Computação na UFRJ - uma perspectiva 1974

June 1, 2017 | Autor: I. da Costa Marques | Categoria: Technology, Public Policy Analysis, Public Policy, Science and Technology Studies
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DA COSTA MARQUES, I. Computação na UFRJ: uma perspectiva CAPRE - boletim Informativo, Rio de Janeiro, v. 2, n. 2, p. 21-28, abr. / jun. 1974

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Este artigo foi escrito em 1974 e descreve as decisões referentes à escolha de objetos de pesquisa para a área de computação na Universidade Federal do Rio de Janeiro naquela década. Uma apreciação crítica deste artigo, escrita 40 anos depois, em 2014, pode ser encontrada em Revisitando o discurso mobilizador da “reserva de mercado” dos anos 1970 à luz dos Estudos CTS. que também está disponível no ACADEMIA

Computação na UFRJ ______________________________________________________________________ Computação na UFRJ: uma Perspectiva * Ivan da Costa Marques, Núcleo de Computação Eletrônica da Universidade Federal do Rio de Janeiro. 1 – Introdução Durante o ano de 1973 o grupo de computação da Universidade Federal do Rio de Janeiro adotou uma linha de pesquisa cujo objetivo é contribuir efetiva e diretamente para que o processo de incorporação de know-how nacional aos meias de produção brasileiros se desenvolva rapidamente na área de computação. O leitor mais familiarizado com os costumes acadêmicos certamente surpreender-se-á com o fato de que um grupo universitário de pesquisa se tenha auto-fixado um objetivo deste teor. Tentaremos mostrar, no entanto, que este objetivo não só é inteiramente adequado aos grupos de pesquisa tecnológicos brasileiros na área de computação, como também pode ser usado para levar a atividade de pesquisa a assumir o papel de elemento natural de vinculação do ensino às nossas condições industriais. Fazendo uma pesquisa destinada especificamente a melhorar e ampliar a capacidade tecnológica da indústria brasileira estar-se-á ligando diretamente o sistema educacional, que é a máquina que prepara a nossa mão de obra qualificada, com as condições tecnológicas da nossa indústria, que é precisamente o sorvedouro da mão de obra qualificada preparada nas nossas instituições de ensino superior e centros de pesquisa. Fazemos aqui inicialmente, nas seções 2 a 5, algumas observações de ordem geral e qualitativa relativas ao problema da pesquisa tecnológica no Brasil. Posteriormente, na seção 6, enumeramos alguns requisitos práticos que exigimos de nossos projetos de pesquisa em computação. O que é aqui apresentado reflete a consenso do grupo de computação da UFRJ no que diz respeito aos princípios que devem nortear nossos projetos de pesquisa. 2 – Aumento do Uso do “Know-how” Nacional nos Meios de Produção Brasileiros Parece-nos que o objetivo último de um esforço de desenvolvimento tecnológico é absorver, gerar e fixar no país o somatório de conhecimentos e técnicas necessárias para o domínio da área tecnológica em questão. Pela sua própria natureza, tecnologia é ciência aplicada a problemas eminentemente práticos. A imensa maioria destes problemas está diretamente envolvida com a produção de novos bens e serviços ou com novas maneiras de se produzir bens e serviços. Portanto o teste final de uma tecnologia que acaba de ser absorvida ou gerada é a sua aplicação em regime de produção fora do laboratório. Além disto, a tecnologia nova gerada ou absorvida tem que ser fixada entre os nossos profissionais e esta fixação só será completa quando o know-how absorvido ou gerado for efetivamente usado no país para a produção de bens e serviços. ____________ * O presente trabalho é baseado em palestras apresentadas pelo autor no ITA, SERPRO, PUC-RIO e COPPE-UFRJ, de janeiro a março de 1974, e foi financiado em parte pelo contrato BNDE/FUNTEC nº 216.

