Comunicação da Ecologia ou Ecologia da Comunicação

September 22, 2017 | Autor: Adriano Rodrigues | Categoria: Media Studies, Comunicação, Ecología
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Adriano Duarte RODRIGUES
In: Seixas, N. dos S.S., Da Costa, A.C.S. & Costa, L.M. (org.) – Comunicação: Visualidades e Diversidades na Amazônia, Belém, PAPERSP, 2013, páginas 17-24.
Comunicação da ecologia ou ecologia da comunicação?
INTRODUÇÃO
Com este texto pretendo contribuir para o esclarecimento de um dos equívocos frequentes nos trabalhos na área dos estudos da comunicação que têm vindo a ser realizados, sobretudo nos últimos dez anos, em torno da problemática ecológica. O equívoco tem a ver com o entendimento que se tem da relação entre a problemática comunicacional e a problemática ecológica. De fato, enquanto, para alguns autores, o que está em jogo é a definição de estratégias comunicacionais, sobretudo mediáticas, que contribuam para a tomada de decisões e a adoção de comportamentos ambientais sustentáveis, para outros autores o que está em jogo é o estudo da própria natureza ecológica dos processos comunicacionais. Não é minha intenção tomar aqui partido por uma destas perspectivas, mas, mais modestamente, contribuir para a delimitação dos seus contornos.
A COMUNICAÇÃO DA ECOLOGIA
Os autores que propõem a promoção de uma comunicação da ecologia partem de uma leitura pessimista das transformações ocorridas nos últimos cem anos, decorrentes do processo de industrialização, transformações que levaram a profundas alterações que pa- rece porem em risco ou ameaçarem a sobrevivência dos habitats de muitas espécies. O que está, por conseguinte, em jogo para estes autores, é a descoberta de estratégias mediáticas promocionais de políticas ambientais sustentáveis que contrariem o suposto processo de degradação destes habitats e favoreçam a biodiversidade.
Do ponto de vista das teorias da comunicação, podemos dizer que esta perspectiva se insere na continuidade dos chamados paradigmas dos efeitos que tiveram o seu auge entre
os anos 30 e 50 do século passado. A questão que esta perspectiva procura equacionar e a que pretende responder é a de saber se os dispositivos mediáticos podem contribuir para mudanças das mentalidades e para a aprendizagem de comportamentos individuais e cole- tivos que contrariem os efeitos negativos induzidos pelas estratégias industriais predatórias dos recursos ambientais disponíveis. O que estes autores por vezes esquecem é que nunca foi possível provar que as mensagens veiculadas pelos dispositivos mediáticos têm efeitos diretos sobre os comportamentos individuais e coletivos e que, para as transformações das atitudes e dos comportamentos dos seres humanos, em virtude de serem dotados de livre arbítrio e de nem sempre adotarem os comportamentos mais favoráveis à sua espécie, contribuem processos particularmente complexos que nunca foi possível definir. Por isso, os autores que continuam a trabalhar a partir da teoria dos efeitos falam hoje de efeitos indiretos e a longo prazo, contando mais com mecanismos de elaboração de condições culturais, mais propícias a mudanças ao nível das visões do mundo do que propriamente à inculcação de normas de comportamento. Como estamos a ver, os autores que seguem esta perspectiva encaram a comunicação sobretudo como estratégia de propaganda, visan- do o acondicionamento dos comportamentos por meio de processos retóricos de injunção de normas e de modelos.
Como estamos vendo, para esta perspectiva, são as noções de política ambiental, de in- fluência, de eficácia e de estratégia mediáticas que são importantes.
