Comunicação Oral RESOLUÇÃO DE CONFLITOS ESCOLARES: A JUSTIÇA RESTAURATIVA E SUA POSSIBILIDADE DE DIMINUIÇÃO DO ÍNDICE DE VIOLÊNCIA

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RESOLUÇÃO DE CONFLITOS ESCOLARES: A JUSTIÇA RESTAURATIVA E SUA POSSIBILIDADE DE DIMINUIÇÃO DO ÍNDICE DE VIOLÊNCIA Elston Américo Junior1* Eixo Temático: As questões éticas na escola e na formação de professores: agressividade, violência e conflitos Resumo: A presente pesquisa faz parte de um projeto de Iniciação Científica sobre o tema da Justiça Restaurativa e sua aplicação em comunidades violentas, como intuito de ser uma alternativa positiva para a diminuição da mesma. Dado isto, o presente trabalho visa a contribuição da abordagem restaurativa em âmbito escolar, geralmente utilizando métodos de punição sobre os alunos e uma grande hierarquização nas resoluções dos conflitos. Visto que geralmente estas práticas punitivas agravam ainda mais a violência e não repara os danos causados pelo incidente, foram suscitadas questões acerca da aplicabilidade da Justiça Restaurativa no interior das instituições de ensino e se o seu emprego realmente proporciona a reparação e a restauração dos indivíduos envolvidos nas infrações. Os objetivos do estudo permeiam as temáticas da resolução de conflitos no interior das escolas, procurando demonstrar os pontos negativos das atuais práticas de resolução das divergências estudantis e de que forma a Justiça Restaurativa possibilitaria formas mais adequadas para tais situações, resultando numa harmonia social no interior da instituição de ensino. Optou-se por metodologia qualitativa na análise de dados obtidos através de pesquisas sobre as práticas restaurativas, dados oficiais estatísticos acerca da violência escolar e dados levantados nas escolas. A fundamentação teórica baseia-se preferencialmente em autores como Scuro Neto, Ivonete Granjeiro e Howard Zehr, estes acerca da Justiça Restaurativa, Hans Jonas sobre a ética em pesquisas, Habermas ante a democracia da linguagem dentro das resoluções de conflitos, Giorgio Agamben a respeito de comunidades exclusas e violações de seus respectivos direitos e Michel Foucault sobre os dispositivos de poder sobre os seres e Nunes sobre a aplicação da Justiça Restaurativa na educação. Fora perceptível que a Justiça Restaurativa apresenta grandes possibilidades para a resolução de conflitos, tendo em sua essência a compreensão do fenômeno da violência, abrindo para debate o infrator, a vítima e demais envolvidos, visando à restauração de todos. Puderam-se observar seus resultados positivos em locais como a Nova Zelândia, Colômbia, Canadá e nas escolas do Estado de São Paulo. Desta forma, fora 1

Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUC/PR), Licenciatura em História, Fundação Araucária, [email protected].

