Competency-based management - A critical analisys / Gestão por Competências - uma análise crítica

August 25, 2017 | Autor: P. - Paulo Matos ... | Categoria: Human Resource Management
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CADERNOS EXECUTIVOS PMTG – 2013/3 GESTÃO POR COMPETÊNCIAS

CADERNOS EXECUTIVOS PMTG – 2013/3 GESTÃO POR COMPETÊNCIAS OS RISCOS DE UMA PANACEIA Paulo Matos a. Contextualizando a questão da Gestão por Competências

Conforme registra a Wikipedia, na mitologia grega Panaceia (ou Panacea em latim) era a deusa da cura, filha de Esculápio, o Deus da Medicna. Seu nome foi formado com a partícula compositiva pan (todo) e akos (remédio), em alusão ao fato de que Panacea era capaz de curar todas as enfermidades. A utilização desse termo, associado ao tema da gestão por competências, se deve à frequência com que as propostas de modelos de desenvolvimento, individuais e coletivos, embasados nessa linha de atuação são apresentados como se fossem um remédio para todos os males vinculados a gap’s de competência, além da alternativa mais sábia, óbvia e eficaz para eliminar o problema crítico de como lidar com a incômoda e complexa questão do desenvolvimento humano nas organizações. O processo é, normalmente, embalado em uma estrutura conceitual impecável, do ponto de vista de sua óbvia racionalidade, clareza, simplicidade e pseudo objetividade (muito provavelmente inspirada por uma técnica de pretensões similares: o modelo SWOT, que embasou os processos tradicionais de planejamento estratégico das décadas de 1970 e 1980). A seguir, as etapas usuais de implemnetação dos modelos de gestão por competências: 1. Identifica-se um conjunto de cargos-chave, a partir de alguma referência de prioridade estabelecida – Ex: Gerente Comercial; Gerente de RH; Coordenador de TI; Engenheiro de Produção, etc.); 2. Caracteriza-se, a partir daí, as competências necessárias a cada um desses cargos – as imprescindíveis e as desejáveis – nas dimensões conceitual, técnica e comportamental (Ex:Iniciativa; Visão Ampliada; Foco no Cliente; Fazer Acontecer; Domínio Técnico; Espírito de Equipe; Planejamento; Delegação; Negociação, etc.); 3. Conceitua-se cada uma dessas competências, graduando níveis possíveis de desenvolvimento aplicáveis a um profissional específico (Ex: Nível 1 – Insuficiente, até Nível 4 ou 5 – Excelente); 4. Cria-se uma Matriz de Avaliação Individual de Competências, à luz do Perfil do Cargo ocupado;

UMA REFLEXÃO NECCESSÁRIA Em primeiro lugar, o pressuposto, um tanto quanto “divino”, de que seja possível capacitar ou desenvolver uma pessoa em qualquer dos pontos em que ela apresente carências crônicas ou disfunções incompatíveis com o cargo que ocupa, é falso. Acreditar nisso é uma ingenuidade perigosa ou, mesmo, uma incompetência conceitual das mais graves, sobretudo quando se tratando de profissionais que apoiem os processos de desenvolvimento humano nas organizações. Se isso fosse possível, as empresas estariam repletas de gente feliz, trabalhando com espírito de equipe, tecnicamente competente, emocionalmente bem resolvida, saudável, madura, magra, malhada e realizada profissionalmente. Bastaria que fosse incluída em um programa de desenvolvimento de competências.

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Avalia-se cada profissional tendo a respectiva Matriz de Competências como gabarito de aferição (aí entra a inspiração SWOT: pontos mais fortes, pontos mais fracos, maiores oportunidades e maiores ameaças para a carreira); Com a avaliação feita, identifica-se o nível de competência de cada profissional, em relação a cada fator, conceitual, técnico e comportamental, e caracterizam-se as

