animais e 193 pessoas sofreram cloracne e outros sintomas, depois de um grande vazamento de dioxina na indústria química ICMESA; acidente nuclear na Pensilvânia – EUA, em 1979; acidente na Vila Socó, em Cubatão, no oleoduto da Petrobrás; acidente de Bhopal, na Índia, na indústria química Union Carbide, em 1984; acidente nuclear de Chernobyl, na Rússia, em 1986; acidente do petroleiro Exxon Valdez, na costa do Alaska, em 1989. 2 Contaminação decorrente do uso do pesticida DDT (1939 a 1960), buraco na camada de ozônio da atmosfera decorrente do uso de gás CFC em geladeiras (1928 a 1978), deformações congênitas em fetos de pacientes usuários do medicamento Talidomida (1950 a 1960); uso do “agente laranja” na Guerra do Vietnã (1961 a 1971).

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COMPENSAÇÃO ECOLÓGICA, SERVIÇOS AMBIENTAIS E PROTECÇÃO DA BIODIVERSIDADE

Nesse contexto, surgiram as bases para a criação de uma nova ordem legal que visa garantir a proteção ambiental, com maior estímulo a ações e políticas de prevenção. A Declaração de Estocolmo, em 1972, sobre o meio ambiente humano representa o ápice dessa irradiação de consciência ambiental no plano internacional, pois, apesar de não haver criado qualquer regra cogente, propiciou que todos os países se inspirassem nos vinte e seis princípios, formulado a partir dessa Conferência, para a proteção do meio ambiente, e logicamente das presentes e futuras gerações. A Conferência de Estocolmo não aconteceu por acaso. Foi consequência de debates sobre os riscos de degradação do meio ambiente, que, de forma esparsa, iniciou na década de 1960 e que ganhou na década de 1970 certa densidade. Os movimentos, como o do Clube de Roma, já demonstravam uma preocupação com os problemas ambientais e a necessidade de se estabelecer limites para o crescimento. A Conferência Internacional das Nações Unidas, Eco-92 no Rio de Janeiro, por sua vez, reafirma a Conferência de Estocolmo e avança no que se refere ao conceito de Desenvolvimento Sustentável. De toda forma, a Lei de Política Nacional de Meio Ambiente, Lei 6938 de 1981 foi a base para a inovação da Constituição brasileira, no que concerne à proteção do meio ambiente. O art. 225 da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 impõe ao Poder Público e à coletividade o dever de preservar o meio ambiente e esse é um dos pilares da proteção ambiental, uma vez que implica na formação de uma espécie de pacto atual e intergeracional, mediante a atribuição de responsabilidades por danos causados ou simplesmente possíveis prevenção ainda que improváveis precaução, restrições ao uso dos bens ambientais e competências em matéria de gestão ambiental Poder Público.

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Esse pacto de solidariedade legitima a criação de mecanismos internos de precaução, prevenção3 e repressão a danos ambientais4, entre os quais se destacam as normas relativas à compensação ambiental, importante ferramenta na proteção da biodiversidade e equilíbrio dos ecossistemas, que é objeto do presente estudo. Para elaboração do presente trabalho será analisado o Relatório da Auditoria Operacional Meio Ambiente – Unidades de Conservação de Proteção Integral – elaborado pelo Tribunal de Contas do Estado de Minas Gerais que detalhou a situação das unidades de conservação de proteção integral existentes no Estado, no período compreendido entre 2006 a 2010,

bem como será apreciado o artigo elaborado pela

Universidade Federal de Lavras, que avaliou a gestão das Unidades de Conservação do Sistema Estadual de Áreas Protegidas de Minas Gerais, bem como, ao final, será narrada a estratégia de atuação do Ministério Público estadual para melhorar a gestão e a aplicação desses volumosos e indispensáveis recursos.

3

Os princípios da precaução e prevenção são base para a proteção ambiental moderna. Chris Wold, citando doutrinadores como Prieur, Milaré, Antunes, Rodrigues destaca que os princípios da precaução e prevenção não se confundem, embora mantenham íntima relação, pois enquanto a prevenção se aplica a impactos ambientais já conhecidos, a precaução diria respeito a reflexos ambientais ainda não conhecidos cientificamente: WOLD, Chris. Introdução ao estudo dos princípios de direito internacional do meio ambiente. In: SAMPAIO, José Adércio Leite, WOLD, Chris e NARDY, Afrânio. Princípios do Direito Ambiental, na dimensão internacional e comparada. Belo Horizonte: Del Rey, 2003. Avançando na interpretação dos dois princípios, Chris Wold se posiciona com Cranor, entendendo que “a precaução não se aplica apenas a ações sob condições de incerteza, mas tem implicação inclusive quando a autoridade que irá decidir não se encontra diante de uma considerável dúvida”, já que “a complexidade dos ecossistemas sempre introduz algum grau de incerteza, inclusive sobre os danos supostamente conhecidos e previsíveis”: WOLD, Chris. Introdução ao estudo dos princípios de direito internacional do meio ambiente. In: SAMPAIO, José Adércio Leite, WOLD, Chris e NARDY, Afrânio. Princípios do Direito Ambiental, na dimensão internacional e comparada. Belo Horizonte: Del Rey, 2003, pp. 71-72. José Rubens Morato Leite noticia os seguintes exemplos da adoção do princípio da precaução no direito internacional: Protocolo de Montreal sobre substâncias que degradam a camada de ozônio, Tratado da União Europeia, com as inserções do Tratado de Maastricht: LEITE, José Rubens Morato; AYALA, Patryck de Araújo. Dano ambiental: do individual ao coletivo extrapatrimonial. Teoria e prática. 5. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2012, p. 48. 4 Danos ambientais são alterações provocadas no meio ambiente, capazes de provocar desequilíbrios nocivos aos ecossistemas naturais, artificiais ou culturais, contrariando a proteção jurídica existente.

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COMPENSAÇÃO ECOLÓGICA, SERVIÇOS AMBIENTAIS E PROTECÇÃO DA BIODIVERSIDADE

2. A compensação ambiental no direito brasileiro Para melhor compreender o significado de compensar no Direito Ambiental importante é entender o vocábulo compensação. Segundo o dicionário da enciclopédia britânica, compensação é ação ou efeito de compensar, equilíbrio, igualdade. No entanto, não é simplesmente dar algo em troca do que existia, é mais do que uma simples barganha, como ensina Machado: A compensação ambiental tem seu fundamento ético na consciência ecologia do que se pretende fazer ou ja esta fazendo, algo indevido: e dessa forma, providencia-se uma troca. Tem aparência de transação: eu faço uma coisa-poluo, destruo ou desmato-, mas dou outra coisa em troca. Não se pode disfarçar que o ato de compensar traz em si um risco ambiental –e, portanto, precisa ser praticado com inequívoca moralidade administrativa e ampla publicidade, levando-se em conta o princípio da precaução5.

É importante salientar que no Direito ambiental brasileiro existe tipos diferentes de compensação, ou seja, a decorrente da responsabilidade civil ambiental e a compensação decorrente do art. 36 da Lei 9.985 de 2000, Sistema Nacional de Unidades de Conservação. Pinho ensina que as ações de danos ambientais injustos iniciaram em 1992 por meio de ações civis públicas e também em termos de ajustamento de conduta em 19976. Pela pesquisa de Pinho, um dos primeiros trabalhos a tratar sobre a compensação ambiental foi de Felipe Augusto Vieira de Andrade e de Maria Aparecia A. U. Gulin. Esse trabalho é, logicamente, anterior à Lei 9.985, e de fundamental importância, pois estabelece um conceito e debruça-se sobre a aplicabilidade do instituto: MACHADO, Paulo Affonso Leme, Direito Ambiental Brasileiro. 20. ed. São Paulo: Malheiros, 2013, p. 96. 6 PINHO, Hortênsia Gomes, Prevenção e Reparação de Danos Ambientais: Medidas de reposição natural compensatórias e preventivas e a indenização pecuniária. Rio de Janeiro: GZ ed. 2010, p. 391. 5

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A compensação é uma forma de reparação por equivalente que poder ser exigida do responsável em face de danos irrecuperáveis. A compensação somente pode ser utilizada caso atendida condição sine qua non, que é a demonstração cabal de irrecuperabilidade técnica parcial ou total do meio ambiente adversamente afetado. A compensação ambiental tem aplicabilidade quer na fase investigatória, através do título executivo extrajudicial dotado de cláusula penal ( Lei 7347/85, art. 5º, § 6º, e CPC, art. 585, inc. II quer no âmbito judicial)7.

Esclarece-se

que

neste

trabalho

o

objetivo

principal

e

a

compensação ambiental disposta no art. 36 da Lei 9.985/00. 3. Análise sobre a reparação civil e a compensação ambiental, prevista no art. 36 da Lei 9.985/00 A compensação ambiental

disposto na Lei nº 9.985/00, conhecida

como Lei do Sistema Nacional de Unidades de Conservação - SNUC, se faz necessário entender em que contexto ela está inserida. O primeiro ponto a ser fixado é o relativo à ocorrência do dano ambiental, que se caracteriza como a lesão a um bem juridicamente protegido, que impõe à vítima um sacrifício não exigido pelo Direito, o que significa dizer: lesa um DIREITO da vítima e não um simples interesse sem proteção jurídica8.

A

todo

ato

lesivo,

praticado

em

desconformidade

com

o

ordenamento jurídico, se impõe a necessidade de uma compensação, como forma de ressarcir o prejudicado, vítima/ sociedade, pela alteração indevida imposta à situação fática anterior. Para o ressarcimento dessa lesão, tem-se como corolário do direito civil tradicional a fixação da reparação civil integral do dano, de forma a garantir a máxima reparação da lesão injustamente provocada. O direito ambiental absorveu totalmente a reparação integral, sendo observada a necessidade de compensação de todos os tipos de danos ANDRADE, Felipe Augusto Vieira; GULIN, Maria A. Alves. Compensação ambiental. Revista de Direito Ambiental, v. 8, p. 253, out./dez. 1997. 8 BECHARA, Erika. Licenciamento e a compensação ambiental na lei do Sistema Nacional das Unidades de Conservação (SNUC). São Paulo: Atlas, 2009, p. 49. 7

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COMPENSAÇÃO ECOLÓGICA, SERVIÇOS AMBIENTAIS E PROTECÇÃO DA BIODIVERSIDADE

gerados, como efeitos ecológicos e ambientais “decorrentes da destruição de espécimes, habitats, ecossistemas inter-relacionados com o meio afetado”, os danos interinos, ou seja, aqueles ocorridos entre a lesão inicial e efetiva recomposição, os danos futuros, os danos irreversíveis à qualidade ambiental e os danos morais “coletivos resultantes da lesão ambiental”.9 Para Álvaro Luiz Valery Mirra, a reparação civil é apenas um dos efeitos da responsabilidade civil, não podendo ser confundida com a sanção do comportamento, pena civil, nem com a providência destinada a fazer cessar a atividade que se encontra na origem do dano, pois a reparação ambiental sempre traz implícita a ideia de compensação, posto que nenhuma reparação, mesmo que in natura, poderá apagar os efeitos gerados pela lesão provocada, de tal forma que o ecossistema jamais voltará a ser o mesmo, ou ainda, sempre haverá perdas dos serviços ambientais não ofertados durante o período da degradação.10 José Rubens Morato Leite e Patryck de Araújo Ayala, analisando as formas de reparação ambiental aduzem que “a natureza, ao ter suas composições física e biológica modificadas por agressões que ela não consegue tolerar, não pode jamais ser verdadeiramente restabelecida, do ponto de vista ecológico”11 e nessa linha de raciocínio concluem que “a

reparação ao meio ambiente, mesmo na forma de

recuperação, recomposição e substituição do bem ambiental lesado, é um sucedâneo, dada a extrema dificuldade na completa restituição do bem lesado, isto é, equipara-se a um meio de compensar o prejuízo”12. 9

MIRRA, Álvaro Luiz Valery. Ação civil pública e a reparação do dano ao meio ambiente. 2. ed. São Paulo: Editora Juarez de Oliveira. 2004, p. 315. 10 MIRRA, Álvaro Luiz Valery. Ação civil pública e a reparação do dano ao meio ambiente. 2. ed. São Paulo: Editora Juarez de Oliveira. 2004, pp. 303/307. 11 LEITE, José Rubens Morato; AYALA, Patryck de Araújo. Dano ambiental: do individual ao coletivo extrapatrimonial. Teoria e prática. 5. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2012, p. 207. 12 LEITE, José Rubens Morato; AYALA, Patryck de Araújo. Dano ambiental: do individual ao coletivo extrapatrimonial. Teoria e prática. 5. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2012, p. 207.

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Para Erika Bechara, diferentemente do sustentado por Álvaro Luiz Valery Mirra, José Rubens Morato Leite e Patryck de Araújo Ayala, a reparação in natura “reparação específica, que busca o retorno ao status quo ante”, embora apresente algum conteúdo compensatório, não se confunde juridicamente com o instrumento da compensação ambiental, a qual mais se relaciona com outros tipos de reparação: a “reparação por equivalente (que a doutrina costuma chamar de compensação ambiental ou compensação ecológica) e a reparação pecuniária (ou compensação em dinheiro, ou como é mais conhecida, indenização)”, que podem ser utilizadas de forma sucessiva ou cumulativa, conforme exigir o caso concreto13. Outro ponto a ser destacado é que a compensação ambiental “só terá lugar quando as medidas preventivas ou mitigadoras não puderem ser implementadas”14. Via de regra, a compensação é sempre posterior à ocorrência do dano ocasionado pela lesão injusta, entretanto, na seara ambiental, em função da essencialidade e transcendentalidade do bem jurídico sob tutela, vem se firmando a possibilidade de compensação antes da ocorrência efetiva da lesão. Segundo Erika Bechara15 “a compensação ambiental lato sensu – que engloba todas as medidas de substituição de um bem danificado por outro de valor equivalente – pode ser subdividida nas seguintes modalidades específicas: a) compensações ambientais fixadas após a ocorrência do dano como: compensação por dano ambiental irreversível 16; compensação para

13

BECHARA, Erika. Licenciamento e a compensação ambiental na lei do Sistema Nacional das Unidades de Conservação (SNUC). São Paulo: Atlas, 2009, p. 139. 14 BECHARA, Erika. Licenciamento e a compensação ambiental na lei do Sistema Nacional das Unidades de Conservação (SNUC). São Paulo: Atlas, 2009, p. 167. 15 BECHARA, Erika. Licenciamento e a compensação ambiental na lei do Sistema Nacional das Unidades de Conservação (SNUC). São Paulo: Atlas, 2009, p. 137. 16 A compensação ambiental por danos irreversíveis pode se subdividir em: reparação in natura, reparação por equivalente (ou compensação ecológica), reparação pecuniária (ou compensação financeira – indenização).

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COMPENSAÇÃO ECOLÓGICA, SERVIÇOS AMBIENTAIS E PROTECÇÃO DA BIODIVERSIDADE

supressão de Área de Preservação Permanente – APP, compensação de Reserva Legal e compensação para supressão da Mata Atlântica; b) compensações anteriores [ex ante] à ocorrência do dano [futuro], como a compensação decorrente da implantação de empreendimentos causadores de significativo impacto ambiental, fixada pelo art. 36 da Lei 9.985/00, objeto desse estudo17.

Importante frisar que esses danos ambientais futuros não se confundem com o simples risco de ocorrência de danos, pois não se tratam de mera hipótese, mas sim de danos certos e previsíveis, a serem necessariamente gerados com a implantação do projeto levado a licenciamento18. Para Bechara a fixação desse tipo de reparação civil prévia não representa um dever – como a reparação civil após a ocorrência de dano – mas sim um ônus ao empreendedor, pois este não estará obrigado a cumpri-lo se optar por desistir da implantação do negócio e com isso evitar a geração dos danos futuros. Na visão, ainda, da autora a compensação ambiental da Lei 9.985/00 não possui natureza jurídica de tributo ou de preço público exigido em função do princípio do usuário-pagador, como sustentado de forma vaga pelo Supremo Tribunal Federal na ADIN nº 3378-619 ou por parte da doutrina, sendo, na verdade, um tipo de reparação civil prévia do dano, fixada em razão da identificação de danos ambientais futuros, de natureza irreversíveis e não evitáveis ou mitigáveis, a serem

BECHARA, Erika. Licenciamento e a compensação ambiental na lei do Sistema Nacional das Unidades de Conservação (SNUC). São Paulo: Atlas, 2009, p. 137. 18 BECHARA, Erika. Licenciamento e a compensação ambiental na lei do Sistema Nacional das Unidades de Conservação (SNUC). São Paulo: Atlas, 2009, p. 201. 19 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Constitucionalidade da compensação devida pela implantação de empreendimentos de significativo impacto ambiental. Inconstitucionalidade parcial do § 1º do art. 36 da Lei 9.985/00. ADIN 3378-6, do Distrito Federal. Confederação Nacional da Indústria e Outros versus União. Relator: Carlos Brito. Julgamento em 08 de abril de 2008. Repositório eletrônico de jurisprudência do STF. Disponível em: . Acesso em 29 nov. 2013. 17

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gerados a partir da implantação de determinado empreendimento com grande potencial degradador20. Finalmente, convém destacar que a compensação ambiental estabelecida pelo artigo 36 da lei que criou o Sistema Nacional de Unidades de Conservação,

de nº 9.985/00, teve confirmada sua

constitucionalidade pelo Supremo Tribunal Federal, no julgamento da já referida ADIN 3378-621. O emblemático acórdão, que consolida o princípio da prevenção de danos ambientais no cenário constitucional de 1988, foi muito útil ao esclarecimento dos operadores jurídicos, como se vê, por exemplo no debate estabelecido entre o Ministro Marco Aurélio e os demais ministros do Supremo Tribunal Federal. Nele percebe-se, de forma clara, que os conceitos basilares do meio ambiente nem sempre são alcançados pelos membros do Poder Judiciário que, muitas vezes, levados a considerar a questão ambiental sob o viés restritivo do direito civil ou administrativo, deixam de considerar suas especificidades, notadamente no que se refere à necessidade de ampliar-se os paradigmas tradicionais, em face dos riscos surgidos na sociedade globalizada. 4. Situação das unidades de conservação de proteção integral e aplicação de recursos, em Minas Gerais A

seguir,

far-se-á

uma

análise

da situação

das

Unidades

de

Conservação Integral, em Minas Gerais, a partir de dois diferentes estudos realizados pelo Tribunal de Contas do Estado - TCE e pela 20

BECHARA, Erika. Licenciamento e a compensação ambiental na lei do Sistema Nacional das Unidades de Conservação (SNUC). São Paulo: Atlas, 2009, pp. 169 e 194. 21 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Constitucionalidade da compensação devida pela implantação de empreendimentos de significativo impacto ambiental. Inconstitucionalidade parcial do § 1º do art. 36 da Lei 9.985/00. ADIN 3378-6, do Distrito Federal. Confederação Nacional da Indústria e Outros versus União. Relator: Carlos Brito. Julgamento em 08 de abril de 2008. Repositório eletrônico de jurisprudência do STF. Disponível em: . Acesso em 29 nov. 2013.

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COMPENSAÇÃO ECOLÓGICA, SERVIÇOS AMBIENTAIS E PROTECÇÃO DA BIODIVERSIDADE

Universidade Federal de Lavras-UFLA, que apresentam um quadro preocupante de má gestão das unidades de conservação em geral e uma inadequada arrecadação e destinação de seus recursos. 4.1. Avaliação das unidades de conservação no Estado de Minas Gerais A situação das unidades de conservação estaduais e federais, existentes em Minas Gerais foi objeto de pesquisa da Universidade Federal de Lavras, realizada no ano de 2009, em setenta e quatro unidades22 de conservação no Estado, a qual foi retratada no artigo intitulado a Avaliação da Gestão das Unidades de Conservação do Sistema Estadual de Áreas Protegidas de Minas Gerais23, que relacionou as seguintes conclusões: existiam 74 UC’s que ocupavam áreas significativas e representativas de todos os biomas presentes no Estado; havia

carência

de

principalmente de

recursos

humanos

gerentes; havia

na

gestão

das

UC’s,

sobreposição de funções

e

quantidade insuficiente de funcionários com capacitação para funções específicas; havia carência de infraestrutura em 86,8%, oitenta e seis vírgula oito, das (46) UC’s em Minas Gerais e apenas sete, ou 13,2% (treze vírgula dois), das UC’s possuíam infraestrutura suficiente para sua gestão; a falta de regularização fundiária das UC’s era o maior gargalo para a sua gestão e o maior motivo de conflitos; as UC’s de proteção 22 O estudo da UFLA, que abrangeu período anterior ao pesquisado pelo TCE, apurou que das 74 unidades de conservação existentes em Minas Gerais, à época, 56 eram do grupo de proteção integral e 18 das categorias do grupo de uso sustentável. Sendo que das 56 do grupo de proteção integral, 33 eram parques, dos quais apenas 7 estavam abertos à visitação, 10 eram estações ecológicas, 9 reservas biológicas, 3 eram refúgios da fauna silvestre e 1 era monumento natural. Das 18 de uso sustentável, 15 eram áreas de proteção ambiental, 2 eram florestas estaduais e 1 era reserva de desenvolvimento sustentável (REZENDE, 2010). 23 O artigo publicado em 2010, foi desenvolvido por uma equipe de professores da UFLA: José Luiz Pereira Rezende (Prof. Titular UFLA. Departamento de Ciências Florestais. Setor de Manejo Florestal) Rafael Guimarães Alves (Perito Criminal Federal) Luís Antônio Coimbra Borges (Prof. Adjunto UFLA. Departamento de Ciências Florestais. Setor de Conservação da Natureza) Marco Aurélio Leite Fontes (Prof. Adjunto UFLA. Departamento de Ciências Florestais. Setor de Conservação da Natureza) Luis Wagner Rodrigues Alves (Engenheiro Agrônomo. Dr. Pesquisador da Embrapa Amazônia Oriental)

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integral eram as que possuíam maiores problemas de regularização fundiária; as UC’s com maior representatividade de área eram as “Áreas de Proteção Ambiental” (APA) que enfrentavam maiores carências em recursos humanos, materiais e financeiros, além da dificuldade de gerir o território em conjunto com os proprietários; inexistiam planos de manejo na maioria das UC’s; as situações predominantemente conflituosas entre comunidade e UC’s eram exclusivas das UC’s que não possuíam conselho consultivo24. O Tribunal de Contas do Estado de Minas Gerais também realizou um minucioso diagnóstico das unidades de conservação, com foco nas unidades de proteção integral, considerando o período entre 2006 e 2010, tendo verificado questões sobre regularização fundiária, manejo das unidades e gerenciamento de recursos financeiros, finalizando por sugerir

encaminhamentos

para

concretização

de

uma

maior

efetividade das ações das unidades de conservação. Como se sabe, as Unidades de Conservação de Proteção se dividem em de uso integral e de uso sustentável, sendo que as de uso integral, que interessam mais de perto a este trabalho, se dividem em cinco categorias a saber:

Estação Ecológica; Reserva Biológica; Parque

Nacional; Monumento Natural e Refúgio de Vida Silvestre, as quais, conforme conceituação constante do Relatório do TCE, podem ser definidas da seguinte forma: As Estações Ecológicas objetivam a preservação da natureza e a realização de pesquisas científicas. São de posse e domínio públicos. Nelas, é proibida a visitação pública, exceto com objetivo educacional, de acordo com o que dispuser o Plano de Manejo da unidade ou regulamento específico. A pesquisa científica depende de autorização prévia do IEF.

24

REZENDE, Luiz Pereira, et al. Avaliação da gestão das UCs do Sistema Estadual de Áreas Protegidas de Minas Gerais. Revista Geografias: Artigos Científicos. Belo Horizonte: UFMG, jan/jul de 2010, 06(1)87-106. Disponível em: . Acesso em: 29 nov. 2013.

120

COMPENSAÇÃO ECOLÓGICA, SERVIÇOS AMBIENTAIS E PROTECÇÃO DA BIODIVERSIDADE

As Reservas Biológicas visam à preservação integral da biota e demais atributos naturais existentes em seus limites, sem interferência humana direta ou modificações ambientais, excetuando-se as medidas de recuperação de seus ecossistemas alterados e as ações de manejo necessárias para recuperar e preservar o equilíbrio natural, a diversidade biológica e os processos ecológicos naturais. A Reserva Biológica é de posse e domínio públicos. É proibida a visitação pública, exceto aquela com objetivo educacional, de acordo com regulamento específico. Os Parques Estaduais objetivam a preservação de ecossistemas naturais de grande relevância ecológica e beleza cênica, possibilitando a realização de pesquisas científicas e o desenvolvimento de atividades de educação e interpretação ambiental, de recreação em contato com a natureza e de turismo ecológico. São de posse e domínio públicos. Os Monumentos Naturais tem a finalidade básica de preservar sítios naturais raros, singulares ou de grande beleza cênica. Pode ser constituído por áreas públicas e particulares, desde que seja possível compatibilizar os objetivos da unidade com a utilização da terra e dos recursos naturais do local pelos proprietários. A visitação pública está sujeita às condições e restrições estabelecidas no Plano de Manejo da unidade, às normas estabelecidas pelo IEF e àquelas previstas no regulamento da unidade. Os Refúgios de Vida Silvestre objetivam proteger ambientes naturais onde se asseguram condições para a existência ou reprodução de espécies ou comunidades da flora local e da fauna residente ou migratória. Pode ser constituído por áreas públicas ou particulares, desde que seja possível compatibilizar os objetivos da unidade com a utilização da terra e dos recursos naturais do local pelos proprietários25.

Essas unidades de conservação se encontram distribuídas, em relação à espécie, segundo o relatório do TCE, nos seguintes termos: Tabela 1 - Unidades de Conservação de Proteção Integral Estaduais UCPIs Parque Estadual Estação Ecológica Monumento Natural Reserva Biológica Refúgio Vida Silvestre Total

Quantidade 38 11 11 9 4 73

Fonte: IEF Elaboração: TCEMG.26

A auditoria do TCE elegeu três pilares, considerados fundamentais para uma melhor avaliação da situação das Unidades de Conservação

25

MINAS GERAIS. Tribunal de Contas do Estado. Processo nº 872163. Relatório de Auditoria Operacional. Meio ambiente: Unidades de Conservação de Proteção Integral, de 18 de setembro de 2012. Equipe de trabalho: Antonieta de Pádua Freire Jardim, et al. MINAS GERAIS. Tribunal de Contas do Estado. Processo nº 872163. Relatório de Auditoria Operacional. Meio ambiente: Unidades de Conservação de Proteção Integral, de 18 de setembro de 2012, p. 16. Equipe de trabalho: Antonieta de Pádua Freire Jardim, et al. 26

121

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Integral no Estado de Minas Gerais: análise do plano de manejo, da regularização fundiária e da destinação de recursos.

4.2. Regularização fundiária A regularização fundiária se destina a garantir juridicamente o domínio e a posse do Estado sobre as terras que integram os limites de conservação, de forma a poderem cumprir os objetivos a que se destinam27. Os estudos demonstraram que inúmeras Unidades de Conservação de Proteção Integral foram criadas somente no papel, não passando de espectro virtual em mapas estaduais, sem uma necessária definição jurídica sobre a propriedade das áreas que a integram. Em

Minas

Gerais,

a

responsabilidade

pela

efetivação

da

regularização fundiária passou a ser, após o Decreto 45.432/2010, do Instituto Estadual de Florestas, sob representação da Advocacia Geral do Estado o que gerou um certo impasse na definição de critérios de regularização fundiária. Há uma grande disparidade entre os valores arrecadados pela compensação ambiental e os destinados à regularização fundiária. Dados colhidos pelo TCE, informam que “no período de 2005 a 2011 apenas

11

unidades

foram

contempladas

com

regularização,

equivalendo a 11.569,25 hectares, (onze mil quinhentos e sessenta e nove vírgula vinte e cinco), e apenas 3,77%, (três vírgula setenta e sete por cento), da área total dos parques a ser regularizada, com gasto de R$ 22.509.949,77 (vinte e dois milhões, quinhentos e nove mil, novecentos e quarenta e nove reais e setenta e sete centavos)” 28.

MINAS GERAIS. Tribunal de Contas do Estado. Processo nº 872163. Relatório de Auditoria Operacional. Meio ambiente: Unidades de Conservação de Proteção Integral, de 18 de setembro de 2012, p. 30. Equipe de trabalho: Antonieta de Pádua Freire Jardim, et al. 28 MINAS GERAIS. Tribunal de Contas do Estado. Processo nº 872163. Relatório de Auditoria Operacional. Meio ambiente: Unidades de Conservação de Proteção 27

122

COMPENSAÇÃO ECOLÓGICA, SERVIÇOS AMBIENTAIS E PROTECÇÃO DA BIODIVERSIDADE

Nesse mesmo período os recursos arrecadados com a compensação ambiental somaram R$ 53.070.844,57 (cinquenta e três milhões, setenta mil, oitocentos e quarenta e quatro reais e cinquenta e sete centavos), ou seja, apenas, 42% (quarenta e dois por cento), do percentual de recursos da compensação foram utilizados com a regularização fundiária29. Outra dificuldade para a regularização fundiária diz respeito à convivência com

populações tradicionais dentro e no entorno de

unidades de conservação. 4.3. Plano de manejo Quanto à elaboração e implantação do plano de manejo30,

a

auditoria do TCE constatou falhas na estrutura necessária à sua boa execução na maior parte das UCPIs (Unidades de Conservação de Proteção Integral), do Estado o que afronta a legislação aplicável e compromete os objetivos pelos quais as referidas unidades devem se pautar. Com base na avaliação de documentos fornecidos pelo Instituto Estadual de Florestas- IEF, a auditoria do TCE constatou que

58,

(cinquenta e oito), ou seja, 79% (setenta e nove por cento), das 73 (setenta e três), Unidades de Conservação de Proteção Integral sob jurisdição do IEF, ainda não haviam elaborado plano de manejo, sendo que 58%, (cinquenta e oito por cento), dessas haviam sido criadas há mais de cinco anos, e das 15, (quinze), que o possuíam, sete, ou seja, Integral, de 18 de setembro de 2012, p. 33. Equipe de trabalho: Antonieta de Pádua Freire Jardim, et al. 29 MINAS GERAIS. Tribunal de Contas do Estado. Processo nº 872163. Relatório de Auditoria Operacional. Meio ambiente: Unidades de Conservação de Proteção Integral, de 18 de setembro de 2012, p. 33. Equipe de trabalho: Antonieta de Pádua Freire Jardim, et al. 30 Plano de manejo constitui-se em um conjunto de ações para a gestão das unidades de conservação e objetiva a conservação da diversidade biológica e dos ecossistemas de forma harmoniosa. MINAS GERAIS. Tribunal de Contas do Estado. Processo nº 872163. Relatório de Auditoria Operacional. Meio ambiente: Unidades de Conservação de Proteção Integral, de 18 de setembro de 2012, p. 37. Equipe de trabalho: Antonieta de Pádua Freire Jardim, et al.

