CONCEPÇÕES SOBRE DIREITO À MORADIA DOS AFETADOS PELO PROGRAMA VILA VIVA NAS VILAS SÃO TOMÁS E AEROPORTO E NO AGLOMERADO DA SERRA, EM CONTRAPOSIÇÃO A PROPOSTA OFICIAL DO PROGRAMA RELATÓRIO PARCIAL

July 22, 2017 | Autor: R. Pereira de Oli... | Categoria: Vila Viva, Urbanização de favelas
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CONCEPÇÕES SOBRE DIREITO À MORADIA DOS AFETADOS PELO PROGRAMA VILA VIVA NAS VILAS SÃO TOMÁS E AEROPORTO E NO AGLOMERADO DA SERRA, EM CONTRAPOSIÇÃO A PROPOSTA OFICIAL DO PROGRAMA RELATÓRIO PARCIAL

Relatório parcial do Projeto Internacional de Pesquisa Cidade e Alteridade, iniciativa conjunta da UFMG, da UFV, da UI e do CES/UC, sob a Coordenação Geral da Professora Dra. Miracy Barbosa de Sousa Gustin e do Prof. Dr. Boaventura de Sousa Santos, apresentado à Coordenação de Inclusão e Mobilização Sociais do MPMG. Núcleo temático reassentamentos urbanos. Pesquisadores do Núcleo: Ananda M. Carvalho, Bárbara M. Rezende, Isabella G. Miranda, Fábio A. D. Merladet, Luana X. P. Coelho, Miracy B. S. Gustin Ricardo A. P. de Oliveira, Thaís L. S. Isaías.

BELO HORIZONTE, 2013

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PROJETO INTERNACIONAL DE PESQUISA CIDADE E ALTERIDADE Convivência Multicultural e Justiça Urbana Coordenação Geral Profa. Dra. Miracy Barbosa de Sousa Gustin Prof. Dr. Boaventura de Sousa Santos

Coordenação de gestão e planejamento Aline Rose Barbosa Pereira Fernanda de Lazari Cardoso Mundim Marisa Lacerda

Coordenação de sub-eixos Aderval Costa Filho Adriana Goulart de Sena Orsini Ana Beatriz Vianna Mendes Ana Flávia Santos Eloy Pereira Lemos Iara Menezes Lima Gregório Assagra de Almeida Miracy Barbosa de Sousa Gustin Márcia Helena Batista Corrêa da Costa Rennan Lanna Martins Mafra

Orientadores de campo Ana Paula Santos Diniz Carla Beatriz Marques Rocha e Mucci Gabriela de Freitas Figueiredo Rocha Luana Xavier Pinto Coelho Ludmilla Zago Andrade Mariana Fernandes Gontijo Raquel Portugal Nunes Ricardo Alexandre Pereira de Oliveira Pesquisadores Ana Carolina Rodrigues

Lilian Nássara Chequer

Ana Flávia Brugnara

Lívia Mara de Resende

Ana Flávia Nogueira

Lucélia de Sena Alves

Ana Luiza Rocha de Melo Santos

Marcela Müller

Clênio de Sousa Rodrigues

Maria Antonieta Gonçalves dos Santos

Dilson Nascimento Evandro Alair Camargos Alves

Patrícia Rodrigues Rosa Paula Cançado

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Fábio André Diniz Merladet

Paulo Alves Lins

Fernando Nogueira Martins Júnior

Raíssa de Oliveira Murta

Grazielly de Oliveira Spínolla

Raquel Letícia Soares Martins

Isabella Gonçalves Miranda

Estudantes Ananda Martins Carvalho

Juliana da Silva Rosa

Bárbara de Moraes Rezende

Lívia Bastos Lages

Bruno Menezes Andrade Guimarães

Nayara Rodrigues Medrado

Cátia Meire Resende

Patrícia Dias de Sousa

Gislaine Alves Rodrigues

Pedro de Aguiar Marques

Guilherme Abu-Jamra

Rayanna Fernandes de Souza Oliveira

Guilherme Mendonça Del Debbio

Regiane Valentim Leite

Humberto Francisco F. C. M. Filpi

Thaís Lopes Santana Isaías

João Pedro Lima de Guimarães Vargas

Yuri Alexandre dos Santos

Equipe responsável pelo relatório:

Pesquisa e redação: Núcleo de assentamentos urbanos Coordenadora: Profa. Dra. Miracy Barbosa de Sousa Gustin Orientadores de Campo: Luana Xavier Pinto Coelho Ricardo Alexandre Pereira de Oliveira Pesquisadores: Aline Rose Barbosa Pereira Ananda Martins Carvalho Bárbara de Moraes Rezende Fábio André Diniz Merladet Isabella Gonçalves Miranda Thais Lopes Santana Isaias

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SUMÁRIO

1. CONSIDERAÇÕES INICIAIS........................................................................ 05 2. O DIREITO À MORADIA E À DIVERSIDADE....................................,,........ 07 3. METODOLOGIA ........................................................................................... 11 3.1 Pressupostos teóricos e conceituais ..................................................... 11 3.2 Método etnográfico de campo ................................................................. 17 3.3 Técnicas avaliativas ................................................................................. 18 3.4 Categorias ou variáveis na análise das entrevistas: ............................. 20 3.4.1 Relações sociais....................................................................................... 21 3.4.2. Direito à cidade........................................................................................ 21 3.4.3 Habitação.................................................................................................. 23 3.4.4 Processo................................................................................................... 25 4. O VILA VIVA E AS INTERVENCOES EM VILAS E FAVELAS EM BELO HORIZONTE: A PROPOSIÇÃO OFICIAL DO PROGRAMA ............... 25 5. MORADIA NA PERCEPÇÃO DOS MORADORES ...................................... 34 5.1. Reassentamento: mudanças quanto ao estilo de vida ......................... 34 5.2 Rompimento de laços sociais (perda de capital social e humano) ...... 41 5.3 O processo de implementação do Programa Vila Viva e as remoções..43 5.3.1 Participação ................................................................................................43 5.3.2. O processo de remoção .............................................................................46 5.4 O programa e o impacto no direito à cidade .............................................50 5.5 Qual moradia queremos? ............................................................................53 6. CONSIDERAÇÕES FINAIS..............................................................................54 7. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS............................................................... 59 Anexo I ............................................................................................................... 60 Anexo II .............................................................................................................. 64

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1 CONSIDERAÇOES INICIAIS O presente relatório apresenta resultados parciais de investigação no âmbito da pesquisa binacional “Cidade e alteridade: convivência multicultural e justiça urbana”, iniciativa interdisciplinar da Universidade Federal de Minas Gerais e do Centro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra, em parceria com a Universidade Federal de Viçosa e a Universidade de Itaúna. Para a realização de seus objetivos, a pesquisa atua por meio de dois eixos temáticos, respectivamente: Eixo I - Convivência multicultural e políticas públicas de inclusão/integração no espaço urbano e Eixo II - Regulação e efetivação de experiências de justiça urbana. Os resultados indicados neste relatório encontram-se no âmbito de investigação do segundo eixo temático. Dentre os objetivos abrangidos pelo Eixo II da pesquisa, desenvolve-se a análise de efeitos e impactos dos programas de assentamento e reassentamento da Prefeitura de Belo Horizonte, especificamente nas Vilas São Tomás e Aeroporto e no Aglomerado da Serra, tendo como foco o exame do Programa Vila Viva. Objetivo-fim de políticas de habitação, neste caso políticas de intervenção em vilas e favelas, é a melhoria da qualidade de vida dos habitantes e a garantia do exercício de seus direitos fundamentais, tais como previstos na Constituição Federal. Contudo, para que tal objetivo efetivamente se concretize, as políticas públicas devem compreender e responder às necessidades das populações nas quais intervém, sob a ótica da diversidade social e cultural presente nas cidades brasileiras. A moradia, como um dos direitos afetados diretamente por tais políticas públicas, e tendo em vista a sua relevância para a fruição de vários outros direitos e salvaguarda da dignidade humana, mostra-se de fundamental importância na análise do impacto e efeitos das intervenções nas vidas das comunidades envolvidas. A Constituição Federal enumera os direitos sociais em seu artigo sexto, sendo a moradia expressamente prevista. A nossa Lei Fundamental ainda explicita que é de competência comum da União, dos Estados e dos Municípios promover programas de construção de moradias e a melhoria das condições habitacionais (art. 23, IX), o que corrobora com o caráter prestacional do direito à moradia como de obrigação do Estado

