COMUNICAÇÃO DE RISCOS EM PROL DA CIDADANIA: análise do papel da Gazeta do Povo no enfrentamento das mudanças climáticas no âmbito local COMMUNICATION RISK IN SUPPORT OF CITIZENSHIP: examining the role of the Gazeta do Povo in facing the climate change at the local level

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Associação Nacional dos Programas de Pós-Graduação em Comunicação XXV Encontro Anual da Compós, Universidade Federal de Goiás, Goiânia, 7 a 10 de junho de 2016

COMUNICAÇÃO DE RISCOS EM PROL DA CIDADANIA: análise do papel da Gazeta do Povo no enfrentamento das mudanças climáticas no âmbito local 1 COMMUNICATION RISK IN SUPPORT OF CITIZENSHIP: examining the role of the Gazeta do Povo in facing the climate change at the local level Eloisa Beling Loose2 Myrian Regina Del Vecchio de Lima3

Resumo: Este trabalho, derivado de um doutorado, discute as potencialidades do jornalismo, como parte da comunicação de riscos, na promoção e envolvimento dos cidadãos para o enfrentamento dos efeitos das mudanças climáticas (MCs) no âmbito local. Para tanto, examina a relação entre a cobertura sobre o assunto do jornal de maior abrangência em Curitiba, a Gazeta do Povo, e as percepções de risco de seus leitores, assim como suas ações para mitigar as causas da intensificação do fenômeno. O estudo revela que apesar das prerrogativas de um veículo local, o jornal citado apresenta o assunto, majoritariamente, sob a perspectiva global, distanciando a percepção do seu público para os efeitos negativos das MCs e acarretando medidas frágeis ou insuficientes para minimizar a situação. Além disso, a ausência de se estabelecer as relações local-global corrobora para o não entendimento da necessidade de uma governança “de baixo para cima”, no qual a população poderia exercer sua cidadania de forma plena. Palavras-Chave: Comunicação de riscos; Cidadania; Mudanças Climáticas. Abstract: This paper, derived of a doctoral research, discusses the potential of journalism, as part of risk communication, in the promotion and involvement of citizens to fight the effects of climate changes (MCs) at the local level. For this purpose, examines the relationship between the coverage about the subject in the most important newspaper in Curitiba, the Gazeta do Povo, and risk perceptions of its readers, as well as their actions to mitigate the causes of the phenomenon intensification. The study reveals that despite the prerogatives of a local media, the newspaper quoted presents the subject mostly under the global perspective, what provokes the distance perception of his audience to the negative effects of MCs and leading to fragile or inadequate measures to minimize the situation. In addition, the absence of establishing local-global relations confirms to the not understanding the need for governance "bottom-up", in which the population could exercise their fully citizenship.

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Trabalho apresentado ao Grupo de Trabalho Comunicação e Cidadania do XXV Encontro Anual da Compós, na Universidade Federal de Goiás, Goiânia, de 7 a 10 de junho de 2016. 2 Universidade Federal do Paraná (doutoranda em Meio Ambiente e Desenvolvimento); Jornalista, mestre em Comunicação e Informação e professora do Centro Universitário Internacional. E-mail: [email protected]. 3 Université Lyon Lumière2 (estágio pós-doutoral como bolsista da Capes); Professora Permanente do Departamento de Comunicação da Universidade Federal do Paraná e pesquisadora dos Programas de PósGraduação em Meio Ambiente e Desenvolvimento (PPGMade) e Comunicação (PPGCom) da mesma universidade. E-mail: [email protected]

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Keywords: Risk communication; Citizenship; Climate change.

1. Introdução Este trabalho analisa a relação do enfrentamento do fenômeno socioambiental das Mudanças Climáticas (doravante MCs) com o exercício da cidadania, a partir da comunicação de riscos climáticos observada na cobertura do maior jornal local de Curitiba, capital do Paraná. Com base nos achados da pesquisa de doutorado realizado sobre o circuito da notícia sobre as MCs da Gazeta do Povo , sobretudo na relação entre as notícias e a percepção dos leitores, debruça-se sobre a articulação entre governança “de baixo para cima” e cidadania, pensando nas potencialidades que emergem do jornalismo local. O último e mais recente relatório do Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas (IPCC , na sigla em inglês) aponta que o aquecimento do sistema climático é inequívoco e possui forte influência humana, devido ao excesso de emissão de gases de efeito estufa (GEE), sendo, portanto, entendido como fenômeno socioambiental. O Painel também prevê uma série de efeitos negativos, compreendidos aqui como riscos, no qual o planeta terá temperaturas médias mais altas, derretimento de geleiras, aumento do nível do mar e, consequentemente, escassez de água e alimentos, extinção de espécies, aumento de algumas endemias, inundações, etc. É importante assinalar que o viés sobre o entendimento do conceito de mudanças climáticas e seus riscos, bem como as formas de enfrentamento preconizados, aqui examinado e analisado, é aquele de caráter hegemônico mundial. Ou seja, o viés adotado pelo IPCC, entidade de governança internacional sobre a questão que, por meio de relatórios científicos, define e indica medidas de enfrentamento, amplamente divulgadas pela mídia internacional, o que pode levar à tomada de decisões políticas e econômicas em diferentes nações. Como assinala Sousa Santos (2004), o processo de globalização recente, de caráter neoliberal, insere o ser humano em um cenário de padronização cultural, econômica, social, o que leva atores individuais e coletivos a reproduzir os padrões dominantes. Neste sentido, a reprodução dos conceitos científicos e das advertências sobre riscos e formas de enfrentamento do IPCC, por serem dominantes globalmente, são reproduzidos pela sociedade em geral,