123

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46% (quarenta e seis por cento), estavam com os seus planos desatualizados, há mais de cinco anos sem revisão. Proporção de UCPIs sem plano de manejo por categoria 120% 100% 80%

60% 40% 20% 0%

Parque Estação Estadual (25)* Ecológica (9)

Reserva Biológica (8)

Monumento Refúgio da Natural (11) Vida Silvestre (11)

Número de UCPIs sem plano de manejo Fonte: IEF – Elaboração: TCE/MG.31

Como informado no quadro acima, outro dado preocupante detectado foi a situação das unidades de conservação relativas a monumentos naturais e refúgios da vida silvestre que, em 100% dos casos, ainda não haviam desenvolvido plano de manejo. Além da ausência do plano de manejo, o TCE também detectou a deficiência na elaboração dos existentes, bem como a falta de atualização dos mesmos. Outro ponto destacado foi a inadequada infraestrutura das unidades, além da pouca participação popular na gestão das mesmas. 4.4. Recolhimento e destinação de recursos Nesse tópico, o TCE analisou os recursos financeiros destinados às Unidades de Conservação sob os aspectos da eficácia, equidade e transparência, buscando avaliar o gerenciamento desses recursos. O Tribunal de Contas detectou problemas no quantitativo de investimentos realizados, no planejamento ineficiente dos gastos dos recursos financeiros, humanos, materiais, tecnológicos, na utilização dos instrumentos de arrecadação, bem como na falta de transparência na arrecadação e destinação de recursos. MINAS GERAIS. Tribunal de Contas do Estado. Processo nº 872163. Relatório de Auditoria Operacional. Meio ambiente: Unidades de Conservação de Proteção Integral, de 18 de setembro de 2012, p. 38. Equipe de trabalho: Antonieta de Pádua Freire Jardim, et al. 31

124

COMPENSAÇÃO ECOLÓGICA, SERVIÇOS AMBIENTAIS E PROTECÇÃO DA BIODIVERSIDADE

O custeio das Unidades de Conservação pode se dar através da aplicação de recursos oriundos da compensação ambiental prevista no art. 36 da Lei 9.9985/00, mas também por meio do pagamento de serviços ambientais, na forma de arrecadação de recursos junto aos órgãos e empresas responsáveis pelo abastecimento de água e pela geração e distribuição de energia elétrica, nos termos do disposto nos arts. 47 e 48 da Lei 9.985/0032, bem como através do recebimento de recursos provenientes de projetos por créditos de carbono, conforme previsto no art. 34 da Lei 9.985/0033, entretanto, 52%, (cinquenta e dois por cento), dos gestores informaram ao TCE que a unidade não possuía capacidade para a captação de recursos externos. Outra fonte de recursos sugeridas pela auditoria do TCE foi o ICMS ecológico “Imposto

32

Art. 47. O órgão ou empresa, público ou privado, responsável pelo abastecimento de água ou que faça uso de recursos hídricos, beneficiário da proteção proporcionada por uma unidade de conservação, deve contribuir financeiramente para a proteção e implementação da unidade, de acordo com o disposto em regulamentação específica. Art. 48. O órgão ou empresa, público ou privado, responsável pela geração e distribuição de energia elétrica, beneficiário da proteção oferecida por uma unidade de conservação, deve contribuir financeiramente para a proteção e implementação da unidade, de acordo com o disposto em regulamentação específica. BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Constitucionalidade da compensação devida pela implantação de empreendimentos de significativo impacto ambiental. Inconstitucionalidade parcial do § 1º do art. 36 da Lei 9.985/00. ADIN 3378-6, do Distrito Federal. Confederação Nacional da Indústria e Outros versus União. Relator: Carlos Brito. Julgamento em 08 de abril de 2008. Repositório eletrônico de jurisprudência do STF. Disponível em:

http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=AC&docID=53 4983. Acesso em 29 nov. 2013. 33

Art. 34. Os órgãos responsáveis pela administração das unidades de conservação podem receber recursos ou doações de qualquer natureza, nacionais ou internacionais, com ou sem encargos, provenientes de organizações privadas ou públicas ou de pessoas físicas que desejarem colaborar com a sua conservação. Parágrafo único. A administração dos recursos obtidos cabe ao órgão gestor da unidade, e estes serão utilizados exclusivamente na sua implantação, gestão e manutenção: BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Constitucionalidade da compensação devida pela implantação de empreendimentos de significativo impacto ambiental. Inconstitucionalidade parcial do § 1º do art. 36 da Lei 9.985/00. ADIN 3378-6, do Distrito Federal. Confederação Nacional da Indústria e Outros versus União. Relator: Carlos Brito. Julgamento em 08 de abril de 2008. Repositório eletrônico de jurisprudência do STF. Disponível em:

http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=AC&docID=53 4983. Acesso em 29 nov. 2013. 125

INSTITUTO DE CIÊNCIAS JURÍDICO-POLÍTICAS

sobre

Consumo,

Mercadoria

e

Serviços”34

e

as

unidades

de

conservação localizadas nos seus limites. No estudo do TCE foi explicitado que na execução orçamentária de 2010, dos recursos previstos no orçamento do Estado de Minas Gerais, exercício de 2010, nas rubricas que contemplavam as unidades de conservação, apenas 48%, (quarenta e oito por cento), foram realizadas. A auditoria do TCE foi concluída sugerindo os encaminhamentos e determinando a adoção das seguintes providências: À SEPLAG35, SEMAD36 e IEF: 1. 2. 3. 4.

Criação de ação orçamentária específica para as UCPIs37; Planejamento de ações, alinhado os meios de realizá-las aos pertinentes recursos, bem como promoção da avaliação e o monitoramento de tais ações; Inclusão do produto relativo à criação de novas UCPIs para que sejam contemplados os resultados das ações; Promoção de política efetiva, transparente e continuada de pessoal, a qual viabilize a efetiva criação e implantação das UCPIs e que seja coerente e vinculada aos resultados pretendidos.

Ao IEF: 1. Implementação do CEUC38 e do SISEMANET39; 2. Alimentação do CNUC40, inserindo UCPIs não cadastradas e completando os dados das UCPIs cadastradas; “O ICMS Ecológico, que nasceu como uma forma de compensar os municípios pela restrição de uso do solo em locais protegidos (unidades de conservação e outras áreas de preservação específicas) configura-se meio de incentivo na criação e na melhoria da qualidade das áreas já protegidas com o intuito de aumentar a arrecadação”. BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Constitucionalidade da compensação devida pela implantação de empreendimentos de significativo impacto ambiental. Inconstitucionalidade parcial do § 1º do art. 36 da Lei 9.985/00. ADIN 3378-6, do Distrito Federal. Confederação Nacional da Indústria e Outros versus União. Relator: Carlos Brito. Julgamento em 08 de abril de 2008. Repositório eletrônico de jurisprudência do STF. Disponível em: http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=AC&docID=534983. Acesso em 29 nov. 2013. 35 SEPLAG – Secretaria Estadual de Planejamento e Gestão. 36 SEMAD – Secretaria de Meio Ambiente e Desenvolvimento. 37 UCPIs – Unidades de Conservação de Proteção Integral. 38 CEUC – Cadastro Estadual de Unidades de Conservação. 39 SISEMANET – Sistema Integrado de Meio Ambiente. 40 CNUC – Cadastro Nacional de Unidades de Conservação. 34

126

COMPENSAÇÃO ECOLÓGICA, SERVIÇOS AMBIENTAIS E PROTECÇÃO DA BIODIVERSIDADE

3. 4. 5. 6.

7. 8. 9. 10.

11.

Elaboração de protocolo de criação de UCPIs e normas que auxiliem a sua implantação; Estabelecimento de critérios objetivos para distribuição dos recursos financeiros às UCPIs; Revisão das categorias de manejo das UCPIs, providenciando as alterações necessárias quanto aos limites, jurisdição, entre outros; Adoção de medidas emergenciais para proteção das UCPIs, principalmente no tocante à biodiversidade e à infraestrutura, e de posse dos planos de manejo, implante a infraestrutura necessária para as ações de manejo previstas; Promoção do envolvimento e mobilização da população do entorno nas discussões relativas à UCPIs; Capacitação de conselheiros a fim de atender às necessidades das UCPIs; Mobilização de setores representativos do conselho consultivo para que haja paridade entre participantes da sociedade civil e poder público; Implementação de programas/ações de capacitação para as comunidades, como alternativas às atividades predatórias e ilegais; Implementação de ações que possibilitem a conscientização e educação ambiental da população; Elaboração de cartilha instituindo os procedimentos a serem adotados pelos proprietários e posseiros.

À AGE41, SEMAD e IEF: 1. Normatização de procedimentos técnicos e administrativos para indenização de benfeitorias e desapropriação de imóveis rurais localizados no interior das UCPIs de posse e domínio do Estado de Minas Gerais; 2. Elaboração do cronograma para regularização fundiária alcançando todas as UCPIs. Ao IEF: 1. Apresentação de cronograma para elaboração dos planos de manejo de todas as UCPIs e promova a atualização daqueles que se encontram desatualizados; 2. designe gerentes para as UCPIs que não o possuam; 3. realização de consulta pública para inclusão das comunidades no processo de criação das UCPIs; 4. implantação do conselho consultivo em todas as UCPIs que não o possuem.

a) b) c) d) e)

41

Encaminhamento de cópia do acórdão e documentos para os seguintes destinatários: Secretário de Estado de Planejamento e Gestão; Secretário de Estado de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável; Diretor Geral do Instituto Estadual de Florestas; Advocacia Geral do Estado; Secretário de Estado de Casa Civil e de Relações Institucionais;

AGE – Advocacia Geral do Estado.

127

INSTITUTO DE CIÊNCIAS JURÍDICO-POLÍTICAS f) g) h)

Controladoria Geral do Estado; Assembleia Legislativa do Estado de Minas Gerais; Ao Ministério Público do Estado de Minas Gerais – Centro de Apoio Operacional das Promotorias de Justiça de Defesa do Meio Ambiente, Patrimônio Cultural, Urbanismo e Habitação. (Grifos nossos).

Impressiona a atuação do TCE de Minas Gerais que determina ações pragmáticas para os órgãos responsáveis, contrariando a visão negativa de Silva na qual afirma que “a maioria dos órgãos estatais não goza de uma reputação confiável e digna de cumprir os princípios constitucionais

da

Administração

Pública”42.

Constata-se

que

a

generalização não é justa, pois vários órgãos públicos têm cumprido suas competências constitucionais com rigor, como o Ministério Público. 5. Atuação do Ministério Público O Ministério Público, por meio de sua Promotoria Estadual de Patrimônio Cultural e Turístico de Minas Gerais, da Coordenadoria das Promotorias das Bacias por Bacias Hidrográficas e da Promotoria de Meio Ambiente da Capital, tomou conhecimento do problema após matéria jornalística publicada na Revista Ecológico, de outubro de 2012, intitulada “SOS SEMAD – Ecologistas questionam o governo sobre contingenciamento de praticamente todos os recursos destinados ao meio ambiente” e abriu inquérito civil para apuração dos fatos. Durante a instrução do inquérito civil, o Ministério Público Estadual teve acesso ao relatório final da Auditoria Operacional do TCE e à avaliação da gestão das unidades de conservação realizada pela Universidade Federal de Lavras, documentos que passaram a orientar as ações ministeriais. O acompanhamento da situação das unidades de conservação em todo o Estado, gerou a abertura, até novembro de 2013 cerca de 53 procedimentos,

dos

seguintes

tipos:

PAAF



Procedimento

de

SILVA, Rodrigo Zouaim da. Os Desafios do Direito Ambiental no Limiar do Século XXI Diante da Ineficácia do Sistema. Revista Veredas do Direito, v. 9, p. 80, jul/dez, 2012. 42

128

COMPENSAÇÃO ECOLÓGICA, SERVIÇOS AMBIENTAIS E PROTECÇÃO DA BIODIVERSIDADE

Acompanhamento

da

Atividade,

sob

responsabilidade

das

coordenadorias por Bacias Hidrográficas, NF – Notícia de Fato, PP – Procedimento Preparatório, IC – Inquérito Civil,

estes no âmbito das

promotorias locais, além de 11 ações civis públicas. O quadro a seguir demonstra que o maior volume de feitos se refere a inquéritos civis.

Fonte: Dados disponibilizados pela Promotoria Estadual de Patrimônio Cultural e Turístico de Minas Geais

Outro dado importante é a distribuição do número de procedimentos e ações por Bacia Hidrográfica, ao demonstrar que o maior volume de procedimentos foi aberto na Bacia dos Rios Verde Grande e Pardo de Minas, com 17 procedimentos administrativos e o menor na Bacia do Rio Paranaíba e Baixo Rio Grande, com apenas 1 procedimento aberto.

Fonte: Dados fornecidos pela Promotoria Estadual de Patrimônio Cultural de Minas Gerais (nov-2013).

O ajuizamento de ações civis públicas se deu nas

Bacias do Rio

Jequitinhonha e Mucuri (7), na Bacia do Rio das Velhas e Paraopeba (3) e na Bacia do Alto São Francisco (1).

129

INSTITUTO DE CIÊNCIAS JURÍDICO-POLÍTICAS

É relevante destacar que a atuação do Ministério Público estadual não se restringiu às unidades de proteção integral, abrangendo também as unidades de conservação de uso sustentável, como o inquérito civil e a ação civil pública (autos nº 1.0024.13.250739-3) abertos para proteção da

Área de Preservação Ambiental - APA-SUL,

na

região metropolitana da capital, a qual, inclusive contou com o deferimento de medida liminar que, foi suspensa no agravo de instrumento interposto pelo IEF e pelo Estado de Minas Gerais (autos nº 1.0024.13.250739-3/002). Em acordo judicial entabulado, em 2007, no bojo de ação civil pública ajuizada para proteção da Serra da Moeda, importante monumento natural e cultural da região metropolitana de Belo Horizonte, o Ministério Público incluiu várias cláusulas relativas à criação de Unidade de Conservação de Proteção Integral, na categoria Monumento Natural, bem como de Corredores Ecológicos e Estrada Parque, para cumprimento pela empresa mineradora e pelo gestor ambiental Instituto Estadual de Florestas - IEF, as quais implicaram no pagamento

e

custeio

de

medidas

compensatórias

por

danos

ambientes passados, futuros e morais coletivos, num montante de cerca de R$ 14.000.000,00 (quatorze milhões de reais), além da doação de itens a órgãos de proteção ambiental e pagamento de estudos ambientais. Ação com a finalidade de fazer cessar omissão do poder público na criação de unidade de conservação foi intentada pela Ministério Público Federal, no Estado do Ceará, referida no Agravo de Instrumento 88338 – CE (autos nº 2008.05.00.035309-8) do Tribunal Regional Federal da 5ª Região, no qual foi confirmada liminar que determinava ao Estado a proibição de licenciamento em área restrita de ecossistema intocado, de maneira a garantir a preservação do Parque Ecológico de Cocó, na cidade de Fortaleza. Embora não seja possível prever o tempo de duração das ações ajuizadas é imprescindível iniciar o quanto antes os processos de 130

COMPENSAÇÃO ECOLÓGICA, SERVIÇOS AMBIENTAIS E PROTECÇÃO DA BIODIVERSIDADE

reconhecimento da inadequação ou omissão das políticas públicas estaduais no trato e gestão das unidades de conservação, garantindose uma mudança, ainda que futura, do imobilismo administrativofinanceiro observado na Administração Estadual. A malversação de recursos destinados pela legislação à proteção de unidades de conservação, em Minas Gerais, é medida que coloca em risco a proteção da biodiversidade e torna ineficiente a administração pública, justificando tanto a interferência do Tribunal de Contas, como a do Ministério Público que deve agir tanto na condição de fiscal da lei e da probidade administrativa, quanto na proteção dos recursos naturais do Estado. 6. Considerações finais A preocupação com a preservação do equilíbrio ecossistêmico nesta e nas futuras gerações é crescente e precisa levar a um avanço na doutrina, legislação e jurisprudência nacionais e internacionais. Assim, o Relatório da Auditoria Operacional: Meio Ambiente – Unidades de Conservação de Proteção Integral, do Tribunal de Contas do Estado, bem como a Avaliação da Gestão das Unidades de Conservação do Sistema Estadual de Áreas Protegidas de Minas Gerais, da Universidade Federal de Lavras, apontando para a inadequada gestão e para a falta de recursos e regularizações fundiárias levam à conclusão de que são necessárias mudanças urgentes no sistema estadual de unidades de conservação, sob pena do perecimento da biodiversidade que nelas deveriam ser protegidas. A criação e adequada gestão das Unidades de Conservação de Proteção Integral através da aplicação dos recursos instituídos pelo art. 36 da Lei do Sistema Nacional de Unidades de Conservação

– sem

prejuízo de outras fontes legais de custeio – é fundamental para a proteção do meio ambiente no Estado de Minas Gerais e, por isso, o contingenciamento de seus recursos pelo poder central do Estado 131

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coloca em risco a efetividade das ações administrativas nessa área e necessita ser revista o mais rápido possível pelos gestores públicos. Nesse contexto é de extrema importância a participação da sociedade civil por meio de seus órgãos de imprensa, noticiando fatos lesivos ao meio ambiente; da Academia que de um ponto de vista doutrinário e científico avalia a gestão de unidades de conservação; do Tribunal de Contas do Estado realizando diagnóstico minucioso acerca das Unidades de Conservação de Proteção Integral, sob gestão Estado, apontando problemas e sugerindo encaminhamentos para sua solução; do Ministério Público, dando ouvidos à sociedade e buscando empreender estratégias de atuação que garantam a curto, médio e longo prazos, a implementação da legislação ambiental, com a efetivação da proteção à biodiversidade no Estado e finalmente do Poder Judiciário, como última instância decisória e garantidora do direito fundamental ao meio ambiente equilibrado. Como se sabe, entretanto, o simples reconhecimento doutrinário, legal

e

jurisprudencial

implementação,

sendo

do

direito

não

imprescindível

o

é

suficiente

para

sua

comprometimento

da

sociedade civil e dos órgãos gestores, que devem velar pela lisura da aplicação dos recursos e pela implementação das melhores políticas de proteção ambiental. Nesses termos, a fiscalização constante das compensações, seja pelo Ministério Público, pelo Tribunal de Contas, pela imprensa, pela sociedade civil ou ainda e principalmente pelos servidores das unidades de conservação é vital. Ainda que nem todas as ações administrativas de gestão logrem o resultado desejado, sem dúvida, representam um grande avanço na busca de um maior equilíbrio e solidariedade entre seres humanos, os demais seres da comunidade biótica e os recursos naturais stricto sensu. O desafio está lançado, cabendo às presentes e futuras gerações consolidar a proteção já iniciada, fazendo com que a compensação seja, realmente, compensada. 132

COMPENSAÇÃO ECOLÓGICA, SERVIÇOS AMBIENTAIS E PROTECÇÃO DA BIODIVERSIDADE

Resumo: O presente artigo objetiva fazer uma análise sobre a compensação ambiental prevista no art. art. 36 da Lei 9.985, Lei do Sistema Nacional de Unidades de Conservação, esclarecendo se os recursos recolhidos a esse título tem sido destinados à criação e aperfeiçoamento das Unidades de Conservação de Proteção Integral existentes no Estado de Minas Gerais, bem como explicitar o que o Ministério Público estadual tem feito para garantir a correta aplicação desses recursos.

133

Inicio texto

texto índice

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Realidades y Retos del Pago por Servicios Ambientales (PSA) en el Derecho Europeo y en el Derecho interno español

Blanca Rodríguez-Chaves Mimbrero Doctora de Derecho Administrativo Profesora Contratada (Universidad Autónoma de Madrid)

I. LA INTERNALIZACIÓN DE LAS EXTERNALIDADES AMBIENTALES: CONTABILIDAD ECONÓMICO-ECOLÓGICA INTEGRADA, QUE CONJUGA DE MODO EQUILIBRADO LAS DIMENSIONES ECONÓMICA, SOCIAL Y AMBIENTAL: 1. Cuestión preliminar; 2. El sistema de Pagos por Servicios Ambientales (PSA). Instrumento para internalizar en la economía las externalidades positivas y negativas de los Servicios Ambientales (SA) II. LA PROGRESIVA IMPLANTACIÓN DE ESQUEMAS DE PAGOS POR SERVICIOS AMBIENTALES (PSA) EN EL ÁMBITO INTERNACIONAL: 1. Los PSA en el Derecho Internacional; 2. Los países latinoamericanos, pioneros en la incorporación de los PSA en el ámbito nacional; 3. El modelo de Programa de Pago por Servicios Ambientales (PPSA) en Costa Rica III. LA APLICACIÓN DE PROGRAMAS PSA EN EL DERECHO EUROPEO Y EN EL DERECHO INTERNO ESPAÑOL: 1. Introducción: el carácter trasversal de las exigencias ambientales en la política de la Unión Europea; 2. La sostenibilidad como objetivo irrenunciable del modelo agrario europeo. De la ‘condicionalidad’ en las ayudas directas para la agricultura a la aplicación de mecanismos PSA; 3. La aplicación de sistemas PSA en el Derecho interno español: A. Los contratos territoriales: a) Dos ejemplos significativos de regulación de desarrollo autonómica: La Ley y 7/2010, de 14 de julio, para la Dehesa y la Ley 5/2011, de 6 de octubre, del olivar de Andalucía; B. La custodia del territorio, como herramienta para favorecer un desarrollo rural sostenible; C. La reciente regulación forestal, y la propuesta del ‘céntimo forestal’; a) La multifuncionalidad del monte; b) La propuesta de establecimiento del llamado ‘céntimo forestal’, como fórmula para compensar a los terrenos forestales por sus funciones como sumideros de carbono y como reguladores del recurso hídrico; 4. La Reforma de la Política Agraria Comunitaria (PAC), para el período 2014-2020. Un paso más en la integración de la protección del medio ambiente en la actividad agraria: la política agraria-rural será económicamente ventajosa cuando sea medioambientalmente sostenible IV. REFLEXIONES SOBRE LA APLICACIÓN DEL SISTEMA DE PSA EN EL MEDIO RURAL ESPAÑOL. PERSPECTIVAS Y ALGUNAS PROPUESTAS: 1. Introducción. La llamada ‘economía verde’ en el marco de la crisis económica-financiera; 2. El necesario fomento del equilibrio territorial a través de Programas de desarrollo rural, que establezcan medidas que equilibren las zonas rurales y las zonas urbanas; 3. La multifuncionalidad del medio rural y la necesidad de establecer mecanismos de compensación los Servicios Ambientales (SA); 4. Aplicación de sistemas PSA y de otros instrumentos que propicien la colaboración del sector privado en el ámbito rural

134

COMPENSAÇÃO ECOLÓGICA, SERVIÇOS AMBIENTAIS E PROTECÇÃO DA BIODIVERSIDADE

I. La internalización de las externalidades ambientales: contabilidad económico-ecológica integrada, que conjuga de modo equilibrado las dimensiones económica, social y ambiental 1. Cuestión preliminar1 Reorientar el actual modelo de desarrollo requiere la adopción de un sistema

que

económica,

integre social

de y

un

modo

ambiental,

equilibrado con

el

las

objeto

dimensiones de

medir

adecuadamente el progreso y el bienestar de la sociedad. De esta forma se lograría resolver el dilema entre crecimiento económico y protección ambiental2. Aún no ha sido resuelto dicho dilema; sin embargo, ambos conceptos se han empezado a integrar. Esta integración ha venido dada a partir de la integración de la variable ambiental en las políticas económicas, como cristalización del principio de la conjugación de la variable ambiental en las políticas sectoriales. Esto ha dado lugar a que los objetivos de la política ambiental y los de otras políticas, como la económica, se potencien recíprocamente. Según los autores expertos en la materia, la importancia de valorar los costes ambientales (la contaminación o externalidades negativas) y las externalidades ambientales positivas desde la economía, constituye hoy en día la pieza clave para una estrategia eficiente en materia de protección ambiental3.

1

Ha de tenerse muy presente en este tema in totum, el número monográfico dedicado a «Pagos por Servicios Ambientales y Desarrollo Económico: perspectivas y retos», Revista Española de Estudios Agrosociales y Pesqueros, núm. 228 (2011). 2 A raíz de la Declaración de Johannesburgo sobre Desarrollo Sostenible, de 4 de septiembre de 2002 (párrafo 5), se establece que el desarrollo sostenible se integra por tres pilares interdependientes y sinérgicos: desarrollo económico, desarrollo social y protección ambiental. Estos componentes del concepto se ha venido traduciendo en el triple concepto de la sostenibilidad: la sostenibilidad ambiental, económica y social. 3 Uno de los primeros trabajos en esta materia en España fue CANO CAPURRO, A. M. y CABELLO GONZÁLEZ, J. M.: «La valoración e internalización de los costes ambientales», Cuadernos 29 (2011), págs. 57-86.

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Una gestión sostenible de los recursos naturales tiene que considerar el valor de todos estos bienes y servicios ambientales que proporcionan, que debiendo ser tenidos en cuenta tanto en la planificación social como en los procesos de decisión, nacionales y mundiales. La valoración de los servicios ambientales o de las externalidades ambientales4 de los recursos naturales, y en especial, de los ecosistemas, es un paso importante hacia un modelo de economía verde y desarrollo sostenible. La Evaluación del Milenio5 define los servicios ambientales como «los beneficios que las personas obtienen de los ecosistemas». A su vez, distingue cuatro grandes categorías de servicios ambientales: 1) los servicios de aprovisionamiento tales como los alimentos o el agua; 2) los servicios de regulación como el control de las inundaciones o la fijación de dióxido de carbono por parte de los organismos vegetales; 3) los servicios culturales como los beneficios espirituales o recreativos que ofrece la naturaleza; y 4) los servicios de soporte o esenciales como el ciclo de los nutrientes que garantiza las condiciones para permitir la existencia de formas de vida complejas en la Tierra. Para la internalización de las externalidades ambientales se han venido utilizando diferentes instrumentos económico-jurídicos: como la aplicación del principio “quien contamina paga”; y la utilización de ayudas públicas y la aplicación de diferentes instrumentos económicos (mecanismos comerciales o financieros). La mayoría de las políticas públicas ambientales combinan diferentes tipos de instrumentos 6. Pero hay que subrayar que dentro de la categoría de instrumentos económicos, además de los “tradicionales” que se acaban de En la doctrina económica, desde los años 1920 (PIGOU) se viene manejando el concepto de externalidad positiva entendido como un efecto externo o una materia en la que un sujeto A realiza una acción positiva en el bienestar de otro sujeto B, sin que exista una compensación del mercado. 5 Millenium Ecosystem Assessment, 2003. 6 Sobre este tema, vid. in totum, el interesantísimo trabajo de GARCÍA LÓPEZ, T.: «La internalización de las externalidades ambientales: técnicas y opciones para el diseño de políticas públicas ambientales», Cuadernos Críticos de Derecho, núm. 2, 2011, págs. 1-22. 4

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COMPENSAÇÃO ECOLÓGICA, SERVIÇOS AMBIENTAIS E PROTECÇÃO DA BIODIVERSIDADE

mencionar, la figura que en la actualidad está tomando relevancia para la conservación ambiental es el llamado Pago por Servicios ambientales (PSA)7. Los PSA atienden tanto a los bienes ambientales como a los servicios ambientales que estos proveen. A partir de los PSA los servicios de la naturaleza, que antes se hallaban excluidos de un intercambio

o

posible

mercadeo,

se

incorporan

al

mercado,

vinculándose al sistema de precios, y por tanto, dejan de ser percibidos como dones gratuitos de carácter público. Por todo ello, los PSA representan una valoración o puesta en valor de los servicios que nos proporciona la naturaleza. 2. El sistema de Pagos por Servicios Ambientales (PSA). Instrumento para internalizar en la economía las externalidades positivas y negativas de los Servicios Ambientales (SA). El Pago por Servicios Ambientales son soluciones de mercado que han sido propuestas en un principio desde el ámbito de la economía ambiental8. El PSA tiene su raíz en el principio de Derecho ambiental “quien contamina paga”9 y parte del concepto teórico de que los bienes

7

Se realiza un completo y profundo estudio de los PSA en PASCUAL, U. y CORBERA, E.: «Pagos por servicios ambientales: perspectivas y experiencias innovadoras para la conservación de la naturaleza y el desarrollo rural», Revista Española de Estudios Agrosociales y Pesqueros, núm. 228, número monográfico dedicado a «Pagos por Servicios Ambientales y Desarrollo Económico: perspectivas y retos» (2011), págs. 10-51. 8 Esta rama de la economía se ha preocupado por la explotación de los recursos naturales, pues sin ellos, los procesos de producción de riqueza y el consumo de las sociedades actuales no serían posibles, vid. CATRO VALLE, CM: Análisis del marco jurídico institucional para establecer Mecanismos de Pago de Servicios Ambientales, Fundación Vida, diciembre 2010. 9 Principio nacido en la OCDE en 1972. Establece este principio que los costos provenientes de la prevención y lucha contra la contaminación deben ser asumidos y solventados por quien produce la contaminación y no por la colectividad social en su conjunto. En lo referente a la regulación de este principio ha de tenerse en cuenta la Directiva 2004/35/CE, del Parlamento Europeo y del Consejo, de 21 de abril, sobre responsabilidad medioambiental en relación con la prevención y reparación de daños medioambientales, incorporada al Derecho interno español por la Ley 26/2007, de 23 de octubre, de Responsabilidad medioambiental, y desarrollada parcialmente por el Real Decreto 2090/2008, de 22 de diciembre.

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pueden ser explotados directamente en actividades económicas, pero además pueden proveer servicios ambientales a los esquemas productivos. En las zonas prósperas del planeta la ecología se ha convertido en un instrumento para regular la producción, mientras que en las zonas deprimidas, la actividad del medio ambiente ha sido vista como una salida para el déficit económico. Los PSA se alejan de los esquemas de subsidio, de carácter unilateral de los costos ambientales10, teniendo, por el contrario, un carácter negociado o bilateral, propio del contrato. La idea central del PSA es que los beneficiarios externos de los Servicios Ambientales paguen, de manera directa, contractual y condicionada, a los propietarios y trabajadores locales por adoptar prácticas que aseguren la conservación y restauración de ecosistemas. La definición más extendida de un esquema de Pagos por Servicios Ambientales (PSA) es la de un contrato voluntario11 entre un proveedor de uno o varios servicios ambientales explícitamente definidos (o un uso de la tierra que asegure dicho servicio) y un beneficiario que retribuye por ellos (un comprador), y se retribuye sólo si estos servicios ambientales son efectivamente provistos –principio de condicionalidadadicionales

a

los

ya

existentes

antes

de

12

implantar

y si son el

PSA

(adicionalidad)13. Ha de señalarse que el elemento más importante de los PSA es su condicionalidad.

La

condicionalidad

implica

recibir

los

pagos

10 El otorgamiento de subsidios es una práctica que se ha demostrado nefasta en relación al uso sostenible de los recursos naturales, porque provoca un uso indiscriminado de los recursos naturales como el agua. 11 Para que los PSA existan deben existir productores y consumidores de servicios ambientales, con disposición para negociar tales servicios, frecuentemente mediante agentes intermediarios, tales como agencias gubernamentales u ONGs. 12 Esta definición es la que se recoge en el monográfico sobre PSA de la Revista Ecological Economics (2008), y es la definición que se repite en la gran mayoría de trabajos teóricos sobre los PSA. 13 Para que un esquema de PSA sea eficaz debe ser constatable la mejora de los servicios ambientales. Entendiendo que ésta implica incremento de cantidad y calidad, continuidad y adicionalidad respecto a la alternativa cero, es decir, la no existencia del esquema de PSA.

138

COMPENSAÇÃO ECOLÓGICA, SERVIÇOS AMBIENTAIS E PROTECÇÃO DA BIODIVERSIDADE

(incentivos económicos) en la medida que los participantes alcancen los objetivos determinados por el programa de PSA en cuestión. La condicionalidad representa pues, un contrato entre el proveedor de servicios ambientales y el que paga por éstos, recayendo el riesgo en los proveedores u oferentes del servicio14. II. La progresiva implantación de esquemas de pagos por servicios ambientales (PSA) en el ámbito internacional Durante la última década se ha producido un progresivo interés respecto de los PSA, no sólo en el ámbito teórico sino también en la práctica. Hoy en día existen valiosos ejemplos de PSA en todos los ámbitos: local, regional, nacional e internacional 15. Las carteras de actividades del grupo de asesoramiento científico y técnico del Fondo para el Medio Ambiente Mundial (FMAM)16 y del Banco Mundial17 cuentan cada vez más con los PSA para proyectos generales de 14

Es importante que el riesgo recaiga en los oferentes en cualquier relación contractual donde hay uno de estos tres elementos: acciones complementarias no observables por parte de ellos; dificultad para asignar responsabilidades en caso de fallas del acuerdo; o baja probabilidad de llevar a cabo realmente las consecuencias establecidas para los casos de no cumplimiento. 15 La OCDE en el año 2010 constató la proliferación de programas de PSA en países desarrollados y en desarrollo con la consiguiente movilización de cantidades cada vez más sustanciosas para la financiación y apoyo del diálogo internacional sobre los instrumentos eficientes para mejorar los servicios ecosistémicos. Sobre la plasmación de los esquemas PSA, téngase muy en cuenta Vid. LIPPER, L., y NEVES, B..: >, Revista Española de Estudios Agrosociales y Pesqueros, núm. 228, Monográfico dedicado a «Pagos por Servicios Ambientales y Desarrollo Económico: perspectivas y retos» (2011), págs. 53-84. 16 En inglés: Global Environment Facility . 17 El Informe del Estado Mundial de la Agricultura y la Alimentación de 2007 de la FAO se concentró en la evaluación de la experiencia y el potencial de los programas de PSA en apoyo del desarrollo sostenible de la agricultura y la reducción de la pobreza. Dicho informe pronosticaba que la demanda de servicios ambientales procedentes de terrenos agrícolas aumentará y que los PSA podrían constituir un importante medio para estimular su suministro. Sin embargo, la efectividad de tales programas depende de políticas e instituciones favorables a nivel local e internacional, las cuales aún no existen en la mayoría de los casos. De igual manera, el Banco Mundial ya consideraba en su Informe sobre el Desarrollo Agrícola Mundial (2008), que la aparición de programas de PSA constituye un enfoque prometedor que debería ser secundado por los gobiernos, tanto locales como nacionales, y por la comunidad internacional.

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conservación y desarrollo rural, como componentes que aportan una fuente de financiación sostenible. 1. Los PSA en el Derecho Internacional. El mercado de carbono ofrece un muy buen ejemplo de lo que es la idea básica de los esquemas de PSA a nivel internacional. A partir de las Conferencias de las Partes de la Convención Marco de las Naciones Unidas sobre el Cambio Climático (CMNUCC) de Bali (2008) y Copenhague (2009), comienza

a considerarse como una

opción de interés –sobre todo en los países en vías de desarrollo que sufren procesos de deforestación

18-

la propuesta de implantar las

unidades de Reducción de Emisiones por Deforestación y Degradación Forestal (REDD)19. El REDD es un mecanismo que se ha propuesto para mitigar el cambio climático, a través de la reducción de los gases efecto invernadero mediante el pago a las naciones en desarrollo para que detengan la tala de sus bosques las naciones en desarrollo20.