capacitações que devem ser: desenvolvidas, protegidas ou diminuídas (sic) – conforme absurdamente definido em um modelo conceitual a que tive acesso – assegurando um quadro claro das prioridades de treinamento e desenvolvmento, para o curto, médio e longo prazo; 7. Define-se o Plano de Treinamento e Desenvolvimento do grupo chave escolhido; 8. Implementa-se o Programa conforme planejado; 9. Monitora-se a evolução e os resultados alcançados; 10. Asseguram-se as ações corretivas, de forma a garantir a efetividade do processo; 11. E ficam, todos, felizes, principalmente os mentores e gestores do processo. Infelizmente, as coisas não funcionam assim na vida real, ainda que sejam tratadas como se assim funcionassem. Em primeiro lugar, o pressuposto, um tanto quanto “divino”, de que seja possível capacitar ou desenvolver uma pessoa em qualquer dos pontos em que ela apresente carências crônicas ou disfunções incompatíveis com o cargo que ocupa, é falso. Acreditar nisso é uma ingenuidade perigosa ou, mesmo, uma incompetência conceitual das mais graves, sobretudo quando se tratando de profissionais que apoiem os processos de desenvolvimento humano nas organizações. Se isso fosse possível, as empresas estariam repletas de gente feliz, trabalhando com espírito de equipe, tecnicamente competente, emocionalmente bem resolvida, saudável, madura, magra, malhada e realizada profissionalmente. Bastaria que fosse incluída em um programa de desenvolvimento de competências. Quem quiser se aprofundar nesse tema tem à sua disposição uma farta literatura técnicocientífica de psicologia clínica e organizacional, de gestão empresarial e liderança. Sugiro, para começar, que sejam considerados quatro livros muito interessantes:    

“Os Tipos Psicológicos”, de Carl Jung; “Líderes”, de Warren Bennis; “Primeiro, quebre todas as regras”, de Buckingham e Coffman; “Management não é o que você pensa”, de Mintzberg, Lampel e Ahlstrand

Por conta da falta de questionamento crítico da efetividade do que se costuma denominar gestão por competências, desperdiça-se muita energia, tempo e dinheiro, com processos associados a pacotes de treinamento e desenvolvimento pré-moldados, inclusive embalados sob a oportunista fachada de “in company”, ou “taylor made”, para ludibriar incautos e desavisados, com promessas irresponsáveis de soluções para a correção de defeitos ou adição de qualificações profissonais. Se essa mesma concentração de energia, tempo e dinheiro fosse alocada, por exemplo, em processos competentes e sérios de seleção profissional, as coisas poderiam ser bem mais produtivas. Confundem-se muito os fatores indispensáveis a que uma área – ou uma equipe – dê os resultados dela esperados, com matrizes de competências de cargos, tratados individualizamente. Além disso, os estereótipos grassam quando se trata de definir competências.

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Um exemplo quase que universal: a área comercial da maioria das empresas.

Nesse cenário, um exemplo ainda mais específico: a área comercial de uma empresa imobiliária, que comercialize apartamentos e salas comerciais. Os resultados esperados dessa área estão vinculados ao fechamento do máximo de negócios, ou seja, à venda da maior quantidade de imóveis, possível. Mas, é preciso atentar para o detalhe de que tais resultados são esperados da equipe comercial e, até mesmo, de todo colaborador da empresa, não apenas dos vendedores. Se nos deparássemos, contudo, com a matriz de competências do cargo: “Vendedor” dessa empresa, não seria improvável identificarmos fatores impossíveis de ser encontrados em uma única pessoa, ao lado dos inevitáveis clichês associados aos estereótipos do que seja um “vendedor competente”:

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Visão Decisão; Excelência na comunicação; Persuasão; Fluência verbal; Iniciativa; Empatia; Negociação; Determinacão; Perseverança; Foco no cliente, etc.

Afinal, “como ser um vendedor sem tais competências, óbvias?!?!” Como as coisas têm que ser feitas com qualidade e eficiência, ele também precisaria ter como competências complementares:     

Organização e planejamento; Disciplina; Espírito de equipe; Controle e monitoramento de resultados; Conhecimentos de informática (redigir correspondências, fazer apresentações, elaborar planilhas eletrônicas...);  E por aí vai... Muitos podem dizer que a crítica é exagerada, generalizada e infundada, na medida em que todo o cuidado é tomado, nos processos sérios de identificação de competências, com a efetiva adequação dos fatores à realidade trabalhada. Concordo que generalizar seria perigoso e injusto. Portanto, que me desculpem, por antecipação, os profissionais criteriosos e ciosos da qualidade e seriedade de seu trabalho. Entretanto, mesmo nesses casos, gostaria de propor uma reflexão corajosa sobre a relação custo x benefício dos modelos conceituais de Gestão por Competências. Considere as pessoas que sejam referenciais incontestáveis de liderança e entrega de resultados da história de sua empresa. Defina as respectivas matrizes de competências inerentes a seus cargos. Analise seus perfis de atuação, seus pontos fortes e fracos, suas potecialidades e vulnerabilidades, à luz das matrizes definidas. Agora, responda com toda a transparência:

