COMPORTAMENTO E LINGUAGEM NA FILOSOFIA DA PSICOLOGIA DE LUDWIG WITTGENSTEIN

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COMPORTAMENTO E LINGUAGEM NA FILOSOFIA DA PSICOLOGIA DE LUDWIG WITTGENSTEIN ARTURO FATTURI Universidade da Fronteira Sul - UFFS

[email protected] Resumo: Meu objetivo nesta comunicação é investigar as relações estabelecidas por

Wittgenstein entre comportamento e o critério para compreensão dos conceitos psicológicos tal como apresentados nas Investigações Filosóficas e obras posteriormente publicadas. O ponto de vista a partir do qual construo meus argumentos e interpretações sobre as relações entre regras, critérios e comportamento é o de que Wittgenstein não partilhava de um ponto de vista puramente comportamental no que diz respeito ao mundo interior, mas também não poderia ser corretamente denominado como admitindo a existência de um mundo interior independente das manifestações comportamentais. Meu ponto de vista é o de que Wittgenstein trata os conceitos psicológicos como sendo a expressão do nosso mundo interior e, com isto, as manifestações comportamentais, o treino e o ensino do uso dos conceitos fazem parte dos critérios de compreensão do vocabulário psicológico. Será necessário então, esclarecer como devemos compreender o uso expressivo dos conceitos psicológicos e como as manifestações comportamentais fazem parte deste uso. Isto, por sua vez, tornará mais claras as relações entre comportamento e sua relação com os jogos de linguagem para Wittgenstein. Palavras-chave: Wittgenstein, Linguagem, Comportamento, Análise, Mundo Interior.

LANGUANGE AND BEHAVIOUR IN WITTGENSTEIN'S PHILOSOPHY OF PSYCHOLOGY Abstract: My goal in this paper is to investigate the relation established by Wittgenstein

between behavior and the criteria for understanding our use of psychological concepts as He presented in Philosophical Investigations, and in subsequently published writings. The point of view from which I elaborate my arguments and interpretations is that Wittgenstein did not share a purely behavioral point of view with regard to the inner world, but also could not be properly termed as admitting the existence of an inner world of independent behavioral manifestations. My view is that Wittgenstein 's conception of psychological concepts as the expression of our inner world, the behavioral manifestations, training, teaching the use of the concepts all that are part of Moreno, A. R. (org.). Compreensão: Adestramento, Treinamento, Definição. Col CLE, v. 68, pp. 33-54, 2014.

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the criteria for understanding our psychological vocabulary. With this I hope we will clarify how we should understand the expressive use of psychological concepts and behavioral symptoms as part of this use. This, in turn, will make clearer the relationship between behavior and its relations with language games in Wittgenstein philosophy. Keywords: Wittgenstein, Language, Behaviour, Analysis, Inner World.

Meu objetivo neste ensaio é apresentar uma interpretação quanto às relações entre os conceitos psicológicos e comportamento na filosofia de Wittgenstein usando, para tanto, as Investigações Filosóficas em conjunto com outras publicações de Wittgenstein. Meu trajeto para atingir o objetivo desejado, não será o de ”interpretar” certas passagens e sim arregimentar determinadas passagens do texto wittgensteiniano a fim de produzir argumentos compreensivos dobre o tema investigado.Não pretendo, portanto, apresentar uma nova interpretação e sim minha compreensão da relação entre conceitos psicológicos e comportamento, a partir dos argumentos de Wittgenstein1. Meu ponto inicial é considerar que a relação entre comportamento e jogos de linguagem é bem próxima, a tal ponto que o comportamento faz parte dos jogos de linguagem com os conceitos

Os textos de Wittgenstein serão indicados da forma tradicional a saber: IF para Investigações Filosóficas (seguido de I para indicar a primeira parte e do número da seção bem como da indicação, em letra romana minúscula para o parágrafo), PR para Philosophical Remarks (seguido do número da página), PG para Philosophical Grammar (seguido do número da página), Z para Zettel (seguido do número da seção e letra romana minúscula para indicar o parágrafo), RPP I para o primeiro volume de Remarks on the Philosophy of Psychology (seguido do número da seção e letra romana minúscula para indicar o paragráfo), RPP II para o segundo volume desta mesma obra. 1

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psicológicos2. Isto não parece de todo esclarecedor, uma vez que não se indicou como o comportamento está relacionado com o uso de conceitos segundo regras ou as práticas com os mesmos. Meu objetivo aqui não é definir o que Wittgenstein entendia por comportamento, antes, em vez de tentar uma resposta direta a uma pergunta direta, qual seja “Wittgenstein poderia ser definido como comportamentalista?”, a qual o próprio Wittgenstein recusou3, tento tratar a questão por outro caminho, qual seja, considerar qual o papel desempenhado pelo comportamento no uso dos conceitos psicológicos. Ainda, um primeiro esclarecimento do que pode ser caracterizado como conceitos psicológicos nos é fornecida por Wittgenstein quando busca, por duas vezes, construir uma classificação destes conceitos4. Segundo ele, nestas duas tentativas, o que caracteriza os verbos psicológicos é o fato de que a sentenças com estes verbos na primeira pessoa são classificadas ou identificadas como sendo “expressão”, enquanto que sentenças com estes verbos na terceira pessoa são caracterizados pela observação. Ou seja, quando digo que estou aborrecido minha própria enunciação é a expressão de meu aborrecimento. Por outro lado quando afirmo “ele está aborrecido” tal enunciado é caracterizado por ser uma observação quanto ao comportamento da outra pessoa.

