Comunicação organizacional e cidadania : olhares sobre a presença das corporações e da comunidade na mídia

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Descrição do Produto

ISBN 978-85-98031-89-7

FACOS-EDITORA

Arte Gráfica: Franklin Carvalho Neto ([email protected]) Diagramação: Luiza Betat Corrêa([email protected]) e Marina Machiavelli ([email protected]) Revisão gramatical: Elaine dos Santos ([email protected])

C741 Comunicação organizacional e cidadania : olhares sobre a presença das corporações e da comunidade na mídia [recurso eletrônico] / organizadores: Maria Ivete Trevisan Fossá, Patrícia Milano Pérsigo. – 1. ed. – Santa Maria : FACOS-UFSM, 2013. 1 CD ISBN 97885980318957 Disponível em: www.ufsm.br/poscom 1. Administração 2. Comunicação organizacional 3. Comunicação midiática 4. Mídia I. Fossá, Maria Ivete Trevisan II. Pérsigo, Patrícia Milano CDU 658.012.45 Ficha catalográfica elaborada por Maristela Eckhardt CRB-10/737 Biblioteca Central -UFSM

O livro Comunicação organizacional e cidadania: olhares sobre a presença das corporações e da comunidade na mídia tem o propósito de apresentar um conjunto de reflexões acerca da comunicação, fazendo um recorte sobre a comunicação organizacional e suas interfaces com a cidadania em diferentes instituições. A obra está estruturada em duas partes. A primeira, com quatro capítulos, traz temas específicos da comunicação organizacional com presença marcante de discussões pautadas pela esfera do digital. A segunda apresenta seis artigos que tematizam questões de comunidade e, por consequência, do comunitário também. Em função da pertinência da abordagem das pesquisas, que integram esta proposta, o livro integra a linha “Comunicação e Mídia” da Editora FACOS-UFSM do Departamento de Ciências da Comunicação da Universidade Federal de Santa Maria. É interessante ressaltar que todos os textos, frutos da atividade investigativa e dedicação por parte de seus autores, são perpassados pelo viés da mídia, das estratégias comunicacionais e das relações públicas, constituindo rica fonte de pesquisa para área. Possivelmente, isto deva-se ao fato de os autores terem sido ou ainda serem orientados pela professora Dra. Maria Ivete Trevisan Fossa, que congrega estes jovens pesquisadores no Grupo de Pesquisa em Comunicação Institucional e Organizacional, registrado no CNPq e formado no ano de 2000. Em sua maioria, os autores são mestrandos, mestres, doutorandos e doutores, o que, de certo modo, chancela esta produção científica com a marca da pesquisa desenvolvida no campo comunicacional dos programas de pósgraduação. Além disso, muitos autores apresentam experiência de mercado, o que auxilia para aproximar as temáticas discutidas na academia com as demandas de fora. Chama atenção a atualidade dos temas propostos, a riqueza e o cuidado observados na pesquisa e na redação dos capítulos. A seguir, apresentamos os textos e seus respectivos autores. O texto “Comunicação Digital Corporativa: as crises geradas por ações promocionais no Facebook” da professora Fabrise de Oliveira Müller, relações públicas e doutoranda em comunicação, e de Jones Machado, relações públicas

e mestre em comunicação, busca entender as configurações das estratégias comunicacionais, tendo por base uma ação promocional das Fraldas Pom Pom na rede social digital Facebook. Em “O Imaginário nas Relações de Trabalho nas Organizações”, Maria Ivete Trevisan Fossá, doutora em Administração, professora do Programa de PósGraduação em Comunicação da UFSM e líder do grupo de pesquisa já referido, tem o propósito de refletir sobre uma nova forma de relação de trabalho através dos elementos que formam a cultura organizacional e sua interação na formação do imaginário. “Os tênues limites entre o público e o privado nas empresas virtuais”, de Ranice Hoehr Pedrazzi Pozzer, mestre em administração, atualiza a discussão entre público e privado a partir das interações propiciadas pelas tecnologias de comunicação na contemporaneidade, apontando os novos contornos desta divisa. Stefania Tonin, mestranda em administração, no texto “Mídias digitais na comunicação on-line entre líderes e liderados: consequências nas relações interpessoais”, analisa o impacto das mídias digitais nas relações interpessoais em uma organização varejista, o recorte recai sobre a comunicação de líderes e de liderados. No segundo bloco, as questões de comunicação e cidadania ficam mais evidenciadas. Em “Comunicação Pública digital e cidadania: análise dos portais de municípios do Estado do Rio Grande do Sul com população superior a cem mil habitantes”, Bruno Kegler, publicitário e doutorando em comunicação, tensiona conceitos de comunicação pública e democracia digital. A análise dos pressupostos teóricos é crítica e interpretativa e questiona a bilateralidade da relação entre governo e cidadãos por meio dos portais. No capítulo “A comunicação comunitária como espaço de cidadania na sociedade midiatizada”, de autoria da docente Fabiana da Costa Pereira, relações públicas e mestranda em comunicação, há uma profícua discussão sobre a importância dos canais de comunicação comunitária no resgate dos infoexcluídos, estimulando a inserção social e a participação cidadã. Em “Rádios comunitárias: novas territorialidades na ambiência digital”, Kalliandra Conrad, relações públicas e mestranda em comunicação, traz o conceito de relações públicas comunitárias e problematiza a legislação das rádios comunitárias para pensar sobre os novos espaços dessa nas esferas do digital. Patrícia Franck Pichler, relações públicas e mestre em comunicação, no “Discurso Sobre Comunidade Na Televisão: análise das estratégias discursivas do Jornal da Record”, através do estudo da série “Vida na Comunidade” do telejornal citado, a autora busca vislumbrar como são construídos e organizados os efeitos de sentido em torno do conceito de comunidade e seu contexto.

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Prefácio Flavi Ferreira Lisbôa Filho

No texto “A lei de acesso à informação como instrumento de comunicação pública”, da professora Patrícia Milano Pérsigo, relações públicas e doutoranda em comunicação, situa-se uma reflexão sobre a legislação e os direitos do homem, articulando-a com os pressupostos da comunicação pública e com os instrumentos de comunicação utilizados pelo Estado brasileiro. Por fim, Rafaela Caetano Pinto, mestre em comunicação e relações públicas na Associação Educacional Marco Polo (Santa Maria), discute, na pesquisa “Estratégias ativistas do Greenpeace para inclusão e ampliação da visibilidade e da discutibilidade da temática ambiental na esfera pública”, como um movimento social específico consegue alcançar visibilidade para as ações que promove e gera discutibilidade, pautando a esfera pública. Desejamos aos leitores que possam compartilhar e usufruir dos textos que compõem esta publicação, servindo como base para novas pesquisas ou atualização acerca de preceitos de comunicação organizacional e de cidadania. Uma excelente leitura! Santa Maria, 10 de abril de 2013.

Sumário 04

Prefácio Flavi Ferreira Lisbôa Filho

Comunicação Organizacional

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Comunicação Digital Corporativa: as crises geradas por ações promocionais no Facebook * Fabrise de Oliveira Müller, Jones Machado

O Imaginário nas Relações de Trabalho nas Organizações Maria Ivete Trevisan Fossá

Os tênues limites entre o público e o privado nas empresas virtuais * Ranice Hoehr Pedrazzi Pozzer

Mídias digitais na comunicação on-line entre líderes e liderados: consequências nas relações interpessoais * Stefania Tonin

Comunicação e Cidadania

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Comunicação Pública digital e cidadania: análise dos portais de municípios do Estado do Rio Grande do Sul com população superior a cem mil habitantes * Bruno Kegler

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A comunicação comunitária como espaço de cidadania na sociedade midiatizada *

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Possibilidades da ambiência digital: novos espaços de cidadania para as rádios comunitárias *

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Discurso sobre comunidade na televisão: análise das estratégias discursivas no Jornal da Record *

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A lei de acesso à informação como instrumento de comunicação pública *

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Estratégias ativistas do Greenpeace para inclusão e ampliação da visibilidade e da discutibilidade da temática ambiental na esfera pública *

Fabiana da Costa Pereira

Kalliandra Conrad

Patrícia Franck Pichler

Patrícia Milano Pérsigo

Rafaela Caetano Pinto

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Autores

* Artigos em co-autoria com Maria Ivete Trevisan Fossá.

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Comunicação Digital Corporativa: as crises geradas por ações promocionais no Facebook Fabrise de Oliveira Müller Jones Machado Maria Ivete Trevisan Fossá

Resumo: O presente estudo tem como objetivo promover uma reflexão sobre as crises geradas por ações promocionais no contexto midiático digital. A análise justifica-se pela necessidade de compreender como são configuradas as estratégias comunicacionais nas redes sociais digitais por empresas brasileiras. Com base na reflexão teórica, foi realizada uma análise exploratória e a análise de conteúdo sobre uma ação promocional das Fraldas Pom Pom e a repercussão empreendida pelos interagentes no Facebook, no mês de maio de 2012. Palavras-Chave: Comunicação corporativa, comunicação digital, midiatização empresarial, redes sociais digitais. Abstract: This study aims to promote reflection on the crisis generated by promotional actions in the context digital media. It is justified by the necessity to comprehend how the communication strategies are configured in digital social networks by Brazilian companies. Based on theoretical reflection, we performed an exploratory analysis and content analysis on a promotional action Diaper Pom Pom and repercussions undertaken by interagents on Facebook, in May 2012. Keywords: Corporate communication, digital communication, business mediatization, digital social networks.

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INTRODUÇÃO

A comunicação mediada pelo computador, concedendo-se à internet toda a relevância já indicada por estudos e artigos na área (CASTELLS, 1999; SAAD CORRÊA, 2005; 2008; 2009; PRIMO, 2007; RECUERO, 2011; SODRÉ, 2002) apresenta um cenário ainda mais pertinente, no momento em que instituições e organizações podem ter visibilidade e interação com os públicos pelas redes sociais. Esse processo modifica as relações sociais e as estratégias de comunicação da organização com os interagentes (PRIMO, 2007). Com a midiatização (SODRÉ, 2002), os emissores e os receptores, além de interagirem, transformam as práticas sociais e o modo de se relacionar com a sociedade. Neste sentido, escreve Barichello (2008, p. 247): Atualmente é preciso pensar as posições estratégicas e as possibilidades de estabelecer ligações e vínculos na sociedade midiatizada. Para tanto, reinterpretar conceitos, atualizá-los, ou, ainda, criar outros que possam dar conta dos fenômenos atuais torna-se necessário para entender muitas das transformações que se processam, muitas das quais se assemelham mais a mutações, pois mudam a natureza do substrato, ou seja, no caso do presente texto, as organizações e seus processos comunicacionais.

No cenário 2.0, o interagente gera conteúdo, compartilha, dialoga com os públicos e estes passam a dar opiniões, vivenciar a experiência (SAAD CORRÊA, 2008, p. 156). Assim, as ferramentas de comunicação caracterizadas nas redes sociais digitais consistem em meios de expressão, opinião, produção de conteúdo e avaliação . A configuração da web 2.0 e suas possibilidades multimídias de criação e compartilhamento de conteúdo tornam os processos de comunicação com uma necessidade de serem ainda mais estratégicos e integrados ao planejamento da organização (SAAD CORRÊA, 2005). O presente estudo tem como objetivo promover uma reflexão sobre a midiatização das organizações, em que as redes sociais podem dar visibilidade às marcas ou ser uma ameaça à imagem das mesmas. Justifica-se pela necessidade de compreender o modo como são configuradas as estratégias comunicacionais no facebook, observando o posicionamento das empresas e a adequação da estratégia ao meio digital. 11

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Analisa-se, neste artigo, a repercussão do “Concurso Cultural Pom Pom - Mostre ao mundo o amor pelo seu bebê”, no qual, para participar, as mães deveriam enviar uma foto junto com o bebê pela página oficial da Pom Pom no Facebbok. As fotos ficariam disponíveis na rede para serem avaliadas e julgadas pelos próprios internautas. Os três primeiros lugares receberiam premiações e doações de seis meses do produto da marca. Para isso, analisou-se, como corpus de estudo, o lançamento da campanha, na data de dois de maio de 2012, até o comunicado oficial da empresa sobre as repercussões do envio de fotos de gatos e cachorros de estimação, que ocorreu no dia 22 de maio de 2012. O presente artigo encontra-se dividido em três seções. Na primeira, busca-se apresentar o contexto da comunicação digital corporativa, em que as tecnologias de informação oportunizam às empresas um novo tipo de relação com os públicos: dinâmica, com rápida visibilidade e ampla interação. Na segunda, é discutida a midiatização nas organizações, onde os fluxos comunicacionais na internet, que se apresentam de forma reticular, sem hierarquia, onde as mídias digitais são apropriadas para a comunicação com os públicos de interesse, por conseguinte, para a construção de relacionamentos. É desse ponto que os profissionais de comunicação podem valerse para a construção de estratégias bem formuladas, adequadas à ambiência e, ademais, para inovar junto aos interagentes, reforçando a imagem de marca. E, na terceira, após a reflexão teórica, parte-se para a análise proposta. 1. COMUNICAÇÃO DIGITAL CORPORATIVA As organizações buscam adaptar-se à ambiência digital da web, na medida em que, antes de empreenderem estratégias, atentam para a complexidade do processo comunicacional e para a necessidade de simetria, diálogo, participação e interação com os interagentes, ou seja, os públicos com os quais ela se relaciona. Há, assim, uma nova lógica da comunicação, onde a tecnologia possibilita a participaçãointervenção (PRIMO, 2007). As ações promocionais contemplam uma das tantas ações utilizadas pelas empresas para a interação com o público de interesse. Os objetivos podem ser diversos, como a conquista ou manutenção da reputação, o desempenho finan-ceiro, processos que possibilitem 12

o posicionamento desejado pela organização perante os stakeholders e relacionamento (MAFEI, CECATO, 2011). Sobre este último, Primo (2007) aponta que, em sistemas de interação mútua, a comunicação é negociada, definida durante o processo de comunicação, a relação é construída constantemente pelos interagentes num processo interpretativo não pré-determinado. Neste contexto, as redes sociais apresentam-se como mais uma oportunidade de interação na comunicação corporativa digital. “Prestar atenção ao universo virtual das redes, blogs e comunidades é quase uma garantia de público futuro porque esse é o mundo que as pessoas mais jovens habitam” (MAFEI; CECATO, 2011, p. 19). Para Gonçalves (2002), cada vez mais a tendência da comunicação corporativa é relacionar-se com o marketing institucional no atendimento aos clientes, na adesão da opinião pública e apoiada pelas tecnologias digitais propicia um modo a mais de relacionamento com os públicos. A comunicação corporativa passa a ser vista como estratégica no momento em que agrega todos os esforços de comunicação da organização de forma planejada e integrada (TAVARES, 2009). Contudo, Bueno (2007) afirma que bem poucas organizações brasileiras assumem essa condição da comunicação estratégica. A prática de estabelecer uma política global com coerência entre os programas de comunicação institucional, interna, mercadológica e administrativa, enfim, os programas trabalhando em conjunto, integrados, gerando sinergia ainda não é uma realidade nas organizações (LUPETTI, 2007). E as tecnologias de informação, confirma Lupetti (2007), propiciam uma relação inovadora entre a empresa e os públicos, sendo que a adaptação vai depender de como a organização planeja a comunicação. Sobre algumas das vantagens competitivas decorrentes do uso coerente de meios digitais, Saad Corrêa (2009, p. 329) indica: [...] agregação de valor à relação ambiente-usuários; construção e sustentação de relacionamento e de comunidades de interesse; promoção de trocas interpessoais e intergrupais; acesso e uso de informações utilitárias e de informações para ação/decisão; criação de meio acelerador/ facilitador dos fluxos de trabalho; geração de espaços de aquisição de conhecimento, entre outros.

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Assim, a comunicação digital, apresenta Terra (2006, p. 27), “é uma das formas mais poderosas de comunicação já inventadas na história humana, pois integra os indivíduos”. Para a autora, não há como se ter um órgão produtivo se o mesmo não tiver alguma relação com a comunicação digital. Desta comunicação, surge o conceito de cidadão 2.0 em referência à internet 2.0, que será abordada mais tarde e possibilitou maior participação dos usuários na primeira década do século XXI. O cidadão 2.0 passou a poder expressar as suas opiniões e fez-se necessário o desenvolvimento de veículos de comunicação mais participativos e dialógicos por parte das organizações. A comunicação empresarial em função da mudança propiciada pelas TICs tornou-se ainda mais estratégica e, assim, o planejamento integrado à estratégia global da organização reflete na competitividade da empresa (SAAD CORRÊA, 2005). Para Saad Corrêa, não há como pensar em comunicação organizacional sem considerar a comunicação digital, que a autora conceitua como sendo o uso das Tecnologias Digitais de Informação e de todas as ferramentas decorrentes.

Sodré (2002) compreende que as teorias da comunicação acompanham as configurações sociais de cada época e que o processo de midiatização modifica as formas de interação social, assim como a própria forma de ser e de estar presente no mundo. Ressalva o autor que cada sociedade ao seu tempo, umas vivenciam a configuração midiática e outras já se encontram em processo de midiatização. Surgem, assim, as novas formas de perceber, pensar e contabilizar o real, a comunicação em tempo real – instantânea, simultânea e global –, os ambientes virtuais (SODRÉ, 2002). Assim sendo, a sociedade contemporânea rege-se pela midiatização, quer dizer, “pela tendência à ‘virtualização’ ou telerrealização das relações humanas, presente na articulação do múltiplo funcionamento institucional e de determinadas pautas individuais de conduta com as tecnologias da comunicação” (PÉRSIGO; FOSSÁ, 2010). Fausto Neto (2006) conceitua o termo: (...) a midiatização é algo maior do que as concepções de funcionalidades e instrumentalidades como as questões midiáticas foram entendidas da parte de construções teóricas filiadas às escolas ou correntes de investigação, nas quais as mídias não se constituíam em suas questões centrais. A emergência deste conceito de midiatização é uma decorrência do próprio desenvolvimento de uma modalidade prática de comunicação que impõe aos campos de conhecimentos demandas de leituras e de interpretações que superariam, por assim dizer, certos “protocolos clássicos”, cujos primeiros movimentos de compreensão dos fenômenos midiáticos trataram de aprisionar o próprio objeto (FAUSTO NETO, 2006, p. 02).

2. MIDIATIZAÇÃO EMPRESARIAL As redes sociais digitais, aqui consideradas como uma apropriação feita por meio do uso de mídias sociais digitais, podem exercer dois papéis distintos e comprometedores. Por um lado, a visibilidade legitima as organizações diante dos públicos, de outro, podem configurar-se em uma ameaça às empresas, no que se refere a imagem destas. A nossa sociedade rege-se pela midiatização, afirma Sodré (2002). Conforme o autor, existe uma tendência à virtualização nas relações entre públicos e empresas. A midiatização é “uma ordem de mediações socialmente realizadas no sentido da comunicação entendida como processo informacional, a reboque de organizações empresariais e com ênfase num tipo particular de interação” (SODRÉ, 2002, p. 21). Essa interação é nominada de tecnointeração, em que a comunicação passa a ser definida pela informação e as imagens deixam de ser reflexos para ser referência da nova vida social. Diferente do que acontece com a televisão, a nova mídia propicia que o interagente “entre” e vivencie. Assim, o reflexo institucional passa a ser o reflexo das interações feitas, por exemplo, via mídias sociais digitais (Facebook, twitter), em uma conectividade permanente.

Em conformidade o autor, a sociedade da midiatização possui uma nova natureza sócio-organizacional, pois se evoluiu da linearidade para a descontinuidade, em que noções de comunicação homogênea dão lugar às noções de heterogeneidades (FAUSTO NETO, 2006). As mudanças na sociedade capitalista reorganizam a vida social e dão origem a novos modos de mediação, por exemplo, ao invés do ato social, a rede; ao invés do vínculo, o fluxo. Contudo, “na literatura da área, já se aponta uma outra transição a das sociedades (cultura) midiáticas para a sociedade (culturas) da midiatização, com ênfase especialmente a transformação dos papéis dos meios - de suportes a atores”(FAUSTO NETO, 2006, p. 8). Os meios passam a ter uma centralidade no dia a dia, seja como fonte de informação, seja como fonte de diversão, etc.

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3. AÇÕES PROMOCIONAIS NAS REDES SOCIAIS DIGITAIS Para Castells (1999), as mensagens publicitárias da mídia têm um efeito limitado e não existem provas e pesquisas sobre o real impacto dos anúncios no comportamento do consumidor. Contudo, a importância da comunicação da empresa com os públicos ratificase com a presença da nominada “plateia ativa”, ou seja, da interação entre o emissor e o receptor. “Vivemos em um ambiente de mídia, e a maior parte de nossos estímulos simbólicos vem dos meios de comunicação” (CASTELLS, 1999, 421). E, no caso da internet, as pessoas ingressam em redes ou grupos a partir de um interesse pessoal comum e valores, formando afiliações

online e a interação gerada a partir destes grupos é considerada funcional ou especializada, ampla ou solidária. Mas Castells (1999) também acredita que as redes exercem domínio cultural e reforçam a condição cosmopolita do ser humano. Desse modo, a tendência é que as pessoas cada vez mais façam suas compras online, além do trabalho e condicionem-se a estar interligadas. Os sites de redes sociais, como o Facebook, caracterizam-se pelas ferramentas utilizadas para permitir a expressão na rede social, ou seja, viabilizam a construção de um perfil, a interação com os comentários e a exposição pública (RECUERO, 2011) . E o que diferencia os sites de redes sociais de outras formas de comunicação mediadas por computador é justamente a possibilidade de visibilidade e articulação, além da manutenção, dos laços sociais (RECUERO, 2011)1. Quem está nas redes busca criar um espaço pessoal, gerar interação, compartilhar conhecimento, gerar autoridade e popularidade. E o que diferencia os sites de redes sociais de outras formas de comunicação mediadas por computador é justamente a possibilidade de visibilidade e articulação, além da manutenção, dos laços sociais (RECUERO, 2011). Quem está nas redes busca criar um espaço pessoal, gerar interação, compartilhar conhecimento, gerar autoridade e popularidade. Uma pesquisa2 sobre as mídias sociais nas empresas, com o objetivo de determinar o grau de maturidade das organizações brasileiras, apontou um aumento de popularidade entre os consumidores de mídias sociais. Um questionário online foi disponibilizado entre os meses de fevereiro e março de 2010 e entrevistas qualitativas foram realizadas em 10 empresas. As mídias estão se tornando importantes instrumentos estratégicos para as empresas de todos os portes e setores da economia . Os hábitos dos clientes mudaram em função da questão geográfica e da velocidade das informações. Para o cliente, é fácil pesquisar produtos, é cômodo poder realizar transações online. Nas mídias sociais, a reputação de uma empresa foge ao controle de sua liderança, ela passa a ser definida pelas ações das pessoas, dos clientes e de outros influenciadores online. Os resultados apontam para o fato de que 70% das empresas brasileiras utilizam as mídias sociais, mas não atingem os seus objetivos, não entendem os riscos ou não conseguiram implantar, forma integral, as mídias na empresa. Finalmente, as respostas sinalizaram que a ferramenta mais popular entre as empresas que u-

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Para Fausto Neto (2006), as operações de midiatização afetam - e muito - as práticas institucionais, uma vez que as relações entre instituições e usuários sociais passam a ser mediadas por protocolos que se formam nas práticas midiáticas. Ainda, os modos como o campo dos mídia afetam as relações entre usuários e as instituições e vice-versa, ora como regulador, ora como fonte de interação. As características de transversalidade e relacionais classificam a midiatização como uma prática social. A midiatização fundada está longe de ser somente uma dimensão tecnológica, contudo, é caracterizada por novas linguagens, sensibilidade, saberes e escrituras, pelo predomínio do audiovisual sobre a tipográfica, e pela imagem interferindo também no conhecimento. Mol (2011) resume a produção de processos de midiatização: as operações de midiatização interferem nas organizações, quando essas utilizam as lógicas das mídias para visibilidade no mercado. E as próprias empresas interferem no campo das mídias quando, por exemplo, um cliente reclama da marca em uma rede social. Também, as práticas midiáticas alteram alguns conceitos, como o de audiência, que deixa de ser visto com a ideia de aglomeração. Os interagentes, agora, manifestam-se sobre o que leem, ouvem e veem. No cenário midiatizado, as organizações competem por visibilidade, desejam legitimar a sua atuação, assumem características da mídia, propiciam interações entre as organizações e os interlocutores (MOL, 2011). Neste sentido, Lima (2008) introduz o conceito de midiatização empresarial, considerando que isso ocorre quando as empresas legitimam a sua atuação através da visibilidade midiática.

1 O Facebook funciona através de perfis e comunidades, e, em cada perfil, é possível o uso de aplicativos, como jogos, ferramentas. Os usuários que fazem parte da mesma rede podem ver o perfil uns dos outros. Os usuários também podem criar aplicativos e isso personaliza os perfis (RECUERO, 2011).

2Pesquisa disponível

em: http://www. deloitte.com/assets/ DcomBrazil/Local%20 Assets/Documents/ Estudos%20 e%20 pesquisas/ MidiasSociais_relatorio_ portugues.pdf, acesso em 20 de junho de 2012.

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tilizam as mídias sociais são as redes sociais, com 81%, e que 83% usam as redes para ações de marketing e divulgação de produtos e serviços (83%), além de monitoramento da marca ou de mercado (71%). “Embora os investimentos publicitários na internet tracem uma curva ascendente, é preciso conceder a esse veículo de comunicação um tempo de maturação para comprovar resultados financeiros oriundos da propaganda” (LUPETTI, 2009, p. 17). Para a autora, os resultados da propaganda na internet ainda demoram em se concretizar, tendo em vista que ainda apresentam um perfil conservador, reproduzindo, na maior parte das vezes, campanhas realizadas nas mídias tradicionais. Aos profissionais que atuam junto às redes, Mafei e Cecato (2011) indicam que há a necessidade de uma capacidade adicional para discernir o que importa e o que tem sentido na produção de conteúdo. Elaborar as estratégias para as mídias sociais exige “escolhas certas e em fontes que tenham credibilidade” (MAFEI; CECATO, 2011, p. 74), sendo que muitas empresas ainda nem conseguiram operacionalizar o site próprio. “Mergulhar e aplicar soluções tecnológicas de última geração sem levar em conta o contexto do mercado, o setor no qual a empresa está inserida, o que deseja com seu planejamento, pode ser um erro” (p. 74), complementam as autoras. Para um bom trabalho na web, é necessário mapear e identificar blogs, sites, que tenham relação com a empresa. O planejamento deverá ter os objetivos de divulgar marcas, coibir informações erradas e identificar os posicionamentos favoráveis. E nas ações em que se espera a interação do internauta (comunicação 2.0), o ideal é não criar conflitos. Qualquer interação necessita de um conhecimento da ferramenta, segurança quanto à estratégia a ser desenvolvida e esclarecimentos pontuais a todos que estão na rede. A agilidade também é outra característica que deve ser observada (CECATO; MAFEI, 2011). Saad Corrêa (2005) afirma que um dos desafios do comunicador é dar conta do processo e do uso das tecnologias para alavancar a comunicação humana. E esta nova relação indissolúvel entre o comunicador e as tecnologias coloca o profissional em uma condição de correlacionar as tecnologias de informação em comunicação e a arte de comunicar. As estratégias de comunicação digital dependem da compreensão dos conceitos de estratégia e ambiente digital e, ainda, da definição da empresa. De um lado, as empresas enfrentam o desafio e a cobrança

por parte dos consumidores em inovar junto as TICS, do outro, o desafio de compreender as características digitais das mensagens. Afinal, há que existir diferenças entre o que se propaga via meios tradicionais do que se utiliza através das ferramentas digitais (SAAD CORRÊA, 2005). “O medium internet requer mudanças nos processos editoriais e de linguagem para aproveitar as novas possibilidades de estruturação narrativa através do hipertexto, da multimídia e da interatividade” (SAAD CORRÊA, 2005, p. 106). Assim sendo, qualquer forma narrativa para o meio digital deve obrigatoriamente estar inserida no contexto retórico da policromia e da multidirecionalidade, sem que isto comprometa a compreensão e a interpretação do sentido das mensagens por parte dos receptores, seja qual for a sua coordenada temporal e espacial. Além disso, deve incorporar as características-chaves da comunicação nos meios digitais, a saber: a hipertextualidade – a capacidade de interconectar diversos textos digitais entre si; a multimedialidade – a capacidade, outorgada, pelo processo digital, de combinar na mesma mensagem, pelo menos, um dos seguintes elementos: texto, imagem e som; e a interatividade – a possibilidade do usuário interagir com a informação disponibilizada no meio digital (SAAD CORRÊA, 2005, p. 107). A construção da comunicação digital depende da cultura da empresa e da relação desta com as tecnologias, a inovação, o uso de computadores, assim como quem são os públicos e a sua familiaridade com o ambiente digital, apresenta Saad Corrêa (2005). Mesmo considerando as vantagens do uso do ambiente digital para a promoção da marca, da imagem da empresa, durante o processo de elaboração da mensagem podem ocorrer erros ou ruídos. O que se agrava se a empresa não possuir um planejamento para a comunicação digital. E pelo fato de ainda se estar em um estágio de adaptação, os profissionais não devem descuidar o grau de tratamento da informação no meio digital, o grau de visibilidade, a diferenciação que se espera criar em relação aos demais concorrentes, e, finalmente, a personalização e a segmentação dos públicos. De acordo com Braga (2006), a midiatização das organizações sociais insere-se no processo de midiatização da própria sociedade, já que está encontra-se imersa na interação midiática (BRAGA, 2006). Conforme Lima (2008), o entendimento da midiatização como processo interacional de referência, ordenando nossa experiência no mundo e sendo pautado pela lógica de negócios e pelas possibilidades

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interativas das tecnologias da informação, parece fundamental para contextualizar a ordem social, o ambiente e o tempo em que se inserem os sujeitos em comunicação na contemporaneidade.

3 Disponível no site www.pompom.com.br. Acesso em 07 Jun. 2012.

4 As transcrições que

seguem no quadro estão reescritas na íntegra, mantendo formatos, palavras e fontes utilizadas pelos interagentes. Os posts foram retirados da página da Pom Pom no

facebook.

5 Campanha disponível em: Acesso em 05 Jun. 2012.

4. ESTRATÉGIAS METODOLÓGICAS A proposta dos autores do artigo é realizar o estudo de uma campanha, caracterizada como concurso cultural, pela Pom Pom no Facebook. O período da ação compreende de maio a julho de 2012, no entanto, para este artigo, foi realizada a observação da rede social durante o mês de maio, em função das centenas de interações e postagens, e por ter sido o mês de maior repercussão da promoção, em função da postagem de fotos de animais domésticos. No site3 , as informações sobre a marca e o produto são restritas, constando a seguinte descrição: “A Pom Pom, tradicional marca de fraldas descartáveis e toalhas umedecidas”. Ainda é informada a mudança nos produtos, oferecendo mais qualidade, conforto, proteção e segurança. Para a análise da campanha realizada pela empresa, apresentase a descrição da ação e algumas das interações4 :

Datas

Ação da Pom Pom no facebook 5

Comentários dos interagentes

02/05/12

A Pom Pom, lança no

(...)“a foto é somente da criança ou a mãe tem que estar junto”. “Essa Priscila Azambuja trabalha numa Lan house e tem 750 amigos...Isso é um absurdo ela está com 1106 votos... Não concordo com a participação fraudulenta do concurso... Eu protesto! É impossível em meio a 1 semana de concurso ela está com 1200 votos....Assim tbm eu vou avacalhar pra conseguir voto e se eu não ganhar, vou processarpor informaçõesfraudulentas e falsas! Absurdo! isso entristece todas as mães que soam pelos votos!”.

facebook, o concurso cultural: “Mostre ao mundo o amor pelo seu bebê”. Na campanha, as pessoas deveriam enviar fotos com o bebê. Após isso, os internautas poderiam curtir as fotos. As mais votadas iriam receber seis meses de fraldas Pom Pom. Foi disponibilizado um regulamento do concurso.

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20/05/12

Entre as fotos tradicionais de bebês, duas pessoas inscreveram seus animais de estimação: um gato e um cachorro, ambos com deficiências físicas. As fotos foram aprovadas pelo concurso e foram para a votação, sendo, em questão de horas, as mais votadas.

“Queremos conseguir fraldas para o nosso amiguinho, que muito precisa, ele não tem patinhas traseiras e para muitos já deveria ter sofrido eutanásia. Bom, foi retirado do concurso que dá um ano de fraldas gratis por quê? Ele precisa muito”. “Pom Pom Fraldas, a marca que desrespeita os animais!” “A Pom Pom Fraldas poderia ter utilizado isso como um marketing positivo, mas por inabilidade fez exatamente o contrário”.

21/05/12

Um grupo formou-se e criou outra página no Facebook – Não compre Pom Pom – em que mostra a posição contra a decisão da empresa e divulga a história de outros animais que precisam de fraldas em função de suas deficiências.

“GENTE, A POMPOM promoveu um concurso onde os 3 primeiros colocados ganhariam 6 meses de fraldas gratis. No regulamento dizia que as fotos passariam por moderação sendo que as não aprovadas seriam desclassificadas e o restante, as aprovadas iriam para votação na página da promoção” Porém o cachorrinho Bruce Lee e o gatinho Leo, 2 animais deficientes que COMPRAM E PRECISAM DE FRALDAS, e que estavam participando até então, chegaram aos primeiros lugares e foram SIMPLESMENTE ELIMINADOS DO CONCURSO. Resumindo: a POMPOM nos USOU para fazer uma campanha pra ela...assim sendo, estamos fazendo a campanha que ela tanto nos pediu, colocando no twitter #NãoComprePomPom”.

22/05/12

Após dezenas de comentários, a Pom Pom postou um comunicado. E pouco tempo depois, deletou-o.

“Caros, a Pom Pom informa que desclassificou do Concurso Cultural ‘Mostre ao mundo o amor pelo seu bebê’ fotos de animais, utilizando ou não fraldas, pois o mesmo é direcionado ao público consumidor da marca. As fraldas Pom Pom são desenvolvidas e produzidas para seres humanos, considerando a anatomia e as necessidades específicas da raça. Após testes realizados com os produtos, a Anvisa, órgão regulamentador da categoria, aprova seu uso somente para humanos, de acordo com a Portaria 1480 de 1990. Somos solidários à causa de animais que necessitam de cuidados especiais, incluindo fraldas. Por isso, aconselhamos a consulta a veterinários, que indicarão os produtos específicos para seu bichinho de estimação. Equipe Pom Pom”

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COMUNICAÇÃO ORGANIZACIONAL 22/05/12

Diante das críticas, uma nova nota foi publicada.

COMUNICAÇÃO ORGANIZACIONAL

“Bom dia pessoal, A equipe de Pom Pom se sensibilizou com as histórias do gatinho Léo e do cão Bruce e com o empenho e carinho de todas as pessoas que se mobilizaram para ajudá-los. Por isso, fazemos questão de colaborar, doando para cada um deles 1.000 (mil) unidades de fraldas especiais para animais. Reafirmamos que as fraldas Pom Pom são desenvolvidas para uso humano e não são adequadas para cães, gatos e outros bichinhos, que têm corpo e características diferentes, como exemplo o rabo, que pode ser prejudicado com o uso de fraldas comuns. Entendemos também que o regulamento do Concurso Cultural “Mostre ao mundo o amor pelo seu bebê” pode ter sido mal interpretado. E ressaltamos que não queremos causar nenhum tipo de transtorno a tantas pessoas que votaram no Léo e no Bruce, bem como às mamães que postaram imagens de seus filhos. Esclarecemos ainda que novas fotos de animais enviadas para o concurso serão desclassificadas assim que identificadas. Entraremos em contato com as mães protetoras do gatinho Léo e do cão Bruce para dar andamento à doação. Equipe Pom Pom”

22/05/12

Os posts criticando a marca “PARTICIPEM! https://www.facebook. continuaram e foi criada uma com/NaoComprePompom”. nova página no face pelos interagentes, aconselhando as pessoas a não comprarem as fraldas. Quadro 1: Concurso Cultural da Pom Pom e as manifestações dos interagentes.

Com base na reflexão teórica realizada ao longo deste artigo, parte-se para a análise proposta. Por meio do método de análise de conteúdo, busca-se discutir a repercussão empreendida pelos interagentes no Facebook, diante do lançamento do Concurso Cultural da Pom Pom. Para análise, considerou-se o período de dois de maio de 2012 – data do lançamento da campanha - a 22 de maio de 2012, data de divulgação do último comunicado oficial pela Pom Pom. O cor22

pus de pesquisa selecionado refere-se a: 1) Página Institucional da Pom Pom no Facebook; 2) Página “Naocomprepompom”, criada pelos interagentes, no Facebook. Como instrumento de coleta de dados, definiu-se pela busca mecânica na internet (mapeamento) das páginas citadas. Por meio da técnica da documentação de recortes das interfaces do site, considerados fontes de evidência para coleta de dados, viabilizou-se a descrição e a análise do caso, após pesquisa exploratória: 1) Lançamento do Concurso Cultural; 2) Postagens com as fotos dos animais estimação; 3) Ações de repúdio à marca pelos interagentes; 4) Comunicado oficial da Pom Pom desclassificando as fotos de animais; 5) Interação em página oficial no Facebook (comunicação entre a Pom Pom e os interagentes). No dia dois de maio, a marca de fraldas Pom Pom lançou no Facebook um concurso cultural. A ação tinha como garotapropaganda uma celebridade da televisão e, entre tantas estratégias de divulgação, também foi realizado um chá para blogueiras. Mesmo tendo um regulamento, desde o início do post, na página oficial da marca, sucederam-se comentários dos interagentes com muitas dúvidas. O item número três do regulamento informava: Poderá participar do concurso qualquer pessoa física, residente e domiciliada no Brasil. Não ficou clara para os participantes a idade limite das crianças. Assim, entre tantas fotos postadas, houve fotos de pré-adolescentes ou adolescentes que, por questões de saúde, necessitam do uso do produto. Ainda, sobre o regulamento, era especificado: Para participar, o interessado deverá preencher o cadastro na página Oficial de Pom Pom do Facebook www.facebook. com/Pompomfraldas, e enviar uma foto com o bebê 6 . O criador da foto com o maior número de “curtir”7 terá direito ao prêmio referido na Cláusula 9, descrita mais adiante. Este quesito não ficou claro para os participantes, que procederam a dezenas de questionamentos, como: “Olá bom dia eu estou com duvidas sobre o concurso cultural!!! o nome na foto postada tem que ser o da criança ou o meu (Mãe)? pq eu acabei postando duas fotos uma com o meu nome e outra com o nome dela, mas estou com essa duvida!!!!!!! fico no aguardo para o esclarecimento e ajuda para retirar a foto que estiver errada(para nao have comflito na hora da votação”; “Esse concurso vale spra fotos mãe com o filho ou só da criança?” Ainda, sobre a possibilidade dos vencedores do concurso serem selecionados a partir do recurso de ‘curtir’, comentou um interagen23

6 Grifo dos autores do estudo.

7 O recurso “Curtir” é disponibilizado pelo Facebook com a finalidade de as pessoas poderem mostrar que aprovam o conteúdo de determinada página.

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te: “As fotos deveriam ser votadas pelos organizadores da promoção, porque quem não tem muitos amigos no face fica difícil”. Indiferente a outros detalhamentos do regulamento, percebeuse dificuldade entre os interagentes na postagem das fotos, no preenchimento do formulário e no entendimento da sistemática do concurso. Mesmo estando explícito o item “Serão consideradas válidas apenas fotografias”, aconteceram diversas postagens de vídeo, que não foram eliminados posteriormente da página, gerando outros questionamentos e mais dúvidas. E semelhante a isso, ainda estão, no Facebook da Pom Pom, fotos de crianças sem vestimentas, contrariando o item: “As inscrições que estiverem com dados pessoais insuficientes para identificação do participante ou que apresentarem termos ou imagens contrários aos bons costumes ou à moral serão

desclassificadas”.

Pode-se inferir que pelo fato da premiação principal ser seis meses de fraldas, o concurso recebeu uma visibilidade superior a qual estavam estimando os organizadores. Os apelos pelo voto nas crianças foram desde elogios às crianças a apelos de pais com dificuldades financeiras (“a vida está difícil”, publicou um pai). Assim, as centenas de postagens tornaram a página lenta, com dificuldade para acompanhar as crianças inscritas e, como já mencionado, com inúmeras dúvidas por parte dos interagentes, a saber, se poderia postar crianças gêmeas, inscrever a mesma criança mais de uma vez, e neste caso, os pontos seriam cumulativos? Muitas dificuldades em adaptar as fotos no tamanho solicitado pelo concurso, para cadastrar e para identificar a região ou cidade das crianças – alguns interagentes tinham interesse em votar em crianças de sua cidade ou região. Os indícios relatados até então já apontavam para algumas deficiências no concurso Cultural da Pom Pom. Contudo, após 18 dias de campanha, um usuário postou a foto de um animal de estimação (gato). A foto foi selecionada e aprovada para ir à votação. Após isso, mais uma postagem de outro animal (cachorro), ambos por problemas físicos e que necessitam de fraldas 24 horas por dia. As fotos foram “curtidas” e, diante do questionamento de algumas pessoas, foram retiradas do painel de votação e desclassificadas. Imediatamente à postagem das fotos e da recusa da marca em considerá-los participantes, os interagentes criaram uma página no Facebook – nomeada “Naocomprepompom” – a fim de discutirem e mobilizarem as pessoas sobre o acontecido. 24

Após isso, a empresa postou um comunicado, explicando o porquê da exclusão dos animais. E diante de muitas manifestações contrárias, críticas questionamentos, exclui-se o post e publicou-se um novo comunicado, informando sobre a doação de fraldas para os animais. Contudo, a atitude dos gestores de comunicação já havia sido relatada em vários outros sites, blogs e comentários. E as negativas a Pom Pom e o convite aos internautas para que não consumissem o produto, perdurou por semanas. Foram criadas listas de discussões sobre o caso na própria página oficial de uma marca, onde foram publicados comentários e estão visíveis a qualquer um que acessar aquele espaço. Diante de tantos posts, tornou-se inviável para a Pom Pom responder a todos. Por ser tratar de uma campanha em uma rede social digital de uma marca com visibilidade e considerando que a premiação, mesmo não sendo monetária, ainda assim, interessasse aos pais com filhos pequenos, todas as alternativas deveriam ser sinalizadas e esclarecidas no regulamento, evitando conflitos, descontentamentos. Compete ao regulamento restringir participações, impor regras e evitar interpretações diversas, como não especificar a idade máxima dos participantes ou explicitar a participação de crianças e não de animais. Há que se considerar que o comportamento das pessoas, em função do cenário econômico, social e cultural, sofreu alterações na última década e que, por exemplo, para algumas pessoas, os animais de estimação configuram-se como membros da família. CONSIDERAÇÕES FINAIS A comunicação corporativa digital surge como uma aliada das empresas, não só no que tange à visibilidade e à dinâmica das ações e interações. Mas, principalmente, na possibilidade que a organização tem de estabelecer ligações e vínculos na sociedade midiatizada (BARRICHELLO, 2008). Contudo, há que se estabelecer planejamentos cuidados, delineados, “que possam dar conta dos fenômenos atuais”, entendendo os contextos das empresas, dos produtos e dos interagentes. Ao mesmo tempo em que se pode usufruir deste diálogo com os interagentes, do compartilhamento de experiências e opiniões (SAAD CORRÊA, 2008) em prol das marcas, há que se atentar que essa ambiência digital é, antes de mais nada, um meio de expressão 25

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e, por isso, toda e qualquer campanha deve ser ainda mais estratégica do que quando realizada em mídias tradicionais. Neste sentido, estudos que possam analisar a midiatização das organizações, considerando aspectos positivos e negativos, podem suscitar o interesse da academia e das empresas, uma vez que poderão indicar propostas de comunicação digital adequadas para as organizações dos mais variados segmentos. Finalmente, é possível concluir que a Pom Pom está empreendendo estratégias de comunicação digital, mas que estas devem ser organizadas e “pensadas” de acordo com a “postura 2.0” dos interagentes. Referências BARICHELLO, Eugenia Mariano da Rocha; MACHADO, Jones; MÜLLER, Fabrise. Estratégias Contemporâneas de Relações Públicas em Mídias Digitais: Uma Empresa do Varejo Calçadista na Ambiência da Internet. In: Intercom. Caxias do Sul: 2010. BRAGA, José Luiz. Mediatização como processo interacional de referência. Trabalho apresentado no Grupo de Trabalho Comunicação e Sociabilidade, do XV Encontro da Compós. Bauru: Unesp, junho de 2006. BRAGA, José Luiz. Comunicação, disciplina indiciária. In: Matrizes Revista do Programa de Pós Graduação em Ciências da Comunicação da Universidade de São Paulo. São Paulo, n. 2, abr. 2008. Disponível em Acesso em: 30 mai. 2010. BUENO, Wilson da Costa. Comunicação Empresarial no Brasil: uma leitura crítica. São Paulo: Mojoara Editorial, 2007. CASTELLS, Manuel. A sociedade em rede. A era da informação: economia, sociedade e cultura. (Vol 1). São Paulo: Paz e Terra, 1999. FAUSTO NETO, Antonio. Midiatização, prática social – prática de sentido. In: PROSUL, Encontro da Rede. Comunicação, Sociedade e Sentido. São Leopoldo: Unisinos, 09/12/2005 e 06/01/2006. GONÇALVES, Fernando do Nascimento. In: Desafios Contemporâneos da Comunicação. Organizado por FREITAS, RICARDO; LUCAS, Luciane. São Paulo: Summus, 2002.

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JOHNSON, Telma. Pesquisa social mediada por computador: questões, metodologia e técnicas qualitativas. Rio de Janeiro: e-papers, 2010. LIMA, Fábia Pereira. Midiatização empresarial: propostas de interação a partir de um canal televisivo de marca. Revista Organicom: ano 5, nº 9, 2008. LUPETTI, Marcélia. Gestão Estratégica da Comunicação Mercadológica. São Paulo: Thomson Learning, 2007. MAFEI, Maristela; CECATO, Valdete. Comunicação Corporativa. São Paulo: Contexto, 2011. MOL, Vanessa Bueno. Midiatização empresarial: visibilidade x controle nas redes sociais na internet. V Abrapcorp – Redes Sociais, Comunicação, Organizações. Anais... 2011, Disponível em: Acesso em: 15 de maio 2012. PÉRSIGO, Patrícia Milano; FOSSÁ, Ivete Trvisan. Da Sociedade Midiática à Midiatizada:uma atualização da comunicação organizacional. In: Intercom – Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação XI Congresso de Ciências da Comunicação na Região Sul – Novo Hamburgo – RS 17 a 19 de maio de 2010. PRIMO, Alex. Interação mediada por computador: comunicação, cibercultura, cognição. Porto Alegre: Sulina, 2007. 240p. RECUERO, Raquel. Redes sociais na internet. 2 ed. Porto Alegre: Sulinas, 2011. SAAD CORRÊA, Beth. Comunicação Digital: uma questão de estratégia e de relacionamento com os públicos. Revista Organicom: ano 2, nº 3, 2005. SAAD CORRÊA, Beth. Estratégias 2.0 para a mídia digital. Internet, informação e comunicação. 2.ed. São Paulo: SENAC, 2008. 218p. SAAD CORRÊA, Beth. Comunicação digital e novas mídias institucionais. In: KUNSCH, M. M. K. (Org.). Comunicação Organizacional: Históricos, Fundamentos e Processos. Vol. I. São Paulo: Saraiva, 2009. p. 317- 335. SAAD CORRÊA, Beth . A comunicação digital nas organizações: tendências e transformações. Revista Organicom: ano 6, edição especial, nº 10/11, 2009. SODRÉ, Muniz. Antropológica do Espelho: uma teoria da comunicação linear e em rede. 6 ed. Petrópolis: Vozes, 2002.