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As MCs são citadas hoje como um dos problemas ambientais mais sérios e em evidência na sociedade, representando um dos maiores desafios da humanidade (EREAUT e SEGNIT, 2006). Corroborando com esta perspectiva, Beck (2010) traz um olhar sobre as relações conflituosas entre sociedade e natureza, que acabaram por tornar o homem algoz de si próprio. Para este autor, que denomina a sociedade contemporânea como “de riscos”, nos anos 1960 (período que coincide com a emergência da crise ambiental) os riscos que antes eram localizados nas periferias do mundo (ou onde há pobreza) começaram a se espalhar por toda parte. Ou seja: os problemas locais e regionais passam a desencadear problemas de ordem global, que afetam todos, ainda que de maneira diferenciada. O conceito de “sociedade de risco” corresponde à acumulação e complexificação dos riscos ecológicos, financeiros, terroristas, informacionais, bioquímicos, etc., que se fazem presente no dia a dia das pessoas. Ao olhar para o fenômeno das MCs é impossível desvincular esse emaranhado de riscos que se sobrepõem, dificultando verificar o que é causa e o que é consequência. Os três aspectos que caracterizam as percepções de risco e incertezas globalmente fabricadas nesta sociedade são, segundo Beck (2010), a deslocalização (não há limites para seu alcance); a incalculabilidade (suas consequências são, em princípio, incalculáveis); e a não-compensabilidade (a lógica da compensação não se aplica, pois há riscos que remetem à extinção de seres ou à impossibilidade de sua recuperação), o que remete aos efeitos das MCs. Diante disso, a comunicação de riscos ganha importância. Para que estes efeitos negativos sejam conhecidos e, posteriormente, combatidos, necessitam da visibilidade e legitimidade do jornalismo. Olausson (2011) reforça que é crucial reconhecer os meios de comunicação como intermediários principais entre a ciência, a política, a cultura e os cidadãos, bem como seu papel na definição da agenda pública sobre MCs, podendo ocasionar respostas positivas sobre este problema. De forma semelhante, Howard-Williams (2009) pontua que as mudanças climáticas são um assunto que se torna visível para o público geralmente por meio da mídia. A invisibilidade do processo da mudança do clima, sua natureza “difusa no espaço e no tempo” (CARVALHO, 2011, p.43), assim como as inúmeras incertezas que impedem correlações simplificadas entre determinado evento extremo e o processo mais amplo do fenômeno requer que atores sociais formulem e visibilizem seus diferentes aspectos. Como outros temas ambientais, a questão climática só se torna perceptível aos sentidos humanos quando já é

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tarde para evitar seus prejuízos (o clima está mudando rápido, mas isto ocorre em silêncio, discretamente; apenas quando, por exemplo, o degelo de um grande iceberg consegue ser capturado é que as pessoas percebem que algo fugiu da normalidade). Para que se torne um problema ambiental reconhecido pela sociedade, é necessário que haja antes a construção simbólica do problema por meio da identificação, apresentação e debate público (HANNIGAN, 1995). É nesse sentido que o jornalismo se mostra crucial para levar a grandes públicos a discussão multifacetada e não cotidianamente visível das alterações do clima. Dessa forma, justifica-se a escolha de um jornal local, que pode por meio do conhecimento da realidade específica estabelecer vínculos com problemáticas globais e proporcionar informação qualificada para o exercício da cidadania da população. De fato: Ao valorizar o espaço local em termos de cobertura, o jornalismo obedece a uma dupla lógica: a primeira, aquela que advém dos princípios dos valores-notícia (critérios que os jornalistas utilizam na seleção dos acontecimentos), sendo que entre eles é fundamental o da proximidade. E a outra, aquela que advém dos intensos fluxos socioeconômicos e culturais impostos pelo processo de globalização mais recente, que permite a emergência de uma dimensão “glocal”, entendida como espaço de tensionamentos entre imposições hegemônicas globais e atitudes e ações contra-hegemônicas locais, ou de resistência do local ao global, sem que, no entanto, este local deixe de estar integrado ao processo geral de globalização, de onde decorrem benfeitorias ou perversidades econômicas e sociais. (FERNANDES e DEL VECCHIO DE LIMA, 2015, p.2).