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Computação na UFRJ Dentro desse ponto de vista, a primeira observação a ser feita é que na nossa sociedade, em que a base tecnológica é extremamente estreita, qualquer esforço de absorção, geração e fixação de tecnologia envolverá certamente o nosso sistema educacional, quando não de outra maneira, pelo menos exigindo dele a formação da mão de obra qualificada essencial para que um empreendimento dessa natureza seja bem sucedido. Na área de computação especificamente, os centros universitários de pesquisa estão potencialmente capacitados, como veremos adiante, para atuar bem mais diretamente no esforço de desenvolvimento tecnológico do que somente através da formação da mão de obra qualificada necessária. É importante notar, no entanto, que as universidades e centros de pesquisa, embora tenham a função essencial de absorver e gerar know-how, não são capazes, pela sua própria natureza, de completar o processo de fixação do know-how na nossa sociedade. Embora os centras de pesquisas e pós graduação possam participar no processo de fixação de know-how através do treinamento de pessoal, a fixação do know-how só se completa quando ele é disseminado entre um número razoável de profissionais engajados na produção do país. É esta disseminação entre os profissionais do campo que forma uma base para a incorporação definitiva da tecnologia nascente aos nossos meios de produção, efetivando a fixação e completando o processo de desenvolvimento da tecnologia em questão. Consequentemente, ainda dentro do mesmo ponto de vista, com respeito ao objetivo último de um esforço de desenvolvimento tecnológico, a segunda observação a ser feita é que os nossos meios de produção devem estar necessariamente envolvidos no esforço. O processo de desenvolvimento tecnológico só terá condições de amadurecimento e auto sustentação se os conhecimentos tecnológicos adquiridos pelos centros de pesquisa nacionais forem passados para a indústria brasileira e efetivamente usados na produção de bens e serviços, consolidando o “know-how” adquirido. É portanto essencial que os órgãos de planejamento do nosso processo de desenvolvimento tecnológico procurem, através dos meios adequados que estão à sua disposição, maximizar o uso de know-how nacional nas atividades de produção no Brasil. Isto requer que os produtos dos projetos de pesquisa sejam incorporados aos meios de produção. Na área de computação, especificamente, muito pode ser feito com o know-how já existente no país, se dadas as condições apropriadas para a aplicação deste know-how. 3 – Integração Universidade-Indústria Durante os últimos anos o país investiu considerável soma de recursos financeiros na formação de quadros técnicos em diversos centros de pesquisa brasileiros. Este investimento foi feito em muitos casos sob a forma de apoio a programas de pós graduação em diversas universidades. A área de computação em particular mereceu atenção especial do BNDE sob a forma de um apoio direto aos centros de processamento de dados das universidades. Após um período de diversos anos de gestação, os quadros técnicos de algumas instituições brasileiras são hoje capazes de absorver e gerar, em escala limitada mas significativa, conhecimentos tecnológicos na área de computação. Isto pode ser facilmente confirmado pelo fato de que equipes brasileiras em diversas instituições já desenvolveram programas de aplicação sofisticados, compiladores, pequenos sistemas operacionais, circuitos de interface e processadores. No entanto a consolidação dos conhecimentos tecnológicos absorvidas ou gerados por estes quadros técnicos especializados não está se concretizando. Como indi-

