Comportamento reprodutivo de um indivíduo de Patagioenas picazuro (Columbidae) com deformidade no bico

May 22, 2017 | Autor: Breno Vitorino | Categoria: Animal Behavior, Comportamento animal, Columbidae, Nidificação
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Comportamento reprodutivo de um indivíduo de Patagioenas picazuro (Columbidae) com deformidade no bico Breno Dias Vitorino¹ & Thiago de Oliveira Souza² Deformidades de bicos já foram registradas em várias espécies de aves em todo o mundo¹. No entanto, raramente são observadas e relatadas², já que menos de 0,5% das populações de aves manifestam essa alteração3,4. A má formação geralmente é representada pelo alongamento ou encurtamento da maxila ou mandíbula, que também podem cruzar lateralmente ou verticalmente, impedindo uma disposição correta2,3. Caso alinhadas, maxila e mandíbula ainda podem se enrolar, juntas, para cima ou para baixo4. A maior parte dos trabalhos relatando essa má formação ocorreu em regiões temperadas, sendo escassos os registros na região tropical5. No Brasil, três trabalhos abordaram este assunto1,6,7. Aqui apresentamos o comportamento reprodutivo de um indivíduo de Patagioenas picazuro com deformação no bico. Nos dias 26 e 27 de maio de 2012, na área urbana do município de Luz, região centro-oeste de Minas Gerais (19°47’42”S; 45°40’30”W), observamos um indivíduo de P. picazuro coletando gravetos caídos no solo para confecção de seu ninho. Percebemos que a ave apresentava uma deformidade no bico, sendo a maxila virada para o lado esquerdo, em relação à mandíbula (Figuras 1 e 2). Isso lhe causava uma grande dificuldade em coletar o material, sendo que, em alguns momentos, a ave permanecia investindo no mesmo graveto por quase 1 min. Após o graveto ser colhido, notamos que a ave apresentava dificuldade em deslocar-se com o mesmo entre os galhos da árvore onde se encontrava o ninho e, em algumas ocasiões, o graveto soltava-se de seu bico e caía no solo. Após algum tempo, presenciamos o momento de cópula do casal, podendo concluir que a ave que possuía essa deformação era um macho. Este era responsável somente pela coleta do material de nidificação, entregando-o posteriormente a sua parceira, que construía e arrumava o ninho. Em formato de plataforma simples8, o ninho localizava-se a 2,40 m de altura em uma murta-de-cheiro Murraya paniculata (Rutaceae). Entre os dias 03 e 07 de junho de 2012, percebemos que a fêmea permaneceu a maior parte do tempo deitada sobre o ninho, provavelmente realizando a incubação. No dia 12 de junho de 2012 observamos o macho deitado sobre o ninho, sendo que num momento de aproximação de sua parceira ele saiu, cedendo lugar a ela. Nesta hora notamos que havia apenas um ovo bran-

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Figura 1. Face esquerda de Patagioenas picazuro, evidenciando a deformidade no bico (Foto: Breno Vitorino).

Figura 2. Face direita de Patagioenas picazuro, evidenciando a deformidade no bico (Foto: Breno Vitorino).

co sobre o ninho e comprovamos que ambos os sexos participavam da incubação. No dia 17 de junho de 2012 o ninho estava vazio. Acreditamos que houve predação do ninho, pois próximo ao local visualizamos um gato doméstico, um possível predador do ovo ou filhote. No dia 28 de junho de 2012 vimos o casal reformando o ninho. O procedimento era o mesmo, sendo que o indivíduo macho colhia, com dificuldade, o material e o entregava para a fêmea confeccionar e arrumar o ninho. Não foi possível dar continuidade às observações, o que nos impediu de comprovar se o casal obteve ou não sucesso reprodutivo. Vale ressaltar que o indivíduo com deformidade apresentava o comportamento de remoção de ectoparasitas e/ou manutenção de penas com maior frequência, em relação à fêmea. Altas cargas de ectoparasitas têm sido associadas à presença da deformidade dos bicos3,9, no entanto, por não termos capturado e analisado as aves, não podemos confirmar isto. Em alguns momentos a fêmea foi observada auxiliando o macho na limpeza e manutenção da plumagem. Explicar a causa dessa deformidade não é fácil, no entanto, acreditamos que essa possa ser oriunda de alguma lesão que a ave tenha sofrido. Este acidente pode ter ocorrido quando a ave ainda era jovem e não tinha domínio do voo ou familiaridade com as estruturas do seu ambiente5. Outros fatores que podem causar deformidades de bicos são doenças genéticas ou de desenvolvimento, má nutrição, infecções, poluentes ambientais (químico-radioativos) e parasitas3,4. A morfologia do bico atua como forte aspecto de seleção natural5, sendo que a sua deformidade pode atuar diretamente na redução do período de sobrevivência da ave10,11, comprometendo-a de realizar comportamentos rotineiros, como limpeza, manutenção das penas e forrageamento, o que por sua vez, pode afetar a sua saúde e estado nutricional12. No entanto, ape-

sar de sofrer desta anomalia e ter dificuldades em coletar o material, a ave aqui relatada conseguiu participar da construção do ninho. Sick13 menciona que após o nascimento os filhotes são alimentados pelos pais com o “leite-de-papo”, massa queijosa composta pelo epitélio digestivo do papo, rico em gordura e proteína que é desenvolvida em ambos os pais durante a época de criação. Acreditamos que com essa deformidade no bico, o pai apresente dificuldades em alimentar à prole. Como se trata de um fato isolado e relativamente raro na natureza, sugerimos que maiores estudos e registros sejam publicados, a fim de desvendar os efeitos e consequências dessa anormalidade. Agradecimentos Somos gratos a Luciano Faria pela revisão do manuscrito e Bárbara Vieira pela identificação da espécie vegetal. Referências Bibliográficas (1) Vasconcelos, M. & M. Rodrigues (2006) Revista Brasileira de Ornitologia 14(2): 165-166; (2) Sogge, M.K. & E.H. Paxton (2000) Flagstaff, Arizona: Forest and Rangeland Ecosystem Science Center; (3) Pomeroy, D.E. (1962) British Birds 55: 49‑72; (4) Craves, J.A. (1994) North American Bird Bander 19: 14-18; (5) Verea, C. & J.M. Verea (2010) Revista Brasileira de Ornitologia 18(1): 64-67; (6) Gallo-Ortiz, G. (2011) AO 164: 20-21; (7) Resende, M.A.de (2013) AO 174: 23; (8) Simon, J.E. & S. Pacheco (2005) Revista Brasileira de Ornitologia 13(2): 143-154; (9) Thompson, C.W. & B.A Terkanian (1991) Jornal of Field Ornithology 62(2): 157‑161; (10) Casaux, R. (2004) Marine Ornithology 32: 109-110; (11) Marti, J.M. et al. (2008) Marine Ornithology 36: 195-196; (12) Van Hemert, C. & C.M. Handel (2010) The Auk 127(4): 746–751; (13) Sick, H. (1997) Ornitologia brasileira.

¹Rua Getúlio Vargas, 807, Novo Oriente. Cep 35595-000. Luz, MG, Brasil. E-mail: [email protected] ²Rua Maria Rita, 425, Santa Maria. CEP 32240-640. Contagem, MG, Brasil.

Atualidades Ornitológicas Nº 175 - Setembro/Outubro 2013 - www.ao.com.br

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