Comunicação e Instituição Militar

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Comunicação e Instituição Militar

Adriano Duarte Rodrigues

Gostaria de começar por saudar o Centro de Estudos do Pessoal, do Rio de Janeiro, na pessoa do seu comandante e de Edison Gastaldo e por agradecer o convite que me fizeram para partilhar convosco reflexões a que tenho dedicado alguma atenção ao longo dos últimos trinta anos. A expectativa que trago para este nosso encontro tem, no entanto, mais a ver com a importância que atribuo ao muito que certamente tenho que aprender com a vossa experiência do que com as reflexões que pretendo partilhar convosco.

A instituição militar é provavelmente a que apresenta de maneira mais clara as marcas da natureza ambivalente da génese da sua constituição como campo social.
Desde a sua origem, a instituição militar cria, impõe, promove, preserva e restabelece o valor da defesa da unidade e da integridade do território da comunidade e garante a sua preservação perante a eventualidade da ocorrência de uma agressão externa. Distingue-se, por conseguinte, das instituições que criam, impõem, promovem, preservam e restabelecem valores que não têm propriamente a ver com a defesa do território comum, mas com a experiência do mundo da vida comum, tais como a experiência dos valores da salvação, da família, da saúde, da economia, da justiça, do saber, do poder.
A origem da instituição militar remonta provavelmente ao processo de sedentarização, decorrente da fixação, nas primeiras cidades, das populações nómadas da pré-história, por ocasião da revolução do neolítico que deve ter ocorrido na Europa, há cerca de 12000 anos. Estes primeiros povoamentos devem ter sentido logo desde a sua origem a necessidade de especializar alguns dos seus membros para as funções de defesa perante eventuais ameaças de pilhagens, invasões e ocupações por parte de comunidades inimigas externas. A fundação da instituição militar é, por conseguinte, provavelmente o primeiro processo de autonomização de um dos domínios da experiência e apresenta, por conseguinte, de maneira mais clara a sua estrutura e o seu funcionamento como campo social. As manifestações da instituição militar enquanto campo social são visíveis na natureza formal e hierárquica da sua organização corporativa, nas marcas simbólicas distintivas, tanto do seu corpo acreditado, como dos seus espaços próprios e na natureza dos dispositivos técnicos mobilizados tendo em vista os seus processos estratégicos e nos seus procedimentos táticos.
Como a guerra é o acontecimento por excelência de afirmação dos valores que a instituição militar pretende criar e impor, porque ocorre diante da ameaça da sua perca, não admira que seja por ocasião da sua ocorrência que se manifesta de maneira mais clara a natureza formal e hierárquica da sua organização, as suas marcas simbólicas e o funcionamento dos dispositivos técnicos que asseguram a sua função mobilizadora e a sua eficácia. Por ocasião do desencadeamento da guerra, a instituição militar mobiliza em torno da sua ordem de valores e dos seus objetivos estratégicos o conjunto de todos os outros campos sociais. Os campos familiar, político, económico, da saúde, jurídico, na sequência da mobilização geral, feita nas circunstâncias apropriadas pela entidade competente, ficam completamente subordinados ao funcionamento do campo militar e de certo modo neutralizados.
Mas aquilo que me parece extraordinário e que me apresso a referir desde já é o fato de a origem da instituição militar obedecer a uma lógica comunicacional notável. Esta componente comunicacional decorre do fato de ser provavelmente a única instituição em que a sua origem envolve um complexo e ambivalente processo interacional que pode ser formulado do seguinte modo: a criação da instituição militar é, por um lado, provocada pela percepção da ameaça decorrente da existência de uma instituição militar no território do inimigo externo, mas, por outro lado, é a criação da instituição militar que provoca a constituição da instituição militar precisamente no território do inimigo externo de que se teme a ameaça e a que ela pretende responder. Podemos resumir a lógica desta ambivalência da constituição da instituição militar, dizendo que, por um lado, ela é uma ameaça que visa neutralizar toda a ameaça possível e que, por outro lado, é a sua criação que provoca a ameaça que pretende neutralizar. Como procurarei mostrar, é esta lógica que dá sentido à sua forma de organização e às modalidades de funcionamento da instituição militar.
A natureza formal e hierárquica da organização da instituição militar e do seu corpo acreditado
