Concepção de Estado em Karl Marx

September 26, 2017 | Autor: Caio Henrique | Categoria: Marxism
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UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARANÁ

CONCEPÇÃO DE ESTADO EM KARL MARX

ALUNO: CAIO HENRIQUE DE ALMEIDA PROFESSOR: RENATO M. PERISSINOTTO CURSO: CIÊNCIAS SOCIAIS DISCIPLINA: POLITICA II

CURITIBA 2°SEMESTRE - 2010

Concepção de Estado em Karl Marx

Este artigo pretende abordar o problema da concepção de Estado desenvolvida por Karl Marx, tomando como ponto principal de analise duas obras de sua juventude: A Questão Judaica e A Ideologia Alemã, tendo o pensador Nicos Poulantzas como apoio teórico. A partir dessas duas obras podemos buscar compreender um pouco melhor como se dá a relação entre Estado e sociedade civil. Procurando entender qual o papel desempenhado por essa organização política na época em que foi consolidado pelos burgueses, período esse que foi marcado por várias revoluções de caráter burguês , possuindo como base teórica de atuação política o Liberalismo. Podemos citar com exemplo a “Revolução Americana” de 1776, que marcou a independência das trezes colônias em relação a Inglaterra. Em 1787 os americanos definem uma Constituição , constituindo o primeiro Estado republicano no mundo : os Estados Unidos da América. O que chama a nossa atenção nesse processo de independência e fato dela ter sido comandado por uma elite de comerciantes e proprietários de terras e de escravos , ou seja , uma classe dominante, formada por indivíduos que possuem interesses em comum procurando manter a estrutura econômica , organizando seus interesses juridicamente e politicamente com a constituição do Estado Americano. O exemplo da “Revolução Americana” , ajudar a esclarecer um pouco melhor a tema abordada pelo artigo.

A importância de discutir o tema da concepção de Estado em Marx deve-se as seguintes razões: é possível perceber um amadurecimento teórico na conceituação de Estado ao longo da sua obra , sendo importante compreender qual a função que o Estado assume após a sua constituição. Ainda é importante discutirmos as questões que envolvem a “neutralidade” política do Estado e a idéia do “interesse geral” teoricamente defendido por esta instituição, analisando qual a sua atuação enquanto representante político da sociedade civil. Essas idéias estão pautadas em uma matriz de pensamento liberal, uma tendência que foi importante ao longo dos séculos XVIII a XIX. Marx criticou pesadamente o pensamento liberal, tentando desconstruir os preceitos propagados pelos intelectuais liberais da sua época. Outro fator que chama atenção em sua obra, a contradição entre

“emancipação política” e “emancipação humana” colocado por Marx em A Questão Judaica. Nesta obra ele se questionou no que consiste essa “emancipação humana” e quando realmente ela viria a se consolidar plenamente entre os indivíduos. Por último procuraremos discutir qual a relação entre Ideologia e sociedade, a partir das obras A Ideologia Alemã de Karl Marx e Poder Político e Classes Sociais de Nicos Poulantzas.

Faremos essa discussão da seguinte maneira: num primeiro momento, apresentaremos a natureza da problemática do Estado como representante dos interesses gerais ou dos interesses privados de determinados indivíduos; num segundo momento, identificaremos quais as abordagens e criticas apresentadas por Marx, com relação à concepção de Estado, mostrando que já a partir de A Questão Judaica conseguimos perceber que o aparelho estatal estaria a serviço do interesse privado de uma classe. Concepção que será discutida com maior profundidade a partir da A Ideologia Alemã, em que Marx já adota uma visão mais radical sobre a natureza de classe do Estado, ou seja, o aparelho estatal seria a expressão política de uma classe dominante e que teria como função garantir os interesses privados dos indivíduos que compõem uma determinada classe social, os burgueses. E garantiria a exploração econômica sobre uma classe dominada, os proletariados.