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 Quais desses profissionais – referenciais incontestáveis de liderança e entrega de resultados da história de sua empresa – se disporiam, espontaneamente, a ser avaliados, aceitando que isso poderia agregar valor às suas carreiras?  Que conceito eles obteriam em cada um dos fatores de avaliação do Processo de Gestão por competências implantado?  Quem garantiria que os avaliadores fossem, indubitavelmente, competentes para avaliá-los em todos os fatores, ou competências, consensadas?  Uma vez avaliados e informados de sua avaliação, quantos se submeteriam ao processo de desenvolvimento proposto, visando a torná-los mais competentes?  Se engajados no processo – na linha de corrigir seus pontos fracos e fortalecer seus pontos fortes – quais melhorariam, realmente, sua performance por causa do processo?  Se, por acaso, algum deles não estivesse convencido das necessidades de melhoria de competência que lhes tenham sido atribuídas, existiria alguma chance de sucesso nos treinamentos para os quais fossem designados, compulsoriamente, contra sua vontade?  Finalmente, apesar da proposta teórica de desenvolvimento envolver a correção dos “defeitos” mas, também, o fortalecimento das virtudes e dos talentos mais destacados, quais as reais chances desse programa recomendar ações de reforço de pontos fortes, ao invés de focar exclusivamete os pretensos problemas diagnosticados? Como se vê, a complexidade envolvida na questão é das mais significativas. Contudo, muitos devem estar concluindo que criticar e destruir modelos alheios é fácil, sobretudo sem o compromisso de construir nada no lugar. Para não assumir esse cômodo e antipático papel, gostaria de propor alternativas aos problemas levantados, consciente de que estarei sujeito a críticas e bombardeios, no mínimo, de mesma intensidade, uma vez que a Terceira Lei de Newton sempre dá o ar de sua graça nos debates e discussões. No entanto, acredito que nada mais saudável e edificante que um bom conflito de ideias, para fazer evoluir conceitos e processos, por isso, que cada um sinta-se à vontade para também expor seus contraditórios. Vamos , portanto, ao detalhamento da questão da Gestão por Commpetências, sob meu ponto de vista. b. Sobre a Complementaridade

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Começo retomando a questão da diferença entre o perfil ideal de um cargo quando cotejado com as competências individuais, os resultados esperados de uma área/equipe e a importância da complementaridade nesse contexto. Acredito que qualquer programa de capacitação e desenvolvimento considere como premissa essencial que ninguém seja perfeito e, por isso, nenhum profissional seria capaz de obter uma qualificação plena em todos os atributos conceituais, técnicos e comportamentais, necessários ao exercício de qualquer cargo. Esta é uma verdade universal, inerente à natureza humana e que ninguém, em sã consciência, teria coragem de contradizer. No entanto, a grande maioria dos programas de formação profissional, sobretudo de lideranças, continuam propondo – e se propondo – produzir o gestor perfeito, competente em todas as disciplinas e dimensões.