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para com o cidadão. O Estatuto da Cidade (Lei n. 10.257/2001), por sua vez, coloca a garantia do direito à moradia como essencial ao direito à cidade sustentável. Os conceitos legais, porém, apresentados como texto normativo, são destituídos de conteúdo definido e acabado, cabendo ao pesquisador fornecer os elementos teóricos e fáticos que irão compor os contornos dos direitos enumerados em lei. Os direitos fundamentais, em especial os direitos sociais, cuja existência e trajetória são ainda recentes na história, carecem de estudos aprofundados visando definir seu conteúdo, sob o risco de que uma compreensão errônea afete a própria efetivação do direito. A atual relatora especial das Nações Unidas para o Direito à Moradia, a urbanista Raquel Rolnik (2012), explica que o conteúdo deste direito está muito além da ideia de quatro paredes e um teto. Para ela, o direito à moradia adequada pressupõe: segurança da posse; disponibilidade de serviços, infraestrutura e equipamentos públicos; custo acessível; habitabilidade; não discriminação e priorização de grupos vulneráveis; localização adequada; e adequação cultural. O conceito adotado pela relatoria das Nações Unidas é complexo e ainda não foi plenamente incorporado pelas políticas públicas de habitação ou de reassentamentos, especialmente no que concerne à ideia ali contida de não discriminação e adequação cultural. Argumenta-se que não é possível conceber um conceito restrito de moradia adequada diante da diversidade social e cultural presente nas cidades brasileiras. Incorporar pressupostos como o da ‘adequação cultural’ torna o conteúdo do direito à moradia variável conforme a constituição sociocultural de determinado grupo. Tal compreensão é vital para a composição de políticas públicas não discriminatórias diante da diversidade de modos de vida. A desvalorização do aspecto cultural do espaço construído reflete nas políticas públicas de habitação social, que tendem a ser construções homogêneas, padronizadas, simplesmente “plantadas” onde quer que se localize o programa habitacional. Na efetivação do direito à moradia no Brasil ainda é flagrante a falta de entendimento acerca

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do conteúdo adequado deste direito, em especial na atuação prestacional do Estado voltada à concretização do direito para grupos socialmente excluídos. Percebe-se, portanto, que a moradia como direito subjetivo de cada ser humano não pode ser conceituado de forma uniforme. Seu conteúdo deve compreender a diversidade sociocultural do ambiente e, assim, refletir nas políticas públicas de efetivação do direito à moradia, sob pena de representarem formas de violência contra os próprios detentores do direito. O Vila Viva, programa da prefeitura de Belo Horizonte de Urbanização de Vilas e Favelas, tem atuado nos espaços selecionados para a investigação e será, portanto, o objeto mais detalhado do estudo. O programa começou a ser implementado em 2005, no Aglomerado da Serra, e iniciou recentemente o processo de remoção e reassentamento das famílias das vilas São Tomás e Aeroporto. Tendo em vista a grande abrangência do programa Vila Viva (38% dos moradores de vilas e favelas de Belo Horizonte serão diretamente afetados, com a previsão de que 13.167 famílias sejam removidas) 1, e o fato de que há ainda localidades onde o programa encontra-se em suas fases iniciais, torna-se relevante analisar o impacto e os efeitos dessa intervenção para as comunidades, tendo em vista o elevado número de remoções que implica. Do ponto de vista do direito à moradia, pretende-se contrastar a proposição oficial do programa quanto ao modelo de reassentamentos com a percepção dos moradores. 2. O DIREITO À MORADIA E À DIVERSIDADE A

moradia,

muito

mais

que

apenas

espaço

físico,

é

considerada

contemporaneamente como direito inerente ao ser humano e, portanto, amparado pelo ordenamento jurídico. Segundo a cartilha da ONU (Rolnik, 2007), desenvolvida com a proposta de ser guia para situações de despejo e de remoção forçada, com base em

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BELO HORIZONTE. URBEL: Vila Viva – integração das vilas à cidade. Disponível em: < http://portalpbh.pbh.gov.br/pbh/ecp/comunidade.do?evento=portlet&pIdPlc=ecpTaxonomiaMenuPortal&app=urbel&tax=8 178&lang=pt_br&pg=5580&taxp=0&> Acesso em: 16/12/2012

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normas internacionais que abordam a temática das remoções involuntárias decorrentes de projetos públicos e privados de infraestrutura e urbanização, toda e qualquer pessoa tem direito à moradia. Ademais, a própria Declaração Universal dos Direitos Humanos fixa que a moradia é direito universal do homem; portanto, os Estados têm como obrigação respeitar, promover e proteger esse direito. Relevante destacar, conforme referência anterior, que as Nações Unidas prescrevem que a moradia deve ser entendida de forma ampla, levando-se em consideração, inclusive, os aspectos culturais e sociais do local onde se encontra e da comunidade que ali habita. Assim, estabelece-se como elementos que configuram uma moradia adequada a garantia de um lugar para morar sem ameaça de remoção, o acesso a serviços básicos, incluindo-se a educação, saúde, lazer, transporte, energia elétrica, água potável e esgoto, coleta de lixo, áreas verdes e um meio ambiente saudável, o uso de materiais adequados que garantam a habitabilidade, com espaço apropriado e proteção efetiva contra frio, calor, chuva, vento, incêndio, inundação, sem riscos de desmoronamento ou outras ameaças à saúde e à vida, o acesso aos meios de subsistência, inclusive acesso à terra, infra-estrutura, recursos naturais e ambientais, fontes de renda e trabalho; uso de materiais, estruturas e organização espacial de acordo com as preferências e necessidades culturais dos moradores, a participação em todas as fases dos processos de decisão relacionados à moradia, a privacidade e segurança. A Declaração Universal dos Direitos Humanos em seu artigo 25, parágrafo 1º, define que “todo ser humano tem direito a um padrão de vida capaz de assegurar a si e a sua família saúde e bem estar, inclusive alimentação, vestuário, habitação, cuidados médicos e os serviços sociais indispensáveis, e direito à segurança em caso de desemprego, doença, invalidez, viuvez, velhice ou outros casos de perda dos meios de subsistência fora de seu controle”. Além da Declaração Universal dos Direitos Humanos vários outros tratados internacionais versam sobre o direito à moradia adequada e sobre as condições para a sua efetividade. Entre os quais se podem elencar: 1º) O Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos (Decreto n. 592/92), artigo 17, parágrafo 1º: “Ninguém poderá ser objeto de ingerências arbitrárias ou ilegais em sua vida

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privada, em sua família, em seu domicílio ou em sua correspondência, nem de ofensas ilegais à sua honra e reputação”; 2º) O Pacto Internacional de Direitos Econômicos Sociais e Culturais (Decreto n. 591/92), artigo 11, parágrafo 1º: “Os Estados-partes no presente Pacto reconhecem o direito de toda pessoa a um nível de vida adequado para si próprio e para sua família, inclusive à alimentação, vestimenta e moradia adequadas, assim como uma melhoria contínua de suas condições de vida. Os Estados-partes tomarão medidas apropriadas para assegurar a consecução desse direito, reconhecendo, nesse sentido, a importância essencial da cooperação internacional fundada no livre consentimento”. 3º) A Convenção Internacional sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Racial (Decreto n. 65.810/69), artigo 5º: “de conformidade com as obrigações fundamentais enunciadas no artigo 2, os Estados Partes comprometem-se a proibir e a eliminar a discriminação racial em todas suas formas e a garantir o direito de cada um à igualdade perante a lei sem distinção de raça, de cor ou de origem nacional ou étnica, principalmente no gozo dos seguintes direitos: (…) e) direitos econômicos, sociais e culturais, principalmente: (…) III) direito à habitação;” 4º) A Convenção Sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Contra a Mulher (Decreto n. 4.377/2002), artigo 14, parágrafo 2°: “Os Estados Partes adotarão todas as medidas apropriadas para eliminar a discriminação contra a mulher nas zonas rurais a fim de assegurar, em condições de igualdades entre homens e mulheres, que elas participem no desenvolvimento rural e dele se beneficiem, e em particular assegurarlhes-ão o direito a: (…) h) gozar de condições de vida adequadas, particularmente nas esferas da habitação, dos serviços sanitários, da eletricidade e do abastecimento de água, do transporte e das comunicações”. 5º) A Convenção sobre os Direitos das Crianças (Decreto n. 99.710/90), artigo 16, parágrafo 1°: “Nenhuma criança será objeto de interferências arbitrárias ou ilegais em sua vida particular, sua família, seu domicílio ou sua correspondência, nem de atentados ilegais à sua honra e à sua reputação”. Ainda, artigo 27, parágrafo 3º: “Os Estados Partes, de acordo com as condições nacionais e dentro de suas possibilidades, adotarão medidas apropriadas a fim de ajudar os pais e outras pessoas responsáveis pela criança

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a tornar efetivo esse direito e, caso necessário, proporcionarão assistência material e programas de apoio, especialmente no que diz respeito à nutrição, ao vestuário e à habitação”. No Brasil, a Emenda Constitucional nº 26/00 representou um marco importante em relação à moradia, elevando-a ao status de direito constitucional. Isso porque se alterou a redação do artigo 6º da Constituição Federal, que originalmente tutelava somente o direito social à educação, à saúde, ao trabalho, ao lazer, à segurança, à previdência social, à proteção da maternidade e da infância, à assistência aos desamparados, acrescentando, com êxito, o direito à moradia. Constata-se, portanto, que a moradia corresponde a direito fundamental do ser humano, o qual deve ser protegido e fomentado pelo Estado brasileiro e pela coletividade. O reconhecimento do direito fundamental à moradia representa a possibilidade de reorientar as políticas públicas urbanas no sentido de reverter o quadro histórico de injustiças sociais no Brasil. O caráter excludente e segregador do planejamento urbano e da implementação das políticas públicas no espaço urbano, bem como as opções legais de acesso à terra e à moradia por meio do mercado, produziram um quadro de grandes desigualdades sociais e infra-estruturais nos diferentes territórios da cidade. Como conseqüência, o país hoje enfrenta a dramática questão do déficit habitacional e da existência de uma grande quantidade de moradias inadequadas. O déficit habitacional estimado para o país em 2008 corresponde a 5,546 milhões de domicílios, dos quais 4,629 milhões, ou 83,5%, estão localizados nas áreas urbanas.2 Além disso, a Pnad 2008 aponta que entre os 49,189 milhões de domicílios urbanos, apenas 33,323 milhões, 67,7%, são considerados adequados (FJP, 2011). A Fundação João Pinheiro considera inadequados aqueles domicílios que se enquadram em critérios de inconformidade fundiária; carência de infraestrutura (energia elétrica, abastecimento de água, esgotamento sanitário, coleta de lixo); ausência de banheiro de uso exclusivo, cobertura imprópria e adensamento excessivo dos domicílios. 2