Questão do Estado em A Questão Judaica A partir do debate que Marx realizou com Bruno Bauer, a respeito da emancipação política dos judeus alemães, Marx apresenta o Estado como a alienação política dos indivíduos que compõem a sociedade civil, esta alienação caracteriza-se na incapacidade dos indivíduos de se engajarem na gestão política dos problemas da sua própria comunidade. O individuo que pertence a essa sociedade civil, não é um cidadão de fato, ele na verdade não passa de um homem motivado por interesses privados, um homem egoísta que tem como principal preocupação garantir juridicamente os seus direitos humanos naturais e imprescritíveis: a igualdade, liberdade, segurança e propriedade1. Esses indivíduos transformaram os direitos humanos, em direitos privados a um determinado grupo.

Esse fato é tratado em A Questão Judaica, onde Marx critica a Declaração dos Direitos Humanos, mostrando que na verdade esses direitos foram cedidos aos comerciantes, industriais e proprietários de terras, ou seja, indivíduos que possuem uma consciência em comum e ocupando um mesmo grupo social. Procuram transformar o interesse privado de um determinado setor da sociedade em interesse de todos. Marx cita um trecho Declaração dos Direitos Humanos francesa de 1783:

“O objetivo de toda associação política é a conservação dos direitos naturais e imprescritíveis do homem; O governo é instituído para garantir ao homem o gozo dos seus direitos naturais e imprescritíveis”2 (Marx, p.67)

O Estado surge como uma organização política que, se coloca acima da sociedade civil, a fim de proteger e garantir de maneira jurídico-politica os chamados direitos do homem , visando também manter a ordem social estabelecida no intuito de garantir os direitos privados e uma classe de indivíduos que de forma alguma se preocupam ou representam o interesse geral da sociedade , exatamente porque esses indivíduos não correspondem ao interesse geral. O Estado torna–se então um aparelho que administra os interesses privados burgueses, assegurando a dominação de uma classe sobre as demais. Segundo Marx, essa classe seria formadas pelos burgueses, que chegaram ao poder através da revolução política. Ele procura fazer essa critica tendo como objeto de analise, os acontecimentos ocorridos na Revolução Francesa: “A revolução política suprimiu, com isso, o caráter político da sociedade civil. Destroçou a sociedade nas suas partes componentes simples: por um lado, nos indivíduos; por outro lado, nos elementos materiais e espirituais, que formam o conteúdo vital, a situação civil desses indivíduos” 3.Após derrubar a antiga ordem política e social da época,o Antigo Regime, as classes dominantes , estabeleceram institucionalmente as bases jurídicas e políticas para a nova ordem social que havia se consolidado,tornando legitima a sociedade capitalista. Nicos Poulantzas resume muito bem isso no seguinte trecho: “Esse Estado apresenta-se organizado como unidade política duma sociedade com interesses econômicos divergentes – não interesses de classes, mas interesses de indivíduos privados, sujeitos econômicos. Isto reporta-se a relação do Estado com o isolamento das relações sociais econômicas , o qual e , em parte , o seu próprio efeito. A partir desse isolamento , a função política do Estado apresenta uma ambivalência características , consoante diga respeito as classes

dominantes ou as classes

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dominadas.” (Poulantzas, p.8)

A constituição desse Estado como representante político da sociedade civil, teoricamente deveria apresentar uma posição de “neutralidade” política e estaria sempre a favor do interesse geral da população. Na prática se mostra ilusória, pois na verdade, por baixo das aparências ideológicas de que o reveste, estaria sempre vinculado a uma classe dominante e aos interesses privados dessa classe, constituindo-se então como um órgão de dominação de uma classe sobre outra. Enquanto que as verdadeiras lutas políticas são travadas na sociedade civil,

ou seja, a sociedade civil seria o cenário das luta de classes, uma luta entre dominantes e dominados, o motor propulsor da história. A história escrita de toda e qualquer sociedade, e marcada pelo choque entre classes sociais antagônicas. E a luta de classes que coloca a História em movimento. Essa luta pode acabar transformando-se em um processo revolucionário ou pode causar a extinção das classes sociais em conflito.

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Analisando a conjectura política

Europa do século XIX, principalmente de paises como: França, Inglaterra e Alemanha, podemos constatar que essas lutas se configuraram entre burgueses e proletariados.

