Comunidades Quilombolas na Amazônia: construção histórico-geográfica, características socioeconômicas e patrimônio cultural no Estado do Amapá

July 26, 2017 | Autor: G. Vilhena Silva | Categoria: Sociology, Geography
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Comunidades Quilombolas na Amazônia:

Confins Revue franco­brésilienne de géographie / Revista franco­brasilera de geografia

23 | 2015 : Número 23 Crónicas de campo

Comunidades Quilombolas na Amazônia: construção histórico­geográfica, características socioeconômicas e patrimônio cultural no Estado do Amapá Communautés quilombolas en Amazonie: construction historique et géographique, caractéristiques socio­économiques et du patrimoine culturel dans l'État d'Amapá Quilombolas communities in the Amazon: historical and geographical construction, socioeconomic characteristics and cultural heritage in the state of Amapá

ELIANE SUPERTI ET GUTEMBERG DE VILHENA SILVA

Résumés Português Français English O objetivo deste trabalho foi mapear localização, histórico, condições de vida e o patrimônio cultural  das  comunidades  quilombolas  do  Estado  do  Amapá,  considerando,  as  28 comunidades  certificadas  pela  Fundação  Cultural  Palmares  (FCP)  até  janeiro  de  2013.  O arcabouço  metodológico  utilizado  foi  centrado  em  cinco  instrumentos  fundamentais; questionário  socioeconômico,  entrevista  semiestruturada,  laudo  antropológico,  registro fotográfico e cadernos de campo. As questões que nortearam esta produção foram: Onde se localizam,  quais  são  as  origens  e  condições  de  vida  e  que  conteúdo  do  patrimônio  cultural caracteriza  as  comunidades  quilombolas  do  Amapá?  O  artigo  foi  dividido  em  três  partes  – Localização  e  História;  Condições  de  Vida  e,  por  fim,  Patrimônio  Cultural.  Em  todas  elas  a discussão  sobre  o  espaço  da  cultura  dos  grupos  investigados  perpassa  pela  apresentação  e análise, mas cada divisão tem um objetivo singular. L'objectif de cette étude était de cartographier la localisation, l'histoire, les conditions de vie et  le  patrimoine  culturel  des  communautés  de  Marrons  (quilombolas)  de  l'Amapá,  les  28 communautés certifiés par la Fondation Culturelle Palmares (FCP) en Janvier 2013. Le cadre méthodologique utilisé était axé sur cinq instruments clés; questionnaire socio­économique, entretiens  semi­structurés,  rapport  anthropologique,  enregistrements  photographiques  et carnets de terrain. Les questions qui ont guidé cette production étaient: où sont­ils, quelles sont  leurs  origines  et  leurs  conditions  de  vie  et  quel  patrimoine  culturel  caractérise  les communautés  de  Marrons  de  Amapá?  L'article  a  été  divisé  en  trois  parties  ­  situation  et histoire  ;  conditions  de  vie  ;  patrimoine  culturel,  enfin.  Dans  chacune  d'entre  elles  la discussion  de  l'espace  culturel  des  groupes  étudiés  passe  par  la  présentation  et  l'analyse, mais chaque partie a un objectif singulier. The aim of this work was to map location, history, life conditions and cultural heritage from http://confins.revues.org/10021

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quilombola communities in the State of Amapa, considering, for such, the 28 communities certified  by  Fundação  Cultural  Palmares  (PFC)  until  January,  2013.  The  methodological framework used was centered in five fundamental instruments: socioeconomic survey, semi structured interview, anthropological report, photographic register and field notebooks. The questions which guided this production were: Where are they located, what are the origins and  life  conditions  and  which  cultural  heritage  content  characterizes  quilombola communities  from  Amapa?  The  article  was  divided  in  three  parts:  Location  and  History; Life Conditions and, finally, Cultural Heritage. In all of them the discussion about the space given to the culture of the investigated groups pervades presentation and analysis, but each division has a singular objective.

Entrées d’index Index de mots­clés : Communautés traditionnelles, Marrons; Amapá Index by keywords : Traditional Communities, Quilombola, Amapá. Index géographique : Amapá Índice de palavras­chaves : Comunidades Tradicionais, Quilombolas, Amapá

Texte intégral 1

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Até  a  Constituição  de  1988,  o  termo  Quilombo  estava  comumente  associado  a abordagens e interpretações históricas e politicas sobre a construção do Brasil como nação  (O’DWYER,  2002).  Na  significação  do  termo  predominava  uma  versão  do Quilombo  dos  Palmares  como  unidade  guerreira,  constituída  a  partir  de  um suposto  isolamento,  autossuficiência  e  homogeneidade,  cujo  papel  político expressava  a  insurreição  negra  contra  a  escravização.  A  partir  de  1988,  com  a publicação do art. 68 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, o termo Quilombo, e também o remanescentes de quilombo, passam a serem termos usados para atribuir direitos territoriais. A  atribuição  de  direitos  através  dos  termos  acima  mencionados  exigiu  que pesquisadores  se  preocupassem  e  debatessem  sua  conceituação.  Os  movimentos sociais  negros  colocavam  na  ordem  do  dia  o  debate  politico  sobre  a  construção, reconhecimento  e  implantação  do  direito  ao  território.  Em  meio  aos  debates  e disputas  políticas,  a  Associação  Brasileira  de  Antropologia  (ABA)  foi  convocada pelo Ministério Público (MP) para dar o seu parecer. Em outubro de 1994, através do  Grupo  de  Trabalho  sobre  Comunidades  Negras  Rurais  (GTCNR),  os pesquisadores  colocaram  por  terra  a  tendência  de  vincular  a  construção  das definições  dos  quilombolas  a  resíduos  arqueológicos  de  ocupação  temporal  ou  de comprovação biológica (LEITE, 2000). Desfazia­se, também, a ideia de populações isoladas e homogêneas, formadas de processos  insurrecionais.  Procurava­se  construir  uma  conceituação  que permitissem  compreender  o  quilombo  a  partir  “de  seu  aspecto  contemporâneo, organizacional,  relacional  e  dinâmico,  bem  como  a  variabilidade  das  experiências capazes  de  serem  amplamente  abarcadas  pela  ressemantização  do  quilombo  na atualidade”  (LEITE,  2000,  p.342).  Tratava­se  de  construir  um  conceito  que permitisse  abarcar  experiências  históricas  constituídas  na  formação  social brasileira e não uma definição inequívoca e estática. Além  disso,  a  atribuição  de  uma  identidade  social  não  poderia  ser  feita  de  fora para dentro. Ela se estabelece a partir da dinâmica relacional e reconhecimento dos laços  de  pertencimentos  que  unem  o  grupo  tanto  no  presente  como  no  passado. Essa perspectiva abriu espaço para que os grupos atribuíssem a si sua identidade, autoreconhendo­se  por  meio  das  noções  de  pertenças  por  eles  instituídas, memórias de seu processo histórico de formação e no movimento das forças sociais e instâncias organizativas que os compõe (LEITE, 2010). Sob essa perspectiva, se respeitou  a  autonomia  dos  grupos,  sem,  no  entanto,  desconsiderar  a  necessidade