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O Imaginário nas Relações de Trabalho nas Organizações Maria Ivete Trevisan Fossá

1 Eugène Enriquez, professor emérito da Universidade de Paris VII e do Laboratoire de Changement Social. Doutor em Psicossociologia e Sociologia Clínica. Membro fundador da ARIP- Association pour la Recherche et I’Intervention Psychosociologiques. Redator-chefe da revista Connexions e co-redator da Revue Internationa.

Resumo: A questão central deste artigo é uma reflexão sobre as relações de trabalho nas organizações concebidas como um sistema cultural, simbólico e imaginário, lugar onde se entrecruzam desejos individuais e coletivos, projetos conscientes e inconscientes. Tem por objetivo pensar uma nova forma de relação de trabalho a partir de uma reflexão sobre os elementos formadores da cultura organizacional e como estes interagem na formação do imaginário. O imaginário é tomado como uma energia pulsional responsável por criar, inventar e configurar a vida humana dentro das organizações. A cultura organizacional, por conter a verdadeira essência da organização, pode possibilitar a criação de uma instituição social voltada para a vida ou para a morte, dependendo do tipo de pulsão que prevalecer dentro dela. Este estudo mostra as duas principais dimensões do imaginário – enganador e motor - e as possibilidades de análise da cultura organizacional levando em consideração as instâncias mítica, socialhistórica, institucional, organizacional, grupal, individual e pulsional, que são tão bem trabalhadas pelo pensador francês Eugène Enriquez1. Palavras-Chave: imaginário; organizações; relações de trabalho; cultura organizacional. Abstract: The central question of this paper is to reflect upon the work relationships in the organizations conceited as an imaginary, symbolic and cultural system, place where collective and individual desires, conscious and unconscious projects are inter-related. The work aims at introducing a new form of work relationship throughout the reflection concerning the forming elements of the organizational culture and about how these ones interact in the imaginary formation. The imaginary is figured out as a pulse energy that is responsible to create, invent and configure the human life inside the organizations. 28

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The organizational culture by containing the real essence of the organization can enable the creation of a social institution directed to the life or death by depending on the type of pulse that prevails inside it. This study shows the two principal imaginary dimensions – pretender and motor – and the possibilities of analysis of the organizational culture by taking into account the mythic, socialhistorical, institutional, organizational, group, pulse and individual instances that are well discussed by the French researcher Eugène Enriquez. Keywords: imaginary; organizations; work relationships; organizational culture.

INTRODUÇÃO Motivados pela obra “Organização em Análise” de Eugène Enriquez (1997) este ensaio teórico traz uma reflexão sobre os elementos da cultura organizacional e como estes interagem na formação do imaginário, que é tomado como uma energia pulsional responsável por criar, inventar e configurar a vida humana dentro das organizações. Esta energia pulsional pode estar orientada para a vida (imaginário motor) ou para a morte (imaginário enganador). É na fusão dessas pulsões que se produz o imaginário, impulso energético necessário para que os sistemas simbólico e cultural se estabeleçam no interior das organizações. Portanto, é através do imaginário que se efetivam as relações entre a organização e o trabalhador. Nesse sistema imaginário, a organização não é apenas organização de trabalho, mas é, sobretudo organização de pessoas que buscam realizar seu projeto de vida. Assim, compreender as subjetividades e encontrar abordagens capazes de entendê-las é um desafio colocado, bem como compreender a organização, levando em consideração as instâncias mítica, socialhistórica, institucional, organizacional, grupal, individual e pulsional propostas por Eugène Enriquez (1997). Entende-se que a cultura organizacional por conter a essência da organização, pode motivar a criação de uma organização social voltada para a vida ou para a morte, dependendo do tipo de pulsão 29

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que prevalecer dentro dela. Porém, é importante salientar que não existe uma fórmula pronta ou um melhor caminho epistemológico para o gerenciamento das pulsões de vida e de morte. Esse deve ser encontrado no interior da própria organização, através de uma análise cuidadosa dos elementos concretos e abstratos que apontam a maneira da empresa agir com o ambiente, com a verdade e com o homem. Por conseguinte, a série de elementos formadores da cultura organizacional (mitos, ritos, rituais, cerimônias, heróis, narrativas, sagas, tabus, símbolos) não serve apenas para reforçar a missão, a política, os objetivos e as metas, mas principalmente se apresenta como possíveis caminhos ou orientações para o gerenciamento das pulsões de vida e de morte produzidas pelo imaginário motor e enganador. 1 A CULTURA ORGANIZACIONAL E SEUS ELEMENTOS ESSENCIAIS A objetivação da cultura dá-se por meio de seus elementos formadores, fornecendo aos membros da organização o direcionamento para suas ações. A assimilação destes elementos é efetuada pela linguagem verbal e não-verbal. Os elementos mais comumente apresentados pelos diversos autores que têm se dedicado aos estudos da cultura organizacional (SCHEIN, 1985; FLEURY, 1993; FREITAS, 1991; AKTOUF, 1996; ENRIQUEZ, 1997, 2006 e 2007; MARTIN e FROST, 2001; SCHIRATO, 2000; CAVEDON, 2006) são as estórias, sagas, heróis, mitos, ritos, rituais, artefatos, símbolos, cerimônias, linguagem, que correspondem à instância mítica que se refere Enriquez (1997). Toda a organização para se instaurar e se perpetuar ou para justificar o presente vivido e o futuro sonhado necessita de um discurso inaugural, uma narrativa, uma história inicial que situa e legitima a origem da organização. Assim, as estórias ou sagas quando descrevem as realizações ímpares de um grupo e seus heróis, quando remetem aos valores instituídos pelos fundadores servem para reforçar o comportamento desejado. Misturam o verdadeiro e o fictício, mas sempre se baseiam em eventos reais que, com o correr do tempo, ganham novos significados. Neste sentido, servem não apenas para a manutenção e desenvolvimento da identidade de cada trabalhador, mas também para atenuar os efeitos do imaginário enganador e motor construído e vivido na estrutura formal, uma vez que, durante o relato das estórias e dos heróis, as pessoas se constroem e se reforçam mutuamente em suas crenças individuais e coletivas. 30

Alan Wilkins (1984) afirma que as estórias assumem algumas funções importantes ao servirem como mapas, como símbolos e como scripts. As estórias como mapas cognitivos orientam os novos membros da organização como devem agir sobre as regras e suas exceções, assumem o papel de idéias-chave e por sua vez direcionam o raciocínio, bem como indicam as ações que podem ser tomadas pelo decisor. As estórias como símbolos constituemse em eventos concretos, orientando as pessoas para os objetivos e princípios compartilhados. Já as estórias como scripts informam aos funcionários quais comportamentos ou atitudes são aceitáveis. Segundo a concepção de Terence Deal & Alan Kennedy (1984), no que diz respeito aos heróis, estes desempenham importante papel na formação e manutenção da cultura, uma vez que eles fornecem modelos e tornam o sucesso atingível e humano. Além disso, simbolizam a organização para o mundo exterior, preservando o que ela tem de melhor, estabelecendo padrões de desempenho, bem como motivando os membros da organização para o alcance de objetivos e metas. De acordo com essa visão o herói assume um papel muito maior que o desempenhado por um líder. Para alguém se transformar em um herói, é preciso pelo menos possuir uma saga e realizar uma série de feitos que ultrapassem o usual e se diferencie dos demais, quer pela sua capacidade de vencer obstáculos, quer por ser um grande estrategista, quer pela competência em estabelecer e atingir metas audaciosas. O herói torna-se assim um exemplo a ser seguido. Joseph Campbell faz uma comparação lúcida do perfil do herói e do líder, da seguinte maneira: O líder deve ser analisado como aquele que percebeu o que podia ser realizado e fez. Ele se dá conta do inevitável e se coloca à sua frente. O herói além de ser um líder possui um objetivo, ética, moral e se coloca à frente para salvar uma idéia, um povo ou uma pessoa. O herói se sacrifica por algo. Ele é movido por alguma coisa, não vai em frente apenas por ir...(CAMPBELL, 1990, p. 135).

Já em relação aos mitos, estes estão repletos de desejos de imortalidade. É natural, portanto, que as organizações, ao se renovarem tecnológica e até administrativamente, queiram preservar a sua institucionalidade, ou seja, os valores e os princípios filosóficos 31

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que lhe concedem um caráter diferencial das demais. Assim, com o intuito de conservar um alicerce firme e capaz de resistir às tendências ou aos modismos passageiros, as organizações que se dizem visionárias costumam efetuar mudanças usando uma variedade de mitos com o fim de mudar aquilo que deve ser mudado e conservar tudo aquilo que deve ser preservado. Na concepção de Enriquez (1997) o mito é sempre guardião de valores muito importantes para uma sociedade ou para uma organização. Graças a ele, o controle organizacional pode seguir um padrão necessário para fazer frente a inúmeras contingências. Evidentemente o papel do mito é complementado por vários outros atos simbólicos como rituais, cerimônias, discursos e símbolos. Eugène Enriquez destaca o papel unificador dos mitos dizendo:

Desse modo, as organizações se apropriam dos mitos, heróis e das narrativas sobre ações dos fundadores, bem como das gerações sucessoras de executivos, dos atos heróicos praticados pelos funcionários, com o objetivo de formar uma memória coletiva. Esta, além de se oferecer como objeto a ser interiorizado por cada empregado coloca-se também como exigência de algo a ser preservado e incita comportamentos em conformidade com os exemplos relatados. Dessa forma, mitos, ritos, heróis e narrativas convertem-se em poderoso instrumento de controle afetivo e intelectual, sedimentando a ação dos membros da organização e legitimando a organização enquanto instituição. Esse controle afetivo exercido pelas narrativas é mais forte que os controles normativos instituídos pela empresa, uma vez que promove uma ligação afetiva do indivíduo à organização. Já o controle intelectual implica na importação, transformação e exportação de sig-

nificados pelos indivíduos em sua interação simbólica com o ambiente interno e externo. Essas ações exprimem o sistema conceitual da organização, permitindo que a ação realizada por ela venha a ser legitimada tanto no nível interno como externo. Assim, os empregados, ao participarem de outros grupos sociais, farão com que a produção de significados gerados pela convivência profissional extrapole os limites internos da organização. A análise dos mitos, heróis e estórias é vista como expressão de valores, relações e ideologias e permite também sugerir que eles não somente contêm conteúdos ideológicos, produzidos para racionalizar certas ações sociais, mas também se constituem em verdadeiros postulados epistemológicos, construindo um espaço que permite inventar e legitimar ações sociais concretas. Nas organizações identificamos alguns mitos como o mito do grande homem ou a saga do fundador, o do pai-patrão, o da grande família, o da tecnologia e o da modernidade, que servem para congregar indivíduos, despertar o imaginário e o desejo de identificação com os seus protagonistas. Os ritos, os rituais, as cerimônias e os símbolos também são elementos que reforçam a preservação dos valores organizacionais. Segundo Trice e Beyer (1985), os ritos constituem-se de um conjunto relativamente elaborado, dramático e planejado de atividades, que consolidam várias formas de expressão cultural em um evento, o qual é realizado por meio de interações sociais. Por meio dos ritos, as regras sociais são definidas, estilizadas, convencionadas e principalmente valorizadas. Os rituais desenvolvidos dentro de uma organização desempenham diferentes papéis, tais como: inserir o indivíduo à organização, alcançar reconhecimento, obter recompensa e conseguir concessão de privilégios. Além dessas dimensões, os rituais possibilitam a progressão funcional, o modelo de gestão empresarial que garante o desenvolvimento da iniciativa individual, o prazer de ser reconhecido e valorizado, o incentivo de conquistar prêmios e de galgar posições hierárquicas mais elevadas, e traçar metas individuais e coletivas e superá-las. Essas são algumas estratégias de rituais que favorecem a integração do indivíduo à empresa ou à organização. O empregado, na maior parte das vezes, ao sentir a possibilidade que a empresa lhe oferece em ter iniciativas no trabalho, em ser res-

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...a organização não pode viver sem segregar um ou alguns mitos unificadores, sem instituir ritos de iniciação, de passagem e de execução, sem formar os seus heróis tutelares (colhidos com freqüência entre os fundadores reais ou os fundadores imaginários da organização), sem narrar ou inventar uma saga que viverá na memória coletiva: mitos, ritos, heróis, que têm por função sedimentar a ação dos membros da organização, de lhes servir de sistema de legitimação e de dar assim uma significação preestabelecida às suas práticas e à sua vida. (ENRIQUEZ, 1997, p. 34).

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peitado, em ser constantemente avaliado e valorizado (imaginário motor), aceita a angústia provocada por um trabalho competitivo, mesmo que isso possa afastá-lo do convívio familiar e das relações pessoais (imaginário enganador). A contradição entre restrições e benefícios desencadeia um sentimento paradoxal de amor/ ódio, satisfação/angústia, prazer/sofrimento. Estas contradições se internalizam de tal forma que permanecem inconscientes ao nível intra-individual e, uma vez não exteriorizadas, impedem que o conflito surja e ao mesmo tempo ocultam as incoerências entre os objetivos da empresa e os objetivos dos empregados. Portanto, a empresa oferece respostas antecipadas ao conflito ao satisfazer necessidades econômicas e sociais dos seus empregados e despertar sentimentos de realização pessoal do trabalhador (PAGÈS, 1990; ENRIQUEZ, 1997; FOSSÁ, 2003). Esse argumento nos leva a compreender que os rituais, os ritos, os mitos, os heróis, os tabus, as estórias, as cerimônias, o uso de linguagem específica e outros mecanismos procuram orientar os indivíduos e os grupos a agirem em uma dada direção; fornecem com a ideologia, a significação a ser dada aos acontecimentos; atribuem a cada pessoa um papel a desempenhar e a sustentam nesse papel; criam a comunidade ideológica através da comunhão de idéias. Da mesma forma, as cerimônias e os símbolos ajudam a reforçar os laços de afiliação, solidariedade, lealdade e comprometimento. Junto com os ritos, os rituais e os símbolos, as cerimônias servem para comunicar de que maneira as pessoas devem se comportar e quais são os padrões de decoro aceitáveis; chamar a atenção para o modo como os procedimentos são executados; liberar tensões e encorajar inovações, aproximando as pessoas, reduzindo conflitos, criando novas visões e valores. Servem enfim, para guiar o comportamento dos membros da organização através da dramatização dos valores básicos e exibir e fornecer experiências agradáveis para sempre serem lembradas pelos empregados. As cerimônias podem ser definidas como a manifestação de sentimentos ou atitudes em comum através de ações formalmente ordenadas. São de natureza essencialmente simbólica, sendo que, no contexto cerimonial, gestos, posturas corporais e objetos estão presentes. Por exemplo, as pessoas se curvam, apertam as mãos, sen-

sentam em lugares previamente estabelecidos na mesa, levantam e sentam a todo o momento, cantam hinos, aplaudem, discursam por ordem de importância dos seus cargos e assumem outras posturas e gestos condizentes com o local, a hora e o tipo de cerimônia. A cerimônia geralmente envolve o uso de objetos tais como bandeiras, cartazes, flâmulas, flores, cadeiras com espaldares mais ou menos altos de acordo com o nível hierárquico da pessoa que vai ter assento à mesa. Todos estes objetos possuem significações simbólicas e, portanto, faz-se necessário saber o significado de tais atos nas cerimônias para captar os seus sentidos, suas significações e seus apelos de ordem ideológica.

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2 A COMUNICAÇÃO NA ORGANIZAÇÃO E A ANÁLISE SOCIALHISTÓRICA, INSTITUCIONAL E ORGANIZACIONAL A instância social-histórica compreende a análise da ideologia que define o modo de ser da organização. A ideologia imprime um caráter homogeneizador, passa por cima dos níveis hierárquicos para imprimir uma escala de valores comuns, exprime parte do conteúdo social que rege a organização, mostra parte da verdade e oculta outras partes. É o desdobramento do mito inicial contido na instância mítica e que aponta para o ideal perseguido pela organização, a sua legitimação perante a sociedade. Enquanto a instância mítica registra a narrativa inicial, ou seja, o ato criador, as ideologias visam apontar para o ideal contido nos mitos, por sua vez a instância institucional cria leis, normas, condutas para que historicamente a ideologia se realize. Neste nível de análise pode-se reproduzir o estabelecido e o instituído pelo ato fundador, entender os meios pelos quais a organização explica e justifica as suas ações perante a sociedade, bem como as formas utilizadas pela organização para combater comportamentos diferentes e contrários entre si a fim de promover uma aparente harmonia e obter a legitimação da organização tanto interna como externamente. A necessidade de legitimação da organização pode ser entendida pelo resgate dos conceitos de institucionalização e objetivação descritos por Berger & Luckmann (1985). A institucionalização ocorre quando há uma tipificação recíproca de ações habituais praticadas

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por determinados grupos de atores, enquanto que a objetivação é o processo por meio do qual os produtos exteriorizados da atividade humana adquirem o caráter de objetividade. Desse modo, os papéis desempenhados pelos indivíduos tornam possível a existência de instituições de forma continuada. Compreende-se então que é pela objetivação, ou seja, pelos modos como a organização explica e justifica as suas ações que a legitimação é conquistada, tornando-se responsável pela institucionalização da organização. E para que a objetivação se realize é necessário que ela seja construída através da linguagem, principal depositária das experiências coletivas e humanas e responsável pelas relações sociais que ocorrem nas organizações. As relações sociais envolvem sempre um emissor, um receptor e seus efeitos recíprocos um no outro à medida que se comunicam. Então, se todos os elementos que compõem o processo comunicativo (emissor, canal, mensagem, receptor, efeito) estão inseridos num mesmo contexto social, condicionados ao universo cognitivo de cada pessoa que emite e recebe mensagens e a todo um conjunto de fatores internos e externos, pode-se deduzir que todos os elementos do processo comunicativo sofrem interferências. A linguagem envolve tanto a forma verbal expressa em atos discursivos quanto a não-verbal representada pelos silêncios, pelos gestos, pelos comportamentos, pelos olhares, pelas posturas, pelas ações e pelas omissões. Assim, os atos comunicacionais não podem ser entendidos apenas através da dimensão expressiva, que diz respeito à elaboração de manifestações significativas e da dimensão pragmática, que se refere às ações realizadas. Por isso, segundo Adriano Duarte Rodrigues, “o silêncio e a omissão podem comunicar de maneira tão forte como uma palavra proferida ou uma ação efetivamente realizada” (1990, p.68). Quando assim, reagimos a um gesto o fazemos segundo a um código secreto e complexo, que não está escrito em nenhum lugar, que não é conhecido de ninguém, mas que é entendido por todos, a ponto de, como afirma Erving Goffmann, “mesmo que um indivíduo possa parar de falar, não pode impedir de continuar comunicando-se através da linguagem do corpo. Pode deixar de falar, mas não pode deixar de dizer” (GOFFMANN apud CHANLAT, 1992, p. 132).

Cabe ressaltar que a comunicação se dá através dos indivíduos, os quais interagem dentro da empresa, consolidando a cultura organizacional. As pessoas comunicam a cultura da organização através de hábitos, atitudes e até pelas vestimentas que usam no trabalho. A ideologia da organização está o tempo todo sendo comunicada pelo olhar, pelos gestos, pela escrita e, também, através do ambiente físico, o qual reflete o orgulho que a organização tem de si própria. A decoração dos escritórios e o tamanho das salas, os refeitórios, os estacionamentos, tudo isso são maneiras de comunicar os valores que a empresa pratica. Se se entender a organização como um tecido vivo e em constante transformação, o objetivo fundamental da comunicação organizacional deixa de ser apenas o da informação e da difusão, para tornar-se um processo onde o diálogo é o instrumento indispensável para promover e apoiar as transformações e possibilitar ao homem organizacional passar de uma situação insatisfatória para outra mais condizente com suas necessidades e aspirações enquanto ser humano e cidadão. Então, para que a comunicação organizacional se estabeleça, a organização deve assumir um caráter dialógico, em que o administrador fale com o empregado e não para o empregado, de modo a provocar uma simbiose de experiências sociais significativas. Deste modo, a comunicação promove a interação e a participação dos indivíduos, capacitando-os para perceberem a sua realidade e para o equacionamento e a resolução dos problemas de ordem técnica, econômica e social que envolvem o cotidiano organizacional. Para melhor entender essa dimensão dialógica se faz necessário recuperar o apelo de Habermas (1981) na sua teoria de ação comunicativa, quando contrapõe a racionalidade técnica à racionalidade prática. Mesmo reconhecendo que na sociedade contemporânea a “racionalidade instrumental” (técnica) exerce seu domínio de maneira soberana e anuncia o triunfo dos meios sobre os fins, valorizando sempre o “como?” e não o “por quê?” das coisas, percebemos que a ação comunicativa envolve um processo de compreensão longa e por todas as pessoas, dos fins a serem alcançados com uma clara tendência à ação. Para Habermas somente é possível se chegar a acordos genuínos e justos quando

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os participantes têm relação de poder simétrica e, ao negociarem, apresentam argumentos possíveis de questionamento a crítica pelo outro, mas que podem ser reafirmados ou refutados com fundamentações racionais. A grande contribuição de Habermas para se refletir sobre a comunicação organizacional, é que todo processo comunicativo se sustenta na base do diálogo, permitindo a qualquer dos participantes da interação ou negociação poder e direitos iguais de questionar o outro sem recorrer à coerção. Essa igualdade de “poder e direitos” não significa simetria de desejos e propósitos iguais, mas possibilidades e abertura na negociação para que possíveis diferenças e conflitos sejam expostos devidamente acompanhados das razões que o sustentam (VIZEU, 2003; CARDOSO, 2006). Pela instância organizacional de análise que nos aponta Enriquez (1997) percebe-se que a organização é a concretização do institucional sendo que a sua autonomia é relativa, uma vez que tudo pode ser realizado desde que não fira o caráter institucional. Entende-se, assim que a instituição é o lugar do poder enquanto que a organização é o lugar da prática, ou seja, do exercício do poder o qual se configura através dos sistemas de autoridade - divisão de tarefas, de cargos, de responsabilidade, de direitos e de deveres. A instância institucional é a responsável por defender a organização contra toda a interrogação e promulgar suas leis e seus decretos sem se indagar se são justas e pertinentes. Portanto, a instituição é o lugar do político e da regulação da ordem, enquanto que a organização é o lugar das relações antagônicas, das lutas implícitas e explícitas e das estratégias que os atores utilizam para obter reconhecimento social e participar de processos decisórios. A organização assume o lugar de negociação, enquanto o institucional de normatização de comportamentos e/ou de decisões impostas de cima para baixo na hierarquia funcional. A institucionalização acredita que sabe como organizar do melhor modo possível as pessoas, atribuindo-lhes lugares, papéis e produtos a consumir. No entanto, como afirma Michel de Certeau (1994) o homem escapa a essa conformação graças às astúcias e táticas de resistências pelas quais ele altera os objetos e os códigos, se reapropria do espaço

e do uso a seu modo. Diz Certeau “voltas e atalhos [...], histórias e jogos de palavras, mil práticas inventivas mostram [...] que a multidão sem qualidade não é obediente e passiva, mas abre o próprio caminho no uso dos produtos impostos, numa ampla liberdade em que cada um procura viver do melhor modo possível a ordem social e a violência das coisas” (1994, p. 34). Nessa linha de pensamento, Enriquez (2006) destaca o papel ativo que as pessoas desenvolvem nas suas relações cotidianas para “... afastar as tendências mortíferas (sempre reconhecendo-as, pois a pulsão de morte é sempre operante), e fazer triunfar tanto quanto possível o prazer e o amor mútuo. Isso pode parecer utópico, mas como eu já disse tempos atrás: ‘as sociedades que não sonham são sociedades que morrem’”. (ENRIQUEZ, 2006, disponível em: www.rae.com.br/ eletronica). Se, tanto a instituição (lugar das normas) quanto a organização (lugar das práticas) aparecem como unidades de análise não se pode mais conceber as empresas apenas como produto de uma organização científica do trabalho, mas muito mais pela expressão de uma arena de luta entre atores. A emergência do conceito de atores ou sujeitos organizacionais, em detrimento ao de indivíduo obediente e passivo, faz com surja a idéia de que o sujeito é um ser dinâmico e não apenas um receptáculo das ordenações que lhes são feitas pelo campo institucional. E, movidos pelo pensamento de Edgar Morin (1991) que nos aponta o princípio da incerteza como norteador da humanidade, é que nos aventuramos a pensar a empresa como uma unidade complexa cujos limites e as insuficiências de um pensamento simplificador contidos em diversos esquemas de análise não são mais capazes de exprimir as idéias de unidade e diversidade presentes no mundo empresarial. Sendo a realidade complexa, não se pode buscar nas fórmulas prontas, fechadas e homogeneizadas certezas e verdades que não se sustentam nem mesmo ao término de uma análise dos dados coletados, sendo preferível, assim, trabalhar as contradições e os conflitos sem cair na tentação da busca da coerência fantasiosa entre o que é institucional e o que é organizacional. O desafio epistemológico está justamente no abandono de certos princípios, de certos procedimentos que com certeza não vão resolver esses

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nós, essas inquietudes do mundo moderno, pós-moderno e globalizado. Como bem afirma Armand Mattelart “não somente a empresa se converteu em um ator social de pleno direito, exprimindo-se cada vez mais em público e agindo politicamente sobre o conjunto de problemas da sociedade. Mas também, suas regras de funcionamento, sua escala de valores, suas maneiras de comunicar foram, progressivamente impregnando todo o corpo social” (1994, p. 246-247). Assim, sob a égide do institucional, os dirigentes e gestores vivem muitas vezes uma duplicidade de caráter, ou seja, pensam uma coisa e fazem outra, tudo em nome do institucional. E a máquina burocrática serve justamente para o exercício do institucional e para a manutenção de contradições uma vez que a legitimidade muitas vezes é percebida pelo número de assinaturas, carimbos e prazos como também pelo número de reuniões que não só não deliberam como também servem para produzir novas agendas e pautas de outras tantas reuniões. Neste sentido, a organização é, na maioria das vezes, constituída de pessoas submissas, sem desejos próprios, sem contato íntimo com a própria consciência e o próprio coração, como bem afirma Eugène Enriquez (1997). Da mesma forma, é comum os organogramas apontarem um percurso possível para o trabalhador ascender na hierarquia, no entanto o percurso é dificultado pelas exigências de formação profissional. O institucional aponta para a preocupação da empresa com a qualificação do empregado, não obstante o organizacional cria impedimentos para que o trabalhador freqüente cursos ao reduzir verbas ou exigir a participação em reuniões ou realizar viagens em horários previamente destinados para o aperfeiçoamento profissional. E o trabalhador quer ascender, mas não consegue a ponto de desistir da busca por não se achar preparado. E na autoavaliação, a empresa o parabeniza por conhecer seus limites, mas como a empresa não pode parar, o lugar será ocupado por alguém do mercado. E neste jogo entre o institucional e o organizacional nada acontece sem que antes estivesse previsto, apenas o trabalhador que precisa estar constantemente motivado para que a organização atinja os níveis de produtividade, não vê que o lugar apontado no organograma dificilmente será ocupado por alguém da casa. Quando a empresa não consegue talentos internos procura fora, diz o institucional e, neste jogo de cartas marcadas, subjuga ainda

mais o empregado às vontades da empresa, tornando-o mais submisso e medroso. Já a instância grupal de análise das organizações proposta por Enriquez (1997) nos leva a considerar que além das relações de trabalho voltadas para a produção e para o lucro, também existem grupos com relações afetivas, com interesses comuns e por vezes até contraditórios aos interesses da organização. Este nível de análise nos leva a perceber que o grupo possui causas próprias e diferentes das instituídas pela instância institucional, as quais são responsáveis por promover a mobilização do grupo em torno de lutas individuais e coletivas. E, cada vez que uma empresa transforma o grupo de trabalho em equipes de trabalhos e com tarefas predeterminadas está impedindo o aparecimento de situações novas e criativas. Esta situação, Enriquez (1997) denomina de imaginário enganoso e enganoso motor. Tão importante quanto a grupal é a instância individual, uma vez que de acordo com o meio, com o grupo, com a cultura, a atitude pessoal isolada pode conter idéias inovadoras (imaginário motor) ou caráter conservador (imaginário enganador). Em relação à instância pulsional, Enriquez (1997) afirma que ela perpassa as demais instâncias à medida que constitui um impulso energético que mobiliza as partes. Na concepção de Enriquez há dois tipos de pulsão: a pulsão da vida e a pulsão da morte. A pulsão da vida se refere a afirmação da vida, é um princípio de ligação e como tal favorece o amor, a amizade, a aliança, o trabalho em grupo. A pulsão da morte é vista como a tendência natural de tudo o que é vivo e favorece a destruição do eu, desentendimentos, inimizades, invejas, conflitos, etc. Os dois tipos de pulsões são antagônicos e lutam entre si para se firmarem, mas também se fundem. E é nesta fusão das pulsões que o imaginário – motor e enganador - é produzido. O imaginário é motor quando a organização permite às pessoas terem iniciativas, criatividade e possibilidades de imaginar coisas novas, buscando novas saídas, novas relações, novos valores. A organização desenvolve um imaginário enganador quando obriga às pessoas a realizarem um trabalho planejado e pensado por outros, induzindo-as a viverem sob o ideal de um sonho. As empresas trazem em seu convívio diário muito mais o que pretendem ser do que aquilo que de fato são e, assim todo o sacrifício humano, todas as esperanças são justificadas pela vitória do amanhã. E, por mais que

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os trabalhadores se esforcem em denunciar as contradições entre o discurso e a ação organizacional, as incoerências dificilmente são percebidas porque se ocultam entre o desejo que todo o indivíduo possui de conquistar metas, obter prêmios, galgar posições na hierarquia organizacional, de ser amado e admirado pela organização. Desse modo, quando no imaginário do empregado, a empresa “X” se apresenta como forte, sólida, estável, próspera, grande, faz com que o empregado se reconheça como frágil. Também ao se sentir um empregado da empresa “X”, no imaginário desse empregado se forma a idéia de um cidadão qualificado, como bem se percebe quando indagados sobre quem são: sou fulano de tal da empresa tal. Desprovidos de identidade passam a assumir a identidade da empresa e neste esconde-esconde, de forte e frágil, as empresas se valem de discursos sedutores para legitimarem uma relação senhorescravo. Revestida de roupagens diferentes, faladas em discursos e argumentos refinados, essa relação está tão presente nas empresas da contemporaneidade quanto na origem da divisão da produção de trabalho. Enriquez relata a dramaticidade e o absurdo dessa realidade de opressão ao recuperar a idéia tão antiga de “[...] sujeito histórico, ou seja, aquele que intervém no nível político que contribui para definir a orientação da sociedade e que participa diretamente das decisões essenciais relativas à vida e à morte, apareceu na aurora do século V a.C., em Atenas” (ENRIQUEZ, 2006). Enriquez (2006) nos oferece, portanto, a possibilidade de se compreender a empresa por uma ou mais instâncias ou níveis de análise, principalmente quando se quer conhecer a natureza das relações inconscientes pelas quais o indivíduo se liga à organização e compreender as políticas que reforçam essa relação, de modo a conhecer o jogo de poderes e contra poderes que tanto a organização como os indivíduos desenvolvem a fim de que os outros os reconheçam como sujeitos de interesses válidos, valores pertinentes e demandas legítimas. Assim estudar os modos como estão sendo produzidas as relações de continuidade e ruptura dos valores organizacionais, bem como a maneira como se dá a negociação entre os valores organizacionais e individuais de modo a perceber os usos sociais que os empregados fazem das estratégias utilizadas para mantê-los integrados e coesos aos objetivos organizacionais são desafios que podem ser enfrentados através da análise social-histórica, institucional, organizacional, individual, grupal e pulsional proposta por Enriquez (1997).

3 A RELAÇÃO ORGANIZAÇÃO-TRABALHADOR E A PRODUÇÃO DE SISTEMAS IMAGINÁRIOS Freud (1976), na obra Totem e Tabu, mostra o início da organização social, da civilização, da luta pela afirmação da vida que vence a morte, tal como está simbolizada na luta pela vida dos filhos vingada pela morte do pai. A pulsão da morte é vista como a tendência natural de tudo o que é vivo, enquanto a pulsão da vida se refere à tendência da afirmação da vida, ambas, portanto, contrárias entre si, mas indispensáveis para poderem se firmar. Se a morte é a tendência natural, o que mantém o ser vivo a despeito da tendência natural da morte é o apego à vida (pulsão da vida). Igualmente, a pulsão da vida não é definitiva, é constantemente ameaçada pela presença da morte (pulsão da morte). As pulsões – da morte e da vida –, por serem contrárias, confrontam-se e lutam entre si, mas também muitas vezes se fundem, uma vez que são recursivas, ou seja, ambas querem, isoladamente, prevalecer uma sobre a outra. E é nessa luta das pulsões que o imaginário se produz. O imaginário é, portanto, uma energia pulsional, resultante da luta entre a pulsão da vida e da morte. A energia, produto desta luta, é que cria, inventa e configura a vida humana. Desse modo, pode-se criar uma organização social voltada para a vida ou para a morte, dependendo do tipo de pulsão que prevalecer dentro dela. Portanto, uma organização, antes de estar inserida em um contexto localizado no tempo e no espaço, configura-se primeiro no imaginário. Seu significado e importância estão mais no futuro, que acena com possibilidades e potencialidades do que propriamente no presente, limitado por circunstâncias humanas, temporais, físicas, cotidianas. Nesse propósito, a organização vive do que quer ser e, por sua vez, o trabalhador também busca aquilo que pretende igualmente ser. Tanto a organização quanto o empregado vivem a imagem criada do modelo ideal. A organização busca a sagração do seu poder, a sua respeitabilidade, a sua importância social, política, econômica e financeira como garantia de sua continuidade e perpetuidade. Por sua vez, o empregado busca status, reconhecimento social e afetivo e busca, principalmente, a sua imortalidade nos produtos que fabrica, nos programas em que se envolve e na perspectiva de um futuro triunfante capaz de justificar todos os sacrifícios, todos os medos, todas as ameaças, todas as adversidades, todo o sofrimento físico e psíquico.

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No momento em que a organização se apresenta como a salvadora e como a única possibilidade de alguém obter acesso a um status social, na imaginação do trabalhador estabelece-se a relação de dependência. Nesse sentido, a empresa, além de se constituir para o empregado o seu suporte social, sua estrutura econômicofinanceira, passa também a conferir ao empregado o status de cidadão economicamente produtivo, e, portanto, diferenciado. A organização, ao invocar a imagem de protetora, alimenta o imaginário original de segurança e de proteção que só o pai generoso ou a mãe protetora podem proporcionar. É uma forma de a empresa não apenas reforçar o sentimento de submissão como também de impedir o avanço nas relações de trabalho e o estabelecimento de uma forma mais participativa, mais justa e mais igual. Na concepção de Enriquez (1997), o imaginário é constituído de imagens interiores que guardamos de certas pessoas significativas, de lembranças ou de informações armazenadas na memória, de idéias, de visões, de explicações ou de racionalizações que são construídas e utilizadas. O imaginário é, pois, o resultado de visões, de projeções ou de construções que o indivíduo elabora a partir dos conteúdos armazenados na memória. Mas, mesmo que o imaginário se forme a partir de informações armazenadas, ele se configura em uma realidade subjetiva e serve de ligação entre a realidade interna da pessoa e a realidade externa e se constitui em um elemento qualitativo importante na constituição da personalidade de um indivíduo. Enriquez (1997) fala, como já foi mencionado, da existência de duas formas de imaginário: o enganador e o motor. O imaginário é enganador na medida em que a organização, tenta prender os indivíduos nas armadilhas de seus próprios desejos de afirmação narcisista, no seu fantasma de onipotência ou de sua carência de amor, em se fazendo forte para corresponder aos seus desejos naquilo que eles têm de mais expressivos e mais arcaicos e de transformar os fantasmas em realidade (ENRIQUEZ, 1997, p. 35).

É pelo imaginário enganador que a empresa sinaliza a possibilidade do ego ideal realizar os desejos e expectativas do ideal do ego. Ao se mostrar como onipotente, a empresa tem como garantia a lealdade do indivíduo. O imaginário lealdade do indivíduo 44

O imaginário é enganador na medida em que a organização reforça o ego ao considerar o empregado “prata da casa”, “velho da casa”, “homem de confiança”, expressões muito comuns que se observam em uma grande maioria de organizações. Já o imaginário é motor na medida em que a organização “permite às pessoas se deixarem levar pela sua imaginação criativa em seu trabalho sem se sentirem reprimidas pelas regras imperativas” (ENRIQUEZ, 1997, p. 35). É pelo imaginário motor que o empregado expressa o desejo e também por seu intermédio que os desejos podem se concretizar. O imaginário motor dá, portanto, sentido e aponta para a direção do sonho. O imaginário motor, diferentemente do enganador, está perpassado pela pulsão de vida, está sempre ao lado das utopias, permite que velhos problemas sejam vistos com um novo olhar. Por conseguinte, entende-se que será pelo imaginário motor que mudanças podem ocorrer na relação organização-trabalhador. Mas a mudança exige ruptura e contém o sentimento de morte, e, portanto provoca medo. Porém, se a ruptura traz em seu bojo um sentido intenso de pulsão de morte, igualmente traz consigo o mesmo sentimento de pulsão de vida. Basta, no entanto, dominar o medo do novo, estabelecer um novo ritmo de vida e uma nova dinâmica de trabalho e de relações sociais. Somente assim os trabalhadores terão motivos de se envolver em relações de trabalho. CONSIDERAÇÕES FINAIS Eugène Enriquez (1997) acredita que, mais do que um espaço de trabalho, as organizações constituem um espaço de convivência humana. Portanto, a análise da conversação entre sujeitos em processos de interação, o exame da interação não-verbal, a descoberta das regras e das normas que estruturam a interação diária, a análise da conversação para descobrir as regras de interação verbal que são geradas por e dentro dessa interação, a descrição dos eventos para a cultura do grupo são de fundamental importância para descobrir como o sistema de significados culturais está organizado, como se desenvolveu e como influencia o comportamento individual e grupal. Portanto, em Enriquez (1997) encontramos sete instâncias ou níveis constitutivos da análise das organizações e. com certeza nos auxiliam na compreensão conceitual de organização como um espaço 45

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público, bem como nos permite um maior entendimento e melhor interpretação da cultura organizacional e por sua vez da comunicação organizacional, uma vez que cultura e comunicação são realidades inseparáveis. Ao se fazer a análise da cultura estamos conhecendo o sistema de comunicação, ao se analisar a comunicação estamos decifrando os elementos simbólicos e imaginários que compõem a cultura. Para tanto, faz-se necessário que a empresa seja concebida como um lugar de coexistência, de interação, de diálogo por meio do qual o homem se autoconstroi. A comunicação é um momento da práxis humana que, graças à competência lingüística e cognitiva, os atores são capazes de, pelo diálogo e pelo questionamento, produzirem uma razão significativa de estarem no mundo. Diálogo no sentido de deixar fluir, sem interferências, sem rótulos, sem discriminação. Como afirma Aktouf “é preciso que a palavra encontre um espaço de escuta simétrica, atenta e cúmplice, e não condescendente, superior e dominadora” (1996, p. 136). A instituição da palavra na organização representa o espaço público. Este é um lugar de transparência, onde o sujeito toma conhecimento do trabalho dos demais e do processo como um todo. O espaço público também se constitui em um lugar de demonstração do saber e de reconhecimento onde o sujeito pode mostrar o seu trabalho e o valor que ele representa para todo o processo. O espaço público é, portanto, um lugar de trocas e negociações, as quais geram solidariedade entre os membros. Ao se compreender a empresa como um espaço público, passase a entender que a realidade organizacional consiste em padrões de significados criados e sustentados pelos indivíduos, construídos a partir de interações simbólicas. A organização como um espaço público deve ser pautada por uma nova lógica, em que o conceito de empregado-sujeito-ator ganhe maior consistência, e a comunicação não se dê por meio de algo que se diz para um público passivo, mas sim pela qualidade das relações pessoais, interpessoais e profissionais que se estabelecem entre esses atores, bem como pela credibilidade gerada por aquilo que a empresa faz. Na concepção de empregado como sujeito/ator está também imbricada a idéia de indivíduo como ser dialético e dialógico. Dialógico porque somente é sujeito enquanto capaz de constituir-se também do outro e dos outros que constituem sua história pessoal de vida. É dia46

lético pela contradição própria do seu existir uno e social. O homem é indivíduo/social porque tem na constituição de sua subjetividade a subjetividade de um corpo social histórico, cultural, marcado e distinto de outras sociedades. É um indivíduo/sujeito universal porque a história do homem lhe confere este estatuto, capacitando-o a compreender e ser compreendido nos sentidos básicos característicos do humano. Portanto, pensar o homem a partir da concepção de sujeito significa romper com a idéia mecânica de gestão de pessoas em que a empresa age e o empregado é agido, bem como romper com a relação de poder e submissão. Para romper com o que está colocado é preciso sonhar com o um novo modelo de relações de trabalho, uma nova forma de relação humana. De nada adianta avanço tecnológico, pesquisas de ponta, qualidade total, encurtamento de distâncias, otimização do tempo produtivo, se tudo isso continuarmos a olhar com olhos cansados e desesperançados de mudanças. Se não ouvirmos o coração a gritar a dor da injustiça e do sofrimento, a ação dos gestores organizacionais será mera reprodução do que está estabelecido, apenas se fará repetir o modelo senhor-escravo. Romper com o que está colocado é começar de novo. Se a ruptura comporta grande porção da morte, igualmente traz consigo grande porção de pulsão de vida. Esta se faz presente quando o administrador de pessoas faz uso de um imaginário motor capaz de conservar o que é bom e romper com a prisão conhecida e com a qual já estamos acostumados. É preciso sonhar, imaginar um novo mundo, cuja utopia seja a justiça e a dignidade humana. É preciso praticar o modelo de gestão de comunicação simétrico de duas mãos de forma a buscar o equilíbrio entre os interesses organizacionais e individuais, via diálogo e negociação. No entanto, para poder estabelecer uma situação de compartilhamento de valores, de símbolos e de crenças, o gestor de pessoas deverá compreender a cultura organizacional. Como diz Aktouf “é preciso mais que hábeis cerimônias, belos discursos e repetições rituais de credos e valores” (1996, p.135). É preciso transformar a empresa em um espaço público, em um espaço de palavra e de solidariedade. A orientação metodológica proposta por Enriquez, ou seja, a de compreender a organização através dos elementos constitutivos da cultura organizacional como estórias, sagas, heróis, mitos, ritos, rituais, símbolos, cerimônias e linguagem (instância mítica); compre47

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ender a organização através de seus valores declarados e vividos (instância social-histórica); compreender a organização através das normas e regulamentos (instância institucional); compreender a organização através da prática e da concretização do institucional (instância organizacional); compreender a organização através das relações afetivas e dos interesses dos membros do grupo (instância grupal); compreender a organização através do interesse individual (instância individual) e compreender a organização como um lugar onde entrecruzam desejos individuais e coletivos, pulsões de vida e de morte, projetos conscientes e inconscientes (instância pulsional), se apresenta como um novo referencial teórico e novas possibilidades de intervenção, a fim de enfrentar o desafio de construir organizações voltadas para a vida, para a solidariedade, para encontro, para a realização. E finalmente, concordando com Enriquez: “É a percepção real de que as sociedades não podem se fundar nem perdurar se não desenvolverem um mínimo de prazer, até o regozijo de estar junto” (ENRIQUEZ, 2006).

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Os tênues limites entre o público e o privado nas empresas virtuais

INTRODUÇÃO

Ranice Hoehr Pedrazzi Pozzer Maria Ivete Trevisan Fossá

Resumo: Este trabalho tem como objetivo suscitar a reflexão sobre os limites entre o público e o privado nas novas modalidades de exercício profissional que se estabelecem com o desenvolvimento das tecnologias de comunicação. A partir de entrevistas realizadas com gestores de empresas virtuais, foi possível identificar que a linha que separa o público do privado torna-se tênue nas organizações onde as interações por meios digitais predominam. A última esfera privada, a casa de um indivíduo, perde espaço para atividades tradicionalmente de domínio público. Na visão dos próprios entrevistados, o que é público e o que é privado perde significado, sendo esses conceitos dissolvidos no cotidiano das empresas virtuais. Palavras-chave: empresas virtuais, público e privado. Abstract: This work aims to evoke reflections on the boundaries between public and private in new forms of professional practice established with the development of communication technologies. From interviews with managers of virtual companies, we found that the line separating the public from the private becomes tenuous in organizations where interactions by digital media dominates. The last private sphere, the home of an individual, loses space for activities that are traditionally linked to public actions. In the view of those respondents, what is public and what is private lose meaning, being these concepts dissolved in the daily practice companies. Keywords: virtual enterprises, public and private.

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Motivado pelo texto de John B. Thompson, “Fronteiras cambiantes da vida pública e privada” (2010), o presente artigo trata-se de um trabalho que busca suscitar reflexões sobre as novas formas de organizações, as empresas virtuais, a partir dos conceitos de público e privado apresentados pelo referido autor. Ao tratar sobre o público e o privado nas relações de trabalho das organizações contemporâneas, especificamente em empresas virtuais, é necessário entender algumas definições de público e privado e as alterações a que esses domínios foram sujeitos ao longo da história. Thompson, em seu artigo, faz um apanhado histórico sobre esses conceitos, culminando a sua reflexão sobre as questões de privacidade diante das novas tecnologias de informação. Como as empresas virtuais são dependentes da comunicação digital para realização de atividades inerentes à manutenção de seus negócios, a discussão de Thompson é pertinente para elucidar alguns aspectos referentes aos domínios público e privado nas empresas virtuais. Para ter acesso às informações das empresas em análise, recorreu-se a realização de entrevistas semiestruturadas com gestores de empresas virtuais, sendo essas empresas caracterizadas por teletrabalho e predomínio de interações por meios digitais. Dadas as condições das empresas virtuais como organizações em que as atividades são gerenciadas por meios digitais, sendo as variáveis de tempo e espaço pouco determinadas (ou determináveis), surgem algumas questões que nortearam o presente trabalho. A primeira é como se estabelecem os limites entre o público e o privado em empresas virtuais? Esta questão é justificada pelo fato das empresas virtuais analisadas manterem seus colaboradores em espaços de coworking ou em home office (teletrabalho). Os escritórios residenciais são um espaço destinado a uma atividade que se tornou pública com o surgimento do social (o trabalho passa a ser executado por grupos sociais, segundo Arendt), dentro de um espaço privado (embora a noção de privado, de acordo com Thompson, esteja mais voltada ao uso de informações). A segunda questão refere-se à percepção dos gestores das empresas virtuais quanto aos limites estabelecidos entre o público e o privado. O presente estudo está dividido em quatro partes, sendo a primeira parte introdutória, a segunda diz respeito ao referencial teó53

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teórico que visa a apresentar as noções de empresas virtuais e elucidar as questões relativas ao público e ao privado de acordo com Thompson. A terceira parte é composta pelo método e traz os resultados e discussões e, por fim, a quarta parte apresenta as considerações finais e sugestões para estudos futuros. 1.Referencial teórico 1.1 Empresas virtuais Para o presente trabalho, é importante definir algumas características das empresas virtuais em estudo. Embora existam dois tipos de empresas virtuais, sendo o primeiro um agrupamento de empresas tradicionalmente estabelecidas, com o objetivo de alcançar uma meta em comum (e a dissolução da empresa, assim, que esta meta é alcançada) e o segundo, uma empresa dependente das tecnologias de informação para a realização de suas atividades, que é, predominantemente, gerenciada por meios digitais, apenas o segundo tipo de empresa é foco desta pesquisa. Para abordar-se empresas virtuais é relevante definir, inicialmente, o que é o virtual. Para Levy (1996), a palavra virtual é uma derivação de virtus, que significa força, potência. No latim medieval, virtus passa a virtuale. Levy afirma que virtual é o que existe em potência e cita, como exemplo, a árvore que está virtualmente presente na semente. Comparando definições de real, atual, possível e virtual, Levy (1996) assevera que o possível é exatamente como o real, embora ainda não exista (o real existe). Já o virtual não é uma oposição ao real, mas uma oposição ao atual. Enquanto, para Levy (1996), a realização é a ocorrência de um estado predefinido, a atualização é uma solução exigida para determinados problemas e difere de virtualização que é “um movimento inverso da atualização” (LEVY, 1996, p.17). Levy (1996), ao discorrer sobre a virtualização de uma empresa, faz uma comparação do trabalhador clássico e o teletrabalhador (trabalhador que exerce as suas atividades em meio digital). Enquanto o trabalhador da organização tradicional tem a sua mesa de trabalho em um escritório, passa do espaço privado ao espaço público para desempenhar as suas funções e tem horários a cumprir, o teletrabalhador compartilha recursos com outros trabalhadores de 54

forma a receber as orientações para realização de seu trabalho, transforma o seu espaço privado em espaço público e lida de uma forma pessoal com o tempo, embora esse tempo não seja pessoal. Assim, a virtualização da empresa consiste sobretudo em fazer das coordenadas espaço-temporais do trabalho um problema sempre repensado e não uma solução estável. O centro de gravidade da organização não é mais um conjunto de departamentos, de postos de trabalho e de livros de ponto, mas um processo de coordenação que redistribui sempre diferentemente as coordenadas espaço-temporais da coletividade de trabalho e de cada um de seus membros em função de diversas exigências. (LEVY, 1996, p. 18)

A empresa virtual atualiza-se entre duas coisas reais, segundo Levy (1996), mas outros conceitos são necessários para o entendimento dessa nova forma de exercício profissional, mediada pelas tecnologias da comunicação. As definições podem ser aplicadas de acordo com a natureza de cada empreendimento. Corrêa (1999) apresenta o conceito de Byrne, o qual afirma que Empresa Virtual é uma rede temporária de empresas independentes – fornecedores, clientes, mesmo sendo rivais – ligados pela tecnologia da informação para compartilhar habilidades, custos e permitir o acesso comum aos mercados dos mesmos. Não possuirá escritório central e nem organograma. Não terá hierarquia e nem integração vertical. Na mais pura forma do conceito, cada empresa que se liga com outras para criar uma empresa virtual será requisitada por sua essência. Contribuirá apenas aquelas que se ocuparem com suas competências essenciais. (BYRNE, 1999).