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parcialmente concluso que as violências em instituições escolares estão repletas de uma grande complexidade e a punição apresenta-se como uma forma muito sucinta na resolução dos conflitos. Tais divergências internas estão abarcadas na convivência social dos indivíduos, muitas vezes violados socialmente, acarretando relações violentas. A justiça restaurativa, por procurar compreender os históricos dos indivíduos envolvidos e abrir a palavra para a revelação de suas respectivas angústias torna a resolução de conflitos mais efetiva, tornando a instituição escolar mais agradável e podendo estabelecer com mais abrangência seu principal objetivo, a aprendizagem de seus estudantes. Palavras-chave: Justiça Restaurativa. Direitos Humanos. Resolução de Conflitos. Violência. Introdução A violência acomete o mundo contemporâneo ocidental por diversas faces, dentre elas, no interior das instituições de ensino. Para tanto, tais estabelecimentos demonstram relações sociais e, correlatamente, diversos tipos de conflitos. As escolas, por sua vez, normalmente utilizam o método punitivo para as resoluções dos conflitos, lógica esta idealizada no século XIX para diversas instituições como forma de controle do indivíduo. Compreendendo que atualmente buscamos a democracia igualitária, a educação demonstra grande importância nesta construção democrática. Projetos como o Abrindo Escolas, que visa o oferecimento de atividades extracurriculares no contra turno ajudam a trazer a participação dos estudantes e comunidade para atuarem na escola. A participação dos alunos nas normas e atividades vigentes na instituição reforça o sentimento de pertencimento para com o estabelecimento, chegando ao que Honneth (2003) chama de reconhecimento através do outro. A Justiça Restaurativa também se apresenta como uma alternativa para a diminuição da violência e da utilização do diálogo para resolver e restaurar conflitos, além de estabelecer uma educação voltada para a paz e para a cidadania. Para tanto, no presente artigo, é questionado as dimensões que as práticas restaurativas podem assumir no interior das instituições de ensino, bem como sua educação para a democracia, unindo os princípios básicos propostos pela UNESCO, que são, respectivamente, aprender a ser, fazer, conhecer e conviver (NUNES, 2011). Metodologicamente o artigo utilizou de pesquisa bibliográfica, na qual aparecem autores como Nunes (2011) e Rolim (2008), comentando sobre a Justiça Restaurativa, violência e participação nas escolas; Scuro Neto (1999) e Ivonete Granjeiro (2012, acerca do conceito de Justiça Restaurativa; Melo, Ednir e Yazbek (2008), Morrison (2005), Machado (2008), sobre a aplicação da Justiça Restaurativa nas escolas brasileiras; e utiliza ainda, entre outros, Foucault (1988; 2005; 2014) para conceitos de poder e Honneth (2003) acerca do reconhecimento e Hans Jonas (2006) sobre a ética em pesquisas. Para tanto, foi estipulado uma análise qualitativa dos dados obtidos sobre a aplicação da Justiça Restaurativa nas escolas e seus respectivos resultados, além de utilizar, de forma parcial, o método comparativo, de forma cuidadosa, como afirma Balsa (2006): “garantir à análise comparativa uma orientação mais qualitativa” (BALSA, 2006, p. 15). Violência nas escolas e resoluções de conflitos No interior das instituições de ensino ocorrem diversos tipos de relações sociais, muitas delas semelhantes com as relações da sociedade exterior, porém apresentando algumas peculiaridades. Formas de hierarquia, organização e conflitos são exemplos das

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relações internas, baseadas nos convívios externos, que acontecem nas escolas (NUNES, 2011). Os conflitos se apresentam por diversas faces, entre diversos sujeitos. Agressão física, agressão psicológica (bulliyng) ou agressão verbal, entre alunos, alunos e professores, entre os professores ou com os agentes educacionais. Há ainda os danos ao patrimônio da instituição e conflitos com sujeitos exteriores à escola. Tais conflitos possuem diferentes origens e justificativas, haja vista que é produzido por sujeitos singulares em contextos distintos. Desta forma, a resolução destes atritos denota a compreensão do ocorrido para que se possam tomar as devidas alternativas necessárias. Contudo, a escola normalmente soluciona os conflitos de maneira horizontal, aonde a própria instituição elabora uma punição para os atores da infração, que pode ser desde uma rubrica numa ata, até a expulsão do estudante (FABIANOVICZ, 2013). A lógica de punição vigora em nossas sociedades ocidentais há mais de duzentos anos, quando foi estipulada como um meio alternativo aos suplícios e à pena de morte. Após as revoluções burguesas na Europa, especialmente coma promulgação da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão em 1789, o controle da violência por meio da prisão do indivíduo. O filósofo Michel Foucault (2005) afirma que a cultura punitiva iniciou a partir da implementação de um Estado racionalizado, com ideais iluministas, aonde todos os indivíduos possuíam uma determinada função, até mesmo os infratores, que, ao invés de serem mortos, são colocados afastados da sociedade para serem punidos e transformados em força de trabalho. Nas instâncias de controle que surgem a partir do século XIX, o corpo adquire uma significação totalmente diferente, ele não é mais o que deve ser supliciado, mas o que deve ser formado, reformado, corrigido, o que deve adquirir aptidões, receber um certo número de qualidades, qualificar-se como corpo capaz de trabalhar. (FOUCAULT, 2005, p. 119).

