COMUNICAÇÃO INTERCULTURAL NAS ORGANIZAÇÕES: DESAFIOS DA COMUNICAÇÃO ADMINISTRATIVA E INTERNA >> INTERCULTURAL COMMUNICATION IN ORGANIZATIONS: THE CHALENGES OF ADMINISTRATIVE AND INTERNAL COMMUNICATION

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FMU CPPG – CENTRO DE PESQUISA E PÓS-GRADUAÇÃO COMUNICAÇÃO E MARKETING

COMUNICAÇÃO INTERCULTURAL NAS ORGANIZAÇÕES: DESAFIOS DA COMUNICAÇÃO ADMINISTRATIVA E INTERNA INTERCULTURAL COMMUNICATION IN ORGANIZATIONS: THE CHALENGES OF ADMINISTRATIVE AND INTERNAL COMMUNICATION

CIBELE SANTOS CANDIDO ORIENTADORA PROFª CLAUDIA REGINA BOUMAN OLSZENSKI

São Paulo 2014

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CIBELE SANTOS CANDIDO1

COMUNICAÇÃO INTERCULTURAL NAS ORGANIZAÇÕES: DESAFIOS DA COMUNICAÇÃO ADMINISTRATIVA E INTERNA INTERCULTURAL COMMUNICATION IN ORGANIZATIONS: THE CHALENGES OF ADMINISTRATIVE AND INTERNAL COMMUNICATION

Trabalho de conclusão de curso apresentado como requisito parcial para aprovação ao curso de Pós Graduação de Comunicação Organizacional - FMU. Orientação da Professora Claudia Regina Bouman Olszenski.

São Paulo 2014

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Cibele Santos Candido, administradora formada pela UNISA (Universidade de Santo Amaro), atua como consultora na empresa Oportuna Consultoria prestando assessoria ao desenvolvimento de empresas e pessoas nas áreas de administração, marketing e recursos humanos, residente em Santo Amaro, São Paulo-SP, Brasil, telefone: +55 11 99183-3360, e-mail: [email protected]. Declaro, para os devidos fins, que o trabalho que ora apresento é inédito e original de minha autoria. Asseguro ainda que este trabalho não contém nenhuma forma de plágio ou transcrição indevida, isto é, cópia de frases ou pensamentos ou de ideias de outros autores sem a devida e correta citação de cada obra e publicação utilizada.

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Candido, Cibele Santos. Comunicação Intercultural nas Organizações : Desafios da Comunicação Administrativa e Interna / Cibele Santos Candido. – São Paulo : C. S. Candido, 2014. 30 f. : 30cm. Trabalho de Conclusão de Curso (Pós-graduação) – Faculdades Metropolitanas Unidas, Comunicação Organizacional, 2014.

1. Comunicação Organizacional 2. Cultura Organizacional 3. Comunicação Intercultural 4. Diversidade Cultural I. Cibele Santos Candido. II. Comunicação Intercultural nas Organizações : Desafios da Comunicação Administrativa e Interna

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AGRADECIMENTOS

Agradeço a Deus, aos meus falecidos pais Ismael e Edesite, que tanto se empenharam em me ensinar o valor da educação (entre muitos outros), ao meu marido Fausto que ilumina minha vida com seu amor, apoio e amizade, aos familiares e amigos que acompanham minha história, torcem por mim e me alegram, aos meus clientes e parceiros de negócios que me motivam a buscar aperfeiçoamento constante. Também sou grata aos professores que abriram e enriqueceram o caminho, aos colegas que compartilharam e à Claudia, professora orientadora.

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RESUMO A diversidade cultural nas organizações - decorrente do fenômeno da globalização no contexto pós-moderno - é um desafio para a Comunicação Organizacional especialmente Interna e Administrativa. Este artigo inicialmente apresenta um estudo de algumas teorias da Comunicação, Organização e Comunicação Organizacional e dois modelos de estrutura para a Comunicação Organizacional Integrada. Em seguida, apresenta uma reflexão sobre o contexto das organizações após a globalização, conceitos sobre cultura e identidade do ponto de vista antropológico, psicológico e sociológico e conclui essa parte com a busca pela compreensão do que é e como se forma a Cultura Organizacional. Apresenta, então, o caso da Empresa A – que por questões éticas tem seu nome preservado – onde se pode observar a necessidade prática de comunicação intercultural. Finalmente, após uma reflexão sobre as possibilidades de diálogo intercultural, aponta algumas sugestões de atuação para a construção de uma nova cultura organizacional que amenize os efeitos negativos e acolha essa diversidade cultural.

Palavras-chave: Comunicação Organizacional, Cultura Organizacional, Comunicação Intercultural, Diversidade Cultural.

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ABSTRACT The cultural diversity in organizations - due to the phenomenon of globalization in the postmodern context - is a challenge for Organizational Communication - Internal and Administrative especially. This article first presents a study of some theories of Communication, Organization and Organizational Communication and two structure models for Integrated Organizational Communication. After that, presents a reflection on the context of organizations after globalization, concepts of culture and identity in an anthropological, psychological and sociological perspective and concludes this section with the search for understanding of what is and how it forms the Organizational Culture. Then presents the case of Company A - which for ethical issues has preserved its name where you can watch the practical need for intercultural communication. Finally, after a discussion about the possibilities of intercultural dialogue, points out some suggestions of activities for the construction of a new organizational culture that eases the negative effects and welcome this cultural diversity.

Keywords: Organizational Communication, Organizational Culture, Intercultural Communication, Cultural Diversity.

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LISTA DE FIGURAS

FIGURA 1 – Comunicação Integrada – Composto de Comunicação

p. 15

FIGURA 2 – Sistema de Comunicação Integrada

p. 15

FIGURA 3 – Funções na Comunicação Integrada

p. 15

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SUMÁRIO

1. Introdução

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2. COMUNICAÇÃO ORGANIZACIONAL

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2.1 Comunicação

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2.2 Organização

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2.3 Comunicação Organizacional

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3. GLOBALIZAÇÃO, CULTURA E CULTURA ORGANIZACIONAL

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3.1 Efeitos da globalização nas organizações

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3.2 Cultura

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3.3 Cultura e Identidade

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3.4 Cultura Organizacional

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4. COMUNICAÇÃO INTERCULTURAL NAS ORGANIZAÇÕES: DESAFIOS DA COMUNICAÇÃO ADMINISTRATIVA E INTERNA

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4.1 Estudo de Caso: Empresa A:

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4.1.1 Análise

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4.2 Diálogos Interculturais e Nova Cultura Organizacional