Pithon (2004) traz os conceitos de Kasper-Fuehrer (2001) e Travica (1999) no que concerne a empresas virtuais. Para o primeiro, empresas virtuais são uma rede de instituições independentes que trabalham juntas através do uso de tecnologia de informação, a fim de obter vantagem competitiva no mercado. Para o segundo, a empresa virtual é uma forma organizacional criada a partir de diferentes organizações, com propósitos mais ou menos temporários, de modo a atingir um objetivo determinado. Skyrme (2000) refere-se às organizações virtuais como aquelas que não possuem sede física, as quais se encontram geograficamente distribuídas e cujo trabalho é coordenado através da comunicação ele55

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trônica. Trope (1999), por sua vez, define organização virtual como aquela que “aprofunda fortemente suas parcerias e terceirizações ou como aquela em que uma larga parcela de seus funcionários trabalha num determinado local e se comunica com o escritório, situado em outro local”. (TROPE, 1999, p. 5) Quanto às interações mediadas por computador, que fazem parte do cotidiano das organizações virtuais, as definições não são precisas. Embora comparadas às interações pessoais em diversos estudos, as interações por meios digitais levam em conta o desempenho de equipamentos. Primo (2007) assinala que a interação não pode ser reduzida à transmissão de informações, destacando que o foco nos aparatos tecnológicos reduz a significação do termo interatividade. O autor destaca o que se passa entre os interagentes no relacionamento estabelecido na comunicação mediada por computador e delimita dois tipos principais de interações: mútua e reativa. Na interação mútua, o “relacionamento entre os participantes vai definindo-se ao mesmo tempo em que acontecem os eventos interativos, nunca isentos dos impactos contextuais e relações de poder” (PRIMO, 2007, p. 228). Já as interações reativas “são marcadas por predeterminações que condicionam as trocas.” (PRIMO, 2007, p. 228) Essas interações se estabelecem segundo relações estímulo-resposta pelos envolvidos na interação, uma vez que Primo (2007) argumenta que o estudo da interação humana precisa considerar os interagentes como seres pensantes e criativos. Enquanto as interações reativas dependem de uma disposição prévia das alternativas, as interações mútuas constroem-se na medida em que o relacionamento vai se delineando. Quanto ao trabalho e ao teletrabalho nas empresas virtuais, os conceitos estão ligados à distância física e distância social, tempo e espaço. A questão tempo e espaço sempre esteve entrelaçada com o trabalho, seja pelas distâncias sociais, seja pelas cargas horárias que foram se adaptando às exigências legais, o tempo e o espaço fazem parte do contexto do trabalho. Castells (1999) pondera que a evolução histórica do emprego foi dominada pela tendência ao aumento da produtividade do trabalho humano. À medida que essa produtividade ampliou-se, o consumo de serviços e o trabalho administrativo também cresceram. Historicamente, essa evolução tem sido explicada de maneira simplista, com a agricultura cedendo

espaço para a industrialização que, por sua vez, cedeu espaço para serviços. Só que essa visão simplista ignora questões como diversidade cultural, ambiguidades relativas a serviços e à natureza revolucionária das tecnologias da informação. Com a disseminação das tecnologias da informação, surgiu um novo tipo de trabalhador, o trabalhador virtual, que pode estar ligado a uma grande organização que prefere os seus funcionários atuando em postos de teletrabalho ou a empresas totalmente virtuais, onde não há sede e todos os procedimentos administrativos são realizados por meios digitais. Bauman (2001) caracteriza essa vida contemporânea tomada pela tecnologia como precária, instável, vulnerável. Essa instabilidade, que o autor chama líquida, também é definida por Cazeloto (2007) sublinhando que a informatização do cotidiano cria uma instabilidade permanente (embora reconheça que não é a única causa de instabilidade), tornando o mundo mais incerto e temporário, conduzido por um fluxo de informações excessivo, cujo objetivo final é manter o movimento. A lógica é a da aceleração. E, nesse contexto, ampliam-se as ideias de individualização e de privatização, segundo Cazeloto (2007). Nesse mercado ágil, onde as relações de trabalho alteramse, as empresas virtuais e os postos de teletrabalho consolidam-se - ainda que consolidação não seja uma característica do que Bauman (2001) chamou modernidade líquida.

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1.2 O público e o privado Inicialmente, a casa era o espaço privado, lugar de desempenho de uma atividade destinada a assegurar o sustento da família e o domínio público era o espaço da aparição, da liberdade, conforme assevera Thompson (2010), a partir dos estudos de Arendt (1958). Para os antigos gregos, o domínio privado caracterizava-se pelo trabalho e o domínio público, pela ação e pelo discurso. O domínio privado estaria marcado pela força e pela violência para assegurar a sobrevivência. Já o domínio público era o espaço de ser visto e onde as coisas poderiam ter visibilidade como forma de garantir existência. Esses domínios - público e privado - alteraram-se na medida em que a sociedade também se modificava. Arendt (1958) explica que a distinção entre público e privado foi obscurecida pelo surgimento do

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social, pois, muitas atividades que eram realizadas nos lares, passaram a ser concretizadas fora de casa por grupos sociais. Formava-se uma sociedade de trabalhadores que acabou deixando de lado a prática da ação e do discurso, caracterizando-se pelo conformismo e pela submissão, segundo Arendt (1958). Thompson (2010) critica o fato de Arendt ignorar a mídia impressa emergente no período do surgimento do social e usa os estudos de Habermas para traçar o fio de sua análise sobre as mudanças entre o público e o privado. Para Thompson (2010), na idade moderna, o público é a esfera da autoridade pública e o privado continua sendo o espaço da família e do domicílio, embora as atividades produtivas já estivessem deslocadas da esfera privada. O autor conclui que, nesse período, há uma transformação do domínio privado, com o trabalho assumindo uma relevância pública. Thompson recorre a Habermas para trazer à discussão o aumento de troca de informações possível com a imprensa, definida como esfera pública burguesa, que estava situada entre o espaço privado da família e o espaço público ocupado pelo Estado. De acordo com Thompson (2010),

mento político liberal. O privado é visto como um direito, dentro de um contexto em que o indivíduo tem certas liberdades (direitos) como forma de proteção em relação ao uso de poder pelo Estado. O autor explana que “a maneira mais produtiva de se conceituar privacidade é em termos de controle” (THOMPSON, 2010, p. 26), sendo que a perda de controle sobre algo (espaço, informação, ações) constitui uma perda da privacidade. Thompson (2010) traz ainda reflexões sobre a contextualidade do privado, ou seja, que o privado e a privacidade dependem do contexto onde estão inseridos e que a mudança de contexto pode significar mudança de definição do que é ou não privado. O autor explica a noção de territórios do self (a partir de Goffman, 1972), como sendo espaciais e informacionais ao mesmo tempo, buscando, os indivíduos, controlar e restringir o acesso a esses territórios. Assim sendo, pode-se inferir que a noção de privado perde significado quando confrontada com as questões de virtualização de empresas, pois, conforme assevera Thompson, a esfera privada não pode ser pensada em termos de espaço físico.

a esfera pública burguesa incorporava a ideia de que uma comunidade de cidadãos, unidos como iguais, poderiam compor uma opinião pública através da argumentação racional e do debate (THOMPSON, 2010, p.17).

O privado agora consiste cada vez mais em um domínio desespacializado de informação e de conteúdo simbólico sobre o qual o indivíduo acredita que deva exercer controle. (THOMPSON, 2010, p. 29)

O declínio da esfera pública burguesa deu-se, em conformidade com Thompson (2010), com a perda dos espaços públicos de discussão e a mudança do perfil da imprensa, que passou a ser direcionada à geração de lucro e ao entretenimento. Thompson (2010) afirma que, nesse período, a esfera pública tornou-se teatralizada. Thompson assegura, em seu artigo “Fronteiras cambiantes da vida pública e privada”, que tanto Arendt quanto Habermas foram influenciados pela ideia clássica grega sobre o diálogo e o debate, e ainda que Habermas tenha considerado a imprensa em sua análise sobre a esfera pública, a esfera pública da modernidade assemelhavase à esfera pública da Grécia antiga, principalmente pelo fato de ser concentrada em locais específicos (cafés e clubes na modernidade, mercados e assembleias na antiguidade) e restrita a um grupo de pessoas. Para o presente estudo, é relevante considerar algumas reflexões de Thompson (2010) sobre privacidade associada ao pensa58

Thompson (2010) define as fronteiras cambiantes entre público e privado, explicando que a esfera pública é um espaço de fluxos de informações. Para o autor, ser público é estar visível em um espaço de aparição desespacializado, constituído por meios de comunicação não dialógicos e incontroláveis. Thompson (2010) conclui que, conforme a esfera pública torna-se desespacializada, a esfera privada se estabelece como uma busca de controle sobre as informações e conteúdos. O autor declara que os limites entre o público e o privado são imprecisos e estão em frequente mutação, sendo que esses limites serão evocados para o entendimento das questões relativas aos domínios público e privado nas empresas virtuais. 2 OS LIMITES ENTRE O PÚBLICO E O PRIVADO NAS EMPRESAS VIRTUAIS Ao se entrevistar proprietários de empresas virtuais situadas, foi identificada como característica dos empreendimentos virtuais, 59

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1 Escritórios distantes da sede da empresa.

2 Escritórios utilizados por diversas empresas simultaneamente.

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qual seja a dependência das tecnologias de informação para a manutenção dos negócios. Nessas organizações virtuais, a coordenação do trabalho é feita via internet, com a empresa atualizando-se entre ambientes reais em diferentes contextos. Há um compartilhamento de propósitos e objetivos, mas o trabalho é parcelar. Tanto empresários quanto colaboradores atuam em home office, não através de relacionamentos baseados exclusivamente nos formatos tradicionais de contratação, mas principalmente através do estabelecimento de parcerias com trabalhadores de perfil semelhante, que se valem do teletrabalho para o exercício profissional. Como o trabalho é realizado a partir da casa dos trabalhadores, a última esfera privada passa a ser local de um exercício profissional que até pouco tempo dava-se no domínio público. Na presente análise, inicialmente, foi necessário diferenciar a esfera pública, a esfera privada, os espaços públicos e os espaços privados. Thompson afirma que a esfera pública atual dá-se na disseminação de informações, considerando que as fronteiras entre público e privado são informacionais. Embora o autor tenha mostrado que os limites entre público e privado estão desespacializados e a esfera privada manifeste-se na medida em que um indivíduo controla informações acerca de si mesmo, o domicílio de um indivíduo ainda mantém características de espaço privado (por exemplo, características asseguradas por lei, como domicílio inviolável), mas perde significado como domínio privado. Nas entrevistas com os gestores de empresas virtuais, analisadas sob a ótica da análise de conteúdo (Bardin, 2010), foi possível identificar que o domínio privado cedeu espaço ao domínio público. O escritório, que estava fisicamente localizado em uma empresa, está, agora, em uma residência e a própria empresa não existe entendida como território, como espaço, mas existe virtualmente entre coisas reais (computadores localizados em outras residências, em escritórios satélite1 ou espaços de coworking2 ). A empresa virtual “se realiza” com as solicitações e respostas emitidas via rede entre gestores e colaboradores. Na contramão das reflexões de Arendt e Habermas, o trabalho, que era realizado em esfera privada e passou ao domínio público com a emergência do social, volta a ser, nas empresas virtuais, realizado na esfera privada. Semelhante ao que ocorria na Grécia antiga, o lar é novamente o espaço da labuta e do trabalho. Ao mesmo tempo, é um espaço para a visibilidade permitida com as tecnologias da

comunicação (na Grécia antiga, a visibilidade era assegurada na esfera pública, nas praças, fora do ambiente privado). Como espaço de trabalho, de exercício profissional, o domicílio como esfera privada não está sujeito às privações descritas por Arendt (1958) que caracterizavam a esfera privada na Grécia antiga. Nas empresas virtuais analisadas, a esfera pública e a esfera privada misturam-se, ora o público estabelecendo-se no domínio privado, ora o domínio privado exigindo o seu espaço ocupado pelo domínio público, o que já foi comentado por Thompson (2010):

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A restituição do público e do privado, como esferas de informação e de conteúdo simbólico amplamente desvinculadas de referenciais físicos e cada vez mais interligadas às crescentes tecnologias da comunicação e dos fluxos de informação, criou uma situação fluída em que os limites entre público e privado são imprecisos e em frequente mutação. (THOMPSON, 2010, p. 30)

Levy (1996) e Freitas (2000) também discorrem sobre a atenuação das delimitações de espaços públicos e privados decorrentes da informatização Os limites não são mais dados. Os lugares e tempos se misturam. Fronteiras nítidas dão lugar a uma fractalização das repartições. (LEVY,1996. p. 24-25) O lar torna-se o espaço físico liberado de seu caráter privado, pois ele agora é acessível a todos que se ligarem no mesmo código; ele também se transforma no espaço do trabalho flexível, ou seja, todo o escritório poderá estar ao lado da cama, se o computador estiver ligado em rede com o terminal central da empresa. Na realidade, a última esfera privada se torna pública. (FREITAS, 2000, p.26)

Nas empresas virtuais, há um compartilhamento de espaço físico, mas o domínio público e o domínio privado não se estabelecem nesse espaço. Eles instituem-se nos processos de troca de informação, mudando constantemente de lugar (escrever, por exemplo, é um ato privado, mas que se torna público no momento em que o que se escreve é postado na internet). Essa tênue delimitação entre o público e o privado pode ser identificada nas falas dos entrevistados. A entrevistada E1 afirma que

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nada impede que eu trabalhe em casa, podendo dividir ou compartilhar, talvez seja a expressão, trabalhar com a companhia e a observação dos filhos (E1).

A fala de E1 demonstra que as ações de domínio público - a execução do trabalho - ocorrem concomitantemente com atividades que pertencem à esfera privada em primeira instância, que é a educação dos filhos. O público e o privado estão sujeitos, na atualidade, a uma espécie de apropriação um do outro. Um exemplo disso é dado pela entrevistada E1 que afirma atender ao telefone quando está no consultório médico ou em um supermercado, como se estivesse em seu home office. É como se o domínio privado do home Office, onde é realizado o trabalho, que tradicionalmente pertence à esfera pública desde a emergência do social, se estendesse até espaços de circulação pública, mas que não estão necessariamente ligados à esfera pública. O privado cede espaço para o público, em um lugar público e, à medida que a informação é trocada por telefone (ou por e-mail com o uso de dispositivos de acesso à internet) e a comunicação é finalizada, o domínio privado volta a se estabelecer. As falas dos entrevistados também evidenciam que a separação entre público e privado não é facilmente identificável no exercício profissional em empresas virtuais. O Quadro 1 (um) traz alguns trechos das entrevistas que indicam o atenuamento dessas delimitações. Entrevistado

Trecho da entrevista

E1

O endereço da minha empresa é o endereço da minha casa. Eu atendo telefone comercial na fisioterapia. Empresa X, bom dia. Isso te dá uma mobilidade, uma capacidade de continuar e não atirar o teu trabalho para o ar, de continuar trabalhando, por exemplo, quando tu estás fazendo fisioterapia. Estou dirigindo, com o fone de ouvido usb, toca o telefone e eu atendo. Empresa X, bom dia. Ninguém sabe se eu estou no carro, no banheiro. Para todos os efeitos, eu atendi ao telefone e estou trabalhando.

Para tu teres uma coisa organizada em termos de trabalho e vida pessoal, em casa, tu tens que ser um pai ou uma mãe, seja lá quem for, que vá trabalhar em casa, à moda antiga. Não pode ser esses pais de hoje que deixam os filhos fazer tudo. Isso é saber colocar as coisas nos seus devidos lugares. Dar as devidas ordens, quem pode, quem não pode, quando e tal. E2

A nossa empresa é muito a gente. Tem muito a ver com a nossa individualidade, com a nossa identidade como profissional.

E4

Mesmo quando eu estou no trânsito, eu tento fazer algum trabalho onine, via telefone.

E5

Não tem como tu desvinculares a tua mente de que tu não estás em casa e está só trabalhando. Não existe isso. Tu não és duas pessoas. Tu és uma só. O teu olho está vendo onde tu estás. O teu ambiente. Agora, focar, ah sim, no momento em que eu estou fazendo, eu estou focada.

E6

Eu poderia dizer, para você, é o seguinte, como é que funciona: eu atendo clientes aqui em casa. Só que eu tenho uma condição aqui que é uma condição que é meio atípica. Eu moro numa casa muito confortável. Bastante espaçosa e eu invadi, eu peguei a área debaixo inteira da casa, todo o térreo da casa, para o escritório. Sala de estar, bar, mesa de jogos, na sala de estar, a sala de jantar, com o escritório do lado, que a gente almoça aqui. Então, efetivamente, eu invadi a casa.

Quadro 1: Trechos das entrevistas demonstrando o atenuamento de limites entre o público e o privado Fonte: Elaborado pela autora.

Nas entrevistas, as delimitações entre o público e o privado concentram-se em relações espaciais. Em nenhum momento, as questões relativas à esfera pública entendida como espaço de dissemi62

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nação de informações e criação de uma realidade simbólica emergiu na fala espontânea dos entrevistados. Embora, para Thompson, a esfera privada não possa ser pensada em termos de espaço físico, há um espaço físico que ainda caracteriza o privado. E esse espaço incita uma atitude diferenciada dos trabalhadores em teletrabalho. Na fala de E5, “mas por eu me sentir livre, se eu quero ter disciplina eu vou sair de casa”, a sensação de liberdade evocada por E5, destacada pelo fato de estar desvinculada de um espaço público que exigia certo comportamento é evidenciada. A questão do comportamento pessoal no domínio privado, enquanto esse domínio não é substituído pelo domínio público, precisa ser também considerada. No caso da entrevistada E5, o trabalho em casa, em um espaço que a própria entrevistada considera privado, aparece como uma subversão ao formato de trabalho tradicional, realizado em empresas onde as relações espaço/tempo ainda são cruciais. A entrevistada diferencia disciplina e foco, considerando que mantém o foco quando está efetivamente trabalhando para a manutenção de seu negócio e que não deseja a disciplina, considerando essa como inerente ao trabalho dito tradicional. Outro aspecto surge na fala da entrevistada E1. Trata-se da questão da visibilidade, abordada por Thompson (2010) como uma nova forma de visibilidade moldada pelos meios de comunicação.

ço de privacidade estava sendo mantido, com a limitação de divulgação da imagem da entrevistada. A entrevista por videoconferência é uma interação mediada pela tecnologia, proporcionando visibilidade mediada tanto para o entrevistador quanto para os entrevistados. A visibilidade mediada, para Thompson, é constituinte da esfera pública. Pelo fato do privado depender do contexto no qual está inserido, pode-se inferir que a noção de privado perde significado quando confrontada com as questões de virtualização de empresas. Nesse tipo de organização, há um espaço físico destituído de suas funções de privado e ao mesmo tempo mantendo algumas características de privado, ocupado por uma atividade tradicionalmente de domínio público, realizada por meios tecnológicos que são a forma de se dar a visibilidade e a troca de informações necessárias para que se constitua a esfera pública. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Para a entrevistada, corroborando a visão de Thompson, se não estava sendo vista, não estava na esfera pública (exercia controle sobre a divulgação de sua imagem). Ainda que estivesse em um momento de vídeoconferência respondendo a esta pesquisa, a imagem da entrevistada estava desabilitada no software (sem permissão de visualização). Isso traz novamente à tona a questão dos limites. O momento da entrevista era de domínio público. As respostas da entrevistada estavam sendo transmitidas via internet e sendo gravadas. Não foram disponibilizadas na rede mundial de computadores, mas o conteúdo foi lançado em uma esfera de discussão sobre empresas virtuais, o que lhe dá a perpetuação (e quando se trata de tecnologias ligadas à internet, possibilidade de constante atualização). Mas um tra-

O presente artigo teve como objetivo suscitar algumas reflexões sobre as esferas pública e privada contemporâneas, a partir das definições de Thompson (2010). O que se pode observar é que, tal como afirmaram Thompson, Freitas e Levy, as fronteiras entre o público e o privado são mutáveis, cambiantes, difíceis de serem identificadas e definidas. Os gestores entrevistados na presente pesquisa não perceberam a inserção de suas residências na esfera pública, mas consideram alguns aspectos de seu cotidiano como invasivos de sua privacidade, embora outros aspectos ligados ao domínio público invadissem o domínio privado sem serem notados, de uma forma muito natural, casual e até mesmo, usual. Se fosse considerado o sentido proposto por Arendt e Habermas, de esfera pública e privada, as organizações virtuais estariam experimentando uma nova forma de existência, com invasão do espaço público sobre o privado, ao invés do espaço privado estar tornandose público. Mas as empresas virtuais estão inseridas em uma nova realidade onde a informação divulgada e o controle dessa informação, na visão de Thompson, são o que caracterizam as esferas pública e privada. O trabalho na empresa virtual acontece na esfera pública, ainda que os trabalhadores estejam em um domínio privado compartilhado com o público. Cada colaborador tem as suas tarefas determinadas, em-

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Estou com uma camiseta, calça jeans, moleton e chinelo, porque... porque ninguém está me vendo. (E1)

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bora desterritorializadas e desvinculadas dos aspectos temporais. E cabe ao gestor a união dessas tarefas produzidas pelos teletrabalhadores em seus espaços privados para que o trabalho seja efetivado. O trabalho, desse modo, é formado por pedaços produzidos em espaços e tempos distintos. Conforme Levy (1996), “a sincronização substitui a unidade de lugar e a interconexão, a unidade de tempo” (p.21). Levy (1996) afirma ainda que um efeito Moebius é identificado nas empresas virtuais nas relações entre o público e o privado, sendo esse efeito caracterizado pela “passagem do interior ao exterior e do exterior ao interior”(LEVY, 1996, p.24). O assunto não se esgota. Há muitos aspectos sobre o público e o privado, os quais se acham relacionados a empresas virtuais que ainda precisam ser explorados. Os próprios conteúdos produzidos pelas empresas virtuais são disponibilizados na esfera pública. Até que ponto o controle sobre esses conteúdos pode estabelecer-se uma vez que a atuação da empresa virtual acontece por meios de comunicação que constituem a esfera pública? Essa é apenas uma das questões que ainda precisam ser respondidas. É importante também enfocar as limitações do presente estudo. Trata-se de um artigo, motivado por outro artigo, ou seja, muitos outros pensadores ficaram excluídos do referencial teórico atinente às questões de público e privado. Não houve contrapontos, pois o objetivo era reunir as definições de Thompson (2010) sobre o público e o privado a informações sobre o cotidiano das organizações virtuais obtidas por entrevistas semiestruturadas. Não há, também, possibilidade de generalização, visto que apenas seis empresas foram consultadas e a forma de atuação dessas empresas não pode definir a forma de atuação das demais.

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Mídias digitais na comunicação on-line entre líderes e liderados: consequências nas relações interpessoais Stefania Tonin Maria Ivete Trevisan Fossá

Resumo: O presente trabalho tem como objetivo analisar as mídias digitais utilizadas na comunicação on-line entre líderes e liderados e suas consequências nas relações interpessoais em uma empresa do setor de varejo. A pesquisa é de natureza descritivaexploratória e cunho qualitativo. Os sujeitos da pesquisa foram 14 colaboradores com cargos de liderança de uma empresa do setor de varejo. Para a coleta de dados, utilizou-se um questionário com dados demográficos e indicadores da comunicação on-line, e para a análise, realizou-se uma análise descritiva simplificada e aplicou-se a técnica de análise de conteúdo. Pôde-se observar que a comunicação online possui muito mais consequências contributivas do que fatores de preocupação que causem prejuízos nos processos que são compostos pelo relacionamento entre líderes e liderados. Palavras-chave: Comunicação On-line, Líderes e Liderados, Relações Interpessoais. Abstract: The present work has as objective to analize the digital media used in online communication between leaders and led and their consequences in interpersonal relationships in a company’s commercial sector. The research is characterized as a study descriptiveexploratory and qualitative. The citizens of the research had been the 14 employees with leadership positions in a company’s commercial sector. For collection of the data it was used a questionnaire with demographic data and indicators of online communication and for the analysis, we carried out a descriptive analysis simplified and applied the technique analysis of content. It was observed that online communication has many more contributory consequences than factors that cause concern losses in the processes that are comprised of the relationship between leaders and led. 70

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Keywords: Online Comunication, Leaders and Led, Interpersonal Relationships.

INTRODUÇÃO Os procedimentos comunicativos compõem um conjunto de fatores críticos para o êxito das atividades organizacionais. Por constituir-se na organização de um agrupamento pessoal, a comunicação é elementar à sua existência. Desse modo, as ocorrências organizacionais desenvolvem-se através da comunicação, sendo que em alguma etapa de qualquer procedimento organizacional necessariamente terá havido comunicação. Conforme Deetz (2010), a comunicação é muitas vezes discutida somente como uma das atividades organizacionais, no entanto ela, cada vez mais, vem sendo reconhecida como o processo fundamental pelo qual as organizações existem e como ponto central para a análise da produção e reprodução organizacionais. Por isso, carece avançar nas discussões, reflexões e no trabalho de reconhecer a realidade da prática da comunicação. Nas organizações, a comunicação interna é um meio de informação, satisfação e comprometimento do funcionário. Ao ser considerada uma ferramenta estratégica, auxilia na implementação de um sistema comunicativo eficiente, que atua em seus diversos aspectos, podendo gerar um ciclo de atitudes por parte dos funcionários, acarretando resultados positivos e maior comprometimento. Indispensável e de existência concomitante à comunicação interna, a Tecnologia da Informação (TI) exige consideração. Advinda de técnicas que têm o intuito de informar, as referidas tecnologias são imprescindíveis à administração moderna, de simples a complexas organizações. Para Bueno (2003, p. 49), as novas tecnologias são grandes aliados da comunicação organizacional, sem as quais “as organizações só tendem a involuir”. Esses novos pressupostos, por sua vez, sofisticam ainda mais os sistemas comunicativos, desenvolvendo culturas organizacionais cada vez mais focadas nas competências. De tal forma, tiram o máximo de proveito das inovações tecnológicas e das novas mídias digitais, que surgem, ao mesmo tempo em que se alavanca um diferencial que possa fazer frente às exigências de um mer71

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cado altamente digitalizado e de uma sociedade em rede. Essa sociedade se desenvolve tecnologicamente, mas parece continuar apresentando dificuldades no que tange à comunicação interpessoal e às habilidades relacionais. A comunicação interpessoal parece ser o elo central que permeia todas as demais habilidades. Ela difere de outras formas de comunicação por existirem poucos participantes envolvidos. Neste tipo de relação, as pessoas que estão interagindo se encontram em grande proximidade física umas das outras, existindo múltiplos canais sensoriais utilizados, e o retorno é imediato. Na comunicação interpessoal, as mensagens são constituídas por palavras e insinuações não verbais, os interlocutores recorrem muito mais a conversas face-aface e ao telefone como canais básicos (ROBBINS, 2000). Dessa forma, a importância de se buscar a relação entre a comunicação interpessoal e a comunicação on-line, está na razão direta em que estas possam influenciar no desenvolvimento de competências ainda maiores para as organizações, principalmente em atividades que necessitam dessas habilidades, como se acredita ser o caso de profissionais que atuam em cargos de liderança. A implantação da comunicação interna e o avanço tecnológico possibilitam aos líderes aumentarem o fluxo de informações que são enviadas nas organizações. Exatamente nesse fato é que se concentra este estudo, que tem o objetivo de analisar as mídias digitais utilizadas na comunicação on-line entre líderes e liderados e suas consequências nas relações interpessoais em uma empresa do setor de varejo. 1 CONCEITOS DE LIDERANÇA O tema liderança tem sido alvo de inúmeras pesquisas empíricas na área de estudos organizacionais há mais de 40 anos, com uma grande diversidade de enfoques, sem que se tenha chegado a um consenso quanto à sua conceituação ou à sua correlação com outros fenômenos e variáveis presentes nas organizações (KNIGHTS; WILLMOTT, 1992; SPREITZER; PERTTULA; XIN, 2005). Após recorrer a diferentes autores para a sua formulação, Bergamini (1994) conclui que pelo menos dois elementos são comuns a todas as definições: a liderança como fenômeno grupal e a liderança caracterizada como um processo de influenciação intencional. De acordo com Chemers e Fieldler (1981), entende-se por líder uma pessoa que atrai outras por meio de carisma e por ser um pouco

mais dotada de inteligência. Seu carisma faz com que outros indivíduos queiram segui-lo, pois inspira confiança, respeito e lealdade. Já para Robbins (2000), a liderança envolve um processo de influência do líder sobre os liderados por meio de autoridade, recompensas e castigos. A propósito da dificuldade encontrada para conceituar o termo e partilhando uma visão bastante próxima da de Bergamini (1994), Penteado (1978) define a liderança como um fenômeno social, uma expressão que implica a existência de uma sociedade e de um ambiente. Para o autor, a situação é um fator novo que surge das relações do líder com o grupo, e vice-versa. Desse modo, Penteado (1978) coloca que para se caracterizar um conceito amplo de liderança é preciso um líder, um grupo e uma situação. O líder, para destacar-se e influenciar o grupo, tem de agir dentro de um contexto circunstancial. Assim, a liderança seria a função do líder, que a exerce no e sobre um grupo, em determinada situação. Dessa conclusão nascem três teorias básicas na conceituação de liderança: função do indivíduo, do grupo e da situação. Outros autores bastante representativos quando se trata deste assunto, como Kotter (2002) e Senge et al. (2000), distinguem liderança como um processo e não um talento e, ao adicionarem mais uma variável associada ao conceito, que é a confusão conceitual entre líder e executivo de alto nível ou gerente, aumentam ainda mais a dificuldade de se abordar o tema. Para Kotter (2002), por exemplo, liderar é criar estratégias, determinar direções que se devem seguir e conseguir que os subordinados se convençam da validade das ideias propostas e mostrem-se dispostos a segui-las. Senge et al. (2000, p. 28), por outro lado, entendem a liderança como “[...] capacidade de uma comunidade humana configurar seu futuro e, especialmente, de sustentar seus processos de mudanças significativos, necessários para que isto aconteça [...]”. Os autores concordam com Drucker (1996), citando-o, ao considerarem a liderança como uma visão. Cortella e Mussak (2009) entendem que liderança não é um cargo ou efeito de posição hierárquica, mas um comportamento ou uma ação. Nesse sentido, é desejável que as pessoas que ocupam cargos de gerentes, diretores, supervisores ou gerentes, se comportem como líderes. Logo, a liderança não é determinada pela hierarquia. Liderança é uma autoridade que se constrói pela admiração, pelo exemplo e pelo respeito. Esse conceito de liderança está centrado na relação estabelecida entre líder e liderado, à semelhança da concepção de Harris, Kacmar e Witt (2005).

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Para Cortella e Mussak (2009), a liderança é inerente ao relacionamento humano, quer esse agrupamento seja formal ou informal. Além disso, a relação líder e liderado pode ser compartilhada e alternada, constituindo-se numa via de mão dupla. Portanto, liderança não é um dom ou um traço com o qual se nasce ou não, ela é uma virtude, uma força intrínseca, ou uma capacidade a ser desenvolvida. Diz respeito à condução de um grupo em direção a um objetivo ou à mudança de seu comportamento. Nesse sentido, ela é também circunstancial ou situacional, ou seja, a capacidade de liderança dependerá do contexto e do desenrolar das circunstâncias (CORTELLA; MUSSAK, 2009). Chemers & Fieldler (1981) entendem que um líder é eficaz quando seu grupo de liderados executa bem suas tarefas e atribuições. Um líder eficaz é avaliado em função da qualidade de trabalho da sua equipe. Independentemente das formas de recompensas oferecidas pelas organizações — às quais ajudam no processo de liderança —, os líderes devem ser claros e objetivos na comunicação com os seus seguidores para que as tarefas a eles atribuídas sejam muito bem desenvolvidas, e as metas e objetivos sejam alcançados. Dessa forma um líder eficaz promove o bom desenvolvimento das tarefas dando apoio técnico e moral aos seus liderados, causando satisfação e motivação e contribuindo para manter a estabilidade organizacional, além da produtividade do grupo. O grande interesse das organizações é criar ou encontrar líderes capazes de contribuir e conscientizar os grupos para um melhor desempenho produtivo. O líder e sua organização devem se empenhar para motivar e melhorar continuamente o ambiente de trabalho preservando a equipe na empresa. 2 O PROCESSO DE COMUNICAÇÃO: A COMUNICAÇÃO ORGANIZACIONAL INTERNA E AS MÍDIAS DIGITAIS A comunicação é um processo que transmite significado, informação e conhecimento a outros (DEETZ, 2010). Tem-se o emissor, o canal, o receptor e a mensagem, que pode ser composta de símbolos ou signos. Falar de sua origem é fazer uma viagem aos primórdios da história humana, quando por meio de gestos, os seres humanos tentavam se fazer entender (BRIGGS; BURKE, 2006). O ato de comunicar evoluiu da associação entre signos e objetos para a elabora-

ção de linguagens e o desenvolvimento de meios que permitissem a propagação de informações, reduzindo as limitações impostas pelo tempo e pela distância (BORDENAVE, 1982). Foi com o desenvolvimento da tecnologia de prensa que a luta contra a distância e o tempo ganhou força (AMARAL; RECUERO; MONTARDO, 2009). Com o passar dos anos, tecnologias surgiram e, com isso, a comunicação pode se dar por novos meios, constituindo-se como uma ferramenta de grande importância para os atores sociais. Telégrafo, telefone, televisão e computadores trouxeram novas possibilidades e ampliaram o alcance de produção e recepção das mensagens. A Comunicação Organizacional agrupa as práticas institucional, mercadológica, interna e administrativa. Ela corresponde a um conjunto de modelos utilizados pelas organizações como parte da estratégia, com o objetivo de favorecer o relacionamento com os stakeholders e reforçar a unidade da instituição pela conexão de suas subpartes (KUNSCH, 2007). Ela deve buscar a coerência das mensagens que divulga e, para tal, deve definir canais e zelar pela integração e o alinhamento dos esforços de comunicação (CORRÊA, 2005). Segundo Burton e Dimbleby (1990), a comunicação interna eficaz possibilita organizar empresas de pequeno a grande porte, uma vez que, por meio dela, pode-se entender a cultura e políticas internas das empresas e compreender seu funcionamento operacional. A comunicação interna contempla todas as formas de troca de informações utilizadas pela organização para se relacionar e interagir com os seus públicos ou segmentos. Segundo Riel (1995), engloba assim um grupo heterogêneo de atividades tais como relações públicas, estratégias organizacionais, marketing corporativo, propaganda corporativa, comunicação interna e externa, entre outras. A comunicação interna, segundo Curvello (2002), abrange três outras formas de comunicação: • Comunicação administrativa: memorandos, cartas, circulares, instruções; • Comunicação social: boletins, jornais internos, vídeos, jornais e revistas; •Comunicação interpessoal: funcionário/funcionário, alta administração/funcionário.

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Sendo assim, a comunicação interna ocorre em paralelo com a circulação normal da comunicação que permeia todos os departamentos da organização, possibilitando a troca de informações e experiências a partir da participação dos atores organizacionais e da interação entre os diversos setores da empresa, mostrando-se como uma ferramenta estratégica que possibilita o diálogo. Porém, a comunicação dentro da organização não ocorre sozinha e envolve uma ação integrada de meios, formas, recursos, canais e objetivos. Com o passar do tempo, os canais e as redes de comunicação se tornaram uma ferramenta importante nas organizações, à medida que facilitam as transmissões de informações em um período mais curto, fazendo com que os funcionários se sintam mais seguros e desempenhem as suas tarefas de modo mais produtivo e eficiente. Como afirma Angeloni (2010, p. 80), “por meio da comunicação interna é possível motivar e comprometer as pessoas, conhecer a sua opinião, sentimentos e aspirações, sendo, portanto, utilizada para estimular a participação ativa de todos os integrantes da organização nas ações organizacionais, gerando um consistente fator de satisfação”. Para Kunsch (2003), a comunicação interna é uma ferramenta estratégica dirigida principalmente aos funcionários e apresenta, como objetivo primordial, a integração máxima entre eles e a organização. A digitalização e a convergência das mídias alteraram o comportamento dos que as usam e têm provocado mudanças nas práticas de comunicação, favorecendo a construção de novas ferramentas e estratégias (KUNSCH, 2007; NASSAR, 1997). Segundo Corrêa (2005), a comunicação digital consiste na adoção das ferramentas disponibilizadas por ela para facilitar e dinamizar a comunicação integrada nas organizações. A utilização destas novas ferramentas muda a comunicação, tornando-a ágil, instantânea, potencialmente eliminando intermediários entre emissor e receptor e, muitas vezes, confundindo esses dois papéis, que passam a ser desempenhados de forma interativa por empresas e consumidores (CORRÊA, 2008; TERRA, 2009). As organizações passam a rever o conceito de público interno ou externo, e os públicos passam a ser algo em constante transformação e de natureza incontrolável (KUNSCH, 2007). A literatura tradicionalmente se refere às mídias tradicionais como o conjunto dos seguintes veículos: outdoors, mala direta, revistas, jornais, rádio e televisão. Já a internet é ainda classificada como uma nova mídia (COUTLER; SARKIS, 2005). No entanto, como mui76

tas das mídias existentes estão sendo transformadas, talvez o mais correto seja chamá-las de mídias digitais (CORRÊA, 2008). Para Santaella (2003) e Primo (2008), ainda é recorrente a associação de “mídia” em referência aos meios de comunicação de massa. “Entretanto, o surgimento da comunicação teleinformática veio trazer consigo a ampliação do poder de referência do termo mídias que, desde então, passou a se referir a quaisquer tipos de meios de comunicação, incluindo aparelhos, dispositivos ou mesmo programas auxiliares da comunicação.” (SANTAELLA, 2003, p. 62).

Neste artigo, a intranet, o e-mail, as redes sociais, os blogs e os microblogs, serão tratados como espaços de mídias digitais. Atualmente, a internet está presente em praticamente todas as organizações. De acordo com Brynjolfssonn, (apud MANGELDORF, 2007), o futuro ampliará ainda mais sua importância, já que o modo como as pessoas lidam com tecnologia passará por muitas transformações. Após a bolha do “ponto com” dos anos 2001 e 2002, o uso da internet vem se reconfigurando. Recentemente, novas tecnologias levaram à criação do termo Web 2.0, entendido como plataforma para aplicativos e novos modelos de negócios baseados na interatividade e colaboração, continuamente atualizados pelos próprios usuários. O rápido avanço da internet e o advento de distintas mídias digitais têm impacto na comunicação interna das organizações e, em específico para este artigo, na comunicação entre líderes e liderados. Na comunicação face-a-face, a transmissão de recados, diretrizes e normas organizacionais não é uma tarefa muito difícil para os líderes. Entretanto, transmitir as mesmas diretrizes torna-se mais complexo quando se trata de usar a comunicação on-line, pois não se pode olhar as pessoas nos olhos e perceber suas reações perante o que se está expondo a elas. Nessa circunstância, faz-se necessário o entendimento das consequências que as mudanças na forma de comunicação podem acarretar nas relações interpessoais entre líderes e liderados. 3 A COMUNICAÇÃO INTERPESSOAL E A COMUNICAÇÃO ONLINE NAS ORGANIZAÇÕES Robbins (2000) chama de comunicação interpessoal a comunicação entre duas pessoas, seja em situações face-a-face ou em 77

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em grupo, no qual as partes são tratadas como indivíduos e não como objetos, ocorrendo de forma mais próxima e pessoal. Sendo uma das principais habilidades interpessoais e de comunicação organizacional, a comunicação interpessoal promove a interação entre diversos indivíduos ou grupos. Berlo (1999), afirma que o principal objetivo da comunicação interpessoal é a interação e que esta envolve as questões de interdependência entre a fonte ou transmissor e o receptor como condição necessária à comunicação humana. Essa comunicação difere de outras formas por existirem poucos participantes envolvidos. Neste tipo de relação, as pessoas que estão interagindo se encontram em grande proximidade física uma da outra, existindo múltiplos canais sensoriais utilizados, e o retorno é imediato. Por isso, ela ocorre entre pessoas que convivem durante algum tempo. Estas veem umas as outras como indivíduos únicos e não como um grupo social agindo fora de situações sociais. Na comunicação interpessoal, as mensagens são constituídas por palavras e insinuações não verbais, os interlocutores recorrem muito mais a conversas face-aface, ao telefone e aos e-mails como canais básicos (ROBBINS, 2000). Diante do exposto, podemos dizer que a comunicação interpessoal nada mais é do que relação, ou seja, as relações humanas surgem através das ações de ambos os indivíduos que intervêm na relação, por meio das interações. Para Fisher e Adams (2006, p. 29): “A comunicação interpessoal é o processo de criação de relações sociais entre pelo menos duas pessoas que agem de forma concertada uma com a outra”. Uma forma tradicional e fundamental de comunicação interpessoal que acontece dentro das organizações é a comunicação face-a-face. Ela ocorre em todos os níveis hierárquicos e está presente em todos os espaços físicos ocupados pelas pessoas nas empresas. Sabe-se que, na atualidade, muitas organizações estão adotando, também, ferramentas de comunicação on-line, e não se pode afirmar que a comunicação por meio de computadores interligados substituirá totalmente a comunicação face-a-face. No entanto as novas tecnologias de informação e comunicação (NTIC’s) são fundamentais no mundo contemporâneo e se fazem necessárias para aproximar virtualmente as pessoas. Segundo Robins (2002), com o advento da TI, as estruturas estão mais orgânicas na medida em que a comunicação interna se torna mais informatizada, permitindo que os funcionários saltem níveis hierárquicos e eliminem intermediários, favorecendo o processo de comunicação. Porém, não se pode esquecer que a TI facilita uma co-

municação cujo foco é o conteúdo, ideal para transmissão de dados técnicos e numéricos, expressa por uma linguagem linear que, conforme Senge (2000), não é suficiente para dar conta de outros aspectos mais sutis que dizem respeito ao sujeito comunicante, principalmente aqueles ligados às emoções, que só podem ser expressos pelo diálogo, os quais Watzlawick et al (1993) chamam de aspectos de relação. Dessa forma, pode-se dizer que a comunicação face-a-face nos ambientes de trabalho é um processo de construção mútua de relacionamento pessoal que transmite, de forma clara e confiável, as comunicações que as pessoas desejam manifestar. Nesse contexto, permite-se afirmar que a interação face-a-face é fator essencial no ambiente de trabalho e, quando somada à comunicação on-line, tem como resultado uma comunicação profissional que possibilita a realização de tarefas como operações administrativas e operacionais, criação e desenvolvimento de estratégias de negócios e nos processos de liderança (PROETTI, 2004). Portanto, entende-se que, se a comunicação interna nas organizações for estruturada e planejada, melhor será o relacionamento das pessoas no ambiente de trabalho e melhor será o trabalho em equipe realizado. Para isso, os líderes das equipes de trabalho devem tentar aprimorar esse processo, sendo essencial que se obtenha um fluxo de comunicação que não se interrompa e seja eficaz na compreensão das mensagens transmitidas, tanto de forma pessoal quanto de maneira on-line.

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4 METODOLOGIA O presente trabalho é de natureza descritivo-exploratória e de cunho qualitativo. Segundo Sampieri, Collado e Lúcio (2006), os estudos descritivos medem, avaliam ou coletam dados sobre diversos aspectos, dimensões e componentes do fenômeno a ser pesquisado. Quanto à pesquisa exploratória, serve para examinar um tema que foi pouco estudado, ou não foi abordado antes (SAMPIERI, 2006). Ainda, para Roesch (1999), a pesquisa de cunho descritivoexploratório restringe-se a um número reduzido de casos, por buscar e descrever as características do fenômeno, sem buscar estabelecer relações ou explicações causais. Além disso, o estudo utiliza uma abordagem qualitativa do fenômeno objeto da investigação. Sem pretensões de generalização

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dos seus achados para o segmento do qual participa a empresa analisada, busca-se ter acesso ao conjunto de mídias digitais que estão sendo utilizadas na interação entre líderes e liderados no que tange à comunicação on-line estabelecida por esses, bem como as suas consequências nas relações interpessoais. Desse modo, o caráter qualitativo do estudo justifica-se por ser adequado a situações que buscam compreender aspectos psicológicos relacionados ao fenômeno em estudo (RICHARDSON, 2008). Sampieri, Collado e Lúcio (2006) complementam sugerindo que o enfoque qualitativo tem como ponto de partida uma realidade a ser descoberta. Essa realidade é construída pelo(s) indivíduo(s) que dá (dão) significados ao fenômeno social, por meio do uso de uma linguagem natural e tem como finalidade buscar entender o contexto e/ou o ponto de vista do ator social. No intuito de atender ao objetivo proposto, compõem a unidade de análise do presente estudo 14 colaboradores com cargos de liderança de uma empresa do setor de varejo da cidade de Santa Maria, Rio Grande do Sul. Nesta pesquisa, esses gestores são tratados como R1 para o Respondente 1, R2 para o Respondente 2 e, assim, sucessivamente. No que tange à coleta de dados, utilizou-se um questionário com dados demográficos e indicadores da comunicação on-line, das mídias digitais e das relações interpessoais entre líderes e liderados, com questões fechadas, abertas e de múltipla escolha, elaborado por Sidney Proetti (2004). Com relação à análise dos dados, realizou-se uma análise descritiva simplificada com as médias das questões e aplicou-se a técnica de análise de conteúdo. De acordo com Bardin (1991), a análise de conteúdo é um conjunto de práticas de análise das comunicações com o intuito de obter, procedimentos, sistemáticos e objetivos de descrição do conteúdo das mensagens, indicadores (quantitativos ou não) que permitam a inferência de conhecimentos relativos às condições de produção/recepção (variáveis inferidas) destas mensagens.