A ECOLOGIA DA COMUNICAÇÃO
Por seu lado, os autores que propõem uma abordagem ecológica da comunicação propõem entender os processos comunicacionais no quadro de uma visão antropológica que privilegia aquilo que designo por lógica interacional. É uma perspectiva que retoma a herança de Charles Darwin, em particular da obra sobre a expressão das emoções (DARWIN, 1872), herança que seria depois aprofundada e ampliada pelos trabalhos realizados por biólogos, etólogos e arqueólogos. Como vemos, há uma relação estreita entre a ecologia e a etologia da comunicação, como se pode observar nas excelentes obras de síntese de TOMASELLO (2003) e de HAUSER (1997). Entre os trabalhos que, na área da comu- nicação, propuseram esta perspectiva, podemos evidentemente citar os autores da Escola de Chicago e do chamado Colégio Invisível, também conhecido por Escola de Palo Alto (RODRIGUES, 2011).
Os autores que adotam esta perspectiva não negam, evidentemente, os problemas am- bientais do nosso tempo, mas privilegiam o estudo das relações entre os membros de uma mesma espécie e entre as diferentes espécies que partilham o mesmo território. A comu- nicação é, assim, encarada como processo de trocas que ocorrem entre as espécies vivas e entre os indivíduos de uma mesma espécie, trocas de que depende a sobrevivência dos indivíduos e das espécies que partilham entre si os recursos, sempre relativamente escas- sos, do território comum.
Nesta perspectiva, os estudos da comunicação procuram entender a especificidade das relações que os indivíduos da nossa espécie estabelecem, com os outros seres vivos e entre si, de modo a procurar entender, não só como as pessoas gerenciam a partilha dos recursos disponíveis, mas também como projetam os seus inventos técnicos, as suas intervenções e as suas atividades.
Como vemos, a preocupação desta perspectiva não é propriamente a avaliação da eficácia dos dispositivos mediáticos para a causa ambiental, mas a compreensão dos mecanismos que constituem a comunidade dos seres vivos e dos processos que são desencadeados por cada uma das espécies, em geral, e dos seres humanos, em particular, para resolver a partilha dos recursos disponíveis no território que partilham. Para esta perspectiva, são as noções de território, de interação, de comunidade, de ritualização que se tornam funda- mentais.
Nesta perspectiva, os dispositivos mediáticos são encarados não como instrumentos desti- nados a veicularem mensagens, mas como objetos técnicos que constituem ambientes ou territórios artificiais. É para a discussão da natureza dos territórios constituídos pelas redes cibernéticas que alguns autores (BRAGA, 2007) retomam hoje as intuições que levaram MC LUHAN a formular o aforismo "o medium é a mensagem".
A este propósito gostaria agora de recordar que os arqueólogos puseram à nossa disposição dados incontroversos que nos levam a reequacionar a problemática mediática, pensan- do-a no quadro da experiência técnica e a ultrapassar as duas atitudes de sinal contrário que SIMONDON (1989) caracteriza como posições xenófobas acerca da técnica, as posições tecnofóbica e tecnolátrica, que dividem muitas vezes a comunidade dos estudos da comunicação sobre os media.
O primeiro fato incontroverso que as pesquisas arqueológicas mostram é o de, por mais que recuemos no tempo, não encontrarmos até agora nenhum vestígio de seres humanos que não dependam da invenção de objetos técnicos (LEROI-GOURHAN, 1964-1965). Os mais antigos vestígios da nossa espécie são, curiosamente, sepulturas onde podemos encontrar objetos técnicos colocados, aparentemente de maneira intencional, junto das ossadas. Este fato sugere que, desde muito cedo, a nossa espécie estabeleceu uma íntima relação com os seus artefatos. Por mais que recuemos no tempo, não encontramos vestígios de seres humanos inseridos apenas num meio ambiente ou dependentes apenas das trocas dos recursos disponíveis no território que partilham entre si e com as outras espécies.
Deste primeiro fato decorre um segundo incontroverso, o da dependência dos seres hu- manos em relação ao mundo que eles próprios criam, como já sublinhavam Husserl (1989) e Schutz (1967), ao postularem que os seres humanos vivem, não num Umwelt (meio ambiente), mas num Welt (mundo).
