Conceição, CP; Coelho, AR; Costa, AF (2006), Da aprendizagem informal ao ensino formal da matemática

July 22, 2017 | Autor: A. Costa | Categoria: Mathematics Education, Science, Technology and Society
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Cristina Palma Conceição, Ana Rita Coelho e António Firmino da Costa (2006), “Da aprendizagem informal ao ensino formal da matemática: algumas reflexões suscitadas pelo projecto Pencil”, Actas ProfMat 2006, Escola Superior de Educação de Setúbal, 15 a 17 de Novembro de 2006.

Da aprendizagem informal ao ensino formal da matemática: algumas reflexões suscitadas pelo projecto Pencil Cristina Palma Conceição, Ana Rita Coelho e António Firmino da Costa CIES-ISCTE (Centro de Investigação e Estudos de Sociologia)

No ano lectivo de 2005/06 seis escolas da região de Lisboa, o Pavilhão do Conhecimento, a Associação de Professores de Matemática (APM), a Atractor e o Centro de Investigação e Estudos de Sociologia (CIES-ISCTE) estiveram envolvidos em Portugal num projecto-piloto financiado pela Comissão Europeia no âmbito do projecto Pencil (Permanent European Resource Centre for Informal Learning). Pretendia-se, no caso português, estimular e testar a transposição para contextos formais de ensino da matemática de métodos, materiais e actividades usualmente adoptados em contextos de aprendizagem informal, ou mais especificamente em centros de ciência. Dezoito professores participaram activamente neste desafio, concebendo e/ou implementando no currículo das suas turmas actividades pedagógicas baseadas no uso de objectos manipuláveis, materiais interactivos, jogos ou outros dispositivos de ensino experimental. Um total de perto de 40 propostas de trabalho foram apresentadas pelos participantes. E mais de 500 alunos do ensino básico e secundário estiveram envolvidos no projecto. Uma equipa de sociólogos do CIES-ISCTE acompanhou todo este processo. Tendo em vista a identificação de elementos facilitadores e obstáculos, e as vantagens e desvantagens do tipo de actividades desenvolvidas, ao longo do ano analisaram-se os modos de relação dos alunos com a matemática, a sua percepção sobre a oportunidade de realização de experiências, jogos, visitas de estudo e outras actividades similares, bem como as expectativas dos professores, as estratégias por estes adoptadas na implementação do projecto e o balanço que dele fizeram. Alguns dos principais resultados desta pesquisa são aqui apresentados, com o objectivo de partilhar experiências e promover a reflexão alargada em torno da temática. De ressalvar, contudo, o carácter exploratório da pesquisa, não havendo qualquer garantia de que os professores e alunos envolvidos no projecto sejam representativos do universo educativo português.

Breves notas sobre centros de ciência e ensino da matemática A terminologia usada para caracterizar os centros de ciência e os processos de aprendizagem por estes suscitados está longe de ser consensual. Por vezes estes são considerados espaços informais de aprendizagem – como é o caso da formulação utilizada no projecto Pencil – distinguindo-os assim dos sistemas formais de ensino. Ao contrário do que acontece na escola, 1