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4.2.1 Proposta

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5. Considerações Finais

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Referências

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1. Introdução Esse artigo propõe uma reflexão sobre a diversidade cultural cada vez mais presente em todo tipo de organização - resultado de um mundo globalizado e pós-moderno - e a importância fundamental de compreender essa interculturalidade no exercício da Comunicação Administrativa e Interna. Inicia-se com uma revisão dos conceitos de Comunicação, Organização e Comunicação Organizacional. São citados alguns precursores das ciências da comunicação, como Adorno e McLuhan, e da ciência da administração (ou das organizações), como Taylor e Fayol, e também autores mais recentes, como Kunsch, Neves e Morgan, que já estudam a organização dando maior ênfase à comunicação, ou a comunicação com uma visão mais estratégica. Essa breve pesquisa auxilia a compreensão da importância, da abrangência e do poder da Comunicação, especialmente nas organizações. Aos profissionais de comunicação, talvez traga à lembrança conceitos que são o fundamento de sua atuação. Aos profissionais de outras áreas e administradores, pode despertar maior interesse e priorização da Comunicação como uma das principais ferramentas de trabalho e gestão. Em seguida são considerados o fenômeno da globalização e seu impacto nas organizações: o surgimento das multinacionais e suas consequências. Diante da necessidade de compreender melhor o conceito de cultura recorreu-se à antropologia de Laraia (2004) como principal fonte. Lembrando o que o sociólogo Zygmunt Baumann (2001) chama de pós-modernidade, foi feita uma reflexão sobre a influência da cultura na percepção de identidade dos indivíduos, consultando Stuart Hall (2001). Ao considerar que a globalização tanto colocou organizações em outras culturas como colocou pessoas de muitas culturas diferentes na mesma organização aumentando o fluxo de expatriados. Foram consultados Hofstede (1991), Schein (2009) e Marchiori (2008) para compreender melhor o conceito de cultura organizacional. O último capítulo trata de um caso real em que os nomes da organização e das pessoas foram preservados por questões éticas. Narra situações que permitem analisar como a comunicação (principalmente administrativa e interna) é estratégica na promoção do diálogo intercultural – tão indispensável no contexto de diversidade cultural.

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2. COMUNICAÇÃO ORGANIZACIONAL Neste capítulo buscamos uma rápida incursão nas ciências da Comunicação e Comunicação Organizacional, passando rapidamente pelo conceito de Organização. As ciências da Comunicação são relativamente recentes, tem relação próxima com outras ciências humanas – como Filosofia, Antropologia, Sociologia, Psicologia, entre outras – e apresentam diversos autores com enfoques diferentes.

2.1 Comunicação Comunicação é um processo que permite a troca de informações entre as pessoas e entidades. Como ciência, possui referências de muitas outras ciências, desde a filosofia de Platão e Aristóteles, até a Antropologia, Sociologia e Psicologia. A partir do início do século XX, passou a ser reconhecida como Ciência Social, fato relacionado à ascensão da comunicação de massa e sua repercussão após a Segunda Guerra Mundial. Theodor Adorno e Max Horkheimer, da Escola de Frankfurt, foram precursores da Ciência da Comunicação, apresentando a Teoria Crítica: Adorno e Horkheimer analisam criticamente, daí o nome teoria crítica, a realidade social estabelecida sobre o viés da razão tecnológica, a qual impõe a humanidade em uma nova amarra. (SOUSA, 2013, p. 63)

No trecho citado, o autor se refere à “razão tecnológica” devido à Revolução Industrial. Naquele contexto, a comunicação era uma produção para a massa e voltada para criar no consumidor as necessidades adequadas aos produtos que precisavam ser vendidos. Tal fenômeno pode ser observado até os dias de hoje e levou à criação do termo “Indústria cultural”: Em meados dos anos 40, Adorno e Horkheimer criam o conceito de indústria cultural. Analisam a produção industrial dos bens culturais como movimento global de produção da cultura como mercadoria. (MATTELART, 2011, p.77)

A primeira Teoria da Comunicação é uma crítica ao desenvolvimento das técnicas e a produção de comunicação com a finalidade de servir à indústria e incentivar o consumo, servindo como ferramenta de desenvolvimento do capitalismo.

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Adorno e Horkheimer fazem uma análise crítica de como a indústria cultural, cujo foco é o consumo em massa, exerce o controle sobre os seus consumidores. Tendo como meta o lucro, ela exerce seu domínio na sociedade, criando uma intensa necessidade de consumo. Dessa forma, os indivíduos nunca estão satisfeitos com o que possuem. (SOUSA, 2013, p. 68)

Ao descrever o domínio da “indústria cultural”, a Teoria Crítica constata o poder e a enorme influência da comunicação sobre os hábitos e comportamento humanos. Mais tarde, a Ciência da Comunicação avançou com Harold Innis e Marshall McLuhan, da Escola de Toronto, com a Teoria dos Meios que pode ser resumida pela célebre frase: “o meio é a mensagem”. “[...] todas as tecnologias são extensões de nosso sistema físico e nervoso. [...] O uso de qualquer meio ou extensão do homem altera as estruturas de interdependência entre os homens [...].” (McLuhan, 2011, p. 108). Os autores conviveram com o início da proliferação dos canais de comunicação e um tremendo avanço tecnológico que alterou a forma e a velocidade da comunicação e observaram que esses meios ampliaram e potencializaram as formas naturais de expressão humana. Ao analisar também as consequências desse fenômeno, McLuhan criou o termo “Aldeia Global”, referindo-se ao “encurtamento” das distâncias decorrentes da evolução da tecnologia da informação. A alteração dos agrupamentos sociais e a formação de novas comunidades ocorrem com a aceleração do movimento da informação, por meio das mensagens em papel e do transporte rodoviário. [...] Essencialmente, a aldeia e a cidade-estado são formas que incluem todas as funções e necessidades humanas. Com o aumento da velocidade e, portanto, com o aumento do controle militar à distância, a cidade-estado entrou em colapso. (MCLUHAN, 2011, p. 109)

E complementa: “Este é o mundo novo da aldeia global.” (McLuhan, 2011, p. 111) Já a Teoria Funcionalista, da Escola de Palo Alto, amplia a noção de comunicação para a análise dos aspectos comportamentais. À noção de comunicação isolada como ato verbal consciente e voluntário, que subjaz à teoria funcionalista, opõe-se à ideia da comunicação como processo social permanente, que integra múltiplos modos de comportamento: a fala, o gesto, o olhar, o espaço interindividual. [...] se interessam pela gestualidade (cinética) e pelo espaço interpessoal (proxêmico), ou mostram que os imprevistos do comportamento humano são reveladores do meio social. (MATTELART, 2011, p. 70)