A relação entre comportamento e uso significativo não se resume apenas ao caso dos conceitos psicológicos, em várias seções das Investigações Filosóficas Wittgenstein correlaciona o uso significativo da linguagem com compreender o que um conceito significa ou com saber aplicar um conceito num jogo de linguagem. Por exemplo, o caso das “máquinas de leitura” em §157(a). 3 IF § 307 onde LW nega que para ele apenas o comportamento é importante e o restante (?) apenas uma ficção. A ficção, dirá LW, se existe alguma é uma ficção gramatical. 4 RPP i, § 836, RPP ii, §63, Z §472, 483 621, RPP i, §148, a – f, Z §488, g – i, Z §489, j Z § 490, k – l, Z §491, m – p, Z §492 2

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Consideremos a seguinte passagem de Zettel5: “Vemos a emoção” - Em oposição a quê? - Não vemos distorções [contorções] faciais e inferimos a partir delas (como o médico que faz um diagnóstico) para a alegria, dor, aborrecimento. Descrevemos imediatamente um rosto como triste, radiante, aborrecido, mesmo que sejamos incapazes de fazer outra descrição das feições. - A dor está personificada no rosto, gostaríamos de dizer (a). Isto pertence ao conceito de emoção (b)

Aqui, é interessante notar que Wittgenstein chama atenção para o que podemos observar no comportamento de uma pessoa, suas feições ou a mudança de suas feições, e nossa compreensão do conceito de emoção. Há uma ligação entre a forma como consideramos o comportamento de uma pessoa e o conceito que atribuímos a este comportamento. Lembro aqui outra passagem, localizada na segunda parte das Investigações Filosóficas em que, novamente o comportamento é importante; refiro-me à segunda parte do texto: quando o interlocutor de Wittgenstein faz a pergunta “Então a psicologia trata do comportamento e não da alma”? A resposta é que o psicólogo observa as ações humanas, o comportamento e as manifestações, mas estas, acrescenta Wittgenstein, não tratam do comportamento. Na coletânea de textos intitulada Last Remarks on The Philosophy of Psychology, esta passagem é assim escrita:

5 Z § 225 “We see emotion” – As opposed to what? We do not see facial contortions and make inferences from them (like a doctor framing a diagnosis) to joy, grief, boredom. We describe a face immediately as sad, radiant, bored, even when we are unable to give any other description of features. - Grief, one wold like to say, is personified in the face (a). This belongs to the concept of emotion(b).

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O Psicólogo relata os proferimentos (Ausserungen, utterances) do sujeito. Mas estes proferimentos “Eu vejo...”, “Eu ouço...”, “Eu sinto...”, etc. Não são sobre o comportamento. [Conf. IF II, v, p. 153b] ---Sobre ambos, não lado a lado, de fato, mas sobre um através do outro. [IF, II, v, p. 153c]

Ou seja, existiria uma contiguidade entre comportamento e o que motivou este comportamento ou vemos o que motiva o comportamento através do mesmo? Isto é, tomando o exemplo fornecido por Wittgenstein6, quando usamos a expressão “o céu parece ameaçador” estamos relatando algo que está no céu, algo que vemos que está lá no que o céu7 é, naquele momento, ou seria uma expressão do que esperamos que vá acontecer, dado que o céu tem uma determinada aparência? A resposta de Wittgenstein a estas duas questões será “vemos um através do outro”8. O mesmo se pode dizer quanto aquela passagem do Zettel que mais acima citamos: o que vemos no rosto da pessoa são suas feições, seus trejeitos, seu comportamento e é neste comportamento, através dele, que podemos ver a emoção da pessoa, isto é, um através do outro. É importante notar aqui que o comportamento é usado como critério para uma atribuição e é este ponto que me parece interessante explorar, isto é, o de que a atribuição de alegria a uma pessoa tem por base suas manifestações comportamentais, mas, ao mesmo tempo, as manifestações comportamentais não são a alegria. Por outras palavras,

IF ii, v. Neste caso, seria dizer “Há uma ameaça no céu”. 8 O contexto desta expressão é o seguinte: “Notei que algo não ia bem com ele”. Isto é um relato sobre o comportamento ou sobre o estado de alma? (“O céu parece ameaçador”: trata-se do presente ou do futuro?) De ambos: mas não em contiguidade, e sim de um através do outro. IF ii, v. 6 7