Ou, como costuma ser dito: “Adequando o gestor aos fundamentos essenciais e às melhores práticas de gestão!”. Seguramente, uma influência perniciosa do modelo americano contemporâneo de business administration, que sempre endeusou a capacidade competitiva de curto prazo, sob o comando de CEO ‘s, pretensamente auto-suficientes, superpoderosos e mágicos, mais parecidos com astros de Hollywood, e que quase quebraram a economia dos Estados Unidos na década passada. A premissa subliminar, nunca admitida com transparência pelos conselhos de administração dessas organizações, é a de que um grande líder teria de ser (ou seria), o protagonista principal, capaz de sozinho possuir todas as competências e fazer toda a diferença que a empresa precisaria, para se tornar vencedora. As equipes comporiam o cast de coadjuvantes. Para se criar, portanto, um programa de capacitação e desenvolvimento de talentos potenciais de alto padrão, bastaria ter esses pretensos super homens como gabarito. Quem quiser conhecer os desdobramentos dessa maneira de pensar pode encontrar farto material nas histórias de Carly Fiorina (Hewlet Packard), Jeffrey Skilling (ENRON), entre vários outros exemplos. Se pensássemos e agíssemos com sensatez reconheceríamos que se por um lado, ninguém é perfeito, por outro, a empresa precisaria que as coisas funcionassem com a maior perfeição possível, ou seja, que todos os atributos conceituais, técnicos e comportamentais, necessários à entrega dos resultados desejados estivessem presentes no ambiente de trabalho. Só existe uma estratégia capaz de viabilizar isto: a complementaridade das competências. Por esse meio, fica claro que mais importante que insistir no engodo de “corrigir defeitos”, que na verdade são características, na maioria das vezes, inerentes a questões estruturais do perfil profissional (portanto, não passíveis de “correção” pois não são defeitos), seria otimizar as competências complementares disponíveis. Isso implicaria incentivar uma dinâmica de trabalho onde a resultante – não o somatório – da atuação integrada, fosse a disponibilização de um todo competente, capaz de garantir as competências e os resultados que a empresa precisasse, como consequência do trabalho de uma equipe que se complementasse. Tais resultados são impossíveis de ser assegurados por um único profissional, isoladamente. Sob essa perspectiva, é míope a visão de identificar competências de um cargo, tornando-as referenciais de avaliação da competência e da adequação de um profissional, salvo no tocante aos pré-requisitos técnicos mínimos, imprescindíveis ao exercício do escopo previsto de atuação. Nesse caso, cabe não só uma avaliação pertinente como, também, um programa de capacitação e melhoria de qualificação (adestramento), quando uma triagem adequada não tenha sido possível no processo seletivo. A competência técnica, na realidade, é o pedágio que precisa ser pago, jamais a garantia de que a viagem vai ser perfeita. Ainda assim, o que se vê na prática é que aspectos relativos à expertise técnica, apesar de privilegiados nos processos seletivos, raramente são lembrados nos modelos de gestão por competências, principalmente pelo fato de esses modelos concentrarem suas atenções nos temas mais conceituais de gestão e na dimensão socioemocional, uma vez que focam posiçõeschave, em sua maioria vinculadas a cargos de liderança. E aí, a complementaridade é muito mais importante, pois as exigências descabidas de perfeição atribuídas a um cargo e, por consequência, a um profissional teriam, na verdade, de ser aplicáveis a uma área e a uma equipe ou, mesmo, a vários profissionais ocupantes de um mesmo cargo.

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Se fizermos uma analogia com um time de futebol, pode ficar mais fácil entender essa abordagem. A caracterização das competências de um jogador perfeito seria claramente indicativa da impossibilidade prática de encontrar esse super homem. Ninguém jamais seria plenamente qualificado, ou qualificável, para atuar com a mesma competência nas onze posições de um time de futebol. Se o gabarito for o jogador perfeito, poderíamos concluir que Messi, Neymar e Pelé precisariam passar por um processo de desenvolvimento intensivo para melhorar sua competência para atuar como zagueiros, ou goleiros. Da mesma maneira, os grandes goleiros seriam muito mal avaliados na sua competência para atuarem como centroavantes. Alguém poderia argumentar que um modelo de gestão por competências cuidaria de identificar fatores exclusivos de cada posição – desde o goleiro até o ponta esquerda – , eliminando os riscos citados. Assim, um lateral direito teria sua matriz de competências diferenciada do lateral esquerdo, e assim por diante. É pouco provável que saísse daí um time vencedor. Numa abordagem de complementaridade, a primeira coisa que o técnico precisaria fazer seria deixar claros os propósitos do time e, a partir daí, clarificar os papéis de cada setor – por exemplo: defesa, meio-campo e ataque – em cada partida. Parece claro que antes de saber que competências seriam imprescindíveis ele precisaria conhecer bem o adversário a ser enfrentado. Com isso, não só a tática e os papeis dos jogadores poderiam mudar de um jogo para o outro como, também, o time mais poderia ser diferente. Dessa forma, mais importante que definir de forma inflexível os atributos de cada posição (os cargos), seria conhecer as competências e os talentos de cada jogador de maneira a que, atuando integrados visando a um propósito comum, pudessem se complementar na busca do mesmo resultado desejado (a vitória em um campeonato, o que é bem diferente de vencer uma partida). O futebol é também um excelente exemplo de foco adequado de desenvolvimento. Os treinadores de goleiros existem, efetivamente, para aprimorar as competências já existentes e não para corrigir o defeito de, por exemplo, os goleiros não saberem driblar com excelência. E não se espera que todos os goleiros do time possuam as mesmas competências, pelo simples fato de “ocuparem o mesmo cargo”. Respeita-se e considera-se as características positivas presentes no perfil de cada profissonal, de forma a que utilizando-as com competência se possa garantir a máxima efetividade de cada atuação, sem violentar os talentos diferenciados em nome de uma matriz genérica e impessoal de competências essenciais. E isso se aplica a todas as demais posições. Neymar, Messi e Pelé não seriam enquadráveis em nenhuma matriz obtusa de competências essenciais. Da mesma forma que “ser um excelente batedor de falta”, jamais faria parte da matriz do cargo de goleiro, nos modelos usuais de gestão por competências. Talvez esse seja o caso – grifado anteriormente – de uma competência a ser “diminuída” no caso de Rogério Ceni. Ridículo, não é mesmo? Alguém poderia argumentar que o exemplo do futebol não é aplicável a uma empresa. Não só discordo, como vou mais longe. Em minha opinião, se as estratégias e táticas de capacitação e desenvolvimento humano utilizadas nas grandes equipes (como, por exemplo, o Barcelona), fossem aplicadas às empresas, as coisas seriam infinitamente melhores em termos de resultados.

