Complicações pós-operatórias em esvaziamentos cervicais

June 5, 2017 | Autor: Antonio Bertelli | Categoria: Head and Neck Cancer, Otolaryngology - Head and Neck Surgery, Head and Neck Surgery
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Artigo Original

COMPLICAÇÕES PÓS-OPERATÓRIAS EM ESVAZIAMENTOS CERVICAIS POSTOPERATIVE COMPLICATIONS IN NECK DISSECTIONS MARCELO BENEDITO MENEZES ANTONIO AUGUSTO TUPINAMBÁ BERTELLI2,3 SABRINA JARNA COELHO ANDRADE3 4 DANIEL ESTEBAN 4 MARCUS AURELIUS ARAÚJO NUNES 5 NORBERTO KODI KAVABATA ANTONIO JOSÉ GONÇALVES6

RESUMO Objetivo. Avaliar as complicações dos esvaziamentos cervicais realizados na Santa Casa de São Paulo e correlacionar com o tipo de esvaziamento realizado. Casuística e Método. Estudo retrospectivo, com revisão dos prontuários de 138 pacientes submetidos à esvaziamento cervical por neoplasia maligna de cabeça e pescoço, operados na Disciplina de Cirurgia de Cabeça e Pescoço do Departamento de Cirurgia da Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo, entre fevereiro de 2001 e janeiro de 2004. Foram avaliados dados sobre o tumor, tipo de esvaziamento e o tempo do procedimento cirúrgico, sendo correlacionados com as complicações apresentadas. Resultados. Obtiveram-se 36,2% de complicações pósoperatórias, sendo que a associação de reconstrução com retalho foi o maior fator de interferência, especialmente os 1. Doutor em Medicina e Médico Assistente da Disciplina de Cirurgia de Cabeça e Pescoço do Departamento de Cirurgia da Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo. 2. Especialista em Cirurgia de Cabeça e Pescoço pela Sociedade Brasileira de Cirurgia de Cabeça e Pescoço. 3. Ex-Residente da Disciplina de Cirurgia de Cabeça e Pescoço do Departamento de Cirurgia da Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo. 4. Acadêmico da Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo. 5. Mestre em Cirurgia e Médico Assistente da Disciplina de Cirurgia de Cabeça e Pescoço do Departamento de Cirurgia da Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo. 6. Professor Adjunto, Doutor em Medicina e Chefe da Disciplina de Cirurgia de Cabeça e Pescoço do Departamento de Cirurgia da Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo. Instituição: Disciplina de Cirurgia de Cabeça e Pescoço do Departamento de Cirurgia da Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo. Correspondência: Rua Dr. Cesário Motta Jr., 112 – 0221-020 São Paulo, SP. e-mail: [email protected] / [email protected] Recebido em 10/02/2006; aceito para publicação em 20/02/2006

Rev. Bras. Cir. Cabeça Pescoço, v. 35, nº 2, p. 109 - 112, abril / maio / junho 2006

retalhos à distância. O tempo cirúrgico médio foi de 9,6 horas, a média de idade foi de 56,8 anos e 84,8 % eram homens. As complicações não foram relacionadas ao tipo de esvaziamento cervical realizado e, apesar do esvaziamento bilateral apresentar um índice de complicação maior que o unilateral, não houve diferença estatística entre eles. O edema de face esteve presente em 8% das complicações; infecção da ferida operatória em 10,1%; seroma em 8%; deiscência de sutura 5,8%; hematoma em 5,1%; epiteliólise em 4,3%; derrame pleural em 3,6%; e dor em membros superiores em 1,4%. Conclusão. As complicações não foram relacionadas ao tipo de esvaziamento cervical, nem à bilateralidade do procedimento. A associação de reconstrução com retalho foi o maior fator de interferência para complicações. Unitermos: Oncologia; esvaziamento cervical; complicações pós-operatórias.