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se poderia dizer que uma pessoa que sorri está em estado de alegria, mas, ao mesmo tempo a alegria não é seu sorriso 9. Considerando estas distinções, ainda que superficialmente apresentadas, coloca-se a questão: como se aprende o que o conceito de “alegria” ou “aborrecimento” significa, uma vez que as manifestações de alegria não são a alegria. Poderia considerar que a alegria ou aborrecimento seriam algo que é veiculado, transmitido por estas manifestações? Ou seja, o que se pretende compreender é como o “comportamento de aborrecimento” e o “comportamento de alegria” podem fazer parte da compreensão do conceito de alegria e da compreensão do conceito de aborrecimento10, sem que tais conceitos sejam definidos como sendo aqueles comportamentos (Conforme a passagem em Z §487, eles não designam nada). Alguém poderia dizer que a alegria é algo que pode ser transmitido através do comportamento, ainda que não se constitua no mesmo e que o conceito de alegria só pode ser esclarecido se o mesmo for definido de antemão. Sob tal ponto de vista, tanto o comportamento, quanto o conceito necessitam de algo que os vincule a um fenômeno o qual denominamos “alegria”. Ou seja, o conceito está para um tipo de fenômeno ou experiência interna ou externa que se mostra também no comportamento.

Zettel §487 “Mas eu tenho um sentimento de grande felicidade”. Sim, quando você está feliz, você realmente está feliz. E, claro, sentir-se feliz não é o comportamento de felicidade, tampouco um sentimento nos cantos da boca e dos olhos (a). Mas felicidade, certamente designa (designates) alguma coisa interior (inneres, inward). Não “felicidade” não designa nada, de todo. Nem uma coisa interna, nem uma coisa externa] 10 Poderíamos pensar o mesmo para a aparência ameaçadora do céu: a ameaça é algo que o estado físico do céu, quando observado, contém ou atribuímos à aparência física do céu o conceito de ameça? 9

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Retomando o caso do céu ameaçador, seria dizer por um lado, que existe um conceito que designa um estado, a saber, o de ameaça ou “ser ameaçador” e é por sabermos o quê tal conceito designa que o atribuímos ao estado físico do céu, ainda que a ameaça não esteja no céu. Por outro lado, poderíamos dizer que aquela conformação do céu é a ameaça, isto é, por ele estar carregado com nuvens escuras em conjunto com outros fenômenos ele é ameaçador. Em suma, o estado ameaçador do céu consistiria numa atribuição ao céu de um conceito que definiríamos através de uma explicação do fenômeno “ser ameaçador” ou, por outro lado, “ser ameaçador” é o que o céu, naquelas circunstâncias específicas, é. Se retomarmos agora as palavras de Wittgenstein na citação acima que retiramos do Zettel, o ser ameaçador do céu, a alegria e o aborrecimento, para utilizarmos os conceitos usados em nossos exemplos, estão personificados no que observamos e isto, é tomado como algo que pertence aos conceitos em questão. Portanto, o comportamento ou a aparência física da pessoa a quem atribuímos um conceito psicológico pode servir como um esclarecimento da compreensão do conceito que estamos empregando, ainda que não seja de todo claro se podemos afirmar que o rosto alegre ou o comportamento de aborrecimento são o que define o conceito de alegria e de aborrecimento. Seria dizer, sempre que uma pessoa se comporta desta e desta maneira ela está alegre, isto é, existe um comportamento padrão de estar alegre e este é o que define o conceito de alegria. Consideremos o caso do céu ameaçador, existem vários tipos de conformação do céu, quais sejam: ensolarado, com nuvens, chuvoso, etc. Mas dentre todos estes estados existe um que pode definir o conceito “ser um céu ameaçador” que poderá ser corretamente Moreno, A. R. (org.). Compreensão: Adestramento, Treinamento, Definição. Col CLE, v. 68, pp. 33-54, 2014.

