Competências linguísticas de estudantes de artes visuais e tecnologias à entrada do ensino superior

May 20, 2017 | Autor: Antónia Estrela | Categoria: Escrita
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Competências linguísticas de estudantes de artes visuais e tecnologias à entrada do ensino superior Antónia Estrela Patrícia Ferreira ESELx-IPL

Os desafios atuais no campo da leitura e da escrita ao nível do ensino superior são muitos e configuram-se como campo fértil para pesquisas. Neste contexto, o objetivo deste trabalho é o de analisar a preparação evidenciada por alunos de um curso superior de Artes Visuais e Tecnologias no que diz respeito às suas competências de leitura, escrita e conhecimento explícito, para além de outros aspetos relacionados com a escrita académica e profissional. Partindo de dados recolhidos através da realização de um teste de diagnóstico no início do ano letivo, pretendeu-se verificar o domínio que os alunos já teriam de conteúdos e competências que integram o plano de estudos de uma unidade curricular anual de escrita. O que os resultados parecem mostrar é que os alunos i) evidenciam dificuldades em sintetizar e interrelacionar as ideias principais de um texto lido; ii) recorrem a poucas estratégias de maximização e verificação do seu nível de compreensão de textos lidos; iii) utilizam um conjunto reduzido e pouco diversificado de mecanismos facilitadores do processo de produção de um texto académico nas suas diferentes etapas; e iv) não identificam, explicitam e corrigem facilmente problemas de correção linguística ao nível da pontuação, morfossintaxe e léxico.

Palavras-chave: leitura; escrita; conhecimento explícito; ensino superior; artes visuais e tecnologias. 1. Introdução Os níveis de literacia da população são hoje uma preocupação sentida a nível mundial, o que se justifica, em larga medida, pela forte influência que estes exercem sobre o sucesso dos indivíduos no seu dia-a-dia, no meio académico, na vida profissional, no exercício de uma cidadania plena e ativa. De facto, as competências de literacia permitem que os indivíduos compreendam o mundo que os rodeia e que nele funcionem de forma adequada, sendo inegável a relevância do investimento no seu desenvolvimento. A educação assumirá, naturalmente, um importante papel neste processo, na medida em que o desenvolvimento de competências linguísticas, particularmente de leitura e de reflexão linguística, é um dos objetivos subjacentes à didática da língua e ocupa uma posição central na planificação e operacionalização do currículo.

A literacia pode ser definida como “a capacidade de compreender, usar e refletir sobre textos escritos de forma a atingirmos os nossos objetivos, a desenvolvermos o nosso conhecimento e o nosso potencial e a participarmos de forma eficaz na sociedade” (PISA, OCDE, 2002, tradução livre). Ao consideramos esta definição, facilmente nos apercebemos da complexidade dos processos cognitivos implicados. De facto, os nossos níveis de literacia estão dependentes da nossa capacidade de compreendermos o material lido, de refletirmos sobre esse material e de mobilizarmos o conhecimento construído para situações diversificadas. Qualquer destes três domínios requer o recurso a processos e estratégias de ordem superior, ou seja, metacognitivos, o que se acentua de forma ainda mais saliente quando interrelacionados. A leitura e a escrita são duas competências intimamente interligadas, assentes na mesma relação entre os códigos oral e escrito, ainda que operando em sentidos inversos. Uma exige a descodificação do material escrito em sequências fonológicas, enquanto a outra requer a codificação de unidades fonológicas em unidades gráficas. Por outro lado, tal como o uso da leitura contribui para o desenvolvimento da escrita, também as práticas de escrita são importantes para o desenvolvimento da leitura. Carvalho (2013) mostra-nos de modo claro a natureza íntima desta relação, ao afirmar que: O próprio processo de escrita pressupõe leitura permanente, à medida que o texto vai sendo construído; o escrevente torna-se leitor e posiciona-se de uma forma mais ou menos crítica na revisão do texto que vai emergindo até ao momento em que se considere concluído. Mas outras dimensões do processo de escrita pressupõem leitura, nomeadamente a geração de conteúdo, aspeto essencial de componente da planificação, que, para além do recurso à memória, pode basear-se noutros textos como fontes de informação. Por outro lado, pode-se implicar a escrita no processo de leitura, pela tomada de notas, síntese, o resumo, etc. (pp. 192-193)

Quando se lê, interiorizam-se estruturas e padrões próprios dos textos escritos. A relação entre estas duas competências é inegável. Estando amplamente associada à leitura, a escrita assume um duplo papel, na medida em que serve, por um lado, para a explicitação de conhecimento adquirido e, por outro, como processo de construção do próprio conhecimento. Tendo em consideração a estreita relação de interdependência existente entre a leitura, a escrita e a reflexão linguística e metalinguística e a forte influência que, quando mobilizadas em situações de uso complexas, estas competências exercem sobre os níveis de literacia dos indivíduos, aspetos explicitados nos parágrafos anteriores, decidimos concretizar um pequeno projeto de investigação-ação. Realizámos uma primeira recolha de dados relacionados com as

competências linguísticas de estudantes à entrada do ensino superior através da aplicação de um teste de diagnóstico, com o objetivo de, como docentes de uma unidade curricular de escrita, planificarmos a nossa intervenção didático-pedagógica de forma a, intencionalmente, darmos resposta às fragilidades identificadas. Neste documento, procuramos dar conta, em primeira instância, da posição que os alunos portugueses ocupam em estudos de âmbito internacional, essencialmente no que se refere a níveis de literacia, em comparação com os alunos de outros países. Posteriormente, assinalamos a importância da leitura e da escrita e da reflexão linguística e metalinguística, não só na sociedade atual, como também no ensino superior, destacando o papel central destas competências e mostrando alguns estudos que ilustram as fragilidades de alunos deste nível de ensino nestes domínios. Na secção 4, apresentamos o cerne do nosso estudo, uma análise dos testes de diagnóstico de alunos do primeiro ano de um curso de Artes Visuais e Tecnologias, elaborados com o objetivo de verificar o domínio que os estudantes apresentam relativamente a conteúdos e competências que integram o plano de estudos de uma unidade curricular anual de escrita. Na última secção, resumimos e problematizamos algumas ideias fundamentais que constituem as principais conclusões deste trabalho.