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de  um  trabalho  criterioso  de  antropólogos  e  outros  profissionais  dos  órgãos governamentais. É fato que a aprovação da lei constitucional, o debate sobre a ressignificação do conceito  de  quilombo  e  a  atuação  dos  movimentos  sociais  projetaram  no  cenário político  brasileiro  setores  até  então  invisíveis.  Grupos  negros  urbanos  e  rurais unidos  por  laços  culturais  que  lhes  davam  coesão  se  compreenderam  e  se declararam  remanescentes  de  quilombos.  Eles  se  organizaram  internamente  e buscaram a certificação das instâncias governamentais como a Fundação Cultural Palmares (FCP), iniciando a luta pela efetivação do direito ao território. A tomada de  consciência  dos  grupos  negros  sobre  seus  direitos  territoriais  ganhou  espaço inédito nas disputas pela terra no Brasil, historicamente marcado pela exclusão e pelo latifúndio. No Amapá, acompanhando o movimento nacional, essa luta ganhou força pela atuação  dos  movimentos  sociais  negros,  especialmente  por  meio  da  Coordenação Estadual das Comunidades Quilombolas do Amapá (CONAQ­AP). Segundo Silva (2012), em 2011, 138 comunidades quilombolas haviam sido identificadas em todo estado. Destas, até 2013, ano da realização desta pesquisa, 28 comunidades (Mapa 1)  tinham  certidão  de  autoreconhecimento  emitida  pela  FCP  e,  entre  elas,  04 comunidades  conseguiram  o  título  de  propriedade  de  seu  território  emitidos  pelo Instituto  Nacional  de  Colonização  e  Reforma  Agrária  (INCRA),  são  elas:  Curiau, Mel da Pedreira, Conceição do Macacoari e São Raimundo do Pirativa. Ainda  segundo  Silva  (2012),  o  Relatório  Técnico  de  Identificação  e  Delimitação (RTID) da comunidade do Rosa está publicado e aguarda o cumprimento da fase de contestação. Outras 04 comunidades estavam com o RTID parcialmente elaborado, a  saber:  Ambé,  São  Pedro  dos  Bois,  São  José  do  Mata  Fome,  Cinco  Chagas  do Matapi, Lagoa dos Índios, Cunani, Engenho do Matapi e Ilha Redonda. Mapa 1 – Localização das comunidades estudadas.

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Neste  contexto  em  que  as  comunidades  remanescentes  de  quilombos  se organizam  e  buscam  o  domínio  de  seu  território  no  complexo  painel  de  terras  do Amapá1, o trabalho aqui apresentado2 teve como universo específico de pesquisa a realidade das 28 comunidades certificadas pela FCP pelo seu autoreconhecimento como remanescente de quilombos até janeiro de 2013. O cenário de pesquisa que se construiu  teve  por  normativa  a  listagem  de  comunidades  da  FCP  e  o  Decreto 3.551/2000  do  Governo  Federal  Brasileiro.  Neste  decreto  estão  definidas  as categorias  de  análise  do  patrimônio  cultural  sendo  eles,  de  forma  genérica;  bens,

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edificações,  saberes,  celebrações,  formas  de  expressão,  lugares,  salvaguarda  e referências culturais. As questões que orientaram a investigação foram: Onde se localizam, quais são as origens e condições de vida e que conteúdo do patrimônio cultural caracterizam as comunidades quilombolas do Amapá? Vale ressaltar que o patrimônio cultural que une  o  grupo  ao  seu  passado  e  o  define  no  presente  não  é  um  conteúdo necessariamente  identificado  pela  comunidade,  mas  internalizado  nas  ações cotidianas,  em  seu  modo  de  viver  e  compreender  a  vida,  o  que  de  fato  ficou constatado. O objetivo geral da pesquisa foi o de mapear a localização, as condições da vida e o  patrimônio  cultural  que  caracterizam  as  comunidades  quilombolas  do  Amapá certificadas  pela  FCP.  Para  organização  desse  mapeamento  foi  necessária  a caracterização histórica, econômica e sócio cultural das comunidades, sem é claro imaginar  que  estas  esgotam  toda  a  complexidade  que  é  uma  comunidade quilombola. O  resultado  aqui  apresentado  é  a  síntese  do  trabalho  de  campo  nas  28 comunidades analisadas. O trabalho está dividido em três partes: a) Localização e História;  b)  Condições  de  Vida  e,  por  fim,  c)  Patrimônio  Cultural.  O  arcabouço metodológico  utilizado  foi  centrado  em  cinco  instrumentos  fundamentais; questionário  socioeconômico,  entrevista  semiestruturada,  laudo  antropológico, registro fotográfico e cadernos de campo. Mapa 2 – Quantidade e distribuição espacial das famílias quilombolas estudadas