A partir de então, diversas instituições além das penitenciárias começaram a também utilizar deste modelo punitivo, como os hospitais, as indústrias e a escola (FOUCAULT, 2005; FOUCAULT, 2014). Este modelo segue uma lógica na qual uma instituição, para punir o indivíduo, denota de uma sabedoria superior, o que Foucault (1988) chama de Poder-Saber. Este conceito seria a aceitação das punições pela população de um ser ou instituição que, por se apresentar numa posição “superior” detém esta autoridade. Para tanto, tal sujeito ou entidade normativa se utiliza de meios de vigilância para normalizar o presidiário, o operário ou o aluno. Tais meios de vigilância são intitulados por Foucault (2005) de panóptico, que, por sua vez, seria uma arquitetura planejada para que o sujeito fosse observado por todos os lados, sem compreender de onde está sendo vigiado: O panóptico era um edifício em forma de anel, no meio do qual havia um pátio com uma torre no centro. O anel se dividia em pequenas celas que davam tanto para o interior quanto para o exterior. Em cada uma dessas pequenas celas, havia segundo o objetivo da instituição, uma criança aprendendo a escrever, um operário trabalhando, um prisioneiro se corrigindo, um louco atualizando sua loucura, etc. Na torre central havia um vigilante. Como cada cela dava ao mesmo tempo para o interior e para o exterior, o olhar do vigilante podia atravessar toda a cela; não havia nela nenhum ponto de sombra e, por conseguinte, tudo o que fazia o indivíduo estava exposto ao olhar de um vigilante que observava através de venezianas, de postigos semicerrados de modo a poder ver tudo sem que ninguém ao contrário pudesse vê-lo (FOUCAULT, 2005, p. 87).

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Contudo, esta vigilância chega ao seu ápice quando o próprio indivíduo se vigia ou se sente vigiado em todos os locais. Nas instituições escolares, o estudante sente-se vigiado a todo instante, normalmente rodeado de inspetores de corredor, que se estipulam como policiais da escola. Estes, por sua vez, demonstram o Poder-Saber sobre as crianças que não tem direito de discutir, de dialogar, somente devem obedecer, respeitar e aceitar as regras produzidas pelos adultos da instituição escolar (ARENDT, 1961). Tais práticas de vigilância e punição, entretanto, não solucionam o conflito nem diminuem a violência. Pelo contrário, elas acabam por estigmatizar ainda mais os indivíduos reprimindo-os e tirando a participação dos mesmos num meio democrático, transformando-os em sujeitos esquecidos socialmente (AGAMBEN, 2002). No que tange às escolas, a mera punição do aluno por regras das quais ele não participou da criação, gera a exclusão deste e não soluciona o problema. Neste caso, até mesmo as vítimas se sentem exclusas do processo, haja vista que a distância do aluno para com a instituição dificulta este a procurar ajuda. Tal distância dificulta no objetivo primordial da escola, que é o aprendizado. Os estigmas causados e a exclusão cada vez mais presente resultam num antagonismo entre a escola e o estudante, na qual o aluno não se sente reconhecido. Este reconhecimento, para Honneth (2003), é de grande importância para o ser, que se reconhece no outro indivíduo, ou num objeto, numa instituição e afins. Quando a escola não demonstra esta afinidade para o aluno, este se sente reprimido e não se reconhece na entidade, apresentando até mesmo mágoas para com a mesma, resultando, segundo Guimarães (1987), até mesmo em danos ao patrimônio. A punição escolar está permeada culturalmente e acontece até mesmo nas relações mais simples. “Na escola, a punição, além de visar a uniformidade de comportamentos, seleciona os alunos separando os ‘bons’ dos ‘maus’” (GUIMARÃES, 1987, p. 74). Isto agrava ainda mais a exclusão, pois “o fracasso escolar pode ser sinônimo de fracasso social” (DUBET, 2006, p. 54). Se a educação é o meio pelo qual os oprimidos têm a oportunidade de transcender e conquistar a igualdade social (FREIRE, 2005), então a inclusão dos estudantes na escola é um princípio básico. Uma escola democrática e participativa são preceitos desta pedagogia de inclusão. Contudo, meios punitivos geram a exclusão e a não participação dos alunos para com a instituição, hierarquizando, quando o sentido seria horizontalizar e apresentar a democracia proposta por Habermas (2003), na qual todos os integrantes têm a mesma oportunidade de participação. Onde a formação política da vontade se apresenta como um discurso ético, o discurso político precisa ser conduzido sempre com o objetivo de encontrar aquilo que é melhor para os cidadãos enquanto membros de uma comunidade concreta, no horizonte de sua forma de vida e do contexto tradicional. (HABERMAS, 2003, p. 349).