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Tendo nascido da observação vivencial de conflitos interculturais, a Teoria Funcionalista é de grande auxílio para a compreensão de tais conflitos: Em 1959, um dos membros desse grupo [Palo Alto], Edward T. Hall, publica um primeiro livro intitulado The Silent Language. Apresenta nele os ensinamentos extraídos de observações pessoais realizadas em campo, como oficial durante a guerra em um regimento composto por negros, e, em seguida, como formador do corpo diplomático, sobre a dificuldade das relações interculturais. Lançando as bases da proxêmica, destaca as múltiplas linguagens e códigos, as “linguagens silenciosas” próprias a cada cultura: as linguagens do tempo, do espaço, de posse material, dos modos de amizade, de negociações de acordos. Todas essas linguagens informais encontram-se na origem dos “choques culturais”, das incompreensões e mal entendidos entre as pessoas que não partilham os mesmos códigos e não atribuem, por exemplo, às regras de organização do espaço e da administração do tempo a mesma significação simbólica. (MATTELART, 2011, p. 71)

Pode-se notar nessa definição, a menção de alguns elementos – formas de organização, noção da divisão do espaço, percepção e maneira de lidar com o tempo – que comunicam tanto quanto a palavra falada e escrita e devem ser considerados ao se elaborar uma estratégia de comunicação.

2.2 Organização Antes de refletir sobre a comunicação no âmbito das organizações, começamos por refletir brevemente sobre o conceito de organização. A administração como ciência surgiu no início do século XX com a Revolução Industrial. Taylor e Fayol, seus precursores, inicialmente tiveram suas preocupações voltadas somente para a produção, o aumento da produtividade, a estrutura, a organização das tarefas. A teoria evoluiu, em seguida, para a ênfase nas regras e procedimentos. Posteriormente, surgiram cientistas que salientaram a importância do estudo das relações humanas, do ambiente e, por fim, da tecnologia. Com a evolução dessas teorias, desenvolveu-se também o conceito de organização - amplo e multifacetado – que exige que gestores e profissionais de comunicação organizacional conheçam seus diversos aspectos e o papel da comunicação na sua existência e continuidade. Um dos autores que procura evidenciar essa diversidade e complexidade é Gareth Morgan, no livro Imagens da Organização (2002). Ao apresentar diversas metáforas para definir e compreender as organizações - máquinas, organismos, cérebros, culturas, sistemas 12

políticos, prisões psíquicas, fluxo e transformação, instrumentos de dominação - Morgan afirma: “organizações são complexas e têm muitas facetas. Elas são paradoxais.” (2002, p. 19) Segundo o autor, todas essas metáforas podem ser identificadas numa mesma organização, e é preciso estar atento para lidar com cada uma delas. Kunsch enfatiza que na atualidade o termo organização ganha força e supera a visão fragmentada, não se limitando apenas ao contexto das empresas: [...] o termo “organizações” já se tornou comum para denotar as mais diversas modalidades de agrupamentos de pessoas que se associam intencionalmente para trabalhar, desempenhar funções e atingir objetivos comuns, com vistas em satisfazer alguma necessidade da sociedade. (KUNSCH, 2003, p. 25)

A autora menciona também que [...] na prática, não é tão simples aceitar automaticamente que as organizações são unidades sociais planejadas e construídas com a intenção de atingir objetivos específicos [...] Trata-se aqui de algo complexo, que envolve muitas implicações, que devem ser analisadas numa perspectiva individual, grupal, organizacional e sociopolítica. (KUNSCH, 2003, p. 30)

De fato, dentre muitos outros instrumentos vitais para que as organizações atinjam seus objetivos, destacamos como primordial a comunicação. Ela está presente em todas as áreas de qualquer tipo de organização sendo utilizada por todos os agentes envolvidos para os mais diversos fins para se relacionar com os mais diversos públicos.

2.3 Comunicação Organizacional A Comunicação Organizacional, muitas vezes definida como Comunicação Corporativa ou Empresarial, surgiu no início do século XX para denominar o trabalho que o jornalista Ivy Lee realizava como Assessor de Imprensa e Relações Públicas, na Nova York de 1906 para a Standard Oil Company, empresa fundada pelo famoso empresário norte americano John Davison Rockefeller. [...] comunicação empresarial é a comunicação existente entre a “organização” (empresas privadas, empresas públicas, instituições etc.) e os seus públicos de interesse: cliente interno ou funcionário da organização, fornecedores, distribuidores, clientes, prospects, mídia e sociedade em geral. (TAVARES, 2007, p. 11). 13

A Comunicação é vital para as organizações. Kunsch (2003, p. 69) aponta que sem comunicação as organizações não seriam viáveis: “O sistema organizacional se viabiliza graças ao sistema de comunicação nele existente, que permitirá sua contínua realimentação e sua sobrevivência.” Esse comentário é baseado em Lee O. Thayer: É a comunicação que ocorre dentro [da organização] e a comunicação entre ela e seu meio ambiente que [a] definem e determinam as condições da sua existência e a direção de seu movimento. (THAYER, 1976, p. 120 apud KUNSCH, 2003, p. 69)

O estudo da Comunicação Organizacional conduz a uma multiplicidade de elementos: tipos de organização, públicos, conteúdos, objetivos, mensagens, entre outros. Foi classificada inicialmente em dois tipos: Comunicação Interna – voltada aos funcionários, acionistas, investidores – e Comunicação Externa – voltada aos fornecedores, clientes, comunidade, órgãos governamentais. Marchiori (2008) cita que Thayer e Tompkins, nos anos 1960, e Redding, em 1972, formaram dez postulados para a Comunicação Organizacional. A autora também cita que Putnam e Pacanowsky, em 1985, identificaram quatro categorias para análise: canais, clima, rede e comunicação entre superior e subordinado. Para eles, a Comunicação Organizacional é o “processamento e interpretação das mensagens, informação, significado e atividade simbólica com e entre organizações” (Putnam; Cheney, 1985, p. 131 apud Marchiori, 2008, p. 167). A autora apresenta diferentes pensamentos sobre o que é e o que abrange a Comunicação Organizacional: departamentos de Comunicação de uma organização, um fenômeno existente nas organizações, ou aquilo que descreve e explica as organizações. (Marchiori, 2008, p. 167, 168). Uma classificação proposta por Kunsch (2003) apresenta as seguintes áreas: (1) Comunicação Interna: alinhada com Recursos Humanos, tem como público os funcionários e acionistas e por objetivo tanto endomarketing quanto motivação e retenção de talentos; (2) Comunicação Administrativa: tem como objetivo comunicar internamente os processos e procedimentos; (3) Comunicação Mercadológica: promoção dos produtos e serviços; (4) Institucional: relacionada a Relações Públicas e Jornalismo Empresarial, tem por objetivo fixar, fortalecer e promover a identidade e a imagem da instituição.

