Comunicadores e produtores de ruralidades

June 12, 2017 | Autor: P. da Veiga Borges | Categoria: Comunicação Social, Ruralidades
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8º Congresso de Estudantes de Pós-graduação em Comunicação do Rio de Janeiro XII Seminário de Alunos de Pós-graduação em Comunicação Social da PUC-Rio Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro Rio de Janeiro, 21 a 23 de outubro de 2015.

Comunicadores e produtores de ruralidades1 Um estudo sobre atores sociais, relações e vínculos na Feira Orgânica de Olaria/Leopoldina Patrícia da Veiga Borges2 Resumo Este trabalho descreve uma experiência de observação realizada desde maio de 2014 na Feira Orgânica de Olaria/Leopoldina, pequeno mercado de alimentos que integra o Circuito Carioca de Feiras Orgânicas. Realizada em uma praça entre os bairros de Olaria e Penha, na cidade do Rio de Janeiro, a feira tem se mostrado um dinâmico ambiente para a circulação de ideias, a troca de saberes, deliberações e conflitos, indo além do espaço de comercialização de alimentos. É ali, e em seus bastidores, que se instauram sinais de uma produção de modos de ser e de viver o “rural”, por meio da agroecologia e do debate da soberania alimentar. A premissa aqui trabalhada é a de que as pessoas envolvidas na dinâmica da Feira, oriundas de distintos grupos, se convertem em comunicadoras e produtoras de ruralidades, pois estão abertas, em relação, tecendo e desfazendo seus vínculos a cada encontro. Palavras-chave Comunicação; Rio de Janeiro; Rural; Ruralidades.

Introdução

Trabalho apresentado no GT 4 – Representação Social e Mediações Socioculturais do 8º Congresso de Estudantes de Pós-Graduação em Comunicação, na categoria pós-graduação. PUC Rio, Rio de Janeiro, outubro de 2015. 2 Jornalista, mestra em Comunicação pela Universidade Federal de Goiás (UFG), doutoranda no Programa de Pós-Graduação em Comunicação da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e pesquisadora integrante do Laboratório de Estudos em Comunicação Comunitária (LECC/UFRJ). Contato: [email protected] 1

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Este texto apresenta parte de uma pesquisa em desenvolvimento3 que tem como tema a comunicação e o “mundo rural”4. Ao se debruçar sobre localidades5 distintas do estado do Rio de Janeiro, a investigação assume como objetivo compreender como se dão a convivência e as vinculações na vida contemporânea e, a partir disso, como se pode identificar e interpretar as noções de “rural” e as elaborações de “ruralidades” que surgem entre as pessoas, no campo e na cidade. Especificamente neste artigo, almejando a “descrição densa” que ensinou Clifford Geertz (1989), mas sem a pretensão de esgotar o tema ou sequer apresentar uma conclusão parcial, serão apresentadas “notações”6 da situação empírica vivida em uma das localidades estudadas: a praça Marechal Maurício Cardoso, localizada na Avenida Leopoldina Rego, entre os bairros de Olaria e Penha, na zona norte da cidade do Rio de Janeiro (RJ/Brasil). Ali há uma infinidade de eventos sendo realizados todos os dias por empenho dos moradores dos arredores, sendo um deles a Feira Orgânica de Olaria/Leopoldina. Trata-se de um pequeno mercado local de alimentos integrado ao 3