“Como déficit habitacional entende-se a noção mais imediata e intuitiva de necessidade de construção de novas moradias para a solução de problemas sociais e específicos de habitação detectados em certo momento.” (FJP, 2011)

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Percebe-se na elaboração das estatísticas nacionais que fundamentam a ação do poder público, a ausência de critérios de inserção na cidade, que conectam o direito à moradia ao direito à cidade, ou aos critérios subjetivos de “adequação cultural” da moradia. Nesse relatório pretende-se demonstrar que o direito à moradia ultrapassa a discussão sobre o déficit habitacional ou mesmo sobre os critérios de adequação do domicílio não havendo, no entanto, indicadores quantitativos para mensurar a adequação da moradia segundo critérios culturais e de sociabilidade. Apenas o estudo em profundidade de uma determinada política pública urbana será capaz de verificar se a garantia do direito à moradia adequada, entendida de forma ampla, está sendo observada.

3. METODOLOGIA 3.1 Pressupostos teóricos e conceituais Nas cidades existem as mais diversas formas de morar e de conceber os significados que permeiam a moradia. A moradia é muito mais do que só uma casa, uma unidade habitacional. Os sentidos da moradia são permeados pela história do lugar, pelos significados de uma casa autoconstruída com muita luta, pela estrutura da habitação, pelas relações sociais que se dão na vizinhança, pela localização da casa e facilidade de acesso à infraestrutura e serviços da cidade, pelo status social que confere ao morador, dentre outros. As diferentes formas de morar correspondem às diversas formas de viver, fazer e criar na sociedade. Os diferentes grupos sociais criam e ressignificam o espaço urbano de acordo com o contexto social, cultural, econômico e político em que vivem. Esse contexto, no entanto, historicamente produziu e reproduziu lógicas de exclusão social, cultural e política que marcam o espaço das cidades. A urbanização, como destaca David Harvey (2011), depende da mobilização de capital excedente e este, por sua vez, esteve historicamente concentrado nas mãos de uma pequena elite econômica e política que determina a sua aplicação. O nosso passado

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colonial, imperial, o nascimento da República e as opções elitistas de acesso à terra e à urbanização, marcam contradições e desigualdades na apropriação dos espaços e dos recursos urbanos. O controle político do Estado e do Sistema Judiciário por parte das elites econômicas e políticas brasileiras estabeleceu uma diferenciação no tratamento direcionado aos diferentes territórios das cidades, produzindo uma dualidade entre a cidade legal, formal e planejada e a cidade ilegal, informal e desregulada. Embora o fenômeno da “ilegalidade” seja comumente relacionado aos pobres urbanos, recaindo sobre eles como um estigma, as classes ricas, as grandes imobiliárias e até mesmo o Estado ocupam terras e espaços públicos irregularmente, de forma corriqueira. Os condomínios fechados, que restringem a liberdade de ir e vir, apesar da privatização de espaços públicos, como ruas e praças; a construção de bairros inteiros sem estudos de impacto ou em áreas ambientais; o uso de viadutos como garagem de ambulâncias ou estacionamentos pelo próprio poder público; são exemplos recorrentes no cenário urbano. A diferença fundamental entre as “ocupações de pobres” e as “ocupações de ricos” é que as classes abastadas, em condição de proximidade à Administração Pública e ao Poder Judiciário, têm uma capacidade muito maior de tornarem formalmente legais as suas ocupações e, ainda mais, de as incluírem no território das cidades. Enquanto para as classes economicamente pobres, a “ilegalidade” é vista como um crime, que as coloca cotidianamente em posição antagônica ao poder público e as exclui da cidade. O conceito de “linhas abissais”, cunhado pelo professor Boaventura de Sousa Santos (2008), assume, portanto, uma grande centralidade neste estudo para explicar a existência de desigualdades e exclusões radicais entre os diferentes espaços das cidades e seus habitantes. O sociólogo português propõe que o pensamento ocidental moderno é um pensamento abissal, pois ele assenta a sua hegemonia na produção de ausências, na invisibilização,

subalternização

e

ridicularização

das

modernidades

alternativas

insurgentes e do imenso universo de conhecimentos e lógicas de pensamento não modernos.

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O pensamento moderno ocidental é um pensamento abissal. Consiste num sistema de distinções visíveis e invisíveis, sendo que as invisíveis fundamentam as visíveis. As distinções invisíveis são estabelecidas através de linhas radicais que dividem a realidade social em dois universos distintos: o universo ‘deste lado da linha’ e o universo ‘do outro lado da linha’. A divisão é tal que ‘o outro lado da linha’ desaparece enquanto realidade, torna-se inexistente, e é mesmo produzido como inexistente. Inexistência significa não existir sob qualquer forma de ser relevante ou compreensível. Tudo aquilo que é produzido como inexistente é excluído de forma radical porque permanece exterior ao universo que a própria concepção aceite de inclusão considera como sendo o Outro. (SANTOS, 2008, p. 3-4)

As linhas abissais são separações simbólicas fundadas no conhecimento, no poder e no direito moderno ocidental hegemônico que invisibilizam e desacreditam toda uma diversidade de formas de conhecimento, relações sociais e legalidades existentes no mundo, assim como seus sujeitos. Essas linhas são simbólicas, porém se tornam objetivas quando aplicado o conceito a determinado fenômeno social. É possível falar em cartografias abissais do poder político, da legalidade e do conhecimento que estabelecem os termos da distinção entre “esse lado da linha” e “o outro lado da linha”, onde nada que existe é considerado relevante ou compreensível. Tudo o que acontece “do outro lado da linha” fica invisível e, por isso, não põe em questão a ordem justa e democrática existente “desse lado da linha”. Desta forma, do “outro lado da linha” tem sido historicamente marcado pela predominância de processos de violência e expropriação. No campo do direito moderno (...) o legal e o ilegal são as duas únicas formas relevantes de existência perante a lei (...). Esta dicotomia central deixa de fora todo um território social onde ela seria impensável como princípio organizador, isto é, o território sem lei, fora da lei, o território do a-legal, ou mesmo do legal e ilegal de acordo com direitos não oficialmente reconhecidos. (SANTOS, 2008b, p. 6)

Nas cidades, as linhas abissais decorrem do tipo de abordagem feita pelo Estado, pela polícia, pelos tribunais.

Na cidade legal, também denominada como zona civil,

historicamente vigorou a legalidade do Estado, a segurança pública protetiva, os serviços, bens e equipamentos públicos que o Estado deve fornecer para garantir a ordem pública e os direitos de cidadania assegurados por lei. Nelas habitam os cidadãos considerados de “primeira classe” que são intimamente ligados ao Estado e ao poder dominante, que vivem em um mundo moderno e tecnológico, com casas de luxo e um alto padrão de consumo. Nas margens das zonas civis habitam, também, os cidadãos de classe média, que têm algum acesso aos direitos civis, políticos e sociais e conseguem viver com relativa

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dignidade, embora em uma vida cada vez mais incerta devido à insegurança nas cidades e a precarização dos serviços públicos. Na chamada cidade ilegal, ou zona incivil, não vigora a lei protetiva do Estado. As legalidades e formas de organização coletivas não-estatais são invisibilizadas e não reconhecidas. A abordagem da polícia é violenta e repressiva. O Estado atua aquém do necessário para conferir direitos básicos como água, luz, saúde, educação. Aos olhos do direito hegemônico e do Estado, nas zonas incivis não existem cidadãos, mas sim invasores, portanto, malandros e criminosos. Apesar de serem formalmente cidadãos, os moradores das zonas incivis têm a sua dignidade constantemente violada. Estes grupos urbanos vivem de forma precária, sofrendo constantes ameaças de remoção e expulsão por serem indesejáveis nas cidades hegemônicas, construídas segundo ideais de modernidade, civilização e mercado. Além de ilegais, ou informais, esses territórios são universos de significados e modos de vida. Para avançarmos na percepção crítica dos significados inscritos nas relações práticas e com os espaços desses territórios é preciso recorrer a um pensamento pós-abissal, um conhecimento que se construa a partir do encontro e do reconhecimento dos sujeitos da chamada “cidade ilegal”. O objetivo da pesquisa em andamento é tentar reconhecer as diferenças socioculturais desses territórios: as suas especificidades, os laços de amizade e de vizinhança criados, o significado que tem para eles um espaço auto-construído, uma casa erguida com os próprios esforços. E como todos esses laços e relações constituem uma vitalidade sociocultural e humana que não deve ser rompida ou corrompida pela administração pública, ou mesmo por outros grupos sociais ou empresariais. Corre-se, assim, o risco de afetar os fundamentos de sobrevivência desses grupos “incivis”. E,ainda, sem o reconhecimento da pluralidade dessas formas de vida, os paradigmas que embasam as políticas públicas podem aprofundar a exclusão, reforçando o encobrimento do outro e de sua cultura. A política urbanística brasileira e, sobretudo aquela aplicada na cidade de Belo Horizonte, ainda apresenta em suas diretrizes a dificuldade em abandonar o caráter uniformizador e homogeneizante, que não reconhece a diversidade de modos de vida existentes no contexto urbano.