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Figura 1:.Adaptado de Margarida Kunsch (KUNSCH, 2003, p. 151)

Marchiori (2008) propõe outra visão: A pesquisa teórica revela posturas que vêm sendo evidenciadas em relação à Comunicação Organizacional: é central para a existência da organização; é o elemento principal constitutivo no processo de organizar; cria e recria a estrutura que constitui a organização. (MARCHIORI, 2008, p. 169)

Já Neves (2009) tem uma visão mais prática, visível na Figura 2, independente de cargos e departamentos, baseada em planejamento e gerenciamento: de objetivos, das ações rotineiras programadas, da imagem e identidade e das questões diversas que podem interferir nesse sistema. Essa visão abrange outras áreas e profissionais que também atuam em comunicação, como se pode ver na Figura 3.

Figura 2: Adaptado de Roberto de Castro

Figura 3: Adaptado de Roberto de Castro

Neves (NEVES, 2009, p. 36)

Neves (NEVES, 2009, p. 34)

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3. GLOBALIZAÇÃO, CULTURA E CULTURA ORGANIZACIONAL Antes de se pensar em como lidar com a diversidade cultural dentro das organizações, faz-se necessário analisar a globalização como o fenômeno que intensificou a necessidade do diálogo intercultural, especialmente dentro das organizações. Em seguida, é importante aprofundar o entendimento do que é cultura, sua relação com a identidade do indivíduo e da organização. E, finalmente, considerar o conceito de cultura organizacional.

3.1 Efeitos da globalização nas organizações Como observado durante o estudo do desenvolvimento das ciências da Comunicação e Organização, há um fenômeno de maior significância, denominado globalização, que exerce grande influência sobre a vida humana e a sociedade. O impacto da tecnologia aplicada aos mais diversos aspectos da vida alterou hábitos, costumes, modos e comportamentos, numa projeção nunca dantes imaginada. Um desses efeitos é a “miscigenação”2 - não através do casamento, mas das mudanças de localização e de profissionais no contexto das organizações. O termo empresa multinacional implica que a organização em questão não faz negócios nem está localizada em um único país, mas em muitos (multi) diferentes países (nações). [...] combinar muitas diferentes nacionalidades e com isso também diversas culturas sob o mesmo teto. [...] muitas empresas multinacionais tentam estabelecer uma cultura organizacional própria para encontrar uma “linguagem” comum, ou meio de colaboração ao redor de todo o mundo. […] ambos os aspectos, nacionais e cultura organizacional e como a empresa multinacional pode encarar esse desafio. (SCHEFFKNECHT, 2011, tradução nossa)

Estas transformações ocorrem não apenas nas organizações: “[...] à medida em que áreas diferentes do globo são postas em interconexão umas com as outras, ondas de transformação social atingem virtualmente toda a superfície da terra.” (Giddens, 1990, p.6 apud Hall, 2001, p. 15). Pode ser chamada também de diversidade cultural, como define Fleury (2000): “A diversidade é definida como um mix de pessoas com identidades diferentes interagindo no mesmo sistema social”.

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Entende-se por miscigenação o “processo ou resultado de misturar raças, pelo casamento ou coabitação de um homem e uma mulher de etnias diferentes”. (Dicionário Eletrônico Houaiss)

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3.2 Cultura Quando nos referimos às diferentes culturas, cabe entender melhor esse conceito, como observa Laraia (2004, p.7): “[...] o desenvolvimento do conceito de cultura é de extrema utilidade para a compreensão do paradoxo da enorme diversidade cultural da espécie humana”. Schein alerta aos estudiosos do tema que: [...] devemos evitar os modelos superficiais de cultura e construir modelos antropologicamente mais profundos e complexos. A cultura como conceito será mais útil se ajudar-nos a entender melhor os aspectos ocultos e complexos da vida de grupos, organizações e ocupações profissionais, pois não podemos obter esse entendimento se usarmos definições superficiais. (SCHEIN, 2009, p. 8)

Entretanto, existem diversas definições de cultura, amplas e controversas. Para iniciar, a definição deixada por Edward Tylor, antropólogo britânico: Cultura ou civilização tomadas no seu amplo sentido etnográfico, é todo aquele complexo que inclui conhecimento, crença, arte, moral, lei, costume e qualquer outra capacidade e hábitos adquiridos pelo homem enquanto membro da sociedade. (SACKMANN, 1991, p. 8 apud MARCHIORI, 2008, p. 64-65)

Nessa concepção, a cultura é um padrão a ser aprendido para ser “membro da sociedade” e a ênfase é no aspecto de conhecimento e produção intelectual. O autor parece sugerir que existe uma sociedade-padrão e a cultura dessa sociedade deveria ser aprendida por todos. Algum tempo depois, a cultura passou a ser vista como um fenômeno independente da “sociedade”. Alguns enfatizaram que a cultura molda o homem, ou seja, quem ele é está muito mais relacionado aos hábitos que aprendeu no ambiente em que foi criado e à forma como viveu do que à sua origem genética: “[...] a cultura, mais do que a herança genética, determina o comportamento do homem e justifica as suas realizações.” (Laraia, 2004, p. 48). Outros antropólogos definem a cultura como uma forma de ver e interpretar: “[...] cultura é como uma lente através da qual o homem vê o mundo” (Ruth Benedict apud Laraia, 2004, p. 67). E Laraia aponta que “cada cultura ordenou a seu modo o mundo que a circunscreve” (Laraia, 2004, p. 92), afirmação na qual se atenta para a ideia principal de 17

que os mesmos fenômenos são observados, classificados, nomeados, vividos e absorvidos de forma diversa em cada cultura. Do ponto de vista da psicologia, é tomada a seguinte definição: [...] a cultura consiste em padrões, explícitos ou implícitos, de comportamento adquiridos e transmitidos por símbolos; caracteriza ela a realização distintiva dos grupos humanos e inclui, como corporificações, os artefatos; o cerne essencial da cultura consiste em ideias tradicionais e especialmente em valores que são a ela ligados; os sistemas de cultura, finalmente, podem, de um lado, ser considerados produtos de ação e, de outro, elementos que condicionam ulteriores ações. (PAIVA, 1978, p. 13)