Os autores acima lembram o “modelo de influência” proposto por Meyer (2007, p.3), ao defender que, ao focar sua produção de notícias numa determinada região, os jornais poderiam praticar de forma produtiva formas de influência junto ao seu público, “como resposta ao intenso processo de globalização e à pulverização de meios informativos”. Dessa forma, conseguiriam atingir do particular para o geral questões de ordem planetária, como aqueles associados ao meio ambiente. O pressuposto do qual se parte é que, pela abrangência regional, a Gazeta do Povo teria condições de mobilizar seus leitores para ações de mitigação face às MCs, fomentando uma governança “de baixo para cima” ou, com outras palavras, permitindo que seu público se envolvesse com a questão de modo a realizar ações cidadãs locais/regionais em prol do meio ambiente. Importante destacar que os riscos climáticos, quando mencionados aqui, referem-se ao universo de potencialidades de acidentes ou catástrofes, de perigos e ameaças decorrentes da aceleração do fenômeno das mudanças climáticas. São percepções de efeitos negativos, mais

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ou menos previsíveis, por um grupo social. Embora a sociedade atual seja alertada há décadas por cientistas e meios de comunicação social sobre as projeções de prejuízos e danos à vida do homem acarretados pela mudança do clima, vale frisar que nem todos seus atores terão esta percepção de risco, pois o contexto e as experiências vivenciadas por cada um implicam no julgamento se algo é ou não um risco. 2. Enfrentamento do risco: relações entre governança e cidadania Para mobilizar a população sobre os riscos climáticos, a informação sobre os perigos e formas de mitigá-los é o primeiro passo para o desencadeamento de um envolvimento maior que leve à ação. Pesquisadores da área de MCs concordam que a tendência é que se utilizem cidades e municípios como arenas fundamentais de governança, tendo em vista a valorização da escala local. Este empoderamento local permitiria uma gestão mais eficiente e direta da infraestrutura urbana, serviços essenciais e regulação e controle de ações; contudo, não se pode esperar que os níveis locais resolvam o problema sozinhos (MARTINS e FERREIRA, 2011). Quando se enfatiza aqui o papel do poder local, atenta-se para a escala onde os efeitos das MCs se materializam e onde os cidadãos conseguem realmente perceber o alcance da mudança do clima. Assim, a comunicação de riscos deve oportunizar conhecimentos que permitam a construção da percepção do risco para, em um segundo momento, fomentar a governança e o exercício da cidadania. Jacobi (2012) entende que a governança implica arenas de negociação com participação da sociedade civil, mercado e Estado, sendo um exercício permanente de desenvolvimento de ações com foco na noção de poder social. O exercício da cidadania está intrinsecamente contido na ideia de participação social desta concepção de governança, na qual o passo primeiro é a melhora no acesso à informação. Jacobi (2012) enfatiza ainda que na base desse modelo cooperativo de governança existe a necessidade de melhora no acesso à informação e participação, uma vez que essas são pré-condições básicas para a institucionalização do controle social. Somente com conhecimento poderão ocorrer mudanças culturais e de comportamento que assegurem uma cidadania efetiva, ou seja, apenas com cidadãos mais conscientes e atuantes se poderá ter a possibilidade de um desenvolvimento social mais pleno, que seja redutor de desigualdades (JACOBI, 2012). Nesse panorama, o jornalismo pode ser visto

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como agente de governança, desencadeando ações que originem modificações de comportamento frente ao cenário de afetações climáticas. Há um forte papel da comunicação em todo esse contexto de governança climática, especialmente no fortalecimento do seu fluxo contra-hegemônico e que parece ampliar as possibilidades de um processo que se materialize em múltiplas camadas.

Ao falar da

comunicação relacionada às questões do meio ambiente. Del Vecchio de Lima et al. (2015, p.82) apontam que: O fazer da comunicação ambiental pressupõe a utilização dos fundamentos comunicacionais a favor do exercício da cidadania planetária, que estimule ações transformadoras pela sustentabilidade do nosso meio e, especialmente, do nosso “meio” mais próximo, aquele definido pelo nosso espaço local.

É em consonância com este entendimento que a ideia de jornalismo como ator de governança ganha força neste trabalho. Endossa-se a ideia de que a informação qualificada (não apenas dos conteúdos a serem debatidos, mas também do funcionamento dos processos e, direitos e deveres dos cidadãos) possibilita uma participação pública alargada no qual os cidadãos exercem sua cidadania com consciência. Este processo aposta na responsabilidade partilhada e na melhor eficiência das decisões, já que reúne vozes com saberes e experiências distintas, mas interessadas em um objetivo comum: enfrentar os riscos das MCs. Dessa forma, ao contrário do processo “de cima para baixo”, que impõe receituários independentemente das especificidades de cada local e comunidade, a governança proposta aqui consiste em negociação, em envolvimento, em cooperação. O jornalismo pode ser visto, assim, como um ator social responsável pela articulação e empoderamento dos cidadãos por meio de informações qualificadas. No jornalismo ambiental, comprometido com a cidadania planetária4, assume-se que é dever do jornalista munir os leitores com notícias bem contextualizadas, que apresentem pluralidade de vozes e que tenha um espaço constante. A relação com o local, as ações de enfrentamento relatadas, assim como a proposta de governança “de baixo para cima” podem ser associadas à prática da cidadania. Quando o sujeito sente-se no dever de contribuir com a redução de GEE por meio de mudanças de 4 Para Gadotti (1998, p. 5-6), “[...] a cidadania planetária é por essência uma cidadania integral, portanto, uma cidadania ativa e plena não apenas nos direitos sociais, políticos, culturais e institucionais, mas também econômicos e financeiros [...]. A cidadania planetária deverá ter como foco a superação da desigualdade, a eliminação das sangrentas diferenças econômicas e a integração da diversidade cultural da humanidade e a eliminação das diferenças econômicas”. Assim, para este autor, “não se pode falar em cidadania planetária ou global sem uma efetiva cidadania na esfera local e nacional” (Ibid., p.6).