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No contexto urbano, a diversidade social é mais um elemento da complexidade do sistema. Em termos de luta por direitos, o reconhecimento desta diversidade precede a própria luta pela efetivação do direito, como no caso do direito à moradia. O conceito de reconhecimento, segundo Axel Honneth, vem da tradição filosófica hegeliana para a qual o reconhecimento significa ver o outro como seu igual, mas separado deste, isto é, uma pessoal se torna um indivíduo, constitui sua subjetividade, ao reconhecer o outro (Honneth 2003). Neste contexto, reconhecer a diversidade social e seu reflexo no ambiente construído é necessidade precedente à efetivação do direito à moradia. E essa diversidade deve ser não apenas reconhecida pelos demais grupos urbanos, mas efetivada como um outro diverso e autônomo (GUSTIN, 2003). Nancy Fraser (2003) aponta que o reconhecimento visa combater injustiças de matriz cultural, com raízes em padrões sociais de representação, interpretação e comunicação, tais como: 1) dominação cultural (hostil à própria cultura); 2) nãoreconhecimento (invisibilidade); 3) desrespeito (estereotipação). Tais injustiças são flagrantes em programas habitacionais, que pretendem efetivar o direito à moradia: há uma dominação cultural que visa à imposição de um padrão de moradia – refletindo um estilo de vida diverso daquele existente -; há também, por parte dos gestores de políticas públicas, um não reconhecimento da diversidade, provocando a invisibilidade dos grupos como sujeitos de direito. A igualdade, tão essencial para o reconhecimento e respeito ao outro, é um dos princípios constitucionais mais complexos. Sua evolução hermenêutica não mais permite a repetição retórica própria da igualdade formal onde “todos são iguais perante a lei”. A igualdade que se busca é a material ou substantiva, aquela que “postula tratamento justo a todos os indivíduos, de modo a compensar eventuais desvantagens financeiras, físicas, sociais ou de qualquer natureza, sempre com o intuito de assegurar uma fruição igualitária dos bens da vida” (Puccinelli, 2012). É neste sentido que Boaventura de Sousa Santos (2003), ao discorrer sobre o que nominou de multiculturalismo progressista, afirma que o princípio da igualdade deve ser prosseguido de par com o princípio do reconhecimento da diferença. Para tanto, o autor compreende que é necessária a “aceitação do seguinte imperativo transcultural: temos o

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direito a ser iguais quando a diferença nos inferioriza; temos o direito a ser diferentes quando a igualdade nos descaracteriza”. É vital para uma releitura do princípio da igualdade que busca seu conteúdo substantivo, incorporar a ideia do “direito à diferença”. Tratar a todos como iguais contém em si a arbitrariedade de se escolher o grupo a quem os demais serão igualados. O maior desafio do Direito e seus aplicadores hoje é permitir que as normas jurídicas não sejam interpretadas e aplicadas como um algoz que violenta a diversidade ao tentar uniformizála. José Luiz Quadros de Magalhães (2012) discute bem esta dificuldade presente no Direito de incorporar a diferença como pressuposto da própria igualdade substancial: O Estado moderno é uniformizador, normalizador. Desta uniformização (homogeneização) depende a efetividade de seu poder. (...) Daí a enorme dificuldade em se admitir o direito à diferença e o direito à diversidade enquanto direitos individuais e a dificuldade ainda maior em se admitir o direito à diversidade como direito coletivo. (...) Os ordenamentos jurídicos modernos são padronizadores: temos sistemas monojurídicos. (...) haverá sempre um grupo que se torna hegemônico e que será responsável pela imposição de um idioma nacional, de uma religião e de uma cultura. Existem exemplos muito claros deste processo de uniformização por meio do encobrimento do outro e, portanto, de violenta subordinação de culturas. (...) [o direito] permitiu a reprodução permanente do sistema hegemônico criado.

Outro aspecto fundamental de análise, quando o foco são as populações de baixa renda em relação ao direito à moradia, é considerar os elementos e dinâmicas que lhes são próprios e que, desta forma, deveriam refletir diretamente nas políticas públicas. No caso de intervenções que causam remoção, um fator diretamente comprometido da vida das populações atingidas é seu capital social e humano. Como aponta Miracy Gustin, ao comentar sobre a “Conferência Regional sobre Capital Social y Pobreza”, realizada em 2001, o resultado das discussões ali produzidas “demonstra que uma das causas da pobreza é justamente a destruição ou perda de redes de apoio das pessoas e das famílias” (Gustin 2012). Ainda, segundo a autora: É indispensável entender que a aplicação de um conceito adequadamente formulado de capital social e humano ajuda à compreensão da reprodução das desigualdades sociais, ou melhor, o desempenho de papéis que tradicionalmente foram descurados, tais como: o papel da educação, das relações sociais e familiares, do estímulo à solidariedade e à amizade, dentre outros.

A partir da experiência do Programa Pólos de Cidadania, coordenado por uma equipe transdisciplinar de professores, e nela, também Miracy Gustin, desenvolveu-se um

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conceito de capital social e humano, que é incorporado, por sua compatibilidade, à metodologia deste trabalho na investigação do direito à moradia: Em localidades de exclusão social, concebeu-se capital social e humano como a existência de relações de solidariedade e de confiabilidade entre os indivíduos, grupos e coletivos, inclusive a capacidade de mobilização e de organização comunitárias, traduzindo um senso de responsabilidade da própria população sobre seus rumos e sobre a inserção de cada um no todo. Estes elementos subjetivos manifestam-se em ganhos concretos sobre a resolução de seus problemas, por possibilitarem maior acesso aos direitos e consequente melhoria da qualidade de vida e de bem-estar. A comunidade passa a atuar como sujeito compreensivo e participante em seu meio social, ao invés de mero beneficiário de assistencialismos. (Gustin 2012)

No Brasil a realidade das profundas desigualdades e exclusões mudou bastante nos últimos trinta anos com o avanço das políticas sociais, dos direitos de cidadania conquistados e do reconhecimento dos direitos a uma diferença que se realiza de forma autônoma e emancipada. Mudou também para os moradores dos assentamentos informais consolidados, com o avanço das políticas públicas de bem estar, de regularização fundiária e urbanização. Esta mudança se fez em termos formais. Porém, por mais que as políticas públicas de urbanização e regularização fundiária tentem promover a inclusão dos moradores na cidade, ao não reconhecê-los enquanto sujeitos políticos, acabam por reproduzir as lógicas da exclusão social, rompendo com o conteúdo formal do direito. A hipótese que fundamentou a pesquisa que fundamentou este relatório, partiu da pressuposição de que o poder público ainda concebe a moradia sob a lógica fria da administração técnico-burocrática, sendo incapaz de perceber os sentidos socioculturais e de relações humanas diferenciadas daqueles espaços para os moradores. Portanto, a sua lógica de produção de unidades habitacionais reproduz as lógicas abissais que invisibilizam e negam as aspirações, modos de vida e concepções de moradia sustentável dos moradores das periferias.

3.2 Método etnográfico de campo A base teórico-metodológica da etnografia se sustentou a partir da análise situacional ou estudo de caso em profundidade , proposta por Van Velsen3, entendendo-a

3

“Uma das suposições na qual a análise situacional está baseada é a de que as normas da sociedade não constituem um todo coerente e consistente. São, ao contrário, freqüentemente vagas e discrepantes. E exatamente este fato que

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como a mais adequada à temática da pesquisa proposta. Esta metodologia permitiu a realização de um estudo aprofundado, que enfatiza o processo, e que busca “integrar variações,

exceções,

e

acidentes

nas

descrições

das

regularidades”,

sendo

“particularmente apropriada para o estudo de sociedades instáveis e não homogêneas.” (VELSEN, 1987: 364). Como o processo analisado é eminentemente dinâmico e complexo, dialogando com um arcabouço jurídico relacionado, entre outros, a questões sobre função social da propriedade e direito à moradia, tal projeto permitiu, também, observar a incongruência entre o que diz a lei e o que ocorre na realidade social. Assim, buscou-se entender em que medida esse processo de urbanização tem permitido um diálogo efetivo entre a Prefeitura e os moradores dos bairros selecionados pelo Vila Viva, procurando compreender os mecanismos de negociação ou de mediação e as diversas formas de legitimação de discursos que estejam relacionados a este processo, com ênfase na apreensão do impacto do projeto na vida dos moradores e exmoradores das vilas. Os procedimentos da pesquisa etnográfica incluíram anotações em caderno de campo, coleta de histórias de vida, observação direta do cotidiano e das ações dos diversos atores sociais envolvidos, registros fotográficos, entrevistas semiestruturadas individuais ou coletivas (gravadas ou não), respeitado seu consentimento à realização da pesquisa, com o enfoque característico da análise situacional; que “[...] requer uma maior ênfase, durante a pesquisa de campo, no registro das ações dos indivíduos como indivíduos e como personalidades e não somente como ocupantes de status específicos.” (VELSEN, 1984: 365)