Outra idéia que nos chama a atenção no pensamento do jovem Marx, e a idéia de “emancipação humana”. Já vimos que a “emancipação política” produziu fortes contradições e desigualdades políticas. Isso precisaria ser superado, e é somente com o a emancipação plena do homem, que essas contradições e desigualdades seriam superadas, através de um processo revolucionário promovido pelos proletariados que, segundo Marx seria a classe revolucionaria, não podendo fugir do seu destino histórico. Agora no que consiste essa “emancipação humana”? Em conquistar o Estado através da revolução, destruindo sua estrutura de poder, derrubando a classe dominante e instaurando uma sociedade com novas bases. Quando isso ocorrera?Ela só será plena quando o individuo privado torna-se cidadão, rompendo com todas as fontes da alienação, onde o homem deve recuperar a gestão autônoma da sociedade e passar a controlar os meios de produção, tendo total autonomia da organização material da sua vida. Para Marx, o Estado representaria o passado dos povos modernos, sendo que a luta contra a sua opressão representaria o esforço geral para a emancipação da humanidade e de todos os laços que a alienariam. O homem como um ser genérico e comunitário, não poderia se realizar completamente sem superar a divisão das classes sociais, das nações e de todos os particularismos que criariam obstáculos para o desenvolvimento do seu ser.

Ideologia e Estado Partiremos agora para as abordagens que encontramos da idéia de Estado a partir de A Ideologia Alemã. Nesta obra os conceitos apresentam-se mais sólidos. As reflexões de Marx tomam como principal metodologia, a concepção materialista da história. Onde o homem e a sociedade seguem um caminho evolutivo ao longo da história, saindo do simples ao complexo, do primitivo ao civilizado. E assim que ele analisa a formação e a constituição da burguesia em uma classe social, que ao longo do seu processo evolutivo viu-se obrigada a se organizar

politicamente conferindo uma forma universal aos seus interesses comuns. Esta organização política seria o Estado instaurado após a derrubada do Antigo Regime na Europa. O evento revolucionário acorrido na França no período que vai de 1789 a 1799, ilustra como se configurou a consolidação do Estado Moderno na França. “O Estado adquiriu uma existência particular ao lado da sociedade civil e fora dela; mas esse Estado não é outra coisa senão a forma de organização que os burgueses dão a si mesmo por necessidade, para garantir reciprocamente sua propriedade e os seus interesses, tanto externa quanto internamente.”6 (Marx, p.74).

Os termos como “classe dominante”, “Estado”, “interesse geral e privado” e “ideologia”, apresentam um caráter mais critico em A ideologia Alemã. E possível perceber um amadurecimento no pensamento de Marx com relação ao que analisamos em “A Questão Judaica”. Talvez o ponto mais importante a se ressaltar em A Ideologia Alemã é o fato da questão da ideologia dominante que paira sobre a sociedade civil. Essa ideologia acaba atuando no campo imaginário das pessoas. Os indivíduos assumem posturas e comportamentos motivados por pensamentos que servem de justificavas para um determinado modo de vida ou status social.

Segundo Marx, a classe que possui o poder material dominante numa determinada sociedade, também possui o poder espiritual dominante, ou seja, a classe que dispõe dos meios de produção dispõe também dos meios de produção intelectual, controlando a produção dos produtos e das idéias ou pensamentos que serão consumidos pela sociedade. De modo que todo o pensamento ou ideologia que é produzida fora dos meios de produção intelectual dominante são negados, pois a produção intelectual está submetida à classe dominante7. A consciência do indivíduo é determinada de acordo com o modo que é produzido a sua vida material. Indivíduos que compõem uma mesma classe, os burgueses, por exemplo, possuem consciências em comum, pois compartilham de idéias semelhantes, são pessoas que possuem uma mesma visão de mundo, isto é, possuem uma mesma consciência de classe determinada pela produção material de suas vidas.