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hábitos e/ou comportamentos, está exercendo, em alguma medida, sua cidadania planetária. Mas, para tanto, precisa antes reconhecer seus deveres e direitos, assim como saber as implicações de sua inação. É aqui que a comunicação dos riscos climáticos, particularizada neste trabalho no jornalismo, ganha relevo e merece ser melhor compreendida. 3. Relação entre jornalismo local e comunicação de riscos A comunicação de risco envolve um complexo processo de criação e interpretação de sentidos e significados inerentes a vida social, no qual saber quem são os participantes, seus papeis, motivos e conhecimentos, assim como as estruturas da organização, suas condições e formas de comunicação devem ser levadas em conta (BOHOLM, 2009). Tal processo requer aceitar que as audiências são ativas e fazem parte deste processo, sendo assim necessário conjugar valores, interesses e conhecimentos em diferentes escalas e fluxos. A comunicação de risco envolve compreensão das dinâmicas correlacionadas ao risco e não mero convencimento de um grupo (causador ou responsável pelo risco) para outro (o de vítimas do risco). A ênfase na participação dos cidadãos neste processo é verificada em algumas definições, como na do projeto Promoção da Cultura de Riscos de Desastres, no qual a comunicação de riscos é vista como “condição necessária à realização dos direitos de toda pessoa em participar das tomadas de decisões que dizem respeito à sua vida e saúde” (UFSC, 2012, p.22). Dessa forma, a associação do termo com a ideia de governança “de baixo para cima” se torna ainda mais evidente. Di Giulio, Figueiredo e Ferreira (2008) ratificam uma maior discussão entre comunicação de riscos e governança: Na governança do risco, a forma como as informações são coletadas, analisadas e comunicadas estão no centro da atenção, assim como a ideia de que o conhecimento leigo não é irracional e de que os julgamentos de valor estão presentes em todas as fases do processo de avaliação e gestão de risco, por parte dos especialistas e do público (Ibid, s/p).

Estes autores sublinham que um dos principais objetivos da comunicação de risco é a promoção de um diálogo sensível entre a comunidade que está em situação de risco e os demais sujeitos que devem ajudá-los, integrando-os na discussão e solução para

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enfrentamento deste risco. Logo, a comunicação de risco mostra-se interligada com aqueles estudos centrados em formas de governança cidadã. O jornalismo sobre riscos, no contexto apresentado, desempenha as funções da comunicação de risco em um espaço de ampla visibilidade, a esfera midiática, de acordo com as normas e regras da cultura jornalística. Os riscos climáticos podem ser mais ou menos percebidos pelos leitores, de acordo com a confiança que as pessoas têm naqueles que comunicam ou avaliam o risco, já que, como não são especialistas, tomarão suas decisões em razão das informações que obtiveram com amigos, família, relações de trabalho/sociais e imprensa. O jornalismo sobre riscos faz uso das normas e critérios da área, aproveitando a visibilidade e o status da profissão, mas também se articula com a governança “de baixo para cima”, já que objetiva aproximar públicos diferentes para a resolução de problemas comuns. Devido ao fato de a Gazeta do Povo ser o principal jornal impresso de Curitiba e ter uma ênfase local/regional, imaginou-se que tal veículo pudesse atuar como um ator social a favor da comunicação de riscos. Para além de uma prática profissional, acredita-se que o jornalismo da Gazeta pudesse desempenhar sua função social de alertar e sensibilizar seus leitores sobre alterações do clima que possam afetá-los localmente, mesmo que de formas diferenciadas. Contudo, o fato de a prática jornalística estar atenta para a escala local não significa, automaticamente, uma disposição para um fluxo “de baixo para cima”. Há muito jornalismo dedicado ao local que apenas divulga e legitima as decisões impostas à população pelo fluxo hegemônico. O jornalismo local, pela possibilidade de estar mais próximo à população, que é seu público-alvo (em comparação a um jornal nacional), é o canal ideal para a promoção de vozes e pautas que contribuam para uma governança em sentido contra-hegemônico. Fernandes e Del Vecchio de Lima (2015, p.8) entendem que para que o jornalismo cumpra seu papel social e cidadão, parece ser válido que ele “[...] construa narrativas sobre as comunidades e suas gentes, em especial nos grandes centros urbanos, onde essas comunidades enfrentam um rol infindável de problemas e conflitos”. Mas, para além disso – questões socioeconômicas e socioambientais: da violência à poluição, vivenciadas no cotidiano – os autores entendem que o jornalismo deve atender demandas de caráter cívico e cidadão para as quais a população já esteja mobilizada:

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Há uma demanda jornalística permanente pela evidência de questões locais de caráter cívico, mobilizadas nas comunidades urbanas por meio de coletivos de ação, associações de bairros, redes urbanas organizadas fisicamente e digitalmente, mobilizações específicas, lutas permanentes ou temporárias [...]. (FERNANDES e DEL VECCHIO DE LIMA, 2015, p.8).