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os centros de ciência não concedem certificados com valor no sistema de ensino nem mercado de trabalho, não organizam necessariamente aprendizagens em continuidade e de acordo com áreas disciplinares, nem pressupõem que todos os visitantes se envolvam em processos de similares, adoptando os mesmos ritmos e sequências, ou beneficiando da orientação directa de um professor (Ávila, 2005; Falk, 2001; Chagas, 1993). Noutras abordagens 1, poder-se-ão considerar contudo os centros e museus de ciência como contextos de educação não-formal, já que se é verdade que estes se diferenciam dos formais, será também de salientar a distância face a outros fóruns de educação, como a família ou o grupo de pares, estes sim de carácter menos estruturado e com objectivos ainda mais difusos. Perspectivas teóricas mais recentes, focadas especificamente na análise das especificidades, potencialidade e limites dos processos de aprendizagem induzidos por espaços como museus e centros de ciência, adoptam o conceito de aprendizagem em contexto de livre escolha2 (Falk e Dierking, 2000; Falk, 2001). Procuram realçar o facto de a visita a um centro de ciência se tratar, em termos típicos, de uma experiência voluntária e orientada pelos interesses específicos de cada visitante, que pode optar pelo percurso e pelos módulos que mais lhe agradarem, seguindo o seu próprio ritmo. Mas salientam igualmente outras características centrais, como é o facto de estes centros explorarem frequentemente questões com as quais o cidadão comum se confrontará quotidianamente ou em relação às quais terá mais curiosidade ou perplexidade – o que poderá favorecer a motivação, a memorização e a atribuição de sentido à experiência proporcionada. Ou o facto de estas instituições procurarem estimular visitas o mais apelativas e agradáveis possível, recorrendo muito frequentemente – pelo menos no caso dos museus de ciência da última geração, os centros interactivos – a módulos que pressupõem que o visitante interaja directamente com os materiais disponíveis, efectuando experiências e respondendo a desafios, daí retirando as suas próprias conclusões de modo autónomo (Gregory e Miller, 1998, Durant, 1992). Pressupõe-se pois serem os módulos, e as actividades com estes desenvolvidas, as principais fontes de informação e aprendizagem, num processo pautado pela experiência directa e pelo confronto com o concreto. Tal não invalida a importância das interacções sociais entre visitantes ou da mediação proporcionada pelos monitores. Pelo contrário, várias pesquisas têm igualmente salientado que o facto de estes centros proporcionarem explorações em pequenos grupos, num contexto frequentemente marcado pela emotividade, pode favorecer a partilha de conhecimentos e 1

Veja-se, entre outras, as orientações de política produzidas a nível europeu a propósito dos sistemas educativos e da educação ao longo da vida. 2 Na versão original, em inglês, é usada a expressão “free choice learning”. Este tipo de abordagem tem exercido considerável influência entre os mais destacados grupos de investigação nesta área, como é o caso dos integrados no CILS (Center for Informal Learning and Schools) – mesmo que nem sempre o termo livre escolha seja adoptado em substituição do informal. 2

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aprendizagens, a verbalização das experiências e dos raciocínios, e a sua ancoragem em episódios de vida real, potenciando uma mais profunda e duradoura compreensão e memorização dos conceitos em causa (Heath, Lehn e Osborne, 2005). A capacidade destas instituições se constituírem efectivamente como fontes relevantes de aprendizagem está longe contudo de ser isenta de polémica (Lebeau e outros, 2001; Rennie e McClafferty, 1999; Griffin, 1999). Vários investigadores têm explorado a questão, confrontados com a escassez e superficialidade das aprendizagens efectuadas por muitos visitantes. Nalguns casos, questiona-se a possibilidade de conceitos abstractos e profundamente complexos, como os inerentes à ciência e à matemática contemporâneas, serem passíveis de ser transmitidos e apreendidos através do contacto com dispositivos como os patentes nestes centros; ainda para mais em experiências frequentemente pautadas acima de tudo por objectivos de entretenimento. Outros lembram no entanto que as aprendizagens efectuadas nestes contextos não podem ser avaliadas segundo os mesmos critérios utilizados nos sistemas formais, sendo que as aquisições não se dão exclusivamente no domínio cognitivo, mas também no afectivo, social e psicomotor. A alteração ou consolidação de crenças e atitudes é, por exemplo, um dos aspectos em que mais se podem sentir os efeitos da educação informal (Falk e Dierking, 2000). O papel dos centros de ciência tem vindo, de qualquer forma, a ser cada vez mais reconhecido, não só como veículo de promoção da cultura científica dos cidadãos ao longo da sua vida, mas também como recurso adicional ao dispor dos sistemas de ensino formal dirigidos a crianças e jovens – movimento no qual o Pencil se integra. As visitas escolares constituem, aliás, parte significativa dos públicos dos centros de ciência (Dillon e outros, 2006; Walter e Westbrook, 2001; Lebeau e outros, 2001; Rennie e McClafferty, 1999; Gregory e Miller, 1998; Beetlestone e outros, 1998; Chagas, 1993). Do ponto de vista das ciências educação, as questões aqui levantadas enquadram-se claramente no debate em curso acerca dos benefícios da adopção e/ou reforço de actividades de ensino experimental (Gilbert, 2006; Ponte, 2005; Grilo, 2004; Almiro, 2005; Segurado, 2002; Pires, 2002; Veríssimo, Pedrosa e Ribeiro, 2001; Cachapuz, Praia e Jorge, 2000; Abrantes, 1994; DeBoer, 1991, NSF, s.d.). Muitas têm sido as vozes que apontam para a carga excessiva de aulas expositivas – baseadas quase exclusivamente no discurso do professor e na manutenção de uma atitude passiva por parte do aluno – que caracteriza as escolas portuguesas. A maioria considera que este tipo de estratégia poderá ter efeitos perversos, quer na motivação dos estudantes, quer no desejável reforço da sua autonomia, persistência e capacidade de comunicação. E muitos advogam também que certos conhecimentos e competências fundamentais podem ser mais facilmente acessíveis caso os alunos se envolvam directamente em actividades de natureza prática e