Realizada no âmbito do Programa de Pós-Graduação em Comunicação da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e intitulada provisoriamente “Para uma compreensão do rural: comunicação e ruralidades entre campo e cidade”, a referida pesquisa teve início em março de 2013 e apresentará seus resultados finais até março de 2017. 4 Considerando a multiplicidade de sentidos que a palavra “rural” pode ter, preferiu-se usar aqui o termo “mundo rural”, escrito propositalmente entre aspas. Ao longo do trabalho, porém, dar-se-á preferência ao uso do termo “rural”, para fins de melhor conceituação e compreensão. 5 As localidades são espaços delimitados onde as trocas acontecem, as fronteiras se entrecruzam, as pessoas circulam e as formas de vida possuem aspectos diversos (CARNEIRO, 2012). Ou seja, espaços que não são definidos pelos seus limites políticos e oficiais, mas sim pela sua territorialidade e pelas relações ali estabelecidas, podendo ser uma praça, uma rua, um bairro, um distrito, um município etc. Na pesquisa que aqui se apresenta, se leva em conta o trabalho de observação em duas localidades: a Praça Marechal Maurício Cardoso, na cidade do Rio de Janeiro, onde se realiza a Feira Orgânica de Olaria/Leopoldina; e o município de Rio das Flores, localizado na região do Médio Paraíba, onde são realizadas festas populares como a Festa da Padroeira Santa Teresa D’Ávila e a Exposição Agropecuária e Cultural. 6 Ou anotações interpretadas, registros do caderno de campo passíveis de análise, interpretações de uma etnógrafa em ação.

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Circuito Carioca de Feiras Orgânicas7 que acontece aos sábados desde 31 de maio de 2014. O intuito deste texto é anunciar os atores sociais que ali comparecem, suas relações e seus vínculos, buscando compreender como são articulados os temas da agroecologia8 e da soberania alimentar9. A premissa a ser trabalhada, baseada em uma perspectiva relacional (SODRÉ, 2014), é a de que todo ser humano é comunicador, pois está em relação constante com outrem e produz sentido nas suas dinâmicas de atuação cotidianas. Isso nos dá liberdade para afirmar, de antemão, que na localidade pesquisada e aqui apresentada há comunicadores e produtores de ruralidades em potencial.

Concepções, abordagens, premissas

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O Circuito Carioca de Feiras Orgânicas é uma rede de comercialização formada, atualmente, por 15 mercados. Foi criado em 2010 e oficializado em 2012 pelo Decreto de Lei n° 35.064. Fruto da mobilização de produtores que se denominam “neorrurais” (FERREIRA, 2013), o Circuito é regulado pela Prefeitura Municipal, por meio da Secretaria Especial de Desenvolvimento Econômico e Solidário, e gerenciado por três entidades da sociedade civil: AS.PTA – Agricultura Familiar e Agroecologia; Associação dos Produtores Biológicos do Rio de Janeiro (ABIO) e Essência Vital. O embrião do Circuito foi gerado em meados de 1980, por meio de articulações feitas entre pessoas que deixaram a vida na cidade para viver no campo (por isso “neorrurais”), arriscaram plantações de leguminosas, frutas e hortaliças, fizeram experimentos biológicos com a terra (deixando de usar agrotóxicos e fertilizantes químicos, ou seja, abandonando um padrão convencional ou “moderno” de agricultura) e depois retornaram à capital para distribuir sua produção, primeiro em supermercados e, em seguida, em uma feira improvisada no bairro da Glória (FERREIRA, 2013). 8 Forma de produzir que se popularizou nos anos de 1980 com as crises ambiental e de abastecimento assistidas mundialmente. Pode ser definida como “...um novo enfoque científico, capaz de dar suporte a uma transição a estilos de agriculturas sustentáveis e, portanto, contribuir para o estabelecimento de processos de desenvolvimento rural sustentável” (CAPORAL, 2004, p. 8). 9 O direito dos povos de escolher o que produzir, de que modo cultivar a terra e o que escolher como alimento, independentemente das injunções de um mercado internacional (CHONCHOL, 2005). A agroecologia é uma proposta que permeia esse longo debate.