Desta forma, os objetivos do jornalismo local, conectados às informações que interferem diretamente no dia a dia dos sujeitos, proporcionam que o público se identifique e se envolva mais facilmente com tais problemas – o que é mais difícil e complexo quando os fatos relatados se reportam a uma realidade distante. Já foi comprovado que questões locais são não só mais visíveis para as pessoas, como também representam mais oportunidades para sua efetiva ação em relação a estas (LORENZONI, NICHOLSON-COLE e WHITMARSH, 2007). O problema neste ponto é que estudos mostram que raramente ações para o enfrentamento das MCs de cunho local, regional ou nacional aparecem na mídia (CARVALHO, 2009). A política internacional que versa sobre o tema costuma dominar as coberturas na imprensa, como já constatado em análises de diversos países (CARVALHO, 2011). Esta abordagem faz com que haja uma desconexão entre as consequências das MCs e as fontes específicas de emissões de GEE, ou seja, um rompimento entre as escalas global e local. Por outro lado, pesquisas revelam que a influência da mídia é maior quando as pessoas não têm real contato com o fato. Nesse caso, os discursos mediados perdem força diante daquilo que é vivido ou constatado a partir de círculos de amigos e da família. Como as consequências das MCs são difíceis de mensurar, ainda que haja pressupostos de relação com eventos e variações climáticas nos últimos anos, a questão climática permanece, para grande parte das pessoas, um assunto para o futuro, no qual as incertezas impedem a compreensão de causa-consequência. Desse modo, sem ter clareza de que os problemas sentidos na pele (como inundações e secas prolongadas) podem ter relação ou não com esse fenômeno amplo e global, a avaliação de tais resultados é disseminada para outros campos, como a falta de planejamento político e o desperdício da água. O fato de as MCs serem intangíveis também contribui para que a mediação jornalística tenha forte alcance. De todo modo, estudos, como o de Carvalho (2010), reforçam que as mídias possuem forte influência nas percepções das pessoas a respeito do distante e discreto problema das MCs, pois os discursos científicos e os debates políticos mediados pela imprensa são, às vezes, a única fonte de informação para a maioria dos cidadãos. Sem a cobertura dos meios

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de comunicação dificilmente determinadas questões chegariam à arena de discussão pública (HANNIGAN, 1995). Di Giulio e Vasconcellos (2014, p.53) assinalam ainda que Se as informações são apresentadas de forma a encorajar o público a imaginar cenários e aumentar sua capacidade de memória, a mídia pode ajudar a trazer os riscos para mais próximo das pessoas, colaborando para que os problemas deixem de ser apenas condições vigentes, com as quais a humanidade tem de conviver, para se tornarem assuntos que demandam atenção pública e devem ser condicionantes na elaboração de políticas.

Assim, a imprensa, especialmente a local, tem o potencial de promover o engajamento dos cidadãos a partir da visibilidade que proporciona às questões climáticas (intensificada pela frequência e tipo de destaque que recebe pelo jornal) e a partir dos enquadramentos escolhidos para tratar do tema (que podem ser positivos de forma a desencadear ações de enfrentamento). Isto, entretanto, pode acarretar efeitos contrários se a precaução não for respeitada e o sensacionalismo prevalecer. A forma de enquadrar dado assunto poder gerar tantos prejuízos quanto a escolha pela omissão de dados riscos. 4. Análise da cobertura da Gazeta do Povo sobre MCs Com o objetivo de averiguar de que modo a Gazeta do Povo enquadra os riscos climáticos e suas possibilidades de enfrentamento, realizou-se uma análise de enquadramentos das 72 notícias sobre MCs publicadas no ano de 20135. Os resultados mostram que o jornal em análise não enfatiza o enquadramento da incerteza, já que o entendimento geral das vozes que aparecem nas notícias é de que o clima está mudando e que o homem contribui de forma significativa para o aceleramento deste fenômeno, numa clara adesão ao padrão mundial hegemônico estabelecido pelo IPCC sobre a questão. Neste exame foram poucas as vezes em que a palavra risco se fez presente, embora seu sentido/ideia aparecesse muitas vezes. Os enquadramentos dos títulos e subtítulos, assim como os dos leads das notícias foram majoritariamente associados ao risco. De maneira geral, o que chama a atenção é a ênfase nos possíveis efeitos negativos das MCs distantes da população local. De um lado, os riscos são sim mobilizados para atrair a atenção do público; de outro, desconectados com o dia a dia das pessoas, enfraquecem a percepção de risco próximo dos leitores. O uso constante e majoritário de publicações 5

As notícias foram selecionadas a partir de palavras-chave associadas ao tema no próprio buscador do jornal. Em seguida, houve uma leitura flutuante a fim de detectar se o tema da notícia realmente correspondia às mudanças do clima.