5.1 Perfil dos Respondentes A pesquisa foi realizada com os líderes de uma empresa do setor de varejo da cidade de Santa Maria, Rio Grande do Sul. Dos 14 questionários encaminhados, obteve-se o retorno de todos os respondentes. Do total de respondentes, 93% possuem cargo de Gerente e 7% atuam como Coordenadores Administrativos, conforme perguntado na questão nº1. No que tange ao número de colaboradores que os gestores lideram, questão nº 2, 93% dos respondentes lideram até 50 pessoas e 7% lideram acima de 151 pessoas. Com relação à questão nº 3 “Você utiliza algum programa on-line que permita a comunicação com seus liderados?”, 57% dos respondentes afirmaram que NÃO e 43% responderam que SIM, utilizam algum programa on-line que promova a comunicação com os liderados. No intuito de atingir o objetivo desta pesquisa, que é analisar as mídias digitais utilizadas na comunicação on-line entre líderes e liderados e suas consequências nas relações interpessoais em uma empresa do setor de varejo, somente foram consideradas os líderes que responderam SIM à questão nº3, o que equivale a 6 gestores do total de 14 que responderam à pesquisa. A descrição e análise das respostas desses gestores serão realizadas no próximo item. As apresentações que seguem demostram cada questão, a partir da de nº4 até a última, nº11, com as argumentações e fundamentações pertinentes, tendo como base o referencial teórico abordado.

5 RESULTADOS Neste tópico são apresentados os principais achados da pesquisa, que caracterizam os respondentes, oferecendo e discutindo os dados em resposta ao objetivo desse trabalho.

5.2 Análise e Comentários das Questões nº4 e nº5 A questão nº4 foi fundamental para o estudo desenvolvido, pois permitiu identificar a frequência com que os supervisores utilizam o computador ou outros dispositivos eletrônicos com acesso à Internet para se comunicar com seus liderados quando precisam transmitir tarefas. De modo geral, 29% dos gestores comunicam-se com seus liderados entre 1 e 10 vezes por dia e 14%, acima de 20 vezes por dia. Essas respostas confirmam que o computador e os outros dispositivos eletrônicos com acesso a internet são canais de comunicação que apoiam os gestores para o exercício de suas lideranças. De acordo com o que evidencia a questão nº5, as principais mídias digitais utilizadas pelos gestores para se relacionar e transmitir

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tarefas para os seus liderados foram: e-mail (100%), intranet (67%) e redes sociais (50%). Como essa era uma questão de múltipla escolha, os gestores poderiam escolher mais de uma opção, assim observase o predomínio do uso do e-mail, que foi escolhido por todos os respondentes como principal mídia digital de comunicação. Outras mídias como grupos de e-mail e blogs não foram citadas pelos gestores. Ainda, é válido ressaltar que a intranet continua possuindo um papel importante como via de comunicação entre líderes e liderados. Além disso, nos dias atuais, nem as organizações, nem os gestores da comunicação empresarial poderão desconsiderar o avanço e o fortalecimento das redes sociais na sociedade, como demonstram as respostas da questão nº5. Desse modo, Recuerdo (2009) argumenta que a abordagem da rede social permite que compreendamos a difusão de informações de forma mais clara nas organizações e nos tipos de grupos que podem surgir. A metáfora da rede apresenta um modo interessante de compreender fenômenos contemporâneos da comunicação mediada pelo computador, o que, em larga escala, deixou mais complexos os fluxos comunicativos de nossa sociedade contemporânea. Dessa forma, é possível compreender que o sucesso das redes sociais na comunicação interna está diretamente ligado ao estilo de gestão praticado nas organizações. 5.3 Análise e Comentários da Questão nº6 A questão nº6 tem o objetivo de verificar se o uso da comunicação on-line pelos líderes no ambiente de trabalho prejudica, por algum motivo, o processo de liderança. Essa questão permitiu entender e perceber as necessidades de comunicação presencial em relação à on-line. A maioria dos gestores acredita que a comunicação on-line não enfraquece o processo de liderança, sendo que 29% afirmam que complementam o processo de liderança com encontros presenciais para esclarecer dúvidas sobre as ordens transmitidas e 7% colocam que até o momento nunca tiveram problemas com a comunicação online para liderar. Apenas 7% dos gestores alegam que a comunicação on-line pode prejudicar o processo de liderança, devido a acreditarem que as pessoas sentem falta de reuniões presenciais. De tal modo, as respostas obtidas na questão nº6 demonstram claramente que a comunicação on-line não é vista pelos líderes como fator de enfraquecimento ao processo de liderança, isto é, nos relacio82

namentos que fazem com que os líderes distribuam tarefas e ordens aos seus liderados. Isso também é evidenciado na justificativa do uso da comunicação on-line pelos gestores, conforme coloca o respondente R2 “A comunicação on-line é bem aceita entre os gerentes.” Esse resultado remete à Castells (1999), que trata sobre a expansão da comunicação mediada por computadores, quando afirmou que esse tipo de comunicação se expandiria e alcançaria proporções substanciais da população do mundo industrializado. Os líderes, em sua maioria, escolheram a alternativa da questão que expressa a importância dos encontros presenciais para que possa haver esclarecimentos de dúvidas sobre as ordens transmitidas pelos líderes aos seus liderados. O respondente R6 coloca que “a comunicação on-line é essencial porque possibilita a velocidade, que é um fator de muita importância para as organizações. É muito importante também que se tenham encontros presenciais, pois esses podem permitir uma discussão mais aprofundada”. Do mesmo modo, R8 afirma que “usar só a internet é insuficiente. Mas ela agiliza questões técnicas, pode ajudar a formalizar decisões”. Isso demonstra, de forma geral, a preocupação dos gestores de manterem encontros presenciais de forma constante com seus liderados, já que sentem que essa prática contribui para que os liderados se sintam seguros, orientados e possam interpretar suas comunicações de forma clara e pessoal (BUENO, 2003). Conclui-se, com essa análise, que a comunicação on-line não enfraquece nem prejudica a relação das pessoas nos processos de liderança, entretanto há necessidade de manter encontros presenciais para que não se percam os costumes e princípios da sociedade em relação à troca de maneira pessoal. Nesse aspecto, Figueiredo e Giangrande (1999), manifestam a necessidade dos encontros presenciais, porque afirmam que a comunicação virtual assume um modo impessoal e que essa não poderá substituir por completo os encontros presenciais. Percebe-se, assim, que as pessoas que trabalham na organização pesquisada mesclam as formas de comunicação e fazem questão de manter os encontros presenciais para desenvolverem seus trabalhos e manter contatos permanentes de modo face-a-face. 5.4 Análise e Comentários da Questão nº7 Nesta questão, buscou-se verificar se os líderes percebem alguma dificuldade por parte dos seus liderados para entenderem as 83

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comunicações enviadas de modo on-line durante o processo de liderança no ambiente de trabalho. Pôde-se perceber que 21% dos gestores declaram que às vezes seus liderados apresentam dificuldades em entender algumas comunicações, ordens e informações enviadas pela comunicação on-line e faz-se necessário esclarecimento pessoal. Do mesmo modo, outros 21% dos gestores afirmam que a comunicação on-line não é bem recebida pelos seus liderados. Esse resultado demostra que a organização necessita enfrentar algumas dificuldades para se ajustar a essa nova realidade on-line. No entanto, apenas dominar a tecnologia não é suficiente, outras adequações são necessárias, como afirma Bueno (2003): as organizações ainda encontram dificuldades para se adaptar às novas mídias, com formatos e linguagens ainda insuficientemente explorados, mas, paulatinamente, vão descobrindo formas de conviver com elas. As intranets ocupam espaço cada vez mais importante no processo de comunicação interna e o uso de newsletters eletrônicas, sobretudo para dar suporte à circulação de informações gerenciais, é uma realidade. Os gestores da comunicação empresarial, no entanto, devem estar atentos ao aumento da vulnerabilidade que a aceleração da informação imprime, planejando com cuidado a utilização dos meios eletrônicos (BUENO, 2003, p.61).

Dessa forma, essa realidade comunicacional impõe a procura de estratégias comunicacionais que comtemplem as diferenças e contradições presentes nas interações de líderes e liderados, bem como as perspectivas da organização e de seus atores internos. Sendo assim, é necessária a interseção de três dinâmicas: contexto, discurso e interlocutores envolvidos (FRANÇA, 2006). O resultado evidencia um predomínio do uso da comunicação presencial em relação à on-line. Portanto, é importante ressaltar que a comunicação on-line é um canal de comunicação que está ocupando espaço no ambiente interno das empresas, mesmo que o resultado analisado mostre que ela não substitui a comunicação face-a-face. 5.5 Análise e Comentários da Questão nº8 A questão nº8 buscou compreender se a comunicação online colabora para facilitar a comunicação entre líderes e liderados. Conforme o resultado, a totalidade dos gestores (100%) acredita que SIM, que esse tipo de comunicação contribui para promover a comuni84

cação com seus liderados, bem como julgam ser uma forma rápida, econômica e de elevado alcance. Os padrões e as características da comunicação on-line alteram a velocidade com a qual a Comunicação Organizacional é realizada. Para o respondente R2 a comunicação on-line facilita “principalmente quando as pessoas estão em locais diferentes geograficamente, o uso da comunicação on-line agiliza os processos de decisão e solução de problemas”, do mesmo modo o respondente R10, acredita que a comunicação-online é necessária “pois muitas vezes estamos longe, e é preciso se comunicar ou deixar algo importante registrado”. Esses aspectos corroboram a ideia de Castro e Araujo (2012) de que, com a presença das tecnologias digitais, o tempo em que era preciso estar fisicamente próximo para interagir, típico da comunicação organizacional tradicional, tem ficado para trás. Além disso, para o respondente R6, a comunicação on-line “imprime velocidade às decisões e preserva registros” e, para R8, ela é “instantânea e econômica”. Dessa forma, a velocidade associada à comunicação on-line faz com que as estratégias de comunicação precisem ser cada vez mais elaboradas. A busca de estratégias criadas a partir de uma visão autocentrada da organização é a perspectiva contemporânea para pensar os processos comunicacionais no âmbito organizacional (OLIVERIA e PAULA, 2010). O resultado deixa clara a aceitação dos gestores com relação às contribuições proporcionadas pela comunicação on-line. Deste modo, os gestores percebem a comunicação on-line como meio facilitador quando tem que se dirigir aos seus liderados a distância, e como meio ágil e econômico de transmitir as tarefas e guardas registros. 5.6 Análise e Comentários da Questão nº9 A questão nº9 teve por objetivo verificar a opinião dos líderes sobre os encontros presenciais e a comunicação face-a-face nos processos de liderança, ou seja, no dia a dia, no ambiente de trabalho, quando exercem liderança sobre seus colaboradores. Os resultados mostram que 29% dos gestores acreditam que é necessário que haja encontros presenciais, visto que eles ajudam a esclarecer dúvidas pessoalmente. Ainda, 14% colocam que os colaboradores devem comparecer no ambiente de trabalho para esclarecer dúvidas, manter contatos pessoais e manter o vínculo com a organização. 85

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Como observado nas análises da questão nº 6, sobre a comunicação on-line – que demonstraram que os gestores usam essa forma de comunicação, mas não substituem a comunicação face-aface –, as respostas da questão nº 9 são categóricas e mostram que os encontros presenciais são essenciais para o bom desenvolvimento das tarefas e para que as pessoas não percam o contato humano. Para o respondente R10, “o ser humano necessita deste contato pessoal é importante à troca de ideias pessoalmente, o contato parece ser mais receptivo, às vezes a comunicação on-line se torna um pouco fria”. De acordo com R12, “embora a tecnologia hoje domine o meio de comunicação entre as pessoas, o encontro entre as pessoas é muito importante para resolver certos assuntos”, também R7 coloca que “as pessoas e as organizações ainda não estão preparadas para utilizarem apenas a comunicação on-line, é preciso desenvolver essa cultura e habituar-se a esse sistema”. Segundo Wolton (2004), as relações mediadas por computadores não se utilizam de todos os sentidos humanos, existe a privação da presença, o que não permite uma interação mais completa. Essas escolhas demonstram que os encontros presenciais, sejam eles reuniões individuais ou em grupo, são essenciais para as pessoas que necessitam conviver em sociedade. Para R2, “os encontros presenciais são usados quando necessário, se a informação demanda mais detalhamento, mas na maioria das vezes a comunicação fica só on-line” e R8 afirma que “a comunicação on-line é insuficiente, às vezes os assuntos são sigilosos, requerem discussões ou explicações”. O esclarecimento de dúvidas na comunicação face-a-face, bem como um melhor detalhamento das informações, ainda é, na atualidade, preferido pelos trabalhadores, e os líderes o demonstram nessa pesquisa. Para fortalecer e fundamentar essa preferência, podese referenciar o exemplo de Burton e Dimbleby (1990), quando evidenciaram a importância da empatia como uma habilidade, visto que ela permite às pessoas avaliarem-se e perceberem seus atos e respostas (feedback). As respostas dos gestores para a questão nº 9 confirmam que a comunicação presencial/face-a-face é uma condição de trabalho fundamental. Afinal, garante a convivência das pessoas no ambiente de trabalho e mantém o vínculo pessoal e trabalhista.

cessos de liderança. Para 83% dos gestores, a comunicação on-line ajuda a distribuir tarefas e transmitir ordens gerenciais, para 67% deles, ela auxilia a esclarecer as ordens transmitidas nas reuniões presenciais. Ainda, 33% dos gestores colocam que ela ajuda no gerenciamento das pessoas, pois mantém o contato permanente. O resultado da questão nº 10 evidencia que a totalidade dos gestores expressou sua opinião escolhendo alternativas com respostas que aprovam a comunicação on-line, fato já demonstrado anteriormente em outras questões, como um meio complementar que ajuda no dia-a-dia de trabalho, quando estão desempenhando suas funções como líderes. Dessa forma, o respondente R2 diz que “atualmente usamos constantemente a comunicação via e-mail e a intranet para auxiliar no processo de gestão”, R10 afirma que “às vezes é mais fácil entender uma ordem depois que você a lê, consegue entender melhor determinado processo” e, para R12, “com a comunicação on-line tudo ocorre mais rápido e com isso não se desperdiça o tempo de trabalho.” Conforme Albertin e Moura (2004), essa aceitação da comunicação on-line pelos gestores advém da oferta de novas tecnologias de informação e comunicação, de modo que seu aproveitamento amplo e intenso pelas organizações, além de ser uma realidade nos vários setores da economia, é também condição básica para as empresas sobreviverem e competirem. De modo geral, pôde-se notar que os líderes da empresa estão habituados, em sua maioria, a utilizar a comunicação on-line para complementar suas ações de liderança e preocupam-se em manter os encontros presenciais como meio principal de comunicação. Não se deve negar que há resistência às novas tecnologias de informação como os meios virtuais de comunicação pelo computador. Entretanto, o que se percebeu neste estudo é que, para esses líderes, os encontros presenciais são uma questão de bem-estar, companheirismo e de necessidades profissionais em esclarecer tarefas, projetos e trabalhos do dia a dia que requerem a presença humana.

5.7 Análise e Comentários da Questão nº10 A questão nº 10 buscou averiguar a opinião, de forma geral, dos líderes da empresa pesquisada, sobre a comunicação on-line nos pro-

5.8 Análise e Comentários da Questão nº11 A questão nº 11, última da pesquisa, teve por objetivo verificar se os líderes utilizam a comunicação on-line para efetuar contatos com seus liderados após o expediente de trabalho. As respostas demonstram que 29% dos gestores NÃO se comunicam via on-line com

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seus liderados após o expediente de trabalho, somente o fazem durante o trabalho pelos diversos motivos já expressos nas análises anteriores. O restante dos gestores (14%) se comunica dia sim, dia não, com seus liderados após o horário de expediente, e nenhum dos gestores respondeu que se comunicam todos os dias com seus liderados após o expediente de trabalho. Desse modo, os gestores que utilizam a comunicação on-line após o expediente de trabalho podem ser chamados de “teletrabalhadores”. Vigneron (1998) afirma que a sociedade humana está caminhando para um novo e desconhecido mundo e chama os teletrabalhadores de nômades, porque acredita que as pessoas operam e produzem a distância por meio da comunicação on-line. Embora não ocorra externamente e a comunicação on-line seja considerada como complementar à comunicação face-a-face, é perceptível nos resultados/respostas desta pesquisa que os líderes estão em processo de transformação para a sociedade da tele informação criada pelas novas tecnologias de comunicação. O fato de a maioria dos supervisores não se comunicarem com seus liderados após o expediente de trabalho não significa que possam se manter dessa forma permanentemente. Esse costume pode ser modificado de acordo com as situações e realidades de mercado que eles possam vir a enfrentar. Mesmo que esse processo se inicie por motivos não profissionais (por exemplo, interação nas redes sociais) já se terá um ponto de partida para que, num futuro próximo, esses líderes possam iniciar contatos para tratarem sobre assuntos de trabalho. Isso é evidenciado por alguns dos gestores manifestarem que já estão se comunicando com seus colaboradores posteriormente ao expediente de trabalho.

Esta pesquisa proporcionou o estudo das mídias digitais utilizadas na comunicação on-line entre líderes e liderados e suas consequências nas relações interpessoais em uma empresa do setor de varejo. Dessa forma, foi possível identificar como mídias digitais mais utilizadas pelos gestores da empresa analisada o e-mail, a intranet e as redes sociais. É válido destacar o predomínio do uso do e-mail, mídia digital que foi escolhida por todos os respondentes como forma de realizar a comunicação on-line.

Percebeu-se, com os resultados alcançados, os quais traduzem as consequências do uso da comunicação on-line, que, de forma geral, ela é aceita pela maioria dos gestores da empresa. Os gestores utilizam a comunicação on-line para complementar as explicações sobre tarefas, para esclarecer dúvidas sobre ordens gerenciais transmitidas e para dar fluência nas informações cotidianas da empresa. Além disso, a comunicação on-line contribui para poupar tempo, otimizar processos de trabalho e registrar informações, bem como permite o contato dos líderes com seus colaboradores fora do ambiente e horário de trabalho. Outra observação importante é que há uma preocupação dos líderes pesquisados no aspecto de preservar os encontros presenciais da organização. Os gestores afirmaram a importância da comunicação face-a-face/presencial e demonstraram que, nessa organização, os encontros presenciais, além de fazerem parte da cultura organizacional, são essenciais para o bom andamento e desempenho do trabalho. Ainda, colocaram que há a possibilidade de interpretação de ordens gerenciais de forma falha/errônea pelos liderados, sendo preciso esclarecê-las presencialmente e que é necessário complementar a comunicação on-line com encontros presenciais, pois as pessoas sentem falta e querem estabelecer relacionamento humano face-a-face. É importante destacar que não se notou reprovação do meio de comunicação on-line, mas sim a preocupação de que ela não substitua os encontros presenciais. Pôde-se observar que a comunicação on-line possui muito mais consequências contributivas do que fatores de preocupação que causem prejuízos nos processos que são compostos pelo relacionamento entre líderes e liderados. As preocupações demonstradas pelos gestores são, de forma geral, uma consequência genérica, ou seja, abrangente, pois denotam o cuidado dos líderes em querer manter o trabalho em equipe, além de configurarem a forma de trabalho da organização pesquisada. Porém, é válido ressaltar que, para a totalidade dos líderes, a comunicação on-line facilita o processo de comunicação com os seus liderados. Entende-se como principal limitação deste estudo o fato de a unidade de análise ser composta por gestores de uma única organização, o que restringe a generalização das conclusões. Mais pesquisas são necessárias para estudar as mídias digitais utilizadas pelas organizações e pelos gestores e as consequências da comunicação on-line nas relações interpessoais das organizações. No entanto, espera-se que este estudo traga contribuições no sentido de

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

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de melhor entendimento do uso e das implicações da comunicação on-line em uma empresa do setor de varejo. Referências ALBERTIN, A. L.; MOURA, R. M. Tecnologia de Informação. São Paulo: Atlas, 2004. AMARAL, A.; RECUERO, R.; MONTARDO, S. Blogs.com: estudos sobre blogs e Comunicação. Momento Editorial. 2009 ANGELONI, M. T. Comunicação nas organizações na era do conhecimento. São Paulo: Atlas, 2010. BARDIN, L. Análise de conteúdo. Lisboa: Edições 70, 1991. BERGAMINI, C. W. Liderança: administração do sentido. São Paulo: Atlas, 1994. BERLO, D. K. O processo de comunicação: Introdução à teoria e à prática. São Paulo: Martins Fontes, 1999. BORDENAVE, J. O que é comunicação? São Paulo: Brasiliense, 1982. BRIGGS, A.; BURKE, P. Uma História Social da Mídia. Rio de Janeio: Zahar, 2006. BUENO, W. C. Comunicação Empresarial: Teoria e Pesquisa. São Paulo: Manole, 2003. BURTON, G.; DIMBLEBY, R., Mais do que palavras: Uma Introdução à Teoria da Comunicação. São Paulo: Summus, 1990.

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Comunicação Pública digital e cidadania: análise dos portais de municípios do Estado do Rio Grande do Sul com população superior a cem mil habitantes

and few opportunities for bilateral interactions between governments and citizens. Keywords: public communication, citizenship, digital democracy; mediatization.

Bruno Kegler Maria Ivete Trevisan Fossá

Resumo: Este artigo resulta da pesquisa intitulada “COMUNICAÇÃO PÚBLICA E DEMOCRACIA DIGITAL: as estratégias comunicacionais dos portais de municípios gaúchos com mais de cem mil habitantes”, que analisa a comunicação dos portais governamentais dos dezoito municípios mais populosos do estado do Rio Grande do Sul, Brasil. A temática nasce da intersecção entre duas noções teóricas principais, comunicação pública e democracia digital, e objetiva a análise dos dados coletados frente aos pressupostos teóricos destas. Para a coleta de dados, utilizou-se a planilha de Silva (2005b), a análise é crítica e interpretativa e os resultados apontam para a predominância da ênfase informativa nos portais e para escassas possibilidades de interações bilaterais entre governos e cidadãos. Palavras-chave: comunicação pública; cidadania; democracia digital; midiatização. Abstract: This article results from a survey entitled “PUBLIC COMMUNICATION AND DIGITAL DEMOCRACY: analysis of the communication strategies of the portals of municipalities of Rio Grande do Sul State with a population exceeding one hundred thousand inhabitants”, which analyzes the communication of government portals of the eighteen most populated municipalities of the state of Rio Grande do Sul, Brazil. The issue arises from the intersection of two major theoretical notions, public communication and digital democracy, and objective analysis of the data collected in the face of these theoretical assumptions. To collect the data, we used the spreadsheet of Silva (2005b), the analysis is critical and interpretive and the results show the predominance of the informative emphasis 96

INTRODUÇÃO Este estudo analisa as estratégias comunicacionais nos portais dos dezoito municípios gaúchos mais populosos. A partir das duas noções teóricas principais, a problemática situa-se no contexto midiatizado contemporâneo, com o pressuposto de que o fenômeno da midiatização (SODRÉ, 2002) traz implicações a sujeitos e instituições, públicas e privadas, devido à centralidade que os meios de comunicação adquirem na condição de esfera de visibilidade e de sociabilidades. Neste sentido, ao estudarmos a comunicação pública dos Poderes Executivos municipais, reconhecemos os tensionamentos entre os interesses de atores políticos no uso dos portais para a construção da imagem pública e o uso das potencialidades comunicativas dos portais para a comunicação pública, sobretudo, quanto à perspectiva dialógica, que viabiliza ampliar e melhorar a relação entre governos municipais e cidadãos. Assim sendo, a reflexão que propomos está na análise da apropriação dos portais para estratégias comunicacionais que buscam a aproximação entre as esferas política e civil para atenuar os déficits de participação civil, na política e, tangencialmente, a visibilidade de atores políticos neste mesmo palco, alternativo aos meios de comunicação massivos e que se apresenta como alternativo\ complementar aos atores políticos na construção da imagem pública e conquista de credibilidade. Diante deste contexto, o objetivo geral é analisar as estratégias dos portais governamentais dos dezoito municípios mais populosos do Estado do Rio Grande do Sul, sob os pressupostos teóricos de comunicação pública e de democracia digital, os quais remetem à expectativa de oportunizar o exercício da cidadania. Daquele, derivam três objetivos específicos: observar como as potencialidades comunicativas da internet são empregadas na comunicação pública dos 97

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municípios; identificar indícios graduantes de democracia digital em cada portal; analisar, tangencialmente, o uso dos portais para fins ligados à visibilidade dos agentes políticos. O percurso metodológico está estruturado em coleta de dados nos portais municipais e classificação destes em graduações de democracia digital, através de planilha desenvolvida por Silva (2005b), assim como a análise crítica e interpretativa dos dados levantados diante dos aportes teóricos estudados. A estrutura do trabalho está dividida em quatro seções principais. Primeiro, abordamos as discussões teóricas sobre o fenômeno da midiatização para caracterizar as mudanças no papel dos meios de comunicação de massa, no decorrer das últimas décadas, até alcançarmos a configuração contemporânea de ambiência (GOMES, 2004) do contexto midiatizado (SODRÉ, 2002). Em seguida, apresentamos o estágio em que se encontram os estudos sobre comunicação pública, no Brasil, que é de construção conceitual. Na terceira seção, estão as reflexões teóricas sobre as causas do déficit de participação civil na política e o conceito de democracia digital, que emerge como alternativa teórica sobre o uso da internet para atenuar as lacunas constatadas. Também abordamos as diferentes graduações para análise de portais, proposta de Gomes (2005b), e que embasam a elaboração da planilha de coleta de dados aplicada neste estudo. Por fim, apresentamos as conclusões e as considerações finais. 1 MIDIATIZAÇÃO E COMUNICAÇÃO POLÍTICA Os estudos sobre comunicação e política passam por estágios que retratam, de certa forma, as concepções e funções atribuídas aos meios de comunicação, bem como as suas características técnicas nos diferentes contextos históricos e sociais. Esta dinamicidade pode ser visualizada através da compreensão dos modelos propostos por Gomes (2004) sobre a relação entre comunicação e política, em que define, cada um deles, como “um conjunto de práticas instituídas, de costumes e de habilidades que formam um padrão social, embora saiba que os padrões em geral correspondem às épocas e respondem a circunstâncias históricas” (GOMES, 2004, p. 45). O autor ressalta que os modelos diferentes convivem no interior do mesmo espaço social, porém sempre há uma fase técnica que delineia o modelo dominante. 98

O primeiro modelo considera, como comunicação de massa, a imprensa organizada como um sistema à parte do Estado, visto que a imprensa burguesa de opinião “situava-se fora da esfera reservada da política do Estado absoluto e funcionava como instrumento de discussão pública, portanto, instrumento também da dura crítica contra as zonas de segredo da decisão política” (GOMES, 2004, p. 46). Já o segundo modelo retrata a imprensa acrescida de diversas instituições e tecnologias de produção, reprodução, circulação e emissão de mensagens de forma massiva. Surgem o rádio, o cinema e a televisão, num contexto que considera a comunicação como negócio e no qual os “dispositivos técnicos para a comunicação de massa funcionam como extraordinários instrumentos para se organizar o gosto, as disposições e opinião do público sobre as questões de natureza política” (GOMES, 2004, p. 48). Nesta perspectiva, as instituições da comunicação de massa tinham uma função instrumental, fazendo a mediação entre políticos e cidadãos. E, finalmente, o terceiro modelo, que passa a ter centralidade nos estudos sobre comunicação, no decorrer do século XX. Seus contornos são definidos pela indústria da informação, que “surge quando o mundo dos negócios se dá conta de que a informação pode se transformar num negócio cujas transações se realizam não mais com corporações e partidos mantenedores” (GOMES, 2004, p. 50). A cidadania deixa de ser preceito básico da prática jornalística e a credibilidade dos noticiários consolida-se diante de outras fontes. A partir da década de 1960, a reboque da indústria cultural e de comunicação, os meios de comunicação ensaiaram certa autonomia institucional e, aos poucos, atingiram a noção de ambiência, própria do século XXI. Ao relacionarmos estas transformações com a proposta de Sodré (2002), entendemos que, hoje, os meios de comunicação atuam para além das suas características técnicas e estruturam a ambiência midiatizada e a instrumentalidade passa a ser cada vez mais questionada. Essas transformações suscitaram reflexões acadêmicas, as quais, a partir de meados da década de 1990, elevaram “comunicação e política” à especialidade de estudo. As imagens passam a estruturar a cultura política, havendo a ênfase em “estratégias voltadas para a produção e administração de afetos e de emoções, para a conversão de eventos e ideias em narrativas e para o destaque daquilo que é espetacular, incomum ou 99

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1 Conforme o autor “referir-se ainda hoje a esses sistemas como ‘meios’ de comunicação significa ou um equivoco ou a mera sobrevivência, por inércia semântica, de uma fórmula verbal que corresponde a uma ideia superada do funcionamento da comunicação de massas em sua relação com a política” (GOMES, 2004, p. 60)..

escandaloso” (GOMES, 2004, p. 24); os públicos das estratégias políticas passam a ser as audiências dos meios, os quais se tornam clientes e consumidores, e menos o cidadão, ao qual “é pedida sua opinião, mas ele jamais pode discuti-la; seria desejado que se exprimisse racionalmente, mas só suas emoções são solicitadas” (CHARAUDEAU, 2011, p. 295). Ademais, em certa medida, isto denota o emocionalismo que Sodré (2002) aponta como característica da ambiência midiatizada, ou seja, as emoções atuam como critérios de julgamento pautado pelo imediatismo da experiência sensorial. Na contemporaneidade, o terceiro modelo é predominante e Gomes (2004) argumenta que é grosseiro considerar rádio, televisão e jornal apenas como meios de comunicação1 . No mesmo horizonte discursivo, Sodré (2002) indica que os meios de comunicação ampliam a sua atuação para além das suas funções, contextos e relações, condicionando os demais campos sociais pela lógica do fenômeno da midiatização, assim definido:

Neste contexto, os canais de comunicação do Estado podem ser complementares aos meios de comunicação massivos, entendidos como esfera de visibilidade. A comunicação pública do Estado é resultado de interesses conflitantes e coexistentes, que se entrechocam e ajustam, cujos tensionamentos podem passar despercebidos quando da assimilação e colocação em prática da lógica estetizada que rege o quarto bios. Diante desses aspectos, a reflexão que nos cabe é se o novo medium pode, em meio à predominância da esfera de negócios, contribuir para o resgate democrático das sociedades contemporâneas, mais especificamente, da sociedade em que estamos inseridos. Não é negar a lógica de dominação vigente, mas a reflexão sobre a criação de núcleos regionalizados dentro do bios midiatizado para a interação entre o governo e os indivíduos de uma determinada localidade, com objetivos democráticos.

[...] é uma ordem de mediações socialmente realizadas no sentido da comunicação entendida como processo informacional, a reboque de organizações empresariais e com ênfase num tipo particular de interação – a que poderíamos chamar de ‘tecnointeração’ –, caracterizada por uma espécie de prótese tecnológica e mercadológica da realidade sensível, denominada médium (SODRÉ, 2002, p. 21).

O condicionamento dá-se pela hibridização entre as formas tradicionais de vida e as novas formas criadas pela informatização, acompanhando a orientação mercadológica e tecnológica para determinar o funcionamento social. Há, na mediação tecnológica, no âmbito da midiatização, um espaço próprio e autônomo para que as relações estabeleçam-se, o quarto bios, capaz de orientar as representações em detrimento das mediações interativas tradicionais. A centralidade midiática, nos processos sociais atuais, impacta na comunicação do Estado, especialmente diante do papel que os meios exercem como promotores de visibilidade. Dos estudos de Charaudeau (2011) e Gomes (2004), compreendemos que a relação dos atores políticos com os meios de comunicação massivos é repleta de tensões, re-significações, insinuações e acusações que geram polêmica, que estruturam a disputa pela construção e manutenção da imagem pública daqueles.

2. COMUNICAÇÃO PÚBLICA: DISCUSSÕES CONCEITUAIS E AS REDES DE COMUNICAÇÃO PÚBLICA As pesquisas em comunicação pública iniciaram, no Brasil, na década de 1990 e, desde então, há um esforço entre pesquisadores para chegar a uma definição conceitual. Desde a tradução de La Communication Publique (1995), de Pierre Zémor, por Elizabeth Brandão, este texto tem sido referência para vários desses estudiosos. O fim da Ditadura Militar e a promulgação da Constituição Federal, na década de 1980, implicaram num complexo e diversificado quadro de mudanças sociais que “estabeleceram um sistema de participação e pressão social que forçou a criação de mecanismos para atender às exigências de informação e tratamento justo por parte do cidadão em sua relação com o Estado e as instituições” (DUARTE, 2011, p. 123). Brandão (2007) afirma que, desde então, há a necessidade de estimular o exercício da cidadania, levando o conceito em direção a um ideal democrático, quase utópico, vertente que influencia a concepção de comunicação pública até hoje. Porém, o pesquisador destaca que já há, em comum, entre os pesquisadores, o entendimento de que “diz respeito a um processo comunicativo que se instaura entre o Estado, o governo e a sociedade com o objetivo de informar para a construção da cidadania” (BRANDÃO, 2007, p.9), sendo este o significado que permeia a construção do conceito nos estudos acadê-

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2 Disponível em http://www.in.gov.br/ visualiza/index.jsp?dat a=07/06/2011&jornal= 1&pagina=2&. Acesso em 14.06.2011, às 14h15.

micos, no Brasil, também percebido nas palavras de Duarte (2007, p.60) que aproxima o conceito de um “etos, uma postura de perceber a comunicação como instrumento de interesse coletivo para fortalecimento da cidadania”. Para além das discussões acadêmicas, encontramos, na publicação do Diário Oficial da União2 , de sete de junho de 2011, instrução normativa que estabelece alguns conceitos relacionados à comunicação do Poder Executivo Federal. Destes, é relevante a compreensão do conceito de comunicação pública que deveria nortear os processos comunicativos do Estado, assim definido

A redação converge para as contribuições dos autores já referenciados por enfatizar o cidadão, a transparência, os conteúdos de interesse público e a prestação de contas, e, ademais, não estabelecer um conjunto de práticas que determine o que ela é, passando mais por preceitos, finalidades, critérios mais subjetivos e menos tangíveis. Além disso, a definição do que é a comunicação pública está menos em quem a produz e em práticas específicas, e mais na natureza das mensagens, que deve priorizar o interesse coletivo, sem conceder regalias a indivíduos ou grupos sociais. Portanto, manifestase pela intenção de promover a discussão, o debate, informar para a construção e o exercício da cidadania, podendo ocorrer em peças gráficas, em portais da internet, na televisão e no rádio. Dessas considerações, a perspectiva teórica sobre comunicação pública, aqui empregada, segue uma perspectiva dialógica, mas sem isentá-la de tensionamentos, na medida em que variados interesses intersectam-se e confundem-se. Aproxima-se mais de uma filosofia, uma diretriz de atuação, mas que pode estabelecer-se estrategicamente na articulação de objetivos, públicos e particulares, em busca de visibilidade e credibilidade, como explica Weber (2007, 2011). Weber (2011) traz a visibilidade ao centro da discussão sobre a comunicação do Estado e situa a relação paradoxal entre os interesses públicos e de atores políticos na comunicação do Estado. São relações

de poder intrínsecas às estratégias comunicacionais que se estabelecem na disputa por visibilidade e credibilidade entre os sistemas das redes de comunicação pública3 (WEBER, 2007). Para fazer frente aos demais sistemas, esta comunicação necessita ser informativa, persuasiva e promocional, exigindo altos investimentos e atuação constante e diversificada, sob a aura democrática da prestação de contas e da transparência estatal. Neste sentido, entendemos que as reflexões de Weber (2011) apontam que pode haver, simultaneamente, a sensação de ampliação de acesso ao Estado e, consequentemente, de poder dos cidadãos através da vigilância ao governo, mas também a atuação do governo em prol de maior autonomia, reconhecimento e legitimação para a manutenção no poder. Interesses públicos e políticos confundem-se em meio a esta comunicação, financiada pelo Estado, mas que pode ter, como maiores beneficiados ou interessados, aqueles que obtêm visibilidade, sujeitos e instituições. Reflexão consonante, Oliveira (2006) também aborda os paradoxos tensionais inerentes à comunicação pública contemporânea. Para o autor, “não é mais a origem que passa a dar a razão de existir do fenômeno, mas instâncias éticas que se sobrepujam, cada qual fazendo valer a sua interpretação da realidade e do Ser” (OLIVEIRA, 2006, p. 32). Quando a comunicação pública afasta-se da sua essência e passa a incorporar interesses diversos daqueles que sua natureza define, incorporando eticidades efêmeras, com prazo de validade de um ou dois mandatos eletivos, o Estado e seus fluxos de comunicação passam a atender aos objetivos de uma minoria que tem toda a responsabilidade decisória nas instâncias políticas. Os discursos tematizados pelo interesse público são, na verdade, a articulação de um complexo e contraditório conjunto de interesses secundários aos cidadãos, mas primários aos interlocutores que representam esta esfera civil. Tudo isto “não para deixar os indivíduos ignorantes daquilo que estão ouvindo/lendo, mas para impedi-los de equacionar isso com o conhecimento ‘normal’ de sua realidade cotidiana” (OLIVEIRA, 2006, p. 33). Não há como condenar o cidadão por aceitar, jamais passivamente, as promessas e alimentar, no seu imaginário, a expectativa de realização. São tensionamentos entre promessas de realização, de um lado, anseios e necessidades, de outro, que se encontram num jogo discursivo que envolve persuasão, sedução, ra-

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[...] a ação de comunicação que se realiza por meio da articulação de diferentes ferramentas capazes de criar, integrar, interagir e fomentar conteúdos de comunicação destinados a garantir o exercício da cidadania, o acesso aos serviços e informações de interesse público, a transparência das políticas públicas e a prestação de contas do Poder Executivo Federal (DIÁRIO OFICIAL DA UNIÃO, 07 DE JUNHO DE 2011).

3 As redes de comunicação pública são assim tipificadas: “Redes de Comunicação Social (sociedade civil orga¬nizada, entidades de representação, grupos organizados, organizações sociais); Comunicação Política (governo, parlamento, partidos e políticos); Comunica¬ção do Judiciário (poderes vinculados ao judiciário e a diferentes esferas jurí¬dicas); Comunicação Científica e Educacional (instituições de ensino, centros de pesquisa, agências de fomento); Comunicação Mercadológica (empresas e organizações privadas); Comunicação Religiosa (instituições, grupos, igrejas, seitas que fazem circular discursos esotéricos, espirituais, religiosos) e os Sis¬temas de Comunicação Midiática (organizações de produção e circulação de produtos jornalísticos, publicitários e de entretenimento)” (WEBER, 2007, p. 26).

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zão e emoção, e que resultam num substrato de representações simbólicas individuais, mas que podem ser coerentes com os demais membros de uma coletividade ou grupo social. Consideramos que, de forma simultânea, as TICs ampliam as possibilidades de relacionamento democrático entre Estado e cidadãos e de busca por visibilidade e credibilidade de instituições, partidos e agentes políticos. Em suma, entendemos que a hibridização de interesses públicos e privados, na comunicação pública, tem o seu espaço ampliado pelas novas tecnologias.

4 Segundo Gomes (2005a), a compreensão do que seria a participação política socialmente relevante varia bastante, devido, principalmente, ao modelo democrático que orienta cada estudo, podendo ir desde o exercício do voto e o acesso à informação, até a necessidade de deliberação frente às decisões do Estado.

3. O DÉFICIT DE PARTICIPAÇÃO CIVIL E A DEMOCRACIA DIGITAL De acordo com Gomes (2005a), o déficit democrático das sociedades contemporâneas é relacionado à falta de participação política4 da esfera civil, quadro que denomina crise do sistema democrático representativo ou liberal, caracterizado pelo comportamento apático e cético do cidadão frente à política e às expectativas sobre as realizações de um ator político. Não se reduz à falta de vontade ou ao desinteresse, e resulta da falta de formação política que constituída pelo “cruzamento entre desinformação, falta de oportunidades de participação e descrédito com a gestão pública” (DUARTE, 2011, p. 125). No centro da problemática deficitária, há a cultura política dos cidadãos, que carece de “elementar sentido de efetividade das práticas civis. Parece ausente a esta mentalidade a sensação de que há uma conexão entre causa e efeito entre a ação do cidadão e o modo como as coisas referentes ao Estado se decidem” (GOMES, 2005a, p. 60), ou seja, há a sensação de que não há sensibilidade estatal à participação civil. Sem se deter em causas pontuais para este quadro, Gomes (2005a) aborda questões que classifica como mais genéricas, dentro de um horizonte amplo de abordagens discursivas. Entre os argumentos mais correntes, um atribui à comunicação de massa a alienação da esfera civil sobre política, contemplando duas dimensões: a frustração com os meios de comunicação de massa, por suas potencialidades não serem empregadas para os fins democráticos e a responsabilização (culpa) pelo déficit de participação, não somente pelo que deixa de fazer, mas pelo que faz ser prejudicial à democracia. 104

O auge destas discussões preparou o terreno para as retóricas mais férteis sobre as potencialidades democráticas da internet, fase que durou até a segunda metade dos anos 1990. No período de maior encantamento, as discussões exaltavam a possibilidade de mobilização online da esfera civil para exercer pressão direta sobre os governantes, vigiar e cobrar as suas condutas, discutir temáticas públicas e influenciar em plebiscitos online. Do lado da esfera política, poder-se-ia comunicar diretamente com a esfera civil (sem a intermediação dos veículos de mídia), com custo reduzido de produção e de divulgação e com amplo alcance (GOMES, 2005a). Em razão de serem contemporâneas, as duas vertentes teóricas intensificavam seus argumentos, enquanto uma contrapunha os meios de massa, a outra acenava otimista à internet. O autor afirma que são reconhecidos os exageros das duas vertentes. Silva (2009a, 2009b) retira da comunicação a responsabilidade de resolver todos os déficits contemporâneos de participação das sociedades democráticas e traz à reflexão seis pontos elucidativos. No primeiro, situa que, além dos meios e dos sujeitos, é necessário que haja a cultura cívica, a disposição dos cidadãos e as condições cognitivas para que a comunicação ocorra. No segundo, lembra que a ambiência digital pode servir à democracia, mas também ao consumo, ao entretenimento, às interações em redes sociais e a interações motivadas por interesses bastante diversos. No terceiro, indica que pode se repetir o padrão de audiência dos meios de comunicação de massa, concentrando-se a maioria dos acessos em um número reduzido de sites e, no quarto tópico, atribui à comunicação digital a característica de complementaridade aos meios de comunicação de massa, desviando-se do argumento de substituição destes por aquela. Em quinto, salienta que a comunicação online não é intrinsecamente democrática, situando a responsabilidade nos sujeitos em comunicação. Por fim, reforça a necessidade de redimensionamento dos estudos sobre a relação entre internet e política, através da descentralização da participação política e da deliberação online, sem descartá-las ou diminuir a relevância, mas propondo uma análise sistêmica, que contemple e equilibre o peso de outros aspectos inerentes à democracia, como a visibilidade do Estado. Reconhecidos no âmbito acadêmico através de observações empíricas e discussões teóricas, esses parâmetros são ponderadores para a análise que envolve os déficits democráticos e as expectativas de superá-los através das tecnologias de informação e comunicação. 105

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Gomes (2011) observa que a discussão sobre a participação online deriva do debate tradicional mais amplo sobre a participação política e, por este motivo, herda suas lacunas e particularidades. Uma delas está no porquê da participação civil online. Neste sentido, explica que “a participação não é um valor democrático por ser um valor em si mesmo, mas apenas na medida em que pode produzir algum benefício para a comunidade política” (GOMES, 2011, p. 24), senão, todas as formas de participação civil teriam algum benefício democrático. Por isso, compreende por democracia digital

A iniciativa de democracia digital é o meio para que se obtenha o propósito planejado. Expresso em outros termos, para que se alcancem os resultados projetados e criem-se oportunidades e circunstâncias para o benefício efetivo à democracia. Além disso, a relação custo versus benefício necessita ser satisfatória aos cidadãos, através da conexão entre causa e efeito. Esta mensuração é dificultada pela intangibilidade dos sentimentos e das sensações e, neste sentido, é importante que haja “confluência do propósito específico de uma iniciativa com a meta democrática do fortalecimento da cidadania, a eficiência do primeiro redundará em eficiência do segundo” (GOMES, 2011, p. 31). Diante dessas considerações, os pressupostos que alimentam as expectativas de participação política civil, através da internet, podem ser sintetizados em atenuar ou combater o problema do déficit de participação civil na política, o que poderia ocorrer online de forma mais cômoda, conveniente e ágil; a ausência de intermediários, filtros e controles nos fluxos de informação entre as esferas política e civil que permitiria a comunicação bilateral entre políticos e cidadãos, além destes tornarem-se produtores de informação política. Frente às possibilidades e expectativas, Gomes (2005b) enumera diferentes graus de participação civil que a internet poderia proporcionar, os quais se aplicam genericamente às democracias liberais conhecidas. Abordaremos esta graduação, porque ela funda-

menta a planilha para avaliação dos graus de democracia digital (SILVA, 2005b), empregada na análise dos portais que compõem nosso corpus empírico. O primeiro grau é também o mais elementar e tem como características predominantes: a oferta de serviços públicos e de informações online. Este nível de democracia digital já se encontra bastante disseminado, servindo, inclusive, como argumento para a autopromoção de governos, através do discurso que exalta a modernização, a desburocratização e a agilidade dos serviços públicos, ademais, a redução de custos e a eficiência na gestão pública, com objetivos democráticos. Portanto, a relação mais se assemelha à organização/cliente, do que Estado/cidadão. O segundo estado de democracia digital consiste no uso da internet para verificar a opinião dos cidadãos sobre a agenda pública e se as informações podem ser aproveitadas ou não. Neste caso, há a busca pelo cidadão, mas o emissor continua sendo o Estado ou agente político, sem que haja o diálogo e o estímulo para o debate. Há, portanto, duas determinantes, neste estágio, a pré-disposição para receber e acatar a opinião pública, aliada ao emprego das TICs para criar e manter canais de comunicação (SILVA, 2005b). A partir do terceiro grau, a opinião dos cidadãos pode surtir algum efeito na esfera política. Silva (2005a) afirma que o terceiro nível “é representado pelos princípios da transparência e da prestação de contas (accountability), gerando uma maior permeabilidade da esfera governamental para alguma intervenção da esfera civil” (SILVA, 2005a, p. 455). A esfera civil não participa ainda das decisões políticas, mas há maior transparência para que os cidadãos acompanhem as decisões e condutas governamentais. Transparência e prestação de contas são os caracterizadores, permitindo a porosidade, permeabilidade estatal. O quarto estágio de democracia digital fundamenta-se nas características de democracia deliberativa, ou seja, na necessidade de diálogo e o confronto argumentativo para a resolução de problemas de interesse comum. Assim sendo, permite a participação civil mais intensa, ainda no modelo de democracia representativa. Já a realização do quinto grau de democracia digital fundamenta-se nos modelos de democracia direta e passa por uma transformação política mais profunda, tendo com resultado “um Estado governado por plebiscitos on-line em que à esfera política restariam exclusivamente as funções de administração pública” (GOMES, 2005b, p. 219).

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[...] qualquer forma de emprego de dispositivos (computadores, celulares, smart phones, palmtops, ipads...), aplicativos (programas) e ferramentas (fóruns, sites, redes sociais, medias sociais...) de tecnologias digitais de comunicação para suplementar, reforçar ou corrigir aspectos das práticas políticas e sociais do Estado e dos cidadãos, em benefício do teor democrático da comunidade política (GOMES, 2011, p. 28).