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O  questionário  socioeconômico  foi  aplicado  aos  representantes  das  famílias (Mapa  2)  moradoras  da  comunidade  na  quantidade  variável  de  30%  a  35%  do universo total das famílias em cada comunidade. A variação aconteceu porque em muitos casos os moradores estavam ausentes de suas residências, nos trabalhos na roça ou fora da comunidade, durante as visitas de campo. Na ausência de dados oficiais confiáveis quanto ao número de famílias residentes foram  necessários  dois  procedimentos  de  sistematização  para  a  coleta  de  dados. Primeiro, estabelecer o critério de família a ser utilizado. O critério escolhido foi o do grupo de familiares que residiam em uma mesma casa. Neste enfoque, comumente encontrou­se uma parentela que se estendia dos pais até seus netos e/ou bisnetos, genros e/ou noras e assim por diante, o que caracterizamos com família extensa. O  segundo  foi  a  contagem  por  residência  habitada  regularmente.  Em  todas  as comunidades,  mesmo  nas  maiores,  foi  contado  o  número  de  residências  com

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famílias moradoras. As informações de vizinhos ou das lideranças sobre a ocupação das  casas,  como  nas  mostradas  na  Foto  1,  foi  fundamental  para  essa  contagem. Ainda, assim os dados apresentados são considerados aproximados, uma vez que, em  quase  todas  as  localidades  existiam  moradias  situadas  em  espaços denominados de “retiros”, muito afastados e de difícil acesso que podem ter ficado de fora da contagem ou da lembrança dos informantes ou, ainda, famílias que se declaravam  moradoras  e  foram  contabilizadas,  mas  a  informação  era  contestada pelas lideranças ou vizinhos. Ao  todo  foram  identificadas  1128  famílias  residentes  nas  comunidades pesquisadas  das  quais  392  tiveram  representantes  respondendo  o  questionário. Vale  ressaltar  que  esse  número  cresceria  expressivamente  se  o  critério  de  família adotado fosse a família nuclear (cônjuges e filhos). Foto 1 _ Organização e distribuição espacial das casas na comunidade Nossa Senhora do Desterro.

Fonte: Pesquisa de campo, 2013.

A construção histórico­geográfica das comunidades quilombolas do Amapá 17

Pelo  histórico  relatado  de  formação  da  cada  comunidade  pode­se  perceber  que elas têm origem em dois principais movimentos de ocupação do território, são eles; a fuga da escravidão e a migração de núcleos familiares em busca de novas áreas para agricultura e trabalho. Das 28 comunidades, 10 tem sua origem ligada à fuga de  escravos  e  ocupação  de  áreas  em  lugares  estratégicos  com  a  beira  de  rios  e  de difícil acesso, 16 outras têm suas formações atreladas à migração familiar em busca de  terras  ou  trabalho.  Apenas  duas  tem  origem  diferente:  Ilha  Redonda,  cuja origem se vincula ao casamento de brancos proprietários com negros descendentes de escravos e Igarapé do lago, que surgiu com a abolição da escravidão (Mapa 3). Mapa 3 – Origem das comunidades Quilombolas estudadas

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Segundo Gomes (1999), a formação de mocambos e também a fuga de escravos no  final  do  século  19  nas  terras  do  Cabo  Norte  –  designação  da  área  hoje identificada  como  estado  do  Amapá  –  eram  intensas  e  consideradas  pelas autoridades  do  período  como  “problemas  crônicos”.  As  expedições  de reescravização  eram  constantes  e  por  isso  os  negros  fugitivos  buscavam  pontos estratégicos para se fixarem. Ainda segundo Gomes, a formação dos quilombos do Amapá  era  marcada  pela  presença  de  africanos  e  índios,  fugitivos  de  Macapá, Mazagão, Guiana Francesa e do Baixo Amazonas­Pará. Eles  se  concentraram  em  dois  pontos  importantes,  no  rio  Araguari  e  nas cercanias do rio Pedreira. A partir dos aquilombamentos do Araguari, os escravos fugitivos ocuparam grande território ao longo do rio Matapi (Foto 2), afluente do Araguari,  e  redondezas,  iniciando  um  processo  de  migração  pelos  igarapés  e  rios afluentes. Partindo do rio Pedreira, se distribuíram, também, pela região do Vale do rio  Pedreira.  Esses  dois  grandes  territórios,  hoje  zonas  rurais  dos  munícipios  de Macapá  e  Santana,  são  onde  se  concentram  o  maior  número  de  comunidades negras  do  estado  e  a  maioria  das  certificadas  como  autoreconhecidas remanescentes de quilombolas. Foto 2 ­ Comunidade do Engenho do Matapi às margens do Rio Matapi

Fonte: Pesquisa de campo, 2013. 20

O  mapa  1,  já  mostrado  anteriormente,  aponta  a  grande  concentração  das comunidades  investigadas  em  Macapá  com  17  e  Santana  com  06.  Apenas  05

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comunidades estão fora dessa área: Cunani, em Calçoene, Kulumbú do Patuazinho, no  Oiapoque,  São  Tomé  do  Aporema,  em  Tartarugalzinho,  Igarapé  do  Palha,  em Ferreira Gomes e Conceição do Macaoari, em Itaubal. No extremo norte do estado do Amapá, formou­se outra rota importante de fuga e  aquilombamento  tanto  de  escravos  brasileiros  como  guianenses  que  se instalavam ao longo do Rio Cunani, próximo à costa atlântica norte. Essa rota de inscreve na formação de uma das comunidades mais antigas do Amapá, o Cunani. Com a abolição da escravatura pela França, em 1848, e a manutenção da área do Contestado  Franco­Brasileiro  (Cf.  SILVA,  2013),  essa  região  se  tornou  muito atraente para os fugitivos da escravidão. A França cessava de capturar e repatriar os fugitivos brasileiros. A região do Cunani se povoou de mocambos, ocupados por escravos e alforriados, instalados à distância dos principais núcleos de povoamento – Caiena e Macapá – (PROGRAMNE USART, 2010).