3.3 Técnicas avaliativas Utilizou-se, inclusive, em casos de intervenções já concluídas ou em processo de conclusão, da técnica de pesquisa avaliativa de impacto que pressupõe três momentos que se interconectam e se relacionam. O primeiro, ex-ante, levanta e analisa percepções e dados, sobre a fase anterior à intervenção ou ação. O segundo, in processu, avalia o momento de realização da ação por meio das percepções, dos documentos e das lembranças da população e dos representantes de organizações comunitárias sobre as resistências, os temores, as esperanças em relação às mudanças em implantação. O permite a sua manipulação por parte dos membros da sociedade no sentido de favorecer seus próprios objetivos sem necessariamente prejudicar sua estrutura aparentemente duradoura de relações sociais.” (VELSEN, 1987: 368-369)

19

terceiro, ex-post, analisa efeitos e impactos da intervenção e/ou ações sobre as condições de vivência e bem-estar das comunidades em estudo amostral e sobre as variáveis de capital social e humano antes aí existentes ou constituídas pela própria intervenção, com foco, neste primeiro relatório nas percepções que circundam o direito à moradia. (Gustin e Dias 2010) Os espaços selecionados para a investigação foram: o Aglomerado da Serra e as vilas São Tomás e Aeroporto. Esses são os territórios onde a pesquisa se desenvolve, sendo que o limite do estudo são as intervenções provocadas pelo programa Vila Viva. O tempo de execução do programa nos espaços investigados foi diferente, o que permitiu , da mesma forma, diferentes entradas de estudo sobre o direito à moradia na percepção dos moradores de cada área. No aglomerado da Serra o Programa Vila Viva teve início em 2005, e sua primeira fase foi concluída em 2009. Este tempo permite que o estudo no aglomerado da Serra avalie os impactos do programa, possibilitando a montagem dos cenários conforme a técnica avaliativa: anterior à intervenção, posterior e em processo. Nas Vilas São Tomás e Aeroporto o programa ainda está em fase de implementação, desta forma, a pesquisa a ser desenvolvida neste espaço permite acompanhamento da fase “in processu”, assim como montagem do cenário “ex ante”. Algumas situações consolidadas nas vilas também permitirão uma percepção inicial de efeitos “ex post” em relação àqueles moradores que já foram removidos e adquiriram nova residência. (Gustin e Dias 2010). Sabe-se, contudo, que a análise desses efeitos ainda é precária e poderá apresentar novos contornos após algum tempo de amadurecimento da intervenção. Desta forma, a distribuição dos grupos para coleta dos dados primários foi assim configurada: 1) reassentados: moradores que foram reassentados em conjuntos habitacionais construídos pelo Programa “Vila Viva” (no Aglomerado da Serra), 2) Bolsa moradia: moradores removidos que aguardam a entrega dos apartamentos (nas vilas São Tomás e Aeroporto); 3) indenizados: moradores que já deixaram suas casas e foram indenizados (nas vilas São Tomás e Aeroporto);

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4) demais moradores: aqueles que não foram alvo de remoção, mas

foram

afetados pela intervenção. 5) Técnicos da Companhia Urbanizadora de Belo Horizonte Optou-se pela pesquisa qualitativa, uma vez que os objetivos da pesquisa dificilmente seriam aferidos quantitativamente, apesar de não se ter desprezado estes últimos dados. Para ser possível captar a percepção dos entrevistados sobre os temas objeto de análise – direito à moradia -, foi necessário um contato mais aprofundado e direto, sem as limitações de uma coleta de informações por meio da aplicação de questionários, por exemplo. Assim, na escolha do procedimento adotado para coleta de dados foi feita a opção pela entrevista em profundidade com roteiros semi-estruturados, desenvolvida

sempre

por

dois

entrevistadores,

como

forma

de

garantir

a

intersubjetividade. Somado a isto está sendo desenvolvido um estudo etnográfico, através da investigação participante, onde um dos membros da equipe está vivenciou a realidade da população investigada como morador. Sendo uma pesquisa qualitativa, optou-se pelo aprofundamento na obtenção de informações do entrevistado, mesmo reconhecendo que a amostra pode não demonstrar a heterogeneidade de experiências e diversidade de percepções de cada grupo familiar do Aglomerado da Serra e nas vilas São Tomás e Aeroporto em relação à implantação do programa “Vila Viva”. Os resultados traduzem mais a história de vida dos entrevistados e sua relação com o programa, sem pretender generalizações que o tipo de amostragem impossibilitaria. A pesquisa utilizou-se, ainda, da análise documental, abrangendo o estudo do PGE (Plano Global Específico), resoluções do Conselho Municipal de Habitação e outros instrumentos normativos da cidade de Belo Horizonte, além de teses e estudos produzidos sobre o tema. Outras coletas de dados incluíram anotações sobre a observação de cotidiano e participante. 3.4 Categorias ou variáveis na análise das entrevistas: A fim de captar a percepção dos moradores sobre o direito à moradia e sua relação com as intervenções do programa Vila Viva, algumas categorias foram definidas para a

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análise do objeto de estudo. São elas: Relações socioculturais, Direito à cidade, Habitação e Processo de remoção. Estas categorias auxiliaram na montagem dos cenários ex ante, in processu e ex post, para análise do impacto e efeitos do Programa Vila Viva nas populações estudadas. 3.4.1 Relações sociocultural A categoria “relações socioculturais” foi escolhida para abranger relações de vizinhança e de família. Esta categoria foi indicada separadamente pela importância dada a ela pelos próprios entrevistados. Muitos deles faziam suas opções de moradia com base na proximidade com seus familiares e antigos vizinhos, tal argumento também foi muito utilizado para qualificar negativamente o programa, nos casos de o entrevistado ter perdido a proximidade com aqueles. A análise destas relações encontra-se no âmbito de investigação sobre os impactos do Programa Vila Viva sobre o capital social e humano constituído, anteriormente, pelas comunidades afetadas. O conceito de capital social e humano abrange outras categorias de relações sociais, porém este relatório parcial se restringe às relações mencionadas. 3.4.2. Direito à cidade O direito à cidade, cunhado inicialmente por Henri Lefebvre ao longo de sua obra, mas de início em seu livro Le droit à la ville (1968), tem obtido espaço na luta dos movimentos sociais e na discussão jurídica sobre os direitos dos cidadãos. No Brasil, o conceito já foi incorporado por textos normativos, sendo um dos primeiros países do mundo a reconhecer o direito à cidade como categoria jurídica. Mas como qualquer conceito jurídico, sua efetividade como força normativa necessita da compreensão de seu conteúdo. O que significa reconhecer legalmente o direito à cidade? Quais as consequências deste reconhecimento para a ordem urbanística brasileira e para os rumos do desenvolvimento urbano?

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Henri Lefebvre defendia um repensar dos direitos, que seria necessário a fim de adequá-los às necessidades do homem contemporâneo. Para ele, era necessária a propositura de um novo “contrato social”, onde os direitos de cidadania pudessem reduzir a distância entre o poder estatal e o poder da sociedade civil. Para tanto, era necessário o reconhecimento de outros direitos políticos que não foram totalmente reconhecidos como o direito à informação, o direito à expressão, o direito à cultura, o direito à identidade na diferença e na igualdade, o direito à autogestão, o direito ao controle democrático da política e da economia e, acima de tudo, o direito à cidade. (Fernandes 2007) O direito à cidade para Henri Lefebvre (FERNANDES, 2007), consistiria no direito de todos os habitantes da cidade de desfrutar plenamente a vida urbana com todos os serviços e vantagens - o direito à moradia - assim como ser parte direta na administração da cidade - direito à participação. Em 2005, o Fórum Social Mundial propõe a Carta Mundial do Direito à Cidade, que pleiteia sua incorporação como documento político-jurídico internacional junto às Nações Unidas. A Carta conceitua o direito à cidade como: [...] o usufruto equitativo das cidades dentro dos princípios de sustentabilidade, democracia, equidade e justiça social. É um direito coletivo dos habitantes das cidades, em especial dos grupos vulneráveis e desfavorecidos, que lhes confere legitimidade de ação e organização, baseado em seus usos e costumes, com o objetivo de alcançar o pleno exercício do direito à livre autodeterminação e a um padrão de vida adequado. (Fórum Social Mundial, 2006)

O conceito, como mencionado, foi incorporado pelo Direito Brasileiro pela lei 10.257/2001, o Estatuto da Cidade. Ao descrever as diretrizes da política urbana prescreve: Art. 2. A política urbana tem por objetivo ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e da propriedade urbana, mediante as seguintes diretrizes gerais: I – garantia do direito a cidades sustentáveis, entendido como o direito à terra urbana, à moradia, ao saneamento ambiental, à infra-estrutura urbana, ao transporte e aos serviços públicos, ao trabalho e ao lazer, para as presentes e futuras gerações; II – gestão democrática por meio da participação da população e de associações representativas dos vários segmentos da comunidade na formulação, execução e acompanhamento de planos, programas e projetos de desenvolvimento urbano; (...)