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Em primeiro lugar, é preciso delimitar que por “rural” se entende uma “categoria operatória” (REMY, 1989). Ou seja, uma noção que carrega consigo sentidos diversos relativos ao uso do espaço10; um ponto de partida para se compreender formas de vida elaboradas nesses espaços, mediante necessidades e recursos distintos. Não se está, portanto, atrelando o “rural” a um estágio da “evolução” capitalista (MARX & ENGELS, 2009), a um tipo de sociedade “tradicional” que perdura no tempo (WEBER, 1974; MENDRAS, 1976), cuja atividade econômica predominante é a agrícola e cujas especificidades se dão em oposição à vida urbana (SOROKIN et. al., 1981), ou ainda a um território incorporado, em um continuum, pelo amplo processo de industrialização da sociedade urbana global (LEFEBVRE, 2002). O “rural” não é único, não é indivisível, nem invariável. É um universo que possui dimensões (da ordem da economia, da política, da organização social, do trabalho, da cultura etc.) espraiadas entre campo e cidade. E é a partir dessas dimensões que diferentes populações tecem seus próprios modos de viver, agir, sentir, pensar e imaginar. Isso implica em conceber a ruralidade como “um processo dinâmico de constante reestruturação de elementos da cultura local com base na incorporação de novos valores, hábitos e técnicas” (CARNEIRO, 1998, p. 61). Em outras palavras, tratase de um entendimento do “rural” baseado na produção humana, material e imaterial, considerando as particularidades de determinado lugar, sua história e o modo como as pessoas negociam seus sentimentos de pertença e suas identidades (CARNEIRO, 1998; 2008; 2012). A ruralidade dá sentido à existência de um “mundo rural” seja no campo,

Para Jean Remy, autor que aqui é usado como referência, o “meio” é uma “entidade coletiva” que mobiliza seus componentes e com isso é capaz de produzir algo comum. O que sustenta a existência e as reivindicações oriundas dessa realidade é o que os atores sociais consideram como seu próprio ambiente. “As pessoas constituem suas questões em torno de certa imagem que têm do rural” (REMY, 1989, p. 265). Imagens estas formuladas a partir das vivências e da comunicação, entende-se. 10

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seja na cidade. O “rural”, assim, passa a ser compreendido como um elemento em construção e em constante reelaboração que depende de fatores como o uso do espaço e as relações sociais, conforme já mencionado, mas também da comunicação e, por que não acrescentar, de um “trabalho de imaginação” (APPADURAI, 2004) motivado pela circulação11. É nesse ponto que a pesquisa aqui apresentada atua e se insere no campo científico da comunicação. Quando se propõe enxergar os atores sociais da localidade estudada como comunicadores e produtores de ruralidade, não se está entendendo a comunicação como um processo de transmissão de informação, meramente. Se está pensando tanto na partilha intersubjetiva de linguagem e vivências como no estabelecimento de uma ordem sociotécnica que, por meio de um complexo de instituições, aparatos e produtos, engendra as esferas sociais (SODRÉ, 2002; 2006; 2014). No contexto global, as mídias, ancoradas pela ideologia do mercado financeiro, estimulam trocas, produzem referências, criam uma ambiência própria e demandam, no fluxo do capital, uma forma específica de ser, pensar, sentir, agir e imaginar, o bios virtual, marcada pelas tecnologias (SODRÉ, 2002; 2006; 2014). Por outro lado, nas microesferas e no cotidiano, a comunicação acontece como relação e atividade humana vital. E na medida do seu desenrolar, um universo sensível não explicitamente posto é tecido, podendo gerar o que há de mais próximo entre as pessoas: seus vínculos.

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Segundo Arjun Appadurai (2004), em tempos de intensas trocas simbólicas, fluxos informacionais ultravelozes e veiculação cotidiana de imagens, o que pode vir a explicar o mundo contemporâneo, juntamente com as estruturas, os organismos e as delimitações territoriais, é a circulação. Para esse autor, as experiências se desenvolvem a partir de novos e imprevisíveis desdobramentos e tendem a atribuir um papel singular à imaginação. Esta, por sua vez, extrapola as vivências espaço-temporais, alcançando um “vir a ser” ao mesmo tempo em que se é. No exílio ou em seu território, as pessoas se reinventam com base em imagens e informações, comumente, obtidas a distância, por meio de vivências midiáticas.