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Se alguém tem dúvida, recomendo a leitura do livro: “A bola não entra por acaso”, de Ferran Soriano, dirigente do grande Barça. c. A importância vital do processo seletivo

Muitas das disfunções que se busca tratar por meio de modelos de gestão por competências, poderiam não existir se os processos seletivos fossem mais adequados e eficazes. Obviamente, quando uma empresa implanta um processo de gestão por competências, o aplica aos seus quadros atuais, a maioria contando muito tempo de casa. Aqui uma primeira coisa estranha: repentinamente, as pessoas-chave começam a ser informadas que serão avaliadas com bases em um rol de fatores denominados “competências” que, até então, nunca haviam sido mencionados como pré requisito de mensuração da performance. Às vezes, algumas dessas pessoas são chamadas a participar do consenso sobre tais fatores, mas com liberdade de expressão devidamente delimitada e monitorada, para que as opiniões fiquem restritas às opções previamente elencadas. Uma vez iniciado o processo vai ficar claro que todos, independentemente de cargo ou nível hierárquico, vão precisar de ser adequados, por meio de alguma ação corretiva de capacitação, em algumas competências imprescindíveis ao seu cargo e que ainda não desenvolveram na plenitude. As empresas mais ajuizadas costumam poupar os principais executivos desse constrangimento, o que cria a imagem de proteção incabível de alguns privilegiados, como se subliminarmente fosse dado o recado: “esses não têm nada a corrigir ou melhorar”. Como isso nunca é verdade, muito pelo contrário, o processo já se inicia capenga e sem grande credibilidade quanto a seus propósitos. Entretanto, se os excutivos são envolvidos, os problemas podem ser ainda maiores, na direta proporção em que se queira dar ao processo uma conotação de transparência. E se vierem à tona disfunções que todos sabem que existem, mas que ninguém quer explicitar por questões de constrangimento hierárquico? A emenda para solução desse problema, quase sempre, é pior que o soneto. Pois bem, voltando ao processo seletivo, vamos fazer uma analogia com o processo de produção de vinho. Se a safra for ruim, não existirá processo de produção que conseguirá fazer, a partir dela, um grande vinho. É o caso, por exemplo, dos grandes vinhos portugueses Barca Velha e Pera Manca, que só são produzidos em anos de grandes safras. Da mesma forma, no entanto, uma grande safra poderia ser destruída se houvesse algum enólogo que quisesse lhe agregar competências padronizadas de bouquet, tanino e retrogosto que contrariassem seus atributos originais. A safra está para o vinho assim como o processo seletivo está para a perspectiva de se ter competentes e talentosos profissionais nos quadros da empresa. Se esse processo privilegiar a busca por profissionais que atendam às matrizes de competências dos cargos, em detrimento da procura por talentos que trabalhem no foco da complementaridade de suas competências, com todas as suas imperfeições humanas e vulnerabilidades atávicas dos respectivos perfis estruturais, o prognóstico nunca será dos melhores. Por outro lado, uma seleçao inteligente e criteriosa, levada a efeito com foco em resultados e visão ampliada das vantagens da complementaridade, pode se constituir no primeiro e mais