ABSTRACT Background: To evaluate the complications of cervical dissections performed in Santa Casa de São Paulo and to correlate the findings with the type of dissection employed. Patients and methods: This is a retrospective study and 138 charts were reviewed. The patients underwent neck dissection due to malignant neoplasia of the head and neck, in the Discipline of Head and Neck Surgery of the Department of Surgery, Santa Casa de São Paulo – School of Medical Sciences, between February, 2001 and January, 2004. The data evaluated concerning the tumor were the type of dissection and duration of the surgical procedure. This information was correlated with the complications presented in

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each case. Results: We observed a 36.2% rate of postoperative complications. The association with reconstruction using flaps was the most important factor for intercurrences, especially in the regional flaps. The complications were not correlated with the type of neck dissection performed. Despite the fact that the bilateral dissection presents a higher complication rate than the unilateral one, statistical difference was not observed between them. Facial edema was present in 8% of the cases, wound infection in 10.1%, seroma in 8%, suture dehiscence in 5.8%, hematoma in 5.1%, epitheliosis in 4.3%, pleural effusion in 3.6% and pain in the superior limbs in 1.4%. Conclusion: The complications were not correlated with the type of neck dissection nor were they correlated with bilateral approach. The association with reconstruction using flaps was the greatest interference factor for complications. Key words: Medical Oncology; neck dissection; postoperative complications.

INTRODUÇÃO O esvaziamento cervical é um procedimento comum no tratamento de neoplasias na região da cabeça e pescoço, proporcionando um controle seguro das metástases regionais1-3. Com o avanço do procedimento e conhecimento cada vez maior do comportamento biológico do tumor, fazemse esvaziamentos cervicais cada vez menos agressivos, com manutenção da eficácia e diminuição das complicações. Entretanto, a extensão da doença e comorbidade, como o diabetes mellitus, disfunção renal, imunossupressão, obesidade, doenças hepáticas e doenças cárdio-pulmonares, favorecem o aparecimento de complicações 4 , 5 . As complicações mais freqüentemente descritas na literatura são a cegueira pós-operatória, lesão da veia jugular interna ou suas tributárias, fístula linfática por lesão do ducto torácico, arritmias devido à manipulação do bulbo carotídeo, sangramento, hematomas, edema de face, infecção, seroma e, menos comumente, ocorrem lesão da carótida interna, ruptura da veia jugular interna na base do crânio e embolia gasosa3,6-8. Os nervos mandibular marginal, vago, frênico, hipoglosso, espinhal acessório e simpático podem ser lesados, principalmente nas grandes ressecções, podendo levar a déficits funcionais significativos a ele relacionados5,6. Os métodos mais eficazes para evitar complicações são a administração de antibiótico no intra-operatório5,6, melhora do estado nutricional do paciente5 e utilização dos drenos de sucção6. Na persistência de complicações, muitas vezes é necessário uma nova intervenção cirúrgica. A oxigenoterapia hiperbárica pode ser útil no auxílio da reparação em casos de necrose e infecção da ferida6,9. O objetivo do presente estudo foi avaliar as complicações pós-operatórias dos esvaziamentos cervicais, em paciente submetidos a tratamento cirúrgico por tumores malignos de cabeça e pescoço e analisar a freqüência, suas relações com o sítio tumoral, estádio da doença, tipo de esvaziamento e a realização de retalhos locais e distantes.

CASUÍSTICA E MÉTODO O presente trabalho consiste em um estudo retrospectivo de 138 prontuários de pacientes com neoplasias