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De um lado, então, está a midiatização ou “o funcionamento articulado das tradicionais instituições com a mídia” (SODRÉ, 2007, p.17). De outro, as relações humanas, atravessadas, mas não necessariamente assujeitadas, pelas tecnologias e pelas vivências midiáticas. Esses dois componentes se relacionam de forma ambígua de modo que o objeto de estudo da comunicação passa a ser o que resulta do convívio entre os sujeitos na ambiência tecnológica (SODRÉ, 2013). Sem esquecer, como ressalta Raquel Paiva, que: “Se os sistemas tecnológicos de comunicação não puderem reproduzir a riqueza das comunicações pessoais, as relações pessoais serão sempre humanamente mais ricas do que aquelas mediadas por tecnologia” (PAIVA, 2003, p. 76). Nos termos de Sodré, a comunicação é um símbolo, um dispositivo “organizador” de tarefas, trocas, significados e objetos diversos – complementares e antagônicos (SODRÉ, 2014, p. 270 - 287). Tal símbolo demanda uma busca por novas formas de compreender os fenômenos sociais, não somente baseada em disciplinas tradicionais, mas também ancorada no pensamento comunicacional, que se debruça sobre a midiatização e sobre a vinculação. Assim sendo, quando se estuda comunicação, se está buscando compreender, no mundo contemporâneo, dois processos complementares: primeiro, o de por em comum as diferenças por meio do discurso, com ou sem o auxílio da retórica (processo comunicativo); segundo, o de interpretar os fenômenos constituídos pela ampliação tecnológica da retórica, isto é, a mídia, na sociedade contemporânea (processo comunicacional) (SODRÉ, 2007, p.18).

Desta maneira, não se trata de estudar os “efeitos” e a “influência” das mídias no “mundo rural”, ao modo dos estudos funcionalistas estadunidenses que supervalorizavam a importância dos meios técnicos de transmissão de informação perante o social (SCHRAMM, 1967; LERNER et. al., 1972). Tampouco se faz aqui um 6

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projeto de intervenção social baseado em pesquisa-ação, tal como propuseram, na década de 1970, os formuladores do “modelo de transformação estrutural” para o campo (CIESPAL, 1974; OLIVEIRA, 1988). Ainda, não cabe seguir, apesar de sua importância, a perspectiva latino-americana dos estudos de recepção (MARTÍNBARBERO, 2008) que compreende as vivências midiáticas como um fenômeno de apropriação sociocultural. O que se considera neste trabalho é que o “mundo rural” e as ruralidades possíveis estão em relação e em conflito com as mídias, reformulandose com elas e sugerindo novos entendimentos a partir de um convívio. Como procedimento, vem sendo adotada a etnografia (GEERTZ, 1989) e a etnoreportagem (AMARAL FILHO, 2011), sendo os dados captados a partir de observação de situações cotidianas, produção de cadernos de campo, análise dos produtos de mídia gerados pelos grupos que se envolvem com a Feira e, por fim, realização de entrevistas. “Notações”: a praça, a feira e o comum

A Praça Marechal Maurício Cardoso é parte de uma região conhecida como Grande Leopoldina12 e segue rente com a linha do trem13. Sua construção é do fim da década de 1960, quando a pavimentação pública transformou um antigo aglomerado de campos de futebol em área de lazer14. No formato não muito exato de um semicírculo, a praça possui árvores frutíferas, brinquedos para crianças, um posto policial, dois

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Microrregião da Zona Norte do Rio de Janeiro que reúne os bairros cortados pela antiga estrada de ferro da Leopoldina: Vigário Geral, Parada de Lucas, Cordovil, Braz de Pina, Penha Circular, Penha, Olaria, Ramos, Bonsucesso, Manguinhos e Triagem. 13 A linha do trem é uma demarcação simbólica no imaginário social carioca e, desde o início do século XX, tem servido para designar os bairros que acompanham seu curso como “suburbanos”. Classificação, obviamente, questionável (MACIEL, 2010). 14 Conforme narram os moradores da localidade.