Comecemos por observar a natureza da organização da instituição militar. A sua característica mais evidente é a sua natureza formal e hierárquica, manifestada nomeadamente na perfeita correspondência entre os lugares previstos pela sua pirâmide social e os postos ocupados pelos seus membros, em função da responsabilidade relativa que é atribuída a cada um na criação, na inculcação, na preservação e no restabelecimento, quando violado, do valor da defesa do território comum.
Esta forma de organização não é evidentemente exclusiva do campo militar; podemos encontrá-la igualmente, por exemplo, na organização dos campos religioso, jurídico, da saúde ou académico. Mas no campo militar ela é mais evidente, mais formal e mais rigorosa.
A instituição militar é igualmente a instituição em que o conjunto dos seus membros acreditados forma de maneira mais evidente um corpo, organizado em subconjuntos, formando um autêntico organismo. O seu corpo dilui as identidades individuais; cada um dos seus membros ocupa um lugar prefixado bem definido e assegura as funções próprias desse lugar, de acordo com uma estrita divisão das tarefas. O desempenho por parte de cada subconjunto e de cada um dos seus membros das funções específicas que lhes são atribuídas é coletivamente sincronizado com o desempenho dos outros subconjuntos, em resposta a uma única voz de comando, segundo cadências reguladas e ritmadas. O toque dos cornetins e dos tambores é um dos dispositivos mais habituais que assegura a regularidade das cadências do funcionamento do corpo militar e, deste modo, constitui a sua unidade corporativa.
As marcas simbólicas distintivas tanto do corpo militar como dos espaços próprios do campo militar
Tanto o corpo militar como os espaços próprios destinados ao seu funcionamento são dotados de notável visibilidade pública, devido à constituição de marcas simbólicas distintivas próprias. Estas marcas simbólicas, por um lado, distinguem, de maneira clara, a instituição militar dos outros campos e dos outros corpos sociais, e, por outro lado, distinguem os membros de um dos seus subconjuntos dos membros dos outros subconjuntos. As fardas e as insígnias são talvez as marcas mais visíveis desta simbólica distintiva, mas existem muitas outras, tais como os diferentes modos de andar, de falar, os rituais de saudação, a alocação de tarefas e de lugares nos espaços próprios, ou apropriados ocasionalmente pela instituição militar.
O espaço permanente próprio reservado para o funcionamento da instituição militar é por excelência a caserna; é o espaço reservado para o exercício das tarefas habituais do seu corpo. Mas há espaços próprios do campo militar ocasionais e excecionais, como os das manifestações militares públicas, das marchas e sobretudo o campo de batalha, também designado por vezes e curiosamente teatro de operações. Digo curiosamente, porque esta designação tem subjacente um aspeto fundamental das funções da instituição, o de que se trata de uma instituição em que todo o funcionamento é uma representação cénica, é o desenrolar de uma performance dramatúrgica.
A natureza midiática dos dispositivos militares
Mas existe uma relação comunicacional específica particularmente notável da instituição militar com os dispositivos mediáticos. É esta relação que gostaria agora de sublinhar. Trata-se de uma relação que se estabeleceu certamente logo na pré-história, uma vez que os primeiros artefactos de pedra, o fabrico de cutelos, de machados e de objetos de percussão, deverão não só ter servido para a caça, mas devem também ter visado objetivos estratégicos de defesa. Esta associação entre a caça e a guerra é de tal modo evidente que os próprios aviões atuais de combate são chamados "caças".
A invenção do ferro e do bronze devem ter constituído epatas importantes de aperfeiçoamento dos utensílios bélicos. A domesticação do cavalo esteve também destinada à aceleração da mobilidade e ao efeito de surpresa na luta contra o invasor. Todos estes inventos técnicos aumentaram exponencialmente a superioridade militar das tribos que, desde muito cedo, provavelmente por ocasião da revolução do neolítico, os inventaram.
Há testemunhos na Antiguidade de que o toque dos clarins, o rufar dos tambores, o ribombar das armas de fogo estavam associados à disposição e à marcha cadenciada dos exércitos e ao desenrolar das operações bélicas. A percepção do funcionamento destes diferentes dispositivos revela só por si a presença e a organização da instituição militar, mas, no teatro de guerra, têm sobretudo como objetivo imobilizar os movimentos, assim como neutralizar, anestesiar e dissuadir o ataque do adversário. Como dizia Paul Virilio, num livro dedicado às relações entre a guerra e o cinema,
Abater o adversário é menos capturá-lo do que cativá-lo, é infligir-lhe antes da morte, o espectro da morte. (Virilio 1984: 7)