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malignas do trato aero-digestório alto, pele e seios paranasais, submetidos a esvaziamento cervical com ou sem ressecção do tumor primário, tratados na Disciplina de Cirurgia de Cabeça e Pescoço do Departamento de Cirurgia da Faculdade Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo, no período entre fevereiro de 2001 e janeiro de 2004. Utilizou-se protocolo específico, que incluiu a idade do doente, gênero, hábitos e costumes, localização dos tumores primários, quantificação do débito dos drenos de sucção, presença de comorbidade, radioterapia prévia, tipos de esvaziamento cervical, tempo cirúrgico e os tipos de complicações encontradas. Os esvaziamentos cervicais foram divididos em: 1. Funcionais, ou seja, esvaziamento cervical radical modificado tipo III, com preservação do nervo espinal, músculo esternocleidomastóideo e veia jugular interna; 2. Não funcionais, que incluem os esvaziamentos cervicais radicais modificados, com sacrifício de qualquer das estruturas não linfáticas citadas acima, esvaziamento cervical radical clássico e o esvaziamento cervical radical ampliado; 3. Esvaziamentos seletivos eletivos, como o supraomohióideo e o lateral. Para melhor análise, considerou-se apenas o maior esvaziamento quando houve esvaziamento cervical bilateral no mesmo tempo cirúrgico. Como não havia mensuração de quilomicrons nos líqüidos obtidos dos drenos de sucção, estipulou-se que o diagnóstico de fístula quilosa seria considerado apenas quando o débito do dreno fosse maior ou igual a 600ml/24h, conforme preconizado por Garden et al.6. Após coleta de todos os dados, foi realizada análise descritiva e analítica univariada da amostra, utilizando-se o teste do qui-quadrado e análise de variância.

RESULTADOS Na casuística estudada, 84,8% eram do gênero masculino e 15,2% do feminino, com idade variando de 12 a 86 anos (média de 56,8 anos e mediana de 56 anos). A presença de comorbidade foi encontrada em 54% dos doentes, tendo a diabete melitus, a hipertensão arterial sistêmica, pneumopatias e cardiopatias, como principais doenças. Quanto aos hábitos e costumes, 85,5% eram tabagistas e 59,4% etilistas. Quanto à distribuição dos locais dos tumores primários, tivemos 29% em boca; 24,6% em faringe; 35,5% em laringe; 2,2% em glândulas salivares; e 8,7% em outros sítios primários, como pele (cinco casos), seios paranasais (três casos) e quatro casos de tumor com primário desconhecido. Quanto ao estádio,T, 7,9% eram T1; 21% eram T2; 18,1% eram T3; 44,9% eram T4 e em 8% não puderam ser avaliados (Tx). Com relação ao estádio N, 48,6% eram N0; 10,1% eram N1; 34,1% eram N2; 6,5% eram N3 e em apenas 0,7% esse dado não pode ser avaliado. Entre os 138 pacientes submetidos ao esvaziamento cervical, 36,2% apresentaram complicações até o trigésimo dia pós-operatório. O esvaziamento cervical radical modificado tipo III foi realizado em 30,4%, o radical modificado, o radical clássico e radical ampliado, denominados de “não funcionais”, em 23,2%, e os seletivos (pescoço N0), em 46,4%. O esvaziamento cervical bilateral foi realizado em 46,4% dos pacientes. A reconstrução com o uso de retalho local ou a distância foi realizada em 26,1% dos casos (36 pacientes), sendo que em 7,2% (10 pacientes) foram retalhos locais e em

18,8% (26 pacientes), retalhos à distância. O tempo cirúrgico médio foi de 9,6 horas, variando de 4 a 23 horas, lembrando que esse tempo não se refere ao do esvaziamento, mas sim de todo o procedimento a que o paciente foi submetido. As complicações pós-operatórias ocorreram em 50 pacientes (36,2%), onde tivemos a infecção da ferida operatória em 14 pacientes (10,1%), edema de face em 11 pacientes (8%), derrame pleural em cinco pacientes (3,6%), epiteliólise do retalho cervical em seis pacientes (4,3%), hematoma cervical em sete pacientes (5,7%), seroma 11 pacientes (8%), deiscência de sutura em oito pacientes (5,8%) e dor de membro superior em dois pacientes (1,4%) – tabela 1. Tabela 1 – Tipos de complicações.

Comparando os diferentes tipos de esvaziamento cervical, houve maior associação de complicações nos esvaziamentos cervicais radicais não funcionais (tabela 2), porém, sem diferença estatística significativa entre eles. Tabela 2 – Distribuição do número de complicações em relação ao tipo de esvaziamento cervical realizado. qui-quadrado= 0,096

Analisando-se os esvaziamentos cervicais quanto à bilateralidade ou não do procedimento, quantitativamente houve maior número de complicações nos esvaziamentos bilaterais, sem, contudo, diferença estatística significante, mas apenas uma tendência (p=0,059). Quando associado à rotação de retalhos em geral, houve um significativo aumento do índice de complicações, 23 pacientes (63,8%) com p=0,00013, entretanto, quando comparamos os retalhos locais e a distância, observamos um número maior de complicações relacionadas aos retalhos à distância, 18 pacientes (66,6%) com p= 0,0004 – tabela 3. Tabela 3 – Distribuição do nº de complicações quanto ao tipo de retalho. qui-quadrado= 15,59; p= 0,0004118.