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oriundas de agências de notícias explica tal distanciamento com a realidade paranaense e curitibana. O macroenquadramento global é pertinente e necessário, mas sua desarticulação com o cotidiano dos cidadãos tende a afastá-los de suas responsabilidades frente a um problema que afeta todos, ainda que de formas diferenciadas. O assunto das MCs é trazido de forma esporádica pela Gazeta. As pesquisas voltadas para as questões climáticas na mídia brasileira, embora escassas, já demonstraram que há uma oscilação no tratamento dado ao tema. Quando se trata das MCs na imprensa, é sabido que o tema ganha espaço em divulgação de grandes relatórios (como o do IPCC), na realização das COPs e, eventualmente, quando ocorrem desastres decorrentes ou relacionados, mesmo que supostamente, ao fenômeno. De outra maneira, a divulgação dos relatórios, geralmente mais centrada no caráter científico da questão, acaba sendo tratada pelos resultados, que consistem em previsões das consequências — o que também acontece nos demais estudos científicos. Esta relação pode ser feita na análise exposta: o macroenquadramento mais frequente é o científico e o enquadramento dos riscos é o que também mais aparece na segunda etapa da análise. Essas predominâncias revelam indícios sobre o modo como jornalistas tendem a salientar determinados aspectos nos textos quando precisam escrever sobre estudos científicos. Os macroenquadramentos econômicos (isto é, que relacionam as mudanças do clima a oportunidades de negócio e aos prejuízos econômicos derivados da questão) foram minoritários, talvez até porque a discussão sobre o tema esteja em um estágio de alertar a população sobre o problema e não sobre como é possível ganhar ou evitar perdas a partir disso. As MCs ainda estão distantes do dia a dia do leitor. O fato de que, atualmente, em Curitiba — e em grande parte do Brasil — os impactos dessa mudança são pouco ou nada perceptíveis à população ou ainda estão ligados a outras questões, como planejamento urbano ou má gestão, contribui para esta compreensão. 5. Percepções dos leitores sobre as MCs Em relação às percepções dos leitores, aplicaram-se questionários de percepção de risco e foram feitas entrevistas individuais com 40 sujeitos, escolhidos a partir de três critérios: 1) autodeclaração de que é leitor do jornal em estudo; 2) ter alguma familiaridade com a questão ambiental; e 3) ocupar uma posição em que, mais facilmente, possa

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desencadear ações de governança (Setores Governamental, Não Governamental, Empresarial e Educacional). Os resultados das análises dos leitores dos quatro setores escolhidos apresentam pequenas divergências entre si. Panoramicamente, constatou-se que a maioria dos leitores de cada setor apresenta a mesma resposta. Frente a isso, é válido relembrar que um dos critérios que determinaram o perfil dos leitores da pesquisa já pressupunha um certo conhecimento sobre a problemática ambiental – o que significa que os leitores desta pesquisa não representam o “leitor médio” da Gazeta do Povo e sim um leitor qualificado quando se trata das MCs. Se por um lado, esse recorte restringe bastante a compreensão da recepção do jornal, por outro revela que, mesmo aqueles interessados nas discussões ambientais, apresentam desinformação a respeito de alguns pontos discutidos nesta pesquisa. Primeiramente, é preciso notar que grande parte dos leitores achou deficitária a cobertura sobre o tema em estudo – não apenas na Gazeta, mas na imprensa brasileira de uma forma geral. Chama atenção que muitos afirmaram ler o jornal em estudo pela ênfase no local, mas as MCs não foram observadas nesta escala. Um dos leitores até disse que em relação às MCs e à sustentabilidade não há cuidado com essa perspectiva. Os leitores percebem que há muita reprodução de material de agências de notícias e poucos profissionais especializados escrevendo sobre o assunto, sendo que a cobertura climática costuma ser esporádica, em especial durante a divulgação de relatórios do IPCC, COPs e tragédias climáticas. A percepção dos leitores de diferentes setores sobre se as MCs estão ocorrendo é idêntica a dos jornalistas e fontes de informação também pesquisados no doutorado. Eles também dizem se preocupar sempre ou frequentemente com as MCs e a maioria diz concordar com aquilo que é postulado pelo IPCC, especialmente dentre os leitores dos setores Educacional e Não Governamental. O negacionismo aparece de forma minoritária somente entre leitores do Setor Empresarial, o que implica menos responsabilidade em relação ao enfrentamento, já que isto ocorre naturalmente, independente do estilo de vida das pessoas. Os leitores da pesquisa acreditam que a nossa geração e a próxima geração já serão afetadas pela MCs, demonstrando uma compreensão de urgência. De forma complementar, avaliam que, majoritariamente, percebem os efeitos e riscos climáticos sempre ou