O clarão que acompanha o deflagrar das bombas tem idêntico efeito de sideração e de anestesia. Por isso, os holofotes e os projetores são frequentemente utilizados para varrer o espaço da noite, pondo a nu os esconderijos, desmantelando os refúgios, desemboscando as trincheiras, deixando o inimigo imóvel, anestesiado e impotente, fulminado mais ainda pelo olhar transparente do agressor do que pelo deflagrar das bombas.
Creio que sideração é o nome apropriado para designar o processo de estupefação provocado pelos dispositivos sensoriais do ruído uniforme e cadenciado, tanto da marcha compacta do exército, como das armas, e do clarão que torna diáfana, transparente, a percepção das coisas e dos corpos.
Não existe, como vemos, técnica militar sem dispositivos técnicos de sideração neutralizadora da tática do adversário. É por isso que a tecnologia militar é, ao mesmo tempo, dispositivo técnico e mídia anestesiante. Utiliza os inventos técnicos, os artefactos ligados ao domínio da percepção sensorial, em particular ao domínio da percepção visual e auditiva.
Não é por acaso que as grandes invenções mais recentes da mídia, em particular, a fotografia, o telégrafo, o cinema, o megafone, a rádio, a televisão, a internet começaram por ser dispositivos militares. Podemos dizer com propriedade e sem exagero que a origem da mídia se confunde com a origem das armas. Não admira, por isso, que as transmissões e a fotografia cartográfica aérea sejam sectores importantes e até imprescindíveis dos exércitos, talvez até mais importantes do que os sectores que têm como função a manipulação dos arsenais bélicos.
Etienne-Jule Marey (1830-1904) que, como sabem, foi o inventor da crono-fotografia, concebeu e fabricou em 1882 o seu aparelho de decomposição do movimento como uma espingarda equipada com um barrilete e um canhão giratório idêntico ao da pistola Colt, que tinha sido inventada em 1874 e à metralhadora Gattling inventada, pouco treze anos antes, em 1861. Entre os dispositivos midiáticos visuais e as armas nunca deixou de haver relações particularmente estreitas. Recordemos a utilização dos raios laser pela US Air Force, a Navy e a Nasa na tática do Eye-Trached, sistema de sincronização que fixa o olhar do piloto, de tal maneira que, como observa Paul Virilio (1984: 145), desde que a acomodação binocular é feita, o tiro é automaticamente executado.
O que está em causa nesta relação entre, por um lado, os dispositivos midiáticos visuais e auditivos e, por outro lado, a tática militar é a função de assegurar a rápida transmissão da ordem, a surpresa do ataque, deste modo confundindo ou distraindo dos alvos potenciais as atenções do inimigo e, ao mesmo tempo, revelando, assegurando o desvendamento das suas posições camufladas.
A mídia participa, por conseguinte, da estratégia bélica, tanto ofensiva como defensiva. Destina-se a produzir simulacros tão perfeitos quanto possível das posições ocupadas que levem o adversário a tomá-las pelas posições reais e a descobrir as posições reais do adversário pela interpretação adequada dos simulacros que ele próprio produz para se dissimular. Era o que levava Paul Virilio a afirmar:
A primeira vítima de uma guerra é o conceito de realidade. (1984: 44)

Às armas bélicas estão intimamente associadas as armadilhas da mídia que simulam e realidade e prendem os beligerantes em autênticas teias ou armadilhas sensoriais. Guerra e mídia tornam-se assim uma gigantesca máquina de gestação de efeitos especiais, de desrealização híper real surrealista.
Contava Paul Virilio que os membros da equipagem do porta-aviões nuclear americano Nimitz declaravam certo dia a uma jornalista:
O nosso trabalho é totalmente irreal; de tempos a tempos, era bom que a ficção se tornasse realidade para nos dar a prova irrefutável, brilhante, da nossa presença aqui. (Virilio 1984 119)