18

Vid. BÖNER, J., WUNDER, S. y ARMAS, A.: «Pagos por carbono en América latina: de la experiencia de proyectos piloto a la implementación a gran escala», Revista Española de Estudios Agrosociales y Pesqueros, nº 228, número monográfico dedicado a «Pagos por Servicios Ambientales y Desarrollo Económico: perspectivas y retos» (2011), págs. 136-160. 19 El mecanismo REDD (Reduced Emissions from Deforestation and Degradation), tiene como finalidad la reducción de emisiones derivadas de la deforestación y degradación de los bosques en los países en desarrollo. Se puede considerar otro importante esquema de PSA – en sentido amplio-, los llamados «mecanismos de flexibilización», que surge de las Conferencias de las Partes (COP) 6 y 7 del Protocolo de Kyoto. Estos incluyen los denominados Mecanismos de Desarrollo Limpio, orientados a la inversión de empresas privadas en proyectos de reducción de emisiones o fijación de carbono, y los Mecanismos de Acción Conjunta, con los que se pretende promover dichas inversiones entre países. 20 La idea de que la deforestación evitada pudiera incluirse dentro del comercio global de crédito de carbono fue planteada en la 11ª Conferencia de las Partes (COP) de la Convención de Cambio Climático de Naciones Unidas. El apoyo hacia el REDD se ha ampliado y profundizado desde Bali, y este mecanismo ha sido una de las pocas áreas en las que se ha visto un progreso en la 15ª Conferencia de las Partes de la Convención Marco de las Naciones Unidas sobre Cambio Climático (COP 15), celebrada en los días 7 a 18 de diciembre de 2009, en Copenhague (Dinamarca), consagrándose el mecanismo REDD-plus. En esta misma línea, existe un Informe del Banco Mundial en el que se propone que los países desarrollados paguen a los países en vías de desarrollo, como Brasil, Camerún, o Indonesia, por la acción beneficiosa

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COMPENSAÇÃO ECOLÓGICA, SERVIÇOS AMBIENTAIS E PROTECÇÃO DA BIODIVERSIDADE

A través del esquema REDD, se pretende canalizar fondos de los países desarrollados a los países en desarrollo con el fin de reducir la deforestación e incentivar el mantenimiento de los servicios ambientales que los bosques generan a escala global. De tal forma, este mecanismo pretende conectar la demanda internacional de servicios de regulación del clima mediante la fijación de carbono de los bosques y la oferta de conservación de sumideros de carbono como los bosques por parte de los países en desarrollo y los propietarios de la tierra, normalmente representados a nivel gubernamental21. La aplicación del mecanismo de REDD+ se ha consolidado en la 16ª Conferencia de las Partes de la Convención Marco de Naciones Unidas sobre Cambio Climático y la 6ª sesión de la Conferencia de las Partes que son partes del Protocolo de Kioto, celebrada en Cancún (México) en 2010. En Cancún se ha establecido que el REDD-plus se implementará en tres fases: una primera para el desarrollo de las estrategias nacionales, así como políticas y medidas; una segunda, basada en la puesta en marcha de dichas estrategias y medidas; y una tercera basada en los resultados conseguidos, que deberá ser medida y verificada. Se acuerda que las dos primeras fases se financiarán con mecanismos multilaterales y bilaterales existentes, y respecto a la tercera fase, se solicita al grupo de trabajo que explore las fuentes de financiación (por su posible vínculo con los mercados de carbono) y proponga recomendaciones para la próxima COP 17 de Sudáfrica.

global de sus recursos forestales en orden al secuestro del carbono y la conservación de la biodiversidad. 21 Sobre la implementación del mecanismo REDD, vid. Vid. LIPPER, L., y NEVES, B. : «Análisis crítico de los pagos por servicios ambientales: de la gestación teórica a la implementación», Revista Española de Estudios Agrosociales y Pesqueros, n.º 228, Monográfico dedicado a «Pagos por Servicios Ambientales y Desarrollo Económico: perspectivas y retos» (2011), págs. 58-59.

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2. Los países latinoamericanos, pioneros en la incorporación de los PSA en el ámbito nacional Latinoamérica ha sido pionera en la implantación de programas y proyectos de PSA22, experimentando éstos un rápido crecimiento en la última década. Los Gobiernos de estos países han descubierto el gran potencial

que

los

PSA

entrañan

para

recaudar

financiación

suplementaria a largo plazo del sector privado, como apoyo a sus programas mejorados para la ordenación de recursos naturales, empleando el incentivo de «el usuario paga» y de «la distribución de los beneficios». Los sistemas PSA se han aplicado, sobre todo, como medio para lograr una mejor gestión del recurso hídrico23 y de los recursos forestales24. En Costa Rica ― primera nación en aplicar un sistema de No ha de obviarse, no obstante, que otros países, como Estados Unidos de América (EEUU) y Australia, también han aplicado esquemas PSA. En EEUU se ha aplicado sobre todo, en pequeñas explotaciones forestales privadas del Este, como contribución a la mejora parcial de la rentabilidad de los terrenos forestales. 23 Es bien conocido el grave problema que existe en muchos países de la Latinoamérica de calidad y también escasez de agua y de deforestación. Los esquemas de PSA hidrológicos están recibiendo una gran atención a nivel nacional como es el caso de los programas nacionales de México, Costa Rica y Ecuador. En el ámbito local, uno de los esquemas PSA que más se repiten es el establecido entre usuarios situados a diferentes alturas de las cuencas hidrográficas. Los usuarios aguas abajo (generalmente poblaciones urbanas) realizan un pago a los usuarios aguas arriba (generalmente agricultores) para que éstos vean compensados costes de oportunidad en los que incurren por no roturar sus tierras con fines agrícolas, favoreciendo así, el mantenimiento de funciones de regulación ecológica que mejoran la calidad hídrica aguas abajo. 24 Existen ejemplos de PSA para la protección de la biodiversidad a cualquier escala (local, nacional e internacional), enfocados generalmente a proteger especies carismáticas en riesgo de extinción o hábitats ecológicamente valiosos. En estos casos, normalmente se trata de grandes ONGs conservacionistas (o sus contrapartes locales) que ofrecen compensaciones a aquellos actores que o bien puedan ser causantes de impactos negativos (por lo tanto pagándoles por dejar de generar dichos impactos) o bien a aquéllos que puedan reforzar acciones o esquemas de conservación que ya estén llevando a cabo. Es importante resaltar en el caso de la biodiversidad que, como tal, ésta no se considera un servicio ambiental en el marco conceptual de la Evaluación del Milenio. Sin embargo, como sí se considera el soporte fundamental de cualquiera de las cuatro categorías de servicios ambientales, los proyectos que vinculan unos pagos directos al mantenimiento de la diversidad biológica en cualquiera de sus formas (a nivel de especie o de ecosistema) se les considera genéricamente un PSA. Vid. EZZINE DE BLAS, D.; RICO, L.; RUIZ PÉREZ, M. y MARIS, V. (2011): «La biodiversidad en el universo de los pagos por servicios ambientales: desentrañando lo inextricable», Revista Española de Estudios Agrosociales y Pesqueros, 22

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COMPENSAÇÃO ECOLÓGICA, SERVIÇOS AMBIENTAIS E PROTECÇÃO DA BIODIVERSIDADE

PSA25, México26, Ecuador27, El Salvador28, Guatemala29, y Colombia30, se ha producido un rápido surgimiento de programas privados, públicos y núm. 228, número monográfico dedicado a «Pagos por Servicios Ambientales y Desarrollo Económico: perspectivas y retos» (2011), págs.139-163. Sobre la aplicación de esquemas PSA para evitar la deforestación, vid. MUÑOZ-PIÑA, C.; RIVERA, M. y CISNEROS, A.: Cuantificando la Deforestación Evitada: Evaluación del Programa de Pago por Servicios Ambientales Hidrológicos y Otras Políticas, Instituto Nacional de Ecología. Documentos de Trabajo, 2010. 25 En el ámbito latinoamericano, se reconoce el liderazgo de Costa Rica en el tema de servicios Ambientales. El modelo de Costa Rica está siendo implementado de forma creciente en el resto de países de Latinoamérica. 26 México ha recogido en sus políticas nacionales la importancia de la valoración económica de los bienes y servicios ambientales, incluyendo la referida a los recursos biológicos y su biodiversidad, así se plasmaba ya en el Programa de Medio Ambiente 1995-2000 (Gobierno de México, 1996), en el que se reconocen dos aspectos fundamentales: por un lado, se establecen indicadores que midan la sustentabilidad y el progreso económico como parte de las estadísticas del desempeño socioeconómico, del comercio y las finanzas del país, y, por el otro, que el Sistema de Cuentas Nacionales registre el valor económico de los recursos biológicos y su biodiversidad, y el valor de su uso, agotamiento o degradación, incorporándolos en los costos y beneficios, en términos de la capacidad futura de la economía y de la sociedad. El recurso natural que hasta ahora ha sido más estudiado han sido los bosques como ecosistemas. Vid. MUÑOZ-PIÑA, C.; RIVERA, M.; CISNEROS, A. y GARCÍA, H. (2011): «Retos de la focalización del Programa de Pago por los Servicios Ambientales en México», Revista Española de Estudios Agrosociales y Pesqueros, núm. 228, Monográfico dedicado a «Pagos por Servicios Ambientales y Desarrollo Económico: perspectivas y retos» (2011), págs. 113-133. 27 Ecuador implementó el PSA hídrico en la Provincia de Tungurahua en una zona piloto. La propuesta implicaba mejorar la disponibilidad y el servicio de agua, optimizando su administración, manejo, distribución, acceso y uso por medio del desarrollo de estrategias integrales de manejo de cuencas para mantener la oferta y la demanda, conservar el recurso y aumentar el bienestar social de la población. Ecuador ha incluido alternativas económicas para el aprovechamiento sostenible de los recursos creando un fondo para el PSA. La tarifa se ha definido por medio de una metodología multidisciplinaria y participativa que incluye el contexto socioeconómico y cultural de la zona para que el PSA se ajusten a las particularidades del lugar y fortalezca los sectores socioeconómicos más débiles; además se solicitó una estrategia política con el fin de facilitar las condiciones institucionales necesarias y así apoyar el funcionamiento eficiente y contribuir a una distribución equitativa de los beneficios. Del mismo modo, se han implantado sistemas de PSA en el municipio de Cuenca, orientados a un aprovechamiento sostenible del ciclo del agua, que garantice un suministro en cantidad y calidad suficiente para los consumidores finales. El mecanismo se basa en compensaciones a los propietarios de las cabeceras de las cuencas de recarga y captación de recursos hídricos, de modo que adopten prácticas de uso sostenible, que no pongan en riesgo el suministro de agua en las zonas bajas de las cuencas. El mecanismo se financia mediante la factura del agua, incluyendo un esquema bastante completo y complejo, con diferentes niveles de compromiso, e incluye aportaciones privadas, compra y gestión directa de terrenos, apoyo técnico a pequeños propietarios, etc. Vid. ÁNGELA GONZÁLEZ, T. y ELIANA RIASCOS, A.: «Panorama Latinoamericano de Pago por Servicios Ambientales», Gestión y Ambiente, volumen 10, (2007), págs. 133-135. 28 El Salvador, a pesar de carecer de una institucionalidad organizada para la internalización de beneficios ambientales, ha realizado algunas experiencias de PSA

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mixtos – tanto de ámbito nacional como subnacional 31 donde, entre otros

servicios,

principalmente

los

beneficiarios

de

los

servicios

hidrológicos de los bosques hacen transferencias económicas directas o indirectas a los propietarios de las zonas forestales que los proveen.

como la del Parque Nacional ‘El Imposible’, donde las familias que se benefician del sistema de agua potable pagan una tarifa mensual para financiar la administración, la operación, el mantenimiento del sistema y el trabajo de dos guarda parques promotores del medio ambiente. Además, es significativo resaltar la importancia que tienen los ejercicios de valoración económica de los servicios ambientales para la implementación de esquemas de PSA, como es el caso del estudio realizado en la parte alta de la cuenca del Río Lempa, donde se buscó determinar la disponibilidad de pago de las familias para sostener el suministro sostenible del agua que actualmente consumen, asociado a la conservación de las coberturas arbóreas que protegen el recurso hídrico en su nacimiento. De otro lado, se ha realizado un esfuerzo conjunto entre El Salvador, Honduras y Nicaragua, con el objetivo de aumentar los ingresos de pequeños y medianos productores, promoviendo la agricultura sostenible en las zonas de laderas de estos países. Para ello, se han adoptado tecnologías de manejo sostenible de los suelos y del agua en fincas de pequeños productores. Vid. ÁNGELA GONZÁLEZ, T. y ELIANA RIASCOS, A.: «Panorama Latinoamericano…», cit., pág. 134. 29 Por su parte, Nicaragua, a través de la valoración económica de la oferta y la demanda hídrica del bosque en el cual nace la fuente del Río Chiquito, llegó a una solución de compromiso: se compensó al propietario para que no corte el bosque. El valor de la oferta hídrica se estimó a través del valor de la protección y mantenimiento del bosque y el valor del agua según su uso directo. Vid. ÁNGELA GONZÁLEZ, T. y ELIANA RIASCOS, A.: «Panorama Latinoamericano…», cit., pág. 135. 30 En Colombia, el estudio de caso de PSA en la Laguna de Fúquene al norte de Bogotá, analizó las externalidades relacionadas con la dinámica hidrológica, con el fin de apoyar una nueva forma de desarrollo rural a partir de transferencias del sector urbano, justificadas por un cambio positivo en la provisión de los bienes y servicios ambientales que esta cuenca brinda. Se utilizó un esquema experimental de teoría de juegos en economía, para contextualizar el conflicto y luego determinar cuál era la disposición a cooperar frente al dilema sobre el uso y el manejo de recurso hídrico. En este caso se contó con la participación de la autoridad ambiental y se resaltó la importancia de seguir y evaluar los cambios tecnológicos e institucionales, acordados previamente por los actores. 31 Brasil está siguiendo los pasos de estos países tanto en el ámbito nacional como subnacional, mientras que en Perú se están debatiendo iniciativas de implantación de sistemas PSA para lanzar programas a escala nacional o regional. Sobre el caso de Perú vid. ARMAS, A.; BÖRNER, J.; TITO, M. R.; CUBAS, L. D. y CORAL, S. T.: Pagos por Servicios Ambientales para la conservación de bosques en la Amazonía peruana: Un análisis de viabilidad, SERNANP, Lima-Perú, 2009.

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3. El modelo de Programa de Pago por Servicios Ambientales (PPSA) en Costa Rica32 Tras años de deforestación empujada por la pobreza y la necesidad, Costa Rica fue el primer país en implementar esquemas de PSA a escala nacional. Con el fin de lograr rentabilidad para el bosque sin talar, se buscaron mecanismos para compensar a los propietarios forestales que cesaran en su actividad de explotación de madera o ganadera, y trabajasen para producir servicios ambientales. Estas medidas se adoptaron a lo largo de la década de 1990. A partir de este momento, Costa Rica experimentó un cambio en el área ambiental, con una legislación que favorece la conservación y protección de los recursos naturales, y en este marco, al amparo de la Ley Forestal nº 7575, de 16 de abril de 1996, de Costa Rica, de forma muy

novedosa

se

reconocen

económicamente

los

servicios

ambientales que proporcionan los bosques y plantaciones forestales, tales como: mitigación de emisiones de gases efecto invernadero y protección del agua para uso urbano, rural o hidroeléctrico, además de otros33 y los incorpora a las cuentas nacionales. Dicho reconocimiento económico se articula a través del «Programa de

Pago

por

Servicios

Ambientales

(PPSA)»,

se

trata

de

un

reconocimiento financiero por parte del Estado, a través del Fondo Nacional de Financiamiento Forestal34 (FONAFIFO)35, a los pequeños y

32 Tuve noticia de este ejemplo del Derecho Ambiental de Costa Rica, a raíz de la excelente ponencia que realizó la Dra. Zaida López Cárcamo, sobre «El Derecho de Aguas en Costa Rica» en el I Seminario Iberoamericano sobre planificación y gestión del agua en áreas metropolitanas, celebrado en la Facultad de Derecho de la Universidad Autónoma de Madrid en los días 13 y 14 de mayo de 2009. 33 De conformidad con la Ley Forestal nº 7575, el Estado reconoce los siguientes servicios ambientales: mitigación de emisiones de gases de efecto invernadero (fijación, reducción, secuestro, almacenamiento y absorción); protección del agua para uso urbano, rural o hidroeléctrico; protección de la biodiversidad para su conservación y uso sostenible, científico y farmacéutico, de investigación y de mejoramiento genético; la protección de ecosistemas y formas de vida; y , por último, belleza escénica natural para fines turísticos y científicos. 34 Vid. http:// www.fonafifo.go.cr/.

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medianos propietarios y poseedores de bosques y plantaciones forestales, o sean de aptitud forestal, por los servicios ambientales que éstos proveen y que inciden directamente en la protección y mejoramiento del medio ambiente. La característica más importante de este Programa es que ha cambiado el concepto tradicional de "subsidio" o "incentivo", por el de "reconocimiento económico" por los servicios ambientales que provee el bosque, lo cual a su vez contribuye a aumentar su valor ecológico, social y económico. El Área de Pago por Servicios Ambientales (Área PSA) del FONAFIFO se encarga de garantizar el buen funcionamiento del Programa de PSA, coordinando todas las actuaciones relacionadas con la gestión forestal (desde normativa, pasando por manuales de procedimiento técnico, estadísticas, hasta el trámite de pago a beneficiarios de contratos PSA, y evaluación y seguimiento del cumplimiento del Programa PSA). Inicialmente, la principal fuente de financiación del Programa por Pago de Servicios Ambientales (PPSA) consistió en destinar un tercio de los recursos generados por el impuesto de consumo a los hidrocarburos, de conformidad con el artículo 69 de la Ley 7575. Posteriormente, este impuesto fue modificado por la Ley de Simplificación Tributaria, creándose el impuesto único a los combustibles, del cual un 3,5% es destinado PPSA. Esta determinación refleja una clara visión del legislador, al establecer una fuente de financiamiento que garantice la sostenibilidad del Programa. Ha de señalarse, no obstante, que la Ley Forestal establece en su artículo 47, otras fuentes potenciales de recursos para fortalecer los programas que desarrolla la institución, tales como: Aportaciones financieras provenientes del Estado, mediante presupuestos ordinarios y FONAFIFO es el eje financiero de PPSA. Se trata de un esquema financiero donde se integran diversas instituciones, tales como: el Sistema Nacional de Áreas de Conservación (SINAC), el FONAFIFO, la Oficina Nacional Forestal (ONF), los Regentes Forestales, el Colegio de Ingenieros Agrónomos, cooperativas, centros agrícolas cantonales, organizaciones no gubernamentales de sector y los beneficiarios en general. 35

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extraordinarios de la República u otros mecanismos; donaciones o créditos que reciba de organismos nacionales e internacionales; Créditos que el Fondo Nacional de Financiamiento Forestal obtenga, así como recursos captados mediante la emisión y colocación de títulos de crédito, entre otros. Adicionalmente, el FONAFIFO ha favorecido la participación de entidades internacionales como el Banco Mundial y el Fondo para el Medio Ambiente Mundial, por medio del Proyecto Ecomercados y del Gobierno Alemán, a través del KfW que aporta recursos para el Programa Forestal Huetar Norte. Sin embargo, hasta la fecha los recursos disponibles para la inversión no han sido suficientes para abastecer la creciente demanda. Ante esto, el FONAFIFO ha desarrollado mecanismos y convenios con la empresa privada local para generar fuentes alternas de financiación para el Programa de PSA, los cuales han resultado sumamente exitosos y han permitido que más productores se beneficien con los recursos movilizados mediante la aplicación de este instrumento. El Certificado de Servicios Ambientales es el instrumento creado específicamente que le permite a FONAFIFO captar fondos del sector privado para su posterior inversión en el Pago de Servicios Ambientales (PSA) a personas que deseen conservar los bosques, retribuyéndoles por los servicios que estos brindan. III. La aplicación de programas PSA en el derecho de la Unión Europea y en el derecho interno español 1. Introducción: el carácter trasversal de las exigencias ambientales en la política de la Unión Europea Desde la aprobación del Acta Única Europea (AUE) de 1987, que consagró la política ambiental europea, hasta el el VI Programa de 147

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Acción Comunitario en materia de Medio Ambiente para los años 2001201236, la Unión Europea ha seguido un intenso y continuo camino de integración de la variable ambiental en todas las políticas y actividades comunitarias, hasta llegar al convencimiento de la necesidad de integración en todas las políticas los objetivos de sostenibilidad económica, social y medioambiental. La traslación jurídica del principio de integración de las exigencias ambientales en las demás políticas europeas queda actualmente reflejado en el art. 11 del Título III del Tratado de Funcionamiento de la Unión Europea, en relación con las «disposiciones generales de aplicación» de las políticas de la Unión Europea. Este principio comunitario de integración de las exigencias ambientales, no sólo señala el carácter trasversal de la política ambiental en las diferentes actuaciones que lleve a cabo la UE, sino que, además, ha visto paulatinamente ampliado su reconocimiento, extendiendo su ámbito de aplicación material al afectar o condicionar en sentido estricto el desarrollo de políticas que escapan a la competencia de la UE, como sucede con la política de ordenación del territorio. De esta forma, la estrategia ambiental comunitaria ha incidido en la ordenación territorial de los Estados miembros, a través del diseño de sus instrumentos de planificación y gestión, los cuales están dirigidos a cumplir con los objetivos ambientales que son impuestos a escala europea. Ello otorga a la UE mayores competencias en política ambiental, a través de su actuación coordinada con los Estados miembros en relación con los instrumentos de planificación y gestión, y los instrumentos financieros37. 36

Aprobado por Decisión (CE) 1600/2002, del Parlamento y el Consejo, de 22 de julio (DOCE L 242, de 10 de septiembre). Sobre este VI Programa, vide el Boletín “Información de Medio Ambiente”, núm. 92, febrero de 2001. 37 Pese a que la ordenación territorial en España es competencia exclusiva de las Comunidades Autónomas, no puede ocultarse que el Derecho comunitario ha adoptado desde hace años una política ambiental que incide en la planificación y ordenación del territorio. La legislación ambiental comunitaria cada vez más está dirigida a promover una gestión integral responsable de los recursos naturales a través de la protección del medio ambiente y la utilización racional del territorio. En este sentido, vid. NAVARRO ORTEGA, A.: «La incidencia de la política ambiental

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El logro de un desarrollo sostenible hoy no es sólo en la Unión Europea un principio que rige las actuaciones de los órganos de la Unión Europea o de los Estados miembros, sino que también aparece configurado

como

ciudadanos

por

el

un

derecho

artículo

37

fundamental de la

Carta

reconocido de

los

a

los

Derechos

Fundamentales de la Unión Europea38. Por lo tanto, hoy en día el desarrollo sostenible constituye un verdadero derecho y principio jurídico que se traduce en importantes prescripciones y mandatos jurídicos ordenados a la utilización racional de los recursos naturales y su proyección sobre las generaciones futuras39. Así ya quedaba reflejado en el art. 45 de la Constitución Española de 1978. Al respecto, adquiere un especial significado la Ley 2/2011, de 4 de marzo, de Economía sostenible, que en su Exposición de Motivos, resalta el protagonismo que ha adquirido el paradigma de la sostenibilidad o del desarrollo sostenible desde hace dos decenios en el ordenamiento jurídico-administrativo español. Resulta interesante reproducir aquí el art. 2 de esta Ley 2/2011, de Economía sostenible, que incorpora en la definición de «economía sostenible» las últimas tendencias económico-ambientales, definiéndola como “un patrón de crecimiento que concilie el desarrollo económico, social y ambiental en una economía productiva y competitiva, que favorezca el empleo de calidad, la igualdad de oportunidades y la cohesión social, y que garantice el respeto ambiental y el uso racional

comunitaria sobre la ordenación del territorio a través de los nuevos instrumentos de planificación y gestión», en El Derecho público de la crisis económica. Transparencia y sector público. Hacia un Derecho administrativo, Coordinado por BLASCO ESTEVE, A., Instituto Nacional de Administración Pública, Madrid 2011, págs. 507-512, y 513. 38 Donde se establece que “En las políticas de la Unión se integrarán y garantizarán, conforme al principio de desarrollo sostenible, un nivel elevado de protección del medio ambiente y la mejora de su calidad”. 39 Vid. SANZ LARRUGA, F. J.: «Sostenibilidad ambiental y derecho administrativo: ¿nuevo remedio ante la crisis económica o una exigencia constitucional? A propósito de la nueva ley de economía sostenible», en El Derecho público de la crisis económica. Transparencia y sector público. Hacia un Derecho administrativo, Coordinado por Blasco Esteve, A., Instituto Nacional de Administración Pública, Madrid 2011, pág. 437.

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de los recursos naturales, de forma

que permita satisfacer las

necesidades de las generaciones futuras para atender sus propias necesidades”.

Ha de señalarse que unos años antes, La Estrategia

Española de Desarrollo Sostenible, aprobada por el Gobierno en noviembre de 2007, se refería únicamente a las facetas ambiental y social de la sostenibilidad, añadiendo la de la «sostenibilidad global»40. 2. La sostenibilidad como objetivo irrenunciable del modelo agrario europeo. De la «condicionalidad» en las ayudas directas para la agricultura a la aplicación de mecanismos PSA En el ámbito de la UE desde hace algunos años se están aplicando programas de ayudas para posibilitar la generación de una oferta de servicios agroambientales en Europa, circunscritos en el contexto del segundo pilar de la Política Agrícola Común (PAC), que podrían ser entendidos como una versión de PSA41. En el proceso de incorporación de los parámetros proteccionistas ambientales al campo de la agricultura, entendida en sentido amplio42, el primer instrumento utilizado más cercano a los PSA lo constituye la «condicionalidad»43 a las ayudas directas a la agricultura44. Este instrumento o mecanismo comunitario se ha constituido en uno de los mecanismos jurídicos fundamentales para la protección del ambiente en el sistema de ayudas agrícolas. Su régimen jurídico básico se establece inicialmente en el Reglamento (CE) núm. 1259/1999, de 17

El término de «sostenibilidad global» atendía al papel de España en materia de cooperación internacional para el desarrollo sostenible. 41 Sobre la normativa comunitaria de ayudas a la producción agraria compatible con el medio ambiente, vid. AMAT LLOMBART, P.: «La política medioambiental de desarrollo sostenible: hacia la compatibilidad entre producción agraria y medio ambiente», en La dimensión ambiental del territorio frente a los derechos patrimoniales (dir. Enric Argullol Murgadas), Valencia, 2004, págs. 397 a 407. 42 Incluyendo el sector agrario, ganadero y forestal. 43 La «condicionalidad» o la «ecocondicionalidad» es una técnica comunitaria que consiste en vincular la concesión de ayudas directas al cumplimiento de determinados requisitos ambientales. 44 En virtud de este instrumento se puede hablar de aplicación de sistemas PSA en Reino Unido, Francia, Alemania, Italia, Francia y España. 40

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de mayo, por el que se establecen las disposiciones aplicables a los regímenes de ayuda directa en el marco de la PAC, también llamado Reglamento horizontal45. Con arreglo a esta norma, los Estados Miembros

tienen

medioambientales

la

obligación

apropiadas

de

tomando

adoptar en

cuenta

las

medidas

la situación

específica de las tierras agrarias utilizadas o la producción de que se trate en cada caso, y para ello puede optar por: el establecimiento de compromisos agroambientales, de requisitos ambientales obligatorios o generales y requisitos ambientales específicos, los cuales van a conformar el condicionado ambiental de la ayuda. Con la reforma de la PAC del año 2003, se refuerza este sistema de condicionalidad a través del Reglamento (CE) núm. 1782/2003, del Consejo, de 29 de septiembre, por el que se establecen disposiciones comunes aplicables a los regímenes de ayuda directos de pago único, en el marco de la Política Agraria Común. A partir de su entrada en vigor (1 de enero de 2005), los Estados Miembros han podido hacer depender las ayudas de: los requisitos legales de gestión y de las buenas condiciones agrarias y medioambientales que se establezcan con arreglo a las normas del anexo IV del mismo Reglamento46.

45

A partir del Reglamento (CE) núm. 1257/1999 - Reglamento General sobre ayuda al desarrollo rural -, se establece unas nuevas ayudas en forma de pagos compensatorios a los propietarios de superficies forestales de interés público, consagrando una autonomía en el tratamiento del sector forestal respecto de la agricultura. De tal forma, las actividades forestales se integran -junto e independientemente de las agrícolas y ganaderas- en la política de desarrollo rural, que persigue un modelo integrado de desarrollo y logro de un nivel aceptable de bienestar en las zonas rurales, compatible con la conservación del medio ambiente. La condición para percibir esta ayuda es que los propietarios se comprometan a conservar los bosques que cumplan el requisito de interés público y llevar en ellos una gestión sostenible. En definitiva, los propietarios de los terrenos forestales pueden recibir la indemnización compensatoria siempre que garanticen la estabilidad ecológica de los mismos con las correspondientes acciones o tratamientos silvícolas. 46 En el Reglamento 796/2004, de 21 de abril, se establece el régimen para la aplicación de la condicionalidad, la modulación y el sistema integrado de gestión y control previstos en el Reglamento (CE) núm. 1728/2003 y el Reglamento (CE) núm. 795/2004, de 21 de abril, de la Comisión, por el que se establece las disposiciones de aplicación del régimen de pago único previsto en el Reglamento (CE) núm. 1728/2003.

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Siguiendo esta línea, ha de tenerse también

muy en cuenta el

Reglamento (CE) núm. 1698/2005 del Consejo, de 20 de septiembre, relativo a la ayuda al desarrollo rural a través del Fondo Europeo Agrícola de Desarrollo Rural (FEADER), que establece que deben alcanzarse los objetivos de desarrollo rural por un sistema de ejes 47 que irán dirigidos a la mejora de la competitividad del sector agrícola y forestal, a la mejora del medio ambiente y del entorno rural y a la mejora de la calidad de vida en las zonas rurales y la diversificación de la economía rural. Este Reglamento prevé unas directrices estratégicas de desarrollo rural para el período comprendido entre 1 de enero de 2007 y el 31 de diciembre de 2013, fijando las prioridades del desarrollo rural en el territorio de la UE. Entre otras prioridades, según la Decisión del Consejo de 20 de febrero de 2006, se encuentra la mejora de la calidad de vida en las zonas rurales, el fomento de la diversificación de la economía rural y la mejora del medio ambiente y del entorno natural 48.

En el Derecho español, la ecocondicionalidad se recogió en el Derecho interno español en el RD 1322/2002, de 13 de diciembre, sobre requisitos agroambientales en relación con las ayudas directas en el marco de la PAC, por el que se adoptan los requisitos de protección del ambiente a los que se condiciona el otorgamiento de las ayudas directas. A su vez, el Real Decreto 1617/2005, de 30 de diciembre, por el que se regula la concesión de derechos a los agricultores dentro del régimen de pago único. 47 La regulación del Reglamento 1698/2005, se articula en dos Pilares. El Pilar 1 comprende los siguientes objetivos principales: aumento de la productividad de los sectores agrario y forestal, incremento de la competitividad de las explotaciones agrarias y forestales mediante el apoyo a las inversiones, el fomento del relevo generacional, formación del capital humano, aumento de la competitividad de las industrias agroalimentarias, uso alternativo de las producciones y contribución al mantenimiento de la población en las zonas rurales. Por su parte, el Pilar 2 de medidas, denominado «Mejora del medio ambiente y del entorno natural» comprende los siguientes objetivos ambientales: la reducción de la contaminación de las aguas por uso de fertilizantes nitrogenados y fitosanitarios; la mejora de la calidad del agua y ahorro en el uso del agua, reducción de la contaminación del suelo, mejora y mantenimiento de estructuras que reduzcan la erosión, mantenimiento y recuperación de la biodiversidad, protección y mejora de los hábitats de interés comunitario, programas de desarrollo rural. 48 En lo que se refiere a la prioridad «fomento de la diversificación de la economía rural y mejora del medio ambiente y del entorno natural», la mencionada Decisión del Consejo de 20 de febrero de 2006, señala tres ámbitos de actuación: la biodiversidad, la preservación y el desarrollo de los sistemas agrarios y forestales de gran valor medioambiental y los paisajes agrarios tradicionales, y establece, entre otros medios para concretar la prioridad: 1. Fomentar los servicios medioambientales y

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Este Reglamento Europeo 1698/2005, prevé la celebración de «contratos territoriales de explotación»49, como uno de los instrumentos que permiten la compensación de los servicios ambientales que los ganaderos, agricultores y silvicultores generen, en el marco de las medidas previstas en el Reglamento 1698/2005 y que deberán quedar

prácticas agropecuarias respetuosas con los animales que serán remuneradas por estar relacionadas con recursos importantes como el agua y el suelo; 2. Proteger los paisajes rurales, contra la desertización y los incendios forestales, con buenas prácticas agropecuarias y silvícolas, que permitan preservar el paisaje y los hábitats que constituyen elementos importantes del patrimonio cultural y natural; 3. Luchar contra el cambio climático: la aplicación de prácticas agrícolas y forestales adecuadas puede contribuir a la reducción de emisiones de gases de efecto invernadero y preservación del efecto de sumidero de carbono; y 4. Iniciativas económico-ambientales (vg. turismo rural y otras actividades recreativas que den paso al crecimiento económico y a la creación de empleo. 49 Los contratos territoriales fueron acuñados por la Ley de Orientación Agrícola francesa, de 9 de julio de 1999 y fueron previstos en el Plan de Desarrollo Rural Nacional 2000-2006, para aplicar las medidas del Reglamento Comunitario de desarrollo Rural. En un primer momento su denominación fue «contrato territorial de explotación» (contrat territorial d´exploitation)y, más tarde, se sustituyó por «los contratos de agricultura sostenible» (contrats d´agriculture durable), mediante el Decreto francés 2003-675, de 22 de julio de 2003 y la Orden ministerial de 20 de octubre de 2003. A través de estas figuras el Estado francés incorporó al régimen de las ayudas públicas el carácter multifuncional de la agricultura. Estos contratos se concibieron como un instrumento para propiciar un cambio en la política agraria y rural francesa, a partir de la introducción en la agricultura de un nuevo pacto social inspirado en el principio de la multifuncionalidad, al tiempo de incorporar una visión territorial en las estrategias del agricultor a la hora de adoptar decisiones sobre su explotación. Estos instrumentos buscaban incentivar a los agricultores para adoptar los cambios necesarios que les permitiera adaptar la gestión de sus explotaciones a las exigencias de un nueva concepción de la actividad agraria, marcada por el principio de multifuncionalidad. El legislador francés estaba abriendo el nuevo camino de la política agraria común, iniciado a partir de la Agenda 2000, aprobada por el Consejo Europeo de Berlín de 1999, que consagra la multifuncionalidad de la agricultura como principio rector de la política agraria europea. A pesar de todo, no puede hablarse de éxito de esta figura contractual en Francia, dado que su puesta en marcha ha sido objeto de intensas controversias, que han entorpecido y aminorado su real aplicación. Sobre los Contratos Territoriales de Explotación franceses, téngase en cuenta dos muy reveladores trabajos: MOYANO ESTRADA, E. y VELASCO ARRANZ, A.: Los Contratos Territoriales de Explotación (CTE). Un instrumento de cambio en la política agraria francesa, IESA-CSIC y Consejería de Agricultura, Junta de Andalucía, Córdoba-Sevilla, 2002, in totum y VELASCO ARRANZ, A. y MOYANO ESTRADA, E.: Los contratos territoriales de explotación en Francia. Hacia un nuevo pacto social en la agricultura. Working Paper Series 1406. IESA (CSIC), 2007, in totum. Del mismo modo, téngase muy en cuenta, CANTÓ LOPEZ, M.T.: La protección voluntaria del ambiente agrario: de la subvención al contrato territorial de explotación, en La dimensión ambiental del territorio frente a los derechos patrimoniales (dir. Enric Argullol Murgadas), Valencia, 2004, págs. 412-419.