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frequentemente. Também, em sua maioria, percebem que a ênfase no negativo traz somente uma reação ou impacto momentâneo, sendo preciso que haja uma abordagem mais positiva, mostrando formas de adaptação e mitigação das MCs. A maioria dos leitores percebe que a ênfase nas consequências das MCs não é capaz de trazer um enfrentamento efetivo. Em relação aos efeitos positivos, os leitores entrevistados se dividiram. Enquanto aqueles do Setor Educacional e do Governamental afirmaram que podem existir benefícios derivados das mudanças climáticas, como fez a maioria das fontes de informação, os dos setores Não Governamental e o Empresarial discordaram da possibilidade, aproximando-se da resposta majoritária dos jornalistas. Neste caso, ratifica-se a confusão derivada pela falta de discussão de tais pontos na imprensa. De todo modo, os leitores sinalizaram que mais importante que falar dos benefícios, é trazer aspectos preventivos. No que tange à governança, com relação à atribuição de responsabilidades, os leitores conferiram a opção “eu” mais peso do que as fontes de informação e os jornalistas (grupos de atores investigados na pesquisa de doutorado), ainda que o peso maior tenha ficado também sobre os países desenvolvidos, mesma resposta majoritária das fontes de informação. Esta repetição na atribuição de responsabilidade aos países desenvolvidos pode ser relacionada às coberturas anuais das COPs em que, reiteradamente, aparece a ênfase sobre o embate entre países em desenvolvimento e países desenvolvidos. Esta visão pode ser considerada hegemônica do ponto de vista dos países do hemisfério Sul. Os leitores entendem que os meios de comunicação influenciam muito seu público em relação à mudança de comportamento, apesar de existir um reconhecimento dos limites da imprensa, especialmente quando se fala de um jornal impresso que é direcionado para formadores de opinião. Sobre as incertezas científicas, a maioria concorda parcialmente ou totalmente que sua inserção nas notícias gera barreiras ao enfrentamento. Mesmo que não tenham dúvidas sobre a ocorrência do fenômeno e a participação do homem em seu agravamento, acreditam que outras facetas do problema podem ser privilegiadas. A incerteza pode gerar dúvida ou comodismo, de acordo com alguns leitores. Para outros, esta é uma questão inexistente na cobertura, já que há cada vez mais há mais comprovação da contribuição humana no aceleramento das MCs. Estes leitores apostam na visibilidade de boas práticas como incentivo às ações de mitigação e adaptação, mas, em seu dia a dia, expõem poucas medidas efetivas para diminuir

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a emissão de GEE. Grande parte das ações relatadas pelos setores são projetos voltados para conscientização ou educação ambiental, que se manifestam em palestras e panfletos. Checouse também que há dificuldade dos leitores qualificados precisarem ações específicas de combate às MCs, sendo as medidas tomadas pertinentes à vasta área da sustentabilidade ambiental. Há convergências entre os leitores dos setores Governamental e Empresarial, e entre os setores Educacional e Não Governamental. Um destes pontos nos quais os setores concordam diz respeito a ações de mitigação: os primeiros dois tendem a ter uma visão mais tecnicista de ações e formas de enfrentar os efeitos climáticos, enquanto os leitores dos outros setores apostam mais na redução de emissões de GEE, demonstrando inclusive mais conhecimento sobre como amenizar o quadro atual. Em relação aos efeitos positivos das MCs, metade dos entrevistados discordam parcial ou totalmente desta afirmação, especialmente nos setores Empresarial e Não Governamental, provavelmente por razões diferentes tendo em vista o perfil dos leitores. Embora os leitores apontem a imprensa como uma instância que influencia muito a sua mudança de comportamento, na percepção deste grupo é preciso pensar de forma mais abrangente, considerando questões estruturais e culturais. O papel da imprensa é visto, para alguns, como insuficiente. Na prática, os leitores afirmaram que as informações jornalísticas são usadas para despertar a atenção sobre algum assunto e promover o debate, mas as ações de enfrentamento relatadas, por setor, demonstram que ainda há bastante trabalho a ser feito (não há medidas específicas sendo pensadas). 6. Considerações A análise das notícias permitiu checar que o discurso do jornal Gazeta do Povo sobre MCs não deriva da realidade local. Se bem que se possa afirmar que há uma preocupação geral do veículo em cobrir a política, a economia e os esportes, para citar alguns exemplos, a partir de uma perspectiva local, o tema estudado é, majoritariamente, decorrente de republicações de agências de notícias nacionais e internacionais. Além de o jornal não contribuir para estabelecer as relações entre o global e o local, o assunto não é abordado de maneira diversificada. O conjunto das notícias analisadas revela um material pasteurizado focado, especialmente, em divulgações de estudos científicos – no qual o jornalismo acaba por reforçar a ciência como detentora da verdade. Van Dijk (2011,