O terceiro fato incontroverso que não podemos ignorar quando pretendemos equacionar a problemática da ecologia da comunicação tem a ver com o fato de o Welt, que os seres humanos constituem e em que vivem, não ser natural, o território em que as outras espécies habitam, mas artificial, isto é, depender da invenção e da ativação de dispositivos incorporados na própria experiência subjetiva.
Gostaria ainda de lembrar, por último, um quarto fato incontroverso: o de o mundo que os seres humanos constituem com a invenção de dispositivos técnicos não ser formado pela realidade, mas ser formado por objetos simbólicos que são ativados no quadro das relações intersubjetivas que as pessoas estabelecem umas com as outras e com as outras espécies. Deste fato decorre a inevitável inscrição da experiência humana no medium linguagem, da qual decorre para os seres humanos a incontornável natureza discursiva daquilo que é para os seres humanos a realidade, o conjunto das componentes simbólicas do mundo que constituem. Como não pode ignorar estes fatos incontroversos, a elaboração de uma ecologia da comunicação não pode deixar de procurar compreender a emergência dos seres humanos, enquanto espécie dotada de um mundo constituído pela experiência simbólica que ela própria transpira, no quadro das interações discursivas, para retomar aqui a sugestiva e muito oportuna metáfora da transpiração ou da exsudação. É por que a realidade é inevitavelmente sempre o mundo constituído simbolicamente que a floresta nunca é, para os seres humanos, um objeto do mundo natural, mas um objeto em que as pessoas encarnam uma multiplicidade de perspectivas: é fonte de madeira para o lenhador, de inspiração para o poeta, de refúgio para o criminoso perseguido pela justiça, de pesadelos para o sonhador, de vagabundagem aprazível para o veraneante. A água que, no laboratório, é composto químico, é também para o homem recurso para matar a sede, para se banhar, para cozinhar os alimentos, para iniciação sagrada, elemento poético em que o enamorado mergulha para evocar e expressar as suas emoções.
Os dispositivos mediáticos, a esta luz, passam a ser encarados como os testemunhos do processo histórico coletivo de constituição do mundo que as sucessivas gerações criam, herdam, transmitem e habitam. É evidente que, como histórico, este processo é aleatório e contingente. Não será o melhor dos mundos possíveis; é construído em cima de sofrimentos, de injustiças, de catástrofes, mas é o único mundo que recebemos, que temos o privilégio, mas também a obrigação de receber, de melhorar e complementar. Por isso, a lógica que preside a este processo não é a lógica binária do mercado, mas a lógica ambivalente da dádiva que regula as interações sociais, a lógica que nos obriga livremente a fazer circular entre nós a nossa herança comum e que, deste modo, nos constitui como parceiros de um mundo simbólico comum ou, como prefiro dizer, de uma comunidade de fala.
REFERÊNCIAS
BRAGA, Adriana. Comunicação on-line: uma perspectiva ecológica. Revista de Economía Política de las Tecnologías de la Información y Comunicación, v. 9, n. 3, Sep./Dec. 2007. Disponível em: . Acesso em: 4 out. 2013.
DARWIN, Charles. The expression of the emotions in man and animals. London: J. Murray, 1872.
HAUSER, Marc. The evolution of communication. Cambridge: Mass; London: The MIT Press, 1997.
HUSSERL, Edmund. La crise des sciences européennes et la phénoménologie transcendantale. Paris: Gallimard, 1989.
LEROI-GOURHAN, André. O gesto e a palavra. Lisboa: Ed. 70, 1964-1965. 2 v.
RODRIGUES, Adriano Duarte. O paradigma comunicacional: história e teorias. Lisboa: Fundação C. Gulbenkian, 2011.
SCHUTZ, Alfred. The phenomenology of the social world. [Evanston]: Northwestern University Press, 1967.
SIMONDON, Gilbert. Du mode d'existence des objets techniques. Paris: Aubier, 1989.
TOMASELLO, Michael. Origens culturais da aquisição do conhecimento humano. São Paulo: Martins Fontes, 2003.

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