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banheiros fixos, bancos, mesas para jogos de dama e um quiosque para eventos. Os moradores dos seus arredores, que usam o espaço para festas, apresentações artísticas, feiras e reuniões deliberativas, costumam definir essa praça como “um traço de união entre Penha e Olaria”15. O lugar também tem sido palco de lutas e controversas. Uma delas diz respeito à sua manutenção. Em 2011, foi dada a notícia, por uma vereadora da região16, que o local seria extinto, teria suas árvores cortadas, seus equipamentos públicos retirados e sua área aproveitada para a construção de uma Unidade de Pronto Atendimento de Saúde (UPA). Contrariados, os moradores do entorno se organizaram, criaram a Associação de Amigos e Defensores da Praça Marechal Maurício Cardoso17 e produziram uma série de ações para impedir que a ameaça se cumprisse: passaram a se encontrar todos os dias para discutir a questão; fizeram circular um abaixo-assinado nas imediações; buscaram conhecer seus direitos, discutindo sobretudo a Lei Orgânica do Município18; convocaram a mídia carioca (jornais O Dia, Extra, O Globo, Rio Suburbano, emissoras TV Record e Band News) e encamparam o slogan “UPA sim, na praça não!”. O debate com representantes da Prefeitura e do Governo do Estado, bem como com a referida vereadora, durou dois meses, até que se recuou na proposta e, enfim,

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Frase repetida inúmeras vezes por um moradora da Penha reconhecido como um poeta local. Rosa Fernandes (PMDB). 17 77 homens e 42 mulheres, conforme listagem publicada em outubro de 2012 na edição n° 1 do jornal de bairro feito pelos integrantes do Grupo. 18 O Artigo n° 235 da Lei Orgânica do Município determina que: “As áreas verdes, praças, parques jardins e unidades de conservação são patrimônio público inalienável, sendo proibida sua concessão ou cessão, bem como qualquer atividade ou empreendimento público ou privado que danifique ou altere suas características originais”. Texto completo disponível em: Acesso em 10 jan. 2014. 16

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foram retirados os tapumes que cercavam a praça. Entre 2012 e 2014, para retratar a luta vivida e reiterar a importância da participação dos moradores nas atividades públicas, foram produzidas cinco edições de um jornal. Pouco sossegados, porém, os Amigos e Defensores da Praça ainda sentem a ameaça da UPA, que sempre é tema nas rodas de conversa. Deste modo, a ocupação do local tem sido encarada como uma disputa política. Nesse esforço de defesa territorial, a praça passou a sediar a partir de 31 de maio de 2014 a Feira Orgânica de Olaria/Leopoldina. Coordenada pela Associação dos Produtores Biológicos do Rio de Janeiro (ABIO) e mediada por grupos locais como os Amigos e Defensores da Praça e um coletivo de ativistas conhecido como Leopoldina Orgânica, a feira foi levada para a localidade depois de uma articulação entre o Fórum Permanente da Grande Leopoldina19 e as entidades que gerenciam o Circuito. A necessidade de se implantar o mercado agroecológico no lugar foi o que mais se destacou no momento da definição dessa localidade como parte do objeto de estudo: há uma ameaça recorrente de acabar com a praça que incomoda em demasia os moradores dos seus arredores; de modo que a feira foi vista por seus articuladores não somente como uma alternativa para manter o espaço ocupado, mas também como uma novidade que traria benefícios para o lugar em termos de alimentação, saúde e bem-estar, que contribuiria para o debate da soberania alimentar e que faria frente ao modelo convencional de produção agrícola vigente no país, o agronegócio. Esse argumento, usual entre os articuladores da feira e defendido com mais intensidade pelo grupo Leopoldina Orgânica, motivou, no dia da inauguração do mercado, a exibição do documentário O Veneno Está na Mesa e a participação de seu realizador, o diretor 19

Um espaço da sociedade civil para debater os problemas dos bairros que compreendem essa faixa da estrada de ferro.