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p.37) destaca que “[...] sendo uma das instituições mais poderosas da sociedade, a ciência e suas organizações estão interessadas na reprodução desse poder”. E, sem dúvida, ao serem divulgados, os conteúdos produzidos no âmbito do IPCC e referendados majoritariamente por cientistas, enquanto fontes jornalísticas, representam e legitimam a ciência de uma forma positiva, embora também possam gerar visões críticas ao apresentar posições divergentes. Porém, o que se observou na cobertura examinada, é a divulgação de visões cientificas prevalentes sobre as MCs, com pouco espaço para outras versões. A ênfase desta divulgação científica é centrada nos efeitos negativos ou riscos climáticos e as ações realizadas para evitar ou minimizar a emissão de GEE são pouco exploradas. Quando se analisam apenas as notícias das COPs, a discussão gira em torno da responsabilização pelo enfrentamento entre países desenvolvidos e em desenvolvimento, algo que foi apontado por todos os atores pesquisados quando questionados sobre quem deveria fazer algo. O embate político ganha as manchetes e as vozes oficiais predominam, tornando a discussão climática também uma questão político-econômica, que, entretanto, não debate o modelo desenvolvimentista ou o estilo de vida consumista prevalente na sociedade atual. O que está em xeque é como manter a economia crescendo, apesar dos sinais de desgaste que o ambiente apresenta. Nesta linha também aparecem notícias que privilegiam soluções tecnológicas. Ocorre que, na atual sociedade democrática, é bem mais fácil se obter sucesso ao modificar políticas do que modificar os comportamentos, como afirmam Ambroise-Rendu e Vadrot (2015).

Ao falar desta inação em termos de mudanças do estilo de vida

contemporâneo, Ambroise-Rendu e Mathis (2015, p.16) afirmam que “[o] exemplo de uma mudança climática, hipermidiatizada, mas que não dá lugar a nenhuma decisão política de envergadura, é sintomático desta inércia, quando se trata de mudar de modo de vida”6. Apesar desta argumentação, os dois autores franceses consideram que “[...] nada de eficaz pode ser feito no espaço público que não seja midiatizado”

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(Ibid, p. 16) e que, no campo

ambiental e ecológico, não há ação coletiva possível sem o socorro das mídias, mas que também devemos contar com os eventuais efeitos perversos deste apoio.

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No original : ‘L’exemple d’um changement climatique, hypermédiatisé, mais qui ne donne lieu à aucune decision politique d’un envergure, est symptomatique de cette inertie, quand il s’agit de changer de mode de vie’. 7 No original : ‘[...] rien d’efficacene peut se faire dans l’espace publique qui ne soit pas médiatisé [...]’.

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Na comparação com outros jornais, ainda que de abrangência nacional, os próprios leitores da Gazeta do Povo veem que o conteúdo sobre este tema é o mesmo, que não há produção local. Além da repetição de enfoques negativos, que podem não gerar envolvimento dos cidadãos, os leitores apostam que a visibilidade de boas práticas poderia ser uma forma de tratar o assunto de outra forma. Apesar disso, como integrantes de setores aptos a agir pela governança climática e já sensibilizados pela causa ambiental, os leitores entrevistados também demonstram um gap entre sua preocupação com as MCs e suas ações de enfrentamento efetivo. Mesmo práticas mais amplas, associadas à sustentabilidade, não parecem merecer divulgação, já que há pouca pró-atividade dos atores no que diz respeito à proposta de pautas para o jornal do qual são leitores. As desarticulações ratificadas, que afastam os leitores da realidade local, poderiam ser evitadas, caso o jornal entendesse ser um ator importante no quadro da comunicação de riscos e da governança climática local. Como instituição jornalística que detém um papel social, a Gazeta do Povo poderia provocar seus leitores, considerados formadores de opinião, a participar de forma mais ativa na cobertura das temáticas ambientais locais, incluindo aí a relação com as MCs. Esta posição, entretanto, não é assumida e, ao que parece, está sendo menosprezada, atualmente, pela justificativa de cortes financeiros. Se os cidadãos não se sentem ameaçados ou não percebem o quanto podem perder em razão dos efeitos negativos das MCs, não tomarão medidas para combatê-los. Se muitos leitores desta pesquisa, escolhidos em razão de um contato com questões ambientais, não conseguem relacionar suas escolhas diárias com a causa das MCs e/ou pensam que podem mitigar ou prevenir os riscos climáticos apenas com medidas paliativas, o que esperar dos leitores não interessados na área? Como pensar em uma governança climática, que seja participativa, “de baixo para cima” e, portanto de caráter cidadão, se tais perigos não estão entrelaçados com o cotidiano dos curitibanos? Estes achados reforçam que, mesmo em um País nas quais as vulnerabilidades socioambientais são muitas, o que agrava o impacto dos riscos climáticos, a preocupação com o tema não se converte em ação por parte dos leitores, que não reivindicam ou propõem novos caminhos, mesmo cientes das muitas lacunas existentes e do que isso pode gerar, considerando a influência do jornal. Quando o sujeito sente-se no dever de contribuir com a redução de GEE, por meio de mudanças de hábitos e/ou comportamentos, está exercendo, em alguma medida, sua

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cidadania planetária. Mas, para tanto, precisa antes reconhecer seus deveres e direitos, assim como saber as implicações de sua inação. É neste contexto que a comunicação dos riscos climáticos, particularizada neste trabalho no jornalismo, ganha relevo e merece ser melhor compreendida

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