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COMUNICAÇÃO E CIDADANIA 5 É uma régua particular que tem “o objetivo de servir como ferramenta que possibilite detectar, mensurar e tipificar os graus de democracia participativa no corpus estudado” (SILVA, 2005b, p. 78). A aplicação é individualizada, através da observação online direcionada. São cinco subdivisões quanto à graduação de democracia digital proporcionada pelos portais e fundamentase na proposta de Gomes (2005a): primeiro grau de democracia digital ênfase informativa; primeiro grau de democracia digital ênfase em serviços; terceiro e segundo graus de democracia digital; quarto grau de democracia digital; quinto grau de democracia digital. Cada divisão contém perguntas objetivas, subdivididas em: objetos de interface (relativas à interface gráfica dos portais: e-mails e fóruns online) e objetos de conteúdos (informações, notícias, etc.). Os objetos ainda são caracterizados em: função política (A) e função de visibilidade (B). A função política (A) visa à identificação da “razão política” do objeto e a sua

Os graus de democracia digital servem como um sumário para organizar as reflexões sobre o emprego das tecnologias de informação e de comunicação para a participação política, mas não são excludentes entre si. Assim, permitem identificar “indícios ‘graduantes’ (e não determinantes) de um ideal democrático mediado por tecnologias da comunicação e informação” (SILVA, 2005a, p. 457). CONSIDERAÇÕES FINAIS Após a etapa de coleta de dados, através da planilha5 de Silva (2005b), foram encontrados apenas elementos referentes às três graduações mais elementares de democracia digital. No conjunto dos dezoito6 portais analisados, prevaleceu a ênfase informativa, em todos. Nesta tipificação, todos atenderam à maior parte dos itens investigados e indicaram já haver um trabalho de atualização e melhoria na organização e no volume de informações ofertadas. De um modo geral, os links procurados estavam na página inicial, o que facilitou a investigação, à exceção dos que se referiam às iniciativas de inclusão digital. Em relação aos emails que enviamos, convém registrar o descaso de sete prefeituras, mesmo sendo a ferramenta mais simples de interação bilateral. Já na tipificação da planilha que verificava a ênfase em serviços, apesar de apenas três terem superado a metade dos itens verificados, percebemos algumas iniciativas que estão em andamento7 e visam à implantação da infraestrutura técnica para a interligação e a centralização das informações da administração e dos serviços públicos online, a capacitação dos funcionários das prefeituras para o manuseio dos dispositivos tecnológicos e da informação. Neste sentido, entendemos que a operacionalização, o funcionamento e a eficiência dos serviços online também passam por um conjunto de ações conjugadas, que transcendem o ambiente digital do portal e que já estão em curso nos três municípios referenciados. Já em relação à tipificação segundo e terceiro grau de democracia digital, consideramos que é o estágio mais crítico quanto à apropriação das potencialidades dos portais para a comunicação pública, visto que ainda são limitadas as estratégias que buscam a opinião, a crítica e o diálogo com os cidadãos. Além disso, não fica evidente a preocupação em publicar os conteúdos das interações entre estes e o Poder Executivo municipal, o que pode revelar a reserva à crítica. Consideramos que po108

de revelar a reserva à crítica. Consideramos que respostas e justificações publicadas frente a demandas e questionamentos tornam-se potencial objeto da fala pública e de desdobramentos posteriores em novas conversações e debates em blogs, sites e redes sociais. Além disso, não há maior apuro no detalhamento dos dados na prestação de contas de recursos e despesas, nem na apresentação dos dados. Em geral, não há justificativas para os gastos, nem oportunidades para discutir a destinação do orçamento municipal. Essas constatações indicam que são escassas as estratégias que permitem a troca de informações online entre o governo municipal e a sociedade civil; a omissão de questionamentos, críticas e das respectivas respostas, com exceção ao portal de Canoas, onde o governo municipal expunha-se às críticas e aos questionamentos, através do canal “Ágora virtual” disponibilizado no portal. Em maior ou menor grau, percebemos que, em alguns portais, a comunicação pública é tensionada por interesses que vão de encontro ao interesse público. As observações apontam para a construção da imagem pública de atores políticos através da ampliação dos espaços de repercussão das realizações e dos discursos do prefeito, como nos portais de Bagé e de Viamão. Ante este quadro comunicacional conflitante, ao menos à crítica acadêmica, o uso dos portais tende a intensificar-se na comunicação pública dos municípios, frente ao contexto democrático e comunicacional contemporâneo, sejam quais forem os interesses norteadores, o interesse público e\ou de visibilidade para atores políticos. Os portais não são descolados do contexto em que se inserem, por isso, as mudanças são complexas e passíveis de análises constantes para que os benefícios não sejam efêmeros e sucumbam frente a outras eticidades, que não a do interesse do cidadão. Referências BRANDÃO, E. P. Conceito de comunicação pública. In: DUARTE, Jorge. Comunicação pública: estado, mercado, sociedade e interesse público. São Paulo: Atlas, 2007. CHARAUDEAU, P. Discurso Político. 2ª Ed. São Paulo: Contexto, 2011. DIÁRIO OFICIAL DA UNIÃO. Presidência da República. Brasília, 2011. Disponível em Acesso em 14 de junho, 2011.

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contribuição para a participação civil. A função de visibilidade (B) analisa a intenção de torná-lo visível para haver participação civil. Estes quatro aspectos são as diretrizes que orientam a construção das questões da planilha, bem como as atribuições valorativas destas. Os valores de cada questão seguem o grau de relevância, mediante a sua função política para a participação democrática e a sua visibilidade no portal. Os valores são: Pouco significativo – 10 pontos; Razoavelmente significativo – 15 pontos; Significativo – 20 pontos; Muito significativo – 25 pontos. Cada divisão poderá atingir: primeiro grau (ênfase informativa): 125 pontos; primeiro grau (ênfase em serviços): 130 pontos; segundo e terceiro grau: 130 pontos; quarto grau: 110 pontos; quinto grau: 110 pontos. Após aferição das pontuações, os valores são transformados em percentuais que indicarão o Índice de Desenvolvimento (ID) em cada divisão. Cabe ressaltar que, com base em Silva (2005a; 200b), um portal pode ter características de duas ou mais graduações.

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COMUNICAÇÃO E CIDADANIA 6 Alvorada, http:// www.alvorada.rs.gov. br/; Bagé, http://www. bage.rs.gov.br/; Bento Gonçalves. http:// www.bentogoncalves. rs.gov.br/; Cachoeirinha, http:// www.cachoeirinha. rs.gov.br/home/; Canoas, http://www. canoas.rs.gov.br/Site/ Geral/default.asp; Caxias do Sul, http:// www.caxias.rs.gov. br/; Gravataí, http:// www.gravatai.rs.gov. br/; Novo Hamburgo, http://www. novohamburgo.rs.gov. br/; Passo Fundo, http://www.pmpf. rs.gov.br/; Pelotas, http://www.pelotas. com.br/home/ default.php; Porto Alegre, http://www2. portoalegre.rs.gov.br/ portal_pmpa_novo; Rio Grande http://www.riogrande. rs.gov.br/pagina/ index.php/paginainicial; Santa Cruz do Sul, http://www. pmscs.rs.gov.br/; Santa Maria, http://www. santamaria.rs.gov. br/; São Leopoldo, https://www. saoleopoldo.rs.gov. br/home/; Sapucaia do Sul, http://www. sapucaiadosul.rs.gov. br/; Uruguaiana, http://www. uruguaiana.rs.gov. br/; Viamão, http:// www.viamao.rs.gov.br/ viamao/index.php.

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7 Reconhecemos este tipo de programa nos municípios de Bento Gonçalves, Novo Hamburgo e Alvorada.

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A comunicação comunitária como espaço de cidadania na sociedade midiatizada

INTRODUÇÃO

Fabiana da Costa Pereira Maria Ivete Trevisan Fossá

Resumo: O desenvolvimento das tecnologias de informação e comunicação conformaram mudanças estruturais na vida pública e privada dos cidadãos, colocando a mídia não só na centralidade das relações, mas também como transformadora da sociedade. Porém, essas mudanças só alcançam os indivíduos tecnologicamente incluídos e ampliam, cada vez mais, o número de infoexcluídos. A modificação desse contexto passa pelos canais de comunicação comunitária que, ao se inserirem nas realidades locais, podem fomentar a participação cidadã na busca por novas possibilidades de melhorias na qualidade de vida dos indivíduos. Palavras-chaves: comunicação comunitária, sociedade midiática, midiatização. Abstract: The development of Information and communication Technologies conformed structural changes in public and private life of citizens, putting the media not just in the centrality of relationships, but also as transformer society. However, these changes only reach individuals technologically included, and increasingly enlarge the number of infoexcluded. The modification of this context passes through the channels of community communication that by insert itself in local realities can encourage citizen participation in the search for new possibilities of improving the quality of life of individuals. Keywords: mediatization

community

communication;

media

society;

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Tratar de contemporaneidade é tratar de mudança cultural, de virtualidade, de globalização e de tecnologias da informação e comunicação. Podemos afirmar que esses elementos têm contribuído para a mudança de uma sociedade midiática para uma sociedade midiatizada. A velocidade da transmissão dos dados e a capacidade de armazenamento potencializaram a vida em rede que passou a configurar-se de forma globalizada e ser coordenada pelos meios de comunicação. Contudo, nessa outra configuração social, só entram os infoincluídos, o que expõe cada vez mais o aumento das diferenças sociais, a criação de grandes conglomerados econômicos e a hegemonia de uma visão mercadológica de relações humanas. A essa hegemonia podem contrapor-se as comunidades locais se articuladas e conscientes do papel cidadão na busca pela democratização da comunicação para a conformação de uma nova realidade. A comunicação comunitária, numa visão contemporânea, busca estabelecer-se nessa sociedade midiatizada como espaço de produção e difusão de informações de interesse local, em complementação às coberturas globais dos veículos de massa coordenados por grandes corporações. Às emissoras de rádio e tevês comunitárias já não basta afirmarem-se comunitárias, mas é necessário que direcionem ações específicas a um público local que se identifique como tal, e apropriese da produção de material informativo (entrevistas, reportagens, documentários, programas) e da gestão do veículo, legitimando-o na construção de espaço de cidadania e de democracia participativa. Ainda, conseguir a outorga para a instalação de canal comunitário de comunicação não tem sido o desafio maior nos últimos anos, mas o implantar e mantê-lo torna-se uma questão que aparece nos dias atuais. A política pública na área de comunicação, que fomenta a propagação desses canais, não se preocupa com a capacidade econômica e técnica de quem se propõe a geri-lo, além de restringilo no seu alcance de difusão. Embasados nessas questões, justificamos o presente estudo ao abordar o papel da comunicação comunitária na sociedade midiatizada a partir de uma pesquisa qualitativa, de cunho teórico, realizada com levantamento bibliográfico. Considerando os estudos de Manuel Castells e Dominique Wolton, abordamos as mudanças sociais com o advento da tecnologia da informação e comunicação; 113

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embasados em Adriano Rodrigues, enfocamos a sociedade midiática e, através de Muniz Sodré, Fausto Neto e Stig Hjarvard, tratamos da midiatização. Os textos de Cicilia Peruzzo, Christa Berger e Adilson Cabral serão a base para trazermos as questões pertinentes à comunicação comunitária e à democratização da comunicação. 1 AS TECNOLOGIAS DA COMUNICAÇÃO E DA INFORMAÇÃO E A MIDIATIZAÇÃO DA SOCIEDADE As sociedades, principalmente nos últimos séculos (século XX para XXI), passaram, rapidamente, por grandes mudanças tecnológicas que têm transformado suas concepções e relações sociais. Da sociedade da produção, onde o capital estava vinculado ao sistema fabril (e o poder relacionado à apropriação dos meios de produção), chegamos a uma sociedade da informação (a qual vincula o poder ao domínio das tecnológicas da comunicação e informação). Da comunicação de massa passamos a uma comunicação em redes, da qual Castells (1999) trata como uma revolução do processo de produção e distribuição da informação que acontece a partir da microeletrônica (que produz o microprocessador com ampla capacidade de memória e velocidade) e da optoeletrônica associada à telefonia e à radiodifusão, levando à Internet, que potencializa relações interativas e virtuais. Essa configuração induziu um novo contexto de sociabilização, em que as tecnologias de informação e comunicação estão interferindo na vida das pessoas, tanto nas ações pessoais, como nas esferas sociais, políticas, econômicas e nas suas relações com o tempo e o espaço. É Castells (1999, p. 415) que afirma: “por meio da poderosa influência do novo sistema de comunicação, mediado por interesses sociais, políticas governamentais e estratégias de negócios, está surgindo uma nova cultura: a cultura da virtualidade real”. A nova conformação do espaço social, considerando as alterações tecnológicas, é vista por Sodré como uma “mutação tecnológica” (SODRÉ, 2000, p. 13) e não como uma revolução, já que, além de não propor rupturas sociais, ainda conserva as estruturas de poder vigente ao não garantir o acesso universal, em razão de restrições culturais, educativas e econômicas que permanecem impostas a algumas sociedades ou grupos. As inovações tecnológicas, que Sodré chama de “maturação tecnológica do avanço científico” (ibid.), estão mudando as práticas sociais a partir do uso dos novos meios, os quais evoluíram 114

com o aumento da capacidade de armazenamento e com a velocidade de troca de dados. Essas duas potencialidades estão proporcionando a globalização dos mercados, principalmente para as economias vinculadas ao liberalismo econômico, reconfigurando uma nova forma de contrato social de trabalho e de relação do indivíduo com o tempo e o espaço. O uso da telefonia móvel e da presença virtual em videoconferência, organizações transnacionais, ensino à distância (EAD), entre outras formas de virtualização da vida, transforma-nos em indivíduos onipresentes e oniscientes em diversos espaços sociais. São o “tempo real” e o “espaço virtual” (SODRÉ, 2000, p. 16) que integram uma nova dimensão da realidade e, com isso, uma nova forma de postura do indivíduo frente ao perceber, pensar e vivenciar os acontecimentos. A esfera social, desde o momento em que passa a ser permeada pela tecnologia, engendra uma dinâmica própria, em que a interação sócio-técnica dá o tom para a forma de apreensão das representações do mundo e das relações a serem estabelecidas entre indivíduos, entre instituições e desses com os meios de comunicação. E é justamente o impacto causado pelas mídias, nessa organização social, que demonstra a posição estratégica que assume a comunicação. Conforme Rodrigues (1997), essa passa a ser o mediador e o representante dos diferentes espaços sociais (aos quais o autor denomina de campos sociais), fundando um espaço público onde se realizam as ações e os discursos dos diversos atores. Os processos comunicacionais estão intimamente relacionados com a constituição de uma esfera pública, esfera responsável pela criação e pela manutenção de regularidades que ditam as normas da conformidade e da convivência da linguagem e das ações, assim como definem o estatuto e os papéis dos agentes e dos atores sociais. A esfera pública é, por conseguinte, a cena em que o jogo das interações sociais e o movimento dos atores ganham visibilidade social. Por isso, a comunicação não é apenas um instrumento à disposição dos indivíduos, dos grupos informais ou dos grupos organizados para darem a conhecer fato, acontecimentos, pensamentos, vontades ou afetos. É, sobretudo, processo instituinte do espaço público (RODRIGUES, 1997, p. 141).

Cada campo social instituído (religião, educação, sindicato, saúde, família) necessita compartilhar e interagir com outros campos so115

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ciais para conseguir sobreviver na esfera social. Para tanto, precisa atingir os seus públicos, conquistando-os para a defesa das suas causas (seus discursos, suas práticas), tendo a visibilidade social como uma das estratégias de suas ações. E, para essa visibilidade social, o campo dos mídias, formado pelos meios de comunicação como mediador e como o representante dos campos sociais, oportuniza-lhes manifestaremse frente as diferentes pautas da discussão social. É justamente o espaço que conseguirem ocupar junto aos campos dos mídias que trará a visibilidade às suas questões, buscando sensibilizar a sociedade para suas práticas e discursos. Assim “um campo é, aliás, tanto mais forte quanto mais conseguir impor aos outros campos a sua axiologia e quanto maior for o número de campos em que conseguir projetála” (RODRIGUES, 1997, p. 149). Nessa conjuntura, onde a mídia ocupa o espaço central na mediação entre os diferentes campos sociais, os meios de comunicação balizam os discursos do espaço público, promovendo e dando visibilidade às organizações conforme os seus incursos no campo dos mídias, que reflete na representação junto ao espaço social não midiático. Quando as mídias ocupam a centralidade da esfera social e fazem a mediação entre os diferentes campos sociais, configuramos a sociedade midiática. Porém, quando essa mídia interage com a cultura e a sociedade, conforme Hjarvard (2008), transformando-se em uma “instituição semi-independente” (HJARVARD, 2008, p.53) que passa a modificar e integrar os fazeres dos outros campos sociais, como família, organizações, política e religião, estaremos tratando da sociedade midiatizada. Tal sociedade altera as suas percepções a partir de uma nova realidade (do virtual, do global, do instantâneo) que se funde com uma representação da realidade apresentada pela mídia. Essa mudança do estatuto da mídia pode ser assim explicada:

A sociedade midiatizada, conforme Fausto Neto (2006), pode ser retratada como a sociedade onde as tecnologias da comunicação perpassam as instituições (ou campos sociais), criando novos ambientes, propondo novas formas de relacionamentos, além de construir uma nova leitura da realidade ou ainda construir novas realidades. Esse ambiente social transformado pela mídia, que é potencializada pela tecnologia, ao qual Sodré designa de quarto bios – considerando os três gêneros de existência já propostos por Aristóteles (bios theoretikos, bios politikos e bios aplaustikos) – é caracterizado como “uma espécie de quarto âmbito existencial, onde predomina (muito pouco aristotelicamente) a esfera dos negócios, com uma qualificação cultural própria (a “tecnocultura”)” (SODRÉ, 1999, p. 25, grifo do autor). Para o indivíduo existir na sociedade midiatizada, ele deverá inserir-se nesse bios virtual, não apenas obtendo visibilidade midiática, mas indo além, apropriando-se dos códigos de conduta presentes na mídia, que são reforçados por uma opinião pública que se estabelece a partir de aparatos tecnológicos, e define o que está latente como um gosto médio (SODRÉ, 1999), ao mesmo tempo em que constrange quem desvia do padrão posto. E nesse bios virtual está outra configuração dos comportamentos inerentes ao mundo da política, da religiosidade e até do comportamento moral, que se apresentam numa discursividade que segue a lógica de mercado. No Brasil, o processo de midiatização não acontece de forma diferente, havendo uma mudança social e cultural que se dá com o uso das novas tecnologias e com a interação que os meios de comunicação passam a proporcionar. Porém, as particularidades de uso e apropriação desses meios, especificamente em nosso país, tangenciam a nossa história política e fomentam uma discussão que perpassa questões referentes à cidadania e à luta pela democratização da comunicação, como veremos na sequência.

A intensificação de tecnologias voltadas para processos de conexão e de fluxos vai transformando o estatuto do meio, fazendo com que deixem ser apenas em mediadores e se convertam numa complexidade maior – de um ambiente com suas operações – e as suas incidências sobre diferentes processos de interações e práticas, em decorrência da existência da mídia, assim considerada como algo mais complexo do que sua vocação, classicamente colocada, a de ‘transportadora de significados’. É definida como uma nova matriz que se funda em novas racionalidades com as quais realiza estratégias de produção de sentidos. (FAUSTO NETO, 2006, p. 8, grifo do autor).

2 A COMUNICAÇÃO NO BRASIL E A COMUNICAÇÃO COMUNITÁRIA A história dos veículos de comunicação, no Brasil, inicia ainda na época colonial, a partir da circulação, de forma clandestina, do jornal Correio Brasiliense, que era escrito no Brasil e impresso em Portugal, destinado a parcela da população brasileira intelectualizada o suficiente para poder usufruir a sua leitura. Tratava-se, porém, de uma mídia alternativa, tendo em vista a proibição de produção de qualquer

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1 Período compreendido entre os anos de 1964 a 1985, quando, a partir de um golpe, a presidência do país foi assumida por representantes das forças militares. Esse regime endureceu a partir de 13 de dezembro de 1968, com o Ato Institucional nº 5, que entre outras ações, implementou a censura prévia.

tipo de material impresso na colônia, que fora imposta pela coroa portuguesa. Somente com a vinda da família Real para o país é que tivemos o desenvolvimento de uma imprensa brasileira, com a inauguração da Gazeta do Rio de Janeiro, em 1808. No período imperial, por volta de 1824, a situação econômica brasileira acabou fomentando a criação de inúmeros jornais oposicionistas que faziam duras críticas ao imperador, o qual resolveu impor ampla censura à imprensa. Na república, por volta de 1890, o governo suspendeu a censura à imprensa e os jornais voltaram a tecer críticas ao governo. A partir de 1922, houve uma época de grande movimentação social e de reivindicações no Brasil, sendo, também, o ano de surgimento do rádio, um veículo que veio para conquistar a parcela analfabeta da população. Os anos 30 marcaram a “época de ouro do rádio brasileiro”, sendo o período em que surgiram os grandes ídolos da música, além de ser liberada a inserção de comerciais na programação radiofônica. A partir daí, o rádio passou a comportar-se conforme a lógica de mercado. Em 1950, foi a vez de a televisão estabelecer-se no cenário brasileiro, tendo como protagonista a TV Tupi. A partir de 1965, outras emissoras apareceram, como a TV Globo, Record, SBT e a Bandeirantes. Em pouco tempo, a empresa Rede Globo transformou-se na maior rede de televisão do país, num grande oligopólio da comunicação, haja vista ainda agregar empresas jornalísticas e emissoras de rádios. O período de ditadura miliar1 , instalada no ano de 1964, silenciou os veículos de comunicação (rádios, jornais e televisão), com atos institucionais de ampla censura para não dar espaço de manifestação à oposição política e aos movimentos sociais que teimavam em não se render ao autoritarismo estabelecido. Foi somente a partir dos anos 80 que se iniciou o movimento de abertura política no país, com a volta da democracia, num primeiro momento, através de eleições indiretas (presidente escolhido pelo Congresso Nacional), e, nos próximos anos, através de eleições diretas, numa retomada do estado democrático de direito. Também nos anos 80, surgiu a TV por assinatura com uma variedade de canais, segmentados conforme a programação. Ainda, a partir de 1988, a internet passou a existir no meio acadêmico das instituições de ensino superior no país, sendo consolidada, junto à população americana, a partir dos anos 90. Dentro dessa perspectiva de instalação e desenvolvimento dos veículos de comunicação no Brasil, a comunicação comunitária toma for-

ça no período da ditadura militar, sendo o meio possível para as manifestações dos movimentos sociais, oposicionistas ao regime, que precisavam propagar suas ideias junto à população. Utilizando panfletos, jornais alternativos, rádios piratas2 , alto-falantes, comícios, carros de som, TV de rua, TV móvel3 , entre outros meios, os grupos opositores conseguiam apresentar os seus discursos junto às comunidades, ganhando credibilidade entre a população e simpatizantes para o combate às injustiças sociais muito presentes no país naquele momento. Também cabia à comunicação comunitária o contraponto aos discursos hegemônicos dos conglomerados de redes de rádios, jornais e emissoras de televisão, os quais eram dominados pela elite empresarial do país, comprometida com os contratos publicitários, que eram realizados com as grandes organizações ou ainda com o poder público em suas esferas federal, estadual e/ou municipal.

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Pelos estudos realizados, podemos concluir que a imprensa alternativa compreende a imprensa operária, sindical e partidária popular, mas que estas formas não a esgotam. Nestas há uma clara opção pelas classes subalternas, mas há outros jornais em que a opção é ser “outra” em relação a grande imprensa, chamando a atenção para o que nela está ausente, representando um setor que, conjunturalmente, encontra-se excluído. Estes se caracterizam pelo conteúdo complementário, opinativo, inovador, analítico, produzido por intelectuais e dirigidos às lideranças multiplicadoras de opinião e quadros médios (BERGER, 1995, p. 19).

Viabilizar canais de comunicação que realmente tratassem de assuntos de interesse das comunidades, dando vez e voz para parcelas da população, que não encontravam espaços junto à mídia de massa, foi o norteador do movimento em defesa das rádios e tevês comunitárias e pela democratização da comunicação no país, “personificado no Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação” (PERUZZO, 1998, p. 149). Esse movimento, que contou com a participação de representantes de vários segmentos da sociedade civil, conseguiu pautar algumas discussões junto aos órgãos públicos, chegando a avançar em algumas questões: autorização para as rádios comunitárias irem legalmente ao ar, a partir de outorgas de concessão do poder público e da obrigatoriedade das operadoras de canais a cabo (tevês por assinatura) de cederem, nas suas áreas de abrangência, o uso gratuito de seis canais de interesse público (três canais legislativos – Senado Federal, Câmara dos Deputados Federais e Assembleia Legisla-

2 Rádios piratas eram rádios que iam ao ar de forma ilegal, sem autorização do governo, a partir do trabalho de voluntários com equipamentos alternativos.

3 TV móvel era composta por um carro equipado por videocassete, telão, amplificador de som e microfone, que circulava pela cidade divulgando vídeos e mensagem às comunidades.

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Nesse contexto, veículos de comunicação comunitária possuem um papel primordial no estabelecimento de novas possibilidades de espaços democráticos de comunicação, principalmente na sociedade midiatizada que absorve a lógica midiática no estabelecimento das relações sociais e culturais.

3 A COMUNICAÇÃO COMUNITÁRIA NA SOCIEDADE MIDIATIZADA-DEMOCRACIA E CIDADANIA A contemporaneidade e os aparatos tecnológicos que lhes são característicos, trazem mudanças estruturais à vida pessoal e social dos indivíduos, não tendo como negar a influência que a tecnologia da informação exerce na organização do espaço público, conforme tratamos ao caracterizar a sociedade midiática. A partir da potencialização dessas tecnologias da informação é que a sociedade midiatizada desenvolve-se, instituindo uma nova forma de vida para os cidadãos. Às mudanças culturais do relacionar-se em rede, conectarse globalmente, pensar pela lógica do mercado e agir localmente, podemos agregar as facilidades existentes para promover a interação dos indivíduos entre si e destes com todas as esferas constitutivas do espaço social. E essa apropriação do uso dos meios, assim como a influência que a mídia exerce na definição da compreensão da realidade, mesmo que inserida no campo maior da sociedade midiatizada, constituirá uma leitura particular aos indivíduos ou às instituições. O uso que cada indivíduo dará a essa leitura da realidade é que definirá a existência, ou não, do uso hegemônico dos meios, pois podemos afirmar que, ao que está instituído, cabe sempre o contraponto através da busca de alternativas que podem utilizar-se dos mesmos recursos midiáticos para a construção de nova realidade. Que as mudanças tecnológicas não atingiram a toda a humanidade com a mesma intensidade, temos plena consciência, visto regiões inteiras, nos diferentes continentes (África, Ásia, América, etc.), em que o desenvolvimento urbano ainda nem chegou. A globalização, tão presente a partir do advento da internet, ligou mundos que estavam minimamente preparados, conectando economias já desenvolvidas ou em pleno desenvolvimento, cujas populações encontrava-se com alguma capacitação tecnológica. Nos países globalizados, instalouse uma busca incessante pela inserção tecnológica dos cidadãos ainda infoexcluídos a partir de projetos de telecentros comunitários, investimentos em laboratórios para rede pública de ensino, linhas de crédito populares para financiamento de equipamentos, além de treinamento e capacitação da população para poder fazer uso dessa tecnologia. Nos países não globalizados, erguem-se barreiras cada vez maiores que, em alguns casos, ainda podem ser rompidas, quem sabe, através da mobilização social.

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Legislativa/Câmara dos Vereadores; um canal universitário, um canal educativo/cultural e um canal comunitário). As conquistas, ainda muito incipientes, não tiveram novas deliberações nos últimos anos, mas avançaram em números no que se refere à concessão de outorgas para o funcionamento de rádios comunitárias e canais comunitários de tevês no sistema a cabo. Porém, podem ser feitas duas considerações a essas conquistas: uma delas refere-se à legislação da Lei da Radiodifusão de Baixa Potência (Lei 9.612/98 e Decreto 2.615/98), que regula o funcionamento das rádios comunitárias, limitando-as a uma potência de 25 watts, além de impedir a veiculação de anúncios comerciais, fontes segura de recursos financeiros; a segunda consideração diz respeito à Lei do Cabo (Lei 8.977/95 e Decreto 2206/97), que regulamenta o funcionamento das tevês comunitárias, a qual limita a difusão do canal pelo sistema por assinatura, além de, também, impedir a veiculação de anúncios publicitários. Podemos considerar que ambas as legislações restringem uma apropriação massiva dos meios de comunicação, assim como deixam na mão das associações comunitárias os custos de implantação e manutenção dos equipamentos profissionais que possibilitam a instalação dos canais comunitários. Podemos acrescentar aos custos dos canais de comunicação comunitária uma equipe técnica, minimamente capacitada para a operação dos equipamentos necessários à colocação de uma rádio e/ou uma tevê no ar. . Por sua vez, as pessoas e grupos que participam da formação de canais comunitários em vários municípios estão viabilizando a duras penas a migalha conquistada com a aprovação da Lei da Cabodifusão, tendo o mérito de sobreviver mediante as restrições impostas pelo governo e pelas operadoras a cabo. [...] Ao contrário do modelo da TV de Acesso Público americana ou dos Canais Abertos da Alemanha, os canais comunitários de TV a Cabo em nosso pais não recebem nenhum apoio especial por parte das operadoras comerciais ou de órgãos governamentais. Tanto no modelo americano, quanto no alemão este fundo vem do percentual de cada assinatura realizada que viabiliza estúdios em todo o país, além de equipamentos de produção e pós-produção. (CABRAL, 2011, p. 3).

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E a comunicação comunitária como se insere nessa realidade? Num primeiro momento, no papel de canal de comunicação que se abre para discussões e cobranças das inúmeras demandas sociais, das comunidades locais, que não encontram repercussão na oligopolizada e globalizada mídia de massa. Num segundo momento, no papel de espaço democrático de formação cidadã, por onde possam circular diferentes pensamentos que questionem o status quo instituído. Mas esses papéis somente vão se realizar se os veículos de comunicação comunitária estiverem a serviço e ao alcance das comunidades, inseridos no contexto local, legitimamente instituídos. Ao tratarmos de comunicação comunitária não podemos deixar de abordar a participação popular e de democratização da comunicação, visto que a um veículo de comunicação comunitária não basta que fale de fatos locais, é preciso que se abra à diversidade de uma programação produzida localmente, cujos assuntos sejam reflexos de interesse da comunidade onde o veículo está situado. A esse rol de interesses podemos considerar as questões de infraestrutura, a produção cultural, o esporte amador, os direitos do consumidor, as campanhas educativas e preventivas, entre outros assuntos situados nas esferas política, econômica, social, ligados à cidadania. No que diz respeito ao processo de democratização da comunicação, devemos ater-nos não somente na questão de acesso à informação – que, com o fim da censura no país, foi amplamente disponibilizada através dos inúmeros jornais, rádios e tevês, (excetuando alguma dificuldade de acesso ainda existente para populações paupérrimas, considerando condições geográficas e econômicas) – mas, principalmente, nas questões que digam respeito ao acesso da população para participar da produção e da emissão da informação, além da gestão dos veículos comunitários. Conforme Peruzzo (1995, p. 147 – 148), podemos classificar essa participação dos indivíduos da seguinte forma: a) participação ao nível das mensagens (participação em entrevistas, depoimentos, avisos, recados, etc.); b) participação ao nível da produção de mensagens (elaboração periódica ou ocasional de informações transmitidas pelos meios de comunicação); c) participação ao nível de produção de programas (participação no planejamento, produção e edição de programas, etc.); d) participação ao nível de planejamento global do meio de comunicação (participação na política editorial, estrutura dos programas, tomada de decisões dos meios de comunicação); e) participação ao nível de gestão global do meio de comunicação (participação na administração e controle do veículo de comunicação

como um todo) e f) participação ao nível do planejamento global dos meios de comunicação locais, regionais e nacionais (abrangeria o acesso à definição de políticas públicas de comunicação). Aos níveis de participação, apresentados conforme a ordem anterior, podemos acrescentar uma ampliação crescente, que vai desde a apropriação de uso, podendo chegar, idealizadamente, ao último nível, o que consideraremos a real democratização da comunicação no país. Porém, a democratização dos meios exige maturidade política da população, fato reiterado ao elucidar que “chamamos a atenção, também, no sentido de lembrar que os níveis mais avançados de participação popular requerem a permeação de critérios de representatividade e de co-responsabilidade, já que se trata do exercício do poder de forma democrática ou partilhada” (PERUZZO, 1995, p. 148). Sobre a participação popular, no que considerarmos os atos individualizados de cada cidadão frente às questões de interesse comum, e que é a base para a constituição das associações que poderão solicitar a outorga de veículos de comunicação comunitária (tanto rádios como tevês só poderão ser autorizados para associações sem fins lucrativos), levamos em conta três modalidades, apresentadas por Peruzzo (1995, p. 151 – 152): a) a não-participação, que se dá quando o indivíduo participa pela passividade, numa postura de sujeição, deixando aos outros a responsabilidade das decisões; b) a participação controlada, que acontece quando há um limite ou controle de participação por parte de um outro, geralmente estabelecida entre o poder público e a população; e c) a participação-poder, que implica a participação democrática e com autonomia, geralmente exigindo o exercício de poder de decisão, refletindo em responsabilidades. Somente essa última forma de participação popular é que deveria ser referida qualquer proposta de veículo de comunicação comunitária para que, realmente, seja canal de visibilidade às questões locais no âmbito da cultura, da educação, do meio ambiente, da política, do esporte, entre outras áreas de interesse. Quanto a estar ao alcance das comunidades, podemos já considerar um impasse no momento em que as próprias políticas públicas de comunicação são restritivas à difusão da programação das rádios e tevês comunitárias. Rádios de baixa potência e tevês em sistema fechado não podem ser considerados de acesso massivo e, sobre essas restrições, faz-se urgente a busca de alternativas. Essas podem estar atreladas ao uso que os canais comunitários podem fazer das tecnologias da informação e da comunicação para ampliação do pú-

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blico comunitário a partir da veiculação, de forma concomitante, da programação do canal comunitário na internet; ou ainda na utilização das redes sociais como canais de mobilização, buscando apoio para pressão social que faça com que o Estado reveja as políticas públicas para o setor. Quanto ao estar a serviço das comunidades é fator que se acha intimamente vinculado à mobilização social e participação popular. Nesse quesito, temos um longo caminho a percorrer se quisermos chegar a uma participação consciente e responsável dos indivíduos, no mais alto nível de interação e comprometimento. Mas, consideramos que a diminuição das distâncias físicas, a partir das redes tecnológicas (telefonia, internet), e a apropriação dos usos dos meios podem ser fatores fomentadores das mudanças necessárias a essa postura próativa dos indivíduos. Antes disso, essa mesma tecnologia pode abrir espaço para a produção de conteúdos voltados justamente para o despertar dessa consciência cidadã e que consiga resultar numa ação efetiva em que os indivíduos, que se apropriam dos meios de comunicação comunitária, sejam grupos representativos dessa dada comunidade. Os meios de comunicação, na sociedade midiatizada, assumem um papel primordial no estabelecimento de relações e ambiência de ação social. A mídia toma para si o papel de construir, a partir dos seus recursos técnicos, determinadas realidades a serem projetadas, dando voz a atores sociais que influenciarão contextos específicos. Porém, nos veículos de comunicação de massa, não necessariamente a oportunidade de expressão está disponível às parcelas da população que venham a representar os diferentes extratos sociais e as diversas realidades culturais. Nesse sentido, os veículos de comunicação comunitária podem potencializar essas multiplicidades de vozes para que também ocupem espaço de manifestação e interação midiática, influenciando na construção de uma realidade que represente a sua diversidade e que abra caminho para a busca constante de melhorias na qualidade de vida das comunidades. CONSIDERAÇÕES FINAIS Canais de comunicação comunitária como lugar de expressão aos excluídos do campo midiático é a realidade que caracterizou as últimas décadas do século XX. Ao século XXI o desenvolvimento tecnológico reservou situações bem mais complexas a serem estabelecidas entre in124

divíduos, instituições e meios de comunicação. Como parte que se quer integrante justamente da composição desse novo espaço social, que de midiático passou a ser midiatizado, a comunicação comunitária amplia o seu campo de discussão e não mais só de espaço para difusão de ideias e defesa de ideologias ocupa-se. Os veículos de comunicação comunitária passam a responder como lugar de discussão de assuntos de interesse local a chegarem a ser espaço de apropriação dos indivíduos como produtores de informações e gestores de espaços públicos de comunicação. E será nesse contexto que a comunicação poderá ser democratizada e contribuir para formação de um espaço público com participações mais igualitárias em que circulem ideias mais diversificadas. No entanto, essa realidade somente poderá ser alcançada quando houver uma desacomodação por parte da participação popular, a grande massa sair do estado de não-participação e ocupar efetivamente os espaços de interação. Ai, sim, poderemos tratar de movimento pela democratização da comunicação, fomentado impulsionado por ações de pressões políticas e sociais, advindo dos mais diferentes setores, no uso dos variados meios tecnológicos, buscando a implementação, de forma ampla e abrangente, de políticas públicas que realmente deem conta de propor projetos de comunicação comunitária exequíveis. Mais do que liberar outorgas de ocupação dos espaços disponíveis para rádios e tevês comunitárias, o poder público integrado às respectivas associações detentoras do direito de uso desses canais devem estar atentos à apropriação e ao uso da tecnologia para equipar e qualificar os veículos de comunicação comunitária e as respectivas comunidades, para que desempenhem seus papéis, na melhor forma possível. Sabemos que coexistem outras formas de exercer a cidadania, mas, entre tantos outros mecanismos, nos propomos a pensar a comunicação comunitária nesse contexto de midiatização. Consideramos, então, que as rádios e as tevês comunitárias não são apenas um aparato ou suporte tecnológico nem tampouco um instrumento comunicacional. Configuram-se, além disso, e de forma intrínseca, como uma oportunidade de se fazer pertencer a um modo de vida que é seu e de produzir e veicular conteúdos por quem faz parte daquela cultura e a vivencia – a comunidade.

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Possibilidades da ambiência digital: novos espaços de cidadania para as rádios comunitárias

INTRODUÇÃO

Kalliandra Conrad Maria Ivete Trevisan Fossá

Resumo: O presente artigo, baseado em pesquisa bibliográfica, propõe-se a refletir sobre como a ambiência digital pode ampliar os espaços de cidadania através das rádios comunitárias. Para tanto, apresentamos o conceito de relações públicas comunitárias e problematizamos a legislação das rádios comunitárias. Ao final, buscamos suscitar questões acerca do discurso hegemônico da tecnologia e como esse discurso interfere nas relações entre os sujeitos e os meios de comunicação digitais. Acreditamos que as novas territorialidades das rádios comunitárias configuram-se como uma potencialidade a ser desenvolvida devido a outras questões a serem discutidas, como o acesso e a capacitação dos sujeitos, além da educação para a mídia.

Este trabalho, de caráter bibliográfico, propõe-se a refletir sobre as mudanças promovidas pelos diferentes contextos em que atuam as relações públicas, desde o paradigma funcionalista até o surgimento das relações públicas comunitárias. Para traçar este percurso, recorremos aos modelos de relações públicas apresentados por Grunig et al. (2009): agência de imprensa/divulgação; informação pública; assimétrico de duas mãos e simétrico de duas mãos. Do mesmo modo, os processos de participação e exercício da cidadania nas rádios comunitárias são modificados ao serem delineados sob outra cultura. A cultura da convergência – conceito elaborado por Jenkins (2008) – alterou as formas de participação dos indivíduos nas práticas de exercício da cidadania. Desse modo, ao problematizarmos a legislação das rádios comunitárias, percebemos que se colocam diversos obstáculos à democratização da comunicação. Por isso, discutiremos como a ambiência digital pode ser uma alternativa aos entraves da lei que regulamenta o serviço de radiodifusão comunitária, além de levantar questões acerca do discurso hegemônico da tecnologia. Dessa forma, para embasarmos essas discussões utilizaremos, principalmente, os aportes teóricos de Henriques e Pinho Neto (2001), Grunig (2009), Jenkins (2008), Levy (2010), Pariser (2011) e, sobretudo, os referenciais de Peruzzo (1998; 1986; 2008; 2006a; 2006b).

Palavras-Chave: Rádios comunitárias, Cidadania, Relações Públicas Comunitárias, Ambiência digital. Abstract: The present work, based on bibliographic research, proposes to reflect how the digital ambience can expand citizenship spaces through community radio. To this, we present the public relations community concept e problematize the community radio legislation. In the end, we seek to evoke questions about the hegemonic discourse of technology e how this discourse interfere in relations between the subjects and the digital communication ways. We believe that the new territorialities of community radios are configured as a new potentiality to be developed due to other reasons to be discussed, as the access and capacity of the subjects, besides the education for the media. Keywords: Community radios, Citizenship, Public relations community, Digital ambience. 128

1 COMUNICAÇÃO COMUNITÁRIA E RELAÇÕES PÚBLICAS Os estudos acerca do conceito de relações públicas comunitárias surgiram no Brasil a partir da década de 1980. Eles eram marcados, inicialmente, pelo paradigma funcionalista e, posteriormente, pelo paradigma humanista radical, tendo como referência os estudos de Peruzzo (1986). Aos poucos, tanto os públicos quanto as relações públicas mudaram as suas formas de atuação em decorrência das transformações ocorridas na sociedade contemporânea. Para vários autores, as Relações Públicas comunitárias indicam uma proposta metodológica na qual o profissional concebe a sociedade sob uma ótica diferenciada onde possa estabelecer canais verdadeiros de integração e propõe que tal renovação metodológica deva ser iniciada pela revisão de seu quadro de funções básicas. Em relação aos públicos, sua caracterização não se refere à definição clássica em internos, externos e mistos,

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COMUNICAÇÃO E CIDADANIA antes devendo ser vistos na sua inter-relação (HENRIQUES; PINHO NETO, 2001, p. 7).

A comunicação comunitária, entendida como disciplina, passou a incorporar as atividades de relações públicas, visto que, o condicionamento desta às ações direcionadas unicamente às exigências mercadológicas passa a ser repensado. Se o relacionamento entre as relações públicas e as organizações modifica-se, por conseguinte, também se alteram as formas de as organizações relacionarem-se com seus públicos. A informação, matéria-prima das relações públicas, envolve os interesses da organização e, principalmente, dos cidadãos. O seu foco são os relacionamentos, encarados sob a ótica de um processo social e estratégico. As tendências comunitárias para as relações públicas se estabelecem em organizações públicas, privadas e, principalmente, no terceiro setor. Em outras palavras, as relações públicas comunitárias, na dimensão dos relacionamentos, são inseridas em organizações que não sejam, essencialmente, ligadas à sociedade civil organizada. Assim sendo, elas atuam a fim de fazê-las perceber que o conflito, inerente às relações sociocomunicativas, pode ser encarado como uma oportunidade de transformação social. Dessa forma, as relações públicas coabitam com a dimensão comunitária da comunicação e são, assim, vinculadas ao conceito de comunicação comunitária. Este conceito é utilizado em diferentes contextos e coloca-se superposto a outras adjetivações. Por isso, Peruzzo (2008) afirma que a expressão relações públicas comunitárias assumiu diferentes abordagens:

FIGURA 1 - Modelos de Relações Públicas (adaptado pelas autoras) FONTE – GRUNIG et al. (2009)

Sobre as diferentes percepções a respeito da atuação das relações públicas, Grunig et al. (2009) identificaram quatro modelos que podem ser pensados no âmbito da comunicação comunitária. Os modelos correspondem a quatro formas de entender a natureza e o propósito das relações públicas: modelo de agência de imprensa/ divulgação; modelo de informação pública; modelo assimétrico de duas mãos e modelo simétrico de duas mãos, como sistematizado a seguir (Fig. 1).

Percebemos, ao observar os quatro modelos, o reflexo da evolução teórico-prática das relações públicas. Inicialmente, o seu papel estava vinculado ao paradigma funcionalista, no qual “cabe às Relações Públicas estabelecer, manter e otimizar as relações entre instituição e público. As Relações Públicas devem explicar e prever as características dessas relações para interferir na realidade (positivismo)” (FONSECA, 1989, p. 71). Esse paradigma, no nosso entendimento, conduz às atividades de relações públicas nos modelos 1 (um), 2 (dois) e 3 (três), visto que, nesses modelos, elas atuam com o intuito de beneficiar apenas as organizações em detrimento de seus públicos. Desse modo, temos, como principal propósito das relações públicas, a obtenção de publicidade favorável à organização (modelo 1); a disseminação de informações para seus públicos (modelo 2) e a utilização de serviços de empresas de pesquisa para o planejamento de suas ações (modelo 3). São vistas, assim, como a disseminação de informações, na qual não se abrem oportunidades de diálogo com os seus públicos a fim de suscitar/manter relacionamentos. Os modelos um, dois e três protegem a organização do seu contexto e do seu ambiente, eximindo-se de suas responsabilidades de atuação cidadã. A atividade de relações públicas, somente passa a ser conduzida sob novas configurações

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[...] uma é aquela relativa à comunicação de empresas com as ‘comunidades’ de seu entorno ou junto a associações e/ ou outros grupos/organizações do chamado terceiro setor. Outra é a comunicação de órgãos públicos com os mesmos segmentos sociais acima referidos. E a terceira abordagem trata da comunicação das próprias associações comunitárias, ONGs e movimentos populares entre si, com a sociedade e com os públicos com os quais se relacionam (PERUZZO, 2008, p. 9).

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COMUNICAÇÃO E CIDADANIA quando as estruturas anacrônicas do lucro pelo lucro, da sonegação de impostos, do desrespeito aos interesses dos públicos começam a tornar-se superadas em favor da valorização do empregado, do pleno exercício da cidadania e da mobilização a favor dos interesses e necessidades das sociedades (HENRIQUES; PINHO NETO, 2001, p. 5).

1 CÉSAR ESCUDERO, Regina Célia. As Relações Públicas frente ao desenvolvimento comunitário. Disponível em http:// www.fafich.ufmg. br/~simeone/2/ escudero.pdf Acesso em 16/06/12.