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experimental, já que estas podem favorecer, não só a percepção da utilidade das matérias em causa, como uma compreensão mais profunda dos conceitos explorados. No caso específico do ensino da matemática – que se sabe ser pautado por algum distanciamento dos alunos em relação à disciplina (Ramos, 2004; OCDE, 2004) – muitos têm vindo também a questionar a eficácia pedagógica da repetição de exercícios de memorização e a habitual escassez de outras actividades pedagógicas como a resolução de problemas, o desenvolvimento de actividades de investigação ou a exploração de exemplos de aplicação da matemática a aspectos da vida quotidiana (Abrantes, 1994; Abrantes e outros, 1997; Ponte, 2005). Algumas das reformas introduzidas nos currículos da disciplina decorrem precisamente desta discussão. Mas nem sempre a alteração das práticas pedagógicas se tem revelado isenta de obstáculos e contradições (Abrantes, 1994; Dumangane, 2004). Alguns foram já identificados: desde logo a importância da formação dos professores e as resistências por muitos manifestadas na alteração de práticas e na transformação de mentalidades; mas também as dificuldades materiais e os constrangimentos de tempo; ou ainda alguma falta de consenso relativamente à extensão exacta das mudanças a introduzir (veja-se a este propósito alguns dos debates nas ciências da educação em torno das propostas pedagógicas de pendor mais construtivista). Noutras palavras, reencontra-se aqui a questão dos limites (ou dos paradoxos) da transposição para os sistemas formais de modalidades de aprendizagem tipicamente exploradas pela educação informal. Até que ponto a obrigatoriedade que pauta os sistemas escolares (no que respeita aos programas ou à avaliação, entre outros) limita a adopção de tal tipo de práticas pedagógicas? Será possível atingir os desejáveis níveis de abstracção e aquisição cognitiva baseando exclusivamente os processos de aprendizagem em materiais manipuláveis ou em referências ao concreto? Como lidar, nesses casos, com heterogeneidade dos alunos? Ou ainda, doutro ponto de vista, serão tais obstáculos razão suficientes para abandonar o esforço de reforço do ensino experimental? Não será este uma via privilegiada para trazer ao sistema alunos dele mais afastados?

Notas metodológicas Partindo destas reflexões, e tendo como objectivo o acompanhamento e análise dos processos desencadeados pelo projecto Pencil, o CIES montou um dispositivo de pesquisa estruturado em torno de três eixos fundamentais de análise (articulados com três momentos chave de recolha de informação). 

Condições de partida (início do ano lectivo)

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Neste eixo trataram-se em particular motivações, expectativas, conhecimentos, interesses e atitudes dos participantes (professores e alunos) – procurando compreender em que medida estes dificultam ou facilitam o desenvolvimento das actividades e seus resultados. 

Actividades desenvolvidas (durante o ano lectivo) Observou-se fundamentalmente a estruturação e orientação das propostas pedagógicas apresentadas pelos professores no âmbito do projecto, os materiais utilizados nas actividades, o envolvimento e interacção dos participantes nessas actividades, bem como outros elementos de ancoragem ou reforço – procurando assim identificar as modalidades segundo as quais os professores procederam à transposição “informalformal”



Condições de chegada (final do ano lectivo) Neste último retomaram-se algumas das dimensões tratadas no primeiro eixo – procurando identificar e compreender eventuais mudanças, e assim informar reflexões de balanço.