Características Socioeconômicas das Comunidades Quilombolas estudadas 22

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A agricultura está na base da economia de 24 das 28 comunidades investigadas. Ela  é  a  principal  atividade  de  trabalho  ou  está  em  consonância  com  outras (pecuária,  extrativismo  e/ou  emprego  urbano).  Apenas  quatro  comunidades  têm como  principal  fonte  de  renda  empregos  urbanos  ou  fora  da  localidade  são  elas; Ilha Redonda, Igarapé do Palha, Kulumbu do Patuazinho e Lagoa dos Índios. As duas últimas são quilombos em áreas urbanas. Kulumbu do Patuazinho compõe o bairro Infraero no Oiapoque e Lagoa dos Índios está contida no bairro do goiabal em Macapá. A  comunidade  de  Igarapé  do  Palha  como  reflexo  do  intenso  processo  de imigração para a cidade de Ferreira Gomes, tem como principal fonte de trabalho ocupações  urbanas  (pedreiro,  carpinteiro,  por  exemplo).  Em  Ilha  Redonda,  a proximidade com a capital, Macapá (Mapa 4), as intensas invasões, que limitaram consideravelmente  á  área  comunidade  e  a  presença  na  proximidades  da  lixeira pública, levaram o moradores a abandonar a agricultura em favor de empregos ou ocupações urbanas. A questão da lixeira pública é relevante porque tem com forma de  compensação  prevista  no  plano  de  básico  ambiental  a  contratação  dos moradores para trabalhar na empresa responsável pela coleta e armazenamento do lixo.  Porém,  vale  ressaltar  que  a  maioria  trabalha  fazendo  “bicos”  fora  da comunidade, principalmente na área urbana de Macapá. Mapa 4 – Atividades econômicas nas comunidades estudadas

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A renda familiar dos moradores das comunidades se concentra em até um salário mínimo. Dos 392 entrevistados, 215 estão nessa faixa de renda, ou seja, 55%, sendo eles  principalmente  agricultores.  Na  segunda  faixa  de  renda,  somam  117 respondentes, ou 30%, também com predomínio de agricultores. As duas faixas de rendas somadas chegam a 85% do total de respondentes (Gráfico 1). Gráfico 1 – Renda e ocupação profissional.

Fonte: Pesquisa de campo, 2013 25

Considerando a renda dos moradores das comunidades, buscou­se identificar os bens  móveis  que  possuem  para  seus  deslocamentos.  O  resultado  foi  que  entre  os entrevistados, o bem mais comum é a bicicleta, seguida, em menor proporção, pelo carro, pela embarcação motorizada e pela motocicleta (Gráfico 2). Gráfico 2 ­ Bens móveis e renda

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Fonte: Pesquisa de campo, 2013. 26

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Ainda,  considerando  a  renda  e  a  posse  de  equipamentos  domésticos  úteis  para sobrevivência  e  qualidade  de  vida,  verificou­se  que  os  bens  mais  comuns  são,  na ordem  descrita;  fogão,  televisão,  ventilador,  geladeira  e  aparelho  de  DVD.  Essa sequencia se repete mesmo nas faixas de renda mais elevadas (Gráfico 3). Gráfico 3 – Renda e bens domésticos.

Fonte: Pesquisa de campo, 2013. 28

Analisando  a  escolaridade  dos  entrevistados,  considerando  suas  ocupações profissionais,  é  clara  a  concentração  no  ensino  fundamental  incompleto, principalmente dos agricultores e pecuaristas. Chama a atenção também o número de não escolarizados (Gráfico 4). Gráfico 4 ­ Ensino e atividade de trabalho.

Fonte: Pesquisa de campo, 2013 29

Com  base  nos  dados  levantados  de  modo  geral,  podemos  afirmar  que  as comunidades  quilombolas  no  Amapá  são  constituídas  por  uma  população  rural com  níveis  baixos  de  renda  e  escolaridade,  bem  como  acesso  escasso  a  bens domésticos  e  móveis.  A  renda  de  metade  dos  representantes  de  familias

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entrevistadas  é  complementada  por  programas  sociais.  De  acordo  com  os  dados coletados,  50,7%  ou  195  dos  entrevistados  recebem  recursos  do  programa  Bolsa Familia do Governo Federal (33%), do programa estadual Renda Para Viver Melhor (12,2%) e, ainda, auxilios do INSS (5,4%). A maioria das comunidades tem acesso a energia elétrica através da rede pública de  distribuição,  mas  existem  casos  de  comunidades  que  não  contam  com  esse serviço (Gráfico 5). Entre as que não contam com esse bem estão duas comunidades na  faixa  de  fronteira  entre  o  Amapá  e  Guiana  Francesa,  são  elas  Cunani  no município de Calçoene e São Tomé do Aporema em Tararugalzinho. Elas refletem a realidade encontrada em outras comunidades que não dispoem do bem. Gráfico 5 – Fonte de energia.