Quanto à localização do tumor primário, houve uma grande associação das complicações no grupo de “outros tumores”, ou seja, os sítios dos seios paranasais, pele e no tumor primário desconhecido (oito pacientes em 12 ou 66,6%). Em apenas dois pacientes houve lesão iatrogênica de estruturas cervicais que não deveriam estar incluídas no procedimento.

DISCUSSÃO Em 1952, Ewing & Martin10 analisaram as seqüelas deixadas pelo esvaziamento cervical, desde as alterações estéticas até as funcionais e concluíram que todo paciente submetido a esvaziamento cervical inicia uma nova vida após a cirurgia e que os déficits nos movimentos dos ombros, causados pela secção do nervo espinal acessório, seria a seqüela mais importante, tendo levado muitos cirurgiões a realizarem o esvaziamento cervical radical modificado. Em 1983, Leipzig11 já ressaltava a importância da preservação e da manipulação cuidadosa intra-operatória do nervo espinal acessório nos esvaziamentos cervicais e encontrou, no seu estudo, que 60% dos pacientes submetidos ao esvaziamento cervical radical clássico apresentavam seqüelas funcionais. Em nosso estudo, observamos um pequeno número de queixas relacionadas à lesão do nervo espinal acessório, sendo que o nervo foi, na maior parte das vezes, sacrificado pela sua situação em relação ao tumor e não lesado acidentalmente. Talvez, o baixo número de queixas esteja relacionado à melhoria das condições quando da comparação pelo próprio paciente com o pré-tratamento, uma vez que não realizamos avaliação objetiva da mobilidade do ombro. Apesar de descrito como fator causador de complicações, apenas três pacientes de nossa amostra foram submetidos à radioterapia prévia e, frente ao pequeno número de casos, não foi possível avaliar a influência da radioterapia na ocorrência de complicações. Alguns autores5 relatam a importância do estado nutricional e nível de hemoglobina, para minimizar as complicações pós-operatórias nos esvaziamentos cervicais6. Em nossa análise, não foi possível essa avaliação com segurança, por não dispormos, como regra, desses dados anotados. A associação da rotação de retalhos a distância aumentou a incidência de complicações, talvez pelos próprios retalhos, mas também pela maior extensão da cirurgia subentendida em sua necessidade (68,3%). Quanto aos sítios primários, embora não houve significância estatística entre tumores distantes e locais (p= 0,0095), ocorreu um número significante de complicações em tumores de pele, seios paranasais e tumores primários ocultos, provavelmente em virtude do estádio avançado da doença, que exigiu uma reconstrução complexa e também pela presença de infecção tumoral prévia. O esvaziamento cervical bilateral, conforme descrito em literatura, apresentou um índice maior de complicações.

CONCLUSÕES As complicações relacionadas aos esvaziamentos cervicais ocorreram em 36,2% dos pacientes, variando de leves, como os seromas, infecção de ferida operatória, deiscência de sutura, epiteliólise e edema de face até complicações mais graves, como sangramentos e hematomas, alteração funcional de membros superiores e derrame pleural que, por algumas vezes, necessitaram de

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intervenção cirúrgica para sua resolução. As complicações não foram relacionadas ao tipo de esvaziamento cervical nem à bilateralidade do procedimento. A extensão da ressecção foi importante na ocorrência de complicações, que em nossa casuística se traduziu pela necessidade de rotação de retalhos à distância. AGRADECIMENTO Agradecemos ao Núcleo de Apoio à Publicação da Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo – NAP-SC o suporte técnico-científico à publicação deste manuscrito.

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