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definidas en los programas de desarrollo rural (vid. art. 53)50. Se trata de un nuevo ejemplo de cómo la PAC se ha adaptado y reconducido a los PSA. El contrato territorial, hoy en día se constituye como un instrumento de la

política

de

desarrollo

rural

que

reconoce

algunas

de

las

externalidades positivas no remuneradas por el mercado. Su finalidad es la de incentivar y retribuir -mediante un contrato voluntario entre la Administración y el titular de la explotación agraria 51, externalidades positivas como son la conservación del suelo, de los recursos hídricos, de la biodiversidad, del paisaje rural tradicional, así como la reducción de las emisiones a la atmósfera52, entre otros servicios ambientales. Este contrato trata de compensar lo que no retribuyen los mercados por el mero hecho de carecer de precio. Los «contratos territoriales» constituyen, por tanto, un paso más en el proceso de incorporación de los parámetros medio ambientales en las políticas de desarrollo rural, al concebirse como un instrumento para materializar en la agricultura el principio de la multifuncionalidad de forma

negociada

o

bilateral,

mientras

que

la

figura

de

la

«condicionalidad» o «ecocondicionalidad» tiene un carácter unilateral; se otorga mediante un acto administrativo unilateral 53.

Ha de tenerse presente que el Marco Nacional de Desarrollo Rural para el período de programación 2007-2013, aprobado por Decisión de la Comisión, de 28 de noviembre de 2007, prevé que las medidas de los ejes 1 y 2 y las correspondientes al art. 53 del Reglamento Europeo 1698/2005, se puedan gestionar a través de contratos territoriales. 51 Incluyendo el sector agrario, ganadero y forestal. 52 Ya en la Recomendación de la Comisión de 28 de abril de 2010, relativa a la iniciativa de programación conjunta de la investigación sobre «Agricultura, seguridad alimentaria y cambio climático», se instaba a los Estados Miembros a cooperar y a investigar en la gestión de la tierra que haga frente a los retos de la agricultura en relación con el cambio climático, tanto en la reducción de emisiones como en arbitrar medidas para paliar los efectos de este fenómeno en el rendimiento de las cosechas, gestión del ganado y consecuencias para las rentas agrarias y utilización del suelo. 53 Vid. CANTÓ LOPEZ, M.T.: Ordenación ambiental de la agricultura (Ayudas ecocondicionadas y técnicas de mercado), Valencia, Tirant, 2005, pág. 410. Esta autora en este mismo sentido, inserta estas ayudas en la actividad subvencional de la Administración, calificando la ayuda como acto unilateral necesitado de aceptación. 50

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3. La aplicación de sistemas PSA en el Derecho interno español A. Los contratos territoriales Como se acaba de señalar, los contratos territoriales son instrumentos de apoyo a las políticas de desarrollo rural sostenible, que orientan e incentivan las actividades agrarias- entendidas en un sentido lo más amplio posible, incluyendo la selvicultura y ganadería-, hacia la multifuncionalidad y generación de externalidades positivas que contribuyan eficazmente a mejorar los aspectos económicos, sociales y ambientales que configuran la sostenibilidad del medio rural, todo ello bajo la aplicación de un enfoque territorial54. En el ámbito del Derecho interno español – en el marco de la regulación establecida por el ya tratado Reglamento (CE) núm. 1698/2005 del Consejo, de 20 de septiembre, relativo a la ayuda al desarrollo rural a través del Fondo Europeo Agrícola de Desarrollo Rural (FEADER) ―, los «contratos territoriales»55 han sido regulados por la ley 45/2007, de 13 de diciembre, de desarrollo sostenible del medio rural, y

Es importante señalar que las determinaciones del contrato territorial de zona rural deben ser conformes con las disposiciones contenidas en los dos principales instrumentos planificadores en esta materia: el programa de Desarrollo Rural Sostenible (estatal) y las Directrices Estratégicas Territoriales de Ordenación Rural (autonómicas), y sus principales finalidades y compromisos deben encontrarse previstos en los Planes de Zona Rural, aprobados por las Comunidades Autónomas, que hayan sido concertados entre éstas y la Administración General del Estado. 55 Con respecto al contrato territorial vid. AMAT LIOMBART, P.: «Instituciones jurídicas para el desarrollo sostenible del medio rural: el modelo de agricultura territorial, el contrato territorial y el contrato territorial de zona rural», Un marco jurídico para un medio rural sostenible, Ministerio de Medio Ambiente y Medio Rural y Marino, Madrid, 2011, RODRIGUEZ-CHAVES MIMBRERO, B.: «La gobernanza del medio rural. A propósito del Real Decreto 1336/2011, de 3 de octubre, por el que se regula el contrato territorial como instrumento para promover el desarrollo sostenible del medio rural», Revista de Derecho Urbanístico y Medio Ambiente, núm. 273 (abril-mayo), 2012, págs. 153-192, y RODRIGUEZ-CHAVES MIMBRERO, B.: «El contrato territorial y el contrato territorial de zona rural», Revista Ambienta, núm. 97 (diciembre), 2011, págs. 66-84, y, más reciente, el excelente trabajo de y CANTÓ LOPEZ, M. T.: «El régimen jurídico de los contratos territoriales del medio rural», Revista Aranzadi de Derecho Ambiental, núm. 21, 2012, págs. 125-153. 54

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toman el nombre de «contratos territoriales de zona rural» (art. 16) 56 y desarrollados por Real Decreto 1336/2011, de 3 de octubre, por el que se regula el contrato territorial como instrumento para promover el desarrollo sostenible del medio rural. Este Real Decreto 1336/2011, no se ha limitado sólo a desarrollar la figura del contrato territorial, identificada y concebida por el legislador en la Ley 45/2007: el «Contrato Territorial de Zona Rural», circunscrita a las finalidades propias de esta ley, sino que también ha regulado una nueva figura: la de «Contrato Territorial», a secas, mucho más ambiciosa y

con un carácter más general y

amplio. La suscripción por parte de los agricultores, ganaderos o silvicultores de estos contratos territoriales persigue su compromiso activo con un desarrollo rural sostenible. Se trata de un instrumento dirigido a favorecer un cambio de mentalidad de dichos profesionales, asumiendo desarrollar un modelo de actividad agraria, forestal o ganadera que genere externalidades positivas-ambientales, económicas y sociales57 y por ello no se «subvenciona» esa labor, como tradicionalmente se viene haciendo mediante un acto administrativo unilateral, sino que con base 56 Ha de señalarse que desde el año 2005, el modelo contractual francés de los «contratos territoriales de explotación», con variantes, había sido incorporado al Derecho interno español bajo distintas denominaciones, pero siempre con carácter voluntario, por algunas Comunidades autónomas. Cataluña fue la primera Comunidad autónoma que incorporó la figura de los contratos territoriales, bajo el nombre de «contrato global de explotación» (Decreto 50/2007, de 27 de febrero, que regula el contrato global de explotación, derogado por el Decreto 2/2012, de 3 de enero, por el que se regula el contrato global de explotación), cuyo régimen se asemeja mucho al de los contratos territoriales franceses. Siguió los pasos de Cataluña, Galicia, y otras Comunidades Autónomas como Asturias y Baleares. Ha de tenerse en cuenta que en el Plan Estratégico Nacional de Desarrollo rural 2007-2013, el contrato territorial es un modelo opcional para la gestión de las medidas de los ejes 1 y 2, y se señala que serán las Comunidades Autónomas quienes incluyan este instrumento en sus respectivos programas de Desarrollo Rural. Vid. RODRIGUEZCHAVES MIMBRERO, B.: «La gobernanza…», cit., págs. 170 y 171. 57 Se parte de la idea de que ser un buen agricultor o un buen ingeniero agrónomo, o un buen silvicultor, es algo muy distinto de lo que se esperaba de él en las etapas dominantes del modelo productivista: no se mide ya en términos de obtener los mayores rendimientos agrícolas, ganaderos o forestales en la explotación, sino en términos de encontrar el modo de gestionar de forma eficiente los recursos disponibles. Vid. MOYANO ESTRADA, E.: «Multifuncionalidad, territorio y desarrollo de las áreas rurales», Revista Ambiental, núm. 81 (octubre), 2008, pág. 12.

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en ese marco contractual se paga, se podría decir que se aplica a la inversa el principio europeo quien contamina paga; en este caso, a quien descontamina se le paga. Así en la propia Exposición de Motivos del Real Decreto 1336/2011, de 3 de octubre, por el que se regula el contrato territorial como instrumento para promover el desarrollo sostenible del medio rural, literalmente se manifiesta: “Básicamente se pretende con ellos conformar un marco contractual mediante el cual los titulares de las explotaciones agrarias asuman desarrollar un modelo de actividad agraria que genere externalidades positivas en los ámbitos mencionados, y por el cual, en apreciación del interés público de dichas externalidades, las administraciones públicas competentes las compensan, incentivan y retribuyen, como forma de reconocimiento por la sociedad de los servicios y prestaciones de carácter público que generan las explotaciones agrarias más allá de la retribución derivada de la venta en el mercado de sus productos“.

Se podría decir que estos contratos territoriales sellan un nuevo pacto social entre los agricultores y la sociedad58, otorgándole al agricultor el papel de «administrador de la tierra»59. Por todo ello, estos contratos territoriales puede decirse que constituyen uno de los instrumentos más avanzados que existe en nuestro ordenamiento jurídico para progresar en el cambio de paradigma que se está produciendo en lo que se refiere a los servicios ambientales. Se trataría, en definitiva, de una figura que permite vehicular el PSA en nuestro ordenamiento jurídico. Parece que el Legislador y el Gobierno se han cuidado de no encasillar jurídicamente esta figura, por lo que simplemente se define como ‘instrumento formal’, expresión con la cual se puede calificar a cualquier tipo de acto jurídico. Pero esta indefinición normativa puede

58 Una reflexión interesante sobre la utilización de la figura del convenio en el ámbito del Derecho ambiental vid. HUERGO LORA, A.: La aplicabilidad de la técnica de los acuerdos voluntarios a la protección del medio natural, en La dimensión ambiental del territorio frente a los derechos patrimoniales (dir. Enric Argullol Murgadas), Valencia, 2004, págs. 359-376. 59 Vid. Conferencia 22ª FAO/Países Bajos sobre Multifuncionalidad de la Agricultura y la Tierra, celebrada en 1999.

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dar lugar a inseguridad jurídica y a una ineficacia en su aplicación. La determinación de la naturaleza jurídica de este ‘instrumento formal’, no es sólo un ejercicio teórico, sino que tiene una importante vis práctica, dado que de ello dependerá determinar cuál es el régimen jurídico aplicable. Se puede afirmar la naturaleza contractual de los contratos territoriales. Claramente se pueden concebir como un negocio jurídicobilateral, dado que concurre un acuerdo de voluntades. Se trata de acuerdos voluntarios entre agricultores y la Administración, por lo que concurre la bilateralidad; la aceptación del agricultor no es un requisito de eficacia, sino un elemento necesario para que nazca el acto jurídico, a partir del cual el agricultor se compromete a gestionar la explotación atendiendo a determinados parámetros económicos, sociales y ambientales y la Administración se compromete a pagar al agricultor por dicha gestión. Dado que el contenido de la relación jurídica se fija de común acuerdo por las partes, las partes pueden compelerse al cumplimiento de las respectivas prestaciones. El contratista (el beneficiario del contrato) debe cumplir lo acordado, puesto que si no cumple, deberá indemnizar. En cambio si se concibiera como resolución, el contratista no está obligado a realizar las prestaciones, pudiendo en todo caso, renunciar a aquello a lo que la Administración quiere otorgarle unilateralmente60.

Sobre la naturaleza jurídica contractual de los contratos territoriales vid. CANTÓ LOPEZ, M.T.: «La protección voluntaria...», cit., págs. 410-411, y ARROYO YANES, L. M.: «El desarrollo sostenible del medio rural: los contratos territoriales de explotación agraria, Nuevas políticas públicas», Anuario multidisciplinar para la modernización de las Administraciones Públicas, núm. 4, 2008, págs. 213-231, RODRIGUEZ-CHAVES MIMBRERO, B.: «El contrato territorial…», cit., págs. 73-74, y RODRIGUEZ-CHAVES MIMBRERO, B.: «La gobernanza del medio rural…», cit., págs.187-189. Vid. También un reciente trabajo de CANTÓ LOPEZ, M. T.: «El régimen jurídico…», cit., págs. 137-140. Del mismo modo, téngase muy en cuenta, AMAT LLOMBART, P.: «Instituciones jurídicas para el desarrollo sostenible del medio rural: el modelo de agricultura territorial, el contrato territorial y el contrato territorial de zona rural», en Un marco jurídico para un medio rural sostenibles (coordinadora Esther Muñiz Espada), Ministerio de Medio Ambiente y Medio Rural y Marino, Madrid, 2011, págs. 170-174. 60

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a) Dos ejemplos significativos de regulación de desarrollo autonómica: La Ley y 7/2010, de 14 de julio, para la Dehesa y la Ley 5/2011, de 6 de octubre, del olivar de Andalucía. En aplicación de lo dispuesto en la Ley 45/2007, de 13 de diciembre, para el desarrollo sostenible del medio rural, la Comunidad Autónoma de Andalucía ha incorporado la aplicación de los contratos territoriales en dos normas recientes: La Ley 7/2010, de 14 de julio, para la Dehesa, y en la Ley 5/2011, de 6 de octubre, del olivar de Andalucía. El art. 21 de la Ley para la Dehesa de Andalucía, regula, entre otros instrumentos, el fomento de la firma de los contratos territoriales que promueven el mantenimiento y la mejora de la actividad agrícola, ganadera y forestal suficiente y compatible con el desarrollo sostenible de la dehesa. Por su parte, la Ley del olivar de Andalucía prevé la aplicación de “dos tipos contractuales”61 para una mejor gestión de los territorios del olivar. El primero de ellos es el Contrato Territorial de Zona Rural62, contemplado en la Ley de desarrollo rural sostenible, por el cual un grupo de explotaciones olivareras de una zona determinada, de Por el contrario, no identifica estos contratos territoriales como verdaderos contratos administrativos LOZANO CUTANDA, B: «Los contratos territoriales: una fórmula de financiación de actividades agrarias con gran potencial de futuro», Diario La Ley, núm. 7760, 2011, señala la profesora LOZANO CUTANDA, que a pesar de su denominación, en lo que respecta a la naturaleza jurídica, no sitúa a los «contratos territoriales» dentro de la aplicación de la Ley 30/2007, de Contratos del Sector Público (LCSP). Entiende que se adscriben al supuesto de exclusión del art. 4.d) de la LCSP, y que en realidad se trata de subvenciones, puesto que se persigue un interés público y no hay una contraprestación directa del beneficiario, pero sí hay una contraprestación indirecta, en la medida en que el beneficiario está obligado a destinar los fondos públicos recibidos a la consecución de un fin concreto. 61 Vid. Exposición de Motivos. 62 Regulado en el art. 8, de la Ley del Olivar: “1. La consejería competente en materia de agricultura podrá suscribir con un conjunto de titulares de explotaciones de olivar de una zona determinada, de forma voluntaria para ambas partes, los contratos territoriales de zona rural previstos en el art. 16 de la Ley 45/2007, de 13 de diciembre, para el desarrollo sostenible del medio rural, con el fin de orientar las actuaciones futuras que integren las funciones productivas, económicas, sociales, ambientales y culturales de dicha zona olivarera. 2. Por decreto del Consejo de Gobierno, adoptado a propuesta de la persona titular de la consejería competente en materia de agricultura, previo informe del Consejo Andaluz del Olivar, podrá desarrollarse el régimen básico de estos contratos”.

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forma voluntaria, suscribe contratos con la Administración para unos determinados fines, principalmente de carácter productivo y ambiental. El segundo tipo es el Contrato Territorial de Explotación 63, por el cual la persona titular de una explotación olivarera se obliga a unos compromisos respecto de su actividad, y la Administración a otros, especialmente en cuanto a la concesión de ayudas, compensaciones y servicios. De lo dispuesto en el art. 10 de la Ley del olivar, parece que se desprende el carácter contractual de los contratos territoriales: “La suscripción de los contratos referidos en los artículos 8 y 9 habilita a la Administración para inspeccionar y controlar el desarrollo de los mismos y para dirigir instrucciones y mandatos sobre su debido cumplimiento. El incumplimiento grave de las obligaciones asumidas en los mismos dará lugar a la resolución64 de los mencionados contratos, a la restitución de las ayudas recibidas, todo ello en los términos que se establezcan en los decretos contemplados en los artículos 8.2 y 9.3, y a la imposición, en su caso, de las sanciones que correspondan.

Regulado en el art. 9, de la Ley del Olivar: “1. Los contratos territoriales de explotación son los instrumentos mediante los que la Administración y los particulares, dentro de los fines señalados por el Plan Director del Olivar, orientan las actuaciones en las explotaciones olivareras hacia la consecución de una mayor eficiencia, competitividad, sostenibilidad y calidad de las producciones, incorporando medidas innovadoras que permitan poner en valor el potencial de las distintas explotaciones. 2. En el contrato territorial de explotación quedarán definidos los compromisos de la persona titular de la explotación y los de la Administración, así como la naturaleza y modalidades de las ayudas y otras actuaciones que constituyen la contrapartida, haciendo uso de los recursos públicos disponibles. 3. Por decreto del Consejo de Gobierno, previo informe del Consejo Andaluz del Olivar, se podrá establecer el régimen jurídico de los contratos territoriales de explotación que suscriba la consejería competente en materia de agricultura con los titulares de las explotaciones olivareras”. 64 La regulación es semejante a la contenida en el Real Decreto Legislativo 3/2011, de 14 de noviembre, por el que se aprueba el texto refundido de la Ley de Contratos del Sector Público (TRLCSP). En el art. 221 TRLCSP se establece como una de las causas de extinción de los contratos «la resolución», dicha causa de extinción es aplicable, entre otros supuestos, dicho de forma muy general, al caso de incumplimiento por parte del contratista de las obligaciones establecidas en el contrato. Vid. art. 222. TRLCSP, letras d),f),g) y h). 63

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B. La custodia del territorio, como herramienta para favorecer un desarrollo rural sostenible Siguiendo en la misma línea, una de las más recientes herramientas reguladas en el Derecho interno español de gestión en favor del desarrollo rural sostenible es denominada «custodia del territorio» 65, a través de la cual se buscan iniciativas voluntarias de conservación de la naturaleza, del paisaje y del patrimonio que conforman nuestros recursos. Durante la última década hemos asistido a la creación de un conjunto de «Redes de Custodia del Territorio», que a su vez articulan a un conjunto de entidades que vehiculan pagos desde empresas sociales y entidades públicas a propietarios rurales con el objetivo de que éstos garanticen la conservación y/o gestión sostenible de sus propiedades, al mismo tiempo que la hagan compatible con el rendimiento productivo, de forma que los titulares de las tierras reciban algún tipo de gratificación por ello66.

65

A este respecto ha de tenerse presente lo dispuesto en el artículo 65 de la Ley 43/2003, de 21 de noviembre, de Montes y en el artículo 72 de la Ley 42/2007, de 13 de diciembre, del Patrimonio Natural y de la Biodiversidad, que regula «la custodia del territorio» como herramienta de conservación del patrimonio natural basada en acuerdos voluntarios con los propietarios o usuarios de la tierra. Vid. sobre la figura de la custodia del territorio GOMEZ GONZALEZ, J. M.: «La custodia del territorio como instrumento de implicación social en la conservación del patrimonio natural>>, Ecosostenible, junio 2006, págs. 37 y ss; CARRERA, S. y PIETX, J.: «Empresas y custodia del territorio. Una alianza de futuro para la conservación de la biodiversidad», Ecosostenible, núm. 49, marzo 2009, págs. 13 y ss; y ESCARTIN ESCUDÉ,V.: «Custodia del territorio y otras medidas de fomento», Noticias de la Unión Europea, núm. 307 (agosto), 2010, págs. 99 y ss. 66 La custodia del territorio es un instrumento de origen anglosajón, que ha calado en España. Supone un sistema cada vez más importante para fomentar la implicación de propietarios y usuarios del territorio en la conservación de los recursos naturales, culturales y paisajísticos, a través de acuerdos voluntarios y distintos mecanismos de colaboración, que está suponiendo una importante herramienta para la conservación de nuestros ecosistemas. Sin embargo, los recortes de fondos públicos están dificultando la financiación de proyectos de conservación. Esto está suponiendo la necesidad de considerar otros tipos de instrumentos que apoyen dicha financiación, entre los que destacan los denominados «bancos de hábitats», cuyo fin no es otro que poner dinero privado a trabajar por la biodiversidad, de forma no especulativa y sin pérdida neta de especies o ecosistemas.

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C. La reciente regulación forestal, y la propuesta del ‘céntimo forestal’ El Reglamento (CE) núm. 2152/2003 del Parlamento Europeo y del Consejo, de 17 de noviembre, sobre seguimiento de los bosques y de las interacciones medioambientales en la Comunidad (Forest Focus), afirma que “Los bosques desempeñan varias funciones de importancia para la sociedad. Aparte de su notable contribución al desarrollo de las zonas rurales, revisten un valor esencial para la conservación de la naturaleza, desempeñan un importante papel en la preservación del medio ambiente, son parte fundamental en el ciclo de carbono e importantes sumideros de este elemento, y constituyen un factor de control capital del ciclo hidrológico“67. El Derecho vigente atribuye a los montes o terrenos forestales funciones ecológicas, económicas, y funciones sociales que exponemos a continuación de forma resumida: 67

Desde la Conferencia de las Naciones Unidas sobre el Medio Ambiente y Desarrollo celebrada en Río de Janeiro del 3 al 4 de junio de 1992 , se acepta mundialmente que los bosques tienen una transcendencia global por su contribución al mantenimiento de los procesos ecológicos esenciales, especialmente los relacionados con la regulación del ciclo hidrológico, el cambio climático y la preservación de la biodiversidad. Vid. VAN MIEGROET, M.: El bosque, recurso natural renovable. Su posición en la problemática del medio ambiente y su significación para el hombre, Escuela Técnica Superior de Ingenieros de Montes, Madrid, 1976, págs. 305 y ss. De igual forma, la Exposición de Motivos de la Ley 43/2003, de 21 de noviembre, Básica de Montes, comienza con el siguiente tenor: “«La ordenación, la conservación y el desarrollo sostenible de todos los tipos de bosques son fundamentales para el desarrollo económico y social, la protección del medio ambiente y los sistemas sustentadores de la vida del planeta. Los bosques son parte del desarrollo sostenible». Esta declaración de la Asamblea de las Naciones Unidas, en su sesión especial de junio de 1997, es una clara expresión del valor del papel que los montes desempeñan en nuestra sociedad. Acogiendo esta concepción, la presente Ley establece un nuevo marco legislativo regulador de los montes, para la reorientación de la conservación, mejora y aprovechamiento de los espacios forestales en todo el territorio español en consonancia con la realidad social y económica actual, así como con la nueva configuración del Estado Autonómico creado por nuestra Constitución. (...) Es el objeto de esta Ley constituirse en un instrumento eficaz para garantizar la conservación de los montes españoles, así como promover su restauración, mejora y racional aprovechamiento de acuerdo con el artículo 45.2 de la Constitución Española. La Ley se inspira en unos principios que vienen enmarcados en el concepto primero y fundamental de la gestión forestal sostenible. A partir de él se pueden deducir los demás: la multifuncionalidad; la integración de la política forestal en el desarrollo rural, en la conservación del medio natural y en el ámbito internacional; la cooperación entre las Administraciones y la obligada participación de todos los agentes sociales y económicos interesados en la toma de decisiones sobre el medio forestal”.

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-

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FUNCIONES ECOLÓGICAS Y MEDIOAMBIENTALES: Regulación del ciclo del agua, evitamiento de la erosión y desertificación, efecto sumidero de la atmósfera68, conservación de la diversidad biológica de las propias especies forestales y conservación de la diversidad biológica de la flora y fauna que habita en estos espacios69; FUNCIONES DE PRODUCCIÓN O ECONÓMICAS: Los montes son productores de materias primas que demanda la economía nacional y mundial (maderas, resina, corcho, frutos-piñón, castaña, hongos y aquellos pastos que el ganado o la fauna cinegética transforman en productos pecuarios)70; FUNCIONES SOCIALES, DE RECREO O ESPARCIMIENTO: Asentamiento de poblaciones y empleo, funciones recreativas, educativas o culturales de los montes71.

Según la FAO (2010) los bosques del mundo, junto con los océanos, son los únicos sumideros naturales de carbono. Los bosques almacenan un 50% más de gases efecto invernadero que la atmósfera terrestre. No ha sido suficientemente explicada a la opinión pública el papel de los montes en la fijación del carbono. La opinión pública recibe continuos mensajes sobre las emisiones de gases efecto invernadero, pero desconoce las posibilidades de utilizar los montes como sumideros de carbono, que es la forma más barata y sencilla de fijar el carbono. 69 La influencia bienhechora del monte es conocida: respecto del suelo y régimen hidrológico (prevención o paralización de la erosión y desertificación; mejora de la estructura, capacidad de absorción de agua y disponibilidad de nutrientes del suelo, regulación de escorrentías, avenidas, erosión del terreno y fenomenología nival); regulación del clima (disminución bajo cubierta, de radiaciones y efectos sobre la variación de temperaturas, los vientos y la economía del agua); medio atmosférico (disminución del efecto invernadero y fijación del polvo atmosférico); insustituible papel en la conservación de la biodiversidad o mantenimiento y promoción de la variedad de especies animales y vegetales, unido a la importancia como depósito genético; y por último en lo referente a las infraestructuras artificiales y el medio ambiente urbano (disminución de los ruidos-pantallas protectoras; disminución del entarquinamiento de embalses, y control de los daños causados por inundaciones) . Esta función medioambiental de los terrenos forestales sólo puede interpretarse adecuadamente en el contexto más amplio del conjunto del medio ambiente humano: cambio climático, sumidero de carbono, tierra, aire, agua y toda la flora y la fauna que vive en los ecosistemas forestales. Vid. “Informe sobre una Estrategia Comunitaria General para el Sector Forestal”(“Informe Thomas” ),de 18 de diciembre de 1996, concretamente el punto “Políticas forestales nacionales en la Unión Europea”. Vid. los trabajos publicados en la obra colectiva dirigida por LÓPEZ CADENAS DE LLANO, F.: Restauración hidrologico forestal de cuencas y control de la erosión, Madrid, 1994. 70 La madera y otros productos forestales no sólo aportan materias primas necesarias sino que además constituyen la principal fuente de ingresos derivados de los bosques, que forman parte de escasísimos recursos naturales renovables y cuya gestión ha de ser sostenible. España y el resto de Europa es deficitaria en materias primas como la madera, pero se prevé que en el futuro, la demanda de productos forestales aumentará muy probablemente con mayor rapidez que en el pasado; por lo que producir con mayor y mejor calidad se convertirá cada vez más en algo necesario y urgente. Vid. “Informe sobre una Estrategia Comunitaria General para el Sector Forestal”(“Informe Thomas” ),de 18 de diciembre de 1996, concretamente el punto “Políticas forestales nacionales en la Unión Europea”. 71 La actividad forestal es complementaria o sustitutiva de la agrícola, por lo que el monte, desde este punto de vista, tiene la función de posibilitar estabilidad a la 68

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Esta la plurifuncionalidad o multifuncionalidad del monte está presente a lo largo de toda la Ley 43/2003, de 21 de noviembre, Básica de Montes, al igual que en las Leyes Forestales autonómicas, reflejándose en la fijación de los principios que informan la regulación legal, en la regulación de la definición de monte, en la regulación de las diferentes figuras de clasificación de los montes, así como en la regulación de los instrumentos de planificación y ordenación de los montes. La actual concepción del monte lleva a la necesidad de optar por una gestión forestal que potencie al máximo esa multifuncionalidad o plurifuncionalidad del monte, pues la gestión sostenible de los montes pasa porque su gestión permita, en la medida de lo posible, la máxima realización de todo su potencial multifuncional72. Una gestión forestal sostenible será aquella que posibilite al máximo la multifuncionalidad del monte. La primera medida de compensación económica que caló en el Derecho interno español, para compensar la falta de rentabilidad de los montes en las diferentes regiones de España, es la revalorización de los montes a partir de su integración en el marco de la política de desarrollo rural – a partir de la aplicación de las medidas de acompañamiento de la PAC-, que ya hemos expuesto en este trabajo, a raíz de la aplicación del Reglamento (CE) núm. 1782/2003, del Consejo, de 29 de septiembre.

población rural, e incluso, mejorar la situación socio-económica rural. Ejemplo de ello lo encontramos en las medidas forestales adoptadas por la Comunidad Europea como complemento de la Política Agraria Comunitaria (PAC) desde 1992.En lo referente al potencial valor recreativo del monte, ha de tenerse en cuenta sus valores paisajísticos, culturales, en especial de carácter biológico, etc. La utilización de los bosques para el esparcimiento es un asunto fundamental de la política de bosques en numerosas regiones densamente pobladas de la UE. Vid. “Informe sobre una Estrategia Comunitaria General para el Sector Forestal”(“Informe Thomas” ),de 18 de diciembre de 1996, concretamente el punto “Políticas forestales nacionales de la Unión Europea”. 72 Vid. “Estrategia Forestal Española”, publicada en 2000, por el Ministerio de Medio Ambiente, pág. 92.

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A partir de ahí, el propio legislador español en la Ley 43/2003, Básica de Montes, ha reconocido la necesidad de incentivar las externalidades positivas de los montes, para lo cual tendrá en cuenta factores como el grado de conservación y mejora de la biodiversidad y del paisaje, la fijación de dióxido de carbono, como medida de contribución a la mitigación del cambio climático, la cantidad de carbono fijado en la biomasa forestal del monte, así como la valorización energética de los residuos forestales . La ley Básica de Montes, parte en su art. 4 de reconocer la «función social de los montes», y por ende, reconoce las externalidades ambientales que ofrecen, de las que toda la sociedad se beneficia: ”Los montes, independientemente de su titularidad, desempeñan una función social relevante, tanto como fuente de recursos naturales como por ser proveedores de múltiples servicios ambientales, entre ellos, de protección del suelo y del ciclo hidrológico; de fijación del carbono atmosférico; de depósito de la diversidad biológica y como elementos fundamentales del paisaje. El reconocimiento de estos recursos y externalidades, de los que toda la sociedad se beneficia, obliga a las Administraciones públicas a velar en todos los casos por su conservación, protección, restauración, mejora y ordenado aprovechamiento”.

Por ello, en su art. 65.1 establece «incentivos» para favorecer esas externalidades positivas de los montes, en el caso de que sean montes ordenados (montes que cuenten con un proyecto de gestión): “Las Administraciones públicas regularán los mecanismos y las condiciones para incentivar las externalidades positivas de los montes ordenados”. Y para estos incentivos se tendrán en cuenta, entre otros, las funciones de los montes como sumideros de carbono, y las funciones de los montes como reguladores del ciclo hidrológico del agua (art. 65.2): “b) La fijación de dióxido de carbono en los montes como medida de contribución a la mitigación del cambio climático, en función de la 165

INSTITUTO DE CIÊNCIAS JURÍDICO-POLÍTICAS cantidad de carbono fijada en la biomasa forestal del monte, así como de la valorización energética de los residuos forestales. c) La conservación de los suelos y del régimen hidrológico en los montes como medida de lucha contra la desertificación, en función del grado en que la cubierta vegetal y las prácticas silvícolas contribuyan a reducir la pérdida o degradación del suelo y de los recursos hídricos superficiales y subterráneos”.