2. Os níveis de literacia dos alunos portugueses Tal como em outros países, também em Portugal se tem refletido sobre a importância do nível das competências de literacia da população. Em 1997, foi lançado o Programme for International Student Assessment (PISA), com o objetivo de monitorizar os resultados de vários sistemas educativos, tendo em conta o desempenho dos seus alunos no final da escolaridade obrigatória. Desde então, o PISA tem sido uma referência importante na definição de políticas educativas mais consentâneas com a promoção de níveis de literacia desejáveis dos cidadãos. A aferição dos resultados dos estudantes tem “por referência o pensamento atual acerca de quais são as aprendizagens sobre as ciências, a leitura e a matemática que são relevantes para o exercício de cidadania pelos indivíduos nas sociedades modernas e que, por isso, devem fazer parte do reportório de conhecimentos e competências que esses indivíduos constroem até ao final da escolaridade obrigatória (Marôco, Gonçalves, Lourenço & Mendes, 2016, p. 19). Durante vários anos, os resultados dos estudantes portugueses divulgados nos relatórios do PISA foram preocupantes nas várias áreas (leitura, ciências e matemática), posicionando-se abaixo da média dos vários países participantes. No entanto, uma análise ao relatório de 2015 revela que os estudantes portugueses apresentaram um desempenho significativamente acima da média da OCDE, na área das ciências e da leitura, tendo-se mantido na média no que

concerne à matemática. Estes resultados mostram uma melhoria expressiva, se tivermos em conta que, no ano 2000, o país aparecia na antepenúltima posição na literacia em ciências e em leitura. No PISA, a avaliação tem por base não o currículo, mas sim aquilo que os alunos aprenderam ao longo do seu percurso escolar, apreciando-se o modo como conseguem mobilizar os conhecimentos e competências adquiridos na resolução de problemas. Neste âmbito, é fácil perceber a extrema relevância do desenvolvimento de capacidades linguísticas ao nível da compreensão da leitura, da reflexão sobre os textos e da mobilização de conhecimentos para contextos de uso diversificados. Estas competências pressupõem atividades cognitivas complexas, cimentadas no “saber em uso” (Perrenoud & Le Boterf, citados por Roldão, 2005). Tais competências permitem-nos compreender melhor o mundo, constituindo-se como “condição de cidadania” (Carvalho & Sousa, 2011, p.10). Sendo incontornável nas sociedades contemporâneas, o conceito de “aprendizagem ao longo da vida” pressupõe o domínio de competências de literacia (e numeracia), assumindo-se, segundo Carvalho e Sousa (2011, p.10), como “uma exigência da própria democracia e condição de não exclusão.

3. Leitura, escrita e conhecimento explícito no ensino superior Muitos estudos de âmbito internacional e alguns de âmbito nacional têm vindo a apontar evidências que dão conta das dificuldades sentidas pelos alunos que ingressam no ensino superior não só no que diz respeito às competências de leitura, mas também às de escrita (Bork, Bazerman, Correa & Cristovão, 2015; Estrela & Sousa, 2009; Vasconcelos, Monteiro & Pinheiro (2007). Paralelamente, reconhece-se que o conhecimento explícito, altamente influente no sucesso nas outras competências linguísticas dos modos oral e escrito, raramente constitui um campo em que os alunos dominem totalmente (Costa, 2008; Delgado-Martins et al. 1987 cit in Costa 2009; Duarte & Rodrigues, 2008; Ferreira, 2014; Ucha Ed. 2007). Na verdade, o que os estudos mostram é que, à saída do ensino secundário, os estudantes mostram níveis muito baixos de conhecimento gramatical. Estes problemas ficam a dever-se a alguns fatores que são sumariados por Costa (2008): formação dos professores; instabilidade terminológica; metodologias de ensino da gramática, entre outros. Nos últimos tempos, alguns estudos têm mostrado que as dificuldades e o insucesso no ensino superior se encontram ligados, em larga medida, a falhas no domínio da leitura e da escrita. Cabral e Tavares (2005), tendo por base as competências de leitura e escrita, pretenderam identificar as estratégias a que os estudantes mais recorriam e tentaram apontar os seus níveis de competência e analisar o seu grau de dificuldades, para além de detetarem o grau de importância por estes atribuído a estas competências para o sucesso académico, entre

outros. Os resultados alcançados indiciam o papel importante das competências referidas para as tarefas de aprendizagem e para o sucesso académico. Sabemos que a leitura é um ato complexo que assenta na compreensão, ou seja, na extração de informação do material lido, e que envolve diversos processos, como a adequação de estratégias, a assimilação de conteúdos, a ativação de conhecimentos prévios, entre outros. Reconhece-se, portanto, a leitura como competência-chave para o sucesso académico (Cabral & Tavares2005; Giasson 2000). Esta relação de interdependência é evidente, decorrendo daqui uma necessidade de se refletir sobre a implicação da leitura e da escrita no contexto das várias disciplinas escolares. As competências associadas à modalidade escrita assumem particular relevância, sendo a sua pertinência reconhecida pelos documentos oficiais que orientam a prática docente. Para isso, contribuem vários fatores, explanados por Carvalho (2013): i.

Transversalidade da língua, em geral, e da escrita, em particular, em relação aos diferentes domínios de saber abarcados pelo currículo;

ii.

Papel da escrita nos processos de avaliação;

iii.

Potencialidades da escrita enquanto ferramenta de aprendizagem;

iv.

Natureza não artificial dos usos da escrita neste âmbito multidisciplinar.