Quando os estudantes participam das atividades da escola e são consultados sobre as ações da mesma, eles estão sendo convidados a cooperar com a instituição, e ao mesmo tempo se reconhecem através da escola (HONNETH, 2003). Quando há esta assimilação entre estudante e escola, os alunos sentem-se incluídos no processo escolar, o que tende a gerar relações participativas e de compreensão mútua (NUNES, 2011). Desta forma, algumas ações por parte da instituição devem acontecer, ações estas que busquem a inclusão dos seus participantes, no caso, os estudantes e a comunidade. Para tanto, é proposto uma escola aberta para seus alunos e comunidade, proporcionando atividades no contra turno, e, no caso dos conflitos, utilizando a Justiça Restaurativa, para

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compreender quais são os conflitos existentes, as causas destes e compreender a realidade dos infratores e vítimas. Justiça Restaurativa na educação A Justiça Restaurativa é uma prática de resolução de conflitos elaborada no meio acadêmico do Direito, como forma de alternativa para o Direito Penal tradicional, no qual tende a encarcerar o infrator, punindo-o mais não o recuperando (SCURO NETO, 1999). Atendendo as principais necessidades dos problemas gerados pela justiça tradicional – violação de direitos humanos, superlotação carcerária, alto investimento para a punição, aumento significativo da violência nos países ocidentais (ROLIM, 2008; SCURO NETO, 1999) – surge a Justiça Restaurativa, em meados da década de 1970, se tornando princípio da Organização das Nações Unidas em 2002 (SOUZA, 2009; SILVA; SALIBA, 2008). Os princípios da Justiça Restaurativa são a compreensão mútua do conflito, através do diálogo pacífico entre as partes e convidados, por intermédio de um mediador. As mediações restaurativas são realizadas numa sala, em forma de círculo, onde todos os participantes estão em igualdade no diálogo, sem hierarquias. No círculo restaurativo busca-se compreender as causas do conflito, o perdão, a responsabilização pelo dano o ressarcimento do infrator para a vítima (SCURO NETO, 1999; GRANJEIRO, 2012, NUNES, 2011; ZEHR, 2008). Por ser um conceito jurídico relativamente novo, há uma resistência em sua implementação no Direito Penal, mas alguns países já possuem centros restaurativos para determinados casos, como os Estados Unidos, Inglaterra, Canadá, Argentina, Colômbia e em alguns Estados do Brasil, com destaque para o Rio Grande do Sul (GRANJEIRO, 2012; SOUZA, 2009). Contudo, Nova Zelândia e Austrália são pioneiras nas práticas restaurativas e, para tanto, aliaram suas atividades da Justiça Restaurativa em meio educacional, aonde acontece desde a década de 1990 em quase todo ensino destas duas nações (MAXWELL, 2005; MORRISON, 2005). Num cenário de resistência da visão tradicional de Direito Penal no sistema jurídico, as práticas restaurativas ganham oportunidade de efetivação no meio educacional, haja vista que as escolas apresentam um autonomia e, se querem realizar a pedagogia de Paulo Freire (2005), devem também educar para a paz, para a cidadania e inclusão social (NUNES, 2011). Por isso, sugerimos a implementação das práticas restaurativas na escola. Precisamos ensinar às nossas crianças e aos nossos jovens, desde cedo, que é normal enfrentarmos conflitos, pequenos ou grandes, ao longo da vida, e que isso não é negativo, pois os conflitos são inerentes à pessoa humana. Negativo é não saber administrá-los de forma a manter o equilíbrio nas relações humanas e sociais, permitindo que eles tenham conseqüências indesejáveis, como desmotivação para os estudos e prejuízo para as relações interpessoais. Portanto, a boa ou a má administração que levará o conflito a um desfecho positivo ou negativo para a situação. (NUNES, 2011, p. 17).