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Silvio Tendler. Em outras ocasiões, motivou também a realização de rodas de conversa, na praça e no momento da feira, sobre agricultura orgânica e reforma agrária. O mercado é composto por oito bancas dispostas lado a lado que oferecem folhas frescas, frutas, leguminosas, raízes, verduras, ovos, frango caipira, sementes e processados (sucos, geleias, leite). Quando inaugurada, havia cerca de 12 barracas. Oriundos de municípios relativamente próximos ao Rio de Janeiro, tais como Itaboraí, Magé (ambos na Região Metropolitana) e Petrópolis (localizado na Região Serrana), seus comerciantes são produtores rurais, em maioria moradores de pequenos sítios, cuja rotina intercala a lida no campo e na cidade. Seus consumidores, por sua vez, são moradores dos bairros de Penha, Olaria, Bonsucesso, entre outros, que aos poucos se aproximam e tornam-se fregueses. De maio de 2014 a fevereiro de 2015, houve queda nas vendas e desinteresse por parte da população local. Isso fez com que alguns produtores mudassem de feira, partindo para outros bairros. Em maio de 2015, quando a feira completou um ano, uma grade festa foi feita na praça, reunindo quase mil pessoas, e novos feirantes foram incorporados ao mercado. Entre eles, um casal de agricultores e educadores ambientais que recuperaram um terreno na Serra da Misericórdia20 e cultivam plantas de alto teor nutritivo, tal como a chaya – conhecida como proteína vegetal de origem mexicana. A feira representou uma novidade para o comportamento local, uma vez que os consumidores estão acostumados a adquirir alimentos sem se preocuparem com sua origem ou o modo como foi produzido. Antes da feira, os moradores da região tinham como opções de compra duas grandes redes de supermercado que existem nas proximidades e ainda um vendedor ambulante de frutas e hortaliças que monta sua 20

Localizada na Vila Cruzeiro, uma das favelas do Complexo do Alemão, situada ao lado do bairro da Penha.

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banca todos os dias em frente à praça, ao lado do Olaria Esporte Clube. Tanto o ambulante quanto os supermercados vendem seus produtos seguindo a tabela das Centrais de Abastecimento SA., ou seja, conforme uma tabela de preços nacional e, portanto, mais baratos do que na feira orgânica. Isso tem gerado polêmica entre os “leopoldinenses” e os sitiantes. Os primeiros dizem que é preciso reduzir o valor dos alimentos, uma vez que a comercialização é direta, sem atravessadores, e o poder aquisitivo da região não é o mesmo de outros bairros da cidade que também recebem o Circuito Carioca de Feiras Orgânicas. Já os segundos argumentam que seus produtos possuem qualidade diferenciada, não são produzidos em massa, possuem custos mais elevados e por isso não podem ser vendidos como no sistema atacadista. Para ampliar a divulgação da feira, seus articuladores criaram uma página na rede social Facebook. Esta é usada basicamente para divulgar um evento que ocorre sempre no segundo sábado do mês, a Leopoldina Orgânica, uma espécie de festa realizada na praça e no horário da feira. Nessa ocasião, algumas bancas “especiais”, de artesanato e culinária, comparecem, como convidadas. Também são convidados para atuar nos dias de festa músicos e representantes de projetos sociais locais. Atuações externas como a Campanha Permanente Contra os Agrotóxicos e Pela Vida e o Grupo de Monitoramento da Qualidade do Ar da Prefeitura Municipal também já visitaram a feira. Os feirantes, contudo, dizem não gostar desses momentos de festa e debate público, uma vez que o sistema de som, em volume alto, atrapalha as suas conversas com a clientela. As relações na praça e na feira não são harmônicas. Pelo contrário, são constituídas de tensão. Há disputas de poder, bem como choques entre gerações, gêneros e classes sociais. Porém, presume-se que disso é feito o comum. Tal conceito pode ser definido, conforme apresentam Hardt e Negri (2009), como o conjunto de bens 11