Importa, também, salientar a perspetiva de Sim-Sim (1998), que aponta o facto de o desenvolvimento da consciência linguística das crianças (e dos jovens) ser fundamental para a realização das aprendizagens escolares, especialmente da leitura e da escrita. Para além disso, o desenvolvimento da consciência linguística é profusamente facilitado pelas aprendizagens escolares. Reconhecendo-se estas imbricadas ligações, é importante articular e desenvolver a leitura e a escrita no currículo. A transversalidade da língua não pode ser vista de modo redutor, sendo antes necessário que se trabalhe de modo verdadeiramente articulado. Esta abordagem integradora tem implicações positivas no sucesso dos alunos (Beane, 2013). É através da escrita que os estudantes vão mostrar aquilo que sabem (Vasconcelos, Monteiro & Pinheiro, 2007). Também é através da escrita que podem apreender os conteúdos lidos, seja através de esquemas, tópicos e tomada de notas ou através de resumos e sínteses. Na verdade, estas são algumas das estratégias que se costumam utilizar para maximizar e verificar o nível de compreensão de um texto. Estrela e Sousa (2011), num estudo sobre a competência textual à entrada no Ensino Superior, defendem que

O ensino superior deve dar continuidade às aprendizagens, sobretudo numa perspectiva de ensino explícito de diferentes gêneros e tipos de texto para diferentes públicos e com diversas finalidades, pois, se a escrita se destina à reconstrução da significação pelo leitor, este deve começar a ser central, para quem escreve, quer na escrita de textos académicos, quer na escrita de textos de outros registos (p. 265). Seria muito confortável pensar que, ao ingressarem no ensino superior, os alunos já dominariam, por exemplo, as etapas subjacentes ao processo de produção de um texto académico. Na verdade, estas etapas têm de ser explicitamente ensinadas à maioria dos estudantes, assim como a grande diversidade de géneros textuais e, dado que parte destes géneros se distancia dos seus universos textuais, também devem ser pensadas a implicações deste desconhecimento nas tarefas de ensino-aprendizagem. Carvalho e Pimenta (2000) levaram a cabo um estudo em que pretendiam analisar o modo como estudantes do ensino superior utilizam a escrita quer em tarefas de construção de conhecimento, quer em tarefas de expressão de conhecimento, e chegaram à conclusão de que a construção de textos académicos é problemática para muitos alunos. Os problemas elencados não se situam exclusivamente ao nível da redação, mas também ao nível da receção da informação num processo de leitura. Para além disso, as dificuldades “são também evidentes no modo como a informação é registada e tratada; detectam-se, ainda, nos processos de articulação do conteúdo de diferentes fontes de informação, quer nos planos, quer nos próprios textos” (Carvalho & Pimenta, 2000, pp. 1884, 1885). Para esta situação problemática, concorre ainda o fraco domínio do conhecimento explícito da língua. Torna-se claro que uma abordagem à escrita implica também uma abordagem ao conhecimento explícito. Como docentes no ensino superior, apercebemo-nos diariamente de que os alunos revelam pouca segurança no uso de certas estruturas sintáticas, não têm um vocabulário diversificado, cometem desvios de natureza ortográfica, exibem dificuldades com a pontuação, entre outros aspetos preocupantes. São vários os estudos que constituem um suporte empírico para afirmarmos dificuldades supracitadas. Ferreira (2014) realizou um estudo de caso numa instituição de ensino superior e chegou à conclusão de que os alunos recém-chegados a este nível apresentavam sérias fragilidades no que se refere à sua capacidade de refletirem e analisarem a língua em diversos níveis, particularmente na morfossintaxe, no léxico, na ortografia e na pontuação. Os participantes evidenciaram dificuldades consideráveis na identificação e na explicitação de desvios linguísticos, bem como na sua correção.

Sousa e Estrela (2009) apontam que a construção gerundiva é problemática e, numa perspetiva mais ampla, indicam que, para se atingir um elevado nível de desempenho na competência da escrita, é fundamental um conhecimento profundo da língua que, em grande parte, tem de ser explícito. Além do conhecimento linguístico, é crucial ensinar estratégias subjacentes ao processo de escrita. Por outras palavras, a partir do conhecimento dos alunos há que fazer um ensino explícito, progressivo e sistemático (…) (Sousa & Estrela, 2009, p. 238)

Já no que diz respeito a outra estrutura, a passiva, Estrela (2011) mostra que os problemas associados a esta construção se estendem por todo o percurso académico do aluno até ao ensino superior. Os principais desvios surgem associados à complexidade linguística inerente à sua compreensão e produção. Essa complexidade poderá talvez explicar, em parte, a origem dos desvios que se podem encontrar nos escritos dos alunos. Um dos desvios surge associado ao uso de complementos preposicionados na estrutura passiva. Só verbos transitivos diretos podem ocorrer na estrutura passiva, o que por vezes é ignorado nas produções analisadas. A autora aponta, assim, a necessidade de um trabalho sobre os exemplos que evidenciam regularidades e sobre os que evidenciam irregularidades, de modo a trabalhar o conhecimento implícito dos alunos, a elaboração de uma regra comum, a conceptualização e a reflexão a partir das produções escritas dos alunos. O fraco domínio que os estudantes do ensino superior revelam no que respeita ao conhecimento explícito faz-se sentir, obviamente, também em níveis de escolaridade anteriores. Por exemplo, se nos centrarmos nos resultados relativos às dificuldades dos alunos portugueses do 6.º ao 11.º anos, obtidos no âmbito de um dos estudos preparatórios realizados por Duarte & Rodrigues (2008) e que estiveram na base da construção do programa de Português de 2009, facilmente chegamos a conclusões semelhantes. Na verdade, uma análise pormenorizada dos resultados do estudo permitiu constatar que os alunos do 6.º e do 9.º anos apresentavam dificuldades na resolução de tarefas que implicassem conhecimento gramatical, bem como nas que envolvessem a explicitação desse conhecimento. Os exemplos desta secção evidenciam as dificuldades dos alunos de vários níveis de ensino perante a resolução de exercícios que envolvam o conhecimento gramatical, a sua mobilização para contextos de uso diversificados e a sua explicitação, constituindo-se como um alerta para a necessidade de se alterar o panorama de ensino e aprendizagem da gramática no nosso país.