Utilizar a Justiça Restaurativa nas escolas é mais que restaurar os conflitos existentes, ela apresenta uma filosofia de paz, de diálogo e de tolerância. Quando a instituição demonstra um diálogo aberto e horizontal para seus participantes, estes tendem a se reconhecer para com a entidade, causando um sentimento de afeto entre estes (HONNETH, 2003). A implementação das práticas restaurativas nas instituições de ensino são construídas conjuntamente com os alunos, bem como as normas vigentes na instituição

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e as ações da escola, que, por sua vez, são consultadas as necessidades dos estudantes, como acontece no Projeto Abrindo Escolas (ROLIM, 2003). Portanto, a inclusão da Justiça Restaurativa em estabelecimentos de ensino visa modificar também a estrutura da instituição, haja vista que deverá ser elaborada uma política que alimente as práticas restaurativas, uma política, portanto, democrática e através do diálogo, como destacava Habermas (2003). Através das mediações restaurativas, a escola poderá compreender a realidade de seus alunos, muitas vezes, permeada de violência e violações de direitos básicos. As vítimas de bullying serão mais observadas, tornando-as mais participativas. Os encontros restaurativos nestes casos são de grande importância, haja vista que normalmente o bullying acontece por meio de brincadeiras e o infrator não percebe o dano (MORRISON, 2006; NUNES, 2011). Quando solucionado tais conflitos psicológicos no início, são precavidos danos mais graves da violência. Por isto a importância de uma escola aberta e que cultive uma filosofia inclusiva e de paz, pois em seus estudantes também será plantada a semente do diálogo pacificador. A escola estará educando para a cidadania, restaurando conflitos internos, compreendendo seus alunos, trabalhando de maneira que o estudante perceba que faz parte da comunidade escolar (ROLIM, 2008; NUNES, 2011). “Sentir-se conectado à comunidade escolar reforça o comportamento pró-social e arrefece o comportamento anti-social” (MORRISON, 2006, p. 04). No Brasil, algumas escolas estão modificando sua filosofia, transformando a hierarquização para uma participação maior dos alunos. No que tange a aliança com a Justiça Restaurativa, as escolas municipais de Porto Alegre e as estaduais de São Caetano do Sul, Guarulhos e do bairro de Heliópolis na cidade de São Paulo, implementaram as mediações desde a última década (MACHADO, 2008; MUMME; PENIDO, 2009; MELO; EDNIR; YAZBEK, 2008), unindo o projeto de Justiça Restaurativa com o projeto federal Abrindo Escolas ( ROLIM, 2008). A análise destes projetos, somado com as experiências restaurativas da Nova Zelândia e Austrália, serão discutidas a seguir. Avaliação/Discussão dos Resultados No município de Porto Alegre, uma união entre o Tribunal de Justiça e a Secretaria de Educação resultou na implementação da Justiça Restaurativa no sistema de ensino. O Tribunal lançou um projeto denominado Justiça para o Século XXI – Instituindo Práticas Restaurativas, e a Secretaria o incorporou, haja vista que no mesmo período estavam discutindo e implantando o projeto Escola Aberta (MACHADO, 2008). Atuando através do ensino fundamental, infantil e da EJA, o projeto de Justiça Restaurativa nas escolas abarcam cerca de 70.000 alunos e 4.000 professores (MACHADO, 2008). As práticas restaurativas estão sendo implantadas de maneira fragmentada, e são escolhidas as instituições com maior índice de violência. Acerca da realidade social dos alunos: Os alunos são, na sua maioria, filhos de recicladores de resíduos, população com precária renda financeira, e as crianças trabalham junto com seus pais para garantir o sustento da família. As famílias são, na maioria, compostas pela mãe, padrasto e muitos irmãos, possibilitando diferentes organizações familiares, bem como modificações constantes nas suas rotinas. (SONNTAG, 2008, p. 52).

