COMPOSIÇÃO DE UMA ‘PAISAGEM SONORA MISTA’ A PARTIR DA ANÁLISE DE OBRAS DE LIGETI E WESTERKAMP Julio Cesar Damaceno (Iniciação Artística/ProART/UEL) Fátima Carneiro dos Santos (Orientador)
[email protected]. Universidade Estadual de Londrina, Centro de Educação, Comunicação e Artes, Londrina, PR. Artes, Música Palavras-chave: Processos de criação, paisagem sonora, escuta textural. Resumo: Este estudo pretendeu experienciar uma poética composicional em paisagem sonora, dada a partir da relação entre a música produzida acusticamente e os procedimentos composicionais utilizados por movimentos ligados à soundscape composition. Esta poética, aqui denominada de ‘paisagem sonora mista’, desenvolve-se através da utilização de procedimentos de análise de obras do repertório de concerto e de obras de paisagem sonora como subsídio para o processo de criação. As questões éticas e estéticas implícitas no campo da composição de paisagem sonora são o que lhe garante uma marca de contemporaneidade neste início de século, em que vem se discutindo, mais do que nunca, as relações entre o indivíduo e o ambiente sonoro no qual se encontra imerso. Além disso, pensar outras formas composicionais em paisagem sonora pode ampliar não apenas a própria idéia de soundscape composition, como também contribuir para constantes reflexões sobre a ideia de música e de escuta. Introdução Em meados da década de 1960, surgia no Canadá um movimento intitulado World Soundscape Project, que reunia pesquisadores de diversas áreas em torno de um novo campo de estudos: o ambiente sonoro. No âmbito de tal movimento, que tinha como objetivo principal a investigação e mesmo a reconfiguração do continuum sonoro que permeia nosso cotidiano, foi introduzido o conceito de paisagem sonora, que pode ser definido como “qualquer porção
de um ambiente sônico visto como um campo de estudos” (SCHAFER, 1997, p. 366). Devido à própria natureza de seu objeto de estudo, uma das principais atividades do WSP consistiu no registro (gravação) de sons ambientais em diferentes contextos. A partir destes materiais, desenvolveu-se, através de compositores engajados no projeto, um novo ramo composicional: a soundscape composition, ou composição de paisagem sonora (TRUAX, 1996, p. 54). Partindo dos princípios composicionais propostos pelos compositores ligados ao WSP, desenvolvemos, em um estudo anterior, uma poética composicional a qual denominamos ‘paisagem sonora mista’, um modo de compor calcado na interrelação entre a composição de paisagem sonora (paisagem ambiental), e estruturas e sonoridades acústicas características da música ocidental (paisagem acústica). Dando continuidade a este trabalho, buscamos, no presente estudo, experienciar um processo de criação de paisagem sonora mista que tivesse como ponto de partida tanto a análise de obras do repertório da música de concerto, quanto a de paisagens sonoras. Materiais e métodos O desenvolvimento de nossas atividades ocorreu em duas etapas: uma de cunho mais ‘teórico’ e outra de cunho ‘prático’. A primeira etapa consistiu de um estudo teórico, através de leitura de textos referentes a ideias de análise musical e, especificamente, a escuta e análise textural, além da escuta de repertório musical (música de concerto e soundscape composition). Esses estudos foram realizados individualmente e também no âmbito de um grupo de estudos em análise musical, realizado pelo projeto de pesquisa ‘Análise como suporte para a composição musical’, desenvolvido no Departamento de Música e Teatro da UEL, do qual participamos. Nesta etapa, realizamos a escuta e análise das obras Lux Aeterna, do compositor húngaro Gyorgy Ligeti, e A walk through the city, da canadense Hildegard Westerkamp. Os princípios composicionais observados em ambas as obras serviram como guia para o processo de criação de uma peça de paisagem sonora mista. Na segunda etapa, de cunho prático, coletamos materiais sonoros do ambiente. Tais materiais, utilizados para a composição da paisagem sonora, foram captados em frente ao campus da UEL, na rodovia PR-145,com utilização de gravdor digital e microfones de alta definição, e editados no Laboratório de Estudos em Música e Contemporaneidade, do Departamento de Música e Teatro/UEL, com a utilização do editor multi-pistas Audacity. Os materiais