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atribuído ao céu, qual seja, aquele que apresenta características determinadas (e aqui fornecemos uma lista destas características). Bem, estou fazendo esta série de distinções um tanto complexas para mostrar que a atribuição de um conceito psicológico não pode ter como critério apenas o comportamento ou as manifestações físicas, ou o aspecto físico para o caso do céu, mas que algo mais está envolvido. Este algo mais é o que Wittgenstein parece querer expressar ao usar a frase “um através do outro”. Mas aqui surge outra questão, qual seja, alguém poderia argumentar que sabemos o que significam os conceitos que aplicamos, uma vez que seu significado nos seja definido. Assim, tanto a alegria quanto o aborrecimento, seriam corretamente atribuídos a pessoas se seu significado já nos fosse conhecido e este significado deveria ser definido através de uma ostensão que fizesse a ligação entre o conceito e o objeto para o qual o mesmo está. Assim, continuando com a argumentação, só posso atribuir aborrecimento a alguém se já souber o que o conceito significa, o mesmo valendo para alegria, tristeza, ser ameaçador e outros conceitos como este. Esta mesma questão poderia atingir a gama dos conceitos psicológicos, como se alguém num estado de irritação com toda esta argumentação afirmasse: mas como posso saber, por exemplo, da intenção desta pessoa, uma vez que apenas vejo, observo, o comportamento da mesma ou nem seu comportamento, mas simplesmente o fato de ela me informar que tem esta ou aquela intenção. Esta pessoa poderia continuar argumentando da seguinte forma: ora, se não sei o que o conceito significa, que objeto está para o conceito, como se poderá compreendê-lo? Diga-me o que é a alegria e poderei saber se aquela pessoa está alegre, defina-me o que significa aborrecimento e poderei compreender se uma pessoa está ou não aborrecida, uma vez que apenas vejo seu comportamento e este pode Moreno, A. R. (org.). Compreensão: Adestramento, Treinamento, Definição. Col CLE, v. 68, pp. 33-54, 2014.

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variar de pessoa para pessoa. Ou seja, segundo esta argumentação, a definição dos conceitos é anterior ao uso dos mesmos, um conceito apenas teria uso significativo se sua significação já estivesse determinada, quando alguma coisa lhe correspondesse. Wittgenstein toca neste ponto no 11 texto das Investigações Filosóficas quando discute a aplicabilidade dos nomes próprios. O problema nesta discussão é a ideia de que uma palavra não tem significação quando nada lhe corresponde e a confusão aqui, é a ideia de que nome e objeto correspondente estão ligados de tal forma que as palavras devem designar objetos e esta seria a única forma de obtermos o significado de uma palavra. Assim, as palavras que pertencem ao vocabulário psicológico deveriam ser usadas significativamente apenas se os objetos que elas designam já nos fossem conhecidos. Contudo, como no caso do vocabulário psicológico não há objetos, então estas palavras devem designar eventos que ocorrem na pessoa a quem atribuímos os mesmos. Ou seja, tanto nosso vocabulário comum, quanto nosso vocabulário psicológico funciona da mesma forma, são usados significativamente da mesma forma, isto é apenas se o que designam já nos for conhecido. Nossa linguagem seria, sob tal concepção, uma descrição de objetos ou estados internos das pessoas, no caso dos conceitos psicológicos. Entretanto, a descrição é um determinado jogo de linguagem, e não se pode reduzir todo o uso significativo de nossos conceitos à descrição (IF, §23). Antes, a significação de uma palavra é seu uso na linguagem e este uso incluí também, a elucidação da palavra por meio

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IF § 37 e seguintes.

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de uma definição ostensiva, isto é, apontando para seu portador (IF, §43). Aqui temos uma determinada imagem do funcionamento de nossa linguagem, a saber, que ela serve para descrever objetos,pensamentos, etc. Esta imagem será aplicada também para nosso vocabulário psicológico. É a partir da aplicação desta imagem que nossos conceitos psicológicos se tornam como descrições de eventos peculiares, eventos que ocorrem em um determinado lugar, qual seja em nosso espírito, ou mente. Com isto, a imagem de uma linguagem eminentemente descritivista, já nos tornou cativos de uma série de questões, por exemplo: sendo os conceitos descrições de objetos, compreendemos claramente o que uma palavra como “cadeira” descreve, ainda que possamos ter alguma dúvida quanto ao tipo do objeto, sabemos que objeto procurar “na realidade”. Contudo, se aplicarmos esta mesma imagem para uma palavra como “intenção” ou “alegria”, somos tentados a indicar algum tipo de evento que se passa no interior da pessoa, uma vez que a intenção não é compreendida naturalmente como designando um objeto que podemos encontrar na realidade. Ou seja, somos conduzidos por uma analogia sugerida pela imagem do funcionamento de nossa linguagem. No Blue Book12, uma das lições iniciais do texto é justamente eliminar esta analogia; aí Wittgenstein considera o que nos faz acreditar que os pensamentos estão em nossa cabeça, isto é, talvez o maior motivo que nos leva a crer que os pensamentos estão na cabeça é a existência de palavras como “pensar” e “pensando”, juntamente com palavras que denotam atividades corporais, como escrever, falar, etc.

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BB; 6 e seguintes.