Fonte: Pesquisa de campo, 2013. 31

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Em  São  Tomé  durante  algumas  horas  ao  anoitecer  os  moradores  utilizam geradores, tanto coletivo quanto privado, para iluminar as casas, encher as caixas d’agua  e  congelar  os  freezers,  que  ficam  desligados  durante  o  dia.  No  Cunani,  a energia  elétrica  era  fornecida  pela  Companhia  de  Eletricidade  do  Amapá  –  CEA através do Programa “Luz para todos” que disponibilizava um gerador de energia a diesel  e  300  litros  de  combustível  mensal.  Os  próprios  moradores  eram responsáveis por buscar o combustível na cidade de Calçoene. Existe fiação elétrica de  distribuição  entre  as  residências  e  para  o  posto  de  saúde,  capela,  centro comunitário e escola. Contudo, o gerador quebrou em janeiro de 2013 e desde então a  comunidade  está  sem  eletricidade  e  água  encanada,  pois,  não  há  energia  para retira  a  água  dos  poços  amazonas  que  abastecem  as  casas.  Alguns  moradores utilizam  sistemas  manuais  para  captação  de  água  nos  poços  mais  a  maioria  é obrigada  a  utilizar  a  água  do  rio  para  atender  as  necessidades  de  cotidianas. Segundo os relatos, muitas foram às investidas junto a Companhia de Eletricidade do Amapá (CEA) e a prefeitura de Calçoene para tentar sanar o problema, mas até o momento da realização da pesquisa (26/07/2013) não tinham resposta. Nenhuma das comunidades tem acesso á agua tratada pela rede de distribuição. A grande maioria dos moradores consome água de poços ou de outras fontes como igarapé,  olhos  d’agua  ou  de  minas  próximas  às  residências,  o  que  aparece classificado com “outra” no Gráfico 6. Muitos utilizam águas captadas direto dos rios. Gráfico 6 – Fonte de água e energia.

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Fonte: Pesquisa de campo, 2013. 33

O  saneamento  básico  é,  também,  uma  questão  precária  em  todas  as comunidades.  Nenhuma  conta  com  rede  de  esgoto,  os  dejetos  sanitários  são comumente  depositados  em  fossas  ou  descartados  no  ambiente,  o  que  indica grande  probabilidade  de  contaminação  da  água,  considerando  sua  forma  de captação. O lixo é, na maioria das comunidades, queimado, mas muitas já contam com o serviço de coleta pública (Gráfico 7). Gráfico 7 – Destino do lixo e dejetos sanitários.

Fonte: Pesquisa de campo, 2013. 34

No que diz respeito à moradia, as casas das comunidades em sua grande maioria são  próprias.  As  moradias  de  alvenaria  prevalecem  com  uma  pequena  margem sobre as de madeira, também, muito presentes, principalmente nas comunidades ribeirinhas.  Vale  ressaltar  que  as  construções  do  programa  Minha  Casa,  Minha Vida  do  governo  federal  em  algumas  comunidades  contribuiu  para  essa preponderância (Gráfico 8). Gráfico 8 – Propriedade e material de construção das casas

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Fonte: Pesquisa de campo, 2013. 35

Na maioria das casas das comunidades os banheiros são internos, mas são muito comuns os banheiros externos, principalmente nas moradias de madeira. Algumas residências  não  possuem  banheiro  e  nesses  casos  normalmente  os  moradores utilizam de vizinhos (Gráfico 9). Gráfico 9 – Banheiros e propriedade das casas

Fonte: Pesquisa de campo, 2013. 36

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As condições de infraestrutura das comunidades denotam a carência de serviços públicos básicos como água tratada e saneamento. As moradias, quando não são construídas  por  programas  públicos,  são  feitas  pelos  próprios  moradores  e comumente acomodam mais de uma família nuclear. Os equipamentos sociais mais comumente encontrados nas comunidades são o centro comunitário, que serve, na maioria das vezes, de sede da associação, a capela e o campo de futebol, espaço fundamental de interação intracomunitário e entre as comunidades. Apenas 18 comunidades (Cunani, São Miguel do Macacoari, Ambé, Curiaú, Curralinho, Ilha Redonda, Lagoa dos Índios, Mel da Pedreira, Ressaca da Pedreira,  Santo  Antônio  do  Matapi,  São  João  do  Matapi,  São  José  do  Matapi  do Porto  do  Ceú,  São  Pedro  dos  Bois,  Kulumbú  do  Patuazinho,  Alto  do  Pirativa, Igarapé do Lago, São Raimundo do Pirativa, São Tomé do Aporema) contam com escolas  que  atendem,  quase  sempre,  as  séries  iniciais  do  ensino  básico  (1ª  a  4ª série). Um dos principais motivos de migração dos moradores das comunidades é a escolarização  dos  filhos.  Ou  a  família  se  muda  para  outra  comunidade  ou  cidade próxima ou os jovens saem da comunidade para continuar estudando. Também, foi recorrente  encontrarmos  crianças  e  jovens  em  idade  escolar  que  abandonaram  os estudos  pelas  dificuldades  de  frequentar  a  escola,  realidade  que  nos  chamou

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atenção fortemente em Nossa Senhora do Desterro. Os postos de saúde são, ainda, mais raros. Apenas nove comunidades dispõem desse  equipamento,  são  elas:  Cunani,  Ambé,  Curiaú,  Lagoa  dos  Indíos,  Santo Antônio do Matapi, São José do Mata Fome, São Pedro dos Bois, Alto do Pirativa, Igarapé do Lago. Nesses postos, o atendimento é comumente feito por uma técnica em  enfermagem  que  distribui  medicamentos  e  faz  os  primeiros  socorros.  O tratamento  de  casos  graves  ou  consultas  médicas  são  buscados  nos  postos  ou hospitais das cidades próximas. Os  dados  coletados  sobre  os  problemas  enfrentados  para  a  assistência  a  saúde indicaram  que  a  ausência  de  médicos  e  enfermeiros  é  a  principal  dificuldade, seguida  pela  falta  de  remédios  nos  postos  e  transporte.  Os  respondentes  podiam indicar até três opções. Gráfico 10 – Principais problemas para assistência a saúde.