Centrou-se portanto a análise, por um lado, nos professores (entendidos como principais protagonistas e destinatários imediatos do projecto) e, por outro, nos alunos envolvidos directamente na experiência. Quanto aos métodos para a recolha e tratamento da informação, optou-se pelo lançamento de dois inquéritos por questionário junto dos alunos do 2º e 3º ciclos do ensino básico e do secundário; e pela realização duas rondas de entrevistas de grupo com o professores envolvidos (organizadas por escola), em ambos os casos no início e no final do ano lectivo. A informação recolhida foi complementada através da participação em reuniões de projecto, de visitas pontuais às escolas e ao Pavilhão do Conhecimento, nomeadamente no decurso de algumas das actividades, bem como da análise de documentos relevantes.

As actividades pedagógicas desenvolvidas, seus obstáculos e elementos facilitadores Não partindo de qualquer indicação específica, para além do objectivo genérico de transpor para o currículo da matemática metodologias e materiais usualmente adoptados em centros de ciência, os professores tiveram total autonomia na definição das actividades que vieram a ser concretizadas. Nesse sentido, a caracterização dessas actividades é, em si mesma, um dos resultados fundamentais desta análise. Embora desde o início a maioria dos professores participantes acreditasse nalgumas das potencialidades dos processos de ensino-aprendizagem de natureza mais informal no que respeita à promoção de competências e duma compreensão mais profunda de conceitos teóricos, numa primeira abordagem muitos tendiam a salientar acima de tudo os efeitos que este tipo de práticas teriam na motivação dos alunos. Essa era, aliás, frequentemente citada como uma das

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principais mais valias do contacto dos jovens com centros de ciência – mais do que os aspectos cognitivos salientavam-se os motivacionais. Contudo, no decurso do projecto, muitas das acções efectivamente desenvolvidas exploram também as potencialidades cognitivas de tais práticas pedagógicas, procurando que estas estimulassem não só o interesse dos alunos, mas também a aquisição e o reforço de conhecimentos matemáticos. Nalguns casos, as actividades serviram essencialmente a introdução dos temas a explorar num determinado ponto do programa, procurando induzir a aprendizagem de algumas noções básicas que seriam posteriormente exploradas através de práticas mais tradicionais, nomeadamente da apresentação do professor e da realização de exercícios. Noutros – entendidos como particularmente positivos – partindo do mote do Pencil, procedeu-se a um mais profundo rearranjo curricular, introduzindo a manipulação de objectos e o desenvolvimento de actividades de exploração desde o momento da introdução dum tema até à avaliação das aprendizagens, passando pela fase da formalização dos conceitos. Em qualquer das situações, a transposição “informal-formal” esteve no entanto longe de indicar uma total substituição de processos de ensino-aprendizagem, mas antes a exploração de possíveis complementaridades. Vários professores referiram, neste sentido, que embora o contacto com exemplos concretos possa facilitar os processos de aprendizagem, como puderam comprovar junto de alguns dos seus alunos, em muitos casos revela-se difícil induzir a aquisição de conhecimentos de natureza mais teórica exclusivamente através de procedimentos de ensino experimental. Todos os professores sentiram necessidade de comandar momentos de síntese e extrapolação para níveis de maior abstracção conceptual das conclusões retiradas através das actividades Pencil, sem os quais a aquisição dos conhecimentos exigidos pelo currículo seria mais difícil, em particular por parte dos alunos com menos persistência e maiores dificuldades de aprendizagem. Assim sendo, o Pencil propiciou a adopção de alguns dos aspectos que caracterizam a aprendizagem tipicamente promovida em centros de ciência – como a manipulação de objectos, a exploração de problemas concretos, a ancoragem em exemplos do quotidiano, ou o reforço da interacção entre aprendentes –, mas esteve longe de pôr em causa os objectivos e, nalguma medida, as práticas típicas do ensino formal. Veja-se a este propósito o facto de, na maioria dos casos, se ter mantido o mesmo sistema de avaliação adoptado em anos anteriores. Tal situação veio a ser questionada por alguns dos professores no final da experiência, uma vez que os modelos de avaliação tradicionais não permitem aferir algumas das competências estimuladas pelo ensino experimental, podendo, por omissão, reforçar alguma desvalorização destas actividades por parte dos alunos.