É a partir deste enfoque que, no modelo 4 (quatro), as relações públicas voltam-se para novos paradigmas. Por isso, entendemos que, desde o modelo simétrico de duas mãos, começaram a surgir as iniciativas de relações públicas comunitárias, como foi explicitado na figura 1 (um). As referidas relações são fundamentadas na pesquisa, na qual é acentuada a sua função política baseada na teoria de conflitosresoluções (KUNSCH, 2003). É ultrapassada a visão individualista e unilateral embutida nas atividades das relações públicas já mencionadas que, por motivos específicos a cada organização (competitividade, consciência de seu papel social, exigência dos públicos consumidores, etc.), passam a atuar de forma dialética. A teoria dialética utiliza o conflito para, a partir de sua análise, buscar razões sociais, culturais e econômicas para superá-lo, a fim de criar novas possibilidades para o processo de relacionamento entre os sujeitos1 . Neste sentido, a abordagem apresentada por Peruzzo (1986) traz contribuições desta ordem para a dimensão comunitária da comunicação social. Ao refletirmos sobre a práxis das atividades baseada nos modelos de relações públicas apresentados por Grunig et al. (2009) –torna-se visível o quanto a evolução teórica e metodológica das relações públicas perpassa as exigências do sociedade e, em consequência, a reformulação de sua postura profissional frente a essas demandas. Dessa forma, as relações públicas comunitárias são entendidas como uma atividade que passou por diferentes contextos e que, a partir disso, foi se atualizando na medida em que as estruturas em que se inseria iam se alterando. Os temas de interesse público e as necessidades sociais passaram, de certo modo, a serem considerados com maior relevância. Quando se reconhece que as necessidades sociais dos sujeitos compõem, na verdade, seus direitos como cidadãos coloca-se em evidência um desafio para as relações públicas, as quais passam, dessa maneira, a exercer o papel de conscientizar as organizações que, até então, desconheciam a dimensão comunitária nos 132

planejamentos de comunicação. Segundo Peruzzo (2008, p. 4), “não se trata de o profissional de RP constituir-se representante ou mediador de organizações populares ou movimentos sociais, mas de fazer com que se auto-representem”. Desse modo, as relações públicas comunitárias podem atuar em diversos âmbitos da sociedade, como em organizações do primeiro, segundo e terceiro setores. Neste último, podemos visualizar as rádios comunitárias, em que as RP podem atuar no planejamento de estratégias de mobilização social junto às comunidades. Diante desse contexto, problematizaremos adiante, a partir do conceito de comunicação comunitária, os entraves enfrentados pelas rádios comunitárias diante da legislação que lhes é pertinente. 2 A LEGISLAÇÃO DAS RÁDIOS COMUNITÁRIAS: CONCESSÃO OU REPRESSÃO? Os estudos acerca da comunicação comunitária fazem-se presentes em várias pesquisas comunicacionais. Dentre eles, vamos salientar, neste trabalho, o entendimento do termo comunicação comunitária de acordo com Peruzzo (2006a; 2006b). A compreensão do termo comunicação comunitária permite direcionar nossa atenção para os processos midiáticos desenvolvidos a fim de contribuir para a melhoria da qualidade de vida dos cidadãos e para a transformação social. Entre os processos midiáticos que visam a cumprir com esse escopo, trataremos, no presente trabalho das iniciativas comunicacionais das rádios comunitárias. O processo de comunicação comunitária emerge da ação dos grupos populares. A referida comunicação é também denominada de comunicação alternativa, participativa, horizontal, dialógica, cidadã, entre outras. As diferentes denominações estão ligadas aos distintos contextos em que o termo é empregado. Porém, o sentido político é o mesmo, ou seja, o fato de tratarse de uma forma de expressão de segmentos excluídos da população, mas em processo de mobilização visando atingir seus interesses e suprir necessidades de sobrevivência e de participação política. No entanto, desde o final do século passado passou-se a empregar mais sistematicamente, no Brasil, a expressão comunicação comunitária para designar este mesmo tipo de comunicação e também outras expressões similares (PERUZZO, 2006a, p. 2).

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2 Lei nº 9612. Disponível em Acesso em 13 nov 2012.

A apropriação de recursos comunicacionais é perpassada por dois processos distintos: um processo informacional e um processo comunicacional. Fazemos a distinção entre esses processos por considerarmos que o processo informacional está condicionado aos modelos 1 (um), 2 (dois) e 3 (três) de relações públicas, formulados por Grunig et. al (2009), como apresentados na figura 1 (um). Esse processo é unidirecional e instrumental, visto que não possibilita a interação dialógica entre as organizações e os seus públicos. Encaramos, por outro lado, a perspectiva do processo comunicacional a partir dos estudos de Peruzzolo (2006) em que a comunicação é uma relação entre sujeitos. Portanto, a disseminação de informações não pode ser considerada comunicação; entretanto, a efetiva troca de experiências, a discussão, o envolvimento e o diálogo das iniciativas de base comunitária podem ser tidas como processos comunicacionais. Para esse autor, a comunicação é algo inerente ao ser humano e a sua sobrevivência. Acrescentamos a isso a comunicação midiática como um direito de cidadania em que os sujeitos podem expressar suas ideias e reivindicar as suas demandas coletivas através dos meios de comunicação. Por isso, consideramos a comunicação comunitária como a “expressão de lutas populares por melhores condições de vida queocorrem a partir dos movimentos populares e representam um espaço para a participação democrática do ‘povo” (PERUZZO, 2006a, p. 4 - grifos da autora).Assim compreendida, cabe-nos questionar a questão dos conglomerados midiáticos brasileiros, por um lado e, por outro, os impedimentos para instituir o direito à comunicação. Para instituir, legalmente, o direito de comunicar, os sujeitos devem cumprir com as normas presentes na lei2 que regulamenta o serviço de radiodifusão comunitária. A lei possui, como proposição inicial, dar suporte às emissoras de rádios comunitárias que, anteriormente à criação citada lei, estavam condicionadas à categoria de clandestinas ou, como são comumente referidas pela grande mídia brasileira, de rádios piratas. Posto isso, a lei 9.612/1998 teria, em sua essência, o cumprimento de uma função social, política e cultural no que tange ao direito de comunicação do cidadão. Podemos verificar, dessa forma, que, embora a legislação venha a ser uma oportunidade de legalidade, ela, muitas vezes, não passa disso. Vejamos: a regulamentação, perante o Estado, não garante o direito de liberdade de manifestação do pensamento e

Reconhecemos, ao problematizarmos a legislação das rádios comunitárias, que embora os seus propósitos sejam democráticos e participativos, o direito à comunicação não é valorizado. Ainda que a lei venha contribuir para que a atuação das rádios seja instituída legalmente, a regra opera como um mecanismo de impedimento à estruturação das rádios, principalmente no que diz respeito a sua implantação. A lei torna-se, pois, incoerente com a realidade das rádios comunitárias. Além disso, apenas uma legislação que conceda a outorga às rádios comunitárias não garante a inclusão dos cidadãos nos processos de participação e comunicação. Do mesmo modo, além de uma legislação coerente, devem ser desenvolvidas políticas públicas para

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da expressão de ideias, como consta no Art. 224 da Constituição Federal. Dessa forma, podemos afirmar que a lei de radiodifusão comunitária é uma contradição. Acrescenta-se ainda a existência de outras contradições no processo de legalização, pois o Governo, com frequência, autoriza o funcionamento de emissoras comunitárias ligadas a particulares, igrejas, ou a políticos em detrimento de associações comprovadamente constituídas com base em entidades de cunho organizativo-comunitário local, conforme exige a lei (PERUZZO, 2006b, p. 117).

Ora, a própria definição de rádios comunitárias restringe o seu uso pela comunidade. Segundo a legislação, uma rádio comunitária deve operar em baixa potência (cerca de 25 watts) e sob as condições técnicas apontadas pela referida regulamentação. Por outro lado, o limitado espectro de transmissão reforça os laços territoriais entre a rádio e a comunidade de modo que se abrem espaços para a produção de programas radiofônicos locais em que a participação pode ser suscitada no fortalecimento dos vínculos com a comunidade. Um sistema de comunicação pode ser considerado participativo se prevê mecanismos e canais que permitam aos grupos de base determinar com independência os conteúdos temáticos do programa e emitir mensagens autônomas, surgidas deles mesmos e não escolhidas pelos promotores; torna-se possível que os setores populares falem daquilo que eles próprios querem falar (DORNELLES, 2007, p.4).

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complementá-la no sentido de capacitar os sujeitos para que, assim, possam ter condições de fazê-la valer na prática. Dessa forma, compreendemos a ambiência digital como um espaço comunicacional alternativo frente às exigências e dificuldades encontradas na implantação e na operacionalização das rádios comunitárias, as quais aliadas ao ambiente digital constroem, então, novas territorialidades. De fato, é desta maneira que se compõe uma territorialidade: um espaço permeado por sistemas de relações, as quais o constroem, produzindo cultura. Constituem-se mais como dimensões sociais, culturais, políticas: um espaço de relações, um espaço de encontros (MOASSAB, 2006, p. 2).

A ambiência digital é, assim, uma oportunidade de emancipação das rádios comunitárias frente aos entraves da lei que, na maioria das vezes, as impedem de exercerem seu direito à comunicação.

3 Dados coletados do Projeto Donos da Mídia. Esse projeto reúne informações fornecidas pelos grupos de mídia para montar um panorama completo da mídia no Brasil. Disponível em: http://donosdamidia. com.br/rede/4023. Acesso em 27/06/12.

3 NOVAS TERRITORIALIDADES E RÁDIOS COMUNITÁRIAS Além de a ambiência digital ser uma alternativa aos entraves da lei, ela abre espaços para que os cidadãos possam produzir as suas próprias mensagens e ter acesso a uma gama de informações disponíveis na web. O acesso ao ciberespaço é uma oportunidade para conhecer outros pontos de vista, já que, no nosso país, imperam os monopólios de comunicação. A Rede Globo de Televisão, por exemplo, possui 340 veículos incluindo suas afiliadas, além de um sistema de retransmissão que conta com aproximadamente 330 redes de telecomunicações3 . Ainda que sejam criadas diversas tecnologias interativas e móveis, que permitam aos indivíduos manterem-se conectados com o mundo, a enorme quantidade de tecnologias de comunicação não garante a participação dos sujeitos nos processos de democratização da comunicação.

Frente ao surgimento das tecnologias digitais de informação e comunicação, emergem os debates sobre o desaparecimento das mídias tradicionais, como o rádio. O que constatamos, até então, é que ambas coabitam entre os sujeitos, criando uma nova cultura denominada, por Jenkins (2008), como cultura da convergência. “Se o paradigma da revolução digital presumia que as novas mídias substituiriam as antigas, o emergente paradigma da convergência presume que novas e antigas mídias irão interagir de formas cada vez mais complexas” (JENKINS, 2008, p. 32-33). A nova cultura apontada por Jenkins (2008), na qual a convergência transforma tanto os modos de interação entre as antigas e novas mídias quanto à relação entre os sujeitos, pode ser entendida sob a ótica da “sociedade mediatizada”.Segundo Pires (2010), em uma sociedade mediatizada não há somente um acúmulo de saberes, mas também diversas formas de mediação e difusão desses saberes. A partir das novas formas de apropriação das tecnologias, o tempo e o espaço são reorganizados e reelaborados e, assim, produzem novas formas de relacionamento. A autora afirma que [...] o sujeito contemporâneo tornou-se espectador e produtor de suas próprias mensagens. Surgiram diferentes espaços e temporalidades a partir do uso da tecnologia do audiovisual nas novas produções de subjetividade, que emergem do uso dos novos meios no espaço doméstico, nas culturas juvenis, no cotidiano das escolas, nas associações comunitárias, etc. (PIRES, 2010, p. 286).

Quando se admitirá, enfim, que quanto mais telefones, mais televisores, mais mídias interativas, mais redes, mais se colocará a pergunta sobre o que a sociedade faz dessas técnicas, e não que sociedade será criada por essas técnicas? Resumindo, quando admitiremos que o problema está mais para socializar as técnicas do que para ‘tecnizar’ a sociedade? (WOLTON, 2004, p. 60).

Assim como assevera-nos Castells (1999), os significados produzidos pela inserção das tecnologias da informação só podem ser reconhecidos a partir do seu uso e pelas práticas sociais (re) criadas que moldam a identidade dos sujeitos. Desse modo, a expansão das rádios comunitárias para o ambiente digital é propiciada pela reelaboração dos polos de produção, distribuição e recepção dos conteúdos. Criam-se, a partir disso, novas territorialidades e uma nova forma de interação entre as rádios comunitárias e a sociedade. Além disso, a ausência de regulamentação do ambiente digital permite dar às rádios uma maior abertura e flexibilidade no momento de criar um canal de comunicação com a comunidade. Assim sendo, elas passam a habitar um novo espaço onde podem valer-se de sua criatividade para transmitir a informação local para qualquer parte do mundo.

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Provoca-se, dessa forma, uma ruptura com as formas de atuação das rádios comunitárias: antes, viam-se aprisionadas ao alcance da antena transmissora (que tem o alcance de um raio de um quilômetro), agora, podem expandir a comunicação local para além do seu território. São novas possibilidades de promover a participação e o envolvimento do público. Assim, podemos elencar que as territorialidades das rádios comunitárias provocam: a) Uma oportunidade de realizar uma comunicação alternativa em relação à vinculação das rádios à legislação; b) Uma nova dimensão espaço-temporal na relação entre a rádio comunitária e os sujeitos, já que as rádios comunitárias estarão desvinculadas de seu território físico; c) Novas formas de atuação no ambiente digital, que compreendem tanto a operacionalização quanto as modalidades de participação dos sujeitos; d) Necessidade de capacitação dos sujeitos envolvidos diretamente com o fazer comunitário, visto que, tanto no meio físico quanto no ambiente digital, as rádios comunitárias carecem do desenvolvimento de habilidades e competências técnicas para elaborarem estratégias de produção, gestão, participação e, principalmente, de mobilização social. A questão da capacitação antecede as novas territorialidades das mídias comunitárias. Verificamos que, em sua maioria, ainda elas não conseguem desempenhar um trabalho comunitário com a comunidade por não terem conhecimento para produção radiofônica ou por apresentarem um desvirtuamento de seus princípios de cidadania. Neste sentido, Peruzzo (2006b, p. 117) afirma que

dadania, modificam o papel dos sujeitos frente às possibilidades que se abrem e se expandem no meio digital. A nova cultura do conhecimento surge ao mesmo tempo em que nossos vínculos com antigas formas de comunidade social estão se rompendo, nosso arraigamento à geografia física está diminuindo, nossos laços com a família estendida, ou mesmo com a família nuclear, estão se desintegrando, e nossas alianças com Estados-nações estão sendo redefinidas. Entretanto, novas formas de comunidade estão surgindo (JENKINS, 2008, p. 5657).

As possibilidades apresentadas ainda permanecem, no cenário brasileiro, nos limites das questões do acesso e do conhecimento para a utilização/apropriação das tecnologias digitais. Emerge, assim, o discurso hegemônico da técnica no qual os sujeitos vislumbram as tecnologias digitais como a salvação da sociedade contemporânea para a democratização da comunicação. Para Levy (2010), o ambiente digital representa uma nova esfera pública na qual floresce a cultura do diálogo em um espaço interativo que possui, como principais características, a inclusão, a transparência e a universalidade. Esse espaço dá aos cidadãos maior responsabilidade e liberdade de expressão, já que distribui a função midiática no conjunto da sociedade. Os conteúdos reunidos no ciberespaço complementamse com a união do texto, do áudio e da imagem e não se organizam mais de acordo com uma grade de programação, mas, segundo os temas de interesse do usuário. A mediação clássica organizava uma seleção institucional e, a priori, informações para instituições especializadas. A intermediação emergente do ciberespaço, ao contrário, organiza seleções personalizadas, a posteriori, usando a contribuição da inteligência coletiva [...] (LEVY, 2010, p. 371).

Por outro lado, a ambiência digital poderia suscitar, através das mídias comunitárias, novas formas de relacionamento entre os sujeitos. Os princípios das rádios comunitárias, entendidas como agentes de ci-

Neste aspeccto, Pariser (2011) traz contribuições que contestam a ideia de democratização no ambiente digital. O autor parte da hipótese de que, na Internet, não há universalidade, mas sim um direcionamento de conteúdo limitado e específico para cada usuário. A web compartilharia conosco os nossos próprios pontos de vista, as nossas preferências, os nossos desejos e as nossas convicções ao formar uma bolha em que estamos individualmente herméticos em nossos próprios pensamentos.

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caso contrário tendem a reproduzir estilos de programação e tendências das rádios convencionais, tanto pela ênfase em conteúdo musical, como no alinhamento político a ocupantes de cargos nas instâncias legislativas e do poder executivo local em contrapartida a apoios financeiros.

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4 “tipo de informação determinista” (PARISER, 2011, p. 14 – tradução nossa).

Além do mais, na obra The filter Buble4 , a bolha, da qual fazemos parte na web, é constituída de conteúdos que passam por uma espécie de “filtro” antes de chegar até nós. Sendo assim, a liberdade de escolha que achávamos ter no ambiente digital tornou-se um equívoco? A partir do fenômeno da bolha do filtro, o conteúdo que consumimos será alterado, modificado e determinado por interesses que não são nossos? O computador tornar-se-á, então, como sublinha Pariser (2011), um tipo de espelho unidirecional que reflete nossos interesses? Os conteúdos a que temos acesso na rede são moldados a partir de um mapeamento dos usuários. Por isso, os resultados, em um sistema de busca, são diferentes de pessoa para pessoa. Assim, na bolha do filtro, não há perigo de ficarmos expostos a pontos de vista diferentes do nosso. Se a democracia parte de uma relação de confiança nas informações disponíveis, essa relação de confiança torna-se essencial quando percebemos que possuir a informação é ter o poder do conhecimento. E o que fazer quando a informação que consumimos faz parte de um universo paralelo ao nosso? O projeto a que a ambiência digital propunha-se parecia ir muito além dos interesses dos anunciantes. Seria um meio em potencial para democratizar a informação, modificar a nossa relação com os meios de comunicação e transformar a relação de poder existente entre os sujeitos e a forma de consumir os conteúdos midiáticos. Poderíamos agir sobre a informação, transformá-la, criticá-la. A bolha do filtro afeta nossas escolhas cotidianas e, fazendo parte da bolha, estamos deixando que as empresas façam essas escolhas por nós mesmos. Entramos em um kind of information determinism (PARISER, 2011, p. 14) . Estamos inseridos em uma aldeia global ou numa espécie de insulamento digital? Ter conhecimento sobre como a informação chega até nós é fundamental para entendermos como os interesses privados afetam os processos democráticos e para compreender a importância do papel da mídia nesse processo. As novas territorialidades das rádios comunitárias fariam parte de um processo de nivelamento da sociedade por permitir o acesso, a produção e a distribuição de todo tipo de informação, sob o olhar de diferentes sujeitos. A visibilidade gerada por esse espaço poderia ser uma nova forma de fiscalizar as ações da administração pública. A oportunidade de descentralizar a informação, por meio das rádios comunitárias no ambiente digital, poderia dar aos cidadãos maior poder de intervenção na esfera pública midiática e, consequentemente, maior poder de decisão sobre a esfera pública política.

As discussões apresentadas neste trabalho configuram-se como potencialidades diante das novas territorialidades das rádios comunitárias. As reflexões sobre como a ambiência digital pode ser um meio para ampliar a atuação das rádios comunitárias está vinculada a determinados fatores. No contexto do nosso país, o acesso, o uso e a apropriação dos meios de comunicação digitais pelos sujeitos é uma realidade que parece distante. Segundo dados apresentados pelo IBGE5 , a maioria da população brasileira é sem instrução ou possui o ensino fundamental incompleto. Desse modo, a atuação dos sujeitos nas rádios comunitárias depende do desenvolvimento de capacidades e habilidades técnicas para que possam apropriar-se desses espaços e habitar os meios de comunicação comunitários. Cabe, também, às políticas públicas incluir os meios de comunicação e os sujeitos em um processo dialógico com vistas à transformação social. Provocar-se-ia, assim, uma mudança cultural nas formas de participação dos sujeitos para o exercício da cidadania. Ao vislumbrarmos, na ambiência digital, uma oportunidade de emancipação das rádios comunitárias em relação a sua legislação, observamos também as lógicas de produção e disseminação dos conteúdos midiáticos. A ambiência digital não está isenta de interesses mercadológicos. Por isso, tão importante quanto compreender o processo de produção é entender as formas de atuação dos sujeitos e como eles apropriam-se dos conteúdos. Expresso em outros termos, embora haja diversas possibilidades de comunicação e produção de informação através das ferramentas disponíveis no ambiente digital, precisamos compreender as intencionalidades que permeiam a produção dos conteúdos midiáticos. As relações públicas comunitárias também possuem potencialidades a serem desempenhadas neste panorama. Exercem o

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Verificamos, ademais, que a busca por novas territorialidades para as rádios comunitárias precisa ser repensada. A reflexão crítica sobre o processo de produção da informação é tão importante quanto os meios a que temos acesso, pois as intencionalidades que estão contidas na elaboração das mensagens e as escolhas realizadas previamente fazem da informação um produto midiático de consumo. CONSIDERAÇÕES FINAIS

5 “Dados relativos à educação no Brasil. Fonte: IBGE, Censo Demográfico 2010. Disponível em http:// www.censo2010. ibge.gov.br/amostra/. Acesso em 25/06/12.

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importante papel de conscientizar os sujeitos, dar oportunidade para que compreendam as estratégias de produção midiática e, principalmente, de mobilizá-los. Fica em aberto, para estudos comunicacionais posteriores, a investigação acerca dos usos dos sujeitos em relação às potencialidades apresentadas. E, para além dos usos, investigar como a relação entre as rádios comunitárias – em novas territorialidades ou em espaços físicos – interferem nas práticas sociais dos sujeitos. Assim, nossos objetivos não visam ao esgotamento da discussão acerca das rádios comunitárias, da ambiência digital e da cidadania, mas buscam abrir espaços para o levantamento de questões a serem problematizadas.

KUNSCH, M. M. K. Relações Públicas nas organizações. In: Planejamento de Relações Públicas na Comunicação Integrada. São Paulo: Summus, 2003. p. 89-147. MOASSAB, Andréia. Rádios comunitárias e a construção de territorialidades contemporâneas. In: Encontro Anual da COMPÓS – Associação Nacional de Programas de Pós-Graduação, XV, 2006, Bauru/SP. LEVY, Pierre. Pela ciberdemocracia. In: MORAES, Dênis de. (org.) Por uma outra comunicação: mídia, mundialização cultual e poder. 5ªed. São Paulo: Record, 2010. P.367-384. PARISER, Eli. The filter bubble: what the internet is hidding from you. New York: Penguin Press, 2011. PERUZZO, Cicilia Maria Krohling. Comunicação nos movimentos populares: a participação na construção da cidadania. Petrópolis, RJ: Vozes, 1998.

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Discurso sobre comunidade na televisão: análise das estratégias discursivas no Jornal da Record

Keywords: Community; Discursive Strategies; Critical Discourse Analysis; Television.

Patrícia Franck Pichler Maria Ivete Trevisan Fossá Resumo: Investigamos a compreensão sobre comunidade suscitada pelas estratégias discursivas do telejornal brasileiro Jornal da Record, a partir da análise da série “Vida na Comunidade”. A abordagem teórico-metodológica terá seu curso nos estudos da Análise Crítica do Discurso. O modelo tridimensional trabalhado por Fairclough reúne três tradições analíticas, que na interpretação conjunta moldam um quadro representativo das práticas sociais e das relações discursivas, sociais e culturais envolvidas com o contexto e a temática pesquisados. Capturando as operações linguísticas utilizadas nas estratégias do discurso telejornalístico sobre comunidade, buscamos compreender quais efeitos de sentido são organizados por esse telejornal e qual conduta interpretativa pode estar suscitando a forma como o conceito é representado. Palavras-Chave: Comunidade; Estratégias Discursivas; Análise Crítica do Discurso; Televisão. Abstract: We investigated the understanding of community driven by discursive strategies of Brazilian newscast Jornal da Record, from the analysis of the series “Life in the Community.” The theoretical and methodological approach has its course in the study of Critical Discourse Analysis. The three-dimensional model worked by Fairclough joins three analytical traditions that in the joint interpretation frame a representative picture of the social practices and discursive, social and cultural relations involved with the context and topic searched. Capturing strategic linguistic operations used in the newscast discourse about community, we seek to understand what meaning is organized by this newscast and what interpretive conduct can be inspiring the way the concept is represented. 144

INTRODUÇÃO Compreender um conceito em sua origem exige o estudo de um contexto amplo. Quando o estudo está vinculado a indivíduos e a suas vidas na coletividade, a exigência é pela verificação de aspectos nos âmbitos histórico, social, cultural e econômico. Nessa proposta de trabalho, partimos do posicionamento decorrente da observação e da constatação que, com o passar do tempo, não só a concepção de comunidade mudou, como também foi assumindo, em âmbito nacional, uma conotação pejorativa, ou seja, como adjetivo ou sinônimo do que é inferior, diferente do hegemonicamente aceito; e é isso que nos propomos a investigar. Acreditamos que a compreensão de comunidade apresentada em 1887 por Ferdinand Tönnies difere da atualizada em 1987 por Martin Bubber, mas sabemos que certos traços não foram e não serão perdidos com o passar do tempo, e que não podemos deixar que se percam. Além desses autores, são utilizados estudos contemporâneos acerca do tema como, Raquel Paiva (2003) e Márcio Simeone Henriques (2010). Revisamos ainda as pesquisas de Touraine (1997, 2007, 2009), que afirma que uma comunidade deve ser composta por sujeitos e não indivíduos, pois se entende que estes são assujeitados e apolíticos, não sendo a conformação necessária à comunidade contemporânea. Outros autores também são investigados, como Roberto Esposito (2007) e Boaventura de Sousa Santos (2005, 2007). Estudamos também o contexto da midiatização e da mídia televisiva brasileira, que definimos como “pano de fundo” da investigação na qual se insere nosso objeto de pesquisa, o texto televisual. Afunilamos nosso estudo na televisão, com foco na realidade do Brasil. Segundo pesquisa encomendada pelo Governo Federal em 2010, “Hábitos de Informação e Formação de Opinião da População Brasileira II1”, dos entrevistados que veem televisão (94,2%) 77,2% assistem a canais abertos. Ainda conforme essa pesquisa, os programas mais assistidos são os telejornais (42,6%) e as novelas (31,1%). Quanto aos telejornais, o mais popular é o Jornal Nacional da Rede Globo, que detém 49,9% da audiência, seguido pelo Jornal da Record, com 11,5%. 145

1 Pesquisa quantitativa aplicada pelo Instituto de Pesquisa Meta, solicitado pelo Governo Federal. Relatório publicado em dezembro de 2010, disponível em: .

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2 ENZENSBERGER, Hans Magnus. Elementos para una teoria de los Medios de Comunicación. Cuadernos Anagrama; na interpretação e estudo de Muniz Sodré, 1984.

Esses números nos informam que, em se tratando da abrangência e disseminação de conteúdo, a televisão é um objeto relevante à pesquisa empírica e, nesse sentido, os telejornais completam a justificativa do corpus. Para Márcia Benetti (2010), o discurso enunciado pelo jornalismo é um objeto instigante à pesquisa preocupada com o sentido, pois é dialógico, polifônico, opaco, produtor de sentidos e efeito de sentidos, além de ser elaborado segundo condições de produção, de acordo com diretrizes institucionais e vieses apoiados pelas regras de noticiabilidade. Dessa forma, o corpus de pesquisa está composto pelos cinco programas (textos audiovisuais) veiculados pelo telejornal Jornal da Record, entre os dias 2 a 6 de abril de 2012, que constituem a série intitulada “Vida na Comunidade”. A partir da observação, transcrição e análise discursiva crítica do texto televisual, fazemos uma relação entre a comunidade epistemologicamente compreendida e a que nos é apresentada pela série investigada. Buscamos assim, compreender quais efeitos de sentido são organizados pelo Jornal da Record e como o conceito de comunidade é representado no simulacro da mídia televisiva brasileira. Pela inserção na lógica de mercado, a informação enquanto “produto televisível” recebe determinados “tratamentos” para se tornar mais acessível e, por consequência, “vendável”. Nesse processo, há a tendência ao empobrecimento da informação, conforme explica Sodré: “o código que rege a produção das mensagens de massa tem de se tornar mais pobre para aumentar o índice de percepção por parte dos receptores. Isto implica, com frequência, num empobrecimento da mensagem com relação à original (da cultura elevada)” (1992, p. 16). Recordando a problemática levantada neste trabalho, objetivamos observar se o sentido dado à mensagem configura-se ou não nos parâmetros de uma “comunicação do grotesco” (SODRÉ, 1992), perdendo sua originalidade. Com isso, pretendemos também refletir sobre uma comunicação libertadora e educadora, ou seja, fazendo um “‘uso emancipador’ dos meios de informação”, nos moldes do que Sodré já defendia em 1984, no livro “O monopólio da fala”. Assim, com uma proposta de “aprendizagem”, pregada por Enzensberger2, e não de empobrecimento das mensagens (SODRÉ, 1984), para que se possa compreender e representar comunidades despidas de possíveis preconceitos e estereótipos, construídos social e culturalmente ao longo da história.



1 BREVE COMPREENSÃO SOBRE COMUNIDADE Considerando questões que tangem ao social, econômico e cultural, é sabido que muitas são as transformações ocorridas ao longo da história; ou seja, trata-se de um processo de mudança contínua. Nesse sentido, ao propormos o entendimento sobre o conceito de comunidade, devemos ter em mente que estamos tratando de relações humanas, da inter-relação entre indivíduos que compartilham um mesmo espaço e tempo, que afeta e é afetada pelas instâncias acima consideradas. Os conceitos de comunidade e sociedade, nos estudos de Tönnies, estão abarcados no que fica conhecido como a primeira esfera dos estudos sociológicos do autor, quando gemeinschaft e gesellschaft tornam-se dois conceitos fundamentais a ele, baseados em seus estudos sobre a “vontade natural” (natural will) e a “vontade racional” (rational will). Assim, para o autor, tudo o que envolve aspectos de relacionamento em âmbito humano está vinculado às “vontades” humanas (1957). Para Tönnies, comunidade e sociedade são dois modos diferentes de pensamento e de comportamento. A comunidade, ou Gemeinschaft, reúne indivíduos que estão sob a ação da tradição e dos costumes, não existe a necessidade de justificação, esta se dá pelo motivo óbvio da sobrevivência da comunidade (DASCAL e ZIMMERMANN apud BUBER, 1987, p. 16). Para Martin Buber (1987) não se trata do desaparecimento da organização social enquanto comunidade, mas sim de sua reorganização social, ou seja, estaríamos frente a uma “nova comunidade”, não mais ligada e unida por laços de sangue e tradições somente, mas sim “em relações emanadas da livre-escolha das pessoas” (DASCAL e ZIMMERMANN apud BUBER, 1987, p. 17), que o autor denominou de “comunidade pós-social”. Na busca pelo nosso entendimento epistemológico do conceito de comunidade, encontramos as palavras de Raquel Paiva, que reafirmam nosso compromisso e preocupação em verificar o que vem a ser comunidade nas configurações sociais, culturas e políticoeconômicas atuais.

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A revisão conceitual comporta a afirmação de existência de comunidade na sociedade atual. Não com as mesmas características que a definiam, principalmente quanto ao pressuposto de que os indivíduos devam estar no mesmo território, partilhando o mesmo espaço físico. Tenta-se inclusi-

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COMUNICAÇÃO E CIDADANIA ve avaliar se indivíduos distantes podem estar em relação de interdependência afetiva e ética e constituírem uma comunidade (PAIVA, 1998, p. 56).

Pautando o percurso pelas relações sociais, teremos um importante foco no uso da informação e da comunicação pelos sujeitos, surgindo como característica a ser considerada “o poder reivindicatório, que se instala a partir da informação numa ótica programática, não com um propósito meramente promocional, mas de melhoria da condição de vida do indivíduo” (PAIVA, 1998, p. 58). Nesse sentido, encontramos o espírito de comunidade vinculado aos laços de união e de ajuda mútua entre os sujeitos comunitários, o que remete a aspectos de solidariedade, visto por Paiva (1998) como uma estratégia construída para sobreviver frente à escassez. A reivindicação surge nesse sentido, corroborando estrategicamente na luta por sobreviver frente às hegemonias globalizantes. Nesse espaço, “a proposta comunitária surge como nova possibilidade de sociabilização, com o propósito de fazer frente ao modelo econômico em que o número dos excluídos parece cada vez mais ampliado” (PAIVA, 1998, p. 20). A ideia de comunidade une assim os indivíduos, formando um sujeito coletivo, que pela congregação de experiências e pela pluralidade tem força frente aos poderes impostos e chances de manter-se original e não se render “às pressões da alienação”. Isso é comunidade (PAIVA, 1998). Ao mesmo tempo, não se vê mais a comunidade reunida e organizada como uma congregação coletiva única e imutável, pois este mesmo sujeito assim não mais a aceita. Quer viver livre, quer usufruir de sua individuação; transitar entre diferentes possibilidades, até mesmo pertencer às distintas comunidades. Para tanto, a comunidade passa a ser abstrata, a estar mais no âmbito do discurso, que propriamente no âmbito da experiência coletiva física. Assim, podemos dizer que a partir de determinado momento, o indivíduo passou a valer mais que a comunidade ou a própria sociedade, ou seja, “a definição de um ser social por suas relações com ele mesmo é mais importante do que aquela que considera sua posição dentro da sociedade” (TOURAINE, 2009, p. 140). Por sua vez, ao se tratar de comunidades, o sujeito passa a ter um valor de destaque frente ao indivíduo, pela necessidade de atuação e resistência desses grupos, que se comunitarizam frente às pressões e às transformações sociais, políticas e culturais; por vezes esquecidos 148

Seguindo esta lógica do “abandono”, o termo comunidade acabou assumindo definições muito fracas com o passar do tempo, designando superficialmente “colectividades locais, bairros, grupos religiosos ou étnicos, ou até grupos definidos por costumes ou gostos, na condição de beneficiarem de uma certa organização interna e, nomeadamente, da capacidade de estarem representados face aos poderes públicos” (TOURAINE, 1997, p. 221). Estas definições acabam por enfraquecer, tanto a ideia de comunidade, como a representação daqueles que as compõem. No século XXI, com a configuração de coletividades “multi” e dinâmicas, com a presença dos meios de comunicação e de intercâmbio que superam a linha do espaço e do tempo, é preciso levar em consideração três importantes aspectos ao se falar em comunidades: uma comunidade não se limita à coabitação em um território comum; Dentro de um mesmo território, sua população pode ser muito diversificada, possuindo poucos elementos em comum; Dentro de um mesmo território, os laços de parentesco e vizinhança ou de trabalho e produção compartilhada podem não ser os elementos mais importantes que definem o espaço comum e sua organização coletiva (HENRIQUES, 2010, p. 58).

Ao encontro dos aspectos trazidos por Henriques sobre o atual âmbito da comunidade, está a visão humanista de Alain Touraine, ao propor que na vigente configuração econômica, social e cultural, não podemos mais falar em indivíduos, mas em Sujeitos, justamente pela presença das diferenças. Para Touraine (1997), a comunitarização não é positiva, pois coloca os indivíduos à mercê de um domínio político. Para que possam viver “livres” e responder às suas próprias vontades, as pessoas precisam tornar-se Sujeitos. Para que isso ocorra, faz-se necessária a comunicação cultural, que consiste na aceitação da diversidade e na recomposição do mundo, a partir do princípio da unidade (TOURAINE, 1997). Boaventura de Sousa Santos (2007), com sua teoria das sociologias das ausências e das emergências, demonstra preocuparse em tornar as pessoas preparadas e mais flexíveis a aceitar o multiculturalismo, e vivenciar as diferenças, que para ele, são consideraradas experiências que não devem ser esquecidas e/ou descredibilizadas. Contudo, com essa sua proposta, surge um número expressivo de novas possibilidades e realidades, as quais são muito mais ricas, o que geraria ainda mais fragmentação e, possivelmente, mais barbáries 149

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A proposta de Santos (2007), frente ao contexto inovador e conflituoso da globalização, é um “procedimento de tradução”, o qual supõe “traduzir saberes em outros saberes, traduzir práticas e sujeitos de uns aos outros, é buscar inteligibilidade sem ‘canibalização’, sem homogeneização” (SANTOS, 2007, p. 39). É reconhecer e saber o que há em comum entre culturas, hábitos e grupos com diferenças. Nesta proposta, está encaixada a teoria de uma epistemologia do Sul, de que é preciso ter uma “justiça cognitiva global”, que está entre os saberes, no conhecimento e reconhecimento (SANTOS, 2007). Com base na revisão teórica sobre a concepção de comunidade, elaboramos a compreensão do conceito a partir da sintetização das teorias dos autores estudados, buscando entender a evolução na noção de comunidade através das mudanças sociais, culturais e político-econômicas que enfrentamos historicamente. Chegamos assim, ao que definimos como os cinco conceitos-chave que sintetizam uma possibilidade de apreensão para o conceito. Organizadas em blocos temáticos as definições com base nos autores, temos uma apreensão que vem ao encontro da proposta de um conceito plural de comunidade, revisto e ampliado ao momento político, econômico, social e cultural no qual se dá esta pesquisa, conforme exposto no Quadro 1. Compreendemos então, a concepção de comunidade como um grupo de pessoas que se tornaram Sujeitos, que refletem sobre sua realidade e participam dos movimentos que conduzem a mudanças significativas em sua forma de gerir a vida em sociedade. São grupos compostos por pessoas autônomas e livres, que têm a comunidade como um espaço de compartilhamento e cooperação, mas não se limitam a ele. Essas comunidades ─ a partir do momento que são integradas por Sujeitos que ali estão por livre-escolha ─ estão abertas a diferentes realidades, vivenciam e experienciam novas possibilidades provenientes da alteridade. Dessa forma, adotam a ecologia dos saberes, ampliando o seu presente através de novas experiências e gerando alternativas para o futuro. Reconhecem outros saberes, e assim, expandem sua própria experiência, o que as fortalece. Fortalecidas internamente por sujeitos que aceitam as diferenças e negam a hierarquização, e externamente pelo reconhecimento de outros saberes e pela articulação de realidades, tornam-se credíveis e um movimento contra-hegemônico. 150

Quadro 1 – Conceito de comunidade revisto e ampliado ao momento políticoeconômico, social e cultural contemporâneo.

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Podemos dizer que se tem uma comunidade empoderada, plena de si, auto-reconhecida e com possibilidade de reconhecimento frente à sociedade. Este empoderamento está alicerçado pelos seus membros, que através de suas atitudes e seus saberes multiculturais, constituemse como Sujeitos politizados, que tomam as rédeas de suas vidas. Como uma coletividade empoderada e composta por su jeitos politizados, a comunidade passa a se mostrar e a ser vista, e representada, despida de possíveis preconceitos e estereótipos. 2 TELEVISÃO E TELEJORNALISMO: O CONTEXTO MIDIÁTICO DA PESQUISA A investigação perpassa a mídia, a atuação dos meios de comunicação na produção e na forma dos indivíduos receberem e reconhecerem os processos sociais. Temos nesse aspecto os estudos da midiatização, como uma inter-relação/intersecção entre os meios de comunicação, os processos comunicacionais e os processos sociais (FERREIRA, 2007). Nessa tríade, há um envolvimento recíproco entre as partes, sendo que assim como os processos comunicacionais interferem na configuração dos processos sociais, o caminho de volta também ocorre, estando os meios de comunicação presentes em todas as vias, seja como chegada ou partida das intersecções. Com referência nas pesquisas de Véron, compreendemos um meio de comunicação mais pelo seu envolvimento no contexto cultural e social que envolve a sua utilização, do que pelo aparato técnico. Entendemos meios de comunicação sob uma perspectiva coletiva, pois o acesso a seus conteúdos, às suas mensagens, é plural. Quanto à midiatização, destacamos o esquema elaborado por Verón (1997), que representa seu entendimento a partir das relações imbricadas entre o que o autor convencionou chamar de “instituciones”, “medios”, “actores individuales” e os “colectivos”. Essa visão dos fenômenos sociais e culturais perpassando as tecnologias da comunicação é também o entendimento de Muniz Sodré quanto à midiatização, ou melhor, o autor esclarece que não devemos compreender o conceito como a passagem dos processos sociais pela mídia e vice-versa, mas sim o envolvimento dessas instâncias. É a articulação da sociedade, suas instituições e seus indivíduos com a mídia (SODRÉ, 2007). Nesse panorama, é moldada a sociedade midiatizada, definida pelos usos e pela importância que passa a ter o discurso, as “falas”, ou seja, uma “sociedade do discurso” conforme Foucault (1970), trazido

por Sodré (2007). Esse modelo de sociedade tem no discurso certa forma de dominação, a partir do qual são estabelecidas regras de integração e exclusão. Contudo, de certo modo, assim como a sociedade controla os discursos, esses também passam a controlar a sociedade, pela proporção que os meios de comunicação e os processos midiáticos assumem devido aos avanços nas tecnologias de comunicação. Compreendemos o objetivo de nosso trabalho inserido nesse panorama, ao pretendermos investigar como os coletivos denominados comunidades são construídos através das estratégias discursivas da programação telejornalística do Jornal da Record. Assim, o trabalho envolve-se com a temática da midiatização, um fenômeno complexo, “una maraña de circuitos de “feedback” (VERÓN, 1997). Nesse contexto, a produção do discurso, a construção do texto televisual, que vai ao ar todos os dias nas diversas emissoras da televisão brasileira e nos distintos programas apresentados, faz-se relevante, apontando para esta estrutura de feedbacks que compõem a trama da midiatização como como ponto de ligação, o conectivo entre instituição, meio de comunicação e atores individuais. Sob uma perspectiva que aponta para uma comunicação muitas vezes preocupada unicamente com os números que envolvem audiência e faturamento do que com o modo que utiliza para chegar a suas metas (lembrando sua inserção na lógica de mercado), prestando pouca atenção às consequências sociais e culturais dessa atuação, pensamos nosso objeto e objetivo de pesquisa. Estaria o conceito de comunidade sob ameaça de uma comunicação que prima pela quantidade e subjuga a qualidade? Ao descaso dos produtores, enunciadores do discurso que chega aos telespectadores, e à tendência de tornar a informação algo banal e/ou banalizar certas informações, é somada a característica do popularesco, que adjetiva os “produtos” da comunicação (SODRÉ, 2002). A televisão soube se adaptar às mudanças sociais, culturais, econômicas e políticas que atravessou, moldando seus formatos externo e interno para continuar presente no cotidiano da sociedade contemporânea. Nesse sentido, a linguagem utilizada pela mídia televisiva tem relevante papel, pois é ela que vai estabelecer a relação produtor – consumidor do “produto”, no caso, programas televisivos. O texto televisivo é elaborado a certa distância de sua audiência e escrito a telespectadores que, embora previamente conhecidos, são

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virtuais. Além disso, depois de escrito, este mesmo texto é falado, o que possibilita que seja adaptado a certas circunstâncias de produção. Contudo o ouvinte permanece distante e a relação face a face se dá por meio do aparato tecnológico, o televisor. Temos assim a necessidade de uma linguagem mais complexa, que é escrita-oral, e uma audiência afastada geograficamente, mas que contextualmente está numa relação de proximidade. Ao compreendermos que a televisão no Brasil funciona como as demais empresas privadas, ou seja, inserida na lógica econômica de mercado, entendemos que os textos, os programas, são pensados e organizados como mercadorias, detalhadamente moldados para atrair seus consumidores/telespectadores no mercado mundial. Assim, as estratégias elaboradas no planejamento da programação da emissora e para a produção dos programas televisuais têm a finalidade de cativar os telespectadores e inseri-los em sua lógica, além de reforçar sua identidade e reafirmar sua imagem, legitimando-a.

3 PERCURSO DA PESQUISA: O OBJETO EMPÍRICO E A ANÁLISE CRÍTICA DO DISCURSO O objeto empírico desta investigação é a série “Vida na Comunidade”, veiculada pelo Jornal da Record (JR), do canal aberto Rede Record, emissora brasileira que foi ao ar pela primeira vez no dia 27 de

setembro de 1953. Apesar de dar grande relevância ao telejornalismo em sua atual programação, a TV Record sempre foi destaque na cobertura esportiva, sendo sua a primeira transmissão ao vivo de um jogo de futebol. Os anos 1980 e 1990 marcaram o maior investimento no telejornalismo, com a mudança no quadro de apresentadores e alterações nos programas exibidos. O Jornal da Record é o grande destaque, por ocupar o horário nobre, de segunda a sábado, sendo definido pela emissora como “confiável, ágil, moderno, grandes reportagens e séries especiais. Uma equipe competente, dedicada e afinada [...] Sem máscaras e imparcial”, prometendo trazer a notícia a uma proximidade cada vez maior dos seus telespectadores (Jornal da Record, 2012)3. Segundo dados retirados do site da emissora, o JR é acompanhado em 150 países, através da Record Internacional. Sua equipe de jornalistas é composta por 28 profissionais. Além da equipe do Brasil, o programa conta com o apoio de 10 correspondentes internacionais. A bancada é atualmente ocupada por Ana Paula Padrão e Celso Freitas. “Além das principais notícias do dia, toda semana, o Jornal da Record exibe uma série de reportagens especiais sobre os mais variados assuntos de interesse da população brasileira [...]” (Rede Record/Jornal da Record, 2012). Na série analisada, o telejornal relata a vida nas favelas cariocas. O trabalho de pesquisa e reportagem foi executado pela repórter Catarina Hong, que visitou oito favelas (denominadas pela série como comunidades) pacificadas pelas Unidades de Polícia Pacificadora (UPPs). O conjunto de reportagens objetiva mostrar que/como “onde antes predominava a violência, hoje vivem pessoas mais tranquilas e cheias de sonhos” (Rede Record/Jornal da Record, 2012). Dessa forma, a série Vida na comunidade, composta por cinco programas que foram ao ar nos dias 2 a 6 de abril de 2012, durante a programação do Jornal da Record, trata da vida nos morros/favelas cariocas; como foi o processo de pacificação, o combate ao tráfico de drogas e à violência, como estão vivendo agora os moradores, suas necessidades e as carências que ainda enfrentam, conforme relatado no site da série Para a investigação, optamos pela ACD (Análise Crítica do Discurso), por se preocupar com as transformações da sociedade e suas práticas sociais, analisando mudanças culturais. Para tanto, a ACD utiliza a análise de práticas discursivas, pois compreende a linguagem como um

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No telejornalismo, o uso de técnicas sustentadas nos enquadramentos e nos processos de conotação valorativas, através de uma determinada seqüência de imagens, leva o indivíduo a experimentar diferentes versões ou simulações da atualidade justamente porque, durante todos os dias, é elaborada e construída, em cada uma das edições dos noticiários, uma realidade não exatamente preexistente, mas uma outra ou nova realidade (BECKER, 2010, p. 116. Grifo nosso).

O que Becker (2010) escreve deixa pistas à nossa investigação, sobre cuidados que devem ser tomados no momento da análise, ou seja, precisamos atentar quanto à conformação do conteúdo (textual-verbal e imagético) e o sentido dado pelos seus atores através das versões e edições. Isso faz com que a realidade trabalhada no telejornalismo possa configurar-se como uma “nova realidade”, o que no caso do estudo sobre o sentido dado ao conceito de comunidade pode representar o surgimento de um “novo” entendimento.

3 RECORD. Programas – Jornalismo – Jornal da Record. Acesso em junho de 2012. Disponível em: < http://noticias.r7.com/ jornal-da-record/>.

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4 Noção introduzida inicialmente por Foucault (1969) e posteriormente retrabalhada por Pêcheux (1983). O primeiro autor, falando de formação discursiva “procurava contornar as unidades tradicionais como ‘teoria’, ‘ciência’, para designar conjuntos de enunciados que podem ser associados a um mesmo sistema de regras, historicamente determinadas” (CHARAUDEAU e MAINGUENEAU, 1998, p. 241). O termo “permite, com efeito, designar todo conjunto de enunciados sócio-historicamente circunscrito que pode relacionar-se a uma identidade enunciativa: o discurso comunista, o conjunto de discursos proferidos por uma administração, os enunciados que decorrem de uma ciência dada, o discurso dos patrões, dos camponeses, etc.” (CHARAUDEAU e MAINGUENEAU, 1998, p. 241).

fenômeno de prática social. Dentro desta linhagem da Análise dos Discursos, Fairclough é o autor que trabalha com forte enfoque social, considerando que a mudança discursiva está relacionada diretamente com a mudança social e cultural dos grupos sociais. Dessa forma, podemos destacar como a grande preocupação da Análise Crítica do Discurso a mudança histórica, “[...] mudanças de práticas discursivas e seu lugar dentro de processos mais amplos de mudança social e cultural” (FAIRCLOUGH, 2001, p. 38). Por esse contexto que envolve a Análise Crítica do Discurso, percebemos esta como uma linha teórico-metodológica que vem ao encontro da preocupação trazida por nosso trabalho. Ao assistirmos ao discurso televisivo, entramos em contato com suas práticas e estratégias discursivas, que produzem um efeito de sentido em seus telespectadores e, de acordo com as práticas sociais envolvidas neste “jogo” discursivo, geram transformações nas práticas sociais e culturais. Pelo sentido suscitado pelas práticas discursivas dos telejornais a respeito do conceito de comunidade, novas condutas sociais e culturais podem (ou não) surgir, e historicamente transformar o posicionamento da sociedade e suas práticas sociais frente a comunidades. Como apresenta Pedrosa (2008), “o discurso é um modo de ação, uma prática que transforma o mundo e os outros indivíduos no mundo” (p. 5), e Fairclough (2001) ratifica, apontando o discurso como constituído pelo social e constitutivo dele. A análise tridimensional que Fairclough (2001) apresenta como adequada a uma análise dos discursos que atenta às práticas sociais associadas às práticas discursivas é a soma de três tradições analíticas: a análise textual, a análise das práticas discursivas e das práticas sociais. A primeira localiza-se em uma dimensão descritiva, trazendo aspectos práticos e estruturais da análise linguística. Por sua vez, as práticas discursivas e as práticas sociais são incluídas em um nível interpretativo, sempre relacionadas à etapa analítica textual. Para a investigação proposta, faremos uso dos critérios de estrutura textual da etapa analítica do texto, remetendo concomitantemente às práticas sociais conforme o objeto for sendo apresentado/interpretado. A construção da análise dar-se-á conjuntamente à teoria, pois compreendemos ser esta uma maneira facilitada de verificar a organização do raciocínio analítico. Trechos dos programas serão destacados no decorrer da análise, como formações discursivas4 (FD) numeradas sequencialmente, demonstrando as estratégias utilizadas pelo Jornal da Record no que tange ao conceito de co-

munidade e possibilitando uma projeção de como este discurso pode afetar a prática social. A análise está voltada ao texto verbal, nas palavras e frases enunciadas pelos apresentadores, pois são elas que coordenam a compreensão frente aos telespectadores. Embora as imagens utilizadas pelos telejor-nais também formem um conjunto que auxilia no sentido dado pela reportagem televisionada, por motivos de estrutura de artigo, estas não serão aqui consideradas, atentando-nos ao textual/ oral.