Dentre as escolas participantes do projeto, destaca-se a Escola Municipal de Ensino Fundamental Migrantes, pioneira no projeto de Justiça Restaurativa, bem como no Abrindo Espaços, devido sua grande vulnerabilidade social.

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A Escola Municipal de Ensino Fundamental Migrantes atende as crianças e adolescentes da Vila Dique, nesta capital. A Vila Dique, como o nome já diz, formou-se sobre um dique de terra construído para represar as águas das cheias do Rio Gravataí, que invadiam o bairro Anchieta e parte da área do aeroporto. É uma faixa estreita de aterro, que vai desde a Avenida Sartório, até a estrada Freeway. A ocupação desta área foi povoada, principalmente, por pessoas vindas de outras localidades do interior do estado. As condições de infra-estrutura são precárias, sendo que parte da comunidade não possui saneamento básico e a principal fonte de renda é a coleta e reciclagem de resíduos. Além das dificuldades em termos de moradia, saúde e obtenção de renda, também há poucos locais para lazer e prática de esportes, como praças e quadras esportivas. (TRICHES, 2008, p. 108).

Após a abertura do diálogo por parte da escola e de algumas mediações restaurativas, a instituição pode perceber que alguns dos alunos apresentavam problemas exteriores demasiadamente graves, como a “exploração do trabalho infantil, violência doméstica, uso de drogas ilícitas, tráfico de drogas e negligência” (SONNTAG, 2008, p. 54). Segundo Albuquerque e Cerveira (2008), duas educadoras desta instituição de ensino, o projeto de práticas restaurativas e o Abrindo Escolas foi ótimo para a escola, haja vista que eles enfrentavam diversos tipos de conflitos, incluindo de sujeitos externos à escola que invadiam para criar violência. Diante disto, abrir a escola para a comunidade proporcionou criar atividades para indivíduos que não possuíam afazeres no contra turno. Desta forma, as práticas restaurativas foram além dos muros da escola, afetando também a comunidade como um todo. A grande surpresa se deu pela presença de um jovem, morador do bairro e participante de um procedimento restaurativo familiar realizado em 2006. O adolescente emocionou-se ao falar sobre a sua experiência e ressaltou que, sem dúvida, a realização do Círculo Restaurativo possibilitou um diálogo com sua família, o que não existia antes. (BRANCHER; MACHADO, 2008, p. 68).