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Ou veja-se também a manifesta dificuldade em aplicar o princípio da livre escolha no contexto escolar, quando os objectivos a atingir estão previamente definidos e o trabalho no contexto da turma torna particularmente difícil a gestão de ritmos, interesses e capacidades diferenciados. A participação dos alunos na generalidade das actividades propostas não foi optativa e, à semelhança do que em geral acontece na sala de aula, previu-se que todos seguissem as mesmas indicações e trabalhassem os mesmos materiais. Este princípio não mereceu aliás grande discussão entre os professores. A generalidade demonstrou, por outro lado, alguma contenção no número de aulas dedicadas às actividades Pencil, revelando receio que estas exigissem demasiado tempo lectivo, e que tal inviabilizasse o cumprimento de todo o programa e a consolidação das aprendizagens. O tempo exigido pelas actividades testadas foi, de facto, significativo. Mas, contrariando um pouco os receios iniciais, muitos docentes vieram a constatar que, após as actividades propostas no âmbito do projecto, os alunos tenderam a revelar maior facilidade e rapidez no acompanhamento das aulas de exploração conceptual e na realização de exercícios de consolidação das aprendizagens, o que nalguma medida terá permitido compensar os tempos àquelas dedicados. Mas outros constrangimentos foram também identificados. Muitos dos professores manifestaram a dificuldade de encontrar tarefas e objectos que permitissem a exploração de alguns dos conteúdos previstos nos programas, nomeadamente no ensino secundário, quando as matérias em causa assumem já um maior grau de complexidade e abstracção. Tanto mais que tinham como objectivo claro a exploração de exemplos reais, sempre que possível relacionados com o quotidiano dos alunos. O inquérito lançado no início do ano lectivo confirmou a dificuldade destes em reconhecer a matemática como presente nos mais diversos aspectos do quotidiano – facto ao qual não seria alheio o desinteresse de muitos face à disciplina. Tais resultados vieram reforçar ainda mais a percepção, já patente entre a maioria dos docentes participantes no projecto, de que exploração de referências do quotidiano no ensino formal seria um dos aspectos em que as escolas mais teriam a aprender com as práticas adoptadas em centros de ciência. A ligação ao quotidiano esteve assim patente na generalidade das propostas do Pencil – facto reconhecido pelos alunos e, na maioria dos casos, apreciado com agrado. Já a articulação interdisciplinar – embora igualmente reconhecida como estratégia (usual nos centros de ciência) com potencialidades nos contextos formais de ensino – revelou-se mais rara. Embora este não fosse um objectivo central do Pencil, a experiência do projecto deixou antever as dificuldades de implementação no espaço da escola de projectos com colaboração entre diferentes disciplinas e grupos de docência, situação à qual não será alheia a fraca familiarização dos docentes com práticas de trabalho em parceria (questão que aliás pautou toda a operacionalização do projecto).