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Isto nos faz procurar por algum tipo de atividade análoga, ainda que diferente da linguagem, que constitua a denotação de “pensar”. Ou seja, quando as palavras em nossa gramática ordinária possuem aparentemente uma gramática análoga, tendemos a interpretálas de forma análoga, isto é, tendemos a fazer com que a analogia se estenda para todos os usos das palavras (como se a compreensão de um caso de uso, pudesse ser extendida para todas as expressões análogas aquela). Contudo, o que se torna necessário é compreender como estas expressões funcionam, qual a sua gramática as diferenças gramaticais entre expressões como “pensamos com nossa boca” e “pensamos com a caneta sobre papel”. Entretanto13, não é um sem sentido falar sobre a localização do pensamento, teremos de fornecer um sentido para uma expressão correlata como “observar nossos pensamentos ocorrendo em nossa cabeça”, talvez algum método experimental estipulado, etc. Não devemos nos deixar cativar por uma generalização da imagem que nossa linguagem nos sugere14. Isto nos conduz à questão que motiva esta comunicação, a saber: como o comportamento figura ou faz parte de nossos jogos de linguagem com os conceitos psicológicos. Uma primeira aproximação já foi indicada, qual seja, a concepção de Wittgenstein de que no uso do vocabulário psicológico a primeira pessoa do singular é caracterizada como “expressão”, enquanto que a terceira pessoa é caracterizada como informação.

BB; 7 - “Now does this mean that it is nonsensical to talk fo a locality where thought takes palce? Certainly not. This phrase has sense if we give it a sense”(...) 14 IF, ii, vii “Nossa linguagem descreve primeiramente uma imagem. O que deve acontecer com ela, como deve ser empregada, isto permanece nas trevas. Mas é claro que deve ser pesquisado, se se quer compreender o sentido de nossas afirmações. A imagem, porém, parece dispensar-nos desta tarefa; ela já indica um determinado emprego. Com isso, ela nos logra”. 13

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Considero que o “uso expressivo” implica que a linguagem é usada não como uma descrição, isto é, quando afirmo “estou aborrecido” não estou fazendo uma descrição de meu estado interior, relatando algo que se passa em minha mente ou espírito. Antes, meu enunciado é meu aborrecimento. Considerar que é possível alguém afirmar que está aborrecido, mas que, ao mesmo tempo não sabemos se o que diz é verdade, supõe por um lado, que o enunciado tem sentido, mas não se sabe se o que ele descreve é ou não verdadeiro. Isto é, a pessoa que se diz aborrecida poderia estar mentindo. Por outro lado, esta consideração também supõe que as palavras estão desligadas, por assim dizer, do comportamento da pessoa que se diz aborrecida. Neste caso o comportamento não faz parte do significado do que é afirmado. Quanto a isto, consideremos a seguinte passagem do Zettel15: Imagina que alguém diz: “O Homem tem esperança”. Como deveria descrever este fenômeno geral da história natural? Poderíamos observar uma criança e esperar até que um dia ela manifestasse esperança; então poderia dizer-se “Hoje teve esperança pela primeira vez”. Mas isto soa muito estranho! Embora fosse muito natural dizer “hoje ele disse “tenho esperança”, pela primeira vez” E estranho porquê? Não dizemos que um bebe tem esperança de que...nem que não tem esperança de que...e se diz isto de um adulto. Bem, pouco a pouco a vida diária torna-se de tal forma que existe um lugar para a esperança.

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Ver também a mesma passagem em RPP ii, §17.

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Mas agora diz-se: Não podemos ter a certeza de quando uma criança começa a ter esperança, por se tratar de um processo interior. Que contra-senso! Como sabemos então do que estamos a falar?

Ou seja, se o comportamento de esperança não é uma expressão da esperança, então como sabemos usar a as palavras “ter esperança” nas ocasiões adequadas e apontar a inadequação do uso da mesma? Algo paralelo se passa com aqueles conceitos que mais acima analisávamos, isto é, se o comportamento de estar aborrecido não faz parte do significado da expressão “estar aborrecido”, como poderemos saber em que circunstâncias poderíamos falar adequadamente do aborrecimento de uma determinada pessoa? Nestes casos, e em vários outros, de uso dos conceitos psicológicos o comportamento faz parte do jogo de linguagem em que os empregamos. Podemos dizer o mesmo do aprendizado de outros conceitos, por exemplo, o caso do uso do conceito “ler”. Na análise deste conceito, Wittgenstein lança mão de uma analogia com a possibilidade de existirem máquinas humanas de leitura 16 (seres humanos treinados como máquinas de leitura). Estas máquinas, seriam preparadas para transformar sinais impressos em sons. Neste caso, afirmar de uma destas máquinas, que ela “leu corretamente”, não implica saber o que passou pela mente da máquina e sim, qual o som que ela produziu, em comparação com o sinal que deveria transformar em som. Ora, neste caso, o comportamento das mesmas nos indica se leram corretamente ou não.

A análise do conceito “ler” inicia-se na seção 156 e as máquinas de leitura aparecem na seção 157. Estas duas seções visam esclarecer o problema dos “processo anímicos” que estariam por detrás da compreensão. Diz Wittgenstein na seção 154 “Não pense, ao menos uma vez, na compreensão como processo anímico”! - Pois é este modo de falar que o confunde”.