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naturais (água, solo, biodiversidade etc.), culturais (culinária, festejos, produções artísticas, entre outros) e materiais (patrimônio histórico, cidades, territórios) cultivados, produzidos e partilhados pela humanidade. Bens estes que estão em constante disputa entre grupos, instituições e conforme interesses distintos. Sob outra perspectiva, como a apresentada por Esposito, o comum também pode ser entendido como o amálgama que permeia as relações e atrai as pessoas, para além de suas singularidades. É o impróprio, o resultado de uma disposição constitutiva do ser humano em partilhar afinidades e diferenças. É algo não necessariamente positivo, que sinaliza para uma falta a ser suprida; um dever, uma dívida (ESPOSITO, 2003, p.p. 21 a 31). Ao levar os sujeitos à inclinação e ao contato, ou seja, à comunicação, o comum redunda em uma condição de existência cotidiana. O que se analisa, até o momento, é que o comum entre a praça, a feira e as pessoas envolvidas nesse contexto está relacionado com a necessidade do bem-viver. O comum está nos alimentos e na praça, simbolicamente, mas também no deslocamento dos produtores rurais do campo para a cidade, na vontade de salvar a praça de uma inexistência, na infinidade de atividades planejadas pelos moradores da região, no desejo de qualidade de vida, alimentação saudável e soberania alimentar. Isso é que faz os grupos se formarem, discutirem, planejarem atividades conjuntas e pautarem debates.

À guisa de considerações

Apesar da necessidade de todo artigo científico apresentar suas conclusões, ainda que parciais, aqui apenas lançar-se-à uma ideia geral que está sendo trabalhada pela pesquisa em andamento: a comunicação, por meio de sua condição ambígua, é 12

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capaz de produzir entendimentos sobre o “rural” que, por sua vez, contribuem para a reprodução de novas formulações, de modo que as experiências são (re)partilhadas e se tem, assim, algo entre a comunicação e o processo de elaboração das ruralidades, qual seja, o comum. Esse comum é cultivado na comunicação e nas ruralidades em processo – o que faz com que o “rural” siga existindo como elemento das relações e possibilidades de vinculação humana. Esse comum, na Praça Marechal Maurício Cardoso e na Feira Orgânica de Olaria/ Leopoldina, é um desejo, ainda que latente, de uma vida melhor. As pessoas estão construindo o seu próprio desenvolvimento, portanto, são comunicadoras e produtoras de ruralidades.

Referências bibliográficas AMARAL FILHO, Nemézio. O passo a passo da monografia em jornalismo. Rio de Janeiro, RJ: FAPERJ/Quartet, 2011. APPADURAI, Arjun. Dimensões culturais da globalização: a modernidade sem peias. Lisboa: Teorema, 2004. Trad. TeIma Costa. CAPORAL, Francisco Roberto. Agroecologia: alguns conceitos e princípios. Brasília: MDA/SAF/DATER-IICA, 2004. CARNEIRO, Maria José. Ruralidade: novas identidades em construção. Estudos Sociedade e Agricultura, Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ), Rio de Janeiro – RJ, n° 11, out. 1998. ISSN: 1413-0508. ____________________. Rural como categoria de pensamento. Ruris: Revista do Centro de Estudos Rurais, IFCH – UNICAMP, Campinas/SP, vol. 2, nº 1. 2008, p.p. 9 – 39. ___________________. Do rural como categoria de pensamento e categoria analítica. IN: CARNEIRO, Maria José (coord.). Ruralidades contemporâneas: modos de viver e pensar o rural na sociedade brasileira. Rio de Janeiro: MAUAD X/FAPERJ, 2012.

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