No Estado de São Paulo ocorreu o mesmo que em Porto Alegre. O Tribunal de Justiça promoveu um projeto em parceria com a Secretaria de Educação para instituir práticas restaurativas nas escolas. Desde 2005 este projeto é realizado em São Caetano do Sul e Guarulhos, e, em 2008 chegou a ser instituído também no bairro Heliópolis (MELO; EDNIR; YAZBEK, 2008). O contexto social destas escolas são correlatos ao das instituições de Porto Alegre, com uma grande vulnerabilidade social e diversos conflitos internos. Entre o ano de 2005 e 2007 foram realizados mais de 270 círculos restaurativos (MELO; EDNIR; YAZBEK, 2008) com resultados positivos e que, devido a estes resultados, o projeto fora alargado para Heliópolis. Na Nova Zelândia e Austrália, há mais de duas décadas as mediações restaurativas são utilizadas para resoluções de conflitos escolares. No ano de 2004 foi realizado uma pesquisa acerca do tema numa escola neozelandesa, aonde ocorreram 89 círculos restaurativos com os seguintes resultados: Agressões sérias (43), vitimizações sérias (25), dano de propriedade e roubo (12), gazeteiros, problemas em salas de aula, danos a reputação da escola, e intimidação (18), drogas (2) e uma ameaça de bomba (1). Em geral os resultados foram positivos para todos os participantes; eles informaram que eles: tiveram voz no processo (96%); ficaram satisfeitos com o modo com que o acordo foi feito (87%); foram tratados com respeito (95%); sentiram-se compreendidos pelos outros (99%); sentiram que as condições de acordo foram justas (91%). As vítimas informaram que elas conseguiram o que eles precisavam da conferência

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(89%); e se sentiram mais seguras (94%). Infratores se sentiram bem cuidados durante a reunião (98%); amados pelas pessoas mais próximas a eles (95%); capazes de ter um novo começo (87%). Além disso, os infratores concordaram com a maior parte ou com todo o acordo (84%) e não reincidiram no período do processo (83%). (MORRISON, 2005, p. 312).

Portanto, para uma escola democrática, que eduque para a cidadania e libertação, para que compreenda seus estudantes e diminua os conflitos transformando-os em uma construção social, a Justiça Restaurativa baseada no diálogo é uma excelente proposta, que deve ser mais elaborada e discutida a partir dos locais aonde já é aplicada. Referências ADORNO, Theodor W. Educação e emancipação. Trad. Wolfang Leo Maar. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1995. AGAMBEN, Giorgio. HOMO SACER: O poder soberano e a vida nua, I. Belo Horizonte: Ed. UFMG, 2002. ALBUQUERQUE, Fabíola; CERVEIRA, Carla Pires. Repensando as relações pessoais na EMEF Nossa Senhora de Fátima. In: MACHADO, Cláudia (Org.). Cultura da paz e justiça restaurativa nas escolas municipais de Porto Alegre. Porto Alegre: Prefeitura Municipal/Secretaria Municipal de Educação, 2008. ARENDT, Hannah. A crise na educação. New York: Betwen Past and Future, 1961. Disponível em: http://www.gestaoescolar.diaadia.pr.gov.br/arquivos/File/otp/hanna_arendt_crise_educaca o.pdf Acesso em 23 out. 2015. BALSA, Casimiro Marques. Conceitos e dimensões da pobreza: uma abordagem transnacional. In: BALSA, Casimiro Marques; BONETI, Lindomar Wesller; SOULET, Marc-Henry (Orgs.). Conceitos e dimensões da pobreza e da exclusão social: uma abordagem transnacional. Ijuí: Ed. Unijuí, 2006. BRANCHER, Leoberto; MACHADO, Cláudia. Justiça restaurativa e educação em Porto Alegre: uma parceria possível. In: MACHADO, Cláudia (Org.). Cultura da paz e justiça restaurativa nas escolas municipais de Porto Alegre. Porto Alegre: Prefeitura Municipal/Secretaria Municipal de Educação, 2008. DUBET, François. Integração: quando a ‘sociedade’ nos abandona. In: BALSA, Casimiro Marques; BONETI, Lindomar Wessler; SOULET, Marc-Henry (Orgs.). Conceitos e dimensões da pobreza e da exclusão social: uma abordagem transnacional. Ijuí: Ed. Unijuí, 2006. FABIANOVICZ, Ana Cristina. A justiça restaurativa no espaço escolar. TUIUTI: ciência e cultura, Curitiba, n. 31-44, 2013. Disponível em: http://www.utp.br/tuiuticienciaecultura/ciclo_4/tcc_46_programas/pdf_46/art_2_a_justica. pdf Acesso em 23 out. 2015.

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