De igual manera se regula en las leyes forestales autonómicas, aprobadas con posterioridad a la Ley Básica de Montes de 200373. De entre estas leyes autonómicas destacamos la Ley 15/2006, de 28 de diciembre, de Montes de Aragón, en cuyo art. 4.2 califica a los montes como «infraestructuras naturales básicas de la Comunidad Autónoma»: “En virtud de su función social, los montes aragoneses son considerados infraestructuras naturales básicas de la Comunidad Autónoma. Las Administraciones públicas aragonesas destinarán los medios materiales y humanos necesarios para que los montes cumplan su función social”.

a) La propuesta de establecimiento del llamado «céntimo forestal», como fórmula para compensar a los terrenos forestales por sus funciones como sumideros de carbono y como reguladores del recurso hídrico. Los montes mediterráneos, plantean unas condiciones especiales para su

gestión74,

debido

a

su

baja

rentabilidad

económica

en

73 Vid. art. 87 de la Ley 3/2004, de 23 noviembre, Montes y Ordenación Forestal del Principado de Asturias y art. 78 de la Ley 3/2008, de 12 junio, Ley de Montes y Gestión Forestal Sostenible de Castilla-La Mancha. 74 Nuestros montes son peculiares. No sólo son bosques, sino que más del 50% de su superficie tiene una fracción de cabida cubierta baja o media. Junto a los montes arbolados densos están los oquedales, las dehesas, los montes herbáceos y los pastizales. La variedad, la complejidad y la especificidad mediterránea de nuestros montes, que han sido objeto de una larga, peculiar historia de ocupación y de explotación por las comunidades campesinas, que han hecho de la ordenación de los montes españoles una de las experiencias técnicas de mantenimiento y mejora productiva de recursos renovables en ciclos largos más originales e interesantes. Los montes españoles se caracterizan por su heterogeneidad y diversidad, y por lo tanto muy complejos en su ordenación.

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aprovechamientos

forestales

(mucho

menor

que

los

bosques

caducifolios)75. Pero los montes españoles también se caracterizan por su amplia extensión superficial: en el año 2011 la superficie forestal en España ocupaba algo más de 27,5 millones de hectáreas (el 55% de la extensión total del país)76, a lo que se une la importancia que adquieren las externalidades positivas que nos ofrecen, que han crecido exponencialmente en los últimos años. Dichas externalidades positivas que ofrecen a la sociedad, son los beneficios de protección, ecológicos y sociales que, pese a su gran valor económico, no están integrados en los mecanismos de mercado y, por lo tanto, no benefician directamente al propietario o al gestor del monte. Según datos del propio Ministerio de Agricultura, Alimentación y Medio Ambiente, el conjunto de servicios que ofrecen nuestros montes suponen un valor de 16.500 millones de euros77.

Los montes mediterráneos por su heterogeneidad y diversidad tienen menos estabilidad y persistencia y ello les hace más vulnerables, además de poco rentables, por lo que el valor de sus externalidades, valores ambientales, paisajísticos, recreativos, etc., debe ser más tenido en cuenta que sus rentas directas. Vid. www.portalforestal.com/noticias, de 21 de marzo de 2003, entrevista, bajo el Título de “Las forestaciones han sido la alternativa al problema de las tierras abandonadas”, a CRISTINA MONTIEL MOLINA, coordinadora de la preparación del Primer Congreso Mediterráneo de los Bosques y de los Espacios Naturales Terrestres, a celebrar en el 2005. Por ello, por iniciativa del Gobierno de la Comunidad Autónoma de Andalucía, ya se ha celebrado una Conferencia Internacional sobre conservación y uso sostenible del monte mediterráneo. Vid. Anexo X, de la Estrategia Forestal Española, publicada por el Ministerio de Medio Ambiente, 2000, págs. 236 y ss. Sobre los problemas que generan una mala gestión del monte vid. RODRIGUEZ-CHAVES, B: «La normativa forestal dirigida a favorecer la conservación y calidad del recurso hídrico. Virtualidad y propuestas ante el cambio climático», Revista de Derecho Urbanístico y Medio Ambiente, núm. 265 (abril-mayo), 2011, págs. 163-172. 75 La aportación de las producciones primarias al PIB en España es muy escasa: el 0,15%. Además, la madera no suele ser la producción principal del monte. Tienen más importancia otras producciones tradicionalmente consideradas como secundarias ―frutos, setas, pasto, caza (ibídem). 76 Vid. El documento del Ministerio de Agricultura, Alimentación y Medio Ambiente, Perfil Ambiental de España 2011. Informe basado en indicadores, Publicado en agosto de 2012, pág. 71. 77 Ha de tenerse muy en cuenta el Proyecto VANE (Modificado de Valoración de los Activos Naturales de España), de 2010, que contabiliza el valor de los ecosistemas forestales españoles. Los valores que refleja son valores de muy mínimos. Y el 90% de los servicios forestales es la suma de la provisión de agua (70%) y sumidero de carbono (20%), muy por debajo está el servicio de los montes a la biodiversidad y a la lucha contra la erosión.

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Al hecho de lo costoso que es ser propietario de un monte en España, se une el dato de que más cuando el 60% de los montes españoles son privados. Esto hace aún más necesario que se propicie legislativamente que

los

montes

sean

más

rentables.

Además

con

ello,

muy

probablemente se reducirían los incendios, que cada verano, asolan el territorio español78. Es un hecho constatable que cuando el monte es rentable no arde. Una gestión forestal integral y rentable de nuestros montes es la única vía para reducir los incendios forestales. Hoy

en

día

se

está

promoviendo

por

diferentes

colectivos,

encabezados por los ingenieros de montes, el pago a los terrenos forestales por dos de las externalidades ambientales que prestan los montes: El monte como sumidero de gases de efecto invernadero, GEI, (dentro de esta gestión forestal sostenible, se habla de la «gestión forestal del carbono» o «selvicultura del carbono» 79), y el monte como regulador del ciclo hidrológico80. Técnicos expertos en la materia forestal están promoviendo la creación del llamado «céntimo forestal» como medio de financiación justa y suficiente para compensar a los montes españoles por su papel de mitigación del cambio climático, por su función de sumidero81. Los combustibles fósiles o hidrocarburos pagarían este céntimo forestal82, Más del 95% de los incendios forestales son provocados por la mano del hombre. El verano de 2012 ha sido calificado por el Ministro de Agricultura, Alimentación y Medio Ambiente, D. Miguel Arias Cañete, como el “peor año” en materia de incendios forestales en España. 79 Que constituye una forma de mitigar el cambio climático ganando tiempo para poder adoptar medidas de reducción de emisiones o de captura y almacenamiento geológico del carbono. Todas las medidas que se empleen en la gestión forestal de los montes como sumideros, van dirigidas a retrasar el retorno del carbono a la atmósfera. 80 Existen estudios que demuestran que mediante una buena gestión forestal se puede influir, adecuar e incluso regular el ciclo del agua, y además existen estudios que demuestran el papel del bosque no sólo en la conservación del agua, sino también en la calidad de la misma, el monte reduce el hidrógeno y el fósforo, la conductividad y los bióticos patógenos. 81 Los ingenieros de montes señalan que los bosques españoles ayudan a fijar actualmente 80 millones de toneladas anuales de dióxido de carbono (CO2), es decir, el 20 por ciento de las emisiones de gases de efecto invernadero (GEI). 82 Esto ya se está aplicando con resultados muy positivos, como ya se ha expuesto en este trabajo, en Costa Rica. 78

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como responsables de la emisión de carbono para devolverlo a su origen vegetal a través de la gestión forestal, que hoy por hoy, es la única forma gestionable que tiene la humanidad de combatir el cambio climático83. establecimiento

de

Y del mismo modo están promoviendo el un

«céntimo

forestal»,

para

retribuir

económicamente una gestión sostenible del monte que favorezca la conservación y calidad del recurso hídrico, a través del establecimiento de una tasa finalista sobre el agua84. Estos expertos están promoviendo bajo el término de «céntimo forestal», el establecimiento de «impuestos verdes», o bien de «tasas finalistas», ahora bien, lo que está claro es su demanda: la fijación de una compensación económica que permita el mejor desarrollo de los montes y garantice la regeneración de los recursos naturales85. En lo referente al instrumento para compensar a los montes por su servicio ambiental como sumidero de carbono, ha de decirse que 83 Los sumideros de carbono acumulado en el monte ordenado es el Estado es el que se lo descuenta en el Plan Nacional de asignaciones de emisión de gases efecto invernadero, mientras que a los propietarios forestales no les llega ningún beneficio por esta función. La situación es que los montes españoles fijan – como mínimo ― el 20% de las emisiones anuales de España y sus titulares no reciben nada a cambio, mientras que los emisores sí van a pagar por las toneladas de carbono emitidas. 84 Se reclama un 5% del coste de abastecimiento, lo que supondría 4 céntimos por metro cúbico consumido, que revertiría en la conservación de las cuencas hidrográficas, esenciales para el mantenimiento de los ecosistemas acuáticos. Se parte del dato de que los bosques aportan 456 euros por hectárea y año de provisión de este elemento vital. Hasta hoy en día no se deriva a los terrenos forestales ni un céntimo de lo obtenido por la factura del agua. 85 Así, el Foro de Bosques y Cambio Climático, lleva promoviendo hace años esta idea. Uno de los principales defensores y difundidores de esta idea en diferentes foros es D. José Carlos del Álamo Jiménez, Decano del Colegio de Ingeniero de Montes, en julio del año 2010, se reunió la Ministra de Medio Ambiente y Medio Rural y Marino, Elena Espinosa, para exponerle la idea de la creación del “céntimo forestal” como tasa proveniente de los hidrocarburos que emiten GEI, cuyos beneficios, sería destinado a un Fondo Nacional Forestal que fomente los sumideros forestales de carbono. Y D. José Carlos del Álamo Jiménez, no ceja en el intento, y con fecha de 9 de mayo de 2012, mantuvo un encuentro con el Ministro de Agricultura, Alimentación y Medio Ambiente, D. Miguel Arias Cañete, para exponerle la necesidad de impulsar en España una política forestal que active el valor de la economía forestal a través de la creación de los mercados de servicios medioambientales del monte, sobre todo del carbono y del agua, cuyo valor por hectárea, según datos del propio ministerio alcanza los 650 Euros. Ha de señalarse también, que los ingenieros de montes, junto con el «céntimo forestal» están promoviendo la creación de una «Bolsa de Activos Forestales» y de «bonos forestales» para compensar los daños al medio ambiente.

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España ya existen impuestos energéticos sobre Hidrocarburos, pero, quizá debería proponerse un impuesto ambiental86, que entre sus costes, se refleje claramente una partida destinada a compensar a los montes. Me voy a detener especialmente en la posible fórmula que puede emplearse para retribuir a los terrenos forestales que se gestionen específicamente para favorecer la conservación y calidad del recurso hídrico. Ya defendí en un trabajo publicado en el año 2011 87, que la fórmula se podría encontrar en el principio de recuperación de costes de los servicios relacionados con el agua, establecido en el art. 9 de la Directiva Marco de Aguas de 2000 (DMA)88. El principio de recuperación de costes incluye los costes financieros de la prestación de servicios, los costes ambientales y los del recurso, y todo ello de conformidad con el principio «quien contamina paga». Dicho de otra forma, la DMA entiende el agua en su triple valor: económico, social y ambiental89, y todas las medidas que adopten los Estados miembros deben incidir en ello. El Estado debe asumir, con mayor

racionalidad

económica

y

sostenibilidad

ambiental,

las

inversiones necesarias para garantizar este triple valor del agua, 86 En el marco estadístico armonizado desarrollado en 1997, conjuntamente por Eurostat, la Comisión Europea, la Organización de Cooperación y Desarrollo Económico (OECD) y la Agencia Internacional de la Energía (IEA), se definen los impuestos ambientales como aquellos cuya base imponible consiste en una unidad física (o similar) de algún material que tiene un impacto negativo, comprobado y específico, sobre el medio ambiente. Se incluyen todos los impuestos sobre la energía y el transporte. Los impuestos considerados son pagos obligatorios recaudados por las Administraciones Públicas, y los beneficios proporcionados al sujeto pasivo no están directamente ligados al pago. 87 Vid. RODRIGUEZ-CHAVES, B:, Revista de Derecho Urbanístico y Medio Ambiente, núm. 265 (abril-mayo), 2011, págs. 163 a 172. 88 El día 22 de diciembre de 2000 se publicó en el Diario Oficial de las Comunidades Europeas (CE) la Directiva 2000/60/CE, del Parlamento Europeo y del Consejo, de 23 de octubre de 2000, también conocida como Directiva Marco de Aguas (en adelante, DMA), por la que se establece un marco comunitario para la protección de las aguas superficiales continentales, de transición, costeras y subterráneas, para prevenir o reducir su contaminación, promover su uso sostenible, proteger el medio ambiente, mejorar el estado de los ecosistemas acuáticos y atenuar los efectos de las inundaciones y las sequías. 89 Expresión extraída de NARBONA RUIZ, C.:, Ambienta: La revista del Ministerio de Medio Ambiente, núm. 65, 2007, pág. 6.

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optimizando las infraestructuras existentes y mejorando su gestión. Los costes ambientales, representan los costes del daño que los usos de agua ocasionan al medio ambiente, a los ecosistemas y a los usuarios del medio ambiente. Estos costes deben tener como finalidad recuperar el daño ambiental producido por el uso del agua, internalizando su coste. En definitiva, los costes ambientales se valoran como el coste de las medidas establecidas para alcanzar los objetivos ambientales, incluyendo tanto las adoptadas por las administraciones competentes como por los usuarios90. Pues bien, creo que dentro de este concepto, de «coste ambiental», que forma parte del precio del agua, podría incluirse una partida económica, para financiar y compensar económicamente a los propietarios y gestores de los montes españoles que especialmente estén gestionados para favorecer su función de regulación del recurso hídrico. 4. La Reforma de la Política Agraria Comunitaria (PAC), para el período 2014-2020. Un paso más en la integración de la protección del medio ambiente en la actividad agraria: la política agraria-rural será económicamente ventajosa cuando sea medioambientalmente sostenible La Comunicación de la Comisión que toma el nombre La PAC en el Horizonte de 2020: responder a los retos futuros en el ámbito territorial, de los recursos naturales y alimenticios91, afirma que la PAC debe reformarse para atender adecuadamente a los retos de la seguridad 90

Entre otros, se integraría por los siguientes conceptos: Mantenimiento de los caudales ecológicos de los ríos. El coste de recarga artificial de acuíferos. La reducción de la calidad ecológica de los ecosistemas acuáticos. La salinización y deterioro de los suelos productivos. Vid. la Comunicación de la Comisión Europea al Consejo, Parlamento y al Comité Económico y Social relativa a la política de tarificación y uso sostenible de los recursos hídricos [COM (2000) 477 final] y el Documento del Ministerio de Medio Ambiente (abril 2003), y AGUDO GONZÁLEZ, J.: «Ejecución y gestión...», cit., pág. 143. 91 Publicada el 18 de noviembre de 2010. -

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alimentaria, el cambio climático — con una gestión sostenible de los recursos naturales—, y la conservación del paisaje, todo ello en aras de llevar a la práctica un desarrollo rural sostenible que conduzca a una necesaria cohesión entre el mundo urbano y el rural. Y, en concreto, asigna a la PAC futura tres objetivos principales, que se pueden agrupar en tres bloques: económicos, territoriales y ambientales. En el caso de los

económicos

se

centran

en

la

seguridad

alimentaria

y

la

competitividad del sector agrario. Los territoriales hacen frente a la revitalización de las áreas rurales y a la diversificación de la agricultura, que apoye el empleo rural y mantenga el tejido social de estas zonas. Y, por último, el bloque ambiental, centrado más que nunca en la lucha contra el cambio climático (la reducción de emisiones de gases de efecto invernadero), y el agotamiento y contaminación de los suelos, la calidad del agua y del aire y la conservación de los hábitats y protección de los paisajes. Con este documento comunitario se ha producido un paso de gigante hacia la sostenibilidad del medio rural, al marcar como objetivo de la política agraria no sólo que sea competitiva desde un punto de vista económico, sino también desde un punto de vista del patrimonio natural-medioambiental. La política agraria-rural, será económicamente ventajosa o productiva cuando sea medioambientalmente sostenible. Afirma la Comisión en este documento, que nuestra sociedad será la gran beneficiada si a través de la PAC alcanzamos, una mayor seguridad alimentaria, una mejora en el medio ambiente y en la lucha contra el cambio climático, así como un medio rural cohesionado y desarrollado. En esta Comunicación de la Comisión se privilegia el empleo de los contratos territoriales, como instrumento que puede garantizar la eficacia y optimización en el mantenimiento y mejora de una actividad agrícola, ganadera y forestal suficiente y compatible con el desarrollo sostenible.

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COMPENSAÇÃO ECOLÓGICA, SERVIÇOS AMBIENTAIS E PROTECÇÃO DA BIODIVERSIDADE

El empleo de estos contratos territoriales puede contribuir en gran manera a la lucha contra el cambio climático, favoreciendo a partir de ellos que la agricultura y la silvicultura contribuyen a este objetivo reduciendo sus emisiones de gases de efecto invernadero, mejorando la función de sumidero de carbono de los suelos y de los cultivos leñosos, y contribuyendo a la producción de fuentes renovables de energía y de bioproductos. Por ejemplo, produciendo biocombustible a partir de los desechos

animales,

o

biomasa

agrícola,

manteniendo

pastos

permanentes, y, por último, forestando. Del mismo modo, los contratos territoriales pueden propiciar el aumento

de

servicios

ambientales

y

prácticas

agropecuarias

respetuosas con los animales, mediante el incentivo y remuneración a los agricultores que cumplan las normas obligatorias y se comprometan a adoptar prácticas y proporcionar servicios que el mercado no ofrece, en especial por la custodia de recursos específicos como el agua y el suelo. En el año 2011, se publicó La Propuesta de Reglamento del Parlamento Europeo y del Consejo relativo a la ayuda al desarrollo rural a través del Fondo Europeo Agrícola de Desarrollo Rural (FEADER)92. Esta Propuesta de Reglamento Comunitario confirma a la política de desarrollo rural, como una verdadera política común de gran valor estratégico para la Unión Europea, en el marco de la PAC.93 La Propuesta de Reglamento FEADER intensifica el carácter verde de la agricultura (greening) al reforzar los vínculos naturales que relacionan al sector agrario, ganadero y

silvícola, y su importante papel en la

protección del medio ambiente. Lo que conduce a la valoración y 92

Publicado por la Comisión Europea, con fecha de 12 de octubre de 2011. Vid. un completo y muy interesante trabajo sobre esta propuesta de Reglamento Comunitario en AMAT LIOMBART, P.: «Análisis del futuro desarrollo rural en Europa en el marco de la reforma de la PAC según la propuesta de reglamento de 2011 relativo a la ayuda al desarrollo rural a través del FEADER», Revista de Derecho Agrario y Alimentario, núm. 59, (julio-Diciembre 2011), págs. 7-33, in totum. Téngase muy en cuenta también, VATTIER FUENZALIDA, C.: «El desarrollo rural, hoy, del fracaso estatal a la nueva PAC», Diario La Ley, 7766, (2011). 93 Vid. AMAT LIOMBART, P.: «Análisis del futuro … », cit., pág. 12.

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financiación de bienes y servicios ambientales de naturaleza pública, que los habitantes y trabajadores del medio rural están en condiciones de proveer en beneficio de la sociedad y la consolidación de la idea de que tienen un valor que tiene que pagarse94. Una de las novedades principales de la propuesta de Reglamento comunitario son los objetivos «climáticos», por ello, la prioridad número cinco pretende promover la eficiencia ambiental de los recursos y alentar la transición hacia una economía hipocarbónica y capaz de adaptarse a los cambios climáticos en el sector agrícola, el de los alimentos y el silvícola. Esto es lo que se denomina «Agricultura verde europea». Esta prioridad se concreta, a su vez, en dos grandes campos de actuación95: Por un lado, el uso eficiente de los recursos productivos en la agricultura, con especial hincapié en la gestión del agua, de la energía y en el uso de las fuentes renovables. Y por otro lado, medidas con el fin de la inclusión social, la reducción de la pobreza y el desarrollo económico en las zonas rurales, y con ello hacer posible que los habitantes del medio rural puedan seguir permaneciendo en él. Para ello se considera crucial la compensación de las ‘externalidades positivas’ que genera la población rural96.

94

Los agricultores y silvicultores, en su permanente contacto diario con la tierra y los recursos naturales, están llamados a introducir y mantener en su actividad productiva habitual sistemas sostenibles de gestión del suelo y del agua desde el punto de vista ambiental. Esta función social que desempeñan los agricultores les legitima para percibir ayudas y apoyos públicos. 95 Para todo ello, la Propuesta de Reglamento FEADER ha articulado una serie de medidas de potencial ambiental, dentro del Eje 2, del Pilar 2 (Medio ambiente y entorno rural), que, a través del desarrollo rural, se van a meter en la PAC, con el fin de restaurar, conservar y mejorar los ecosistemas dependientes de la agricultura y la silvicultura, así como para mejorar la eficacia de los recursos y apoyar el paso a una economía con bajas emisiones de carbono y adaptada al cambio climático en los sectores agrario, alimentario y silvícola: Inversiones en el desarrollo de zonas forestales y mejora de la viabilidad de los bosques; Art. 22, Forestación y creación de superficies forestales; art. 23, Establecimiento de sistemas agroforestales; Art. 24, Inversiones para incrementar la capacidad de adaptación y el valor medioambiental de los ecosistemas forestales; Art. 26, Agroambiente y clima; art. 29, Agricultura ecológica; art. 30, Ayuda al amparo de Natura 2000 y la Directiva Marco del Agua; art. 31, Servicios silvoambientales y climáticos; y, por último, art. 35, conservación de los bosques. El problema importante es determinar la forma de cómo estas medidas se van a relacionar con el Pilar 1 ― Vid. AMAT LIOMBART, P.: «Análisis del futuro … », cit., pág. 27. 96 Vid. AMAT LIOMBART, P.: «Análisis del futuro … », cit., pág. 30, y AMAT LIOMBART, P. y MUÑIZ ESPADA, E.: «Especial implicación del sector agrario en la relación entre el

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COMPENSAÇÃO ECOLÓGICA, SERVIÇOS AMBIENTAIS E PROTECÇÃO DA BIODIVERSIDADE

En el eje 4, del Pilar 2, en el marco de la iniciativa LEADER 97, la propuesta de Reglamento de desarrollo rural de 2011, mantiene firmemente el apoyo a los grupos de acción local (GAL)98. De hecho, les atribuye la posibilidad de asumir un papel más preponderante, en el sentido de que, aparte de las tareas y funciones propias de la aplicación y ejecución de una estrategia de desarrollo local, así como de la gestión de proyectos de desarrollo rural, en el nuevo artículo 42 se prevé

también

la

posibilidad

de

que

desempeñen

tareas

suplementarias delegadas en los GAL por la autoridad encargada de la gestión o el organismo pagador. La base de todas estas medidas que se acaban de exponer, contenidas en la Propuesta de Reglamento Comunitario relativo a la política de desarrollo rural de 2011, ya se encontraban en el Documento de la Comisión Europea de 2010 Europa 2020. Una Estrategia para un crecimiento inteligente, sostenible e integrador99,

en el que, por vez

primera, en Europa se utilizaba el término de «economía verde» o «economía ecológica». En este Documento se parte de un concepto de «crecimiento sostenible» que trata de “promover una economía que utilice más eficazmente los recursos, más verde y más competitiva”, con la Hoja de ruta hacia una economía hipocarbónica competitiva en 2050. La medio urbano y el medio rural. Propuestas de reforma legislativa», El acceso a la Vivienda en un contexto de crisis, Edisofer, Madrid, 2011, págs. 383-408. 97 Las siglas LEADER responden a “Liaisons Entre Activités de Dévelloppement de L’Économie Rural”. Se han producido varias iniciativas comunitarias: LEADER: LEADER I, LEADER II, LEADER +. Estas iniciativas LEADER introducen posibilidades innovadoras de gobernanza en el medio rural, partiendo de planeamientos locales de desarrollo rural que tienen su origen en la base, y que se gestionan a y través de grupos de acción local (GAL). 98 Vid. arts. 42 a 45 de la Propuesta de Reglamento Comunitario de 2011. A parte de otros grupos de acción local, los miembros de un GAL en el marco del FEADER podrán ser: Asociaciones público-privadas locales de territorios rurales que apliquen una estrategia de desarrollo local dentro o fuera de la Unión Europea; y, Asociaciones público-privadas locales de territorios no rurales que apliquen una estrategia de desarrollo local. 99 Firmada en Bruselas 3 de marzo de 2010.

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adopción de esta estrategia por la Unión Europea puede considerarse como un

avance político clave. El objetivo de esta Estrategia de

Europa para 2020, es transformar la UE en una economía basada en el conocimiento, que haga un uso eficiente de los recursos y que genere pocas emisiones de carbono, y dar una respuesta sostenible a los desafíos que la UE tiene por delante hasta 2050. Esta Estrategia persigue incorporar la sostenibilidad en la elaboración de todas las políticas y reforzar su papel en ellas, estableciendo las prioridades — que se refuerzan mutuamente — de un crecimiento inteligente, sostenible e integrador, impulsadas por cinco objetivos principales y siete iniciativas emblemáticas (que se encuentra en el anexo100). Claramente el objetivo de esta Estrategia europea podemos 100

Dichos objetivos principales e iniciativas emblemáticas se encuentran en el Anexo de la Estrategia Europa 2020. Los objetivos principales son: 1) el 75 % de la población de entre 20 y 64 años debería estar empleada; 2) el 3 % del PIB de la UE debería invertirse en I+D; 3) deberían cumplirse los objetivos de clima y energía «20/20/20»: reducir las emisiones de gases de efecto invernadero en un 20 %; incrementar el porcentaje de energías renovables al 20%, y mejorar la eficiencia energética en un 20 % (incluido un incremento al 30 % de la reducción de las emisiones de gases de efecto invernadero si se dan las condiciones adecuadas); 4) el porcentaje de abandono escolar debería ser inferior al 10 % y al menos el 40 % de la generación más joven debería tener estudios superiores completos; 5) el riesgo de pobreza debería amenazar a 20 millones de personas menos. Por su parte, las iniciativas emblemáticas son: 1) «Unión por la innovación»: mejorar las condiciones generales y el acceso a la financiación para investigación e innovación a fin de garantizar que las ideas innovadoras se puedan convertir en productos y servicios que generen crecimiento y empleo. 2) «Juventud en movimiento»: mejorar los resultados de los sistemas educativos y facilitar la entrada de los jóvenes en el mercado de trabajo. 3) «Una agenda digital para Europa»: acelerar el despliegue de Internet de alta velocidad y beneficiarse de un mercado digital único para las familias y empresas. 4) «Una Europa que aproveche eficazmente los recursos»: ayudar a desligar crecimiento económico y utilización de recursos, apoyar el cambio hacia una economía con bajas emisiones de carbono, incrementar el uso de fuentes de energía renovables, modernizar nuestro sector del transporte y promover la eficiencia energética. 5) «Una política industrial para la era de la mundialización»: mejorar el entorno empresarial, especialmente para las PYME, y apoyar el desarrollo de una base industrial fuerte y sostenible, capaz de competir a nivel mundial. 6) «Una agenda para nuevas cualificaciones y empleos»: modernizar los mercados laborales y potenciar la autonomía de las personas mediante el desarrollo de capacidades a lo largo de su vida con el fin de aumentar la participación laboral y adecuar mejor la oferta y la demanda de puestos de trabajo, en particular mediante la movilidad laboral.

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COMPENSAÇÃO ECOLÓGICA, SERVIÇOS AMBIENTAIS E PROTECÇÃO DA BIODIVERSIDADE

reconocerlo en las bases que se están construyendo para la futura reforma de la PAC, y que va a ser tan determinante para el medio rural español. IV. Reflexiones sobre la aplicación del sistema de PSA en el medio rural español. Perspectivas y algunas propuestas 1. Introducción: La llamada «economía verde» en el marco de la crisis económica-financiera A lo largo del presente trabajo ha estado muy presente la idea de que el logro de un desarrollo sostenible ― entendido como aquél que integra de modo equilibrado las dimensiones económica, social y ambiental ―, pasa por la valorización y compensación de los servicios ambientales que nos ofrece el capital natural. Esta idea constituye hoy en día el núcleo duro de la llamada «economía verde», que ha sido el tema clave en la Conferencia de las Naciones Unidas sobre el Desarrollo Sostenible (Conferencia Rio+20), celebrada en junio de 2012 101 . Lo que se

viene llamando «economía verde» o

«economía

ecológica», es una economía que se basa en el desacoplamiento del desarrollo y las presiones ambientales y que refuerza la gestión sostenible de los servicios ecosistémicos. Fomenta la revalorización del capital 7) «Plataforma europea contra la pobreza»: garantizar la cohesión social y territorial de tal forma que los beneficios del crecimiento y del empleo sean ampliamente compartidos y las personas que sufren de pobreza y exclusión social puedan vivir dignamente y tomar parte activa en la sociedad. 101 Con esta Conferencia se conmemora el vigésimo aniversario de la Conferencia de Naciones Unidas sobre el Medio Ambiente y el Desarrollo de 1992, así como el décimo aniversario de la Cumbre Mundial sobre el Desarrollo Sostenible de 2002 celebrada en Johannesburgo. Los dos temas clave que se han tratado en Rio+20 han sido: «la economía verde en el marco del desarrollo sostenible y de la erradicación de la pobreza», y «el marco institucional para el desarrollo sostenible».

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natural, al tiempo que plantea una contabilidad de los servicios de los ecosistemas y la asignación de precios correctos mediante la aplicación de instrumentos económicos, fiscales y mecanismos de mercado, que complementen y refuercen los sistemas de regulación normativa. Y todo ello combinado con la eliminación gradual de subsidios que, hoy por hoy, se ha demostrado que tienen efectos perniciosos sobre el medioambiente, a la vez que se fomentan los sistemas voluntarios. La

economía

verde

implica,

fundamentalmente,

disociar

el

crecimiento económico del uso de los recursos naturales y el impacto ambiental, aplicando instrumentos normativos y mecanismos basados en el mercado, así como medidas fiscales. En el ámbito internacional está claro que hay que desacoplar el crecimiento económico de las emisiones de gases de efecto invernadero, lo que nos lleva a una economía baja en carbono, que va a suponer un cambio muy profundo que va a afectar a toda la economía102. Como se ha señalado, la economía verde facilita la comprensión y puesta en valor de los servicios de los ecosistemas. Muchos de los recursos naturales y servicios de los ecosistemas, tales como alimentos, semillas, combustible, medicinas y materiales de construcción, son elementos clave de la economía global, y así se consideran actualmente. Sin embargo, muchos otros servicios de los ecosistemas, menos obvios, no tienen asignado un precio de mercado, y esto ha llevado hasta ahora, en muchos casos, a una sobreexplotación de los recursos renovables.

102 La Plataforma de Conocimiento de Crecimiento Verde es una red global de investigadores y expertos en desarrollo que identifica y aborda las principales lagunas de conocimiento en la teoría y práctica del crecimiento verde. Se trata de una herramienta para fomentar el crecimiento económico y un desarrollo sostenible. Para el Programa de Medio Ambiente de Naciones Unidas (PNUMA), la Plataforma ofrece nuevas oportunidades para ampliar el límite del conocimiento sobre cómo una transición de economía verde puede generar empleos e ingresos, mientras produce impactos positivos sobre el medio ambiente y establece un nuevo umbral para una mayor cooperación global sobre el crecimiento verde (www.greengrowthknowledge.org).