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Consideremos outro exemplo fornecido na seção 180 as Investigações Filosóficas . Nesta seção, Wittgenstein analisa o caso de definir a expressão: “Eis como se empregam estas palavras”. Tal expressão, considerada de forma superficial, nos induz a crer que ela funciona como descrição de um estado anímico17, isto é, como se algo se passasse na mente ou no espírito de quem emprega as palavras e, com isto, esquecemos que a expressão possui não apenas um uso em nossa linguagem, mas também, é empregada em determinada situação. Contudo, o emprego correto da expressão deve ser acompanhado do que a pessoa a quem atribuímos saber empregar as palavras “continua a fazer”, ou seja, sua ação, seu comportamento. Neste caso, e em vários outros, o comportamento assume o papel de um critério para a compreensão do que é dito, isto é, saber usar a linguagem de maneira significativa é também saber o que fazer com as palavras diante das situações de emprego das mesmas. Por exemplo, podemos ensinar alguém a usar os conceitos através de uma explicação das situações em que os mesmos são empregados. Neste caso, descreveríamos para a pessoa, a quem estamos ensinando, uma situação e o comportamento das pessoas que se encontram nesta situação. Neste caso, descreveríamos a situação e o que cada pessoa inserida na mesma disse e o que fez a partir disto. Suponhamos que alguém, em determinada situação, use a expressão dor numa frase como: “estou com dor no braço”; seria necessário muito mais que saber a definição de cada palavra da frase para compreender o que

17 Em IF §153 diz Witttgenstein quanto a aprender o processo anímico da compreensão “Pois, mesmo supondo que tenha encontrado algo que acontecesse em todos aqueles casos de compreensão, - por que isto seria a compreensão? Sim, como o processo da compreensão podia estar oculto, se digo mesmo “agora compreendo”, porque eu compreendo? E se digo que está oculto, - como sei, pois, o que tenho de procurar? Estou numa enrascada”.

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significa a expressão. Seria necessário descrever toda a situação e o comportamento da pessoa que usou a expressão “dor” em sua frase, para que o que ela diz “ter” se tornasse claro. Neste caso o que a pessoa faz, como se comporta, depois do que diz, é importante para compreender o que afirma ter, a saber: “dor”. Ou seja, estou argumentando que, apenas a definição da expressão não é suficiente para compreender o significado da mesma. Ao mesmo tempo, devido ao uso comum da expressão, a expressão “dor” sempre vem acompanhada de um verbo de posse ou descrição: “tenho”, “estou com...”. Isto permite pensar que a dor é algo que temos em nosso corpo, mas que não se confunde com o mesmo. Com isto, tudo se passaria como se a expressão dor pudesse ser usada “sem” o que ela designa, isto é, sem a “dor”. A fim de tornar mais claro o que se disse no parágrafo anterior, consideremos o caso da dor e o comportamento de dor. Considerando que é possível que uma pessoa possa dizer estar com dor, quando de fato não está, separamos a dor como um evento que deve ocorrer no interior da pessoa do seu comportamento de dor. Assim compreendemos uma expressão como “ele parece estar com dores, considerando a forma como se move” e com isto pretendemos afirmar que não sabemos se, de fato, a maneira como se move a pessoa a quem observamos, está ligada (é uma manifestação) da dor que ela poderia sentir quando a observamos. Ou seja, teríamos comportamento de dor com dor e comportamento de dor sem dor e a este atribuiríamos a falsidade. Ora, esta distinção que é comum em nossa vida diária, não tem de fato, a consequência de colocar nossas atribuições de dores a outrem em suspeição, pois apenas atribuímos dores a uma pessoa se compreendemos o que significa “comportamento de dor”, aprendemos a “falsear” nosso comportamento, demonstrando que temos dores que Moreno, A. R. (org.). Compreensão: Adestramento, Treinamento, Definição. Col CLE, v. 68, pp. 33-54, 2014.