4. Análise dos testes de diagnóstico

No âmbito deste estudo, procedeu-se a uma recolha de dados que foi realizada no início de novembro de 2016 através da aplicação de um teste de diagnóstico. Este teste foi elaborado com o objetivo de aferir competências de leitura, escrita e reflexão linguística e metalinguística de estudantes de uma licenciatura em Artes Visuais e Tecnologias à entrada no ensino superior. Realizaram presencialmente o teste de diagnóstico 71 estudantes, no início das aulas da unidade curricular Técnicas de Escrita, no final da qual se pretende que os alunos consigam i) ler textos de diferentes géneros, em diferentes suportes para obter informação e organizar conhecimento, ii) mobilizar estratégias para selecionar, organizar e divulgar informação iii) e produzir géneros textuais comummente utilizados por profissionais nas áreas do design e das artes gráficas. Serão apresentados nesta secção alguns dos resultados da análise das respostas ao teste de diagnóstico, tendo sido apenas consideradas quatro das tarefas propostas aos estudantes: i) um exercício de construção de um esquema em que sintetizassem e inter-relacionassem as ideias apresentadas num texto fornecido; ii) uma tarefa de explicitação de estratégias utilizadas para maximizar e monitorizar o nível de compreensão da leitura; iii) uma tarefa de enunciação das etapas percorridas durante a produção de um texto académico; iv) e um exercício de análise de enunciados, através da formulação de juízos de conformidade com a norma e da identificação, explicitação e correção de desvios encontrados1.

i)

Exercício de leitura: construção de um esquema Em relação à tarefa de elaboração de um esquema em que os estudantes

sintetizassem e inter-relacionassem as ideias apresentadas num texto dado2, as produções foram analisadas em quatro categorias (seleção da informação, inter-relacionamento dos tópicos, hierarquização da informação e uniformização de categorias gramaticais), tendo sido aplicada uma escala de 0 a 2, correspondendo o 0 a um nível insatisfatório, o 1 a um nível incompleto ou pouco satisfatório e o 2 a um nível satisfatório.

1No teste de diagnóstico, também estava integrado um exercício de identificação de géneros textuais utilizados na

área do design e das artes gráficas, bem como um exercício referente a regras de citação de fontes. Não apresentamos a análise destes dois pontos, ainda que se possa afirmar que os alunos revelam desconhecer as regras de citação subjacentes aos trabalhos académicos, mas parecem saber identificar os géneros textuais utilizados nas áreas já referidas. 2 Carvalho, C. & Sousa, O. (2011). Literacia e Ensino na Compreensão da Leitura. Interacções, 19, 109 a 126. (Adaptado).

Conforme se pode verificar pela análise do gráfico abaixo apresentado (cf. figura 1), foram poucos os estudantes que obtiveram um nível satisfatório em qualquer das categorias, particularmente no que se refere à hierarquização da informação (2 alunos) e ao interrelacionamento dos tópicos (3 alunos). Com a exceção da categoria seleção de informação, em que o número de participantes cujas produções se situaram no nível 1 equivale àqueles cujas produções se situaram no nível 0 (25), a maioria dos estudantes (entre 48 e 51) obteve níveis insatisfatórios.

Figura 1. Análise dos esquemas elaborados pelos participantes por categoria e nível.

Repare-se no seguinte exemplo, ilustrativo das fragilidades nas categorias analisadas:

Figura 2. Esquema de estudante (A55).

A análise das produções dos participantes evidenciou alguns problemas curiosos relacionados com o próprio conceito de esquema. Destes, podem ser destacados, a título de exemplo, a interferência do desenho no esquema (cf. figuras 3 e 4), a intromissão de modelos textuais (cf. figura 5), a utilização da citação direta em detrimento da paráfrase (cf. figura 6) e a interferência de outros formatos de organização da informação, como as tabelas (cf. figura 7) ou as listas de tópicos ou frases (cf. figura 8).

Figura 3. Recurso ao desenho em substituição da palavra no esquema.

Figura 4. Interferência do desenho no esquema (A 33).

Figura 5. Interferência do modelo textual (com marcas de opinião) no esquema (A 38).

Figura 6. Utilização da citação direta em detrimento da paráfrase (A 30).

Figura 7. Produção de uma tabela em vez de um esquema (A 61).

Figura 8. Produção de uma lista de frases em vez de um esquema (A 26).

Síntese da análise das produções dos estudantes A análise das produções dos participantes evidenciou dificuldades consideráveis na realização da tarefa proposta em qualquer das categorias consideradas, com especial destaque para os processos de inter-relacionamento de tópicos, hierarquização da informação e uniformização de categorias linguísticas. Estas dificuldades interferem paralelamente nas competências de receção e de produção da informação, na medida em que, por um lado, poderão estar relacionadas com baixos níveis de compreensão da leitura, e, por outro, se tornam salientes em situações em que a informação constante do texto deve ser sintetizada e inter-relacionada numa produção do próprio estudante. Os dados evidenciaram, ainda, fragilidades no próprio conceito de esquema, tendo-se registado a ingerência de outros modelos e formatos de organização da informação nos produtos dos alunos.

ii) Tarefa de explicitação de estratégias utilizadas para maximizar e monitorizar o nível de compreensão da leitura As respostas à tarefa de explicitação de estratégias de maximização e verificação da compreensão da leitura foram sujeitas a uma análise de conteúdo, através de procedimentos abertos, caracterizados pela emergência das categorias e subcategorias a partir da análise do material recolhido, sendo, portanto, realizados de forma indutiva, através de um processo de comparação constante que permitiu encontrar analogias e dissemelhanças. Como acontece neste tipo de procedimento, a análise sofreu diversas alterações e reformulações até se encontrar um formato estável. Apresenta-se, de seguida, uma tabela (cf. tabela 1) com as categorias e as subcategorias que resultaram da análise das respostas dos participantes.

Tabela 1 Categorias e subcategorias das respostas à tarefa de explicitação de estratégias de maximização e verificação de compreensão da leitura

Categoria

Subcategoria

Reler

Reler partes que representam maior dificuldade Reler em voz alta

Destacar graficamente

Sublinhar Circundar Utilizar marcadores de papel Usar desenho para assinalar

Registar

Tirar notas/ elaborar apontamentos ou tópicos Escrever palavras ou ideias centrais Elaborar esquemas Elaborar resumos

Procurar ajuda fora do Recorrer a instrumentos de normalização linguística/ documentos texto de apoio Pedir ajuda a terceiros

Dos 71 participantes, 3 não realizaram a tarefa. A análise da figura 9 permite verificar que 14% das unidades de registo (UR) resultantes da análise de conteúdo das respostas dos 68 respondentes estão relacionadas com a procura de ajuda fora do texto, 21% com alguma estratégia que envolva o recurso ao registo, 28% com formas de destacar graficamente a informação e 37% com algum processo que envolva a releitura parcial ou total do texto.