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Fonte: Pesquisa de campo, 2013. A  questão  do  transporte  aparece  com  relevância  no  gráfico  10,  pois,  todas  as comunidades,  exceto  as  que  estão  em  áreas  urbanas,  não  dispõem  de  meios  de transporte  coletivos.  A  existência  de  transporte  que  lhes  permitisse  ao  menos buscar  com  regularidade  o  tratamento  médico  na  cidade  próxima  atenderia  as necessidades mais emergenciais. Ainda  com  relação  às  condições  de  saúde  nas  comunidades,  a  doença  mais presente entre os moradores é a malária. Enfermidade típica da região, os dados da coleta confirmam altos índices da doença no estado do Amapá. Para coleta desse dado foi pedido aos entrevistados apontassem as doenças mais comuns no limite de três. Gráfico 11 – Doenças mais comuns.

Fonte: Pesquisa de campo, 2013. 42

As  condições  socioeconômicas  para  a  produção  da  vida  das  famílias  nas comunidades  quilombolas  no  Amapá  não  foge  aos  padrões  de  outras  localidades

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rurais  no  estado,  onde  se  encontra  uma  população  que  vive  de  seus  próprios esforços  em  comunidades  sem  assistência  e  acesso  aos  serviços  públicos  básicos. Mas,  elas  se  diferenciam  em  sua  construção  étnica  e  produção  de  significados culturais  específicos  expressos  em  seu  cotidiano,  na  sua  organização  e  nas  suas festas.

Patrimônio Cultural: Festas, Religiosidades e Territorialidades das Comunidades Estudadas 43

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A  maioria  das  comunidades  se  organiza  como  grupo  familiar  e  faz  uso compartilhado  dos  recursos  naturais.  De  modo  geral,  o  que  caracteriza  essas comunidades é o sistema de uso comum da terra. Dentre os entrevistados, 226 ou 57%  da  amostra  responderam  que  o  uso  da  terra  é  por  famílias  e  74  ou  19% apontaram  o  uso  coletivo.  Esse  uso  é  orientado  por  valores  em  que  os  laços  de consanguinidade  e  compadrio  são  relevantes  e  segue  ritos  recebidos  dos antepassados.  Essas  características  nos  permitem  afirmar,  de  acordo  com  Maia (2012,  p.32),  que  “a  relação  com  a  terra  se  constitui  elemento  aglutinador  no processo  de  preservação  de  uma  identidade  étnica,  cuja  ligação  com  o  passado contribui  para  a  manutenção  de  práticas  sociais  e  culturais  singulares  em  um espaço próprio”. A vinculação das comunidades com seu território não é, portanto, apenas uma questão  econômica  de  cultivo  da  terra  para  sobrevivência,  mas,  de  garantia  de continuidade  de  seus  hábitos  cotidianos,  de  seus  ritos,  da  existência  da comunidade. Mesmo em comunidades onde a ocupação profissional se diversificou e a agricultura não é mais a única ou a principal forma de garantir a vida, o espaço do  vivido  é  o  espaço  de  sua  cultura  e,  dessa  forma,  fundamental  para  sua manutenção. Na  produção  social  de  sua  territorialidade,  a  comunidades  constroem  seus espaços  com  os  elementos  que  compõe  o  mundo  do  vivido.  Ou  seja,  o  constroem com sua prática cotidiana de vida vinculada ao trabalho, morada, lazer, atividades sociais e confraternizações internas e entre as comunidades próximas. As memórias dos  mais  antigos  demarcam  lugares  que  contam  a  história  da  comunidade  e atribuem  sentidos  ao  espaço  que  estão  prenhes  de  significados  para  os  que compõem  o  grupo  social.  O  território  da  comunidade,  para  além  os  espaço geográfico  é  também  da  produção  cultural  expressa  nas  roças,  na  construção  e distribuição das casas, no campo de futebol, na igreja, no centro comunitário, no cemitério, nos pomares, nas matas e em tantos outros espaços de construção social, o território compõem patrimônio cultural da comunidade. Considerando  as  especificidades  de  cada  comunidade,  encontramos  poucos espaços  para  generalização  quanto  ao  seu  rico  patrimônio  cultural.  É  possível, contudo  afirmar  que  o  cultivo  da  mandioca  e  o  fabrico  da  farinha  (Foto  3)  fazem parte dos saberes e modos de fazer da grande maioria delas. Além disso, os espaços das roças, das casas de forno e das celebrações, em quase todas as comunidades, são  repletos  de  representações  simbólicas  e  práticas  coletivas  que  dão  coesão  ao grupo. Foto 3 ­ Torragem da farinha na comunidade Cinco Chagas do Matapi

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Fonte: Pesquisa de Campo, 2013. 47

As  festas  de  santos  é  outra  marca  cultural  muito  presente  em  quase  todas  as comunidades  (Mapa  5),  exceto  naquelas  que  são  evangélicas.  Nas  festas,  a  parte religiosa  com  as  procissões  e  ladainhas  –  em  algumas  comunidades  em  latim  e outras em português – e a parte profana com a dança e a música do marabaixo e o batuque  são  expressões  das  identidades  dos  grupos,  assim  como  a  música  e  a dança do zimba3 no Cunani. Mapa 5 – Danças Típicas na comunidades

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O  preparo  da  gengibirra  e  do  cozido  de  carne  para  servir  durante  os  festejos, constantes  em  muitas  comunidades  quilombolas  como  mostra  o  Mapa  6,  e  as ornamentações  dos  lugares  da  festa  compõem  os  rituais  e  marcam  a  vivência coletiva do trabalho e a religiosidade de cada grupo. Mapa 6 – Bebida e comida típica nas comunidades

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Outra dimensão explorada nas pesquisas de campo e que compõem o espaço da cultura  de  todos  esses  grupos  é  a  representação  que  fazem  sobre  o  que  é  ser quilombola. Para a grande maioria essa é uma representação nova e em construção. Ela está fortemente associada às questões de reconhecimento por parte do Estado, como a certificação da Fundação Palmares, o estatuto da associação de moradores, e  a  representação  junto  aos  movimentos  sociais.  A  “identidade”  quilombola  tem também uma forte conotação da luta por direitos e melhores condições de vida.