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não existem através do aprendizado da veracidade do comportamento de quem sente dor. Ainda assim, um relato sobre o comportamento não é importante devido ao que significa e sim “a serviço de que colocamos a descrição do comportamento (IF, ii, v)”. Ou seja, a expressão “ele sente dores” não é seguida por “portanto sabemos agora o que seu comportamento significa” e sim, “o que devemos fazer para que as dores cessem?”. Em determinados casos, os quais podemos imaginar, é possível que após observarmos o comportamento de dor, perguntemos se a pessoa realmente sente dores ou apenas finge. Por exemplo, um ator ao desempenhar um papel numa peça teatral na qual deve atuar como quem sente dores: será que ele apenas atua ou realmente sente aquelas dores? Wittgenstein chama atenção para esta distinção quando considera o caso da pessoa que é submetida a um experimento psicológico. Neste caso consideramos as respostas desta pessoa de uma forma diferente do caso em que este mesmo experimento psicológico se passa numa peça teatral (IF, ii, v). Quanto a isso há uma passagem importante na Segunda Parte (IF, ii, xi) das Investigações Filosóficas em que Wittgenstein está discutindo o caso de alguém que, ao revelar o que se passava na mente de outra pessoa naquele momento, é corroborado pela confissão desta de que, era aquilo de fato que se passava em sua mente. Ou seja, a pessoa adivinhou corretamente o que se passava na mente de outrem e Wittgenstein, no caso, assume o papel de quem teve seus pensamentos revelados e corrobora este fato confessando o que se passava em sua mente. Wittgenstein comenta: mas como saberia eu corretamente o que se passava em minha mente, minha memória não poderia me trair, etc. O foco, contudo, é posto na palavra “confissão” e, para este caso, não importa tanto se o que é revelado na confissão é um processo que se passava por sua mente e sim nas consequências especiais que são retiradas de uma confissão cuja verdade é garantida pelos critérios da veracidade, isto é, o fato de se ter feito uma confissão. Ou seja, o que Moreno, A. R. (org.). Compreensão: Adestramento, Treinamento, Definição. Col CLE, v. 68, pp. 33-54, 2014.

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importa aqui em relação à confissão, não é a veracidade da mesma e sim o que a pessoa que confessa faz após a mesma, como ela se comporta18. Ou seja, considerando que “confessar” é uma atitude de nossa vida, e que fazer uma confissão possui determinadas consequências para a vida de quem a faz, os critérios de veracidade de uma confissão serão comportamentais e não se o que foi confessado era digno de tal atitude19. Bem, mas alguém poderia argumentar que é possível fazer uma confissão que não tenha o significado de uma verdadeira confissão, isto é, o que a pessoa diz ser uma confissão nada mais é que uma encenação20. Sim, isto é possível, mas como se pode saber que é uma confissão “encenada”, se não tivermos de posse do que seja uma confissão verdadeira? E neste último caso em que incide a atribuição de “falsidade” aqui? No comportamento de confessar-se? Por certo teremos de admitir que a falsidade da confissão se mostrará nas

Z § 588 Há de certo o caso em que alguém, mais tarde me revela o seu íntimo através de uma confissão: mas lá isso acontecer não me fornece qualquer explicação de exterior e interior, pois tenho de dar crédito à confissão (a). A confissão é, sim, evidentemente algo de exterior (b). 19 Neste caso, pensemos na situação de quem confessa ter inveja de outrem. Ora, ainda que seja possível que tal confissão não seja “verdadeira” - isto é, a pessoa não tem, de fato, inveja – isto pode ser averiguado ou corroborado por seu comportamento posterior à confissão. Evidentemente que uma pessoa pode enganar outros com sua confissão, mas o próprio caso de “enganar outrem”, pressupõe que exista uma atitude veraz de “confissão” e não o contrário. Uma confissão falsa, para ser compreendida, depende de casos de confissões verdadeiras. E estas, possuem critérios comportamentais também. 20 Pensemos na complexidade deste jogo de linguagem: fazer uma confissão a alguém e fazer uma falsa confissão a alguém. A distinção que aqui deve ocorrer não está no ato da confissão, de confessar-se. Consideremos o seguinte “Ele me confessou seus sentimentos. Pude ver que estava magoado” quais as consequências se esta confissão for falsa? Mas o que é falso aqui? O gesto? 18

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consequências da mesma, isto é, no que a pessoa que confessa fará após isto. Transpondo esta argumentação para o caso da dor e do comportamento de dor, como saberíamos que alguém finge que seu comportamento de dor é verídico? Poderíamos ter um método de certeza que eliminasse a possibilidade de um “mero comportar-se como se...”, isto é, um método que sempre nos mostrasse o que se passa no interior de uma pessoa, para além de seu comportamento? Quanto a isto Wittgenstein se questiona no Zettel: “A imprevisibilidade do comportamento humano. Se não fosse isso – diríamos ainda que nunca se pode saber o que se passa com qualquer pessoa? (Z, §603)” Mas como seria se o comportamento humano não fosse imprevisível?....(quer dizer: como deveríamos descrevê-lo com pormenor, quais as ligações que deveríamos presumir? (Z,§604).

Nosso comportamento, portanto não resume nossa relação com os conceitos psicológicos, uma vez que o uso destes conceitos também obedece a regras (práticas) de emprego. Contudo, para que possamos compreendê-los o comportamento humano deve fazer parte do aprendizado dos mesmos, mesmo que nestes jogos de linguagem não se tenha regras como as do cálculo. E como podemos saber se o que se passa no outro é realmente o que é descrito pelo conceito que a ele aplicamos, uma vez que temos apenas seu comportamento? Uma possibilidade de evidência é o que esta pessoa faz, como ela se comporta. Aqui as evidências que temos não são apenas evidências ponderáveis, mas também evidências que se poderiam chamar de “imponderáveis” e estas são aprendidas com a experiência e através do aprendizado com aqueles que conhecem melhor os homens(IF, ii, xi). As evidências imponderáveis podem ser a Moreno, A. R. (org.). Compreensão: Adestramento, Treinamento, Definição. Col CLE, v. 68, pp. 33-54, 2014.