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Para la valoración del capital natural, se hace indispensable el establecimiento de mecanismos de mercado como los impuestos ambientales103, la regulación normativa, y la contabilidad por el valor de servicios de los ecosistemas. Una gestión sostenible de los recursos tiene que considerar el valor de todos estos bienes y servicios que deben ser tenidos en cuenta en la planificación social y en los procesos de decisión, nacionales y mundiales104. Para ello será necesaria la adopción de un nuevo conjunto de indicadores que vayan más allá del PIB y que integren de un modo equilibrado las dimensiones económica, social y ambiental, con el objeto de medir adecuadamente el progreso y el bienestar de las sociedades. En definitiva, la valoración de los servicios de los ecosistemas es un paso importante hacia un modelo de economía verde y desarrollo sostenible. Cabe preguntarse qué vías existen y qué otras podrían ponerse en marcha, en el ámbito interno español, para avanzar hacia un mejor gobierno que logre en el ámbito rural un despegue en el desarrollo económico, social y ambiental. España ha sido señalada por los expertos como un país muy vulnerable al calentamiento global debido a sus características geográficas – se trata de un área biogeográfica de transición- y socioeconómicas105, lo que supondrá una importante pérdida de 103 Se habla de la implantación de una «reforma fiscal ecológica», para facilitar una transición justa, hacia el nuevo modelo de revalorización de los recursos naturales. 104 En la Cumbre Rio+20 se presentó el Índice de Enriquecimiento Inclusivo (IWI), un intento de «PIB verde», que refleje mejor la riqueza real de los países y su capacidad futura de crecimiento. Es grupo de trabajo pretende profundizar, que puede provocar que los gobiernos requieran a las compañías reportes sobre sus huellas ambientales y sociales. 105 Vid. las conclusiones tanto de la Evaluación Preliminar de los Impactos en España del Cambio Climático (2005) como del informe El Cambio Climático en España. Estado de Situación (2007), elaborado para el Presidente del Gobierno por expertos en la materia. Conclusiones que se han recogido en la Estrategia Española de Cambio Climático y Energía Limpia Horizonte 2007- 2012 -2020 , aprobada por el Consejo de Ministros el 2 de noviembre de 2007. De igual modo, las especiales circunstancias de España quedan reflejadas en el documento comunitario denominado Marco Estratégico Nacional de Referencia de España para el período

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productividad. Es necesario que nos anticipemos a los cambios, sobre todo en ámbitos como la gestión de los recursos hídricos, la restauración hidrológico-forestal, la actividad forestal y la prevención de incendios, y el desarrollo integrado del campo y la ciudad desde una perspectiva territorial-ambiental. No es difícil de prever que la protección del medio ambiente pueda ser uno de los principales damnificados en materia presupuestaria y con muy especial incidencia en el ámbito local-rural, empezando por la reforma de la PAC en ciernes, que presenta unas

perspectivas

financieras de drástica reducción del presupuesto de la UE106. Por todo ello, más que nunca se hace necesario que el medio ambiente se imbrique realmente en el resto de las políticas, y se conciba como una dimensión de la política agraria-rural, lo que hace necesario profundizar en modelos agro-rurales con una base territorial y medioambiental. En

Europa,

el

reto

de

una

economía

verde,

debe

contar

necesariamente con la agricultura, al ser ésta la que ocupa la mayor parte del territorio comunitario y desempeña un papel esencial en el uso sostenible de los recursos, la conservación de los hábitats naturales, 2007–2013, presentado el 27 de abril de 2007, cuyo contenido está sujeto a lo establecido en el Reglamento (CE) nº 1083/2006 del Consejo, de 11 de julio, por el que se establecen las disposiciones generales relativas al Fondo Europeo de Desarrollo Regional, al Fondo Social Europeo y al Fondo de Cohesión. El documento, que tiene el doble carácter de financiero y estratégico, tiene un capítulo dedicado al «Medio Ambiente y Desarrollo Sostenible», (vid. pág 145 del documento), en el que después de afirmar que “durante los últimos años, y con el apoyo de los fondos comunitarios, España ha incrementado la sostenibilidad de su desarrollo“ se abordan los aspectos medioambientales que de forma prioritaria han de solucionarse: entre los que destaca la «disponibilidad en cantidad y calidad de los recursos hídrico». En este sentido, el Plan Nacional de Adaptación al Cambio Climático (PNACC), aprobado en julio de 2006, persigue como objetivo principal la integración de la adaptación al cambio climático en la planificación de los diferentes sectores y/o sistemas que se vean afectados por dicho cambio, señalándose como prioritarios a la adaptación a los impactos del clima, los recursos hídricos. En cumplimiento de esta estrategia, el RD 907/2007, de 6 de julio, por el que se aprueba el Reglamento de la Planificación Hidrológica, regula la necesidad de integrar en dicha planificación la consideración de los impactos del cambio climático. 106 Unos de los principales retos de Rio+20 ha sido emprender iniciativas que logren evitar que la precaria situación financiera actual diluya la centralidad de los aspectos ambientales y sociales de la economía verde, que se ha propuesto a partir de Rio+20, a fin de progresar en los procesos de desarrollo sostenible y cooperación mundial.

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COMPENSAÇÃO ECOLÓGICA, SERVIÇOS AMBIENTAIS E PROTECÇÃO DA BIODIVERSIDADE

la biodiversidad y la lucha contra el cambio climático. Debe además tenerse en cuenta que la Agricultura en Europa es un sector estratégico por su contribución al mantenimiento de la población y a la actividad económica del medio rural, a lo que se une el desafío al que se enfrenta en la actualidad de producir alimentos de forma sostenible y respetuosa con el medio ambiente. Por ello, no estamos hablando de una agricultura vista desde un enfoque ecologista más o menos romántico, sino de una agricultura profesional, productiva y moderna que cumpla las tres condiciones básicas que se exigen a cualquier actividad en el momento

actual:

viabilidad

económica,

aceptación

social

y

sostenibilidad ambiental107. Los

agricultores

trabajan

para

lograr

la

rentabilidad

de

sus

explotaciones, pero la competencia es cada vez más dura, y, cada vez menos, los agricultores pueden confiar en que el BOE pueda resolver sus problemas. Lo que se ha venido llamando “la preferencia comunitaria” va a sufrir reducción muy significativa108. Por todo ello, si se defiende la condicionalidad ambiental de las ayudas a la agricultura, se defiende la continuidad del apoyo público a la agricultura europea. Según el contenido de la Propuesta de Reglamento FEADER, ya analizada en este trabajo, está claro que la base sobre la que descansará toda la PAC del futuro es la agricultura verde reforzada. Debido a las características de España (baja productividad, elevado porcentaje de superficie forestal (más del 55% del territorio nacional), bajo

determinados

escenarios,

España

podría

ser

la

principal

perceptora de fondos comunitarios, si se explota el enfoque verde. Esta Vid. el debate sobre el papel que ha de jugar la agricultura y la Política Agraria Común (PAC), que mantuvo el Consejo de Agricultura de la UE, el 29 de marzo de 2010. 108 A la drástica disminución del papel de los mecanismos de estabilización de precios y mercados en la Unión Europea, se puede sumar un acuerdo en la Organización Mundial del Comercio, que aseguran los expertos llegará más pronto que tarde, y que marcará un antes y un después no solo en lo referente a las ayudas a la exportación o el apoyo interno, sino también en el acceso al mercado. Lo que a buen seguro, empeorará aún más la situación para los agricultores, tanto en lo que se refiere a los mercados de exportación como en nuestros propios mercados. 107

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agricultura verde se refleja tanto en el pilar 1 como en el pilar 2. La PAC convoca a la agricultura y la silvicultura para favorecer los activos ambientales,

a

través

de

la

ecocondicionalidad.

Pero

esta

ecocondicionalidad parece que va ser regulada para que sea aplicada con mucha más eficiencia que hasta ahora en el Pilar 1, pues se ha demostrado que hasta ahora no ha servido mucho para producir beneficios ambientales y reducir externalidades negativas. Por lo que a los agricultores y silvicultores se les va a pedir más ambientalmente y con una prima mucho más pequeña109. agricultores

españoles,

teniendo

Por ello, la estrategia de los en

cuenta

sus

especiales

características socioeconómicas, debería pasar por incrementar su participación en el segundo pilar. No hay que partir de cero, el camino a seguir está trazado en el apartado I del Preámbulo de la Ley 45/2007, de 13 de diciembre, de desarrollo sostenible del medio rural: Toda política rural debe buscar el logro de una mayor integración territorial de las zonas rurales, facilitando una relación de complementariedad entre el medio rural y el urbano, y fomentando en el medio rural un desarrollo sostenible. Esta iniciativa debe partir del Estado, concertarse con las Comunidades Autónomas y las Entidades Locales, respetando el marco competencial, y promover la participación del sector privado. (...) Las acciones y medidas previstas en la Ley son multisectoriales y medioambientales. Coherentemente, reflejan la nueva realidad de un medio rural económicamente cada vez más diversificado y al que se le reconoce una importante multifuncionalidad para la sociedad en su conjunto.

2. El necesario fomento del equilibrio territorial a través de Programas de desarrollo rural, que establezcan medidas que equilibren las zonas rurales y las zonas urbanas.

En la propuesta del Consejo Europeo de noviembre de 2012, la previsión es que el Pilar 1 sufra un recorte importante, quedándose en el 3% del Presupuesto de la UE, mientras que el Pilar 2 se mantiene en la proporción del 9%. No se ha llegado a un acuerdo, y se ha emplazado a los países miembros de la UE, a una nueva reunión en febrero de 2013, pero lo que está claro es que en mayor o en menor medida se va a producir un importante recorte, que va a afectar sobre todo al Pilar 1. 109

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COMPENSAÇÃO ECOLÓGICA, SERVIÇOS AMBIENTAIS E PROTECÇÃO DA BIODIVERSIDADE

Se hace necesario más que nunca que se aprueben planes integrales del municipio y el medio rural, desde una perspectiva de sostenibilidad, políticas ambientales, económicas y sociales y enmarcada en una estrategia territorial como establece la Ley 45/2007, de Desarrollo Sostenible del Medio Rural110. Para lograr una gestión sostenible no puede gestionarse la ciudad como un espacio aislado e independiente del resto del territorio, sino que debe gestionarse desde una perspectiva territorial para adoptar una visión a vista de pájaro, que permita interpretar mejor todos los intereses en juego y tomar las decisiones más adecuadas orientadas al territorio. En este sentido, ya en el año 1996, en la Conferencia Europea sobre Desarrollo Rural, celebrada en Cork, se apostaba por una política de desarrollo multidisciplinar, que englobara el desarrollo de la agricultura, la diversificación económica, la gestión de los recursos naturales, la

110

La aplicación de la Ley 45/2007, de Desarrollo Sostenible del Medio Rural requiere un elevado grado de gobernanza, que se intenta instaurar a partir de la regulación de diferentes instrumentos de planificación. La regulación sobre la Programación para el Desarrollo Rural Sostenible, constituye el contenido fundamental de la Ley 45/2007, siendo el Programa de Desarrollo Rural Sostenible (PDRS) el instrumento principal para la aplicación de la Ley, pues en él se concretarán las medidas de política rural, los procedimientos y los medios para llevarlas a cabo. Su ámbito territorial de aplicación integra a los núcleos urbanos como elementos dinámicos y funcionales necesarios para el desarrollo rural, y establece una tipología de zonas que reconoce la diversidad rural existente y la necesidad de una atención diferenciada. El PDRS es aprobado por el Gobierno de la Nación. Con el fin de posibilitar la necesaria cooperación en esta materia entre el Estado y las Comunidades Autónomas la ley prevé la adopción por parte de éstas de Directrices Estratégicas Territoriales de Ordenación Rural y de Planes por zona rural. Las Directrices ordenarán las actuaciones en el medio rural, así como concretarán la localización territorial de las acciones derivadas del Programa a ejecutar, compatibilizándolas con los diferentes tipos de actuaciones aplicables, en función de sus características y potencialidades (en esta regulación claramente se aprecia la orientación territorial de la Ley) . Además, en la elaboración de dichas Directrices tendrán que tenerse muy en cuenta, lo establecido en el Plan Estratégico Nacional del Patrimonio Natural y la Biodiversidad, en los Planes de Ordenación de los Recursos Naturales y en el Plan Nacional de Calidad Ambiental Agrícola y Ganadera. Por Real Decreto 752/2010, de 4 de junio, se aprobó el primer Programa de Desarrollo Rural Sostenible para el período 2010-2014.

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mejora de las funciones medioambientales y el fomento de la cultura, el turismo y las actividades recreativas. En esta línea cobra mucho significado el cambio terminológico recogido en la Ley francesa sobre el desarrollo de los territorios rurales, de 23 de febrero de 2005, en la que se sustituyó la expresión «espacio rural», que se consideraba que hacía referencia al espacio agrícola, por la expresión «territorio rural», al que se le asigna un significado múltiple. Este término de territorio rural, comprende no sólo las zonas agrícolas, sino que comprende

todos

los

espacios, incluso los

urbanizados111. El «territorio» en esta Ley francesa, se concibe como el punto de encuentro de todas las actividades económicas desarrolladas en las zonas rurales. Ha de tenerse muy en cuenta que desde una perspectiva económica, social y ambiental existe una clara y vital interdependencia y complementariedad entre lo urbano y lo rural. No puede entenderse una ciudad sostenible sin un entorno que también lo sea. Ha de realizarse un esfuerzo de planificación en el que se logre un modelo

campo-ciudad

integrado

teniendo

en

cuenta,

la

complementariedad entre los dos ámbitos, el rural y el urbano, aprovechando especialmente las potencialidades culturales, naturales y paisajísticas del mundo rural. No ha de perderse de vista que es una idea compartida por todos que para lograr una creciente aceptación de la «economía verde» se considera muy importante desarrollar e impulsar los sistemas de gobernanza desde el nivel local y nacional hasta el nivel global.112

La Ley comprende dentro del concepto «territorios rurales», espacios de índole diversa: espacios agrícolas, espacios naturales, espacios forestales, las áreas cerca de la costa, las zonas de caza, los humedales, los pastizales, las áreas recreativas, las zonas de montaña, e incluso, los espacios periurbanos o urbanizados. Desde esta perspectiva, la agricultura deja de ser la «columna vertebral» del mundo rural, y pasa a ser únicamente uno de sus componentes. 112 En este aspecto, no podemos olvidar a los alcaldes del C40. Se trata de una unión o alianza de los alcaldes de las mayores 40 ciudades del mundo, que persigue avanzar más a escala local. Dentro de esta Red de ciudades se encuentra las ciudades españolas Madrid y Barcelona. Los alcaldes reclaman para ello una mayor 111

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COMPENSAÇÃO ECOLÓGICA, SERVIÇOS AMBIENTAIS E PROTECÇÃO DA BIODIVERSIDADE

En

todo

caso,

es

fundamental

la

colaboración

entre

Administraciones113, buscando un equilibrio entre la planificación territorial, las acciones locales y la colaboración entre municipios114, promocionando, por ejemplo, las redes locales115. En lo que respecta a los municipios pequeños rurales, debería de recuperarse el papel de la Diputación provincial, Cabildo y Consejo Insular, con el objetivo de construir una estrategia conjunta. 3. La multifuncionalidad del medio rural y la necesidad de establecer mecanismos de compensación de los Servicios Ambientales (SA) Como ha sido repetido en este trabajo, es urgente corregir la actual situación, en la cual, a pesar de la riqueza que encierra el medio rural, su población está expuesta a fuertes desigualdades y desequilibrios con respecto al medio urbano, por haberse priorizado, sobre todo, los aspectos económicos frente a los ambientales — uno de los principales recursos del medio rural — y con tendencia a ser cada vez más importante. Hasta ahora nadie paga por la biodiversidad, por el paisaje, o por la calidad del agua, gracias a los bosques situados cuenca arriba, autonomía, y han solicitado que las instituciones financieras internacionales abran una agenda propia a las ciudades, sin que exista una intermediación de las naciones, y con ello, lograr un proceso más eficiente. Han remarcado el importante peso de las alianzas público-privadas para afrontar con éxito los retos de una agenda verde. Lo cierto es que el papel de los gobiernos locales y regionales ha salido reforzado de esta Cumbre Rio+20. 113 La Unión Europea y las Administraciones estatal y autonómica deberían asumir un compromiso de coordinación y apoyo a las políticas de desarrollo sostenible local, dando cabida en la toma de decisiones supramunicipales a los planteamientos y demandas de las autoridades locales, y dotándolas de los instrumentos necesarios para poder desarrollar esta tarea. 114 Como vienen señalando los economistas, en situaciones de crisis se logra progresar en mayor medida si se sustituye la competitividad por la cooperación. Es necesario reducir contradicciones y ello se logra si existe una buena planificación. El reto es ir hacia el cambio planificado y resiliente (tomado el término de resiliência como la capacidad de defenderse, de adaptarse o de afrontar las adversidades). 115 Ejemplo de esta colaboración se encuentran en la Comunidad Autónoma de Andalucía, con el Programa de Sostenibilidad Ambiental Urbana Ciudad 21, dirigido a formar una Red de Ciudades y Pueblos Sostenibles de Andalucía. Otro ejemplo de promoción del desarrollo rural desde las Redes Locales se encuentra en Cantabria, donde la mayoría de los municipios se encuentran englobados en la «Red Local de Sostenibilidad de Cantabria».

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o por el sumidero de carbono que son los montes. En cambio, como ya se ha reflejado en este trabajo, la futura reforma de la PAC aún va a pedir mayores sacrificios y esfuerzos a los agricultores y silvicultores para reducir las externalidades negativas e incrementar las externalidades positivas. Está claro que no se pide lo mismo a otros grupos sociales que se benefician de la naturaleza. Y este desequilibro, la no puesta en valor, da lugar al riesgo de desaparición de los activos ambientales que proporcionan estos importantes servicios ambientales. Para cambiar esta situación, se hace preciso reconocer la aportación del mundo rural al , a la sociedad en general, y en particular al mundo urbano. Se hace preciso establecer mecanismos de compensación necesarios, para que los beneficios ambientales supongan un incremento en las rentas de los agricultores. La Carta Europea del espacio rural de 1996, fue el primer texto oficial que afirmaba legalmente la multifuncionalidad del espacio rural, reconociendo la triple función que proporcionaba este espacio: “una función económica, una función ecológica y una función denominada «socio-cultural»”116, desde entonces, a la agricultura y a la silvicultura se le viene atribuyendo una triple funcionalidad: económica, ambiental y social117; esto es lo que se ha denominado multifuncionalidad o

116 No puede considerarse irrelevante que en este documento que estas tres funciones, aunque interdependiente entre sí, se encuentren en un cierto orden plasmadas: la economía, la ecología y la cultura. Lo cierto es que sin un mínimo de actividad económica, las zonas rurales no pueden proporcionar las otras dos funciones. 117 De forma consensuada, las funciones que se atribuyen a la Agricultura, son las que siguen: FUNCIÓN ECONÓMICA: producción de materias primas y alimentos y energía; Seguridad alimentaria; FUNCIÓN AMBIENTAL: soporte de hábitats; biodiversidad; protección frente a riesgos naturales; mantenimiento de paisajes antropizados; FUNCIÓN SOCIAL: soporte de actividades recreativas; marco del turismo rural; empleo: viabilidad áreas rurales; y protección de patrimonio cultural. Sobre la multifuncionalidad de la agricultura vid. CANTÓ LOPEZ, M. T.: «La protección voluntaria del ambiente agrario: de la subvención al contrato territorial de explotación», en La dimensión ambiental del territorio frente a los derechos patrimoniales (dir. Enric Argullol Murgadas), Valencia, 2004, págs. 31 y ss. y ARROYO YANES, L.M.: «El desarrollo sostenible…», cit., págs. 213 a 231.

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plurifuncionalidad118. En la agenda política, la multifuncionalidad atraviesa hoy gran parte del discurso político, utilizándose como En lo que se refiere a la multifuncionalidad de los espacios forestales, como ya se ha señalado en este trabajo, es digno señalarse que constituye la verdadera piedra angular de la nueva política forestal. Así queda reflejado en la normativa internacional, Comunitaria y de Derecho interno español. De tal modo, la Ley 43/2003, de 21 noviembre, Básica de montes, en su art. 3.b) señala entre los principios que inspiran la Ley: “El cumplimiento equilibrado de la multifuncionalidad de los montes en sus valores ambientales, económicos y sociales”. De tal forma que las múltiples funciones que cumplen los montes están presentes, como elemento nuclear, en la definición de monte contenida en el art. 5.1 de Ley Básica de Montes 43/2003. Al igual que lo hace la legislación forestal autonómica, la Ley Básica de Montes incorpora como criterio positivo en la definición del monte, las funciones o multifuncionalidad que cumplen los montes: “A los efectos de esta Ley, se entiende por monte todo terreno en el que vegetan especies forestales arbóreas, arbustivas, de matorral o herbáceas, sea espontáneamente o procedan de siembra o plantación, que cumplan o puedan cumplir funciones ecológicas, protectoras, productoras, paisajísticas o recreativas”. De igual forma, la multifuncionalidad o plurifuncionalidad también determina la clasificación y régimen de los montes. La finalidad actual del legislador tanto estatal como autonómico es asegurar la gestión sostenible de los montes con independencia de que sean de titularidad pública o privada, dado que se parte de que las finalidades ecológicas, económicas o sociales son predicables del recurso natural monte, y que el dato de la titularidad pública o privada, prima facie, no aporta nada a la multifuncionalidad del monte, que es el verdadero potencial que aporta el monte. Vid. RODRIGUEZ-CHAVES MIMBRERO, B.: «La normativa forestal…», cit., págs. 141-162. 118 La primera norma comunitaria que integró esta perspectiva de la multifuncionalidad referida a la agricultura y a la actividad forestal o silvicultura y que reconoce el valor económico de las externalidades positivas que genera dicha multifuncionalidad, es el Reglamento (CE) núm. 1257/1999, del Consejo, de 17 de mayo, sobre la ayuda al desarrollo rural a cargo del Fondo Europeo de Orientación y Garantía Agrícola (FEOGA), para el paquete financiero 2000-2006 de los Fondos Estructurales . Se puede decir que este Reglamento es la primera norma comunitaria que vincula el desarrollo rural a uno de los pilares de la PAC. Este Reglamento Comunitario 1257/1999, persigue una política de desarrollo rural que instaure un modelo integrado de desarrollo y logre, de esta manera, un nivel aceptable de bienestar en las zonas rurales, compatible con la conservación del medio ambiente. Las ayudas que prevé el Reglamento se conceden a determinadas medidas de desarrollo rural, entre las que se encuentran las llamadas Medidas Agroambientales, que persiguen la utilización de métodos de producción agropecuaria o forestal, que permitan proteger el medio ambiente. El instrumento establecido por el Reglamento (CE) núm. 1257/1999, para la concesión de dichas ayudas se denomina «compromiso ambiental». No ha de olvidarse que la silvicultura y la agricultura se complementan mutuamente como formas de utilización de la tierra y como fuentes de empleo en las zonas rurales. Además, la agricultura se aprovecha de la función clásica de los bosques (conservación de las tierras y del agua, protección contra el viento, etc.). Por otro lado, la integración de la silvicultura y de la agricultura permite a los agricultores diversificar sus actividades e ingresos en el contexto del desarrollo rural . Precisamente es esta función de la silvicultura la que más potenciada ha sido como medida de acompañamiento de la Política Agraria Común (PAC), sustituyendo los cultivos excedentarios por explotaciones forestales.

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argumento para defender el modelo agrícola europeo. Podría decirse que la noción de «multifuncionalidad» tiene hoy un efecto similar a la noción de «desarrollo sostenible»119. Por

todo

ello,

puede

afirmarse

que

en

la

actualidad,

la

multifuncionalidad ha traspasado el ámbito puramente teórico, para constituirse en el eje sobre el que giran las políticas rurales en Europa. La creación de empleo y riqueza en el medio rural queda vinculada ya En 1988 la Comisión redacta el documento denominado "Estrategia y Acción de la UE en el sector forestal”, que fue aprobado por el Parlamento, aunque con notables modificaciones. Este documento que tiene como objetivo fundamental: "indicar las orientaciones y las grandes líneas de la estrategia forestal a medio y largo plazo para la Comunidad". En dicho documento también se incluye el denominado "Programa de Acción Forestal" (inicialmente previsto para los años 89-92, y posteriormente prorrogado), en el que se prioriza como focos de atención de la Unión cinco áreas: la repoblación de tierras agrícolas; el desarrollo y valorización de los bosques en zonas rurales; un programa específico para el corcho; la protección del bosque y unas medidas de acompañamiento). A partir de este documento la Unión Europea aprobó un conjunto de normas (Reglamentos, Directivas y Decisiones sobre la materia), que en jerga comunitaria se ha llamado el "paquete forestal”, aunque se trataban de medidas de acompañamiento a la PAC. Estas normas son acciones comunitarias en el sector forestal tienen por objetivo contribuir a remediar la profunda crisis de la agricultura a través del fomento de acciones en los bosques que diversifican las actividades de las personas que trabajan en la agricultura, posibilitando de esta manera una mejor utilización de la mano de obra en la agricultura y creando alternativas de renta; al mismo tiempo que se contribuye a la conservación y mejora del suelo, la fauna, la flora y las aguas en general, y se favorece el desarrollo de los ecosistemas forestales favorables para la agricultura . Al comienzo de los años 1990 a raíz de dos documentos de la Comisión, en los que se diseñaba una nueva modificación de la PAC- introduciendo medidas conducentes a la reducción de las constantes pérdidas en el sector agrario (originadas por grandes déficits presupuestarios, la acumulación de excedentes de costoso mantenimiento y las pocas posibilidades en el exterior por las medidas que limitan la libre circulación de productos agrarios) -, se aprobaron nuevamente una serie de normas con incidencia en el sector forestal entre las que se encontraba otra vez la medida de la sustitución de cultivos excedentarios por explotaciones forestales, con lo que también se compensaba el déficit de madera y de productos forestales y se generan importantes beneficios para el medio ambiente. Se trata de una serie de medidas subvencionadas por la Unión Europea que responden a un programa de forestación y reforestación de tierras agrarias diseñado por el Consejo, con el que se tiende a la retirada de excedentes de producciones agrícolas mediante la repoblación forestal de los terrenos que ocupaban y el mantenimiento del arbolado. Así lo refleja explícitamente la introducción del Reglamento 2080/1992, establecido al efecto, al calificarlas de: “(...) medidas de acompañamiento para el sostén de los mercados agrícolas (...)”. Esta línea fue seguida por la Estrategia Forestal Europea para el 2000, aprobada por el Consejo el 15 de diciembre de 1998. El principal instrumento para aplicar la estrategia forestal en el ámbito comunitario ha sido la política de desarrollo rural, a través del Reglamento General sobre ayuda al desarrollo rural, núm. 1257/1999. 119 Vid. MOYANO ESTRADA, E.: «Multifuncionalidad…», cit., pág. 11.

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indisolublemente a la preservación del medio y al uso sostenible de los recursos naturales120. Se hace necesario ampliar el debate más allá de la multifuncionalidad de la agricultura o silvicultura, para abordar la multifuncionalidad del medio rural. En definitiva, es urgente configurar un nuevo modelo sostenible y cohesionado en la relación entre lo urbano y lo rural, y la base normativa para este cambio existe tanto en el Derecho Comunitario, como en el Derecho interno español, que establecen nuevos criterios de actuación para un desarrollo rural respetuoso y que favorezca la conservación y mejora del patrimonio cultural y natural. Pero ese modelo sostenible y cohesionado entre el mundo rural y el urbano pasa por una puesta el valor de los bienes y servicios ambientales que proporciona el mundo rural al urbano y la consiguiente compensación por ellos. No ha de olvidarse de que la agricultura, en sentido amplio, es la principal responsable del esplendor de los paisajes, ecosistemas y culturas, integradas en el entorno. Para lograr los objetivos señalados, puede resultar de gran utilidad aplicar los nuevos instrumentos de Pago por Servicios Ambientales, así 120

En el Reglamento 1698/2005, del Consejo, de 20 de septiembre, relativo a la ayuda al desarrollo rural a través del Fondo Europeo Agrícola de Desarrollo Rural (FEADER), se prevé unas directrices estratégicas de desarrollo rural para el periodo comprendido entre el 1 de enero de 2007 y el 31 de diciembre de 2013, fijando las prioridades del desarrollo rural en el territorio de la UE. Entre otras prioridades, según la Decisión del Consejo de 20 de febrero de 2006, se encuentra la mejora de la calidad de vida en las zonas rurales, el fomento de la diversificación de la economía rural y mejora del medio ambiente y del entorno natural. En ésta última prioridad se señalan tres ámbitos de actuación: la biodiversidad, la preservación y el desarrollo de los sistemas agrarios y forestales de gran valor medioambiental y los paisajes agrarios tradicionales. Dicha Decisión contempla, entre los medios para acometer esas prioridades, una serie de actuaciones básicas, entre las que cabe citar: 1.º Fomentar los servicios medioambientales y prácticas agropecuarias respetuosas con los animales que serán remuneradas por estar relacionadas con recursos importantes como el agua y el suelo; 2.º Proteger los paisajes rurales, contra la desertización y los incendios forestales, con buenas prácticas agropecuarias y silvícolas, que permitan preservar el paisaje y los hábitats que constituyen elementos importantes del patrimonio cultural y natural; 3.º Luchar contra el cambio climático: la aplicación de prácticas agrícolas y forestales adecuadas puede contribuir a la reducción de emisiones de gases de efecto invernadero y preservación del efecto de sumidero de carbono; 4.º Iniciativas económico-ambientales (por ejemplo, turismo rural y otras actividades recreativas) que den paso al crecimiento económico y a la creación de empleo.

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como lograr acuerdos publico-privados, entre otros, custodia

del

territorio,

como

complemento

a

orientados a la los

instrumentos

económico-financieros tradicionales. 4. Aplicación de sistemas PSA y de otros instrumentos que propicien la colaboración del sector privado en el ámbito rural. Para la preparación de la Cumbre Rio+20, la Comisión Europea aprobó la “Comunicación de la Comisión al Parlamento Europeo, al Consejo, al Comité Económico y Social Europeo y al Comité de las Regiones, Río+20: hacia la economía ecológica y la mejora de la gobernanza, de 20 de junio de 2011, donde se señala como uno de los objetivos principales «Invertir en la gestión sostenible de los recursos y el capital natural vitales», como el agua, la energía, el suelo, los bosques que constituyen la base de toda economía, y, en especial, de la economía ecológica. En este sentido se subraya que el uso sostenible del suelo y la agricultura sostenible serán uno de los pilares de la economía ecológica.

Asimismo,

se

considera

que

los

bosques

adquirirán

probablemente una importancia cada vez mayor en una economía ecológica. Pero este esfuerzo e inversión no sólo debe ser pública, sino que muy al contrario, es necesario que cristalice una alianza público-privada, para lograr suficientes fondos y poner en marcha una nueva economía más sostenible que cambie las prioridades económicas, sociales, políticas y culturales, y que, sobre todo, reconozca que los recursos son finitos. De este aspecto se ha tomado conciencia de forma muy particular en la Cumbre Rio+20. En esta Cumbre, muchos agentes sociales y económicos, al margen de los gobiernos de las naciones participantes, han querido tomar conciencia de todo ello y han puesto en marcha un movimiento

que

lo

han

denominado

Unión

Global

por

la

190

COMPENSAÇÃO ECOLÓGICA, SERVIÇOS AMBIENTAIS E PROTECÇÃO DA BIODIVERSIDADE

Sostenibilidad121. Se trata de una iniciativa internacional y de carácter multisectorial para aglutinar a todas aquellas personas, organizaciones y empresas que quieran avanzar voluntariamente en el desarrollo sostenible. La idea es muy sencilla: la persona o institución que quiera unirse a la Unión debe realizar de forma voluntaria una declaración pública asumiendo unos compromisos concretos y unos indicadores para medir su cumplimiento. Si alguien incumple los compromisos adquiridos pierde reputación, lo que significará perder valor en el mercado. Se trata de un verdadero sistema de autorregulación basado en la corresponsabilidad122. Dentro de esta corriente de autorregulación destacan las llamadas Corporaciones B123, que son empresas que tienen entre sus objetivos estatutarios dar respuesta a una necesidad social o ambiental, sin perder por ello su ánimo de lucro. En esta línea de actuación, podría favorecerse la aplicación de sistemas PSA. El PSA no es una panacea, sino que debe entenderse como una herramienta más, dentro de una política forestal, ambiental, Como precursora de este movimiento ha de nombrarse al movimiento de unión de la sociedad Red Nossa São Paulo, que nació en el año 2007. Este movimiento agrupa en la actualidad a más de 700 organizaciones sociales. Uno de sus logros ha sido la aprobación de un sistema para obligar a los políticos que ganan unas elecciones a presentar un Plan de Metas ya tener que evaluar su trabajo. Así se ha logrado modificar la Constitución de Sao Paulo, para obligar a los políticos a convertir sus promesas en un Plan de Metas que pueda ser evaluado. Mauricio Broinizi es el secretario ejecutivo de esta Red Nossa São Paulo. Existen movimientos ciudadanos parecidos en una treintena de ciudades de Brasil y en otra veintena de Latinoamérica. 122 En la «Cumbre paralela», que ha convivido con la Cumbre en la que los gobiernos de los países intervinientes han negociado, el mensaje que se ha repetido es el de que «la responsabilidad es de todos». No sólo de las naciones, sino también de toda la sociedad: de nuestras ciudades, de nuestras empresas, de nuestra organización, de nosotros mismos. Se pueden hacer ya muchas cosas para empezar a actuar de forma decidida: generar redes, asumir compromisos voluntarios, colaborar e intercambiar conocimientos y buenas prácticas... La sostenibilidad no es una carga, sino un camino a seguir. “No es una opción, sino una obligación”, así lo expresó Javier Maroto, el alcalde de Vitoria, la European Green Capital, en los distintos foros en los que ha intervenido en Rio +20. 123 Las «Corporaciones B», es una idea relativamente reciente. Se las denomina empresas de beneficios; en inglés, Benefit Corporation, de ahí la B. Son empresas que además de buscar la rentabilidad, deben trabajar para solucionar problemas sociales o ambientales. En algunos países ha surgido el término de «Business and Biodiversity», que busca combinar la estrategia empresarial y la lucha contra la pérdida de biodiversidad. Algunas compañías están empezando a tratar la biodiversidad de forma “proactiva en vez de reactiva”, lo que se traduce en una mejora de su imagen. 121

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rural y territorial integrada, pero una herramienta de especial utilidad, dada su gran capacidad de adaptación a realidades muy diferentes, los resultados valiosos demostrados en los lugares donde se han puesto en aplicación. Por supuesto, dentro de estos sistemas PSA, está tomado gran auge la formalización de contratos territoriales. Pero, de la misma manera podrían implementarse esquemas PSA en el Plan de Acción de las Agendas 21 Locales municipales124, como estrategias idóneas para el desarrollo municipal, en el marco de la ordenación territorial, con el fin, por ejemplo, de lograr una cohesión y equilibrio entre la demanda de los recursos naturales del mundo rural (en su mayoría por habitantes de las ciudades) y la conservación de ese patrimonio natural y cultural, fundamentalmente por los habitantes del mundo rural, involucrando a los usuarios —a los ciudadanos— a través de precios por los servicios ambientales y culturales. Aliviando, de esta manera, en parte, la presión sobre los poderes públicos para la conservación del patrimonio natural y cultural del mundo rural. En efecto, los PSA podrían ser un instrumento eficaz para solventar barreras financieras en la adopción de prácticas favorecedoras para la gestión sostenible de los recursos naturales.