Considerações Finais 50

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Na  primeira  parte  deste  artigo  procurou­se  situar  a  localização  geográfica  das comunidades, as formas de acesso e sua distância em relação a capital, Macapá. E, ainda,  contar,  através  dos  relatos  dos  entrevistados,  dos  documentos  levantados junto  aos  moradores  e  órgão  públicos  e  trabalhos  acadêmicos,  a  formação  da comunidade. Em muitos casos, a principal fonte de informação foram as narrativas dos moradores. Vale ressaltar que o próprio termo “comunidade” é usado no trabalho no sentido que  os  moradores  costumam  atribuir  ao  seu  agrupamento,  ou  seja,  um  espaço constituído  e  representado  pelo  conjunto  das  moradias,  equipamentos  sociais  ­ como  escola,  centro  comunitário  e  outros  –  roças,  mata,  rios  e  demais  elementos que compõe sua territorialidade e onde se estabelecem suas relações sociopolíticas e econômicas. Para elaboração dessa parte foi fundamental as anotações do caderno de  campo  nas  viagens  até  as  localidades,  as  entrevistas  e  os  documentos apresentados. Na  segunda  parte,  analisamos  as  condições  socioeconômicas  de  vida  nas comunidades.  Essa  parte  do  trabalho  esteve  pautada  pela  explicação  da infraestrutura  que  a  comunidade  tem  ao  seu  dispor,  das  condições  de  moradias, das formas de trabalho, obtenção de renda, organização econômica e condições de saúde.  Sua  elaboração  foi  baseada  principalmente  nos  dados  levantados  pelo questionário aplicado aos representantes das famílias de moradores e em elementos que compunham o laudo antropológico feito durante o trabalho de campo. Na última parte, buscou­se mapear o denso conteúdo do patrimônio cultural de cada  comunidade.  As  categorias  do  Decreto  3.551/2000  ajudaram  no  recorte analítico,  mas  a  complexidade  dessa  dimensão  escapa  a  categorização  legal  e

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acadêmica. Procurou­se, no geral, dar voz aos sujeitos da análise para, a partir de seus  discursos  e  práticas  –  passíveis  de  serem  percebidas  durante  o  tempo  de realização  da  pesquisa  de  campo  –  interpretar  os  elementos  que  as  comunidades tomam  para  si  como  patrimônio  cultural.  Para  a  construção  dessa  parte  foi fundamental o laudo antropológico produzido na pesquisa de campo, os registros fotográficos, as anotações do caderno de campo dos pesquisadores e também dados retirados do questionário socioeconômico. O  resultado  geral  aqui  apresentado  não  esgota  nenhuma  das  dimensões exploradas,  mas  produz  uma  síntese  do  que  são  as  28  comunidades  que  se autoreconhecem com remanescente de quilombos, certificada pela FCP no Amapá, até janeiro de 2013. Esse artigo permitiu mapear, sem a intensão de promover uma etnografia  densa  ou  uma  interpretação  profunda,  o  patrimônio  cultural  desses remanescentes de quilombos no estado do Amapá. O’DWYER,  Eliane  Cantarino  (org.).  Quilombos:  identidade  étnica  e territorialidade. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2002. LEITE,  Ilka  Boaventura.  Os  Quilombos  no  Brasil:  Questões  Conceituais  e Normativas. In Etnográfica, Vol. IV (2), 2000, pp. 333­354 LEITE,  Ilka  Boaventura.  Humanidades  Insurgentes:  Conflitos  e  Criminalização dos  Quilombos.  In  ALMEIDA,  Alfredo  Wagner  Berno  de  (Org.).  Cadernos  de debates  Nova  Cartografia  Social:  Territórios  quilombolas  e  conflitos. Manaus: Projeto Nova Cartografia Social da Amazônia/UEA Edições, 2010. MAIA, Joseane. Herança Quilombola Maranhense: histórias e estórias. São Paulo: Paulinas, 2012. SILVA, Marcelo Gonçalves da. Territórios Quilombolas no Estado do Amapá: Um Diagnóstico.  In  Anais  do  XXI  Encontro  Nacional  de  Geografia  Agrária. Uberlandia/MG,  15  a  19  outubro  de  2012.  Disponível  em: www.lagea.ig.ufu.br/xx1enga/anais_enga_2012/eixos/1308_1.pdf  Acesso  em 04/03/2014. SILVA, Gutemberg de Vilhena. A Cooperação Transfronteiriça entre Brasil e França: Ensaios e Expectativas neste século XXI. Tese de Doutorado. Programa de Pós­Graduação  em  Geografia  da  Universidade  Federal  do  Rio  de  Janeiro  (UFRJ), 2013. GOMES,  Flávio  dos  Santos.  (org.).  Nas  terras  do  Cabo  Norte:  Fronteiras, Colonização  e  Escravidão  na  Amazônia  Brasileira  (séculos  XVII­XIX).  Belém, Editora Universitária/UFPA, 1999. PROGRAMME  USART.  Síntese  Missão  Cunani,  10  a  30  de  agosto  de  2010. Disponível  em  http://hal.archives­ouvertes.fr/​ docs/​ 00/​ 6 0/​ 55/​ 05/​ PDF/​ ICMBio_Sintese_Cunani_Portugues­FINAL.pdf Acesso em 29/10/2013

Notes 1 No estado do Amapá, 72% do território do Estado são protegidos. As terras públicas estão distribuídas  entre  o  controle  da  FUNAI,  (6,30%);  IBAMA,  (30,96%)  INCRA,  (40,45%),  e apenas 40.605 km2 (22,27%) está sob o controle do governo do estado. 2  Trabalho  resultado  de  pesquisa  financiada  pela  Fundação  Cultural  Palmares  (Edital  nº 002/2012).  Agradecemos  aos  pesquisadores  Manoel  Azevedo  de  Souza,  Christianni  Lacy Soares e Milleny Chaves Rodrigues pela colaboração em campo e elaboração dos resultados 3  O  zimba  é  um  ritmo  dançado  nas  festas  dos  santos.  A  coreografia  se  assemelha  com  o carimbó  dançado  no  Pará,  mas  o  ritmo  é  diferente,  mais  rápido,  além  da  marcação  de  02 http://confins.revues.org/10021