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representativo momento de avaliar competências focadas nos resultados empresariais que se deseja alcançar, na dimensão do longo prazo e da continidade dos negócios. Dessa forma, o grande desafio da gestão do desenvolvimento humano na empresa passa a ser criar espaços e oportunidades para que os profissionais-chave possam desenvolver e exercitar seus talentos, trabalhando em complementaridade dentro de suas equipes e priorizando esforços na linha de realizar, na plenitude, o potencial humano disponível na organização. Sai de cena a preocupação estressante com a panaceia das competências essenciais e coadjuvantes de um cargo. Tais competências, como ressaltado, nunca são atingíveis na plenitude por um único indivíduo, com o agravante de os cargos estarem sempre mudando, uma vez que as estruturas organizacionais precisam estar em constante movimento e mutação, sob pena de imobilizar a empresa frente a seu ecossistema. Entra em cena, e aí permanece de maneira atemporal, o cuidado no trato com as individualidades e o respeito às diferenças de estilo, perfil e comportamento. A grande estratégia da liderança – uma arte, talvez, mais que uma estratégia – deve ser a identificação e a valorização de profissionais-chave com possibilidades de otimizar resultados em atuações complementares, dinâmicas e mutáveis, que precisam ser percebidos e tratados adeqadamente desde a fase de seleção. Ressalta-se que quanto maior a perspectiva de o profissional ser direcionado para uma carreira executiva, maior o cuidado recomendado com as dimensões comportamental e de gestão. Infelizmente, a competência técnica, que é a menos difícil de se agregar posteriormente, continua sendo privilegiada nos processos seletivos, à revelia das demais, o que é uma pena. d. A relatividade da competência à luz do perfil do cliente Ao se definir de maneira generalizada e hermética as competências de um cargo, atribuindo a elas uma importância definitiva que desconsidere, na origem, quem seja o profissional ocupante desse cargo e as circunstâncias envolvidas, comete-se uma série de equívocos que acarretam graves disfunções ao trabalho e aos resultados, seja do profissional seja da equipe. Já dizia o filósofo espanhol Ortega y Gasset, no introito de suas Meditaciones del Quixote: "Eu sou eu e minha circunstância, e se não salvo a ela, não me salvo a mim." Podemos começar falando de uma circunstância fora do controle de qualquer empresa: as expectativas dos clientes, sejam eles externos ou internos, que tendem a variar muito, em função de aspectos impossíveis de ser estabelecidos a priori, no que seja imprescindível ao desempenho de um profissional que com eles interaja. São questões em sua maioria conjunturais: negociais, emocionais, econômicofinanceiras e, mesmo, técnicas, em permanente mutação. Contudo, existem também aquelas estruturais, ligadas ao perfil preferencial de atuação das pessoas do cliente, e que interferem sobremaneira nas “competências essenciais” a ser exigidas, quando se tratar de assegurar um padrão de relação e atendimento com esse cliente, focado na garantia dos resultados esperados de um profissional, de uma área e de uma empresa. Usualmente – nos modelos mais consagrados de gestão por competências – diz-se que tais casos podem ser inteligentemente equacionados por meio da escolha de