O Estatuto da cidade nomeia o direito às cidades sustentáveis, como aquele que garante qualidade de vida aos habitantes combinado com o equilíbrio ambiental para preservação do ambiente para as futuras gerações. O direito à cidade em nossa

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legislação encontra-se, da mesma forma que conceituado por Henri Lefebvre, diretamente relacionado à gestão democrática da cidade, por meio da participação direta da população

na

formulação,

execução

e

acompanhamento

dos

programas

de

desenvolvimento urbano. Como categoria de pesquisa, o direito à cidade compreende o estudo das mudanças ocorridas nas áreas de intervenção do Programa Vila Viva e a situação com relação aos locais de destino que afetam diretamente o direito à moradia dos habitantes, relativamente ao acesso a serviços, infraestrutura urbana, lazer e trabalho. Além de buscar entender como os moradores percebem os processos de urbanização e a possibilidade de influir nos processos de produção da cidade. 3.4.3 Habitação Amos Rapoport (1969) em estudos de arquitetura e antropologia constatou que a cultura afetava o ambiente construído, de tal forma que a alteração desses ambientes, sobretudo aqueles mais diretamente relacionados à vida social (casa, templo), poderia refletir em alteração da própria cultura. Particularmente, no que concerne ao estudo da casa ou da habitação, Rapoport identifica que a casa é uma instituição - e não simplesmente uma estrutura -, criada para atingir uma série de propósitos que irá sofrer grande influência em sua forma e organização pelo ambiente cultural onde se encontra. A fim de identificar o que seria a “cultura” que influencia o ambiente, Rapoport (1998) desdobra o conceito em níveis menores para buscar seus componentes ou expressões da cultura. Ele identifica como expressões da cultura: visões de mundo, valores, imagens, variáveis sociais, estilo de vida e sistema de atividades. Para ele estes três últimos têm sido mais úteis para compreender a relação entre cultura e ambiente construído. Estilo de vida, por exemplo, define a escolha, ou seja, as pessoas deixam lugares indesejáveis para aqueles avaliados de forma mais positiva – considerando as limitações externas à escolha, ou seja, as pessoas fazem opções de forma a buscar ambientes que suportem ou se adéquem ao seu estilo de vida. O sistema de atividades relacionadas à moradia também varia enormemente de uma cultura para outra, atividades

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como cozinhar, por exemplo, podem ser determinantes para o design de uma habitação, conforme o significado dado a tal atividade. Por fim, as variáveis sociais identificadas pelo autor seriam família, rede social, status, papéis desempenhados, instituições etc. Para compreender como a variável social afeta a tipologia da habitação, podemos ter o exemplo da necessidade de cômodos diferentes para o casal e para os filhos, ou a necessidade de separar os filhos no caso de serem eles de gênero oposto. (Rapoport, 1998) Para o autor, ao estudar habitação, deve-se compreender que a “em tempos remotos a casa já se tornou muito mais que um teto para o homem primitivo. (…) Se a provisão de um teto é uma função passiva para a habitação, a função positiva então é a criação de um ambiente que melhor se adéqua ao modo de vida das pessoas, ou seja, é uma unidade de espaço social”. (Rapoport 1998) A habitação não é simplesmente um abrigo, um ambiente físico para acolher uma entidade familiar, mas um conjunto de funções e propósitos que podem variar segundo o contexto sociocultural e, o seu reconhecimento, garante a efetivação deste direito ao seu detentor. Para compreender, então, a adequação da habitação na população estudada, após a intervenção do Programa Vila Viva, foi utilizado o conceito proposto por Amos Rapoport, em uma tentativa de se construir o sistema de atividades que irá compor o conceito de habitação pela perspectiva dos moradores. Esta teoria foi introduzida durante a pesquisa por se mostrar mais adequada à análise das concepções de habitação. Foi feita a escolha teórico-metodológica de diferenciar os conceitos de habitação e moradia. Habitação aqui irá se relacionar ao espaço da casa e seu sistema de atividades, enquanto o conceito de “direito à moradia” é bem mais amplo e completo, pois ele prescinde da correlação de todas as categorias aqui relacionadas, além de outras que garantem a sua sustentabilidade.

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3.4.4 Processo A categoria definida como processo foi entendida como o envolvimento dos moradores com as diferentes etapas de implementação do Programa Viva Vila e explora, particularmente, dois momentos: a participação na elaboração, execução do programa, especialmente no processo de remoção das famílias. A análise do processo auxilia a compreensão da relação que os entrevistados tinham com a antiga casa e a possibilidade de estes verem tal “bem” como direito e, desta forma, passível de negociação e/ou luta com o poder público durante o processo. Os relatos sobre o processo de remoção, as emoções que suscitam o momento de perda da antiga casa, descortinam a própria compreensão por parte da população sobre o direito à moradia, na medida em que revela os motivos de aceitação ou não aceitação da remoção frente aos outros condicionantes trazidos pela intervenção. Como enfatizado anteriormente, a participação também compõe o conceito de ‘direito à cidade’, porém escolhemos destacar aqui como categoria independente pela relevância dentro do objeto de estudo. 4.

O VILA VIVA E AS INTERVENÇOES EM VILAS E FAVELAS EM BELO

HORIZONTE: A PROPOSIÇÃO OFICIAL DO PROGRAMA O processo de democratização do Brasil e o revigoramento da sociedade civil a partir dos anos 80, com o fim do período ditatorial, fizeram reemergir no cenário político a pauta pelo adensamento da democratização do Estado. Foram formuladas políticas públicas participativas e criados novos poderes e instituições que prevêm ampla participação e representação da sociedade civil. No entanto, também nessa época assistiu-se à ascensão do neoliberalismo no país, o qual levou à progressiva retração das funções do Estado sem uma correspondente incorporação das demandas da sociedade civil. No âmbito das cidades, viu-se ressurgir a pauta pela reforma urbana, que desencadeou mudanças constitucionais a partir da elaboração, pelo Movimento Nacional pela Reforma Urbana (MNRU), de uma emenda popular à Assembléia Constituínte de

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1987-1988, que se baseava nos princípios do direito à cidade, na subordinação da propriedade privada aos objetivos da política urbana e na gestão democrártica das cidades (AVRITZER, 2010). Embora as proposições da sociedade civil tenham sido parcialmente incorporadas à Constituição, somente após treze anos de luta e reivindicações dos movimentos sociais pela reforma urbana, em 2003, foi aprovado o Estatuto da Cidade e criado o Ministério das Cidades. Cada municipalidade respondeu de uma forma diversa a esse novo escopo legislativo, o que se relaciona às dinâmicas da sociedade civil, às orientações partidárias e aos interesses imobiliários locais (Avritzer, 2010). No contexto de Belo Horizonte, a aposta na ação conjunta entre sociedade civil e Estado teve como alguns de seus resultados a criação de Conselhos Gestores de Políticas Públicas, Orçamentos Participativos (OP) e a elaboração do primeiro Plano Diretor Municipal, aprovado com significativa participação da sociedade civil em várias audiências públicas regionais (AVRITZER, 2010). Desde então, a participação passou a ser quase um imperativo das políticas públicas urbanas na capital mineira. Se por um lado esse fenômeno foi responsável por criar um canal de diálogo mais aberto entre governo e cidadãos, por outro lado, o discurso da participação parece ter sido em grande medida trivializado por setores do Estado e da sociedade civil, que não apresentam uma real vontade política de deliberar nos espaços públicos de uma maneira horizontal e compartilhada. O Vila Viva, programa sobre o qual este relatório se debruça, é definido pela Prefeitura de Belo Horizonte como uma política pública que abrange três eixos principais de ação para uma regularização fundiária sustentável: a urbanização e instalação de infraestruturas, a regularização fundiária e o desenvolvimento socioeconômico com participação direta da comunidade4. Na concepção do programa, a participação deve se dar nas fases de planejamento e execução das intervenções. O planejamento se dá pela construção do Plano Global Específico (PGE) que consideraria o problema das favelas em sua forma integral e entenderia que a participação dos moradores é essencial para que a 4

Mais informações na página da URBEL no portal BH: http://migre.me/bgkSj

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regularização das favelas fosse feita de uma forma mais inclusiva. Durante a implementação do programa seria rediscutida com os moradores a elaboração de um projeto executivo; além disso, seriam mobilizados grupos de referência e promovidas reuniões e assembleias com toda a comunidade. A resolução II do Conselho Municipal de Habitação da cidade de Belo Horizonte, ao dispor sobre a política habitacional para o município, conceitua habitação como: Art. 1º - Para os fins desta Resolução, entende-se como habitação a moradia inserida no contexto urbano, provida de infraestrutura básica, os serviços urbanos e os equipamentos comunitários básicos.