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4 DO DISCURSO ÀS PRÁTICAS SOCIAIS: QUE COMUNIDADE O JR ESTÁ APRESENTANDO? A análise textual é etapa constitutiva também das práticas discursivas, composta por microaspectos que juntos representam relevantes dados à análise implicada com as práticas e mudanças sociais e culturais. Temos assim, inicialmente, uma microanálise, com possibilidade de avanço a uma macroanálise com a intertextualidade. Fairclough (2001) propõe quatro itens à etapa textual, o vocabulário, a gramática, a coesão e a estrutura textual. Estenderemos nossa observação sobre a estrutura textual, que organiza uma visão mais geral sobre o texto, abarcando as demais fases de um modo amplo. Dessa forma, num primeiro momento, verificaremos questões de controle interacional, polidez (força) e ethos que, conforme Fairclough (2001), são características da construção das relações sociais e do “eu”. Através da estrutura textual é possível focalizar “as formas em que o discurso contribui para processos de mudança cultural, em que as identidades sociais ou os ‘eus’ associados a domínios e a instituições específicas são redefinidos e reconstituídos” (FAIRCLOUGH, 2001, p. 175). Eis o mote da investigação. O controle interacional é o item que verifica a organização do texto, a distribuição dos turnos de fala, de perguntas e respostas, para que ocorra uma interação regular entre os sujeitos envolvidos no discurso. Sob este aspecto, é possível verificar quem controla o discurso, ou seja, quem define qual o rumo que o assunto/texto/conversa terá, o ritmo e até mesmo a temática (Fairclough define como Modalidade). Este controle é percebido através de ciclos, que sucessivamente iniciam e encerram, dentro de um mesmo eixo, mas com a inserção de novos elementos para que o discurso não seja redundante.

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Por nosso objeto tratar de um texto telejornalístico, temos evidente a utilização destas trocas de turno, sendo o repórter responsável pela reportagem detentor do maior tempo de ciclos. Para cada episódio da série foi preestabelecida pela editoria uma temática guia, o que conduziu os turnos de fala dentro de uma modalidade (FAIRCLOUGH, 2001). Assim, os turnos de fala e os tópicos foram sempre escolhidos e/ou alterados de acordo com uma programação anterior, sob a coordenação da repórter, que segue uma orientação de pauta estabelecida pela edição do telejornal. Embora as reportagens sejam constituídas por grande parte de texto narrado, as entrevistas e opiniões de moradores das favelas são importantes recursos na ligação das ideias apresentadas pelo telejornal acerca do que eles constituem como a vida na comunidade. Nestes momentos de entrevista, percebemos nitidamente a interação e como esta é organizada em torno das perguntas da repórter. FD 01 Narração repórter: [...] Testemunha das transformações pelas quais a comunidade passou, dona Mariana de 85 anos, mora na mesma casa há mais de cinco décadas. Repórter: ‒ Nesses 55 anos a senhora viveu, chegou a viver com medo? Entrevistada (Mariana - moradora): ‒ Foram esses 55 anos com medo. É uma benção agora, minha filha, nós tava no inferno, agora nós estamos no céu. Hoje eu sei que tô na paz. Narração repórter: O fotógrafo torturado, ainda não pode dizer o mesmo. Entrevistado (fotógrafo torturado): ‒ O 01 e o outro lá que tá preso lá, eles têm uma vida melhor que a minha. Eles devem receber a visita da mulher e dos filhos. Choro sozinho; dormir, durmo pouco; tenho a imagem dos caras todos na minha cabeça. A minha psiquiatra diz que eu vou ter que conviver com isso. (Episódio 1, 02/04/2012)

um novo ciclo que aborda novamente o medo, apresentando o depoimento de um jornalista-fotógrafo capturado e torturado por milicianos. Nesse mesmo sentido, temos os exemplos abaixo (FD 02 e FD 03), que também conduzem a temática a um tom negativo e pejorativo à localidade, através da tomada do turno de voz pela repórter. Estes casos, além de reafirmarem a proposta do telejornal de que comunidade é sinônimo e “substantivo relativo”5 de favela, apontam estes grupos e locais vinculados a características que ostentam sempre mar- cas como violência, terror, medo, insegurança, precariedade, pobreza, com alguns breves momentos de esperança e felicidade. FD 02 Narração repórter: [...] Com a pacificação, os tiros se silenciaram em algumas comunidades. E o valor dos imóveis subiu. Em volta do morro Santa Marta, por exemplo, o aumento foi de quase 60%. O aluguel de um apartamento de 4 quartos, na mesma região, mais que dobrou. Entrevistado: ‒ As pessoas tão muito mais tranquilas andando na rua. Repórter (posicionada frente à favela ao fundo): ‒ Só que a escalada no preço dos imóveis não veio acompanhada do progresso. Muitos moradores ainda vivem sem luz, água encanada, esgoto, no meio do lixo. (Episódio 2, 03/04/2012) FD 03 Repórter (na sala de uma casa): ‒ Esta é a típica família do Complexo do Alemão. A dona Georgete e o seu Luiz não tiveram oportunidade de estudar e só sabem escrever o próprio nome, já o filho Tiago terminou o ensino médio, mas está desempregado. A outra filha, Margareth, essa sim, conseguiu ir pra faculdade, se formou em farmácia e hoje trabalha na área. Que orgulho, hein dona Georgete, ter uma filha com diploma? Entrevistada (Georgete. - moradora): ‒ Muito orgulho. Eu não esperava a minha filha se formar assim, mas graças a Deus minha filha se formou. E com muito sacrifício, foi com muito trabalho. Entrevistada (Margareth – estudante): ‒ Nós temos que seguir sempre à frente, por mais que seja difícil. Pode ser difícil, mas não é impossível. Narração repórter: Margareth é quase uma exceção. Menos de 3% das pessoas que moram nos morros chegam à universidade. As 14 comunidades do Complexo do Alemão têm um dos piores índices de desenvolvimento social do RJ. Escolaridade por aqui é mesmo coisa rara [...]. (Episódio 5, 06/04/2012)

Conforme acima (FD 01), percebemos com clareza a troca de turnos e de como é controlada pela edição da reportagem. Esta organização feita pelo telejornal demonstra que o controle dos tópicos é seu, conduzindo assim a discussão e a construção da reportagem na modalidade que julga adequada. A repórter direciona a reposta da moradora entrevistada dentro da temática “medo”, foco dado ao primeiro episódio ( “Sai o medo, entra a paz”). Contudo a entrevistada direciona a sua afirmação para uma temática diferente, apontando a existência da paz, de agora estar vivendo bem; esta troca de turno é cortada pela edição, iniciando

Fairclough fala em uma certa “agenda” preestabelecida, que o sujeito autor elabora e “com a qual ele controla a tomada, o conteúdo utilizados. e a duração dos turnos [...] e a introdução e a mudança dos

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5 Configura-se como um caso de nominalização, transformando o conceito de comunidade em “estado” e/ou “objeto”. “A criação de novas entidades é uma característica da nominalização que tem considerável importância cultural e ideológica” (FAIRCLOUGH, 2001, p. 227).

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tópicos” (FAIRCLOUGH, 2001, p. 180). No caso do telejornalismo, temos a existência deste controle interacional na construção das reportagens, com uma agenda que podemos dizer estar em dois níveis: o primeiro controlado pelo veículo informacional, suas diretrizes editoriais e definições de pautas diárias; o segundo construído pelo próprio repórter responsável pela matéria, que elabora o texto, estabelece a sequência dada, as imagens (com suporte do cinegrafista), as fontes e os entrevistados. Sob esta agenda, o que percebemos no discurso utilizado pela série “Vida na Comunidade”, do Jornal da Record, é um controle interacional definido pelo telejornal com forte presença de uma temática que tende majoritariamente a um contexto negativo. Conforme destacamos nas formações discursivas 02 e 03, é perceptível a tendência de elevar a dificuldade e a pobreza enfrentadas pelos moradores das favelas citadas. Na FD 02 a frase positiva do morador entrevistado, a qual complementa o quadro de desenvolvimento apresentado anteriormente pela reportagem, é reafirmada pela fala da repórter, porém o contexto otimista é substituído por um novo parecer, agora negativo, através da expressão “só que”. O contexto depreciativo é completado pela informação que finaliza o período: “Muitos moradores ainda vivem sem luz, água encanada, esgoto, no meio do lixo”. Na FD 03 também encontramos exemplos desta variação da apresentação de melhorias seguidas pela ênfase a uma situação ainda difícil. Nos destaques feitos na formação discursiva em questão, lemos uma evolução no que tange à educação nos morros cariocas: pais sem ensino básico, filho com ensino básico mas sem emprego, filha com ensino superior e trabalhando. Este histórico da família demonstra que a qualidade de vida de fato está melhorando para as pessoas que vivem nas favelas e que o acesso e a busca pela educação estão aumentando. Contudo, este panorama não é mantido por muito tempo na matéria, que na sequência destaca que a moça com ensino superior é exceção. A realidade ainda é de baixa escolaridade, o que reflete nos índices de desenvolvimento destas localidades. Com certeza a apresentação dessas informações é relevante para que a sociedade brasileira tenha conhecimento de como vivem e qual a situação social daqueles menos favorecidos, que habitam quase que “escondidos” os morros e vilarejos pobres. Mas o que destacamos aqui é a abordagem quase que totalmente pejorativa desses espaços e

coletividades com vinculação ao conceito comunidade. Já apresentamos acima que o termo abarca uma compreensão que transcende a simples delimitação físico-espacial, abrangendo também, e principalmente, aspectos sociais. Dessa forma, embora as favelas sejam sim exemplos de comunidades, não devemos permitir que o conceito seja reduzido exclusivamente a esta compreensão em termos de Brasil, ainda mais com constante associação a contextos de criminalidade e vulnerabilidades generalizadas. Para um apoio efetivo, estas comunidades devem ser reconhecidas muito mais pela riqueza cultural e humana de seus sujeitos, do que pela pobreza. Avançando em nossa investigação acerca do discurso do telejornal da Record sobre comunidade, com enfoque na estrutura textual, chegamos aos aspectos de polidez utilizados no texto. Vinculada à análise do controle interacional, a polidez é tida como “conjuntos de estratégias da parte dos participantes do discurso para mitigar os atos de fala que são potencialmente ameaçadores para sua própria ‘face’ ou para a dos interlocutores” (FAIRCLOUGH, 2011, p. 203). Esta estratégia discursiva é geralmente utilizada quando é preciso fazer revelações e afirmações que algumas vezes são difíceis para os enunciadores ou para os enunciatários 6 . Através da utilização correta da polidez, é possível abrandar certas declarações, muitas vezes conseguindo afastar-se do “peso” que elas carregam, diminuir ou aumentar o grau de afinidade. Para isso, os autores dos discursos podem usar um “tom ‘provocante’, ‘coquete’ ou ‘infantil’” (FAIRCLOUGH, 2001, p. 181), como uma maneira de tornar menos penoso o dizer. Dessa forma, percebemos uma forte polidez. Porém, quando temos o contrário, uma fraca polidez, o discurso é enunciado sem mitigação, de forma direta, sendo algumas vezes até cruel. A forma como um texto é “polido” trará diferentes resultados a seu sentido. Um discurso com fraca polidez afeta mais fortemente e diretamente a “face” dos enunciatários, sua autoestima, privacidade e/ou autonomia (FAIRCLOUGH, 2001). Com base nos estudos de Brown e Levinson 7 (1987), Fairclough resume as estratégias de polidez em cinco possíveis “atos ameaçadores da face” (AAF). Uma primeira estratégia seria não deixar que uma ameaça ocorra, o que é evidenciado pela forma de estruturação do discurso. Quando ocorre, o ato de ameaça à face pode ser implícito ou explícito. Implicitamente, ele exige uma interpretação por parte do enunciatário, que seja inferido, pois a dica é dada sutilmente. Já quanto ao uso explícito, temos duas opções, com ação reparadora ou dito claramente, sem reparação. Quando utilizamos alguma forma de

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6 O destinatário, o co-orientador, conforme Maingueneau (2008).

7 Brown e Levinson (1987) apresentam sua teria “das faces” baseados nos estudos de Goffman sobre face e território. Para os dois autores esta estratégia discursiva trata dos atos de fala que os sujeitos realizam constantemente em suas interações e como estes atos podem ser ameaçadores à face positiva e à face negativa dos interlocutores do discurso. Em sua obra “Politness: some universals in laguage usage”, é apresentado um esquema que organiza as estratégias de acordo com casos de polidez positiva, polidez negativa ou indiretividade.

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reparação, podemos optar pela polidez positiva (como expressão de solidariedade) ou pela polidez negativa (como expressão de restrição, repressão). No discurso jornalístico, de um modo geral, são constantemente realizados AAF, devido ao ofício de informar acerca de acontecimentos que envolvem diretamente a vida das pessoas. Assim, é feito uso da polidez como recurso para tornar certas informações menos “ameaçadoras” à autoestima dos envolvidos e determinadas notícias menos pesadas, a fim de tornar o momento de informação mais leve e prazeroso. Isso não deve ser considerado para casos de jornalismo sensacionalista, quando fraca polidez é item necessário ao cunho das notícias e reportagens. Vejamos de que maneira o JR faz uso das estratégias discursivas de polidez, no que tange ao conceito de comunidade.

No caso das FD 04 e 05, temos explícita a utilização do conceito de comunidade como equivalente ao “Morro do São Carlos” e “Favela do Batã”, pois o termo é utilizado em substituição/relativo às já citadas

localidades. Contudo, remetendo ao foco da polidez, observamos que o termo é utilizado, nos dois momentos relatados acima, após a apresentação de informação “pesada”, sobre a criminalidade naquelas favelas, revelando por fim auspícios de otimismo. Em um primeiro momento (FD 04), aquela localidade, seus sujeitos, como pertencente à história do Rio de Janeiro, enaltecendo sua relevante contribuição na música símbolo do estado, o samba. Após, como cenário de guerrilhas entre traficantes e policiais. O parecer de beleza antecede um relato de forte criminalidade, um contexto de violência, que só foi apaziguado com a chegada da polícia pacificadora. Desta forma, o relato da “comunidade parte da história da boemia carioca” atuou como estratégia de polidez, visando o autor do discurso a não “ameaçar a face positiva” do interlocutor. Utilizou-se de um fato positivo para equalizar com o panorama negativo que seguia, atenuar o teor de crítica e/ou insulto (MAINGUENEAU, 2008). No mesmo sentido, percebemos a utilização do conceito de comunidade na formação discursiva 05. Assim, o próprio conceito de comunidade acaba utilizado como estratégia de mitigar o que é apresentado sobre as favelas, seus espaços, sua organização, suas deficiências, seus moradores, a violência, o tráfico. Ou seja, o principal exemplo de uso da polidez, visando ao abrandamento da informação pelo telejornal, é a própria palavra comunidade utilizada como sinônimo de favela, morros cariocas. O uso do conceito de comunidade como substituição à definição de favela pode ser considerado também como um caso de polidez negativa, pois o telejornal o usa para evitar infringir o domínio/ território dos que lá vivem e estão sendo representados. Através da estratégia de polidez negativa, utilizando-se de expressões de restrição (expression of restraint), demonstrando respeito à privacidade do outro, é buscado poupar e reverenciar os territórios espacial e temporal, os bens materiais e os simbólicos (MARCOTULIO e SOUZA, 2007), a “face negativa” dos colocados em jogo no discurso. Outro aspecto observável através das marcas de polidez é o posicionamento social e de poder dos sujeitos, o que fica implícito no discurso. Estes aspectos estão submetidos ao tipo de discurso e à ordem à qual ele pertence. Assim, de acordo com o contexto no qual o discurso está ancorado, os traços de polidez deixam clara a relação que permeia socialmente os sujeitos. No que se refere à colocação/repre sentação dos sujeitos (moradores) das citadas comunidades no discur-

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FD 04 Narração repórter (imagens aéreas de uma imensa favela, música de carnaval ao fundo): ‒ Bairro do Estácio, Morro do São Carlos. É aqui mesmo, o berço do samba, onde nasceu a primeira escola do RJ, a Deixa Falar, em 1927. A comunidade faz parte da história da boemia carioca, reduto de sambistas, como o compositor André Filho, que imortalizou a marcha símbolo do RJ. Antes da pacificação, traficantes dos morros São Carlos, Mineira, Zinco e Querosene travavam guerrilhas diárias na disputa pelo comando da venda de drogas. Os índices de criminalidade começaram a diminuir com a ocupação do complexo do São Carlos pela polícia, em 2011, mas o trabalho de um ano inteiro para ganhar a confiança dos moradores da comunidade desmoronou quando os agentes federais subiram o morro [...]. (Episódio 3, 04/04/2012) FD 05 Narração repórter: ‒ O crime bárbaro, colocou a pequena Comunidade do Batã na mira das autoridades. Até agora é única antes controlada por milícias a receber as forças de pacificação. Repórter (frente a uma unidade da UPP): ‒ Um símbolo das mudanças de poder aqui na comunidade do Batã é esta casa. Ela já foi uma residência até ter sido tomada pelos traficantes, que foram expulsos pela milícia. Há três anos o quartel-general dos criminosos virou sede da UPP. E a piscina, onde antes os milicianos faziam festa, hoje é domínio das crianças. (Episódio 1, 02/04/2012)

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so analisado, aferimos que o Jornal da Record os têm em uma posição de inferioridade e de passividade. Com exceção do episódio 2, que foi ao ar no dia 3 de abril de 2012, cuja temática foi “Valorização Imobiliária”, os outros quatro episódios apresentaram os moradores das favelas, as então comunidades segundo o telejornal da Record, submissos ao medo e à situação de precariedade com a qual convivem. Conforme verificamos no exemplo abaixo, os moradores não querem falar, temem as consequências de relatar casos e delatar pessoas.

Essa situação de busca por parte da repórter e fuga dos moradores pode ser compreendida como vinculada à contrariedade percebida no que tange à ameaça às faces, pois ao passo que estas são alvo de constantes intimidações devido aos atos de interação, são também objetos da vontade de se preservar (MARCOTULIO e SOUZA, 2007). Na FD 06, percebemos o citado posicionamento social através das “falas ameaçadoras para a face negativa do destinatário: perguntas indiscretas, conselhos não solicitados, ordens etc” (MAINGUENEAU, 2008, p. 38). Após esta revisão sobre os aspectos de controle interacional e polidez, chegamos à questão do ethos, a qual está ligada à compreensão do tipo de identidade social que é explicitada pelo discurso. “O ethos é, então, manifestado pelo corpo inteiro, não só pela voz, [...] é o efeito cumulativo de sua disposição corporal total – o modo como se sentem, sua expressão facial, seus movimentos, seus modos de responder fisi-

camente ao que é dito [...]” (FAIRCLOUGH, 2001, p. 208). Concordando, Maingueneau (2008) apresenta que todo o discurso tem um enunciador demarcado, ou nas palavras do autor, “encarnado”; há uma voz que o sustenta como se fosse a assinatura de quem “escreveu o texto”. Na investigação acerca do controle interacional e da polidez, são retirados também relevantes traços que remetem ao ethos de quem enuncia. Temos com o ethos a compreensão de certos traços que denunciam seu autor, que por suas escolhas nos diz como ele é e como ele quer ou não quer ser compreendido. Importante atenção deve ser dada ao fato de o ethos fazer referência a “uma representação do corpo do enunciador (e não, evidentemente, do corpo do autor efetivo)” (MAINGUENEAU, 2008, p. 98). Assim, o ethos “designa a imagem de si que o locutor constrói em seu discurso para exercer uma influência sobre seu alocutário” (CHARAUDEAU e MAINGUENEAU, 2006, p. 220). Ao transpormos estas compreensões ao contexto do telejornalismo brasileiro percebemos nitidamente a criação do “eu” no caso analisado do Jornal da Record, manifestando determinada imagem a seu público, criando sua identidade social. Além da construção de um ethos geral do programa (a identidade do JR), a cada reportagem esta identidade é reforçada e determinadas marcas dela são evidenciadas ou escondidas. Por exemplo, quando o telejornal está cobrindo algum grande caso, que denota dias de cobertura e inúmeras matérias, o ethos do telejornal é reforçado através da elaboração de uma estrutura especial, como a utilização de uniformes pelos repórteres e cinegrafistas, a escolha de um local de gravação das falas (cenário), o tempo de programação fornecido ao caso; conforme exemplo da série Vida na Comunidade. O que podemos inferir quanto ao ethos manifestado pelo Jornal da Record através da exibição da referida série, com relação a seu posicionamento sobre o uso do conceito de comunidade, é que o programa demonstra certa despreocupação. O conceito é amplamente utilizado, tanto pela repórter da série como pelos apresentadores do telejornal (Celso Freitas e Ana Paula Padrão), como sinônimo de favela. Além disso, o conceito é constantemente localizado em um contexto de violência, crime, tráfico e pobreza, com breves apontamentos vinculados aos moradores das localidades retratadas, sua atuação e envolvimento social. Pela tomada nos turnos de voz, o JR demonstra sua preocupação em transformar as reportagens em um atraente produto com forte teor de drama. Mais do que trazer informações que relatem sim, a realidade vivida e denunciem a situação em que se

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FD 06 Narração repórter: ‒ O menino que volta da escola reconhece nossa equipe. A moradora se interessa em conversar. Corte para imagem da repórter: ‒ “É porque a gente tá fazendo uma reportagem sobre aqui, sobre a comunidade aqui”; Mulher indagada: ‒ “Como assim?” Narração repórter: ‒ Mas ao tocar no assunto Corte para imagem da repórter: ‒ “Como é que tá aqui depois que entrou a polícia, como é que ficou?” Mulher indagada: ‒ “Ah, eu não sei de nada minha filha, quase não paro aqui..”. Narração repórter: ‒ E ela não é a única a se esquivar. Falar de segurança aqui é o que justamente parece causar medo. Repórter perguntando a um morador: ‒ “Tá tendo toque de recolher aqui? A polícia manda fechar tudo cedo”? Morador fala, com a cabeça baixa: ‒ “Olha, sobre isso eu não posso, eu não posso falar, né”? (Episódio 3, 04/04/2012)

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encontra a infraestrutura das favelas, é necessário que também deixem claro que aquela coletividade é legítima, quer e pode melhorar. Pelo conjunto das temáticas abordadas a cada programa da série e a forma como o discurso foi construído e as favelas representadas, fica evidenciado um caráter sensacionalista dado ao Jornal da Record, que busca a atenção de seus telespectadores mais pelo espetáculo criado a partir de suas reportagens, do que pela informação credível, apurada e atualizada. O primeiro episódio trata de “Libertação, a transformação de uma comunidade: saiu o medo, entrou a paz”. O segundo episódio aborda a “Valorização imobiliária da região com a pacificação das comunidades”. O programa do terceiro dia apresenta o cenário do “Tráfico de drogas: polícia corrompida e busca pela confiança dos moradores”. No quarto episódio, o telejornal relatou “A entrada das comunidades no mapa turístico do RJ após a pacificação”. Por fim, no quinto programa da série é trazida a realidade de “Como os moradores driblam as dificuldades e batalham pra melhorar de vida”. Conforme é possível constatar em uma breve leitura das temáticas abordadas, o Jornal da Record generaliza o conceito de comunidade como favelas e apresenta-o em um contexto que prioriza o conflito “paz x medo”, “polícia x bandidos”, “moradores x dificuldades”. Essa visão de comunidade apresentada pela reportagem é ratificada pela fala dos apresentadores do telejornal, antes e após a exibição dos episódios, o que sinaliza um posicionamento geral da emissora. Isso é reafirmado com a utilização deste mesmo padrão nas demais notícias do JR e outros telejornais do grupo, assim como em outros programas do canal de televisão.

No Brasil, com o aumento da visibilidade midiática das periferias, normalmente vinculadas ao fenômeno da criminalização da pobreza e da militarização, impulsionado pelo sucesso de filmes como Cidade de Deus e Tropa de Elite 1 e 2, comunidade assumiu de vez o lugar de grupos excluídos. Este artigo inicia com a compreensão epistemológica de comunidade, uma revisão teórica sobre o conceito, como forma de confrontar ao entendimento suscitado pela representação telejornalística. Através da organização da revisão bibliográfica em um quadro teórico-conceitual, chegamos à compreensão de comunidade como

uma coletividade que é composta por sujeitos críticos, preocupados e envolvidos com seu contexto e que, por isso, é empoderada. A comunidade e seus integrantes politizados e pertencentes por livre escolha aos grupos reconhecem a si próprios como integrantes de determinada coletividade e, por isso, são também reconhecidos frente à sociedade. Os traços de cooperação, solidariedade e objetivos mútuos ainda são característicos, mas não fechados somente à sua realidade. A comunidade “olha para fora” e respeita e aceita o outro para que a recíproca seja verdadeira. Com este posicionamento podemos encontrar qualquer comunidade, seja constituída por ricos ou pobres, por letrados ou analfabetos, por muitos ou poucos integrantes, por moradores do centro ou da periferia, ou ainda, por uma mistura de pessoas social e culturalmente distintas. Não importa de que comunidade estamos falando, mas sim que ela é “sujeito” e toma frente na ação. Não aceita ser representada como estática e não pode e não quer ser reconhecida sob um único viés. Sob esta compreensão está a comunidade popular, a comunidade científica, a comunidade funkeira, a comunidade gay, a comunidade internacional, a comunidade religiosa, a comunidade negra. Enfim, o qualitativo é mera descrição para contextualização, pois a definição está em ser comunidade. Sob todo este arcabouço, está nosso significado potencial e o campo semântico que envolve o conceito. Ao apresentarmos e discutirmos o discurso acerca de comunidade, levando em consideração a linguagem socialmente construída pelo telejornalismo do Jornal da Record, notamos que este aborda particularmente uma discussão sobre favelas, tráfico de drogas, pobreza e violência. Verificamos, através da análise da linguagem em uso, conforme defende a ACD, que o conceito de comunidade construído e representado pelo discurso do JR, exemplificado aqui pela série “Vida na Comunidade”, distancia-se do epistemologicamente compreendido, esquecendo-se das características generalizantes de união, colaboração, composta por sujeitos e empoderada frente à sociedade. Constatamos, preliminarmente, que o Jornal da Record faz uso do conceito de comunidade de uma forma próxima à utilização popular. Esta utilização não está em todo incorreta, pois se insere nas práticas sociais pertencentes ao contexto social e cultural que o telejornal apresenta em seu discurso diário, contudo, a partir deste seu posicionamento, pode estar contribuindo para o reforço desta, co-

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

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laborando quem sabe para a perda de um significado “maior”, o epistemológico. O que verificamos pela análise é a nominalização do conceito, ou seja, uma possível re-significação, com um sentido que tende a reduzi-lo. Precisamos cuidar para não institucionalizar comunidade como favela. Todo este cenário apresentado pelo JR pode levar, como prática social, à vinculação da palavra/conceito comunidade a um entendimento e reconhecimento pejorativo e preconceituoso, fazendo com que o mesmo vá se “perdendo” ao longo do tempo.

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A lei de acesso à informação como instrumento de comunicação pública

rily initiative, the LAI (Law of information Access) has promising future potentialities that still depend on an educative policy culture of Brazilian citizenships.

Patrícia Milano Pérsigo Maria Ivete Trevisan Fossá

“Uma coisa é falar dos direitos do homem, direitos sempre novos e cada vez mais extensos, e justificá-los com argumentos convincentes; outra coisa é garantir-lhes uma proteção efetiva” (BOBBIO,1992, p. 63).

Resumo: Este artigo trata sobre os instrumentos de comunicação pública do governo brasileiro a partir da Lei de Acesso à Informação que entrou em vigor em 16 de maio de 2012. O percurso teórico inicia com o contexto da Lei de Acesso à Informação e os direitos do homem, em seguida, trazendo a sua relação com a comunicação pública e, por fim, abordando, especificamente, os instrumentos de comunicação do Estado brasileiro. O aporte teórico está embasado nos estudos de Bobbio (1997, 1992), Marshall (1967), Duarte (2007), Weber (2009) e Gentilli (2005). Entendemos que, como uma iniciativa primeira do governo Dilma, a LAI tem potencialidades futuras promissoras que, no entanto, ainda dependem de uma cultura política educativa do cidadão brasileiro. Palavras-chave: comunicação pública; instrumentos do Estado; Lei de Acesso à Informação; transparência; Abstract: This article is about the tools of Public Communication of Brazilian Government having the Law of Information Access that started to be applied on May, 16th 2012. The theoretical journey begins with the Law of Information Access context and with the human rights. Then it is raised the relation with the Public Communication and in the end it approaches specifically the tools of communication of the Brazilian State. The theoretical support is based on the studies of Bobbio (1997, 1992), Marshall (1967), Duarte (2007), Weber (2009) and Gentilli (2005). We understand that as Dilma’s Government prima172

Keywords: public communication; State tools; Law of communication access; transparency. INTRODUÇÃO Os estudos que abordam a comunicação pública apresentamna sob diversos enfoques, destacando, na maior parte das vezes, o seu aspecto discursivo, mostrando uma dificuldade em precisar o seu conceito. Esta área ainda é um campo recente e que, no Brasil, durante algum tempo, esteve atrelado à mera propaganda política e aos sistemas informativos numa via de mão única. Na contemporaneidade, presenciamos uma dificuldade da efetivação do diálogo e do debate público que envolva as três esferas: Estado, governo e sociedade. Talvez essa carência de relação entre elas também exista em função de um problema de entendimento dos seus reais significados e competências. A constituição brasileira assegura a transparência dos atos dos órgãos públicos como um direito dos cidadãos e é neste sentido que a comunicação pública busca envolver, motivar, catalisar não só a produção de informações de interesse público, mas também a divulgação, a circulação e o diálogo a partir desses insumos. Tendo em vista que a sociedade brasileira encontra-se inserida em uma forma de governo democrática, torna-se premente a publicidade das ações de quem detém o poder público, o que funcionará, ao mesmo tempo, como insumo e fomento à participação política dos cidadãos. Como o próprio Norberto Bobbio (1997) assevera-nos, o Estado é permanente, ele passa a existir justamente para atender a sociedade civil e, assim, desempenha importante papel para o equilíbrio social. Compondo esse patamar, insere-se o governo como uma instituição política temporária, já que é formado por atores políticos eleitos pelo voto dos cidadãos. Sob essa perspectiva representativa e observando o contexto brasileiro, entendemos ser necessária uma maior aproximação entre governo e sociedade. É a partir desse movimento que as demandas públicas – temas de interesse público – serão ouvidas com maior ênfase pelas instâncias estatais e governamentais competentes para tal. 173

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Nesse cenário, observamos uma cena política que ainda encontra-se mapeando/testando as formas de participação da sociedade. No entanto, a realidade informativa governamental que preponderou, durante muito tempo, e os constantes escândalos de corrupção nesse campo, acabam por afastar os cidadãos das esferas deliberativas. O desvio do dinheiro público, o favorecimento de determinados atores, a troca de favores, o roubo e o desrespeito às leis e aos contratos sociais, conferem um descrédito a esfera política como instância legítima de ação coletiva. Nesse aspecto, o governo atual, liderado pela Presidente da República, Dilma Rousseff, lança mão de algumas estratégias no intuito de fomentar a participação cidadã e promover uma maior transparência de seu governo. Em maio de 2012, o governo federal promulgou a Lei de Acesso à Informação Pública, tornando disponíveis informações de interesse público no âmbito federal. Após alguns meses, a iniciativa foi acompanhada por alguns estados e municípios. Em virtude disso, este artigo objetiva delinear os contornos contemporâneos da comunicação pública brasileira, discutindo a estratégia de comunicação do governo Dilma com a promoção dessa lei. Para tal intento, o percurso teórico perpassa alguns conceitos como o de esfera pública, democracia, cidadania e comunicação pública. No primeiro tópico, abordaremos a Lei de Acesso à Informação, a partir de consulta no portal www.acessoainformacao.gov.br, as gerações de direitos de Marshal (1967) e Bobbio (1992). No segundo momento, trataremos sobre a comunicação pública, a partir dos estudos de autores como Duarte (2007), Brandão (2007) e Weber (2009). Concluímos com Gentilli (2005) para discutir e observar os portais “Acesso à informação” e “Portal da Transparência” à luz dos referenciais sobre estratégias de comunicação do Estado. 1 LEI nº 12.527/2011: UM MARCO NA HISTÓRIA BRASILEIRA Por trás apenas de alguns números (12.527/2011), está a Lei de Acesso à Informação que entrou em vigor no Brasil em 16 de maio de 2012, tendo sido sancionada pela então Presidente da República, Dilma Rousseff, em 18 de novembro de 2011. O que, inicialmente, parece algo simples e já previsto na Constituição brasileira de 1988 – conhecida como constituição cidadã – passa, agora, a regulamentar o direito constitucional de acesso às informações públicas dos cidadãos 174

brasileiros. Esse acesso refere-se aos três poderes da União, além de estados, Distrito Federal e municípios. De acordo com Bobbio (1997), a essência das leis está diretamente atrelada à existência do poder público, já que é por meio delas que o poder soberano regulará as relações dos súditos entre si, e entre o Estado e os súditos, na sociedade civil, isto é, naquela sociedade que é mantida junta por uma autoridade superior aos indivíduos singulares (BOBBIO, 1997, p. 18).

Neste sentido, a Lei de Acesso à Informação (LAI) é apresentada como um importante passo na consolidação democrática do Brasil e também como um instrumento de vigilância e controle das ações dos poderes instituídos para a prevenção da corrupção no país1 . O governo justifica a importância desta lei argumentando que, assim, será possível uma maior participação popular através da fiscalização das ações governamentais, o que, consequentemente, ocasionará numa melhoria da gestão pública.

1 Disponível em: Acesso em: 12 de agosto de 2012.

No Brasil, o direito de acesso à informação pública foi previsto na Constituição Federal, no inciso XXXIII do Capítulo I - dos Direitos e Deveres Individuais e Coletivos - que dispõe que: ’todos têm direito a receber dos órgãos públicos informações de seu interesse particular, ou de interesse coletivo ou geral, que serão prestadas no prazo da lei, sob pena de responsabilidade, ressalvadas aquelas cujo sigilo seja imprescindível à segurança da sociedade e do Estado’. A Constituição também tratou do acesso à informação pública no Art. 5º, inciso XIV, Art. 37, § 3º, inciso II e no Art. 216, § 2º. São estes os dispositivos que a Lei de Acesso a Informações regulamenta, estabelecendo requisitos mínimos para a divulgação de informações públicas e procedimentos para facilitar e agilizar o seu acesso por qualquer pessoa (www. acessoainformacao.gov.br, 2012).

A LAI surgiu no intuito de tornar efetivo o direito já previsto na constituição do Brasil e, desse modo, estabelece mecanismos para que o sigilo de informações seja uma exceção e o acesso constitua uma regra. Por meio do Serviço de Informações ao Cidadão (SIC)2 , uma unidade física que estará presente nos órgãos públicos com a devida identificação, qualquer brasileiro poderá solicitar o acesso a uma informação pública. Este órgão deverá conceder o acesso imediato à informação solicitada quando disponível ou registrar o pe175

2 Também disponível na plataforma digital como o E-SIC, podendo ser acessado em: Acesso em 12 de agosto de 2012.

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pedido gerando um protocolo para controle do andamento pelo cidadão. Por meio do sistema, além de fazer o pedido, será possível acompanhar o prazo pelo número de protocolo gerado e receber a resposta da solicitação por e-mail; entrar com recursos, apresentar reclamações e consultar as respostas recebidas. O objetivo é facilitar o exercício do direito de acesso às informações públicas (www.acessoainformacao. gov.br/sistema, 2012).

3 Disponível em: Acesso em: 12 de agosto de 2012.

4 Disponível em: Acesso em: 12 de agosto de 2012.

Com esta lei, o Brasil reforça a sua presença no cenário internacional como um país que reconhece as suas mazelas, mas que, ao mesmo tempo, trabalha para minimizá-las, chamando o indivíduo à participação, à ação. O país compreende esse indivíduo como pertencente à nação brasileira, dispondo de direitos e deveres resguardados na constituição nacional, sendo assim, reconhecido como cidadão; aquele que tem direito a ter direitos (BARBALET, 1989). No mundo, aproximadamente 90 países possuem leis que regulamentam esse direito de acesso à informação, por acreditar que um cidadão bem informado passa a ter conhecimento para gozar de outros importantes direitos. Esse esforço faz parte de uma aliança internacional chamada Open Government Partnership – Parceria para Governo Aberto que busca assegurar compromissos concretos de governos nas áreas de promoção da transparência, luta contra a corrupção, participação social e de fomento ao desenvolvimento de novas tecnologias, de maneira a tornar os governos mais abertos, efetivos e responsáveis3.

Nesse contexto, é relevante também compreendermos a importância do acesso à informação não como algo novo, mas relembrando que, na própria Declaração Universal dos Direitos Humanos, da Organização das Nações Unidas (ONU), de 1948, está explícito, em seu artigo 19, que todo ser humano tem direito à liberdade de opinião e expressão; este direito inclui a liberdade de, sem interferência, ter opiniões e de procurar, receber e transmitir informações e ideias por quaisquer meios e independentemente de fronteiras4 .

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Na história da humanidade, percebemos que as sociedades evoluíram e lutaram por uma série de mudanças, cada uma a seu tempo, como na Revolução Francesa de 1789, que buscou reforçar os anseios de liberdade, igualdade e fraternidade humana acima dos interesses particulares. Essa revolução culminou com a elaboração dos Direitos do Homem e do Cidadão, documento que serviu como base para tantos outros elaborados no mesmo intuito e até mesmo pela ONU, anos depois. Mesmo durante a redação desse documento, via-se a articulação e a organização dos indivíduos contra os atos privados de mandos e desmandos de um poder absoluto. Sob perspectiva semelhante, Habermas (2003) também assinala o anseio da sociedade europeia do séc. XVIII, quando os burgueses clamavam pela sua inserção e aceitação nos debates sobre temas de interesse coletivo que aconteciam nos cafés e salões da época, configurando o que o filósofo e sociólogo alemão chamou constituição de uma esfera pública. Ainda Habermas (2003) chama atenção para a necessidade de publicidade dos atos do parlamento, tornando visível e público um debate que dizia respeito ao coletivo, mas que, até então, se dava a portas fechadas, num ambiente de acesso privado. Na esfera pública, somente tinham acesso os letrados e donos de terras, sendo considerados apenas estes os detentores de direitos, ou seja, os cidadãos do período. As mulheres, a burguesia e as minorias não eram entendidas como cidadãs e, assim, não tinham a possibilidade de gozar uma série de direitos reservados aos demais. Neste sentido, surgem os estudos do sociólogo britânico, T. H. Marshall (1967, p. 76) elucidando o que é a cidadania. Para ele, é “um status concedido àqueles que são membros integrais de uma comunidade”, sendo que o autor entende todos os indivíduos de uma dada sociedade como iguais em relação aos seus direitos e obrigações. Estudando a realidade inglesa, Marshall (1967) propõe três gerações de direitos: civis, políticos e sociais. Os direitos chamados de primeira geração seriam os direitos civis, que emergem e enfocam o indivíduo, ou seja, os direitos de liberdade, igualdade, propriedade, vida e segurança. Após esses anseios individuais, teríamos os direitos de segunda geração ou direitos políticos, como os direitos de associação e reunião, de organização política e sindical e o direito de votar e ser votado. Na perspectiva de Marshall (1967), as gerações de direitos de cidadania 177

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iriam evoluindo conforme o desenvolvimento das próprias sociedades. Dessa maneira, teríamos uma terceira geração de direitos que seriam os direitos sociais que são direitos de trabalho, saúde, educação, aposentadoria enfim, seriam os direitos de bem estar social. Desde seu primeiro aparecimento no pensamento político dos séculos XVII e XVIII, a doutrina dos direitos do homem já evoluiu muito, ainda que entre contradições, refutações, limitações. Embora a meta final de uma sociedade de livres e iguais, que reproduza na realidade o hipotético estado de natureza, precisamente por ser utópica, não tenha sido alcançada, foram percorridas várias etapas, das quais não se poderá facilmente voltar atrás (BOBBIO, 1992, p. 62).

5 Os direitos de quarta geração referem-se aos direitos de manipulação genética e que requerem uma prévia discussão ética. Já os de quinta geração são os direitos “advindos com a chamada realidade virtual que compreendem o grande desenvolvimento da cibernética na atualidade, implicando o rompimento de fronteiras, estabelecendo conflitos entre países com realidades distintas, via Internet” (PASOLD, 2005, p. 229).

A contribuição dos estudos de Marshall (1967) para a noção de direitos do homem é inegável, no entanto, as suas propostas foram um tanto questionadas, uma vez que o contexto de construção da teoria dos direitos deu-se apenas na Inglaterra e, desde aquela época, as sociedades passaram por diferentes processos evolutivos levando Bobbio (1992) a propor os direitos de quarta e quinta geração5. Bobbio (1992, p. 68) observa que a multiplicação de direitos é consequência de três fatores de propulsão: o aumento da quantidade de bens considerados merecedores de tutela; a extensão da titularidade de certos direitos típicos a outros sujeitos que não o homem; e a consideração do homem não mais como ente genérico ou “em abstrato”, mas em função das diversas maneiras de ele ser em sociedade (criança, idoso, doente...). Assim posto, a conquista, a manutenção e a ampliação dos direitos do homem caminham para a legitimação do caráter cidadão dos indivíduos de uma dada sociedade. O conceito de cidadania e a atuação cidadã vêm imbricados numa relação dialógica com as esferas de poder público. Uma vez imbuído de direitos políticos, o cidadão não só tem o poder de eleger os seus representantes, como também tem o dever de vigiá-los e cobrá-los por uma gestão pública que atenda ao interesse público. Sob essa perspectiva, evidencia-se a necessidade de uma comunicação de via de mão dupla, transparente e acessível, para que o cidadão realmente tenha meios para efetivar a sua participação na democracia de um país. A partir desse contexto, acreditamos que a cada dia torna-se mais premente a necessidade de desenvolver um diálogo fluido e profícuo entre governo, sociedade e cidadãos, concretizando, assim, uma efetiva Comunicação Pública. 178

2 COMUNICAÇÃO PÚBLICA, APROXIMAÇÕES E DISTANCIAMENTOS Na tentativa de melhor compreender a comunicação pública, podemos questionar as diversas perspectivas que envolvem o seu conceito: seria esta uma forma de comunicação feita pelo governo e/ou poder público? Ou uma comunicação de livre acesso, em oposição àquilo que é privado? Também poderia ser a comunicação organizacional praticada em instituições de direito público? A expressão Comunicação Pública vem sendo utilizada com diversos significados. Elizabeth Brandão, ao realizar um mapeamento das múltiplas formas de utilização do termo, aponta ser possível identificar ao menos cinco áreas de “conhecimento e atividade profissional” (2007, p. 1) para esta modalidade comunicacional, desde entendimentos simplistas e funcionais até aqueles que buscam a sua relação com o estado democrático e a esfera pública. A primeira compreensão vem da prática de conhecimentos e habilidades da comunicação organizacional em instituições públicas visando a criar relacionamentos e construir identidade e imagem; em alguns países, esta é considerada uma forma de comunicação pública. Em outro panorama, é a sua associação com a comunicação científica que se traduz pelo esforço de despertar na opinião pública interesse pelos assuntos da ciência, o que também representa uma estratégia de cunho educacional em uma dada sociedade. Uma terceira via de entendimento estabelece a comunicação pública identificada com comunicação política. A ligação entre comunicação e política já é antiga e talvez a relação tão próxima e necessária entre esses campos contribua para a dificuldade de entendimento. O quarto viés de compreensão vincula a comunicação pública com o fruto das estratégias de comunicação da sociedade civil organizada e, por fim, Brandão (2007) traz o entendimento dessa comunicação como a comunicação do Estado e/ou Governo. “Esta é uma dimensão que entende ser de responsabilidade do Estado e do Governo estabelecer um fluxo informativo e comunicativo com seus cidadãos” (p. 4). No Brasil, os estudos em Comunicação Pública iniciaram na década de 90 com a tradução do artigo de Pierre Zémor (1995), La Communication Publique, feita por Elizabeth Brandão. Desde então, são muitos os esforços na busca por uma definição conceitual, percorrendo diversas instâncias como o Estado, a sociedade, o Governo, o interesse público e a cidadania. Neste sentido, Brandão (2007) 179

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reforça a sua contribuição, de forma bastante simplificada, enfatizando que a Comunicação Pública diz respeito a um processo comunicativo que se instaura entre o Estado, governo e sociedade com o objetivo de informar para a construção da cidadania. É interessante ressaltar que a vinculação - Estado, Governo e Sociedade - deve ser o cerne da concepção de comunicação pública, colocando em prática estratégias, disponibilizando informações e estimulando a participação e o imbricamento dessas três esferas. No plano ideal, é a efetivação desse processo e suas implicações que vão assegurar a cidadania plena e a garantia das cinco gerações de direito mencionadas anteriormente. McQuail (1998, apud BRANDÃO, 2007, p. 6) define comunicação pública como “uma intrincada rede de transações informacionais, expressivas e solidárias que ocorrem na esfera pública ou espaço público de qualquer sociedade”. O autor ainda assinala que essas informações transacionadas devem ser eminentemente de interesse público a partir das quais também se demanda a participação cidadã. Ratificando essa consideração temos que é necessário relacionar comunicação pública ao interesse público, tanto do ponto de vista da teoria quanto da práxis, ou seja, o público associado ao estatal e ao governamental se é de democracia que se fala. Significa pesquisar e debater sobre estruturas e a produção de informação pública e a circulação de temas de interesse público, ou seja, direitos e responsabilidades assegurados pelo Estado e pelos governos democráticos eleitos como representantes da sociedade (WEBER, 2009, p. 13).

6 Aqui, devemos lembrar o caráter transitório do governo que, a cada novo pleito eleitoral, muda; já o Estado é permanente; todos somos cidadãos do Estado Nação do Brasil.