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Também pontuais, mas entendidos como bastante interessantes, foram os casos de articulação com outros agentes da comunidade educativa, designadamente com os encarregados de educação. Se os museus e centros de ciência são reconhecidos como espaço propiciadores para a partilha de processos de aprendizagem entre crianças, jovens e adultos, quando se trata da educação formal a experiência do Pencil deu a entender ser mais difícil reunir condições para tal intercâmbio, mais uma vez evidenciando a dificuldade da escola sair para fora do seu universo restrito. Boa parte das actividades previstas pelo Pencil concretizaram-se dentro da sala de aula, ou mais pontualmente noutros espaços da escola. Embora, como previsto, todas as turmas envolvidas no projecto tenham visitado o Pavilhão do Conhecimento, nomeadamente a exposição Matemática Viva (o que nem sempre acontecia nos anos lectivos anteriores), nem em todos os casos os recursos disponíveis neste espaço foram directamente explorados a propósito dos temas e conceitos que estavam a ser trabalhados pelo currículo formal. Quando tal aconteceu, a visita foi entendida como mais proveitosa, já que se minimizou alguma desilusão, frequentemente patente nas visitas mais generalistas, pelo facto dos alunos tenderem a dispersar a sua atenção e não entenderem aquela experiência como um momento efectivamente formativo. A dificuldade latente na articulação entre as escolas e o Pavilhão do Conhecimento pode em parte ser explicada por problemas de ordem prática e logística. Mas é também sinal, por um lado, da dificuldade dos professores adoptarem as visitas escolares como parte integrante do ensino curricular, dominando as suas potencialidades (mesmo tratando-se de docentes bastante experientes e motivados para tal intercâmbio). Por outro, é também indício da dificuldade dos centros de ciência se articularem efectivamente com o universo escolar, compreendendo mais profundamente os seus requisitos. A experiência do Pencil foi, neste sentido, bastante proveitosa, já que alertou para a necessidade de promover mais e melhor formação nestes dois domínios, suscitando inclusivamente algumas propostas concretas nesse sentido. Um dos aspectos em que mais facilmente se terão transposto para o contexto formal características da experiência habitualmente vivida em centros de ciência prende-se com a criação de condições, no espaço da aula, para a interacção e partilha de experiências entre os alunos. O trabalho de grupo será uma prática em relação à qual professores e alunos estão já mais familiarizados. Praticamente todas as actividades do Pencil previram alguma forma de trabalho cooperativo entre os participantes, o que foi visto com agrado pela maioria dos alunos. Regra geral foi proposto que estes explorassem os materiais em pequenos grupos e que procurassem retirar em conjunto algumas conclusões das experiências realizadas, verbalizando os seus raciocínios, partilhando dúvidas e conclusões. Em muitos dos casos propôs-se ainda que registassem os dados e que comunicassem à turma os resultados finais alcançados. Procurou-se assim estimular a comunicação e a interajuda, pressupondo-se que estes seriam elementos

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facilitadores das aprendizagens e da motivação – tal como se pensa acontecer em espaços informais. As actividades basearam-se também, e tentaram estimular, a capacidade de autonomia dos alunos. Sendo regra geral orientadas por fichas de trabalho, o avanço nas tarefas propostas dependia da capacidade dos alunos irem superando as diversas etapas, nomeadamente através de processos de tentativa e erro que deviam ser protagonizados pelos próprios e baseados essencialmente nos materiais disponibilizados (tal como num centro de ciência). Os professores defenderam a este propósito um modelo em que actuariam exclusivamente como orientadores da aprendizagem, não contrariando eventuais erros, nem se substituindo aos materiais e à própria tarefa como fontes de informação principal. Mas a manutenção deste papel revelou-se difícil. Não só porque alguns professores sentiam dificuldade em contrariar o impulso para uma maior intervenção; mas principalmente porque se constatou que muitos estudantes manifestavam a necessidade de um acompanhamento mais próximo, sob pena de as actividades serem não ser dotadas de sentido por parte dos alunos (pondo em causa as aprendizagens), ou mesmo de serem abandonadas ou não concretizadas em tempo útil (criando para além do mais problemas acrescidos no que respeita à gestão dos grupos e dos tempos lectivos). A falta de autonomia e persistência dalguns alunos, a sua fraca familiarização com este tipo de tarefas pedagógicas ou ainda a fragilidade de alguns dos seus conhecimentos de base foram frequentemente identificados como elementos que, embora constituindo um constrangimento na generalidade das práticas pedagógicas, acabam por assumir particular relevância em actividades como as propostas pelo Pencil. Finalmente, não é de descurar um outro obstáculo à transposição de modalidades de educação informal para os contextos escolares formais: o carácter relativamente inovador deste tipo de iniciativas. Mesmo entre professores com significativa experiência profissional e empenho, a fraca formação dos docentes quanto ao uso deste tipo de materiais e actividades pedagógicas acaba por originar sentimentos de apreensão e falta de confiança. Tal situação constrange, em muitos casos, a adopção mais alargada de metodologias como as propostas pelo Pencil, reforçando por vezes também os receios quanto ao desenvolvimento deste tipo de práticas junto de alunos com prestações escolares mais fracas e menor persistência – o que poderá gerar o efeito perverso de afastar destas actividades alguns dos alunos que mais necessitariam delas. Este terá sido também um dos aspectos em que o projecto surtiu efeitos particularmente positivos, já que propiciou o reforço da confiança dos professores na adopção destes métodos pedagógicos.