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“competências universais”, aplicáveis a um cargo, independentemente de quaisquer circunstâncias. Exemplos: flexibilidade; visão; empatia, etc. Como se vê, “competências universais” genéricas, inespecíficas, imensuráveis e, portanto, desprovidas de qualquer utilidade prática. Como se existissem aparelhos tipo: flexibilizômetro; visômetro; empatiômetro, que quando colocados como termômetros, indicariam o grau de competência acumulada por um profissional naqueles fatores. Alguém avaliado como flexível, visionário e empático, em alto grau, estaria assim preparado para enfrentar qualquer situação ou idiossincrasia, de qualquer cliente, sendo um destaque do programa de gestão por competências. Se a avalição concluísse, por outro lado, baixo grau de desenvolvimento nesses fatores, bastaria engajar o profissional em um programa de desenvolvimento dessas competências que tudo estaria resolvido, mais dia, menos dia. Como garantir que um avaliador seja competente para avaliar fatores como esses? Quem já viu, na prática, pessoas de posturas inflexíveis, de visão míope ou com problemas crônicos de empatia mudar, de maneira consistente no tempo, em razão de treinamentos ou processos de coaching, focados em gabaritos de modelagem de comportamento, definidos a partir das competências essenciais de um cargo? Não teria sido muito mais eficaz olhar isso quando da decisão de contratação ou promoção desse profissional, como destacamos no item anterior? Ou será que tais fatores só passaram a ser importantes após a implementação do programa de gestão por competências? e. A relatividade da competência à luz do perfil do líder e dos demais membros da equipe Alguém poderia argumentar que os problemas listados anteriormente acompanham qualquer modelo, não apenas o que se baseia na gestão por competências dos cargos. Estaríamos, portanto, diante de um problema sem solução; uma verdadeira “sinuca de bico”. Felizmente, como diz um amigo meu: - “É assim, mas... não é bem assim!” Se a linha de raciocínio se concentrar nas competências universais de um cargo, tratadas de forma estanque e dissociada dos perfis e dos resultados desejados do líder e dos membros da equipe, é nula a probabilidade de se ter uma solução mitigadora do problema, sem dúvida. Contudo, o problema deixaria de existir, se o processo priorizasse o profissional e as circunstâncias conjunturais e estruturais de seu ambiente de trabalho, em especial o perfil de seu líder e dos seus colegas de equipe, ao invés de seu cargo. Ressalta-se que não estou pregando o abandono total de tudo o que se relacione aos cargos de uma estrutura organizacional.

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A relevância de qualquer cargo, no contexto do modelo de gestão de uma empresa, é indiscutível ou, pelo menos, deveria ser. Todo cargo sempre será imprescindível em uma estrutura, enquanto referenciar e adicionar valor à entrega dos resultados empresariais pretendidos com sua criação. Contudo, a estrutura e os cargos devem ser mudados tão logo se conclua que não estejam atendendo a esses propósitos. E a dinâmica do ambiente turbulento de negócios no qual estamos todos inseridos exige alterações frequentes em ambos, cargos e estruturas. O patrimônio humano da organização, contudo, é mais permanente, devendo balizar tais mudanças de forma a que o modelo de gestão adotado possa potencializar todas as competências disponíveis. O que questiono, portanto, é o fato de os modelos de gestão por competências alicerçarem todo um programa de desenvolvimento nas chamadas “competências essenciais”, definidas a partir das descrições dos cargos e não do potencial humano disponível na organização. Em outras palavras, ter como base do desenvolvimento humano não o humano, mas seu estereótipo conceitual. Conhecer, considerar e respeitar as características do perfil técnico, socioemocional e cultural, de um profissional, quando analisado à luz dos resultados a ser alcançados e do potencial de complementaridade disponível na equipe, a partir do líder dessa equipe, é o que efetivamente fará toda a diferença. As competências exigidas de um profissional, não importa se técnicas (em menor grau), comportamentais ou de alinhamento com o modus operandi e o modus vivendi de uma área, vão sempre variar muito, em função das características do líder, assim como do padrão comportamental resultante da interação das personalidades e características dos integrantes da equipe. Mudou o líder, mudam as circunstâncias e as exigências. Mudou a equipe, idem. Alguns fatores antes minimizados em sua importância, podem se tornar supervalorizados em uma nova realidade grupal, e vice-versa. Se mudaram as circunstâncias, mantendo-se a equipe e o líder, mudam as exigências. Atentar para isso e criar um processo de gestão por competências que parta da equipe para os indivíduos, nunca dos cargos e nunca dissociado dos resultados globais, é que deveria ser o foco dos programas de desenvolvimento humano. Em suma, por que insistir na inflexibilidade de pseudo competências de cargos, que nada agregam de concreto à empresa e aos resultados globais, se tratadas dissociadas desta realidade em permanente mutação a que já me referi? A prioridade real das empresas deveria estar centrada no aproveitamento das potencialidades de times integrados, onde jogadores fossem desenvolvidos e se sentissem com permissão para utilizar o máximo de seu potencial individual, em favor de maiores e melhores resultados coletivos.

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Para tanto, o ritmo e a música do desenvolvimento das pessoas precisariam ser ditados pelo potencial de complementaridade de competências técnicas, socioemocionais e culturais presente na equipe e pela realidade resultante dessa interação. Em suma, priorizar as pessoas, para que se sintam estimuladas a dar o melhor de si, ao invés de priorizar seus cargos, que nada mais são que convenções situacionais de alta volatilidade, na turbulenta realidade empresarial em que vivemos.

Junho de 2013

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