Desabafo inesperado, feito precisamente a uma jornalista, de quem, no fundo, se espera que realize através do seu discurso, sintomaticamente produzido em ambiente midiático, a irrealidade da guerra total no teatro de operações.
Recordemos que Hitler investiu somas fabulosas na produção de cinema de propaganda e que ainda hoje nos deixamos emocionar pelos filmes americanos que exaltam os valores da democracia e a bravura dos exércitos aliados, durante a Segunda Guerra Mundial. O governo de Hitler ordenou inclusivamente a repetição de algumas batalhas para que o olhar das câmaras de cineastas do regime nazi as pudesse registar.
Não podemos também esquecer que o telefone e a rádio começaram por ser dispositivos da marinha para assegurar a ligação dos navios em alto mar com o comando terrestre e que a utilização destes dispositivos por parte dos beligerantes na Primeira e na Segunda Guerras Mundiais foi decisiva para o desenrolar e para o desfecho das hostilidades. As emissões radiofónicas em onda curta tiveram um papel decisivo na transmissão, tanto de mensagens codificadas dos comandos para indicar às suas tropas os locais onde deveriam fazer incidir os seus bombardeamentos, como de propaganda visando a desmoralização do inimigo, dando inclusivamente origem a um intenso processo de espionagem e de contra espionagem, processo que se prolongou de maneira particularmente ativa durante o período da Guerra Fria.
Podemos com propriedade considerar que o telefone na Primeira Grande Guerra, a rádio na Segunda Guerra Mundial, a televisão na Guerra do Golfo foram autênticas armas de alcance pelo menos idêntico ao das armas letais no teatro de operações, alcance bélico que se tornou preponderante, nos anos 1990, com a utilização da CNN por parte do Pentágono, na Guerra do Golfo. Cada um dos dispositivos midiáticos foi, por isso, desde a sua invenção, autêntico dispositivo de guerra posto ao serviço da propaganda, da mobilização, não só como armas psicológicas contra o inimigo, de moralização das tropas, de resistência, mas também de tática bélica ao serviço da rapidez e precisão das ordens de comando e da sua execução no teatro de operações.
Entre as duas Guerras Mundiais, as principais potências que viriam a estar envolvidas na Segunda Guerra Mundial criaram rádios de propaganda, emitindo cada uma em dezenas de línguas diferentes. A Voz da América, que iniciou as suas emissões em 24 de Fevereiro de 1942, ainda hoje emite em mais de 70 línguas, a Rádio de Moscovo, que iniciou as emissões em 29 de Outubro de 1929, ainda hoje emite em mais de 40 línguas diferentes e a BBC, fundada em 1922, continua ainda hoje a emitir em dezenas de línguas. Todas estas rádios desempenharam um papel importante na evolução dos acontecimentos, não só durante o conflito, mas sobretudo depois, durante a chamada Guerra Fria, como agentes de propaganda, de promoção de um dos dois blocos políticos em que o Mundo foi dividido na sequência dos acordos de Yalta, assinados em 11 de Fevereiro de 1945. Recordemos que foi em 1934, durante o Governo de Getúlio Vargas, que foi criada a rádio Voz do Brasil. Curiosamente, a Voz da América, que emite em mais de 70 línguas para o mundo inteiro, está proibida de emitir em território americano, sob o pretexto de não competir na América com as outras emissoras radiofónicas.
Recordemos que grandes celebridades da rádio, do cinema, da canção, do sex appeal foram criados pela instituição militar. Griffith, durante a Primeira Guerra Mundial, Lily Marlene, Marlene Dietrich, Glen Miller, Luis Buñuel, Orson Welles, Fred Astaire, durante a Segunda Guerra Mundial, Marilyn Monroe, durante a Guerra da Coreia, foram alguns dos mais célebres personagens que incarnaram esta aliança da mídia com a estratégia bélica e serviram projetos considerados de "moralização", eufemismo para designar as estratégias de mobilização e de propaganda.
A descrição desta relação entre os dispositivos midiáticos e a instituição militar não ficaria completa se esquecesse que foi o Pentágono que, nos anos 1960, no contexto da Guerra Fria, implementou o dispositivo cibernético, a Arpanet, dispositivo militar que viria depois, no início dos anos 1990, a ser convertido em dispositivo de informação civil e a dar origem à internet. A relação da internet com a instituição militar não é, como vemos, uma exceção; inscreve-se na mesma lógica bélica que, desde sempre, ditou a génese dos dispositivos midiáticos.