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Computação na UFRJ cação de que o processo de fixação desses conhecimentos não está, se desenvolvendo satisfatoriamente, podemos observar que não existe no mercado brasileiro nenhum produto na área de computação que tenha sido aqui concebido e projetado.( 1 ) Vemos portanto como urgente a necessidade de uma integração entre os centros de pesquisa universitários e a indústria brasileira na área de computação. Esta integração apresentaria duas vantagens básicas : • o desenvolvimento tecnológico teria condições de se consolidar, pois os conhecimentos tecnológicos adquiridos seriam disseminados e efetivamente usados na produção de bens e serviços, passando assim a tecnologia nascente pelo seu derradeiro teste fora do laboratório. • uma indústria brasileira na área de computação, atualmente inexistente, poderia ser criada com o know-how já existente nos centros de pesquisa universitários. Isto possibilitaria uma economia de investimentos e implantaria automaticamente um sistema de incentivo para uma indústria brasileira de computação, que dificilmente se desenvolveria espontaneamente no país. Além das vantagens principais mencionadas acima o setor educacional brasileiro poderia ter vantagens financeiras diretas devido a integração com o setor industrial. Os gastos totais do país com importação de tecnologia são de difícil avaliação, mas somente no ano de 1973 o Brasil despendeu várias centenas de milhões de dólares com importação direta de tecnologia, isto é, na compra de licenças e patentes. Além disso, é do conhecimento geral que essa despesa deverá crescer substancialmente nos próximos anos. Um esquema que permita a transferência de tecnologia do setor educacional para o setor industrial em substituição da importação que é feita presentemente poderia também ser uma nova fonte de recursos para o sistema educacional. 4 – Redefinição da Fronteira Inferior da Pesquisa Se concordamos que o processo de desenvolvimento tecnológico deve ser levado adiante através do uso da infra-estrutura de pesquisa tecnológica criada pelo governo nas universidades, e se esse processo exige um esquema através do qual o know-how absorvido ou gerado seja incorporado gradativamente à indústria, então é preciso que não haja grandes “vazios” tecnológicos entre as atividades de pesquisa que se desenvolvem nas universidades e o limite da capacidade tecnológica da indústria brasileira. Caso haja um vazio tecnológico entre as atividades de pesquisa e o limite da capacidade da indústria brasileira, então, se as atividades de pesquisa estão se desenvolvendo, é porque o vazio está sendo preenchido diretamente por insumos vindos do exterior. A existência dessa situação torna não só a fixação, mas o próprio processo de absorção ou geração extremamente difícil, se não de todo impossível. Mais importante ainda, no raros casos em que a pesquisa é bem sucedida ela dará subsídios à pesquisa internacional, normalmente dissociada das necessidades brasileiras. Isto representa, na melhor das hipóteses, uso pouco eficiente da nossa pequena capacidade de desenvolvimento tecnológico. Antes de correr o risco de sermos mal interpretados devemos deixar claro que no parágrafo acima não estamos dizendo que em um projeto de desenvolvimento todos os insumos devem ser nacionais. Absolutamente. O que queremos dizer é que o desenvolvimento em si deve CAPRE bol. Inf., Rio de Janeiro, v. 2 (2)i 21-28, abr./jun. 1974 23

Computação na UFRJ ser tal que possa ser absorvido pela indústria nacional, e portanto não deve haver vazios tecnológicas entre o limite da capacidade da indústria brasileira e o desenvolvimento em si. Talvez possamos fazer o ponto mais claro através de um exemplo. A indústria brasileira tem já fixado o know-how necessário para a montagem de equipamentos eletrônicos. Isto pode ser facilmente comprovado pela existência de várias indústrias brasileiras de pequeno porte que montam diversos aparelhos eletrônicos, desde as destinados ao uso em laboratório até os amplificadores de áudio, televisões e rádios. Este know-how pode ser facilmente adaptado, com alguma ajuda dos centros de pesquisa, para a montagem de equipamentos digitais para a computação. Diante deste fato, um projeto de pesquisa que visa o desenvolvimento de um processador, tal como um minicomputador (o know-how de montagem existente nas pequenas indústrias locais pode ser adaptado para a montagem de minicomputadores), não deixa vazios tecnológicos entre o know-how desenvolvido e a capacidade da indústria local de usálo e através do uso, fixá-lo. Obviamente, no entanto, tanto o desenvolvimento como o próprio uso do desenvolvimento posteriormente no ambiente industrial exigem insumos estrangeiros na forma dos circuitos integrados importados. (A tecnologia de circuitos integrados é bastante sofisticada e embora seja uma etapa essencial para a emancipação tecnológica em processamento de informação, ainda está bastante incipiente no Brasil.) Um exemplo de um projeto de desenvolvimento que deixaria atualmente vazios tecnológicos entre o desenvolvimento em si e a capacidade da indústria local seria, digamos, o desenvolvimento de um sistema integrado para reconhecimento automático de padrões por computadores recebendo informações de radares. Para o desenvolvimento de um projeto deste tipo falta-nos conhecimentos especiais necessários para o desenvolvimento do hardware especializado que está envolvido, bem como conhecimentos de desenvolvimento de sistemas operacionais complexos de tempo real na área de software, sem falar no knowhow de telecomunicação pura e simples envolvido. Devido aos vazios tecnológicas existentes entre as aplicações envolvidas em um projeto deste tipo e a nossa base tecnológica, tal projeto, se desenvolvido, será, necessariamente como uma parte de um todo internacional, recebendo diretamente do exterior toda infra-estrutura necessária para o desenvolvimento. Neste caso, se o desenvolvimento for bem sucedido, é altamente provável que a maior parte de seus frutos sejam colhidos por justamente aqueles que forneceram a infra-estrutura tecnológica. Neste caso o Brasil estaria dividindo com parceiros muito mais potentes os nossos minguados recursos humanos capazes de absorver ou gerar tecnologia. Conclui-se que, salvo em casos muito especiais e que requerem uma justificativa própria e especifica, tais projetos são, do ponto de vista de pesquisa para domínio de uma área tecnológica, um desperdício de recursos. Consequentemente, o processo de desenvolvimento tecno1ógico exige que a fronteira inferior da pesquisa seja o limite superior da capacidade tecnológica da indústria local. 5. “Completude” Técnica do Desenvolvimento Tecnológico Um outro aspecto fundamental que é quase automaticamente levado em consideração quando o produto do projeto de pesquisa é incorporado aos meios de produção é a “Completude” do domínio da tecnologia envolvida. Tentaremos explicar. Parece-nos essencial que em certas áreas tecnológicas fundamentais, tais como a computação, não se descuide de nenhum segmento crítico