124

Es una idea compartida en el ámbito Internacional y Comunitario, que uno de los principales instrumentos que se han demostrado más efectivos para afrontar el reto de gobernanza local sostenible es la Agenda Local 21. Es importante señalar que las determinaciones del contrato territorial de zona rural deben ser conformes con las disposiciones contenidas en los dos principales instrumentos planificadores en esta materia: el Programa de Desarrollo Rural Sostenible (estatal) y las Directrices Estratégicas Territoriales de Ordenación Rural (autonómicas), y sus principales finalidades y compromisos deben encontrarse previstos en los Planes de Zona Rural, aprobados por las Comunidades Autónomas, que hayan sido concertados entre éstas y la Administración General del Estado (Vid. art. 11.3 del Real Decreto 1336/2011, de 3 de octubre, por el que se regula el contrato territorial como instrumento para promover el desarrollo sostenible del medio rural). Por Real Decreto 752/2010, de 4 de junio, se aprobó el primer Programa de Desarrollo Rural Sostenible para el período 2010-2014. En dicho Reglamento ya se incluían los contratos territoriales de zona rural dentro de la tipología de acciones que las Comunidades Autónomas pueden incluir en sus planes de zona rural, y con el sistema de financiación incluidos en el propio Programa de Desarrollo Rural Sostenible, pero no se detenía en la regulación reglamentaria requerida por el art. 16 la Ley 45/2007.

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COMPENSAÇÃO ECOLÓGICA, SERVIÇOS AMBIENTAIS E PROTECÇÃO DA BIODIVERSIDADE

En todo caso, para asegurar el éxito de los mecanismos PSA es esencial la concienciación social, para que la sociedad vuelva su mirada al monte y a las zonas rurales como una parte esencial de su identidad colectiva, y como una “máquina de producción de valiosísimos

servicios

ambientales”,

sin

los

que

es

imposible

el

mantenimiento del bienestar general y la actividad económica. Para esa concienciación social, uno de los mejores mecanismos es incluir el valor de los servicios ambientales en las contabilidades nacionales. El sistema PSA es muy flexible, y permite tener por objeto tanto servicios ambientales generales, como la disminución de los riesgos naturales, así como las limitaciones de usos, producidas por la declaración de espacios protegidos, e incluso, los servicios ambientales que tienen una relación directa productor-beneficiario. Pero sería muy importante para la eficacia del sistema que se regulen de forma elegible los criterios que se van a tener en cuenta para PSA, por ejemplo que

se

señalen

como

actuaciones

susceptibles

de

PSA

el

mantenimiento y conservación de una charca en una finca agraria, la restauración de los márgenes de un arroyo, o la conservación y mejora de una cañada. En el caso de España, en lo que se refiere a los montes, dada la baja rentabilidad del monte mediterráneo, la implementación de sistemas PSA puede ser una muy buena solución, dado que los PSA funcionan bien cuando la mayoría de los servicios ambientales que genera el monte son externalidades y los servicios con valor de mercado no son suficientes para mantener el uso forestal. Y entre las externalidades objeto de PSA se encuentran de forma destacada el monte como sumidero de carbono125, y la regulación del ciclo hidrológico (mejora de la cantidad y calidad del agua). Éste último servicio forestal, quizás 125

Ha de tenerse en cuenta que las masas forestales mediterráneas tienen un tasa de fomento de carbono bajo, por lo que es importante es evitar las pérdidas de carbono fijado a lo largo de los años a través de los incendios forestales.

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puede ser el mejor candidato para comenzar a implementar estos Pagos por Servicio Ambiental, porque sus beneficios son muy fácil de percibir por los sujetos beneficiados. En todo caso debería evitarse que el PSA se convierta en un monocultivo forestal en la zona seleccionada. Para ello sería necesario propiciar la reactivación paralela de mercados clásicos que incentiven actividades

productivas

sostenibles

forestales

(ecoturismo,

comercialización de subproductos, «ecoetiquetas» de calidad,…), dinamizando la zona seleccionada y generando una economía diversificada alrededor del monte. El tamaño de la propiedad es un problema real de acceso a estos mecanismos, así se ha demostrado en otros países que llevan años aplicando sistemas PSA, por lo que habría que facilitar e incentivar mecanismos de asociación o “agregación” entre pequeños propietarios forestales. De no ser así el éxito del PSA puede estar en peligro ya que los pequeños propietarios no podrán afrontar los costes de transacción, convirtiéndose éstos en barreras de exclusión. En este punto, el papel de las asociaciones y las entidades de custodia puede ser muy importante. En lo que se refiere al pago, es un error considerar que el único pago posible es monetario. En diferentes casos han funcionado otros “pagos”, desde incentivos o exenciones fiscales, hasta ofrecer asistencia técnica especializada para una gestión forestal sostenible, así como la promoción de asociaciones de apoyo a propietarios, la financiación de planes de desarrollo comarcales, y apoyos a la comercialización de producción vinculada con el monte126. Un caso de compensaciones no monetarias, que quizá el legislador podría tener en cuenta, es permitir una construcción en terreno forestal a cambio de que el propietario se comprometa a gestionar activamente el predio para determinada 126

Estos pagos en especie están dando frutos, tanto en países desarrollados (EE.UU, UE), como en desarrollo (Colombia, Ecuador, Brasil).

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COMPENSAÇÃO ECOLÓGICA, SERVIÇOS AMBIENTAIS E PROTECÇÃO DA BIODIVERSIDADE

finalidad de servicio ambiental. En todo caso, ya sea en el ámbito forestal o en el ámbito agrario, estrictamente dicho, los «Pagos» por externalidades positivas, deben ir más allá del lucro cesante, pero se tiene que monitorizar para que en todo caso, pueda claramente percibirse la adicionalidad, es muy importante que lo que se compre sea real. Potenciales compradores de los servicios ambientales puede ser claramente sector turístico, pero también las empresas hidroeléctricas, los parques eólicos, las empresas embotelladoras de agua,

las

comunidades de regantes, entre otras. Hasta aquí, unos apuntes sobre un instrumento, que a buen seguro, irá cada vez tomando más calado económico, jurídico y social.

RESUMEN: El crecimiento sostenible tiene tres patas: económica, social y ambiental. Reorientar el actual modelo de desarrollo requiere la adopción de un sistema que integre de un modo equilibrado estas tres dimensiones económica, social y ambiental. Con este fin se están articulando determinados instrumentos económicos y jurídicos como el Pago por Servicios Ambientales, que representan una valoración de servicios que nos proporciona la naturaleza y que estaban fuera del mercado.

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Os princípios de Direito Ambiental e a compensação ambiental no Sistema Nacional de Unidades de Conservação (SNUC)

Lyssandro Norton Siqueira Doutorando em Teoria do Estado e Direito Constitucional pela PUC/RIO Mestre em Direito pela Faculdade Milton Campos Procurador do Estado de Minas Gerais [email protected]

I. Introdução; II. Os espaços protegidos; III. A compensação ambiental como instrumento para efetivação dos princípios do poluidor-pagador e do usuáriopagador; IV. A compensação ambiental; V. A compensação ambiental do SNUC: 1. Natureza jurídica; 2. Requisitos; 3. Cálculo do valor; 4. Aplicação da lei no tempo; 5. Problemas na implementação da compensação; VI. Conclusão

I. Introdução Este artigo tem por objetivo a divulgação de algumas reflexões jurídicas sobre a Compensação Ambiental no Sistema Nacional de Unidades de Conservação (SNUC) do Brasil, instituído pela Lei nº 9.985/00. O texto irá promover a identificação setorial de alguns conceitos jus ambientalistas e exposição das controvérsias jurídicas acerca da compensação ambiental, como relevante instrumento jurídico para a efetivação dos princípios do poluidor-pagador e do usuário-pagador. Ao final, serão expostas algumas conclusões articuladas sobre o instituto. II. Os espaços protegidos A Constituição da República do Brasil prevê, em seu art. 225, a obrigação do poder público de assegurar a proteção especial a determinados

espaços

territoriais,

como

forma

de

assegurar

a

efetividade do direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado: 196

COMPENSAÇÃO ECOLÓGICA, SERVIÇOS AMBIENTAIS E PROTECÇÃO DA BIODIVERSIDADE

Art. 225 §1º-Para assegurar a efetividade desse direito, incumbe ao Poder Público: [...] III - definir, em todas as unidades da Federação, espaços territoriais e seus componentes a serem especialmente protegidos, sendo a alteração e a supressão permitidas somente através de lei, vedada qualquer utilização que comprometa a integridade dos atributos que justifiquem sua proteção;

A expressão "espaços protegidos" tem distintos significados no direito ambiental brasileiro. São espaços protegidos, por exemplo, as áreas consideradas, pela nossa Constituição1, como Patrimônio Nacional: Floresta Amazônica; Mata Atlântica; Serra do mar; Pantanal MatoGrossense e Zona Costeira. Da mesma forma, a Área de Preservação Permanente e a Reserva Florestal Legal, previstas no Código Florestal, também são áreas protegidas. Em razão da especificidade do regime de proteção das áreas mencionadas, parece, entretanto, que o texto constitucional, no dispositivo mencionado, ao falar em espaços territoriais a serem especialmente protegidos, refere-se, especificamente, às unidades de conservação, em sentido estrito. As unidades de conservação foram sistematizadas no direito brasileiro pela Lei n. 9.985/00, que instituiu o Sistema Nacional de Unidades de Conservação - SNUC, não obstante a prévia existência de diversas unidades de conservação em território brasileiro, como, por exemplo, o Parque Nacional do Itatiaia, criado em 14 de junho de 1937, pelo Decreto nº 1.713, considerado o primeiro parque nacional do Brasil. O SNUC disciplina o regime jurídico para criação, manutenção, alteração e desafetação de unidades de conservação, dividindo-as em 2 grupos. As unidades de conservação de proteção integral têm por objetivo preservar a natureza, admitindo o uso indireto dos recursos naturais, revestindo as seguintes categorias: Estação Ecológica; Reserva Biológica; Parque Nacional; Monumento Natural; e Refúgio de Vida 1

Art. 225, § 4º, da Constituição da República de 1988.

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Silvestre. Já as unidades de conservação de uso sustentável tem por objetivo compatibilizar a conservação da natureza com o uso sustentável de parcela dos seus recursos naturais, dos quais se admite o uso direto, e detectam-se as seguintes categorias: Área de Proteção Ambiental; Área de Relevante Interesse Ecológico; Floresta Nacional; Reserva Extrativista; Reserva de Fauna; Reserva de Desenvolvimento Sustentável; e Reserva Particular do Patrimônio Natural. Trata-se de um sistema de extrema importância para a efetivação do direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, com a proteção de áreas previamente identificadas como ambientalmente relevantes. Tal relevância se reflete no rigor jurídico do tratamento dado à forma de alteração do regime protetivo. Uma vez criadas as unidades de conservação, a alteração de sua área ou a diminuição do regime protetivo somente se fará através de lei em sentido estrito, imposição esta prevista no próprio art. 225º da Constituição da República. A importância é ainda maior para o seleto grupo de unidades de conservação de proteção integral, em face da proibição de uso direto dos recursos naturais. Para a efetivação deste modelo de proteção integral, há, em regra, a necessidade de aquisição das áreas afetadas pelo Poder Público, por meio de desapropriação em face da utilidade pública dos imóveis. Apenas no Monumento Natural e no Refúgio para a Vida Silvestre há possibilidade de criação das unidades de conservação em área de propriedade privada, desde que seja compatível o exercício deste direito com a sua instalação e com o regime protetivo exigível ao caso. Todavia, a aquisição de propriedades particulares para que estas integrem o Sistema Nacional de Unidades de Conservação torna difícil a sua implementação, dado o alto valor, em regra, da propriedade imobiliária. Como se tal não bastasse, a manutenção destas unidades, especialmente as de proteção integral, se mostra igualmente muito onerosa pela complexa estrutura administrativa exigida para tanto. Tais dificuldades, por si só, já seriam suficientes para implementar o SNUC. 198

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A implementação do SNUC é, por isso, complexa e está longe de ser atingida. Em recente acórdão (20/11/2013), processo nº 034.496/2012-2, o Tribunal de Contas da União destacou a precaridade da atual situação das unidades de conservação localizadas na Amazônia. Nas palavras do Tribunal: “Assim, o TCU constatou que as UCs no bioma Amazônia não estão atingindo plenamente os resultados esperados, uma vez que há um baixo aproveitamento do potencial econômico, social e ambiental dessas áreas. Isso decorre principalmente de fragilidades na gestão que dificultam: o uso público; as concessões florestais; o fomento às atividades extrativistas; e as atividades de pesquisas e monitoramento. Além disso, a insuficiência dos recursos humanos e financeiros compromete a realização de atividades essenciais como fiscalização, proteção, pesquisa etc. Ainda em relação à avaliação dos insumos, foram constatadas a inexistência e a inadequação dos Planos de Manejo, principal instrumento de planejamento e gestão que regula o acesso e o uso dos recursos naturais naquela área. Somado a isso, o passivo identificado de regularização fundiária impacta diretamente na gestão das UCs, haja vista a indefinição quanto à posse e à propriedade dessas terras. Por fim, no Sistema Nacional de Unidades de Conservação da Natureza (Snuc) foram identificados problemas de articulação entre os atores envolvidos na gestão de UCs, decorrentes de uma insuficiente coordenação, da baixa cooperação e da frágil comunicação. Desse modo, tais gargalos acabam por expor ao risco o patrimônio público ambiental. Ademais, tendo em vista a carência de dados individualizados que demonstrassem a participação das UCs em dois processos relevantes: o desmatamento e o fluxo de carbono, o TCU elaborou outros produtos. O primeiro concluiu pela efetiva contribuição dessas áreas na redução do desmatamento no bioma Amazônia. Já o segundo, ao calcular a emissão ou remoção de CO2 para cada uma das 247 UCs avaliadas, obteve dados que demonstram o benefício trazido pelas UCs na redução da emissão de gases de efeito estufa”. Neste aresto, o Tribunal de Contas da União deliberou no sentido de impor obrigações básicas aos órgãos ambientais as quais, de tão básicas, parecem remeter para um longínquo passado, próximo à instituição do SNUC. A verdade é que se registou uma evolução bastante sensível, como o Tribunal ressaltou: “9.1. determinar ao Ministério do Meio Ambiente (MMA), com base no art. 250, II, do RI/TCU, que adote e comunique ao Tribunal 199

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de Contas da União, no prazo de até 180 (cento e oitenta) dias, as providências adotadas para o exercício da coordenação do Sistema Nacional de Unidades de Conservação da Natureza, em cumprimento ao art. 6º, II, da Lei 9.985/2000; 9.2. recomendar ao Ministério do Meio Ambiente (MMA), com base no art. 250, III, do RI/TCU, que: 9.2.1. conduza ações de articulação com os ministérios envolvidos nas políticas afetas aos territórios das unidades de conservação do bioma Amazônia, com o objetivo de fomentar atividades sustentáveis para a região, de forma a fornecer alternativas economicamente viáveis para os extrativistas residentes com vistas a atender o disposto no art. 18 da Lei 9.985/2000; 9.2.2. avalie a elaboração de uma estratégia nacional de monitoramento da biodiversidade, por meio do aprimoramento dos mecanismos de comunicação dos resultados socioambientais alcançados nas unidades de conservação, com o desenvolvimento de indicadores e outros instrumentos que demonstrem os avanços ocorridos nessas áreas, conforme prescreve o art. 4º, X da Lei 9.985/2000; 9.2.3. promova campanhas nacionais de comunicação com o objetivo de informar que alguns dos principais pontos turísticos brasileiros encontram-se em unidades de conservação, com vistas a buscar maior legitimidade para a criação e consolidação das unidades de conservação perante a sociedade, conscientizandoa da importância dessas áreas para a preservação do patrimônio natural; 9.2.4. implemente mecanismos que assegurem maior divulgação e troca de informações entre os atores que compõem o Sistema Nacional de Unidades de Conservação da Natureza, com vistas a possibilitar maior participação e controle da sociedade sobre a gestão das unidades de conservação; 9.3. recomendar ao Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), com base no art. 250, III, do RI/TCU, que: 9.3.1. dote as unidades de conservação federais de plano de manejo adequados à sua realidade visando o aproveitamento do potencial econômico, social e ambiental dessas áreas, conforme preceitua o art. 27 da Lei 9.985/2000; 9.3.2. estude, em conjunto com o Ministério do Turismo, formas de implementar projetos-piloto que busquem alternativas para o incremento da visitação, do turismo e da recreação nas unidades de conservação do bioma Amazônia, de forma a atender o exposto no art. 4º, XII, da Lei 9.985/2000; 9.3.3. promova ações de articulação institucional para aprimorar a infraestrutura de apoio à pesquisa a fim de incrementar o número de pesquisas realizadas na Amazônia, em atenção ao art. 32 da Lei 9.985/2000;

200

COMPENSAÇÃO ECOLÓGICA, SERVIÇOS AMBIENTAIS E PROTECÇÃO DA BIODIVERSIDADE

9.3.4. realize levantamento de informações a respeito da situação fundiária nas unidades de conservação federais a fim de subsidiar o planejamento das ações de regularização fundiária, de forma a atender o exposto nos artigos 9º, 10, 11, 17 e 18 da Lei 9.985/2000; 9.3.5. aperfeiçoe seu macroprocesso de negócios a fim de incrementar as oportunidades de captação de recursos para o fortalecimento do Sistema Nacional de Unidades de Conservação da Natureza; 9.3.6. defina mecanismos e diretrizes para o estabelecimento formal de parcerias junto aos atores envolvidos na gestão das unidades de conservação federais localizadas no bioma Amazônia, de forma a minimizar a escassez de recursos financeiros e humanos. 9.4. determinar ao Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), nos termos do art. 250, II, do RI/TCU, que apresente, no prazo de 180 (cento e oitenta) dias, plano de ação, com base em seu plano estratégico e que contemple as recomendações constantes do item 9.3, com a finalidade de reduzir as carências de recursos financeiros e de pessoal, levando em consideração a possibilidade do uso de recursos tecnológicos já disponíveis em atividades como a de fiscalização”. Já no acórdão nº 1.853/2013, prolatado em 17 de Julho de 2013, no processo nº 014.292/2012-9, o Plenário do Tribunal de Contas da União destacou os graves problemas orçamentários para a gestão das unidades de conservação, com a absurda constatação referente ao exercício de 2009, em que as unidades de conservação federais receberam apenas R$ 913.000,00, quando seriam necessários R$ 543.200.000,00, para a administração e, ainda, R$ 611.000.000,00 em investimentos em infraestrutura e planejamento. O Tribunal ressaltou que: “O Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade tem sob sua gestão 312 unidades de conservação, totalizando cerca de 75 milhões de hectares, conforme Tabela 2 - Unidades de Conservação Federais do Brasil2, o que representa cerca de 9% de todo o território brasileiro.

2

Fonte: ICMBio. Disponível em

www.icmbio.gov.br/portal/comunicacao/dowloads.html> Acesso em: 11 de março de 2013.

201

INSTITUTO DE CIÊNCIAS JURÍDICO-POLÍTICAS UNIDADES DE CONSERVAÇÃO FEDERAIS DO BRASIL Unidade Categoria de: Esec - Estação Ecológica

Quantidade 31

MN - Monumento Natural - MN Proteção Parna - Parque Nacional Integral - PI Rebio - Reserva Biológica

3

Revis - Refúgio da Vida Silvestre

7

Total PI Uso Sustentável APA - Área de Proteção Ambiental – US Arie - Área de Relevante Interesse Ecológico

Total em hectares 6.808.789,68 44.285,66

68

25.245.112,68

30

3.905.134,29 201.840,79

139

36.205.163,10

32

10.004.166,54

16

44.828,47

Flona - Floresta Nacional

65

16.411.750,94

RDS - Reserva de Desenvolvimento Sustentável

1

Reserx - Reserva Extrativista

59

12.338.475,95

Total US

173

38.863.663,19

Total geral de Unidades

312

75.068.826,29

64.441,29

A maior parte das UCs está localizadas no bioma Amazônia (26,2%), seguidos da Mata Atlântica (8,9%), Cerrado (8,2%), Caatinga (7,4%), Pantanal (4,6%) e Pampa (2,7%). 1,5% da UCs estão localizadas em área marinha. Com relação à Meta 11 de Aichi, observou-se que, exceto na Amazônia, há grande déficit de UCs para o alcance da meta acordada, que busca a proteção de 17% de áreas terrestres e de águas continentais e 10% de áreas marinhas e costeiras. Essa meta de proteção será particularmente desafiadora na Mata Atlântica, onde as áreas extensas de ecossistemas remanescentes são raras (WEIGAND Jr.). Além disso, estudo realizado pelo MMA, em setembro de 2009, ‘Pilares para a sustentabilidade financeira do Snuc’, apontou que para o pleno funcionamento das UCs federais os custos correntes anuais seriam da ordem de R$ 543.200.000,00 e, ainda, de R$ 611.000.000,00 em investimentos em infraestrutura e planejamento. No mesmo exercício as UCs federais receberam cerca de R$ 913.000,00, para fazer frente às despesas de capital, de acordo com informações prestadas pelo ICMBio. O que se observou, no decorrer dos trabalhos de auditoria, é que o aporte orçamentário para investimentos nessas unidades tem sido muito aquém das reais necessidades. Por essa razão, se reveste de extrema importância o instituto da compensação ambiental como fonte de recursos subsidiária para fazer frente às demandas das Ucs”.

202

COMPENSAÇÃO ECOLÓGICA, SERVIÇOS AMBIENTAIS E PROTECÇÃO DA BIODIVERSIDADE

Na

tentativa

de

amenizar

os

obstáculos

orçamentários

à

implementação do SNUC, a Lei nº 9.985/00 tentou viabilizar a criação e manutenção das unidades de conservação de proteção integral por meio da instituição da compensação ambiental, instrumento de concretização dos princípios do usuário-pagador e do poluidorpagador.

III. A compensação ambiental como instrumento para efetivação dos princípios do poluidor-pagador e do usuário-pagador Ainda que o principal objetivo do Direito Ambiental seja o controle preventivo de danos ou impactos ambientais, por meio da aplicação dos princípios da prevenção e da precaução, merecedores de maior destaque na doutrina, há uma grande preocupação com a ideia de compensação ou reparação ambiental, acarretando ônus pecuniários aos empreendimentos que possam, potencialmente, causar danos ou impactos ambientais. Entre os princípios de Direito Ambiental, voltados para esta questão, estão os princípios do poluidor-pagador e do usuário-pagador. Esses dois distintos princípios, eventualmente vistos como idênticos, devem ser examinados em conjunto com o princípio da reparação (ou da responsabilidade), com o qual não se confundem. Vejamos porquê. Os três destinam-se à internalização das externalidades ambientais negativas, expressão assim conceituada por Ronaldo Seroa da Motta 3: As externalidades estão presentes sempre que terceiros ganham sem pagar por seus benefícios marginais ou perdem sem serem compensados por suportarem o malefício adicional. Assim, na presença de externalidades, os cálculos privados de custos ou benefícios diferem dos custos ou benefícios da sociedade.

MOTTA, Ronaldo Seroa da, Economia ambiental, Rio de Janeiro: Editora FGV, 2006, p. 182. 3

203

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A preocupação com a internalização dos aspectos negativos das atividades empreendedoras foi prevista expressamente na Declaração do Rio de Janeiro, de 1992, em seu princípio 16: “As autoridades nacionais devem procurar promover a internacionalização dos custos ambientais e o uso de instrumentos econômicos, tendo em vista a abordagem segundo a qual o poluidor deve, em princípio, arcar com o custo da poluição, com a devida atenção ao interesse público e sem provocar distorções no comércio e nos investimentos internacionais”. Os princípios do usuário-pagador e do poluidor-pagador têm um eixo comum: aplicam-se ao impacto ambiental, atividade poluente lícita em conformidade com o ordenamento jurídico, o qual difere do dano ambiental, atividade ilícita e contrária ao direito. A atividade ilícita, aqui identificada como dano ambiental, vai atrair a aplicação do terceiro, e distinto, princípio da reparação, ou responsabilidade civil. Parece clara, portanto, a tríplice distinção. Não fosse assim, não faria qualquer sentido o seu desenvolvimento, no âmbito do Direito Ambiental, para a solução de questões já encampadas pela teoria geral

da

responsabilidade

civil.

Cumpre

sublinhar

que

a

responsabilidade civil é um dos institutos jurídicos mais antigos e desenvolvidos do Direito. A responsabilidade civil ambiental tem contornos muito peculiares e, justamente por isso, com plenas condições de solucionar as questões relativas à reparação ambiental. Com efeito, o sistema geral de responsabilidade civil no Brasil é, desde o Código Civil de 1916, subjetivo, exigindo-se, para a responsabilização, a demonstração do ato antijurídico culposo, do dano e do nexo de causalidade. Com o advento da Lei nº 6938/81, que instituiu a Política Nacional do Meio Ambiente, ficou consagrada também

a

responsabilidade

civil

ambiental

objetiva,

ou

seja,

dispensada a investigação da culpabilidade. Assim, a responsabilização do agente assenta na prova do ato antijurídico, do dano e do nexo de causalidade. Destaque-se o disposto no art. 14, § 1º, da citada lei: 204

COMPENSAÇÃO ECOLÓGICA, SERVIÇOS AMBIENTAIS E PROTECÇÃO DA BIODIVERSIDADE

“Sem obstar a aplicação das penalidades previstas neste artigo, é o poluidor obrigado, independentemente da existência de culpa, a indenizar ou reparar os danos causados ao meio ambiente e a terceiros, afetados por sua atividade. O Ministério Público da União e dos Estados terá legitimidade para propor ação de responsabilidade civil e criminal, por danos causados ao meio ambiente. A responsabilidade ambiental cível é seguramente um dos temas sobre o qual mais se debate em Direito Ambiental, com vasta produção doutrinária e diversas manifestações de nossos tribunais, especialmente do Superior Tribunal de Justiça, cuja amostra se dá abaixo: “ADMINISTRATIVO. DANO AMBIENTAL. SANÇÃO ADMINISTRATIVA. IMPOSIÇÃO DE MULTA. EXECUÇÃO FISCAL. [...] 3. O poluidor, por seu turno, com base na mesma legislação, art. 14 - "sem obstar a aplicação das penalidades administrativas" é obrigado, "independentemente da existência de culpa", a indenizar ou reparar os danos causados ao meio ambiente e a terceiros, "afetados por sua atividade". 4. Depreende-se do texto legal a sua responsabilidade pelo risco integral, por isso que em demanda infensa a administração, poderá, inter partes, discutir a culpa e o regresso pelo evento (STJ – Resp nº 442.586 – SP – 24/02/2003); PROCESSUAL CIVIL E AMBIENTAL – AÇÃO CIVIL PÚBLICA – DANO AMBIENTAL – CONSTRUÇÃO DE HIDRELÉTRICA – RESPONSABILIDADE OBJETIVA E SOLIDÁRIA – ARTS. 3º, INC. IV, E 14, § 1º, DA LEI 6.398/1981 – IRRETROATIVIDADE DA LEI – PREQUESTIONAMENTO AUSENTE: SÚMULA 282/STF – PRESCRIÇÃO – DEFICIÊNCIA NA FUNDAMENTAÇÃO: SÚMULA 284/STF – INADMISSIBILIDADE. 1. A responsabilidade por danos ambientais é objetiva e, como tal, não exige a comprovação de culpa, bastando a constatação do dano e do nexo de causalidade. 2. Excetuam-se à regra, dispensando a prova do nexo de causalidade, a responsabilidade de adquirente de imóvel já danificado porque, independentemente de ter sido ele ou o dono anterior o real causador dos estragos, imputa-se ao novo proprietário a responsabilidade pelos danos. Precedentes do STJ. 3. A solidariedade nessa hipótese decorre da dicção dos arts. 3º, inc. IV, e 14, § 1º, da Lei 6.398/1981 (Lei da Política Nacional do Meio Ambiente). 205

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4. Se possível identificar o real causador do desastre ambiental, a ele cabe a responsabilidade de reparar o dano, ainda que solidariamente com o atual proprietário do imóvel danificado (STJ – Resp nº 1.056.040-GO – DJ 14/09/2009)”. A responsabilização civil, pressupõe, portanto, a existência do dano, do nexo de causalidade entre esse dano e a conduta do agente, independentemente da sua culpabilidade, e ainda que esta conduta deva ser reprovável pelo direito ― o denominado ato ilícito. Os princípios do usuário-pagador e do poluidor-pagador ocupam-se, justamente, da poluição não contemplada pela responsabilidade, ou seja, da reparação, ou indenização, pela poluição lícita. Tanto o usuário dos recursos naturais quanto o poluidor, exercendo atividades regulares, deverão reparar seus impactos ambientais. Esses dois princípios tem na compensação ambiental o seu paradigma por excelência. IV. A compensação ambiental A expressão “compensação ambiental” encontra distintos usos no âmbito do Direito Ambiental. No Código Florestal (Lei nº 12.651/12), encontra-se prevista a compensação ambiental da Reserva Legal de imóveis, no art. 13º, I: “Quando indicado pelo Zoneamento Ecológico-Econômico - ZEE estadual, realizado segundo metodologia unificada, o poder público federal poderá: I - reduzir, exclusivamente para fins de regularização, mediante recomposição, regeneração ou compensação da Reserva Legal de imóveis com área rural consolidada, situados em área de floresta localizada na Amazônia Legal, para até 50% (cinquenta por cento) da propriedade, excluídas as áreas prioritárias para conservação da biodiversidade e dos recursos hídricos e os corredores ecológicos”. Já na Lei nº 11.428/2006, que dispõe sobre a utilização e proteção da vegetação nativa do Bioma Mata Atlântica, a expressão compensação ambiental tem outra aplicação, conforme se extrai do disposto no art. 17º: 206

COMPENSAÇÃO ECOLÓGICA, SERVIÇOS AMBIENTAIS E PROTECÇÃO DA BIODIVERSIDADE

“O corte ou a supressão de vegetação primária ou secundária nos estágios médio ou avançado de regeneração do Bioma Mata Atlântica, autorizados por esta Lei, ficam condicionados à compensação ambiental, na forma da destinação de área equivalente à extensão da área desmatada, com as mesmas características ecológicas, na mesma bacia hidrográfica, sempre que possível na mesma microbacia hidrográfica, e, nos casos previstos nos arts. 30 e 31, ambos desta Lei, em áreas localizadas no mesmo Município ou região metropolitana”. Neste trabalho, entretanto, pretende-se tratar da compensação ambiental prevista no art. 36º da Lei nº 9.985/00, exigível nos casos de licenciamento ambiental de empreendimentos de significativo impacto ambiental, assim considerado pelo órgão ambiental competente, com fundamento em estudo de impacto ambiental e respectivo relatório EIA/RIMA, que obriga o empreendedor a apoiar a implantação e manutenção de unidade de conservação do Grupo de Proteção Integral. V. A compensação ambiental do SNUC 1. Natureza jurídica A compensação

ambiental

prevista

na Lei



9.985/00 ―

ou

"compensação ambiental do SNUC", assim denominada na prática jurídico ambiental ―, está diretamente relacionada ao licenciamento ambiental. Trata-se, com efeito, de mecanismo de compensação de impactos ambientais causados por atividade empreendedora através da arrecadação de recursos que viabilizarão, em última análise, o SNUC, mais especialmente o grupo de unidades de conservação de proteção integral. Revela-se importante, mais uma vez, diferenciar os danos ambientais decorrentes de atos antijurídicos, aos quais se aplica a responsabilidade ambiental civil objetiva, prevista expressamente no art. 14º da Lei nº 6.938/81 (sem prejuízo da responsabilidade ambiental administrativa e penal),

dos

impactos

ambientais

decorrentes

de

atividades 207

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empreendedoras praticadas em absoluta regularidade (atos lícitos), para os quais será determinada, pelos órgãos licenciadores, a adoção pelo empreendedor de medidas mitigatórias e compensatórias. Destaque-se, quanto a esta necessária distinção, a lição de Carla Amado Gomes4: “A razão que nos leva a assinalar este ponto prende-se com a diferença que queremos aqui iluminar entre a compensação de um dano no âmbito do RPRDE - um dano efectivo, decorrente de um evento indesejado pelo operador, embora resultante da sua actividade econômica - e o dano, actualmente previsível e decorrente de uma intervenção desejada pelo seu autor, subjacente ao regime previsto no RJRN, bem como ao regime jurídico de conservação da Natureza e da biodiversidade, estruturado no DL 142/2008, de 24 de Julho (=RCNB). Referimo-nos às medidas compensatórias nomeadas nos artigos 10º/12 do RJRN e 36º do RCNB, que são desenhadas em função de um dano à biodiversidade - espécies e habitats protegidos - ainda não verificado, embora inevitável, em razão da intervenção programada”. Mesmo com a adoção de medidas visando a redução dos impactos ou

a

sua

compensação

por

meio

de

ações

por

parte

do

empreendedor, subsistem, no curso do licenciamento ambiental, impactos residuais. São estes impactos que deverão ser objeto de prévia compensação ambiental do SNUC. O tema foi enfrentado no julgamento da ADI 3378, em que o Supremo Tribunal Federal discutia a constitucionalidade do art. 36 da Lei nº 9985/00, quando foi afastada a natureza tributária da compensação ambiental, afirmando-se, em contrapartida, a sua natureza reparatória. Naquela oportunidade, o Ministro Marco Aurélio, em voto divergente, via como inconstitucional a "criação de verba indenizatória sem a verificação do dano": “Em síntese, há imposição de desembolso para obter-se a licença, sem mesmo saber-se a extensão de danos causados (ADI 3378 – FLS. 259)”.