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tambores e 02 varas que faz do zimba uma singularidade do Cunani

Table des illustrations Titre Mapa 1 – Localização das comunidades estudadas. URL http://confins.revues.org/docannexe/image/10021/img­1.jpg Fichier image/jpeg, 236k Titre

Mapa 2 – Quantidade e distribuição espacial das famílias quilombolas estudadas

URL http://confins.revues.org/docannexe/image/10021/img­2.jpg Fichier image/jpeg, 244k Titre

Foto 1 _ Organização e distribuição espacial das casas na comunidade Nossa Senhora do Desterro.

Crédits Fonte: Pesquisa de campo, 2013. URL http://confins.revues.org/docannexe/image/10021/img­3.jpg Fichier image/jpeg, 196k Titre Mapa 3 – Origem das comunidades Quilombolas estudadas URL http://confins.revues.org/docannexe/image/10021/img­4.jpg Fichier image/jpeg, 184k Titre

Foto 2 ­ Comunidade do Engenho do Matapi às margens do Rio Matapi

Crédits Fonte: Pesquisa de campo, 2013. URL http://confins.revues.org/docannexe/image/10021/img­5.jpg Fichier image/jpeg, 32k Titre Mapa 4 – Atividades econômicas nas comunidades estudadas URL http://confins.revues.org/docannexe/image/10021/img­6.jpg Fichier image/jpeg, 304k Titre Gráfico 1 – Renda e ocupação profissional. Crédits Fonte: Pesquisa de campo, 2013 URL http://confins.revues.org/docannexe/image/10021/img­7.png Fichier image/png, 27k Titre Gráfico 2 ­ Bens móveis e renda Crédits Fonte: Pesquisa de campo, 2013. URL http://confins.revues.org/docannexe/image/10021/img­8.png Fichier image/png, 16k Titre Gráfico 3 – Renda e bens domésticos. Crédits Fonte: Pesquisa de campo, 2013. URL http://confins.revues.org/docannexe/image/10021/img­9.png Fichier image/png, 26k Titre Gráfico 4 ­ Ensino e atividade de trabalho. Crédits Fonte: Pesquisa de campo, 2013 URL http://confins.revues.org/docannexe/image/10021/img­10.png Fichier image/png, 29k Titre Gráfico 5 – Fonte de energia. Crédits Fonte: Pesquisa de campo, 2013. URL http://confins.revues.org/docannexe/image/10021/img­11.png Fichier image/png, 12k Titre Gráfico 6 – Fonte de água e energia. Crédits Fonte: Pesquisa de campo, 2013. URL http://confins.revues.org/docannexe/image/10021/img­12.png http://confins.revues.org/10021

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Comunidades Quilombolas na Amazônia:

Fichier image/png, 15k Titre Gráfico 7 – Destino do lixo e dejetos sanitários. Crédits Fonte: Pesquisa de campo, 2013. URL http://confins.revues.org/docannexe/image/10021/img­13.png Fichier image/png, 18k Titre Gráfico 8 – Propriedade e material de construção das casas Crédits Fonte: Pesquisa de campo, 2013. URL http://confins.revues.org/docannexe/image/10021/img­14.png Fichier image/png, 13k Titre Gráfico 9 – Banheiros e propriedade das casas Crédits Fonte: Pesquisa de campo, 2013. URL http://confins.revues.org/docannexe/image/10021/img­15.png Fichier image/png, 11k Titre Gráfico 10 – Principais problemas para assistência a saúde. URL http://confins.revues.org/docannexe/image/10021/img­16.png Fichier image/png, 12k Titre Gráfico 11 – Doenças mais comuns. Crédits Fonte: Pesquisa de campo, 2013. URL http://confins.revues.org/docannexe/image/10021/img­17.png Fichier image/png, 17k Titre

Foto 3 ­ Torragem da farinha na comunidade Cinco Chagas do Matapi

Crédits Fonte: Pesquisa de Campo, 2013. URL http://confins.revues.org/docannexe/image/10021/img­18.jpg Fichier image/jpeg, 292k Titre Mapa 5 – Danças Típicas na comunidades URL http://confins.revues.org/docannexe/image/10021/img­19.jpg Fichier image/jpeg, 276k Titre Mapa 6 – Bebida e comida típica nas comunidades URL http://confins.revues.org/docannexe/image/10021/img­20.jpg Fichier image/jpeg, 203k

Pour citer cet article Référence électronique

Eliane Superti et Gutemberg de Vilhena Silva, « Comunidades Quilombolas na Amazônia: », Confins [En ligne], 23 | 2015, mis en ligne le 01 mars 2015, consulté le 21 mars 2015. URL : http://confins.revues.org/10021

Auteurs Eliane Superti Docente na Universidade Federal do Amapá. Pesquisadora do Observatório das Fronteiras do Platô das Guianas (OBFRON) e Líder do Grupo de Pesquisa Direitos Sociais Cultura e Cidadania, [email protected] Gutemberg de Vilhena Silva Docente na Universidade Federal do Amapá. Pesquisador do Observatório das Fronteiras do Platô das Guianas (OBFRON) e Líder do Grupo de Pesquisa Políticas Territoriais e Desenvolvimento (POTEDES), [email protected] Articles du même auteur

Desenvolvimento econômico em cidades da fronteira amazônica: ações, escalas e recursos para Oiapoque­AP [Texte intégral] http://confins.revues.org/10021

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Comunidades Quilombolas na Amazônia:

Paru dans Confins, 17 | 2013

Droits d’auteur © Confins

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