Figura 9. Estratégias de verificação e maximização da compreensão da leitura indicadas pelos estudantes, por categoria (UR %). Veja-se, de seguida, a análise de cada uma das categorias com maior detalhe. Relativamente à categoria reler, 40 unidades de registo relacionam-se com a releitura de partes do texto que representam maior grau de dificuldade e 10 com a releitura do texto (integral ou partes específicas) em voz alta (cf. figura 10).

Figura 10. Respostas dos estudantes na categoria reler, por subcategoria (UR).

No que se refere à categoria destacar graficamente, conforme se pode verificar pela leitura do gráfico (cf. figura 11), 33 unidades de registo incidem em elaborar sublinhados, duas em circundar informação, uma em utilizar marcadores de papel e uma em usar o desenho para assinalar informação.

Figura 11. Respostas dos estudantes na categoria destacar graficamente, por subcategoria (UR). Quanto à categoria registar, 12 unidades de registo recaem em tirar notas ou elaborar apontamentos ou tópicos, 7 em escrever palavras ou ideias centrais, 7 em escrever resumos e 2 em elaborar esquemas (cf. figura 12).

Figura 12. Respostas dos estudantes na categoria registar, por subcategoria (UR).

Considerando a categoria procurar ajuda fora do texto, a leitura do gráfico que se segue (cf. figura 13) permitirá verificar que 10 unidades de registo estão relacionadas com pedir ajuda a terceiros e 9 com recorrer a instrumentos de normalização linguística ou a documentos de apoio para maximizarem ou monitorizarem o seu processo de compreensão da leitura.

Figura 13. Respostas dos estudantes na categoria procurar ajuda fora do texto, por subcategoria (UR). Síntese da análise das respostas à tarefa de explicitação de estratégias de maximização e monitorização da leitura Os participantes, no seu conjunto, referiram um leque variado de importantes estratégias de potenciarem e verificarem o seu nível de compreensão da leitura, agrupadas em processos de registo, destaque gráfico, releitura e procura de informação adicional fora do texto. Não obstante, individualmente, foram poucos os estudantes a enunciarem mais do que duas estratégias nas suas respostas. Este recurso a estratégias pouco diversificadas de favorecer a compreensão de textos lidos será um fator que poderá exercer uma influência desfavorável nos níveis de compreensão leitora dos estudantes.

iii) Exercício de explicitação das etapas de produção textual As respostas dos estudantes à solicitação de explicitação das etapas que percorriam durante o processo de produção de um texto académico foram submetidas a uma análise de conteúdo, segundo os procedimentos indicados na secção anterior. Da análise resultaram os temas, categorias e subcategorias apresentados na tabela abaixo.

Tabela 2 Temas, Categorias e subcategorias das respostas à tarefa de explicitação de etapas de produção textual

Tema

Categoria

Etapas de Conceptualização produção textual Planificação

Subcategoria Compreensão da tarefa Reflexão sobre o tema/ a tarefa Pesquisa e seleção da informação Listagem de tópicos Esquematização Organização da informação Definição da estrutura Construção de um “plano” Elaboração de um pré-texto/ rascunho

Textualização

Preocupação em cumprir a tarefa Formatação linguística

Revisão

Releitura Identificação de problemas formais Identificação de problemas de conteúdo Revisão com o apoio de outros

Reformulação

Correção de desvios Reescrita

Tema

Categoria

Subcategoria

Edição

Respeito pelos requisitos formais externos Preocupação com a legibilidade

Compreensão do Fragilidades enunciado/ rigor identificadas científico

Confusão entre texto académico e trabalho académico Confusão entre etapas de produção textual e partes constituintes de um texto Conceção de que todo o texto tem uma estrutura tripartida

Considerando o primeiro tema, etapas de produção textual, a análise das respostas dos participantes conduziu à identificação das categorias acima enunciadas, com maior incidência, como se pode verificar através da leitura do gráfico seguinte (cf. figura 14), na planificação, com 71 unidades de registo, seguida da conceptualização e da revisão, com 23 cada, da reformulação, com 16, da textualização, com 13, e da edição, com 9.

Figura 14. Etapas de produção textual indicadas pelos estudantes, por categoria (UR).

Segue-se uma análise de cada categoria identificada, com maior detalhe. Relativamente à conceptualização, ainda que pudesse ser incluída na etapa da planificação, decidimos analisá-la isoladamente por considerarmos que esta constitui uma operação que

desejavelmente atravessará todas as etapas de produção textual. Em 9 das respostas, os participantes indicaram certificar-se de que compreendiam a tarefa que lhes era proposta e em 14 referiram refletir sobre o tema ou sobre a tarefa a realizar (cf. figura 15).

Figura 15. Respostas dos estudantes na categoria conceptualização, por subcategoria (UR).

Em relação à categoria planificação, a leitura do gráfico abaixo (cf. figura 16) permite-nos verificar que em algumas respostas (11), os estudantes indicaram recorrer a outras fontes para pesquisar e selecionar a informação que viriam a incluir no seu texto. A maior incidência das unidades de registo (18) nesta categoria registou-se na elaboração de listagens de tópicos a incluir no texto, enquanto 39 estão relacionadas com a organização e/ ou a estruturação da informação, através da definição da estrutura (14), da organização da informação (11), da esquematização (6) ou da construção de um “plano” (2), termo utilizado pelos próprios participantes. Importa ainda referir que foram contabilizadas 9 unidades de registo na elaboração um pré texto ou rascunho que “passariam a limpo” (expressão empregue por vários estudantes).

Figura 16. Respostas dos estudantes na categoria planificação, por subcategoria (UR).

Quanto à categoria textualização, inferida a partir de apenas 13 unidades de registo, 8 respostas evidenciaram a preocupação dos participantes em cumprir a tarefa proposta e 5 a formatação linguística do que os estudantes conceptualizaram ou planificaram na(s) etapa(s) anterior(es) (cf. figura 17).