Marchiori (2008, p. 67) cita Edward Sapir (apud Moore, 1996, p. 89), que relaciona a cultura com a linguagem, afirmando que diferentes sistemas linguísticos – que têm diferentes formas de comunicar e codificar - influenciam a percepção e o comportamento. Observa-se nessa visão uma relação entre Cultura e Comunicação. E por falar nisso, há também a visão em que a comunicação está presente tanto no processo de aquisição quanto de desenvolvimento da cultura: “Cultura”, de acordo com Geertz (2001, p. 5 apud Marchiori, 2008, p. 69-70), “é um sistema de concepções expressas herdadas em formas simbólicas por meio das quais o homem comunica, perpetua e desenvolve seu conhecimento sobre atitudes para a vida”. Hofstede (1991) identificou diferentes níveis de cultura: o da natureza humana, que é universal e herdado; o do grupo ou categoria específico ao qual o indivíduo pertence e é aprendido; e o específico ou individual de cada personalidade, que é tanto herdado quanto aprendido. Ainda segundo Hofstede (1991), as diferenças culturais se manifestam sob os mesmos aspectos: símbolos, heróis, rituais e valores. Schein (2009) propõe três níveis: artefatos, valores sustentados e pressupostos básicos. Ambos querem dizer que esses aspectos são presentes e diversos em cada cultura - fato também observado pelos precursores da Teoria Funcionalista da Comunicação citados no capítulo anterior. Quando se fala em diversidade cultural, vale considerar a compreensão da cultura como um fenômeno complexo, contínuo, inerente à natureza humana, do qual cada indivíduo, grupo, organização ou sociedade participa ativamente influenciando e sendo influenciado, criando e sendo recriado.

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3.3 Cultura e Identidade Hall (2001, p. 47) nota a forte influência da cultura das nações sobre a identidade do indivíduo: “no mundo moderno, as culturas nacionais em que nascemos se constituem em uma das principais fontes de identidade cultural [...] pensamos nelas como se fossem parte de nossa natureza essencial”. É nessa compreensão que se baseiam os preconceitos e a segregação que, ao longo da história, resultaram em divisões, opressão, guerra e até mesmo no racismo aparentemente velado que permeia a sociedade atual. Alguns exemplos de preconceitos sutis são as anedotas sobre características que se julgam comuns a todas as pessoas de uma determinada nacionalidade - e ficam mais evidentes, por exemplo, em campeonatos esportivos internacionais. Definir a identidade de um indivíduo considerando sua nação tem seu espaço e valor, porém, não pode ser o único critério para identificá-lo. Laraia (2004) menciona que o próprio conceito de nação é algo questionável, porque as nações, muitas vezes, são compostas de diferentes etnias e, eventualmente, sofrem conflitos culturais internos. Existem outras influências culturais advindas da família e de outros grupos que compõem a identidade de cada indivíduo, e essa identidade sofre adaptações durante toda a vida, a cada nova interação com diferentes grupos: “... a cultura é intrínseca a nós como indivíduos, além de estar em constante evolução à medida que nos reunimos e criamos novos grupos que, por fim, criam novas culturas” (Schein, 2009, p. 8). Absorvemos e criamos cultura o tempo todo de forma individual e, ao mesmo tempo, de forma compartilhada com outros indivíduos. Hofstede (1991) entende que os aspectos que compõem a cultura são universais. Ele compara a mente humana a um software e apresenta algumas variáveis que são “configuradas” de forma diversa em diferentes culturas, quais sejam: (1) distância do poder: a maneira como se relaciona com a pessoa que exerce o poder, seja o pai, o professor, o líder político de seu país, o gerente, o presidente da empresa; a possibilidade de expressar opinião, descentralização e igualdade - contraposta à centralização, exigência de obediência e desigualdade no tratamento; (2) a relação entre individualismo e coletivismo: o quanto se está disposto a interagir em grupo, se sente parte dele e pensa no coletivo e os relacionamentos são mais valorizados que o trabalho - contraposto ao “cada um por si”, ao trabalho acima dos relacionamentos, à necessidade de garantir seus direitos através de contratos formalizados; (3) gênero: masculinidade, mais focada na ambição 19

profissional e material, sucesso e competitividade - contraposta à feminilidade, que valoriza os relacionamentos, se preocupa com o outro, e tende a ser mais modesta e solidária; (4) aversão à incerteza: enquanto para alguns a incerteza é normal, curiosa e não causa estresse, portanto, não sentem tanta necessidade de regras - em contrapartida, outros, sentem ansiedade, medo, precisam de regras claras e querem ter todas as respostas. Mais tarde, surgiram mais dois aspectos: um, relacionado à percepção do tempo e prazos: o respeito às tradições, a busca pela verdade e resultados rápidos contrapostos à adaptação das tradições, a perseverança diante da demora dos resultados; outro, referente à percepção de espaço, noção de territorialidade. O indivíduo moderno – ou pós-moderno, se considerarmos o conceito apresentado pelo sociólogo Zygmunt Bauman (2001), em seu livro Modernidade Líquida – vive num contexto em que as estruturas tradicionais foram questionadas e sua rigidez rejeitada em nome da tão desejada liberdade. Nada mais é sólido e definitivo – nem mesmo a cultura ou a própria identidade. [...] um tipo diferente de mudança estrutural está transformando as sociedades modernas no final do século XX. Isso está fragmentando as paisagens culturais de classe, gênero, sexualidade, etnia, raça e nacionalidade que, no passado, nos tinham fornecido sólidas localizações como indivíduos sociais. (HALL, 2001, p. 9)

3.4 Cultura Organizacional Se identidade é fonte de significado e experiência, envolve cultura. Engloba também a concepção que cada indivíduo tem de si, construída e internalizada conforme uma série de processos existentes, os quais justificam sua ação em relação ao que acredita ser verdade para si. Portanto, na perspectiva sociológica, a identidade é construída. Se olharmos para o interior das organizações, não é diferente. (MARCHIORI, 2008, p. 44)