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Computação na UFRJ _______________________________________________________________________ do espectro tecnológico envolvido na área. O não desenvolvimento de qualquer segmento crítico significa, na melhor das hipóteses, uma ineficiência provável, no sentido do uso de uma tecnologia não dominada e, na pior das hipóteses, uma real dependência dos detentores desta tecnologia. Quando o produto da pesquisa não transcende o laboratório não é tão evidente quais insumos são disponíveis localmente e quais devem vir necessariamente do exterior. O laboratório é, de certa forma, um ambiente artificial, no sentido de que as condições locais do laboratório podem ser bastante diferentes das condições locais regionais do país em que o laboratório está, situado. Facilmente em um laboratório podemos encontrar uma situação especialmente favorável, tanto no que diz respeito à existência de equipamentos como principalmente no que diz respeito à existência de mão de obra altamente qualificada. Ao se industrializar o produto de um projeto de pesquisa as diferenças entre as condições locais do laboratório e as condições locais regionais são ampliadas. As preocupações econômicas normalmente introduzidas pela perspectiva de industrialização contribuem muito efetivamente para que se discrimine quais insumos vêm necessariamente do exterior e quais insumos podem ser fornecidas localmente. Isto torna muito mais fácil a tarefa de cuidar para que nenhum segmento crítico do espectro tecnológico da área seja esquecido. 6 – Aspectos Operacionais Baseados nas observações de ordem geral e qualitativa feitas acima estabelecemos alguns pontos que julgamos conveniente observar quando da definição de nossos projetos de pesquisa. Estes pontos não têm nenhuma pretensão de refletir uma justificativa global estruturada para uma estratégia do desenvolvimento tecnológico em computação. Longe deles também a pretensão de abranger todos os fatores a serem levados em consideração na definição de uma estratégia deste desenvolvimento tecnológico. Eles são simplesmente uma maneira concisa de expressar, através de condições palpáveis e concretas, alguns requisitos que levamos em consideração ao definir projetos visando absorção, geração e posterior fixação de know-how. Os requisitos que exigimos dos projetos foram cinco e apresentamos suas justificativas após cada um deles. 6. 1 – Requisitos e Justificativas 6. 1. 1. – Os projetos devem estar bem inseridos no contexto das necessidades brasileiras em computação. Em outras palavras, o projeto deve visar atingir uma solução para um problema local, inicialmente, de preferência, um problema da própria universidade ou centro de pesquisa onde o projeto se desenvolve. Tal problema não deve, no entanto, ser tão específico que sua solução não traga benefícios diretos para a comunidade brasileira de processamento de dados em geral. Justificativas : a) no caso de ser orientado para um problema da universidade, o projeto, se bem sucedido, além de ter garantida a sua aplicação e colocação em regime de produção, terá na própria universidade as condições de teste de campo, facilitando a avaliação das soluções adotadas, fomentando comentários para melhoria do projeto, etc.