Figura 17. Respostas dos estudantes na categoria textualização, por subcategoria (UR).

Focalizando a categoria revisão (cf. figura 18), evidenciada em 23 respostas, a maior incidência registou-se na releitura do texto escrito, com 10 unidades de registo. A identificação de problemas foi uma preocupação durante o processo de revisão revelada por alguns estudantes, estando 7 unidades de registo relacionadas com o enfoque na identificação de problemas formais e 4 na identificação de problemas de conteúdo. Foi ainda referida em duas respostas a revisão do texto com o apoio de terceiros.

Figura 18. Respostas dos estudantes na categoria revisão, por subcategoria (UR). Considerando a categoria reformulação, conforme se pode verificar no gráfico abaixo (cf. figura 19), a correção de desvios encontrados foi um processo evidenciado por 13 unidades de registo e a reescrita reuniu 3 unidades de registo.

Figura 19. Respostas dos estudantes na categoria reformulação, por subcategoria (UR).

A categoria edição reuniu 9 unidades de registo, repartidas pelo respeito pelos requisitos formais externos (7 UR) e pela preocupação com a legibilidade (2 UR) (cf. figura 20).

Figura 20. Respostas dos estudantes na categoria edição, por subcategoria (UR). Considerando agora o segundo tema, compreensão do enunciado/ rigor científico, foram identificadas algumas fragilidades através da análise das respostas dos participantes, nomeadamente a conceção de que todo o texto tem uma estrutura tripartida, com uma percentagem de 52% das fragilidades identificadas, a confusão entre etapas de produção textual e partes constituintes de um texto, com 33%, e a confusão entre texto académico e trabalho académico, com 15% (cf. figura 21).

Figura 21. Fragilidades identificadas ao nível da compreensão do enunciado/ do rigor científico (UR %).

Síntese da análise das respostas ao exercício de explicitação das etapas de produção textual A análise das respostas à tarefa de enunciação das etapas que percorrem durante a elaboração de um texto académico permitiu que se chegasse à conclusão de que, de um modo geral, os estudantes não seguem de modo intencional e sistemático as etapas de produção textual enunciadas na literatura (planificação, textualização, revisão, reformulação, edição) de forma a favorecerem a qualidade das suas produções escritas. Ainda que o conjunto dos participantes tenha referido importantes estratégias e mecanismos associados a vários momentos na produção textual, a maioria, individualmente, não indicou mais do que duas etapas do processo de escrita. Houve até quem explicitasse, com algum sentido de humor, o pedido de intervenção divina no processo de escrita, como foi o caso de um participante, que referiu: “Primeiro rezo, porque provavelmente vou precisar de ajuda dos Deuses para poder fazer o texto. Depois faço tópicos das ideias” (A35). Por outro lado, talvez devido a constrangimentos relacionados com a própria compreensão do enunciado, particularmente no que diz respeito à descodificação do léxico utilizado (e.g. etapas, texto académico, etc.), registaram-se alguns equívocos e incorreções, designadamente a confusão entre texto académico e trabalho académico ou entre etapas de produção textual e partes constituintes de um texto e a conceção de que os textos têm todos uma estrutura tripartida (com introdução, desenvolvimento e conclusão).

iv) Exercício de formulação de juízos de conformidade com a norma e identificação, correção e explicitação de desvios

O exercício consistiu na análise de 6 frases, com o objetivo de recolher informações sobre o conhecimento metalinguístico dos estudantes, particularmente no âmbito da morfossintaxe, do léxico e da pontuação. Foi solicitado aos participantes que se pronunciassem quanto à conformidade dos enunciados com a norma, que identificassem e justificassem os desvios encontrados e que apresentassem propostas de correção dos enunciados que consideraram constituir desvios à norma.

As respostas dos estudantes foram analisadas de acordo com uma escala de 0 a 2, correspondendo o nível 0 a uma resposta incorreta, o nível 1 a uma resposta incompleta ou

parcialmente correta e o nível 2 a respostas totalmente corretas. Cinco das frases apresentavam desvios e uma estava em conformidade com a norma.

O primeiro enunciado apresentado – Aquele pintor, é reconhecido mundialmente pelo seu trabalho. – foi considerado como um desvio à norma por aproximadamente 34% dos estudantes, tendo 19 identificado o desvio corretamente e 5 de forma incompleta ou parcialmente correta, como se pode verificar pela leitura do gráfico abaixo. Uma percentagem elevada de participantes não realizou a tarefa (aproximadamente 31%).

Figura 22. Análise do primeiro enunciado: respostas dos participantes por nível. No que se refere à explicitação do tipo de desvio, a maioria das respostas está incorreta (37), só se tendo verificado uma resposta totalmente correta e 11 incompletas ou parcialmente corretas. Quanto às propostas de correção, 19 estão corretas e 7 incompletas ou parcialmente corretas, registando-se uma percentagem aproximada de respostas incorretas de 32%.

As dificuldades evidenciadas pelas tentativas de justificação da não conformidade com a norma, aliadas certamente à não compreensão da tarefa, atingem situações caricatas, como as expressas nos dois exemplos que se seguem. Exemplo 1: “Não está em conformidade com a norma. Teria de ser explícito o nome do pintor, pelo menos” (A 49).

Exemplo 2: “’Aquele pintor’ não me parece ser politicamente correto, talvez se devesse anunciar o seu nome ou apenas escrever ‘o pintor’ se anteriormente a esta frase estar descrito o nome do pintor” (A 55).

Relativamente ao segundo enunciado apresentado – A população de Lisboa tem um acesso privilegiado a serviços socioculturais. - a maior parte dos estudantes não realizou o exercício (39%), como se pode verificar através da leitura do gráfico que se segue. As respostas registadas repartem-se entre as respostas corretas (30%) e incorretas (31%).

Figura 23. Emissão de juízos de conformidade com a norma (%).