Assim como nações e indivíduos, as organizações possuem sua própria identidade e cultura. Schein (2009, p. 8) assinala que “... a cultura está para um grupo como a personalidade ou caráter está para um indivíduo”. Apesar de ser possível atuar de forma intencional e estratégica para influenciá-la, a cultura organizacional não precisa ser planejada ou implementada: nasce simultaneamente à formação da organização, refletindo as características culturais dos indivíduos que dela participam e a própria maneira como é formada e desenvolvida. Nesse contexto, a Cultura Organizacional, inicialmente, só precisa 20

ser identificada, tornando-se necessário “perceber e decifrar as forças culturais que operam nos grupos, organizações e ocupações” (idem, p. 6). Schein (idem, p. 9) considera compreensível, num primeiro momento, a dificuldade de lidar com a cultura das organizações: “Reconhecemos diferenças culturais no plano étnico ou nacional, mas achamos enigmáticas no plano grupal organizacional ou ocupacional”. O autor destaca a natureza da própria cultura como fator que dificulta sua identificação: “Talvez o aspecto mais intrigante da cultura como conceito é que ela nos aponta os fenômenos que estão abaixo da superfície...” (idem, p. 8). O autor considera, portanto, que, para conhecer a cultura de uma organização, é necessário o “exame das suposições compartilhadas na organização ou em um grupo”, que estão por trás, são os fatores motivadores dos comportamentos manifestos, chamados por ele de pressupostos. Schall (1993, p. 559 apud Marchiori, 2008, p. 87) apresenta um conceito de cultura organizacional que parte de uma visão mais relacionada à comunicação: [...] uma organização poderia, então, ser estudada como uma cultura, descobrindo-se e sintetizando suas regras de interação e interpretação sociais, como reveladas no comportamento que elas moldam. A interpretação e interação social são atividades de comunicação, portanto, a cultura poderia ser descrita pela articulação de regras de comunicação.

É interessante notar que apesar de a natureza da cultura não ser completamente estável, ela é formada segundo padrões de comportamento ou interpretação aprendidos que acabam sendo repetidos diante das mesmas circunstâncias. A repetição é uma forma de evitar a constante “recriação” ou “reinvenção”. À medida que um grupo escolhe seus padrões e os repete, é possível dizer que se forma uma cultura. Organizações passam a existir como um sistema de significados compartilhados em vários níveis. Um senso comum é necessário para a continuidade das atividades organizacionais e, dessa forma, a interação ocorre sem constantes interpretações ou reinterpretações do significado. (Anthony, 1994, p. 31 apud Marchiori, 2008, p. 102)

A instabilidade ocorre da seguinte forma: “[...] a cultura organizacional se transforma efetivamente a partir do momento em que o público interno entende, deseja, participa, aceita e desempenha o comportamento que vai gerar a mudança proposta” (Marchiori, 1995, p. 40 apud Marchiori, 2008, p. 106).

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Pode ser vista também como algo intrínseco à organização: “[...] a cultura não é algo que uma organização possui; uma cultura é algo que uma organização é”, afirmam Pacanowsky e O´Donnell-Trujillo (1982, p. 146 apud Marchiori, 2008, p. 87-88).

4. COMUNICAÇÃO INTERCULTURAL NAS ORGANIZAÇÕES: DESAFIOS DA COMUNICAÇÃO ADMINISTRATIVA E INTERNA Neste capítulo, será analisada a situação da Empresa A, a partir de entrevistas informais, observação e pesquisa. Por questões éticas, será preservada a identidade da organização.

4.1 Estudo de Caso: Empresa A A “Empresa A” está localizada em Luanda, capital da Angola. O país saiu de uma guerra civil que durou cerca de 25 anos, foi devastado e vem se reconstruindo. Angola tem recebido muitas empresas estrangeiras de óleo e gás, construtoras e empresas relacionadas à infraestrutura. Empresas angolanas, como é o caso da “Empresa A”, também estão oferecendo oportunidade de trabalho para profissionais especializados de outros países. Na Empresa A, convivem colaboradores expatriados do Brasil, de Portugal e de Cuba. Essa organização atende pessoas provenientes das mais de dez etnias angolanas, e também chineses, libaneses e outros estrangeiros. Muitos angolanos são enviados a estudar em Portugal ou no Brasil. Os que se formam em Angola frequentam universidades ainda em processo de reestruturação, com professores universitários que muitas vezes nem mesmo concluíram a graduação. Essas diferenças de formação parecem ser claramente percebidas pela liderança da Empresa A, que além de contratar expatriados especialistas e mestres para atuarem como “formadores práticos” investe em cursos de aperfeiçoamento no Brasil para esses “profissionaisalunos”. As diferenças entre os expatriados começam pela forma de contratação. Entre expatriados da mesma origem e profissão, há negociações diferenciadas de salário e benefícios – que incluem condições de moradia e transporte, ajuda de custo, férias. Entre expatriados de diferentes origens, as diferenças são ainda maiores. Em relação aos idiomas, o português é predominante, mas há que se considerar as diferenças significativas existentes entre o português de Portugal, o de Angola e o 22

brasileiro. Na Empresa A, ainda se faz uso dos dialetos angolanos, do espanhol, pelos cubanos, do inglês e de idiomas e dialetos das mais diferentes nacionalidades e etnias que a empresa atende. Expatriados brasileiros relatam a existência de relatórios sobre os clientes atendidos, que precisam ser compreendidos por profissionais de diversas especialidades para decidir seus procedimentos, diariamente. Não há relato de que tais relatórios sejam elaborados em um idioma comum a todos os profissionais envolvidos. O treinamento que expatriados oferecem aos profissionais angolanos sofre resistência. Essa resistência se manifesta pelo cumprimento parcial ou não cumprimento das orientações, retomada do procedimento anterior após pouco tempo, recusa a consultar literatura especializada sobre o assunto, comportamento arrogante para com o profissional treinador, especialmente diante de colegas. Contudo, ao mesmo tempo em que apresentam essa forte resistência, os mesmos profissionais afirmam reconhecer a necessidade e o valor do treinamento.