acústicos foram compostos pelo autor do projeto e gravados por estudantes de música do curso de Licenciatura em Música, no estúdio sonoro do Departamento de Música e Teatro/UEL. A formação instrumental empregada é constituída por saxofone alto, flauta, soprano e guitarra elétrica. Resultados e Discussão Ao levar em consideração que a principal característica da soundscape composition é a utilização de sons ambientais em contextos reconhecíveis, cujo propósito é “invocar associações, memórias e a imaginação do ouvinte relacionadas à paisagem” (TRUAX, 1996, p.60), optamos por adotar como “guia” composicional a ideia de Westerkamp (1999), segundo a qual na composição de paisagem sonora o ‘compositor’ age como um pintor, um fotógrafo, ou um caricaturista, ou seja, o compositor é aquele que delineia contornos sonoros e evidencia sons que poderiam passar despercebidos na paisagem. Seguindo esta ideia, a composição de ‘paisagem sonora mista’, por nós desenvolvida em outros estudos, parte sempre do som ambiental, mantendo sempre o princípio da referencialidade, ou seja, a reconhecibilidade da fonte emissora do som, princípio caro à soundscape composition. Através da escuta, o compositor busca possíveis relações entre os sons ambientais da paisagem e materiais acústicos, por exemplo, uma possível semelhança timbrística entre o som emitido por um objeto feito de um determinado material e a sonoridade de um determinado instrumento musical. Para além disso, o significado simbólico que um som possa trazer em si, no contexto da paisagem, também pode sugerir uma textura, uma ‘cor’ harmônica, ou mesmo um perfil melódico que, de alguma forma, poderá se relacionar com o simbolismo do som em questão. Sob tais perspectivas, o processo composicional que vivenciamos em nosso estudo, e que resultou na composição de uma peça de paisagem sonora mista intitulada "Sons da Rodovia", partiu da análise dos procedimentos adotados por Westerkamp, na obra A walk through the city, e da composição da paisagem sonora, com a qual os materiais acústicos dialogaram. As características formais, texturais e timbrísticas encontradas na obra de Westerkamp, guiaram a composição da paisagem sonora, que, por sua vez, sugeriu determinadas possibilidades para a escolha dos materiais acústicos. As sonoridades da paisagem sonora composta lembram, em vários aspectos e nos remetem à obra Lux Aeterna, de Ligeti, sendo esta a obra escolhida para a análise e de onde foram retiradas as bases para a criação/composição dos materiais musicais acústicos inseridos e dialogados na paisagem.
Desse modo, concretizou-se, nessa peça, a nossa ideia de um processo composicional que integra a composição de paisagem sonora e a música produzida acusticamente, tendo como príncipio norteador procedimentos de escuta e análise de obras dadas a priori. Conclusões Diante do exposto, nota-se que, na poética proposta, o material musical, ou a paisagem sonora acústica, surge da própria paisagem sonora ambiental, através de relações feitas pelo compositor, sendo, portanto, sempre revelado pela paisagem, tendo como função específica “comentar” e re-significar os sons ambientais. Tendo isto em vista, cabe ressaltar que, em um processo de composição de paisagem sonora mista que venha a se realizar tendo como referência a análise de obras de outros autores, a escolha das obras analisadas deve levar em conta tais características desta poética. Agradecimentos Nossos agradecimentos ao PROART, pela concessão da bolsa que possibilitou nossa dedicação a este estudo, e a todos os participantes do projeto “Paisagem sonora urbana: do sonoro ao musical”. Agradecemos, também, aos participantes do Grupo de Estudos em Análise Musical, do projeto de pesquisa ‘Análise como suporte para a composição musical’, coordenado pelo Prof. Dr. Tadeu Taffarello, e, em especial aos professores Fernando Kozu e Fábio Furlanete, pelas valiosas contribuições. Referências SCHAFER, R. M. A Afinação do Mundo. São Paulo: UNESP, 1997. TRUAX, Barry. Soundscape, acoustic communication and environmental sound composition.Contemporary Music Review, London, v. 15, n. 1, p. 49-65, 1996. WESTERKAMP, H. Soundscape composition: linking inner and outer worlds, 1999. Disponível em www.sfu.ca/~westerka/writings.html. Acesso em: 25 jul. 2013.