Foram vários os estudantes que identificaram erros inexistentes na frase em análise. Repare-se no exemplo de um aluno que considerou que o enunciado consistia num desvio à norma por

não ser utilizada “a pontuação correta” e acrescentou uma vírgula entre o sujeito e o predicado da frase. Juízo: desvio à norma ✗ Explicitação: “…. não utiliza a pontuação correta.” ✗ Proposta de correção: “A população de Lisboa, tem um acesso privilegiado a serviços socioculturais.” ✗ (A 45) Quanto ao terceiro enunciado proposto para análise – A maioria dos estudantes estão motivados para as aprendizagens. – apenas 8 estudantes o identificaram como um desvio à norma, tendo 4 respondido corretamente e 4 de forma parcialmente correta ou incompleta (cf. figura 24). No que se refere à explicitação do desvio, não se registou nenhuma resposta totalmente correta e apenas duas estavam parcialmente corretas ou incompletas. Conforme se pode constatar pela leitura do gráfico abaixo, 37 participantes responderam incorretamente e 32 não realizaram a tarefa. Em relação às propostas de correção, 31 estão incorretas.

Figura 24. Análise do terceiro enunciado: respostas dos participantes por nível.

De forma a exemplificar as dificuldades de explicitação evidenciadas pelas respostas dos participantes, sugere-se a análise do caso abaixo transcrito, de um participante que considerou corretamente o enunciado como um desvio à norma, corrigiu a frase de forma adequada, mas não conseguiu explicitar o desvio que identificou e corrigiu.

Juízo: desvio à norma ✔ Explicitação: “Nesta frase, o verbo ‘estar’ está mal conjugado”. ✗ Proposta de correção: “A maioria dos estudantes está motivada para as aprendizagens”. ✔ (A 71) Em relação ao quarto enunciado apresentado - Registou-se uma enorme aderência da população estudantil ao apelo à participação em ações de voluntariado. - 35 alunos não realizaram o exercício, como se pode verificar através da análise do gráfico seguidamente apresentado (cf. figura 25). Apenas 3 estudantes conseguiram identificar o tipo de desvio corretamente e apresentar uma proposta de correção adequada. No que se refere à justificação do desvio, apenas 1 participante foi capaz de fazê-lo corretamente.

Figura 25. Análise do quarto enunciado: respostas dos participantes por nível.

Repare-se no exemplo de um aluno que considerou que o enunciado não estava conforme a norma, mas identificou um desvio inexistente e não realizou a tarefa de explicitação do desvio solicitada, tendo com a sua proposta de correção acrescentado um desvio à frase (a vírgula). Além disso, não foi corrigido o problema da utilização imprópria da palavra aderência.

Juízo: desvio à norma ✔ Explicitação: Ø Proposta de correção: “A população estudantil, registou-se uma enorme aderência ao apelo à participação em ações de voluntariado.” ✗ (A 61)

Considerando o quinto enunciado - Matemática é a disciplina onde, de um modo geral, os alunos do ensino básico sentem maiores dificuldades. – foram registadas somente 38 respostas (cf. figura 26). Só um dos participantes identificou, explicitou e corrigiu o desvio presente adequadamente e outros 2 identificaram o erro de forma incorreta ou incompleta.

Figura 26. Análise do quinto enunciado: respostas dos participantes por nível.

Repare-se no exemplo de uma proposta de correção, ilustrativo das fragilidades dos participantes no âmbito do conhecimento explícito.

Exemplo: “Matemática é a disciplina em qual, onde os alunos do ensino básico sentem maiores dificuldades” (A 29).

Focalizando o último enunciado constante do teste - Haviam imensos lugares vagos na sala. – a leitura do gráfico que se segue (cf. figura 27) permite verificar que 19 participantes conseguiram identificar e corrigir o desvio presente e nenhum conseguiu explicitá-lo de forma adequada, tendo 6 justificado o erro encontrado de forma incompleta ou parcial.

Figura 27. Análise do sexto enunciado: respostas dos participantes por nível.

Atente-se no exemplo de uma justificação incompleta: “Haviam está escrito incorretamente pois não existe no plural” (A50).

Repare-se, ainda, numa tentativa de justificação da afirmação da não conformidade com a norma que revela a não compreensão da tarefa proposta: “Não existe nenhuma contextualização, que sala, onde?” (A 58).

Síntese da análise das respostas à tarefa de análise de enunciados A análise das respostas dos estudantes à tarefa de análise de seis frases, tendo em conta a sua conformidade ou não com a norma, revelou sérias fragilidades no que se refere à emissão de juízos e à identificação, explicitação e correção de desvios encontrados. Foi notória a dificuldade na identificação de erros e na sua correção, em qualquer uma das frases, ainda que os resultados tenham sido menos dramáticos na análise do último enunciado (“Haviam imensos lugares vagos na sala”). No que se refere à explicitação dos desvios identificados e corrigidos, a situação é ainda mais preocupante, registando-se um número de respostas corretas nunca superior a 1 e de respostas incompletas ou parcialmente corretas nunca superior a 11. Outros desvios A análise global das respostas dos estudantes às tarefas constantes do teste de diagnóstico permitiu ainda a identificação de algumas fragilidades no âmbito das competências de leitura e de escrita e de reflexão metalinguística que, de forma transversal, interferiram na qualidade das respostas. Estas fragilidades situam-se na compreensão da leitura (i), na competência de escrita (ii) e na capacidade de reflexão sobre processos de trabalho (iii). Em relação à competência de leitura, destacam-se as dificuldades de compreensão da leitura, evidenciadas, por exemplo, por respostas que não corresponderam ao solicitado (cf. exemplo 1) ou pela dificuldade em utilizar pistas contextuais para adivinhar o significado de palavras ou expressões desconhecidas. De facto, as dificuldades na compreensão da leitura foram explicitadas por vários participantes (cf. exemplos 2 e 3).

Exemplo 1 Resposta de um aluno na tarefa de análise da frase A população de Lisboa tem um acesso privilegiado a serviços socioculturais.: “Em conformidade (se bem que era simpático um gráfico ou passagem para confirmar esta afirmação crítica)” (A58).

Exemplo 2 “Não percebi o que era para fazer nesta folha” (A69). Exemplo 3 “Releio, mas mesmo assim tenho dificuldades a nível de compreensão e interpretação textual” (A 37). Quanto à competência de escrita, foram detetados alguns problemas na dimensão gráfica (cf. figuras 28 e 29) e ortográfica (cf. figuras 30 e 31) e na dimensão compositiva (cf. figura 32).