O conceito de moradia digna, como incorporado nas políticas habitacionais em Belo

Horizonte,

reuniu

importantes

pressupostos

antes

ignorados

por

ações

governamentais de promoção do direito à moradia. Um importante pressuposto presente neste conceito da Resolução II do CMH é a inserção no contexto urbano, sendo que isto já pressupõe os demais, como o acesso a serviços urbanos e infraestrutura básica. O Plano Global Específico (PGE) norteia as ações do Vila Viva, propondo-se a fazer um minicioso diagnóstico da realidade local, sob a ótica ambiental e econômica. O conceito de habitação, tal como definido pelo CMH, encontra-se presente nas atuações do Programa Vila Viva que incorpora ações de infraestrutura, com programas e ações sociais, e reflete também nas ações de reassentamento dos removidos. O programa Vila Viva, em teoria, atua com base no Plano Global específico: O Plano Global Específico (PGE) é um instrumento de planejamento que norteia as intervenções de reestruturação urbanística, ambiental e de desenvolvimento social nas vilas, favelas e conjuntos habitacionais populares. Ele consiste em um estudo aprofundado da realidade destas áreas, considerando os aspectos urbanístico, sócio-econômico e a situação jurídica do terreno. O objetivo principal do PGE é apontar os caminhos para a melhoria da qualidade de vida nestes locais e integrá-los ao conjunto da cidade. 5

O reassentamento das famílias, objeto de remoção necessária em consequências de obras de urbanização, prioriza a manutenção das famílias no local da antiga moradia, com a construção de conjuntos habitacionais. Mesmo não sendo o Vila Viva uma política

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disponível em : http://portalpbh.pbh.gov.br/pbh/ecp/comunidade.do?evento=portlet&pIdPlc=ecpTaxonomiaMenuPortal&app= urbel&tax=8173&lang=pt_br&pg=5580&taxp=0&. Acesso em 16/12/2012.

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habitacional, a construção de unidades habitacionais compõe as obras a fim de garantir o reassentamento das famílias após a intervenção. O limite, contudo, de manutenção das famílias em suas comunidades envolve duas ordens: primeiro, como um dos objetivos do programa é o desadensamento e a construção de infraestrutura urbana, o número de reassentados será necessariamente inferior ao número de removidos; em segundo lugar, o programa oferece apenas uma forma de reassentamento (conjuntos habitacionais), que não se adéqua à realidade de muitas famílias removidas. Tendo em vista tais limitações, o reassentamento das famílias através do programa Vila Viva ocorre de três formas distintas, sendo elas: o reassentamento em conjuntos habitacionais (sendo aqueles construídos pelo programa); a indenização pelas benfeitorias (caso em que a família terá que fazer a aquisição de nova moradia); e a aquisição de nova moradia através do Programa de Reassentamento de Famílias Removidas em Decorrência da Execução de Obras Públicas - PROAS. O reassentamento em conjuntos habitacionais ocorre, geralmente, através da construção de prédios na própria área da intervenção urbanística. A oferta de habitação para os reassentados é de um apartamento de 50 m², com dois quartos, em sua maioria, e algumas opções de três quartos.

Cientes da inadequação deste único modelo ofertado à realidade da maioria das famílias moradores das vilas e favelas, os apartamentos são construídos de forma a

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abrigar 40% dos removidos. Assim, 40% das famílias objeto do reassentamento poderão permanecer no local ou próximo a sua antiga residência se optar pelo reassentamento em apartamento. Um maior esforço é empregado pelos executores do Programa Vila Viva para a opção de reassentamento nos conjuntos habitacionais. Para os que fazem esta opção há um longo acompanhamento ao longo de dois momentos: o “pré-morar” e o “pós-morar”, que, resumidamente, preparam os moradores para o novo estilo de habitação. Os moradores envolvidos em processos de remoção que fizerem a opção por reassentamento em conjuntos habitacionais deverão ser acompanhados em todas as etapas desde o início de implantação do empreendimento habitacional. Desta forma deverão participar ativamente do programa, conhecendo as implicações da vida em condomínio, seus direitos e deveres. É imprescindível que sejam orientados na elaboração de sua convenção de condomínio do empreendimento destinado à relocação das famílias e quanto aos regimentos internos de cada bloco. (Plano Global Específico do Aglomerado São Tomás / Aeroporto, Vilas Suzana I e II e Vila São Miguel)

Os demais moradores são indenizados pelas benfeitorias que possuem nos terrenos de duas formas distintas: para os moradores com benfeitorias avaliadas em valor inferior a 40 mil reais, o reassentamento é feito através do PROAS; para aquelas cuja benfeitorias tiveram avaliação superior ao valor atendido pelo PROAS, recebem diretamente um cheque com o valor correspondente. Como explica o técnico da Urbel: URBEL: O PROAS é um programa de aquisição. É o chamado Programa de Reassentamento Monitorado, em função de obra pública ou risco. Ele é um programa de aquisição de uma moradia para a família que faz a opção por ele, ou tem a necessidade de fazer a opção por ele. E ele tem um valor de teto máximo. Hoje, esse valor de teto máximo do PROAS é de 40 mil. Então, o quê que acontece. Se uma família que tem o valor de avaliação que é um valor mais baixo do que isso, do que os 40 mil. E não fez a opção pelo apartamento, ele pode adquirir uma casa de até 40 mil. Ele vai indicar uma casa pra nossa equipe, a nossa equipe vai vistoriar essa casa. Se a casa for aprovável, se eu falar que tá aprovada, é feita inclusive uma avaliação da casa. Se ela não tiver em um local de risco, se ela tiver condições de habitabilidades adequadas, se ela tiver, condições razoáveis, se ela não for uma casa insalubre, se ela não tiver nenhum comprometimento construtivo. Então, se ela for aprovada, a gente faz o reassentamento monitorado com essa família, da seguinte maneira: é feito uma solicitação do pagamento do valor da casa, até o limite desse teto dos 40 mil, e é feito então um monitoramento. Quando o recurso está liberado, a prefeitura, através da URBEL. A URBEL chama o vendedor do imóvel, chama o beneficiário, o comprador que indicou a casa, e faz então a intermediação da aquisição dessa casa, dentro da própria URBEL.6

Entrevista realizada em 04/05/2012, com o técnico da Urbel responsável pelo Projeto Social no Aglomerado da Serra.

6

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Os indenizados atendidos pelo PROAS devem adquirir sua nova moradia através deste programa. Neste caso, a prefeitura não repassa qualquer valor diretamente ao beneficiado, mas sim a nova moradia, dentro dos padrões e critérios pré-definidos. Critérios estes que algumas vezes dificultam a aquisição da moradia pelos reassentados, uma vez que o valor do PROAS é muito baixo para arcar com uma habitação bem localizada e inserida no contexto urbano. Critérios como “ausência de comprometimento construtivo” ou “condições de habitabilidade adequada” são difíceis de serem preenchidos se as moradias disponíveis no valor do teto do programa estão, na maior parte das vezes, localizadas em região de favelas. Os demais indenizados, cuja avaliação de benfeitorias foi superior ao benefício abrangido pelo PROAS, não tem nenhum acompanhamento específico por parte do programa para a aquisição da nova moradia. Tanto a busca de moradias à venda quanto à compra desta ocorre sem qualquer supervisão do programa Vila Viva. A indenização paga pelo programa corresponde ao valor avaliado das benfeitorias construídas pelos moradores. Desta forma, não há um reconhecimento, na indenização, do valor da posse que, na maioria das vezes já é ad usucapione, isto é, passível de aquisição da propriedade. A posse é uma circunstância de fato, porém geradora de direito e, portanto, detém conteúdo econômico. Assim, sendo a posse um direito do possuidor, conforme jurisprudência pacífica do Superior Tribunal de Justiça: “o expropriado que detém apenas a posse do imóvel tem direito a receber a correspondente indenização”. (REsp 1226040/SP,

STJ - RESP 953910-BA, RESP 769731-PR, RESP 184762-PR, REsp

1118854/SP, outros) 7. Portanto, é incorreto o cálculo da indenização dos expropriados pelo

programa Vila Viva quando desconsideram a situação de posse (mesmo a família estando

PROCESSUAL CIVIL - ADMINISTRATIVO - INTERVENÇÃO DO ESTADO NA PROPRIEDADE DESAPROPRIAÇÃO - POSSE - INDENIZAÇÃO AO DETENTOR DA POSSE - POSSIBILIDADE ARTIGOS 463 E 467 DO CPC - PREQUESTIONAMENTO AUSENTE: SÚMULA 211/STJ. 1. O expropriado que detém apenas a posse do imóvel tem direito a receber a correspondente indenização. Precedentes. 2. É inadmissível o recurso especial quanto à questão não decidida pelo Tribunal de origem, por falta de prequestionamento. 3. Recurso especial parcialmente conhecido, mas, nessa parte, não provido. (REsp 1118854/SP, Rel. Ministra ELIANA CALMON, SEGUNDA TURMA, julgado em 13/10/2009, DJe 28/10/2009) 7

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no local por mais de dez a vinte anos) e a indenização se faz apenas em razão das benfeitorias. O valor da indenização é calculada pelos técnicos contratados pela Urbel para tal fim. O processamento das avaliações é feito internamente e repassado aos moradores individualmente, como esclarece um técnico da Urbel: URBEL: A avaliação física dessas casas, uma por uma. Nós temos uma equipe de engenharia, através dos contratos que são executados nessas intervenções, e essa equipe faz uma avaliação física do imóvel de origem da pessoa. (...) a partir daí, a gente emite uma planilha de avaliação dessa casa, de cada casa, depois fazemos um atendimento com cada família, cada uma dessas, pra fazermos então uma das etapas, que é a negociação pra concluir o processo de remoção e reassentamento.