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Computação na UFRJ b) a orientação dos projetos para a solução de problemas que digam respeito e sejam entendidas por muitos na comunidade brasileira de processamento de dados desencadeará um processo mais rápido de afirmação do know-how nacional em computação. 6. 1. 2. – Os projetos devem ser desenvolvidos com prazos de execução e término bem definidos. Para tanto cada projeto deve ser precedido de um anteprojeto que avalia a viabilidade técnica e econômica e fixa prazos de execução para o projeto como um todo. Justificativas : a) a rápida evolução tecnológica torna a viabilidade econômica do projeto altamente dependente de seu prazo de execução. b) a formação de uma mentalidade profissional entre os pesquisadores exige que se trabalhe com prazos pré-fixados. 6. 1. 3. – Os projetos devem ser vinculados ao ensino, no sentido de que professores e estudantes participem do desenvolvimento e os aspectos mais interessantes dos projetos sejam apresentados e discutidos em sala ou como exercício de cursos. Justificativas : a) os estudantes de pós-graduação são, mesmo no Brasil, uma mão de obra qualificada e barata e é altamente proveitoso para o treinamento dos próprios estudantes que eles participem diretamente dos projetos. b) como os projetos são aplicados a problemas existentes no Brasil e de preferência locais, a vinculação do ensino à pesquisa é uma vinculação do ensino às necessidades brasileiras. Além disto, a vinculação melhora o ensino de forma geral, validando os exemplos acadêmicos com problemas concretos resolvidos localmente. 6. 1. 4. – Os projetos devem ser, de preferência, integrados no sentido de desenvolver no grupo a comunicação entre o pessoal de software e hardware. Justificativa : a) cada vez se torna mais variável, dependendo do projeto, a fronteira entre o “software” e o “hardware”. Diante de um problema especifico, portanto, é altamente conveniente que haja discussão entre especialistas em “software” e “hardware” para se decidir sobre a melhor maneira de se implementar os recursos computacionais necessários à solução do problema. 6. 1. 5. – Os projetos devem ter complexidade crescente em relação aos projetos anteriores do grupo, sendo o primeiro projeto necessariamente simples. Justificativas : a) a gerência de projetos de grande porte é em si um know-how altamente dependente de condições humanas e geográficas, relativas a modos e costumes dos participantes, relacionamentos pessoais, infra-estrutura existente no setor de serviços em geral, etc. Tal know-how é altamente dependente de condições locais e só pode ser desenvolvido gradualmente. CAPRE; bol. inf., Rio de Janeiro, v. 2 (2): 21-28, abr./jun. 1974 26

Computação na UFRJ b) devido à juventude de todos os grupos brasileiros, os primeiros projetos devem ser de pequeno porte, pois só uma longa experiência em desenvolvimento dá aos especialistas uma visão global dos aspectos técnicos de um projeto de grande porte. Finalmente chamamos atenção para um sexto requisito que não diz respeito ao projeto em si mas ao desenvolvimento do projeto: 6. 1. 6. – A documentação do projeto deve ter um rigorismo e um grau de detalhe de documentação industrial. Justificativas : a) a formação de uma mentalidade profissional entre os pesquisadores. b) disseminação mais fácil do know-how adquirido por um grupo para outros grupos ou mesmo entre indivíduos do mesmo grupo. c) industrialização e/ou manutenção futura do produto do projeto. V – Conclusão Uma vez estabelecidos os critérios descritos na seção 6, as idéias de projetos de pesquisa passaram à luz destes critérios. O primeiro projeto estabelecido foi a construção de um processador de ponto flutuante para o sistema IBM-1130. Tal projeto( 2 ) encontra-se presentemente em fase de industrialização, apoiada pelo BNDE, com a firma MICROLAB, com sede no Rio de Janeiro. A construção do protótipo foi concluída em janeiro de 1974. Do ponto de vista técnico o processador de ponto flutuante pode ser caracterizado como um processador auxiliar que, quando acoplado à unidade central de processamento de um sistema IBM-1130, aumenta consideravelmente a capacidade do sistema para processamento cientifico. Como existem no Brasil aproximadamente cem sistemas IBM-1130 instalados, é de grande conveniência e importância para o país que se alongue o máximo possível, dentro de limites técnicos razoáveis, a utilização destes equipamentos. O prolongamento por alguns anos da vida útil do parque de sistemas 1130 instalados no Brasil significaria macroeconomicamente para o país, do ponto de vista puramente financeiro, um ganho de alguns milhões de dó1ares. Grande parte dos sistemas IBM-1130 instalados no Brasil executam processamento científico; cerca de metade está em universidades e o segundo grande grupo de usuários é constituído por companhias de consultoria de engenharia. Os órgãos governamentais responsáveis podem portanto encarar seriamente a alternativa de alongar localmente a vida útil destes equipamentos através do aumento de sua capacidade em oposição à alternativa de meramente substitui-los por novos equipamentos. A primeira alternativa, além de aliviar a nossa balança comercial, poderá acelerar o processo de afirmação do know-how nacional. O segundo projeto, presentemente em andamento, destina-se a construir um sistema flexível e econômico de entrada de programas e dados. Tal sistema ( 3 a 10 ) envolve, além dos desenvolvimentos de “software”, a construção de um terminal “Cassete”, um terminal de CAPRE; bol. inf., Rio de Janeiro, v. 2 (2): 21-28, abr./jun. 1974 27