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forma de olhar, os gestos. Mas estas características não formam um sistema. Ou seja, não encontramos critérios para, a partir de gestos e formas de olhar, construir uma tipificação dos mesmos uma vez que estas características do comportamento humano envolvem o contexto e as circunstâncias em que ocorrem. Contudo, mais uma vez, não se pode deixar de lado estas características, uma vez que elas fazem parte de nossa compreensão mútua. Neste sentido, vale aqui o que afirma Wittgenstein no capítulo XI da Segunda Parte do texto das Investigações Filosóficas: Há um juízo “especializado” sobre a autenticidade da expressão de sentimento? - Há também homens com juízos “melhores” e homens com juízos “piores”. Prognósticos mais certos resultarão, em geral, do juízo dos melhores conhecedores de homens.

Nesta passagem podemos ver que a expressão especializado se encontra entre aspas, na tentativa de mostrar que o significado de uma especialização quanto aos juízos não constitui-se numa técnica que se pode ensinar através de algum tipo de teoria ou de um sistema. Contudo, o fato de que se pode ter experiência através da convivência com outros seres humanos, o que Wittgenstein chama por “conhecedores de homens”, é uma indicação de que nosso comportamento e nossa linguagem estão ligados de tal forma que ao buscar “especializar” os juízos sobre nossas manifestações psicológicas, perdemos os conceitos que as expressam, mas estes conceitos não estão desligados do comportamento que expressam, uma vez que só percebemos este comportamento devido aos próprios conceitos.

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Conclusão Na tentativa de cumprir o compromisso assumido na parte inicial deste ensaio, a questão é agora é perguntar se podemos atribuir a Wittgenstein alguma forma de behaviorismo. Ora, Wittgenstein não afirma que o comportamento de uma pessoa é o que define sua, por assim dizer, vida psicológica. Sob este aspecto ele não está propondo uma metodologia para a Psicologia. Ele mesmo afirma que o psicólogo anota, observa os relatos do sujeito sobre como este se sente, o que vê ou ouve. Ainda que se afirme que tais relatos são comportamento, os mesmos não são sobre comportamento. Ao mesmo tempo, Wittgenstein não propõe o que se poderia chamar por Behaviorismo psicológico, isto é, como os estímulos e reforços podem originar o comportamento nos humanos. Restaria lhe atribuir um Behaviorismo Lógico. Contudo, Wittgenstein não fala de “possibilidades de se comportar como definição de estados mentais” ou que “descrições do que uma pessoa poderá ou poderia fazer em tal e tal situação, fornecem significado aos conceitos psicológicos que lhe podemos atribuir”, isto é, as disposições (para usar uma palavra carregada de filosofia) não são usadas como explicações de conceitos psicológicos. Ao mesmo tempo, não se pode, para não incorrer em simplificação do ponto de vista de Wittgenstein, afirmar que o comportamento não é importante para compreendermos os usos de nossos conceitos psicológicos, pois como ele afirma no Zettel “fornecemos sinais de deleite e compreensão”, isto é, mostramos estes sinais na forma como nos comportamos. Ao mesmo tempo, ao analisarmos o uso do conceito de “deleite” e o conceito de “compreensão”, temos de considerar que estes conceitos estão entremeados por comportamentos que os exemplificam e, mais ainda,

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os expressam. Tal como demonstrou Wittgenstein na análise do uso do conceito de leitura21, a correta atribuição de “saber ler” é indicada pelo que a pessoa a quem atribuímos o conceito “faz”, como ela se comporta diante dos símbolos. Não gostaria de entrar na análise feita por Wittgenstein do conceito de compreensão uma vez que não é este meu objetivo, mas nossas ações e nossa aplicação dos conceitos estão enlaçadas de tal forma que apenas em raros casos o comportamento não é uma indicação conceitual ou envolve uma indicação do uso de um conceito ainda que nossa maneira natural de conceber o comportamento nos sugira o contrário.

REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA HALLETT, G. A Companion to Philosophical Investigations. Ithaca, New York, Cornell University Press, 1970. HANFLING, O. Wittgenstein's Later Philosophy. Albany, State University of New York Press, 1989. MCGINN, M. Wittgenstein and the Philosophical Investigations. London, Routledge, 1997. SCHULTE, J. Experience and Expression: Wittgenstein's Philosophy of Psychology. Oxford, Oxford University Press, 1995.

IF § 156 e seguintes. Wittgenstein usa a análise do conceito de leitura para demonstrar que um outro conceito análogo a saber, o de compreensão, também depende do comportamento. Ainda que “ler” não consista apenas em comportar-se de tal e tal maneira diante dos símbolos.

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