A diferença da relação da internet com a instituição militar em relação aos dispositivos midiáticos anteriores é apenas a do contexto em que ela surge, a de aparecer no quadro da Guerra Fria. O que estava em jogo, já não era a ordem de comando vertical da instituição militar e o jogo estratégico de simulação e de desvendamento da simulação do inimigo, mas a criação de um dispositivo de armazenagem da informação militar disponível e de sua partilha pelos membros do corpo militar, de modo a permitir a sua preservação, em caso de deflagração de uma bomba nuclear que destruísse as instalações físicas do Pentágono. Por outras palavras, tratava-se agora de constituição de um arsenal imaterial, de uma base de dados com a informação, que sobrevivesse à eventual ocorrência da destruição da sua existência material.
Penso já ter tornado claro que os dispositivos midiáticos não são mais do que uma outra maneira de prosseguir a guerra, diferente da maneira de a prosseguir no quadro do teatro operacional da violência física. Sistema telemático da informação, a internet assegura hoje de maneira muito mais eficaz os objetivos militares, uma vez que permite o funcionamento do dispositivo militar e a sobrevivência em caso de ataque nuclear por parte do inimigo que neutralize o próprio arsenal militar. É por isso que Léo Scheer considerava que a Segunda Guerra Mundial não terminou em 1945, mas se transformou desde Hiroxima numa armadilha da informação midiática e que uma Terceira Guerra Mundial é impossível, porque a Segunda nunca teria terminado; teria ficado congelada na estratégia da informação midiática.
Alguns autores consideraram, a meu ver ingenuamente, que esta transformação estava associada ao fim da violência, ao advento de uma sociedade global pacífica. Os acontecimentos dos últimos 50 anos mostram antes a convergência estratégica entre a informação midiática cibernética ou telemática com o surgimento de uma violência ainda mais temível, a dos terrorismos, que curiosamente se generalizou a partir dos anos 1970, altura em que precisamente eram inventados os dispositivos telemáticos que viriam a dar origem nos anos 1990 à internet.
Os terrorismo exploram hoje na perfeição a convergência da mídia com a dissuasão. O único ingrediente para a eclosão de um atentado terrorista é hoje a possibilidade da sua convocação e da sua quase instantânea proliferação através das redes ditas, de maneira eufemística, sociais. É cada vez mais evidente que as diferentes modalidades de terrorismo revelam hoje o lado perverso da dissuasão, uma vez que tornam afinal todo o mundo refém da estratégia da informação tecnicamente mediatizada.
A partir do momento que a informação se tornou global as fronteiras territoriais dos Estados tornaram-se fluidas e a guerra contra o invasor externo tornou-se improvável, com a consequente questionamento da própria existência e das funções da instituição militar, enquanto corpo organizado destinado à criação e à preservação da defesa do território coletivo perante a ocorrência do ataque do inimigo externo. A contrapartida é a transformação de todos e de cada um dos cidadãos em reféns, à mercê da eclosão de modalidades indefinidas, porque desterritorializadas, inesperadas e incontroláveis de violência. Pela primeira vez, estamos confrontados com o risco de a violência se tornar cada vez mais uma questão de polícia e cada vez menos uma questão militar. Falo de risco para o princípio da cidadania que norteia a nossa maneira de pensar a sociabilidade, uma vez que parece que estamos em vias de deixarmos de olhar uns para os outros como cidadãos que partilham o mesmo território e o mesmo mundo de vida comum, para nos tornarmos todos suspeitos, inimigos potenciais de todos. É talvez por isso que assistimos hoje a uma redefinição do sentido dos próprios dispositivos midiáticos. Os dispositivos de partilha da informação tendem hoje a ser cada vez mais entendidos como dispositivos de vigilância permanente dos cidadãos, de cadastramento permanente e cada vez mais minucioso das identidades, dos comportamentos, da circulação das pessoas.
Perante as transformações a que estamos hoje assistindo, é provável que a instituição militar acabe por redescobrir novas funções, em particular a partir da disponibilidade para contribuir para a criação de novas configurações de laços de sociabilidade e de novas modalidades de território comum que possamos reconhecer como o lar da nossa identidade e da nossa cidadania.

Referências:

Baudrillard, J. (1981) – Simulacres et Simulation, Paris, Galilée.
Canetti, E. (1981) – Masse et Puissance, Nrf, Paris, Gallimard.
Glucksmann. A. (1981) – La Force du Vertige, Paris, Gallimard.
Tucídides (1987) – História da Guerra do Peloponeso, Brasília, Editora da Universidade de Brasília.
Virilio, P. (1984) – Guerre et CInéma. I Logistique de la Disparition, Paris, ed. de l'Etoile.




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