A partir da elucidação de Weber (2009), torna-se mais clara a compreensão de que a comunicação pública é ampla e, nela, estão contidas as formas de comunicação governamental e política, não devendo esses conceitos ser utilizados como sinônimos. Duarte (2007), ao abordar a comunicação governamental, define algumas diferenças entendendo-a como os fluxos informativos e relacionamentos comunicativos estabelecidos entre o Poder Executivo e a sociedade6, enquanto a comunicação política busca uma articulação com os indivíduos no sentido de conquistar a opinião pública, em que essa seria a forma de relação estabelecida pelos partidos políticos. No entanto, é pertinente salientar que os rumos de desenvolvimento ou de atraso de uma dada nação envolvem não só 180

os poderes políticos instituídos, mas também os diversos indivíduos que compõem determinada sociedade. Embora caracterizada, sobretudo, pela sua natureza discursiva, é premente destacar que a comunicação pública coloca a centralidade do processo de comunicação no cidadão, não apenas por meio da garantia do direito a informação e à expressão, mas também do diálogo, do respeito as suas características e necessidades, do estímulo à participação ativa, racional e corresponsável. Portanto, é um bem e um direito de natureza coletiva, envolvendo tudo o que diga respeito a aparato estatal, ações governamentais, partidos políticos, movimentos sociais, empresas públicas, terceiro setor e, até mesmo, em certas circunstâncias, às empresas privadas (DUARTE, 2007, p. 61).

Ao utilizarmos essa expressão, estamos mostrando que a comunicação é um processo natural e intrínseco a qualquer organismo social, seja uma organização pública ou privada. Tendo em vista as constantes transformações trazidas pelas tecnologias da informação e da comunicação, atingimos um patamar em que os temas (públicos ou privados) adquirem graus distintos de visibilidade, de instantaneidade e de globalidade. Neste aspecto, as possibilidades de contato e interface entre governo, Estado e sociedade multiplicam-se, cenário que mostra, cada dia mais, a possibilidade de envolvimento do cidadão nos rumos de um governo que também é seu; uma realidade que vai além do envolvimento normativo dos indivíduos com o pagamento de impostos, do ato de votar ou da assistência da previdência social. Independente da instância comunicativa, ao tratarmos sobre governo ou sociedade é relevante o entendimento do real significado de uma sociedade democrática. Para Bobbio (1997), desde a idade clássica, esse termo sempre foi utilizado para designar uma forma de governo ou ainda “um dos diversos modos com que pode ser exercido o poder político. Especificamente, designa a forma de governo na qual o poder político é exercido pelo povo” (p. 135). Dessa concepção, podemos depreender a importância do papel do cidadão, não apenas entendido como um mero receptor ou ainda o “fim” do processo comunicativo, mas também como protagonista implicado diretamente na vida política de seu país. A Comunicação Pública visa, por meio de estratégias, a fomentar a participação dos cidadãos na própria formulação de políticas públicas. “Para conseguir isto, os instrumentos de comunicação são 181

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utilizados a partir do ponto de vista do cidadão em sua plenitude e não apenas em suas faces de consumidor, eleitor, usuário” (DUARTE, 2007, p. 61). A prática dessa comunicação demanda assumir um comprometimento com o interesse coletivo, preterindo benefícios individuais ou corporativos. Para tal missão, é proeminente partirmos de alguns entendimentos que nos explicam que a forma de governo democrática privilegia o poder centrado nos cidadãos; que a comunicação é um processo maior do que a simples transmissão de informações – Estado/ Governo para sociedade – em sentido unidirecional e que, para a efetividade da comunicação pública, é preciso conhecer os públicos/ cidadãos e identificar as suas necessidades, os seus interesses e as suas possibilidades, estabelecendo, assim, um verdadeiro processo dialógico (DUARTE, 2007). Nesse cenário, os governos buscam estabelecer diversas formas para catalisar o processo comunicativo com uma determinada sociedade, porém, nem sempre, têm tido sucesso, uma vez que, recorrentemente, encontram-se em meio a denúncias de abusos de poder e escândalos políticos. Situações que levam seus discursos ao descrédito e a um afastamento dos indivíduos dos temas da vida pública, da ação política. Constatamos um afastamento das pessoas das esferas de poder representativo, de modo que a sua atuação cidadã faz-se restrita, são poucos os esforços para reverter essa situação e, até mesmo, para defender a garantia de seus direitos. Sob essa perspectiva da realidade, podemos inferir que a sociedade brasileira estaria perdendo qualidade e efetividade em termos de ação política, uma vez que a sociedade civil retira-se da esfera de debate determinando a política às esferas políticas. É como se esse cenário descrito acima fosse o retrocesso de uma esfera pública política retornando a uma esfera privada e opaca como nos estudos de Habermas (2003) na Europa do século XVII. Porém, se tratamos de comunicação pública, cabe também destacar, em seu corolário, requisitos imprescindíveis a sua práxis: a publicidade e a sociedade civil (HASWANI, 2011). No entendimento de Habermas (2003) e Bobbio (1997), a publicidade é o dar a conhecimento público, tornar visível e transparente os assuntos tratados em uma esfera instituída de debate. De acordo com Haswani (2011), temos a publicidade como uma propriedade das instituições – acessíveis, abertas ao público e que tornam as informações de interesse público disponíveis. Em meio a 182

esses esclarecimentos, surgem, então, os insumos estratégicos no fomento ao diálogo e à reintegração dos principais elos da comunicação pública - Estado, governo e sociedade; sendo que, neste sentido, a Lei de Acesso à Informação apresenta-se como um instrumento de comunicação do Estado Brasileiro. 3 A COMUNICAÇÃO PÚBLICA DO ESTADO BRASILEIRO: A LEI DE ACESSO À INFORMAÇÃO Partindo do entendimento de comunicação pública trazida no item anterior, propomos uma reflexão teórico-empírica considerando, para tal, a lei de acesso à informação (LAI) como uma estratégia de comunicação do Estado, sem, entretanto, levantar alguns questionamentos: qual a efetividade da LAI? Será que o acesso à informação colabora para o diálogo de que pressupõe a comunicação pública? Os cidadãos reconhecem nessa lei a possibilidade de resguardar os seus direitos? Como podemos perceber o acesso à informação à luz das gerações de direitos que são propostas por Marshall (1967) e Bobbio (1992)? Gentilli (2005, p. 125) aponta para uma realidade em que, na contemporaneidade, temos uma “necessidade social de informação”. Se, nos dizeres de Bobbio (1997), as sociedades democráticas são sociedades dos cidadãos, então, é preciso que diversas esferas sociais atuem constantemente na ampliação e no alargamento dos direitos civis, políticos e sociais mencionados anteriormente. Os três elos da Comunicação Pública estão enraizados no resguardo desses direitos, na legitimação da atuação cidadã e também na vigilância dos atos governamentais por meio da exigência de transparência da esfera pública política. Na sociedade dos cidadãos, temos o governo do poder público em público (BOBBIO, 1997). O diálogo pretendido pela Comunicação Pública necessita da sua matéria prima básica: a informação. No entanto, atentemos para o fato de que não seria qualquer informação, já que buscamos uma comunicação pública efetiva, precisamos, partir de informações qualificadas e que fomentem um real processo de comunicação, de comunhão de ideias. É sob essa perspectiva que Gentilli (2005, p. 126) entende a informação como um “direito secundário, no sentido de que é um direito necessário para a realização de outros direitos, um direito ‘meio’, não um direito ‘fim’”. 183

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7 E aí temos o papel dos meios de comunicação de massa dos quais trata Gentilli (2005).

8 Ao menos, parcialmente.

9 Segundo Bobbio (1997), a sociedade dos cidadãos deve ser a democracia do poder visível ou o governo do poder público em público.

10 “O Portal da Transparência do Governo Federal é uma iniciativa da Controladoria-Geral da União (CGU), lançada em novembro de 2004, para assegurar a boa e correta aplicação dos recursos públicos. O objetivo é aumentar a transparência da gestão pública, permitindo que o cidadão acompanhe como o dinheiro público está sendo utilizado e ajude a fiscalizar”. Disponível em: Acesso em: 22 de setembro de 2012.

Ora, se o cidadão não sabe qual o seu papel ou os seus direitos na sugestão de pautas de interesse público frente à atuação do governo, em decorrência, podemos afirmar que esse mesmo cidadão desconhece o seu poder como um ator social relevante na sociedade democrática. Com efeito, se as modernas sociedades de massas são marcadas pela posse de direitos, sua complexidade coloca a exigência de ampla difusão de informação e cria a necessidade de se tornar claro e preciso o sentido do conceito ‘direito à informação’. O papel da comunicação de massa na difusão e propagação desta ‘civilização que é propriedade comum’, assim, é inquestionável (GENTILLI, 2005, p. 126). Interessante a abordagem de Gentilli (2005), pois o autor já elucida uma das formas pelas quais esse direito meio – direito à informação – pode tornar-se um elemento intrínseco ao tecido social. Para atingir seus propósitos, a Comunicação pública utiliza diversos instrumentos que, segundo Duarte (2007), podem ser massivos7, segmentados e diretos. Quanto aos segmentados, podemos citar os websites que, com um baixo custo operacional, representam uma alternativa para disponibilizar grandes quantidades de conteúdos. Para ilustrar essa perspectiva, destacamos algumas ações do Governo da Presidente Dilma Rousseff, o qual, por sua vez, atende8 um requisito mínimo elencado por Bobbio9 (1997) como necessário às sociedades democráticas com a disponibilização do Portal da Transparência . Nele, são notórias as informações sobre despesas, receitas, convênios, empresas sancionadas ou impedidas, gráficos para downloads e também tutoriais que auxiliam os usuários a realizar pesquisas na página. Na figura a seguir (figura 1), podemos visualizar os rótulos textuais mencionados que nos dão ideia da amplitude de seu conteúdo. Também chamamos atenção para a aba superior à direita que já refere o “Acesso à Informação”.

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Figura 1: Portal da Transparência do Governo Federal.

Por meio desse portal, o cidadão tem acesso a informações diversas que o auxiliam na fiscalização dos atos do poder público e, consequentemente, amparam-no no resguardo dos seus direitos civis, políticos e sociais. “Para se ter acesso ao poder público – e, por consequência, à posse de direitos -, o cidadão precisa ter assegurado o acesso à informação pública” (GENTILLI, 2005, p. 127). A segurança desse acesso no Brasil veio no dia 16 de maio de 2012 quando entrou em vigor a lei nº 12.527/2011. A partir dela, podemos considerar que temos uma ampliação dos demais direitos, o direito meio, portanto, está amplamente relacionado aos outros direitos. “Fomenta o exercício da cidadania e permite ao cidadão o acesso e à crítica aos instrumentos necessários ao exercício pleno do conjunto dos direitos de cidadania”, segundo Gentilli (2005, p. 128). No site, em que se acha disponível a Lei de Acesso à Informação11, temos informações sobre o acesso à informação no Brasil e no mundo, o serviço de informações ao cidadão, publicações, eventos e diversas notícias, como podemos observar na figura 2 (dois). O conteúdo do site apresenta um caráter didático justamente para orientar o usuário como solicitar informações, qual o tempo previsto para a resposta, se há tramitação de documentos, etc. 185

11 Disponível em: < http://www. acessoainformacao. gov.br/ cessoainformacaogov/ index.asp> Acesso em: 22 de setembro de 2012.

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(figura 4) que trabalha como um lembrete de que as informações daquela instituição estão acessíveis ao cidadão. Em agosto desse ano, outro levantamento mostra um aumento no número de pedidos para 25.065, dos quais 90% já haviam sido atendidos em 17 de agosto. Para o governo, a avaliação da LAI é positiva, pois, segundo o Ministro de Estado Chefe da Controladoria Geral da União, Jorge Hage, mesmo em países que já contam com uma lei similar é gradual a busca dos cidadãos pelas informações.

Figura 2: Website Lei de Acesso à Informação.

Através das informações prestadas pelo Portal da Transparência e pelo Website da Lei de Acesso à Informação, o brasileiro tem a possibilidade de exercer um juízo crítico sobre os rumos políticos de seu país, tanto em relação às deliberações coletivas, quanto ao resguardo de seus direitos individuais. Neste ponto, compreendemos que

Figura 4: Acesso à informação.

o direito à informação é, sobretudo um direito político, embora tenha algumas especificidades de direito civil e outras, de direito social. Em todas elas, trata-se de um direito relativo explicitamente à esfera pública (GENTILLI, 2005, p. 137).

Em notícia publicada no site da Controladoria Geral da União12, vemos que, ao completar um mês de vigência da LAI, o sistema eletrônico do Serviço de Informação ao Cidadão (E-SIC) havia registrado 10,4 mil solicitações. 12 Disponível em: < http://www.cgu. gov.br/Imprensa/ Noticias/2012/ noticia08912.asp> Acesso em: 22 de setembro de 2012.

Desse total, 7.362 pedidos já foram respondidos, o que representa 70,6% do total. Os demais estão sendo devidamente analisados. Dos respondidos, 82,3% das respostas atenderam aos pedidos, enquanto 740 (cerca de 10%) foram negados. Os restantes 566 (7%) não puderam ser atendidos por não tratarem de matéria da competência legal do órgão demandado ou pelo fato de a informação não existir (Website Lei de Acesso à Informação, 2012).

Conforme podemos visualizar na figura 3 (três), o governo federal assinala, em diversos sites de órgãos federais, o selo da LAI 186

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Pelos dados apresentados, percebemos que apesar de 25 mil solicitações para 190 milhões de brasileiros (segundo dados do IBGE de 2010), a LAI ainda tem um longo caminho pela frente. Uma situação é o cidadão ter acesso e solicitar informações, outra, porém, é ele realmente compreender a sua utilidade. Comunicar é diferente de informar, pressupõe diálogo, escuta e resposta, negociação de saberes. Logo, a comunicação pública do Estado, além do acesso à informação, deve incluir a possibilidade do cidadão ter pleno conhecimento da informação que lhe diz respeito, inclusive aquela que não busca por não saber que existe. [...] Na prática, isso inclui o estímulo a ser protagonista naquilo que lhe diz respeito, ter conhecimento dos seus direitos, a orientação e o atendimento adequado, passando pelo direito a saber como são gastos os recursos públicos, o motivo e o voto de um parlamentar, até a possibilidade de ter participação efetiva nas decisões sobre aquilo que é de interesse público (DUARTE, 2007, p. 64).

Os instrumentos encontram a sua utilidade quando, de fato, auxiliam na produção do saber, da ação social e politicamente respaldada. Não se trata de disponibilizar meramente, mas de mostrar e educar para o uso da informação. Sob essa perspectiva, podemos concluir que tanto a Lei de Acesso à Informação, quanto o portal da transparência caminham no sentido de empoderar o cidadão brasileiro para que se torne um cidadão pleno na sociedade. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Para que a Lei de Acesso a Informação (LAI) atinja o seu potencial de retomar e fomentar a discussão argumentada e transparente dos atos políticos ainda é premente um longo processo. Nesse momento, estamos em uma etapa de visibilidade de informações, porém a esfera civil também necessita da retomada de um processo educativo, inclusivo, de chamamento da sua ação para debater na esfera pública política. De que adiantam informações disponíveis se a esfera civil ainda está indiferente e distante do visível? Essa é apenas uma das questões subjacentes ao processo de implantação e implementação da LAI na esfera pública brasileira. Referências BARBALET, J. M. A cidadania. Lisboa: Editorial Estampa, 1989. BOBBIO, N. Estado, Governo e Sociedade Para uma teoria geral da política. Rio de Janeiro: Paz e Terra: 1997. BOBBIO, N. A era dos direitos. São Paulo: Campus, 1992. BRANDÃO, Elizabeth. Conceito de Comunicação Pública. In: DUARTE, Jorge (org.). Comunicação Pública: Estado, mercado, sociedade e interesse público. São Paulo: Atlas, 2007. DUARTE, Jorge. Instrumentos de Comunicação Pública. In: DUARTE, Jorge (org.). Comunicação Pública: Estado, mercado, sociedade e interesse público. São Paulo: Atlas, 2007.

Concluímos que os instrumentos de comunicação do governo Dilma Rousseff, a Lei de Acesso a Informação e o Portal da Transparência, estão de acordo com o entendimento de gerações de direito de Bobbio (1997; 1992), Marshall (1967) e outros autores que referenciamos neste artigo, mas ainda se faz necessário um olhar mais atento para conhecer o cidadão brasileiro – parceiro do processo comunicativo, atendendo as suas necessidades mais básicas como a educação. Entendemos o Portal da Transparência e a LAI como algumas das possibilidades de ampliação da abrangência dos direitos dos cidadãos. No entanto, ainda parecem instrumentos de “superfície”, quando algumas mazelas da sociedade encontram-se mais profundas e anteriores a eles como o próprio grau de inteligibilidade das informações como um aspecto de empoderamento do cidadão.

GENTILLI, Victor. Democracia de massas: jornalismo e cidadania. Porto Alegre: Edipucrs, 2005.

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HABERMAS, Jürgen. Mudança Estrutural da Esfera Pública. 2. Ed. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 2003. HASWANI, Mariângela Furlan. Comunicação Pública 360 graus e a garantia de direitos. In: KUNSCH, M. M. K (org.). Comunicação pública, sociedade e cidadania. São Paulo: Difusão Editora, 2011. MARSHALL, T. H. Citizenship and Social Class, Londres, Pluto Press: 1967. PASOLD, Cesar Luiz. Novos Direitos: conceitos operacionais de cinco categorias que lhes são conexas. Revista Seqüência, nº 50, p. 225-236, jul. 2005. WEBER, Maria Helena. Comunicação Pública. In: Mídia Com Democracia. Nº 8, Jan. 2009, p. 13.

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Estratégias ativistas do Greenpeace para inclusão e ampliação da visibilidade e da discutibilidade da temática ambiental na esfera pública

INTRODUÇÃO

Rafaela Caetano Pinto Maria Ivete Trevisan Fossá Resumo: Este trabalho trata da busca das premissas da visibilidade e da discutibilidade pelos movimentos sociais através do desenvolvimento de ações ativistas. Por meio de um recorte apresentado, mostra-se como o Greenpeace consegue realizar ações espetaculares e, dessa forma, alcançar a visibilidade de suas ações, bem como gerar a discutibilidade na esfera pública sobre os seus escopos de trabalho que se relacionam à temática ambiental. Palavras-chave: Movimentos sociais; Estratégias ativistas; Discutibilidade; Visibilidade; Greenpeace. Abstract: This work deals with the search of premises from visibility and discutibility by social movements through the development of activist actions. Through a presented part, it shows up like the Greenpeace can perform spectacular actions and, thus, to achieve the visibility from their actions, as well as to generate discutibility in public sphere about their work scopes that relate to environmental issues. Keywords: Social movements; Activist strategies; Discutibility; Visibility; Greenpeace.

Os movimentos sociais criam estratégias para que os seus objetivos tenham visibilidade na mídia, por meio de ações ativistas espetaculares, por exemplo. Assim posto, os movimentos sociais dão visibilidade aos seus escopos de trabalho e, por meio da circularidade de ideias, geram discutibilidade1 dos assuntos em questão na esfera pública. A fim de compreender esta questão, propõe-se verificar os três jornais de maior circulação no Brasil, em 2010 e identificar, nestes jornais e no site institucional do Greenpeace, como repercutem as estratégias ativistas desenvolvidas pela organização sobre os seus escopos de trabalho, no Brasil, no primeiro semestre de 2011. A metodologia utilizada neste estudo é a análise de conteúdo e a técnica, a análise categorial, conforme as compreendem Bardin (1977). O corpus de pesquisa delimita-se às notícias relativas às ações ativistas do Greenpeace realizadas no Brasil, no primeiro semestre de 2011, referentes aos cinco escopos de trabalho desenvolvidos pela organização no país. As matérias foram extraídas dos três jornais de maior circulação no Brasil e do site do Greenpeace. De acordo com os índices do Instituto Verificador de Circulação (IVC), divulgados pela Associação Nacional de Jornais (ANJ), os jornais são: Super Notícia (MG), Folha de São Paulo (SP) e O Globo (RJ), respectivamente, como os três primeiros colocados. De acordo com as análises, pôde-se perceber que a organização consegue sustentar os debates na esfera pública ao dar visibilidade às suas ações e gerar discutibilidade sobre elas. O ativismo desenvolvido pela organização utiliza recursos para obter a visibilidade desejada. Além disso, pauta os meios de comunicação, que a utilizam como referência na construção da informação. A fim de suscitar o debate, além da construção da notícia, o Greenpeace oferece, em seu site institucional, espaços destinados a comentários. Essa ação intencional promove a circularidade de ideias e o debate entre os indivíduos interessados em discorrer sobre a temática ambiental. 1 OS MOVIMENTOS SOCIAIS: CONCEITO EM CONSTRUÇÃO Os movimentos sociais, segundo Maia e Mendonça (2008), são atores coletivos, participativos, que estabelecem interações com os

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1 Os conceitos de visibilidade e discutibilidade são utilizados de acordo com Habermas (2003b). Este autor admite que, para a formação da esfera pública, estes dois conceitos são fundamentais.

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ambientes internos ou externos. As redes de interação dão pluralidade aos movimentos, do mesmo modo que criam tensões em seu âmbito interno. Estes atores coletivos também interagem com o ambiente externo a fim de dar visibilidade às suas demandas e aos seus escopos de trabalho. Os autores afirmam que o partilhamento entre os movimentos sociais e os diferentes âmbitos possibilita que estes atores coletivos, além de tematizar as problemáticas sociais, generalizem os seus argumentos, a partir de uma cultura que seja comum a todos, para que façam com que todos os demais atores compreendam as suas reivindicações. Maia e Mendonça (2008, p.133 – grifos dos autores) destacam que “[...] os fluxos discursivos que perpassam um movimento social – e que ocorrem em diferentes âmbitos interacionais – se cruzam e embasam a própria configuração desse ator”, ou seja, a própria dinâmica dos movimentos sociais é atravessada pelas relações que se estabelecem a partir das interações estabelecidas. Ainda segundo os autores, tais relações permitem uma reapropriação dos sujeitos que reveem suas perspectivas, o que reflete na sua participação nos movimentos sociais. Próxima a esta ideia, Gohn (2003) afirma que os movimentos sociais são, [...] ações sociais coletivas de caráter sócio-político e cultural que viabilizam distintas formas da população se organizar e expressar suas demandas. Na ação concreta, essas formas adotam diferentes estratégias que variam da simples denúncia, passando pela pressão direta (mobilizações, marchas, concentrações, passeatas, distúrbios à ordem constituída, atos de desobediência civil, negociações etc.), até as pressões indiretas (GOHN, 2003, p. 13).

nicação. Os movimentos sociais, por seu turno, conseguem pautá-los ao desenvolver estratégias que lhes deem visibilidade. Em consonância com Habermas (2003, p. 99), os movimentos sociais “captam os ecos dos problemas sociais que ressoam nas esferas privadas, condensamnos e os transmitem, a seguir, para a esfera pública política”. Estes atores são sensíveis aos problemas sociais e, por meio de função política e social, levam as suas reivindicações até as instâncias detentoras do poder. Conforme Quevedo, [...] os movimentos sociais foram/são/serão imprescindíveis à construção, aprofundamento e maturação da democracia (liberdade, igualdade, fraternidade, solidariedade), a partir das lutas pelos espaços, a criação de novos espaços, que se tornam arenas de discussão (QUEVEDO, 2007, p. 30).

Os movimentos sociais possibilitam a discutibilidade ampliada dos assuntos sociais. A discutibilidade crítico-argumentativa proposta pelos movimentos sociais baseia-se na circularidade de ideias que, assim como Quevedo (2007) afirma, cria espaços de debates. A circularidade de ideias promove a discutibilidade de assuntos relevantes à sociedade civil, assim como elege as temáticas que merecem ser pautadas e excluem as de menor importância. De acordo com esta decisão, os movimentos partem, pois, para a elaboração de suas estratégias, as quais são pensadas com a finalidade de fazer com que o movimento chegue até os centros decisórios de poder para, dessa maneira, buscar respostas e soluções para os problemas que foram escolhidos como seus escopos de trabalho. De acordo com esta ideia, Mafra (2008) expressa que a função dos movimentos sociais [...] é promover um debate na esfera pública, para que possam ser criados fluxos comunicativos que consigam chegar até as instâncias formais de deliberação. Assim, caracterizamos o processo argumentativo voltado a um âmbito político-legal por meio de um processo gerado por racionalidade argumentativa e pressão da opinião pública. (MAFRA, 2008, p. 172 – grifos do autor)

Nesse sentido, ainda segundo a autora, os movimentos atuam como “forças sociais organizadas” (2003, p. 13) que mobilizam os indivíduos, de forma que “energias sociais antes dispersas são canalizadas e potencializadas por meio de suas práticas [...]” (GOHN, 2003, p. 14). Isso faz com que, de acordo com os objetivos e os valores do movimento, os indivíduos sejam reunidos com o intuito de maximizar soluções em prol da melhoria da vida social. A relevância dos movimentos sociais não se restringe à práxis da cidadania e da democracia, tampouco à tentativa de minimizar os problemas sociais. Eles colocam em discussão assuntos essenciais à sociedade que, muitas vezes, não são pautados pelos meios de comu-

O debate argumentativo-racional gerado pela circularidade de ideias propostas pelos movimentos sociais atinge a opinião pública porque põe em movimento os assuntos de interesse social. Estes fluxos comunicativos, através de seus debates crítico-argumentativos, tensionam os poderes estabelecidos a fim de afetar as deliberações públicas.

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Os movimentos sociais são personagens ativos no jogo social, dessa forma, pode-se postular ainda que os movimentos sociais são basilares representantes das minorias que, embora representem quantitativamente inexpressividade, qualitativamente interferem no processo democrático, pois dão voz ativa aos atores sociais fazendo com que influenciem os centros de poder. Para Barbalho (2005), as minorias exigem do Estado o reconhecimento de suas singularidades. Sob tal ótica, podese depreender que as minorias lutam para que a sua causa seja entendida e tomada pelos poderes hegemônicos a fim de que os seus problemas tenham olhares atentos para a sua solução. A ideia de Barbalho (2005) pode ser aproximada à de Sodré (2005), quando ele menciona que as minorias buscam o poder de fala e, assim, podese inferir que, dessa forma, almejam o reconhecimento do Estado. A minoria desencadeia discussões porque, conforme Sodré (2005, p. 14), é a “recusa do consentimento, é uma voz de dissenso” contra os poderes hegemônicos instituídos. Dessa forma, necessita levar as suas reivindicações até os meios de comunicação para, como decorrência, dialogar com os atores sociais sobre o assunto. Mas pode haver o silenciamento das minorias pelos meios de comunicação de massa por não darem espaço a vozes discordantes, já que eles também se configuram como hegemonias e, muitas vezes, podem sofrer com as problematizações criadas pelos atores minoritários. No entanto, Paiva (2005) registra que a mídia é o principal mediador social, ao mesmo tempo em que regula as relações sociais, corroborando o que é proferido por Barbalho (2005) ao afirmar que as minorias necessitam estar visíveis na mídia. Outra visão que merece destaque a respeito dos movimentos sociais é trazida por Scherer-Warren (2011), que trata de uma nova configuração destes movimentos a partir de sua atuação em rede. Scherer-Warren (2011) percebe uma nova forma de organização dos movimentos sociais, os chamados Novos Movimentos Sociais (NMS), que se constituem em rede, sendo que esta se estabelece a serviço dos movimentos. A partir deste entendimento sobre os movimentos sociais, Scherer-Warren (2011) afirma que tais atores, de maneira análoga, modificam a sua forma de ação. Nos anos 90, os movimentos passaram a atuar de forma articulada, em redes de movimentos – networks. Segundo a autora, a visão não pode estar centrada em ca194

da organização de forma fragmentada. Ao contrário, a visão holística permite o trabalho sistematizado entre as instituições. Além destas perspectivas, Scherer-Warren (2011) anota que as redes de movimentos empregam os meios de comunicação para auxiliar em sua estruturação. Os movimentos sociais, na condução de ações coletivas que objetivam a transformação social, desejam influenciar os centros decisórios de poder através de estratégias que pautem os seus discursos. Através da circularidade de ideias que possibilita a discutibilidade, os movimentos sociais influenciam a esfera pública. Ainda assim, estas minorias necessitam dar visibilidade aos seus escopos. Embora estes atores já tenham atentado para um processo de reconfiguração estrutural, através da sua atuação em rede, os movimentos sociais necessitam chegar até os meios de comunicação para ganhar visibilidade. De modo que os movimentos sociais consigam atingir os seus objetivos é necessário que eles estejam presentes nos meios de comunicação, visto que os referidos meios geram visibilidade aos movimentos sociais por seu poder hegemônico. Diante da situação, os movimentos tangenciam por caminhos institucionalizados. Assim sendo, desenvolvem as ações ativistas que tornam-se essenciais nesse sentido. 2 AS AÇÕES ATIVISTAS COMO ESTRATÉGIA DOS MOVIMENTOS SOCIAIS Na atual sociedade midiatizada, os movimentos sociais precisam lutar por visibilidade para que consigam legitimar-se, ampliar as suas bases de atuação, conquistar novas adesões e gerar discutibilidade na esfera pública. Para Henriques: Os media adentraram o cenário das reivindicações sociais, alterando a maneira como os movimentos se apresentam, em decorrência das novas possibilidades de transmissão de informações, imagens e conhecimentos [...]. Os movimentos sociais, diante desse espaço mediatizado, procuraram transformar as lutas por reconhecimento em lutas por visibilidade (HENRIQUES, 2004, p.18 – grifos do autor).

A visibilidade é uma premissa fundamental para que os movimentos sociais possam dar notoriedade às suas causas. Para 195

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tanto, os movimentos buscam diferentes estratégias com este intuito, sendo que o ativismo caracteriza-se como uma delas. No momento em que os movimentos sociais desenvolvem ações, baseadas em seus objetivos, podem pautar a mídia com as suas reivindicações. Além de transformar a forma de apresentação dos movimentos sociais, os meios de comunicação são relevantes no momento em que lhes dão visibilidade, porque, segundo Thompson (1998), fazem com que os movimentos consigam tornar os problemas sociais públicos e, ao mesmo tempo, mobilizar os indivíduos para ações desenvolvidas pelos referidos movimentos. Embora, os meios de comunicação possuam filtros midiáticos que enquadram os seus assuntos, não se pode deixar de frisar que eles possuem lógicas próprias de um campo social autônomo que gera amplitude das temáticas abordadas. Mafra (2008, p. 28) assevera que os movimentos sociais “têm empregado esforços para que seus temas ganhem espaço na agenda midiática e sejam ‘dados a ver’ para um maior número de sujeitos”. Para ele, a mídia, além de gerar visibilidade, dá existência às temáticas sociais a uma grande audiência, provocando a discutibilidade, bem como as condições necessárias para a deliberação pública. O autor já citado percebe que a mobilização, ainda que necessite de uma razão argumentativa, possui elementos festivos e espetaculares, assim como as ações ativistas, para embasar as deliberações públicas. São as dimensões espetaculares, juntamente com a fundamentação argumentativa, que farão com que os seus espectadores e simpatizantes transformem-se em interlocutores sociais das temáticas defendidas pelo movimento. Nesse sentido, o estar visível tem grande relevância. Dessa forma, o ativismo exercido pelos movimentos sociais é uma das formas encontradas por eles para obterem visibilidade. Segundo Henriques (2007), o ativismo permite compreender os processos de geração de estratégias comunicativas em duas grandes dimensões interconectadas [...]: (a) na manutenção de estruturas mobilizadoras horizontais – criação das condições de ação em rede e de coesão entre os atores mobilizados; e (b) no processo de visibilidade da causa, do movimento e seu posicionamento público (HENRIQUES, 2007, p. 96).

O ativismo vem ao encontro de duas das mais importantes premissas dos movimentos sociais, que são mobilizar os indivíduos 196

em favor da sua causa e dar-lhes visibilidade. A legitimidade buscada pelos movimentos faz com que o seu ativismo seja estrategicamente pensado para alcançá-la, o que acarretará mais adeptos à mobilização e o alcance dos objetivos propostos. As ações ativistas, se pensadas em um contexto assim configurado, além de dar visibilidade às ações, proporcionam legitimidade aos assuntos que permeiam a sociedade. Por isso, os movimentos sociais ensejam desenvolver ações desse tipo, o que não escapa às estratégias do Greenpeace. A organização desenvolve iniciativas em ambientes físicos para despertar o interesse da população e a visibilidade através dos meios de comunicação. Dessa forma, o Greenpeace prepara protestos em lugares públicos, em que os ativistas – ou voluntários, como são denominados pela organização, - utilizam diversos artefatos, como máscaras, faixas, cartazes, entre outros, a fim de chamar a atenção e conferir visibilidade aos seus escopos de trabalho. O ativismo, por seu turno, pode ser pensado sob diversas perspectivas. Hoje, a internet possibilita uma nova forma de ação em tal contexto, o ciberativismo. Esta estratégia é uma alternativa dos movimentos sociais aos meios de comunicação de massa tradicionais, permitindo-lhes “driblar” o monopólio da opinião pública exercido por estes meios. As redes dão liberdade de expressão aos processos de mobilização social, o que, muitas vezes, lhes é negado nas grandes mídias. Segundo Moraes (2001, p. 125), os movimentos “descobrem no ciberespaço possibilidades de difundir suas reivindicações. E o que é desconcertante: sobrepujando os filtros ideológicos e as políticas editoriais da grande mídia”. No ciberespaço, os movimentos sociais têm maior liberdade para expressar as suas ideias e debater com pessoas que se interessam em ampliar a discussão com o propósito de fortalecê-la. Tal democracia é possível pelas linhas flexíveis da internet, a qual propicia que os indivíduos encontrem-se no ambiente virtual e possam, por meio de seus discursos, fortalecer os processos de mobilização social através da ampliação do debate, ao contrário do que ocorre nos meios massivos. Mafra (2008) afirma que os meios de comunicação não permitem uma utilização igualitária de representação discursiva no espaço midiático. O autor denomina as distorções feitas pela mídia como gramática, que é própria da sua constituição. Isso desperta 197

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a criação de estratégias de comunicação e ações ativistas para conquistar espaço neste âmbito em rede. O ciberativismo, assim concebido, faz emergir uma concepção alargada de política, ou seja, uma elevação de questões do cotidiano na agenda pública: movimentos sociais e redes pelas quais articulam o seu discurso na busca por visibilidade, credibilidade e legitimidade. É o que se pode denominar a constituição de uma esfera de debate público midiatizada e, nessa esfera, a diversidade das intencionalidades, formalizadas por meio do discurso, podem representar espaços anteriormente abafados pelos meios massivos e pelos entraves de suas políticas institucionalizadas. No entanto, a internet possui pontos negativos, assim como a exclusão digital. Como se sabe, muitas pessoas não têm acesso a este meio. Cogita-se bastante a sua democratização através da concepção de cidades digitais, da construção de telecentros, mas há convicção que esta realidade está longe de ser efetiva. Wolton (2010), estudioso que pondera o papel dos meios de comunicação na construção da comunicação entendida como relação, observa que, embora a internet possua características como a velocidade, a interatividade e a liberdade, ela não revolucionará as relações, propiciando interpretar-se que, mesmo que a internet seja um meio de comunicação diferenciado dos demais, ela possui restrições, as quais, por vezes, não permitem garantir que a internet é um meio diferenciado e que modificará as formas de comunicação. Ao invés disso, tem-se que ela é um meio de comunicação complementar aos meios de comunicação de massa e que possibilitou novas condições de informação e visibilidade. Os movimentos são atores sociais ímpares e buscam mobilizar os indivíduos ao despertar a sua conscientização e dar suportes para que a mobilização, de fato, ocorra. O ativismo, conforme mencionado anteriormente, vem ao encontro de duas premissas dos movimentos sociais: mobilizar os indivíduos e dar visibilidade às suas ações. A visibilidade almejada pelos movimentos, além de justificar a sua causa, legitimando-a, dá subsídios para a sua atuação, possibilitando entender a visibilidade não como a premissa básica dos movimentos sociais, mas como uma forma de legitimação institucional necessária. Além disso, a visibilidade buscada pelos movimentos sociais e viabilizada pelos meios de comunicação ancora a discutibilidade 198

que fazem com que os escopos de trabalho dos movimentos estejam presentes na esfera pública. Os movimentos sociais procuram estar na cena midiática, para tanto, desenvolvem estratégias ativistas com o intuito de agendar as temáticas públicas nos meios de comunicação, o que lhes propicia a visibilidade ampliada, bem como as informações necessárias para que debates sejam desenvolvidos com bases crítico-argumentativas. 3 METODOLOGIA Os movimentos sociais buscam alcançar visibilidade e gerar discutibilidade sobre os seus escopos de trabalho. Para exemplificar essa afirmação, toma-se um recorte da análise de conteúdo (BARDIN, 1977) de um corpus composto pelas notícias referentes às ações ativistas relacionadas aos escopos de trabalho do Greenpeace realizados no Brasil, no primeiro semestre do ano de 2011. As notícias escolhidas foram aquelas veiculadas nos três jornais de maior circulação no Brasil e no site institucional do Greenpeace. Segundo dados divulgados pela Associação Nacional de Jornais (ANJ), conforme pesquisa do Instituto Verificador de Circulação (IVC)2 , os jornais de maior circulação, no ano de 2010, foram, respectivamente, Super Notícia (MG), Folha de São Paulo (SP) e O Globo (RJ). Optou-se, no caso presente, pela facilidade de acesso, investigar as notícias na versão on line destes jornais. A partir da análise de conteúdo, de acordo com a categoria visibilidade, percebeu-se que as características sobre as ações desenvolvidas pelo Greenpeace dispostas nas matérias veiculadas pelos jornais e no site da organização dão bases para a visibilidade sobre os seus escopos de trabalho. Em outras palavras, as características relativas à organização, quando veiculadas pelos meios de comunicação, possibilitam a divulgação de suas ações, de seus objetivos e de sua causa de forma geral, isto é, alertar para os riscos ambientais. Os atores sociais buscam sair da invisibilidade para, a partir daí, pautar os seus interesses e legitimar-se. Os meios de comunicação possuem um papel fundamental no referido contexto, já que, segundo Paiva (2005), eles têm posição central no que diz respeito à visibilidade na sociedade midiatizada. Thompson (1998) corrobora esta afirmação ao reiterar que os meios de comunicação 199

2 Disponível em: http://www.anj. org.br/a-industriajornalistica/jornais-nobrasil/maiores-jornaisdo-brasil Acesso em 18 de abril de 2011.

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são os mediadores sociais, significando, por conseguinte, que os meios de comunicação possibilitam que todos os atores, inclusive os movimentos sociais, deem notoriedade às suas pautas. Para os movimentos sociais, as ações espetaculares são uma das formas que eles podem utilizar para chamar a atenção da mídia, bem como do público em geral. A teatralização das ações transformam-nas em espetáculos que dão visibilidade aos objetivos propostos. A forma de agir dos movimentos traduz-se na repercussão de suas ações, bem como no posicionamento do público em relação as suas reivindicações. Como aponta Mafra (2008), os elementos espetaculares, além da visibilidade, criam interlocutores capazes de sustentar um debate favorável à organização. Considera-se que os meios de comunicação, que noticiam as ações desenvolvidas pelo Greenpeace, fornecem subsídios para que os indivíduos debatam sobre as temáticas sociais. Os meios de comunicação, com a ajuda da internet, que ampliou a rede de informações, conferem embasamento critico-racional para que os indivíduos envolvam-se em debates. Cumpre ressaltar que a visibilidade não se limita ao sentido de estar visível, mas de tornar público e acessível à sociedade. A oferta de informações sobre o Greenpeace propicia que a organização esteja visível e, de certa forma, legitime as suas ações, de forma análoga, que informa a população para torná-la interlocutora na participação de debates. Já a partir da categoria discutibilidade, pôde-se perceber que os debates fundamentados efetivam-se no instante em que há informação qualificada para tal. Assim, se as matérias dão subsídios informativos para a formação de opinião dos sujeitos, poderá haver a discutiblidade das pautas. Da mesma forma, que a oferta de informação sustenta uma base argumentativa em relação aos fatos, a diversidade de vozes dentro da construção da notícia possibilita que os indivíduos tenham mais clareza sobre as instituições e/ou pessoas envolvidas com o acontecimento. Dessa maneira, o seu entendimento pode dar-se de modo mais abalizado, refletindo na fundamentação de argumentos, ou seja, na defesa de um em detrimento de outro. A construção da notícia e a utilização de fontes e enquadramentos em tal construção, a partir da lógica dos meios de comunicação, permitem que os indivíduos formem as suas próprias 200

opiniões a respeito do movimento. Verificou-se que, de uma forma geral, os jornais veiculam matérias neutras em relação às ações realizadas pela organização. Já o site do Greenpeace, com sua lógica institucional, além de informar sobre as suas ações, legitima os seus objetivos, bem como as suas formas de ação e os motivos que as desencadearam. Além do jornal O Tempo (Super Notícia), no site institucional da organização, nota-se que há espaços destinados a comentários. De forma intencional, a organização suscita o debate entre indivíduos interessados nas questões ambientais. Pode-se observar que, tanto nos jornais, quanto no site do Greenpeace, são utilizadas diversas vozes para a construção da matéria. Esta pluralidade argumentativa pode ser percebida nos comentários feitos posteriormente. Nestes espaços, os indivíduos podem posicionar-se contra ou a favor da organização, o que, de fato, ocorre, a partir do que está exposto nas matérias. Esta circularidade de ideias provoca diversos questionamentos que estão expostos com maior clareza nos espaços destinados aos comentários, onde os indivíduos manifestam diferentes opiniões de acordo com o seu julgamento, já que são receptores ativos e críticos em relação às temáticas veiculadas. Embora possuam determinadas lógicas, novamente cabe reiterar o papel dos meios de comunicação na construção da discutibilidade de assuntos de interesse social, bem como a importância dos movimentos sociais, no contexto mencionado, já que tematizam estes debates. De acordo com a análise, pôde-se perceber que o Greenpeace consegue obter visibilidade de suas ações ativistas nos meios de comunicação, já que elas são pensadas estrategicamente com tal objetivo, além de ir ao encontro das lógicas midiáticas. A visibilidade que as ações alcançam possibilitam inferir que isso dá suporte para que haja a discutiblidade sobre os escopos de trabalho do Greenpeace. Esta premissa pôde ser notada, com maior destaque, no site da organização, que intencionalmente destina espaços para comentários a fim de tematizar os seus escopos. CONSIDERAÇÕES FINAIS Os movimentos sociais, e tratamos, aqui, principalmente, do nosso objeto de estudo, o Greenpeace, alcançam visibilidade através do desenvolvimento de ações ativistas com características 201

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espetaculares e estas captam a atenção dos espectadores para que eles, logo, transformem-se em interlocutores. Estas ações caracterizam-se como estratégicas que são planejadas com dois objetivos bastante específicos, a visibilidade e a mobilização social, a qual busca, por meio de objetivos concretos, integrar os indivíduos na procura dos resultados almejados pelos movimentos. O ativismo procura conceder visibilidade aos movimentos sociais, já que é uma estratégia deles em resposta às lógicas midiáticas. Pode-se perceber que o Greenpeace desenvolve estas ações de maneira satisfatória, já que logra estar visível nos meios de comunicação de massa através de estratégias ativistas espetaculares. Infere-se, ademais, que a visibilidade buscada pelos movimentos sociais e viabilizada, em maior escala, pelos de meios de comunicação fornece subsídios para a formação de outra premissa fundamental, a discutibilidade. Verifica-se que a visibilidade é preponderante para a formação de debates fundamentados em argumentos críticos. Além de sua função social, os movimentos possuem funções políticas, já que fazem circular ideias entre os indivíduos por meio de seus discursos e de suas ações, buscando mais do que visibilidade aos movimentos, almejam, ainda, debater os seus escopos de trabalho e influenciar a opinião pública. Em face desses entendimentos, faz-se plausível inferir que o Greenpeace consegue ser estratégico ao planejar as suas ações ativistas, de forma espetacular, de acordo com a agenda pública e com as lógicas midiáticas, para, assim, pautar os meios de comunicação e dar visibilidade aos seus escopos de trabalho. Observa-se que todas as informações referentes ao Greenpeace são uma forma de conferir-lhe visibilidade, fazendo circular as informações a respeito do assunto e, de certa forma, gerando a discutibilidade, que pode ser evidenciada no site do movimento. Verifica-se que, de forma intencional, o Greenpeace cria espaços de discussão entre os indivíduos para a tematização de seus escopos. Assim, faz-se possível afirmar que as estratégias ativistas, além de dar visibilidade aos escopos do Greenpeace, geram discutibilidade sobre tais temáticas, de tal forma que é plausível considerar que o movimento consegue sustentar, por meio de suas estratégias ativistas, e ampliar, através das pautas que conseguem nos meios de comunicação, o debate sobre a temática ambiental. 202

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Autores Bruno Kegler Doutorando em Comunicação e Informação (UFRGS), mestre em Comunicação (UFSM), especialista em Marketing e Recursos Humanos (FAMES) e Graduado em Comunicação Social – Habilitação em Publicidade e Propaganda (UFSM). Membro do Grupo de Pesquisa em Comunicação Institucional e Organizacional UFSM/CNPq. Email: brunokegler@ gmail.com

Fabiana da Costa Pereira

Mestranda do Programa de Pós-Graduação em Comunicação Midiática da UFSM, bolsista CAPES. Membro do Grupo de Pesquisa em Comunicação Institucional e Organizacional UFSM/CNPq. E-mail: [email protected]. Fabrise de Oliveira Müller Doutoranda do Programa de Pós-Graduação em Comunicação (UFSM), Mestre em Administração e Negócios pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS), graduada em Relações Públicas (UFSM) e Professora substituta do Curso de Relações Públicas da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM). Membro do Grupo

de Pesquisa em Comunicação Institucional e Organizacional UFSM/CNPq. E-mail: [email protected] Jones Machado

Relações Públicas, mestre pelo Programa de Pós-Graduação em Comunicação da UFSM. Membro do Grupo de Pesquisa em Comunicação Institucional e Organizacional UFSM/ CNPq e do Grupo de Pesquisa em WebRP UFSM/CNPq. E-mail: [email protected]

Kalliandra Quevedo Conrad

Mestranda em Comunicação Midiática da UFSM. Membro do Grupo de Pesquisa em Comunicação Institucional e Organizacional UFSM/CNPq. E-mail: kalliandraconrad@ yahoo.com.br

Patrícia Franck Pichler

Mestre em Comunicação Midiática (UFSM), Bacharel em Relações Públicas (UFSM) e Membro do Grupo de Pesquisa em Comunicação Institucional e Organizacional UFSM/ CNPq. E-mail: [email protected]

Patrícia Milano Pérsigo

Professora Assistente do Departamento de Ciências da Comunicação do Centro de Educação Superior Norte/CESNORS da Universidade Federal de Santa Maria. Mestre em Comunicação Midiática (UFSM), especialista em Recursos Humanos e Marketing (FAMES) e graduada em Relações Públicas (UFSM). Membro do Grupo de Pesquisa em Comunicação Institucional e Organizacional UFSM/CNPq. E-mail: [email protected]

Rafaela Caetano Pinto

Mestre em Comunicação pelo Programa de Pós-Graduação em Comunicação Midiática da UFSM. Bacharel em Comunicação Social - habilitação Relações Públicas pela UFSM. Atualmente atua como Relações Públicas na Associação Educacional Marco Polo (Santa Maria). E-mail: [email protected]

Ranice Hoehr Pedrazzi Pozzer

Mestre em Administração (UFSM) e Membro do Grupo de Pesquisa em Comunicação Institucional e Organizacional UFSM/CNPq. E-mail: [email protected]

Stefania Tonin

Mestranda do Programa de Pós-Graduação em Administração da UFSM. Membro do Grupo de Pesquisa em Comunicação Institucional e Organizacional UFSM/CNPq. e-mail [email protected].

Maria Ivete Trevisan Fossá

Professora Adjunta do Departamento de Ciências da Comunicação da UFSM. Doutora em Administração pela UFRGS. Professora do Programa de Pós-Graduação em Comunicação UFSM. Líder do Grupo de Pesquisa em Comunicação Institucional e Organizacional UFSM/ CNPq. E-mail: [email protected] 206

Para entrar em contato com o grupo envie e-mail para: gpcomunicacaoufsm@gmail. com 207

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