Computação na UFRJ vídeo simples e um terminal de vídeo programável. Tal como o processador de ponto flutuante, os produtos deste segundo projeto serão industrializados e comercializados por uma empresa brasileira. Seria demasiadamente longo discorrer aqui sobre os aspectos técnicos e econômicos deste segundo projeto especificamente. O aspecto mais fundamental a ser ressaltado, no entanto, é que devido à sua complexidade e ao seu porte, ele é uma prova de que, na área de computação, o uso de know-how nacional nos meios de produção brasileiros está, no momento, aquém da capacidade nacional de absorver e gerar know-how. A adoção pelos órgãos governamentais de políticas industriais, comerciais, educacionais e de pesquisas voltadas para a incorporação de know-how nacional aos meios de produção, como por exemplo nos moldes seguidos pelo Programa de Pesquisa em Ciência da Computação do Conselho Nacional de Pesquisas, poderia dar frutos talvez inesperados a prazos não muito longos. Acreditamos que a execução, por universidades e centros de pesquisa, de projetos ajustados às linhas gerais descritas acima (o concentrador de teclados desenvolvido no SERPRO( 11 ) é um exemplo de um projeto realizado em um centro de pesquisa não universitário que se enquadra perfeitamente nas linhas gerais descritas acima) dará origem a um processo gradual de afirmação do know-how nacional. Esta afirmação da nossa capacidade de resolver localmente nossos problemas e controlar o nosso processo de desenvolvimento tecnológico é uma das condições básicas para que possamos alcançar e manter autenticamente um bom ensino na área e para que se viabilize uma indústria de computadores genuinamente brasileira. 8 – Referências (1) PLANO Básico de Desenvolvimento Cientifico e Tecnológico. Setor de Computação, 1974. (2) CEASER, Christian Lenz, et alii. Processador de ponto flutuante para o sistema IBM-1130. Rio de Janeiro, 1973 (Congresso Nacional de Processamento de Dados. VI – SUCESU). (3) FRANÇA, Paulo Mário Bianchi. Sistema preparador de textos e programas. Rio de Janeiro, UFRJ, 1974. (Tese de Mestrado da COPPE/UFRJ). (4) TAKANO, Diogo Fujio. Rio de Janeiro, COPPE/UFRJ, 1974. (Tese em andamento). (5) MARTINS, Mário Ferreira. Rio de Janeiro, COPPE/UFRJ, 1974. (Tese em andamento). (6) PAZ, Eduardo Peixoto. Rio de Janeiro, COPPE/UFRJ, 1974. (Tese em andamento). (7) GRANJA, Edson do Prado. Rio de Janeiro, COPPE/UFRJ, 1974. (Tese em andamento). (8) SANTOS, Luiz Octávio Lobato doa. Rio de Janeiro, COPPE/UFRJ, 1974. (Tese em andamento). (9) PAIVA, Márcio. Rio de Janeiro, COPPE/UFRJ, 1974. (Tese em andamento). (10) RODRIGUES, Guilherme Chagas e ARAÚJO, José Fábio Marinho de. Projeto terminal inteligente; manual de desenvolvimento de software. Rio de Janeiro, UFRJ, 1974. (Documento Interno do NCE-Núcleo de Computação Eletrônica). (11) SERPRO-CCP. Documentos internos.

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