De acordo com Nicos Poulantzas a ideologia dominante burguesa possui um papel político que consiste no fato de tentar impor a sociedade um modo de vida aos indivíduos. Tendo como verdadeira função social, o papel de não oferecer aos indivíduos um verdadeiro um

conhecimento clara a respeita da estrutura social. A ideologia tem por função ocultar as contradições reais, produzindo no plano imaginário, um discurso coerente que sirva de base para os agentes organizarem suas vidas e moldando as representações nas relações sociais8. A ideologia dominante visa assegurar a inserção pratica dos agentes na estrutura social, buscando manter coesa essa estrutura, garantindo a exploração e a dominação de classe. A ideologia dominante apresenta as classes dominantes como os representantes da vontade popular. O Estado em relação à ideologia acaba apresentando-se como papel de organização da sociedade através da burocracia. Esta ideologia já é parte do funcionamento do próprio Estado9.A burguesia com o estabelecimento da indústria moderna e com a consolidação de um mercado global, conquistou a autoridade política através do Estado representativo10, ou seja, este agora é estruturalmente dependente da produção material do sistema capitalista, tendo com função garantir a ampliação e reprodução do capitalismo. Isso por que ele só continuar a existir graças aos bens materiais que são produzidos pelas forças produtivas e aos tributos e impostos que são arrecadados da sociedade.

Conclusão Podemos concluir de maneira simplista por meio deste artigo que a concepção de Estado para Karl Marx, a partir da compreensão de duas obras de juventude, e possível perceber que Marx já apresenta o Estado como representante dos interesses privados de uma classe, portanto a sua constituição não garantiu ao homem a emancipação plena. Na verdade o que existiu foi à alienação política dos indivíduos após emanciparem-se politicamente. Com a consolidação do Estado, a burguesia procurou garantir de maneira legitima todos os seus direitos e interesses de classe, os considerando-se como direito publico e interesse geral. Sendo que na verdade estes interesses de forma alguma correspondiam ao interesses gerais da sociedade como um todo. A idéia de revolução é muito recorrente na obra de Karl Marx, é com ela que a classe operaria conquistaria o Estado e decretaria a sua destruição. Assim garantiria aos indivíduos a emancipação humana, abolindo as classes sociais e criando uma nova sociedade.

O Estado não esta separado da ideologia dominante, pois quem compõe este, são indivíduos providos de uma determinada consciência, isto é, uma consciência enquanto classe social dominante. A produção dessa consciência como vimos esta ligada a produção da vida material desenvolvida por esses indivíduos. A ideologia atua através de um campo imaginário,

criando maneiras das pessoas justificarem os seus modos de vida. O Estado ao reproduzir o sistema capitalista, também estará propagando as idéias dominantes para toda a sociedade, impondo um modelo de vida a todos os indivíduos. A ideologia dominante esconde as contradições sociais existentes e camufla a realidade da estrutura social.

Notas: 1-MARX, Karl. Para A Questão Judaica.São Paulo:Editora Expressão Popular , 2009 , p.68 2-Idem,p.67 3-Idem,p.69 4-POULANTZAS, Nicos. Poder e Classes Sociais do Estado Capitalista:II Volume.Porto:Editora Portucalense,1971,p.6 5-MARX, Karl e ENGELS, Friedrich.O Manifesto Comunista.São Paumo:Editora Paz e Terra, 2004,p10 6-MARX, Karl e ENGELS, Friedrich.A Ideologia Alemã.São Paulo:Editora Martins Fontes,2008,p.74 7-Idem ,A Ideologia Alemã , p48. 8-Idem.Poder e Classes Sociais do Estado Capitalista , p.32 9-Idem,p 41. 10-Idem,O Manisfesto Comunista , p.12

Referencias Bibliográficas: MARX , Karl. Para A Questão Judaica. São Paulo:Editora Expressão Popular , 2009 MARX , Karl e ENGELS , Friedrich. O Manifesto Comunista. São Paulo:Editora Paz e Terra , 2004 MARX, Karl e ENGELS, Friedrich.A Ideologia Alemã.São Paulo:Editora Martins Fontes,2008 POULANTZAS, Nicos. Poder e Classes Sociais do Estado Capitalista:II Volume.Porto:Editora Portucalense,1971

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