4.1.1 Análise Aspectos da cultura angolana, segundo critérios criados por Hofstede (1991): 1) Relações com poder e autoridade: diante do presidencialismo em que não há espaço para a democracia, observa-se a presença de corrupção e de uma postura de “submissão insubordinada”, sem confronto direto, mas manifesta através de faltas, atrasos, descumprimento de ordens e prazos. 2) Individualismo e coletivismo: demonstram simpatia e predisposição à interação, consideram a família estendida da mesma forma que os parentes de primeiro grau, não rompem o parentesco após um divórcio, repartem o que tem e esperam o mesmo do próximo, caracterizando o coletivismo. 3) Masculinidade ou Feminilidade: parece predominar a feminilidade, pela observação da estrutura familiar bastante tradicional e unida, morando juntos ou bem próximos, dos rituais como casamento e velório – que duram muitos dias e os noivos ou enlutados hospedam parentes distantes durante esse tempo – e o fato de se casarem e terem filhos cedo, gerando famílias grandes. 4) Aversão à incerteza: após vinte e cinco anos vivenciando a incerteza da guerra, pode-se considerar que na cultura angolana a população é acostumada a isso. 5) Relação com o tempo: atrasos, faltas descumprimento de prazos e morosidade para chegar a soluções são mais frequentes que no Brasil. 23

6) Relação com o espaço: parece não haver tanta necessidade de privacidade na cultura angolana quanto se considera desejável na cultura brasileira. Alugam-se, por exemplo, as partes da frente das casas com a família proprietária morando na parte de trás.

4.2 Diálogos Interculturais e Nova Cultura Organizacional É comumente admitido que o melhor conhecedor da própria cultura é aquele que tem oportunidade de entrar em contato com povos e países diferentes do seu. Na experiência dessas pessoas sobressaem, geralmente, num primeiro momento, as diferenças entre as culturas; maior familiaridade e convivência com o novo e o desconhecido possibilita, a seguir, o reconhecimento das semelhanças. A Psicologia intercultural parece-se um pouco com o turista, explorando culturas diversas umas das outras para entende-las melhor a cada uma e a todas. (PAIVA, 1978, p. 61)

A visão de Paiva (1978) sobre a interação entre culturas é generalista e bastante otimista. É um ponto de partida para analisar o caso dos expatriados, que, além de terem que lidar com as essas questões iniciais ao conhecerem uma nova cultura, também vão morar, trabalhar e interagir com outros expatriados dentro de uma organização. Segundo Black e Mendenhal (1990) há quatro estágios na adaptação do expatriado: 1) euforia pelo novo; 2) choque cultural, que pode causar estresse diante do conjunto total de adaptações; 3) aculturação, quando se começa a aprender a viver na nova cultura; e 4) estabilidade: pela incorporação da nova cultura (ajustamento), pela aceitação de que será sempre discriminado ou pela iniciação de um novo ciclo de euforia. Os autores consideram fundamental o treinamento intercultural para a conscientização sobre os comportamentos culturalmente aceitos no país de destino. Hofstede (1991) aconselha avaliar o quanto a cultura de origem está distante da cultura do destino, para definir o tipo de treinamento a ser realizado. Para que se possa estabelecer a comunicação intercultural é necessário ir além da superfície - que pode ser representada pelo comportamento manifesto3 ou pelo idioma. 3 Usamos o termo comportamento manifesto por compreender, a partir de Paiva (1978), que este nem sempre revela a cultura: “A cultura subjetiva... define-se como a maneira característica de um grupo cultural perceber seu meio social. Os determinantes da estrutura social, como normas, status, papel, valor, etc., não influem diretamente no comportamento dos indivíduos: existe a mediação da cognição. No caso, por exemplo, de normas sociais, podemos distinguir três estados referentes às mesmas: as normas enquanto prescritas pelo grupo cultural, as normas enquanto percebidas pelo grupo e geradoras de atitudes e disposições para agir e as normas levadas a efeito no comportamento. A psicologia da cultura subjetiva pesquisa a cognição dos indivíduos, que se interpõe entre as realidades sociais e o comportamento manifesto.” (PAIVA, 1978, p. 49)

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Apesar de ser o primeiro principal aspecto que se observa na situação de um expatriado, por exemplo, há que se considerar que uma língua reflete muitos outros aspectos da cultura e portanto precisa ser analisada a partir do “interior das regras da língua e do sistema de significado de nossa cultura. A língua é sistema social e não um sistema individual.” (Hall 2006, p. 40 apud Marchiori, 2008 p. 98)

Primeiramente é preciso compreender os “pressupostos”: a estrutura da língua, a história, as vivências, os artefatos, os rituais que formaram a cultura dos indivíduos em questão. “[...] interculturalidade só se produz quando um grupo começa a entender e a assumir o significado que as coisas e os objetos têm para os outros”, afirma Dantas (2012). O caminho é o relacionamento. Marchiori (2008) acredita que ao serem criadas estratégias que promovam envolvimento entre as pessoas, o diálogo intercultural será uma consequência, ultrapassando as barreiras culturais: [...] se as pessoas não se comunicam, não significa [apenas] que não saibam conversar ou que a conversação não seja entendida, e sim que lhes faltam intimidade e profundidade emocional. Podemos então entender que profissionais devem buscar estratégias que aproximem as pessoas, tornando possível o envolvimento que, consequentemente, gera relacionamento. (CAMERON, 2000 apud MARCHIORI, 2008, p. 171172)

Há dois aspectos que podem gerar resistência ao diálogo intercultural: o primeiro refere-se ao fato de que algumas pessoas identificam-se de tal forma com sua cultura que podem se sentir desorientadas sobre a própria identidade quando se deparam com outras realidades e percebem esses limites. “A autoconsciência das causas e limites da própria cultura ameaça a estrutura do ego; é, portanto, evitada.” (McLuhan, 2011, p. 111). O segundo se refere à maneira como o diálogo intercultural é introduzido. Não pode ser estabelecido por imposição de uma hierarquia nem ter como objetivo o domínio de uma cultura sobre outra, visto que “[...] a interculturalidade enfoca a necessidade de privilegiar o diálogo, a vontade da interrrelação e não da dominação” (Dantas, 2012, p. 17). Observando a possibilidade apresentada quando Marchiori (2008) cita Gudykunst e Ting-Toomey (1988, p. 17): “indivíduos ‘trazem’ uma cultura que, sem sombra de dúvida, afeta a forma com que eles se comunicam, e a forma com que os indivíduos se comunicam pode mudar a cultura que compartilham.”, acredita-se que é possível criar uma nova cultura, chamada pela psicologia de “cultura de mediação”, objeto de estudo da psicologia intercultural: 25

Contudo, Denoux (apud Sam e Berry, 2006) define a psicologia intercultural como a psicologia que estuda processos de construção de culturas de mediação, o campo volta-se para os encontros interculturais, tendo como objetivo o estudo das distinções culturais e um mecanismo específico, a formação de uma nova cultura baseada nesses encontros. (DANTAS, 2012, p. 17)

A criação de uma nova cultura organizacional pode ocorrer através da atuação estratégica da comunicação, como mais uma vez afirma Marchiori (2008, p.193): “[...] se as organizações são entidades sociais constituídas por meio da interação, está sedimentado o papel da comunicação em construir, manter e transformar culturas em uma organização.”