Figura 28. Letras desenhadas (A 50).

Figura 29. Desenho das letras pouco claro (ilegibilidade) (A 2).

Figura 30. Problemas de ortografia (A 19).

Figura 31. Problemas de ortografia (Acordo Ortográfico) (A 51).

Figura 32. Fragilidades na competência compositiva (A 21). No que se refere à capacidade de reflexão sobre processos de trabalho, esta foi evidenciada pela dificuldade em explicitar os processos e estratégias utilizados pelos próprios estudantes para maximizar o seu sucesso em situações de leitura e de escrita.

5. Notas conclusivas A análise dos resultados apresentados na secção anterior mostra que os alunos i) evidenciam dificuldades em sintetizar e inter-relacionar as ideias principais de um texto lido; ii) recorrem a poucas estratégias de maximização e verificação do seu nível de compreensão de textos lidos; iii) utilizam um conjunto reduzido e pouco diversificado de mecanismos facilitadores do processo de produção de um texto académico nas suas diferentes etapas; e iv) não identificam, explicitam e corrigem facilmente problemas de correção linguística ao nível da pontuação, morfossintaxe e léxico. Relativamente às dificuldades em sintetizar e inter-relacionar as ideias principais de um texto lido (i), facilmente nos apercebemos do forte impacto negativo que esta situação exercerá ao nível da compreensão do material escrito a que os estudantes têm acesso no seu percurso académico e a partir do qual se espera que construam conhecimento. Quanto à falta de hábitos de utilização de estratégias diversificadas de maximização e monitorização da leitura (ii), parece-nos que este constituirá um obstáculo à adequada construção de sentido assente na interação entre as variáveis leitor, texto e contexto (Giasson,

2000). A forma como a compreensão da leitura é encarada tem vindo a sofrer alterações ao longo dos tempos. De acordo com a autora, esta evolução é visível em dois grandes aspetos. Em primeiro lugar, a compreensão da leitura deixou de ser “um modelo centrado em listas sequenciais de habilidades” para ser “um modelo mais global orientado para a integração das habilidades”. Em segundo, a visão do leitor como recetor passivo da mensagem foi substituída pela interação entre o texto e o leitor. Ao leitor passou a ser reconhecido um papel fundamental no seu próprio processo de compreensão da leitura, que poderá ser amplamente facilitado pela gestão da compreensão pelo próprio, assegurada por processos metacognitivos. Os mecanismos de autorregulação da compreensão da leitura permitem que o leitor melhore os seus níveis de compreensão e mobilize estratégias diversificadas conforme as dificuldades sentidas. Em relação à utilização de um conjunto reduzido e pouco diversificado de mecanismos facilitadores do processo de produção de um texto académico nas suas diferentes etapas (iii), este poderá constituir-se como um obstáculo à produção textual, na medida em que um investimento no trabalho nas etapas de planificação, textualização, revisão, reformulação e edição permitirá melhorar, em larga medida, problemas de micro, macro e superestrutura textual. Por fim, as dificuldades evidenciadas nos exercícios que envolvam conhecimento gramatical e a sua explicitação (iv) são coerentes com os resultados de estudos anteriores já citados neste documento e vêm reforçar a necessidade de investimento de tempo e recursos no domínio do conhecimento explícito da língua, que, como vimos, exerce uma influência considerável no sucesso académico. Pensamos que este estudo vem confirmar a ideia de que, de algum modo, as competências de leitura, escrita e conhecimento explícito, aquando do ingresso no ensino superior, estão aquém dos níveis esperados, se tivermos em conta os objetivos definidos nos programas dos ensinos básico e secundário. Na verdade, há insuficiências que precisam de ser trabalhadas de modo a tentar minimizar o impacto negativo que essas dificuldades poderão introduzir no percurso académico destes alunos e no exercício da sua vida pessoal e profissional. Pela análise de algumas respostas dadas pelos alunos, torna-se evidente que os próprios reconhecem algumas limitações não só relativas à leitura, como também à escrita. O reconhecimento das próprias limitações poderá ser facilitador da intervenção que a escola e o professor têm de levar a cabo. Reconhecendo o forte inter-relacionamento entre o conhecimento linguístico, a reflexão linguística e a aprendizagem e o desenvolvimento da leitura e da escrita, competências verdadeiramente transversais, na planificação do currículo, é importante, ao longo da

escolaridade, ter em conta o trabalho de desenvolvimento linguístico e metalinguístico numa tripla perspetiva: i)

Em primeiro lugar, é essencial desenvolver-se um trabalho estruturado centrado na língua como objeto de estudo, o que implica a construção de um conhecimento científico sólido e rigoroso nas várias componentes linguísticas, de forma equilibrada; ii)

ii) Em segundo lugar, a articulação do saber construído com as restantes competências nucleares da língua e com as outras áreas disciplinares que compõem o currículo dos estudantes não pode ser descurada. Por um lado, a língua materna é a língua veicular da maior parte das aprendizagens académicas, o que nos leva à conclusão de que um bom nível de competência linguística nas várias competências nucleares da língua facilitará a construção das aprendizagens na quase generalidade das áreas do currículo. Por outro lado, os processos associados às especificidades da aprendizagem da língua, sobretudo se envolverem uma perspetiva indutiva, reflexiva e sócio-construtivista, poderão, se mobilizados, ser altamente benéficos para a construção de conhecimento em outras áreas do saber. i)

Em terceiro lugar, um bom domínio de conhecimentos linguísticos, tanto no modo oral como no modo escrito, é fundamental para a vida em sociedade e para o exercício da cidadania. Deste modo, o ensino formal da língua materna deve ser encarado simultaneamente

como objeto de estudo, como impulsionador de sucesso académico e facilitador do exercício de uma cidadania plena e de integração social. Tendo os aspetos referidos em consideração, importa, assim, realizar de forma intencional e sistemática atividades promotoras das competências de compreensão de leitura e de utilização do conhecimento construído, aliadas ao trabalho de escrita e ao desenvolvimento da consciência linguística e metalinguística, importância que teremos certamente em mente na nossa prática docente.

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