GOMES, Carla Amado, Introdução ao Direito do Ambiente, Lisboa: AAFDL, 2012, p. 185. 4

208

COMPENSAÇÃO ECOLÓGICA, SERVIÇOS AMBIENTAIS E PROTECÇÃO DA BIODIVERSIDADE

Ocorre, todavia, que, no âmbito da compensação ambiental do SNUC, o impacto é certo, apenas não tendo se consumado ainda. Conforme disposto no art. 36 da Lei nº 9.985/00, a compensação ambiental tem por objeto impactos significativos apurados por meio do estudo prévio de impacto ambiental. O estudo de impacto ambiental, de acordo com o artigo 5º da Resolução CONAMA nº 01/86, deverá contemplar todas as alternativas tecnológicas e de localização do projeto, confrontando-as com a hipótese

de

não

execução

do

projeto;

identificar

e

avaliar

sistematicamente os impactos ambientais gerados nas fases de implantação e operação da atividade; definir os limites da área geográfica a ser direta ou indiretamente afetada pelos impactos, denominada área de influência do projeto, considerando, em todos os casos, a bacia hidrográfica na qual se localiza; considerar os planos e programas governamentais, propostos e em implantação na área de influência do projeto, e sua compatibilidade. Tais diretrizes visam a prévia identificação de todos os possíveis impactos de empreendimentos ou atividades ao meio ambiente, verificando a sua tolerabilidade e já informando as medidas mitigatórias e compensatórias adequadas, consagrando, assim, o princípio da prevenção. Não se obtendo segurança quanto aos efeitos do empreendimento a ser licenciado, o EIA autorizará a conclusão pela inviabilidade de seu licenciamento, o que implica na materialização do princípio da precaução. Não procede, portanto, a afirmação quanto à incerteza dos impactos ambientais. Cumpre destacar, mais uma vez, a lição de Carla Amado Gomes5: Na compensação ambiental ex ante, em contrapartida, o dano não se consumou ainda, mas o plano da intervenção projectada permite aferir a sua inevitabilidade e estimar a sua intensidade. O futuro lesante vê-se, portanto, obrigado a compensar na medida do dano que virá a produzir, uma vez que a reconstituição natural GOMES, Carla Amado, Introdução ao Direito do Ambiente, Lisboa: AAFDL, 2012, p. 186. 5

209

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fica, por definição, afastada. Se é certo que a fixação das medidas compensatórias constitui cláusula modal do acto autorizativo, também é verdade que a sua implementação será preferencialmente contemporânea da verificação do dano. Correto, assim, se mostrou o acórdão, ao rejeitar a tese da inconstitucionalidade, pois se trata, em verdade, de indenização (compensação)

por

impactos

ambientais

certos,

que

foram

identificados pelo próprio empreendedor quando da confecção do EIA/RIMA: AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. ART. 36 E SEUS §§ 1º, 2º E 3º DA LEI Nº 9.985, DE 18 DE JULHO DE 2000. CONSTITUCIONALIDADE DA COMPENSAÇÃO DEVIDA PELA IMPLANTAÇÃO DE EMPREENDIMENTOS DE SIGNIFICATIVO IMPACTO AMBIENTAL. INCONSTITUCIONALIDADE PARCIAL DO § 1º DO ART. 36. 1. O compartilhamento-compensação ambiental de que trata o art. 36 da Lei nº 9.985/2000 não ofende o princípio da legalidade, dado haver sido a própria lei que previu o modo de financiamento dos gastos com as unidades de conservação da natureza. De igual forma, não há violação ao princípio da separação dos Poderes, por não se tratar de delegação do Poder Legislativo para o Executivo impor deveres aos administrados. 2. Compete ao órgão licenciador fixar o quantum da compensação, de acordo com a compostura do impacto ambiental a ser dimensionado no relatório - EIA/RIMA. 3. O art. 36 da Lei nº 9.985/2000 densifica o princípio usuário-pagador, este a significar um mecanismo de assunção partilhada da responsabilidade social pelos custos ambientais derivados da atividade econômica. 4. Inexistente desrespeito ao postulado da razoabilidade. Compensação ambiental que se revela como instrumento adequado à defesa e preservação do meio ambiente para as presentes e futuras gerações, não havendo outro meio eficaz para atingir essa finalidade constitucional. Medida amplamente compensada pelos benefícios que sempre resultam de um meio ambiente ecologicamente garantido em sua higidez. 5. Inconstitucionalidade da expressão "não pode ser inferior a meio por cento dos custos totais previstos para a implantação do empreendimento", no § 1º do art. 36 da Lei nº 9.985/2000. O valor da compensação-compartilhamento é de ser fixado proporcionalmente ao impacto ambiental, após estudo em que se assegurem o contraditório e a ampla defesa. Prescindibilidade da fixação de percentual sobre os custos do empreendimento. 6. 210

COMPENSAÇÃO ECOLÓGICA, SERVIÇOS AMBIENTAIS E PROTECÇÃO DA BIODIVERSIDADE

Ação parcialmente procedente (STF - ADI 3378 - Rel. Ministro Ayres Britto - DJ 09/04/2008)”. Tratando-se claramente de compensação de impactos ambientais decorrentes

de

atos

lícitos,

extrai-se

a

natureza

jurídica

da

compensação ambiental do SNUC como reparação prévia de impactos ambientais futuros e certos. 2. Requisitos A compensação ambiental do SNUC somente incidirá sobre atividade geradora de significativo impacto ambiental, que deverá ser apurado através de Estudo de Impacto Ambiental e respectivo relatório EIA/RIMA. Conclui-se, pois, que o EIA/RIMA é instrumento essencial para a apuração dos impactos ambientais significativos. Como forma de nortear a atuação dos órgãos ambientais, o CONAMA, por meio da Resolução



01/86,

elencou

atividades

para

as

quais

seria

obrigatoriamente exigido o EIA/RIMA. O referido rol exemplificativo goza, portanto, de presunção absoluta quanto ao significativo impacto ambiental. Merece registo o fato de que a dispensa indevida de realização do EIA/RIMA não dispensar o empreendedor automaticamente do ônus de contribuir com a compensação ambiental, quando se tratar de significativos impactos ambientais. Nos casos em que, posteriormente à dispensa inicial do EIA/RIMA, se identificar a potencialidade de significativos impactos, devem ser revistos os atos administrativos para exigir-se, corretamente, a devida licença, com EIA/RIMA, viabilizando o cálculo da compensação ambiental. Incongruente seria se o órgão ambiental dispensasse a elaboração do referido estudo, como forma de facilitação do licenciamento, e pretendesse a cobrança da compensação ambiental, sem a retificação de seus atos anteriores.

211

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3. Cálculo do valor Tendo por referência, ainda, o julgamento da ADI 3378, destaque-se que o STF, não obstante afastar a tese da inconstitucionalidade da compensação

ambiental,

entendeu

inconstitucional

parte

do

parágrafo primeiro, no que se refere à base de cálculo do valor devido a título de compensação ambiental. Em sua redação original, o art. 36, § 1º, da Lei nº 9.985/00 estipulava que o montante de recursos a ser destinado pelo empreendedor a esta finalidade não poderia ser inferior a meio por cento dos custos totais previstos para a implantação do empreendimento, sendo o percentual fixado, pelo órgão ambiental licenciador, de acordo com o grau de impacto ambiental causado pelo empreendimento (grifos nossos). Ora, como se trata de compensação de impactos ambientais, a imposição de limite mínimo de valores indexado aos custos do empreendimento se mostrava, no mínimo, desarrazoada, justificando-se a decisão. Além disso, vários órgãos ambientais acabavam por aplicar o piso também como teto, gerando situação de extremo desequilíbrio com os impactos efetivamente causados. Após o julgamento da ADI 3378, a redação do art. 36, § 1º, passou a ser a seguinte: o montante de recursos a ser destinado pelo empreendedor para esta finalidade será fixado pelo órgão ambiental licenciador, de acordo com o grau de impacto ambiental causado pelo empreendimento. Sem a imposição legal de um piso de valor, mostrou-se necessária nova regulamentação do dispositivo. Assim, o cálculo do valor da compensação ambiental passou a ser regulado com o novo texto do Decreto Federal nº 4.340/02 (alterado pelo Decreto nº 6.848/09) que, em seu art. 31-A, prevê complexa fórmula pela qual se chegará ao valor devido pela compensação ambiental. A norma dispõe como segue: “ O Valor da Compensação Ambiental - CA será calculado pelo produto do Grau de Impacto - GI com o Valor de Referência - VR, 212

COMPENSAÇÃO ECOLÓGICA, SERVIÇOS AMBIENTAIS E PROTECÇÃO DA BIODIVERSIDADE

de acordo com a fórmula a seguir: (Incluído pelo Decreto nº 6.848, de 2009) CA = VR x GI, onde: (Incluído pelo Decreto nº 6.848, de 2009) CA = Valor da Compensação Ambiental; (Incluído pelo Decreto nº 6.848, de 2009) VR = somatório dos investimentos necessários para implantação do empreendimento, não incluídos os investimentos referentes aos planos, projetos e programas exigidos no procedimento de licenciamento ambiental para mitigação de impactos causados pelo empreendimento, bem como os encargos e custos incidentes sobre o financiamento do empreendimento, inclusive os relativos às garantias, e os custos com apólices e prêmios de seguros pessoais e reais; e (Incluído pelo Decreto nº 6.848, de 2009) GI = Grau de Impacto nos ecossistemas, podendo atingir valores de 0 a 0,5%. (Incluído pelo Decreto nº 6.848, de 2009) Deve se registar, ainda, que o cálculo da compensação ambiental deverá contemplar as medidas de investimento ambientais realizadas em patamar superior às legalmente exigíveis, deduzindo os respectivos valores. A complexidade da fórmula exige da administração pública brasileira a qualificação de seus quadros para uma correta apuração dos impactos ambientais e respectivos valores, evitando-se situações de desequilíbrio, seja banalizando o valor de impactos ambientais relevantes, seja exigindo valores extorsivos em contrapartida de impactos irrelevantes. 4. Aplicação da lei no tempo Outro

relevante

ponto

de

destaque,

quanto

ao

exame

da

compensação ambiental, diz respeito à aplicação da lei, e por consequência do instituto jurídico, no tempo. Considerando que a obrigação legal surge apenas em 18 de julho de 2.000, data de publicação da Lei nº 9.985/00, que cria o instituto jurídico, parece

razoável

que,

para

os

empreendimentos

regularmente

instalados antes da obrigatoriedade da compensação ambiental, seja

213

INSTITUTO DE CIÊNCIAS JURÍDICO-POLÍTICAS

a mesma exigida apenas na ampliação, modificação e renovação da licença de operação. Há uma outra situação que deve ser examinada: empreendimentos instalados antes da vigência da lei, que não se encontravam licenciados. No caso destes empreendimentos, para que continuem operando,

deverão

ser

submetidos

ao

licenciamento

corretivo,

pagando a compensação ambiental por todos os impactos gerados a partir de 18 de julho de 2.000. Merece destaque, ainda, o exame da incidência da compensação ambiental nas renovações das licenças ambientais. Confirmando-se a natureza jurídica da compensação, como reparatória de impactos, parece claro que o instituto aplica-se não só aos impactos decorrentes da instalação do empreendimento, como também àqueles decorrentes de sua operação. Pois bem, cobrada a compensação ambiental, de forma prévia, durante o primeiro licenciamento do empreendimento, a reparação somente terá por objeto os impactos da instalação e aqueles advindos do período de validade da primeira licença de operação. Isto porque não se tem certeza quanto à renovação, ou não, da respectiva licença de operação. Dispensar a compensação ambiental das sucessivas renovações

da

licença

de

operação

seria

banalizar

impactos

decorrentes da operação do empreendimento. Por outro lado, a cobrança, durante o primeiro licenciamento de operação,

de

compensação

ambiental,

considerando

toda

a

expectativa de vida útil do empreendimento, consubstanciaria uma verdadeira contrariedade à natureza do instituto, pois não há certeza quanto a estes impactos. Conclui-se, pois, pela exigibilidade da compensação ambiental na renovação da licença de operação.

214

COMPENSAÇÃO ECOLÓGICA, SERVIÇOS AMBIENTAIS E PROTECÇÃO DA BIODIVERSIDADE

5. Problemas na implementação da compensação A relevância da compensação ambiental para o SNUC não impede, entretanto,

que

o

instituto

tenha

sérios

problemas

para

sua

implementação. O Plenário Tribunal de Contas da União, no acórdão nº 1.853/2013, prolatado no processo nº 014.292/2012-9, determinou a adoção de uma série de medidas pelos órgãos ambientais federais, como forma se efetivar a compensação ambiental: “9.1.1. ao Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade que: 9.1.1.1. se abstenha de autorizar os empreendedores a cumprirem a obrigação de apoiar a implantação e manutenção de unidade de conservação estabelecida no art. 36 da Lei 9.985/2000 mediante depósito do valor da compensação ambiental em contas escriturais abertas na Caixa Econômica Federal em nome do empreendimento, conforme previsto na parte final do caput e no § 2º do art. 11 da Instrução Normativa ICMBio 20, de 22 de novembro de 2011, ante a inexistência de previsão de tal procedimento na referida lei e no decreto que a regulamenta; 9.1.1.2. conclua, se ainda existirem pendências, os inventários dos bens móveis e imóveis adquiridos com recursos da compensação ambiental e os incorpore a seu patrimônio, conforme disposto nos artigos 83, 85, 87 e 89 da Lei 4.320/1964, no art. 6° da Resolução CFC 1.111/2007 e na Portaria STN/MF 437/2012; 9.1.2. ao Ministério do Meio Ambiente e ao Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade, com relação ao saldo existente nas contas escriturais de compensação ambiental na Caixa Econômica Federal, que adotem, no prazo de 120 (cento e vinte dias), as providências necessárias à incorporação desses valores à Conta Única e ao orçamento fiscal da União e à correspondente aplicação nas finalidades a que se vinculam, com estrita observância da legislação orçamentária e financeira pertinente; 9.1.3. ao Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis que, no prazo de 90 (noventa) dias, apresente plano de ação para, em espaço de tempo razoável, identificar os empreendimentos sujeitos à compensação ambiental, dentro do universo de licenciamentos ambientais em análise, o cálculo do valor dessa obrigação e a definição da unidade de conservação beneficiária, conforme disposto nos artigos 30, 31-A e 31-B do Decreto 4.340/2002; 215

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9.2. recomendar ao Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis que: 9.2.1. institua procedimentos regulares e sistematizados para validação do valor de referência declarado pelo empreendedor; 9.2.2. institua procedimentos de controle de processos de compensação ambiental, de modo a proporcionar mais segurança e confiabilidade às informações;…” As determinações do TCU refletem a precariedade do sistema de cobrança e controle da gestão da compensação ambiental, tendo sido apontados diversos entraves à sua efetividade, tais como: - a existência de passivo de processos de licenciamento ambiental de empreendimentos com significativo impacto ao meio ambiente, capazes de gerar compensação ambiental, mas que ainda não tiveram a CA valorada e/ou destinada, não valorada e/ou não destinada; - a morosidade nos procedimentos adotados entre a destinação da CA e a celebração dos termos de compromisso; - questionamentos e impetração de recursos administrativos por parte de empreendedores e judicializações pelo Ministério Público, arguindo, por exemplo, o cálculo, a destinação ou a atualização monetária da CA; - não pagamento de CA por parte de empreendedores, em especial algumas entidades públicas, a exemplo da Petrobrás S/A e da Chesf. Os problemas apontados não estão restritos à seara federal. Nos estados e municípios, em razão da notória precaridade dos órgãos ambientais, a situação pode ser ainda pior. Não obstante a atribuição de competência administrativa comum, em matéria ambiental, aos entes federados, nos termos do art. 23 da Constituição da República de 1988, prevalece a desorganização administrativa ambiental.

216

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Segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE6, 3125 municípios brasileiros (56%) não possuem Conselho de Meio Ambiente, requisito essencial para que possam executar a atividade licenciatória, nos termos do disposto no art. 5º da Lei Complementar nº 140/117. Além disso, apenas 30% (1.645) dos municípios realizaram reunião nos últimos 12 meses (tomando por base o ano de 2010). Como

a

compensação

ambiental

tem

como

pressuposto

a

verificação de significativos impactos ambientais, através do EIA/RIMA, no contexto do licenciamento ambiental, a incapacidade técnica dos entes federados compromete a efetivação da sua cobrança. Um instrumento tão importante para o meio ambiente, que se mostra imprescindível para a viabilidade do SNUC, não pode ser desprezado pela administração pública, urgindo a tomada de medidas no sentido da reversão deste caótico quadro. VI. Conclusão Registada a relevância do instituto jurídico, no âmbito do Direito Ambiental brasileiro, podem ser extraídas algumas conclusões das reflexões sobre a compensação ambiental do SNUC: a) os princípios do usuário-pagador, do poluidor-pagador e da reparação tem escopos distintos; b) os princípios do usuário-pagador e do poluidor-pagador referemse à poluição lícita; c) o princípio da reparação se aplica à poluição proveniente do ato ilícito;

6 IBGE - Indicadores de desenvolvimento sustentável: Brasil 2010 – Disponível em http://www.ibge.gov.br/home/geociencias/recursosnaturais/ids/ids2010.pdf. Acesso em 19/12/2013. 7 Art. 5o O ente federativo poderá delegar, mediante convênio, a execução de ações administrativas a ele atribuídas nesta Lei Complementar, desde que o ente destinatário da delegação disponha de órgão ambiental capacitado a executar as ações administrativas a serem delegadas e de conselho de meio ambiente.

217

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d)

a compensação indenização;

ambiental

tem

a

natureza

jurídica

de

e) a compensação ambiental destina-se à indenização dos impactos não mitigados ou compensados por outra forma; f)

a compensação ambiental será previamente exigida de empreendimentos com significativo impacto ambiental, submetidos ao licenciamento ambiental, com a apresentação de EIA/RIMA; g) o cálculo da compensação ambiental deverá contemplar as medidas de investimento ambientais realizadas em patamar superior às legalmente exigíveis, deduzindo os respectivos valores; h) o cálculo da compensação ambiental deverá contemplar os impactos gerados pelo empreendimento durante a sua instalação, bem como aqueles gerados no período de validade da licença de operação, exigindo-se novo pagamento quando da renovação da licença; i) há necessidade urgente de organização administrativa dos entes federados para a efetiva cobrança e gestão das verbas da compensação ambiental.

Resumo: O presente trabalho tem por objeto a análise da Compensação Ambiental no Sistema Nacional de Unidades de Conservação (SNUC) do Brasil, instituído pela Lei nº 9.985/00. O instituto jurídico será examinado, de forma crítica, quanto a vários aspectos: natureza jurídica; requisitos para sua implementação; metodologia para o cálculo do valor e aplicação da lei no tempo.

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Biodiversidade e compensação ecológica: a importância de quantificar e hierarquizar os impactes

Sofia Boanova Viegas Mestre em Ciências e Tecnologia do Ambiente – Especialização em Ecologia e Gestão de Recursos Naturais pela Faculdade de Ciências da Universidade do Porto [email protected]

O termo biodiversidade engloba toda a diversidade da vida, em todas as suas formas, incluindo a diversidade genética, de organismos, de espécies e de ecossistemas, e reconhecida a vasta gama de benefícios que proporciona à humanidade (cfr. o Decreto-Lei 171/2009, de 3 de Agosto). A biodiversidade desempenha um papel fundamental na manutenção da estabilidade e equilíbrio dos ecossistemas, na medida em que assegura a continuidade das condições que estão na génese dos mesmos (Proença, V., Queiroz, C., Araújo, M. e Pereira, H. (2009). Biodiversidade. Em: H. Pereira, T. Domingos, L. Vicente e V. Proença (eds.), Ecossistemas e Bem-Estar Humano em Portugal Avaliação para Portugal do Millennium Ecosystem Assessment, Lisboa, p. 127), e que, numa visão antrópica, permitem a existência da espécie humana, como o ar puro, a água potável ou os solos férteis – os chamados serviços de ecossistemas. Os serviços dos ecossistemas são os benefícios que o homem obtém dos ecossistemas. Podem ser classificados em serviços de produção, regulação, suporte e culturais. Dentro dos serviços de produção incluem-se a produção de alimentos, combustíveis e fibras; nos de regulação os processos como a regulação do clima e o controlo de doenças; e nos de suporte a formação do solo e os ciclos dos nutrientes3 [Cfr. Pereira, H., Domingos, T., Vicente, L. e V. Proença (eds.) 219

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(2009. Ecossistemas e Bem-Estar Humano em Portugal - Avaliação para Portugal do Millennium Ecosystem Assessment - Sumário Executivo do Relatório Final. Acedido em: 12 de Janeiro de 2014 no web site: http://ecossistemas.org/ficheiros/SumarioExecutivo_ptMA.pdf. p. 3.). Por último, nos serviços culturais incluem-se os atributos intangíveis de elevado valor estético, emocional, cultural, social e ético (Cfr. o Decreto-Lei 171/2009, de 3 de Agosto). No entanto, esta visão da biodiversidade, restrita aos benefícios que trás ao homem, pode ser perigosa e simultaneamente danosa para a biodiversidade

na

sua

essência.

A

diversidade

biológica,

ou

biodiversidade, abarca todas as formas de vida, incluindo fungos, bactérias e vírus, bem como todas as interacções que os organismos estabelecem entre si e o meio envolvente. Desta forma, não é só ao homem que os serviços de ecossistemas são prestados, tratando-se sim de uma teia de interacções, cujo equilíbrio dinâmico se auto gere e se auto perpetua, e que daí depende a sua sanidade/vitalidade. Assim, sempre que é incutido num ecossistema uma alteração (de origem humana ou não), dependendo da sua magnitude, severidade e da resiliência do sistema – capacidade de adaptação a alterações das condições físicas e ecológicas específicas, muitas vezes adversas – este consegue ou não recuperar. Estas interacções são de elevada complexidade e de elevado valor, onde o todo ultrapassa em grande escala a simples soma das partes. Por isso, quando a alteração é incutida no ecossistema, esta afecta uma multiplicidade de componentes, mesmo que estes sejam invisíveis ao olhar mais superficial. Uma “simples” alteração, caso afecte elementos chave do ecossistema em causa, pode desencadear cascatas de alterações, sem que por vezes se consiga aferir de forma expedita o processo que originou determinadas consequências, por se tratarem, por vezes, de processos indirectos. A compensação ecológica como meio de restauração das funcionalidades dos ecossistemas, caso não tenha em conta estas 220

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características dos sistemas vivos, pode não passar de um meio falacioso de sustentabilidade e recuperação ambiental. Quando a compensação ecológica visa somente restaurar um dado serviço de ecossistema, isolando-o do todo, do qual faz parte, muitos outros serviços/benefícios poderão estar a ser perdidos, dentro do ecossistema. Eventualmente, essa perda poderá ter consequências mais gravosas do que a perda dos serviços percepcionáveis e portanto alvo de compensação ecológica. Outro aspecto importante é que a compensação ecológica tende a olhar para o planeta como um todo, e os serviços de ecossistemas como benefícios obtidos dentro desse todo, havendo por vezes uma dissociação do local onde ocorre o dano, do local onde é feita a compensação. No entanto, tendo em conta que a biodiversidade não é igual em todas as latitudes e longitudes, variando de região para região, quando um impacte ocorrido na Europa é compensado numa latitude tropical, não se pode considerar que exista realmente uma compensação

ecológica,



que

o

dano

não

está

a

ser

colmatado/compensado onde exerce os seus efeitos e consequências. A compensação é feita quando há um dano no meio ambiente. Mas para que esta compensação seja efectivamente positiva, para além de ser feita no local onde ocorre o dano, deve ser feita tendo em conta a magnitude e severidade do mesmo. Nem todos os danos são iguais, e nem

todos

têm

as

mesmas

consequências.

Tratando-se

a

compensação, na maioria das vezes, de uma acção onerosa, se o objectivo é manter o equilíbrio dos ecossistemas e a sua vitalidade, os esforços de compensação devem ser correctamente direccionados, optimizados e geridos de forma a obter os melhores resultados possíveis, visando a sustentabilidade ambiental. Uma forma de optimizar os meios, é centrar os esforços nos impactes que geram os danos mais significativos no ecossistema, para tal é importante que os impactes sejam hierarquizados. 221

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Um impacte ambiental engloba o “(…)conjunto das alterações favoráveis e desfavoráveis produzidas no ambiente, sobre determinados factores, num determinado período de tempo e numa determinada área, resultantes da realização de um projecto, comparadas com a situação que ocorreria, nesse período de tempo e nessa área, se esse projecto não viesse a ter lugar” (Cfr. o Decreto-Lei 151-B/2013 de 31 de Outubro). Diagnosticar um impacte ambiental significa conhecê-lo e interpretálo na íntegra. Somente após um diagnóstico preciso pode considerar-se, com solidez, a possibilidade, oportunidade e a urgência da intervenção sobre o impacte, bem como os instrumentos – preventivos, correctores, curativos ou potenciadores – mais adequados para o seu tratamento (cfr. Orea, D., G. (2002). Evaluación de impacto ambiental. 2ª edición, Mundi-Prensa. Madrid). A interpretação de um impacte ambiental exige atender a todos os aspectos implicados no processo de degradação (ou de melhoria, dependendo do caso) e expressá-los de forma a serem facilmente entendidos pelas pessoas envolvidas, em particular aqueles de quem dependem as decisões de intervenção [Cfr. Orea, D., G. (2002). Evaluación de impacto ambiental. 2ª edición, Mundi-Prensa. Madrid), destes factos decorre a importância da existência de ferramentas de apoio à decisão, nomeadamente no processo de Avaliação de Impacte Ambiental (AIA), para que as decisões tomadas sejam decisões mais informadas [Cfr. Viegas, S. (2010). Desenvolvimento de um Índice para a quantificação mais objectiva de impactes ambientais. Tese

de

Mestrado

em

Ciências

e

Tecnologias

do

Ambiente,

especialização em Ecologia e Gestão de Recursos Naturais. Faculdade de Ciências da Universidade do Porto, Porto, p. 3). Seguindo a linha de pensamento da legislação portuguesa, para a actividade de AIA, onde é defendido que se deve fazer uma hierarquização dos impactes ambientais significativos, traduzida num índice de avaliação ponderada de impactes ambientais (Cfr. o 222

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Decreto-Lei 151-B/2013 de 31 de Outubro), reforça-se a importância do desenvolvimento de metodologias que permitam a quantificação dos impactes, para a sua hierarquização, possibilitando assim uma análise mais objectiva dos impactes gerados pelo projecto alvo da AIA. Na generalidade é defendido que esta hierarquização deve resultar de um exercício cada vez mais quantitativo que qualitativo, com a ressalva de que a quantificação deve ser um exercício rigoroso, e cujos resultados sejam verificáveis e reproduzíveis, e portanto deva ser um exercício o mais objectivo possível, mas com características de prazos, recursos e onerosidade que possibilite a sua viabilidade e que não a torne numa meta inatingível (Cfr. Viegas, S. (2010). Desenvolvimento de um Índice para a quantificação mais objectiva de impactes ambientais. Tese

de

Mestrado

em

Ciências

e

Tecnologias

do

Ambiente,

especialização em Ecologia e Gestão de Recursos Naturais. Faculdade de Ciências da Universidade do Porto, Porto, p. 46). O

cariz

extremamente

complexo

e

dinâmico

dos

processos

ecológicos, e sua inter-relação, torna difícil encontrar formas que reflictam, de forma expedita e simples, as variações, causadas por projectos, nos sistemas biológicos, sem uma componente de erro associada. Este facto, associado à lacuna de informação de base existente para o território português, tanto para o descritor fauna como para o descritor flora, leva a que seja complicado determinar essas mesmas formas de quantificação (Viegas, S. (2010). Desenvolvimento de um Índice para a quantificação mais objectiva de impactes ambientais. Tese de Mestrado em Ciências e Tecnologias do Ambiente, especialização em Ecologia e Gestão de Recursos Naturais. Faculdade de Ciências da Universidade do Porto, Porto, p. 60). A avaliação de impactes ambientais baseia-se na cristalização de um dado momento dos sistemas biológicos, sistemas estes que assentam numa série de fenómenos dinâmicos inter-relacionados. Este é um facto que não pode ser alterado. A dificuldade de quantificar 223

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alterações e respectivas repercussões, ao nível dos sistemas biológicos, constitui um dos maiores desafios no desenvolvimento de uma metodologia de quantificação de impactes ambientais, ao nível destes descritores, precisamente pela complexidade da sua natureza. Salientase que a tentativa de objectivar uma análise, nomeadamente a análise de impactes ambientais, ao nível de descritores tão dinâmicos como os biológicos, pode ser contestada quanto às abordagens metodológicas para atingir essa

meta, enquanto

que as

estimações

apenas

qualitativas, ainda que comportem uma grande subjectividade na sua concepção, poderão não ser alvo de tanta contestação, em termos metodológicos (Cfr. Viegas, S. (2010). Desenvolvimento de um Índice para a quantificação mais objectiva de impactes ambientais. Tese de Mestrado em Ciências e Tecnologias do Ambiente, especialização em Ecologia e Gestão de Recursos Naturais. Faculdade de Ciências da Universidade do Porto, Porto, p. 83). A principal ideia que se retém da documentação referente a quantificação de impactes, é que, apesar de ser globalmente aceite a necessidade de desenvolver metodologias objectivas e expeditas ao serviço da AIA, a informação sobre como pôr em prática essas metodologias é claramente limitada, existindo uma lacuna significativa quanto aos critérios de operacionalização das potenciais metodologias, o que denota a dificuldade em encontrar as tais formas objectivas de quantificar os impactes sobre os descritores biológicos, dado o seu carácter dinâmico e de difícil parametrização (Cfr. Viegas, S. (2010). Desenvolvimento de um Índice para a quantificação mais objectiva de impactes ambientais. Tese de Mestrado em Ciências e Tecnologias do Ambiente, especialização em Ecologia e Gestão de Recursos Naturais. Faculdade de Ciências da Universidade do Porto, Porto, p. 86). No entanto os objectivos de hierarquização dos impactes, por meio da sua quantificação, através de metodologias objectivas e cientificamente validadas, não devem ser abandonados, com o risco de se estar a basear o desenvolvimento, que se quer sustentável, num instrumento 224

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como a compensação ecológica, que mal aplicada poderá trazer consequências gravosas, a uma escala muito alargada, dada a disseminação da sua aplicação. A compensação ecológica, só será um verdadeiro instrumento de promoção do desenvolvimento sustentável, se tiver na sua base preocupações de respeito e salvaguarda do património natural, obedecendo aos seus princípios, e se for alimentada por instrumentos de elevado rigor, nomeadamente no que respeita à hierarquização dos impactes geradores dos danos, através de metodologias que tenham em conta a sua magnitude e severidade.

RESUMO: A compensação ecológica é um instrumento de elevado potencial na promoção de um desenvolvimento sustentável, no entanto, caso não seja pautado pelo rigor e pelo conhecimento dos sistemas biológicos, poderá ser um meio de perversão ao invés de um meio de preservação. A complexidade do meio natural, e de todas as suas componentes, criam um desafio ao nível do desenvolvimento de metodologias que norteiem o processo de compensação ecológica. No entanto essas dificuldades não devem impedir o processo que, apenas deverá ser aceite, se conduzido por fundamentações cientificamente validadas.

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Organização de Carla Amado Gomes e Tiago Antunes Com o patrocínio da Fundação Luso-Americana para o Desenvolvimento

Organização de Carla Amado Gomes e Tiago Antunes Com o patrocínio da Fundação Luso-Americana para o Desenvolvimento

“Este livro começou por um texto, fruto de uma colaboração académica entre mim e o Mestre Luís Batista, meu orientando de mestrado, que em Junho de 2013 defendeu uma tese dedicada aos mercados de biodiversidade”. “[…] Uma vez concluído o texto, pensei que seria interessante que ele servisse de pretexto a uma reflexão mais alargada, em âmbito e em idioma, testando soluções para os problemas de valoração dos elementos de biodiversidade ―, ou, pejorativamente, da sua mercantilização. Assim, lancei o repto a quatro colegas, que generosamente se disponibilizaram a contribuir com textos sobre a temática”...

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