4.2.1 Proposta Pode-se sugerir que a Empresa A desenvolva um programa de Comunicação Intercultural com as seguintes diretrizes e ações de Comunicação Administrativa e Interna: 1) Comunicação Administrativa - Processos: desenvolver um padrão de comunicação para relatórios e outras comunicações relativas aos processos de trabalho; oferecer treinamento para que sejam compreendidos e interpretados da mesma forma por todos os profissionais envolvidos4. Criar mecanismo de atualização permanente para inclusão das novas situações a serem compartilhadas e padronizadas5. Ações de apoio: reuniões com grupos multifuncionais e multiculturais, elaboração de manuais, avaliação periódica, campanhas motivacionais. 2) Comunicação Interna: Integração dos expatriados entre si e com as demais etnias presentes no ambiente da Empresa A: promoção de atividades de convivência, eventos, comemoração das datas importantes de cada cultura envolvida, almoços temáticos - cada almoço com a culinária de determinado grupo étnico -, aulas de idiomas - inclusive português -, sistema simbólico visual de identificação adequado para as diversas culturas, coral com repertório eclético incluindo músicas de todas as culturas envolvidas, grupo de teatro, artesanato, entre outros.

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Na África do Sul, em Johannesburg, nas minas de ouro havia um “dialeto” desenvolvido especificamente para os trabalhadores da mina, com vocabulário limitado ao necessário para sua operação. Antes de iniciar o trabalho, havia um mês de treinamento, incluindo o aprendizado desse dialeto. Havia cartazes escritos nesse dialeto, com ilustrações para apoiar o texto escrito. 5 Uma jovem é suíça e trabalha em empresa multinacional localizada na Suíça, com funcionários suíços de origem alemã e francesa. Adotaram o inglês como língua oficial. Foi relatado que a comunicação entre eles, sobre a maneira de fazer as coisas, é um desafio diário, e o simples uso do padrão de idioma inglês está longe de resolver as diferenças culturais entre eles.

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3) Comunicação Interna: Suporte aos expatriados: psicólogo disponível, palestras e mensagens motivacionais elaboradas com base nas características culturais de sua origem e principais conflitos enfrentados nesse contexto. 4) Gestão: alinhamento com a estratégia da empresa, instituição do colegiado de comunicação integrada conforme proposto por Neves (2009) e comprometimento da liderança com todos os demais processos.

5. CONSIDERAÇÕES FINAIS Considerando as teorias precursoras da Ciência da Comunicação, destaca-se, da Teoria Crítica, a constatação do poder e influência da comunicação sobre o comportamento humano; da Teoria dos Meios, que as ferramentas tecnológicas funcionam como extensões do corpo humano que multiplicam e intensificam as possibilidades de comunicação e da Teoria Funcionalista, que meios não verbais e o próprio comportamento humano também comunicam. A partir da compreensão de que as organizações são complexos agrupamentos de pessoas com objetivo comum a ser atingido e a comunicação é indispensável para sua existência e continuidade, conclui-se que a Comunicação Organizacional precisa ser estratégica e integrada. Citamos dois modelos de sistemas de Comunicação Integrada, de Kunsch (2003) e Neves (2009), sendo o de Neves considerado o mais estratégico por apresentar uma estrutura de colegiado de comunicação independente dos departamentos e da hierarquia da organização. Contextualizou-se a profunda mudança nas organizações, provocada pelo fenômeno da globalização. Surgem as chamadas multinacionais ou transnacionais, empresas que extrapolam a localização de origem e expandem-se pelo globo terrestre. Ocorre a contratação dos chamados “expatriados” – indivíduos que saem de seu país de origem para trabalhar em empresas de outras localidades. Nesse cenário, surge o desafio da diversidade cultural, e faz-se necessário compreender o que é cultura, sua relação com o indivíduo e a organização. Consultando conceitos de cultura na Antropologia, percebe-se que, de algo que deveria ser um padrão a ser aprendido por toda a humanidade, a cultura passou a ser compreendida como maneira de interpretar e representar o mundo, forma de codificar e comunicar conhecimento através de símbolos, heróis, rituais e valores, segundo Hofstede (1991). Diante das considerações apresentadas, conclui-se que Comunicação e Cultura 27

parecem ser indissociáveis. Do ponto de vista psicológico constatou-se que não se pode confundir a identidade com a nacionalidade ou grupo étnico ao qual o indivíduo pertence, pois ainda que se saiba que aprendeu certos padrões de comportamento no grupo, etnia ou nação de origem, sua essência é muito mais do que isso. E nem sempre as nações representam um grupo étnico coeso. Hofstede (1991) ainda sugere fatores comuns que são moldados de forma diferente em cada cultura. Da Sociologia, considerou-se o contexto apresentado por Bauman (2001) sobre o pós-modernismo ou a modernidade líquida (título de seu livro), onde as constantes mudanças e quebras de paradigma geram uma realidade instável que abala também o senso de identidade dos indivíduos. Aplica-se às organizações os conceitos de cultura e identidade. Segundo Schein (2009), a cultura organizacional é formada pelo grupo de pessoas que constitui a organização, pois compartilham artefatos, valores e pressupostos básicos - assim como os grupos étnicos. A cultura organizacional é, de certa forma, sua identidade - um padrão de comportamento identificado ao se entrar em contato com a organização. Acredita-se que pode ser modificado com a influência de novos indivíduos. O caso da Empresa A constata a diversidade cultural nas organizações decorrente do fenômeno da globalização e demonstra potencial para enfrentar esse desafio com a comunicação intercultural promovida através da Comunicação Interna e Administrativa, alinhadas conforme os conceitos de Comunicação Organizacional Integrada. Acredita-se que buscando compreender as diferenças culturais dos indivíduos da Empresa A - ou de qualquer outra organização transnacional - à luz dos aspectos da Antropologia, Psicologia e Sociologia apresentados - seja possível desenvolver o diálogo intercultural para construção de uma nova cultura organizacional comum aos nativos e expatriados de diversas origens. A aplicação prática permitiria uma pesquisa de campo para aprofundamento do tema, incluindo análise de todas as culturas envolvidas segundo critérios de Hofstede (1991). Também pode-se aprofundar o assunto identificando casos de organizações em que tais conceitos já foram aplicados e seus resultados. Diante das constantes mudanças que caracterizam a pós-modernidade – conforme definida por Bauman (2001) – podem surgir ainda outras variáveis dignas de estudo e aprofundamento.

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