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Elementos facilitadores do sucesso das actividades Tendo em conta a experiência desenvolvida, puderam identificar-se alguns elementos facilitadores da concretização e dos resultados de actividades como as desenvolvidas pelo Pencil. Estas poderão ser pistas a seguir na organização de futuras iniciativas de ensino experimental da matemática. Num primeiro momento, destaca-se a importância decisiva de os professores envolvidos em tais processos:     

Planearem atempadamente as actividades, procedendo aos necessários reajustes no programa curricular de modo a promover a coerência e a articulação entre matérias e actividades; Prepararem atempada e minuciosamente os materiais (manipuláveis, fichas de trabalho, instruções, pistas para resolução de eventuais problemas, etc.); Terem alguma experiência neste tipo de actividades e confiança nas suas potencialidades; Terem segurança no que toca à sua capacidade pedagógica, mas também expectativas contidas e alguma resistência à frustração; Partilharem materiais com outros colegas e trabalharem em parceria no planeamento das actividades, já que tal favorece uma preparação mais cuidada e pormenorizada, bem como o reforço da auto-confiança.

Já no que toca à concretização das actividades junto dos alunos, salienta-se a importância de:          

Dar instruções claras aos alunos acerca das tarefas e dos objectivos a cumprir; Ter fichas de trabalho que orientem as actividades e solicitar o registo das observações e conclusões; Garantir o envolvimento directo de todos os alunos nas actividades; Promover a apropriação dos materiais por parte dos alunos e o seu uso ao longo de todo o processo; Explorar exemplos com ligação a questões do quotidiano; Promover a comunicação e partilha entre os alunos, e estimular a verbalização dos raciocínios; Não contrariar processos de tentativa e erro; Promover momentos colectivos de síntese e extrapolação para níveis de maior abstracção conceptual; Valorizar as actividades através de uma clara integração curricular e do seu desenvolvimento em “tempos nobres”. Se possível, beneficiar do apoio de um segundo professor na dinamização das actividades, de modo a gerir melhor a turma, os ritmos e capacidades diferenciados dos alunos.

Apreciação do projecto por parte dos alunos Tendo agora por base os resultados alcançados através dos inquéritos por questionário aos alunos, um aspecto preliminar a salientar prende-se com o facto de, no início do ano lectivo, poucos terem sido aqueles que consideram ter, nos anos anteriores, realizado frequentemente experiências, jogos ou outras actividades desse tipo nas aulas de matemática. Tal era particularmente evidente entre os mais velhos, o que dá conta do progressivo abandono deste tipo de métodos ao longo do percurso escolar (o que os alunos referiam não acontecer noutras

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disciplinas na área das ciências). Assim sendo, a maioria confirmou ter este ano aumentado o recurso a tais práticas pedagógicas, sendo tal mais expressivo, como seria de esperar, entre os alunos integrados nos projectos que haviam previsto um maior número de actividades, com maior abrangência curricular. Outro dado interessante remete para a memorização das temáticas e conteúdos tratados através destas actividades, aspecto que aliás tinha já sido citado pelos professores como positivo. A generalidade dos alunos considerou lembrar-se ligeiramente ou bastante melhor das matérias tratadas pelo Pencil, na maioria dos casos (cerca de 71%) referindo-as inclusivamente como matérias preferidas ao longo deste ano. Isto acontece muito em especial entre os mais novos – regra geral mais favoráveis a este tipo de actividades – ou entre aqueles que beneficiaram de projectos mais intensivos. No cômputo geral, como se verifica no quadro 1, a apreciação da experiência pelos alunos é bastante positiva. Em termos modais, as actividades foram entendidas como muito interessantes e úteis para aprender, relativamente divertidas e pouco confusas, ainda que algo difíceis. Quadro 1

Achas que as actividades desenvolvidas no âmbito do projecto Pencil foram... (Média por ciclo de ensino. Escala: 1=Nada; 4=Muito)

2º Ciclo 3º Ciclo Secundário Total

Interessantes

Difíceis

Divertidas

Confusas

3,65 3,43 3,36 3,51

2,41 2,26 2,34 2,36

3,54 3,26 3,11 3,34

2,36 1,97 2,06 2,19

Úteis para aprender 3,66 3,37 3,09 3,42

Análises da variância estatisticamente significativas (p
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