A tendência do órgão público é não abrir a negociações, contudo há moradores que obtiveram pequeno êxito em rediscutir os valores, especialmente se estes resistiam a concordar com a remoção e, portanto, poderiam interferir no andamento das obras. Ademais, não é claro ou transparente a forma com que o cálculo das indenizações é feito. Como se verá em momento posterior neste relatório, inúmeros moradores discordam dos valores oferecidos por estarem em discordância com o valor de mercado dos imóveis. Outro fato que prejudica os removidos na aquisição de nova moradia é decorrente do processo inflacionário que se inicia nas vilas e favelas com o início do programa. A intervenção nas vilas e favelas pelo Vila Viva provoca grande distorção nos mercados imobiliários, isto é, uma inflação dos preços de casas para venda e locação nas áreas afetadas, já que cria uma enorme demanda. Com esta alta nos preços, são poucos os indenizados que conseguem, com o valor recebido de indenização, adquirir sua habitação na própria vila. Assim, muitas das famílias removidas acabam por se deslocar para outros bairros ou outras favelas da cidade de Belo Horizonte e da região metropolitana. 8 A intervenção do Programa Vila Viva afeta também moradores não removidos, especialmente os locatários. Inúmeros imóveis nas vilas servem para locação e abrigam milhares de famílias em situação de grande vulnerabilidade. O início das remoções causa 8

Será objeto de desta pesquisa mapear os locais de destino dos removidos das vilas São Tomás e Aeroporto, o que irá corroborar com alguns argumentos já trazidos neste relatório, como a necessidade dos moradores se deslocarem para locais onde a qualidade de vida é certamente inferior a que ele tinha anteriormente.

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grande procura por locações, já que os removidos aguardam o reassentamento em imóveis locados, quando recebem o bolsa-moradia9. A grande procura por locação e um valor fixo fornecido pela prefeitura (conhecido por todos), leva a uma alta de preços, que faz com que a bolsa-moradia seja sempre insuficiente para o pagamento da locação10. Um efeito nefasto provocado por tal situação é a expulsão indireta de locatários, que já não conseguem mais arcar com as altas dos valores e veem-se obrigados a mudar para locais mais precários, onde as locações lhes são acessíveis. Convém acrescentar que os locatários não estão incluídos no programa e, portanto, não são objeto de reassentamento. Em entrevista, o presidente da Urbel à época esclarece os objetivos e justificativas das intervenções do Programa Vila Viva, e as opções quanto ao modelo de reassentamento: Então porque a gente combate um pouco a indenização... só paga se o cara insistir mesmo, a gente acha que o melhor reassentamento é a unidade habitacional, fica perto da gente, fica dentro da área que sofreu intervenção, não rompe os laços... (...) nós preferimos que as pessoas façam opção pelas unidades habitacionais, por quê? Nós, antes delas mudarem, a gente acompanha por um ano – o que a gente chama de pré-morar – depois que elas mudam nós ficamos por dois anos acompanhando elas (...) então a gente faz de tudo para as famílias fazerem a opção por unidade habitacional... agora, tem que ser verticalizado...eu não posso me dar ao luxo de um terreno valendo trezentos e cinquenta reais, quatrocentos reais o metro quadrado...o metro quadrado em Belo Horizonte é isso...quando eu vou indenizar uma vila que o cara tem título de propriedade...trezentos e cinquenta reais dentro de favela...o metro quadrado que a gente paga. Eu não posso me dar ao luxo de ter um lotinho de duzentos metros quadrados pra cada família em Belo Horizonte...é vertical... eu compro essa discussão, mesmo com o movimento, o movimento organizado (...) porque a verticalização dá a oportunidade de mais pessoas... das que precisam mais da cidade...estar inseridas na cidade, ok... então esse negócio de ‘lotinho’, entendeu... isso é porque é burguês... é... ‘ah, eu quero criar um porco’... pronto, vai pra região metropolitana... então você vai ser sitiante...é outra história (...) porque eu não posso abrir mão de cada metro quadrado que a gente disputa na cidade com o mercado para eu me dar ao luxo de ter ‘lotinhos’ para as pessoas...eu preciso garantir o maior número dessas pessoas que mais precisam do posto de saúde, da educação e tudo, estar inseridas dentro da cidade (...)

Disponível em: http://portalpbh.pbh.gov.br/pbh/ecp/comunidade.do?evento=portlet&pIdPlc=ecpTaxonomiaMenuPortal&app= urbel&tax=8171&lang=pt_br&pg=5580&taxp=0&. Acesso em 05/03/2013. 10 Atualmente o valor da bolsa moradia é de R$500,00, desta forma nas vilas e favelas dificilmente será possível encontrar imóvel para locação em valor inferior. 9

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Percebe-se que o conceito de habitação do CMH e promovido pelo Programa Vila Viva não incorpora alguns dos pressupostos que compõe o conceito da Relatoria Especial das Nações Unidas para o Direito à Moradia, tais como, habitabilidade; não discriminação e priorização de grupos vulneráveis e adequação cultural, dando prioridade a outros elementos que compõem o conceito, tais como, a disponibilidade de serviços, infraestrutura e equipamentos públicos; localização adequada e segurança da posse. Neste último caso, até o atendimento destes pressupostos podem ficar comprometidos, uma vez que o Programa tenta garantir tais benefícios somente aos reassentados em conjuntos habitacionais, e não tem como garantir às demais famílias removidas. Assim, mesmo que haja uma relativa melhora na qualidade de vida de alguns, devido à disponibilidade de infraestrutura e serviços públicos antes inexistentes, os impactos negativos consequentes das remoções ainda é elevado. É alarmente também a proporção dos removidos excluídos nos programas de reassentamento (em média 60%, segundo dados dos técnicos da Urbel), o que necessariamente levará estes “desassistidos” a enfrentar nova situação de vulnerabilidade de habitação. A proposta oficial do programa, como exposto, ainda desconsidera uma universidade de culturas e modos de vida, pois mantém as linhas abissais. Modos de vida que incluem atividades tidas como rurais ou periféricas, continuam “invisibilizadas” e, desta forma, desconsideradas na proposição oficial da intervenção. Alguns dos objetivos do Vila Viva encontram-se descritos nos PGEs de cada vila ou favela objeto da intervenção, sendo alguns ilustrados pelos trechos: Articulação e envolvimento com o entorno – tendo em vista que o objetivo final de um PGE é inserir as vilas e favelas de Belo Horizonte no contexto urbano formal, torna-se imprescindível que a população seja, desde o início da execução do plano, preparada para usufruir de seus direitos de ‘cidadãos na cidade’. (PGE Serra. Relatório de propostas) Sendo assim, o Plano prevê o desadensamento da região Centro-Sul com eventual transferência de população para a Regional Leste, onde tem havido crescimento populacional negativo. Essas famílias devem ser relocadas preferencialmente pelo PROAS. Deverá ser estudada a utilização da estrutura dos edifícios para contenção de encostas sempre com intuito de otimizar investimentos públicos. Obras de maior porte residenciais e viárias) ‘estabilizam’ a encosta sem ônus significativos nas fundações e estruturas.

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Convém pontuar, ainda, que a Urbel trabalha com metodologia de projetos, por meio da captação externa de recursos – junto a outros níveis de governos ou agentes financiadores - para o financiamento das obras do Programa Viva Vila em cada vila ou favela onde atua. Esta metodologia de financiamento das obras gera uma enorme pressão quanto ao cumprimento de cronogramas e à adequação quanto aos recursos financeiros disponíveis, o que reduz significativamente a possibilidade de rediscussão do modelo inicialmente traçado e mesmo de uma participação efetiva. Cabe pontuar, por fim, que uma das finalidades do Programa Vila Viva é a regularização fundiária das áreas objeto de intervenção. Ao final da intervenção, todos os reassentados teriam o título de propriedade dos imóveis. O prazo para que os títulos fossem entregues aos moradores reassentados em apartamentos construídos pelo programa era de dois anos, contudo, mesmo depois de passados cinco anos da entrega dos primeiros edifícios nenhum título de propriedade foi entregue aos moradores. É possível perceber, pela própria estrutura governamental do programa, que o direito à moradia é compreendido de forma incompleta. Ao objetivar urbanizar vilas e favelas, o programa Vila Viva tem o efeito de expulsar moradores destas mesmas vilas (locatários e removidos) para locais cuja condição de urbanização é mais precária que a anterior. Falta, portanto, uma avaliação do programa que considere este impacto global, direto e indireto, nas vidas das famílias, de forma a repensar a forma como o Poder Público atua perante às populações de baixa renda.

5. MORADIA NA PERCEPÇÃO DOS MORADORES Nas entrevistas realizadas com os moradores de apartamentos do Aglomerado da Serra (reassentados) e de moradores envolvidos nos processos de remoção nas vilas São Tomás e Aeroporto, percebeu-se que suas concepções, ideias e impressões em torno da questão da moradia e do Programa Vila Viva são convergentes, assim como também existem pontos divergentes entre si. Nas seções a seguir, serão apresentados trechos de relatos dos moradores entrevistados, de acordo com temas considerados

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relevantes para delinear as formas por meio das quais os entrevistados concebem a moradia e o Programa Vila Viva. 5.1. Reassentamento: mudanças quanto ao estilo de vida O modelo de reassentamento dos removidos durante as obras do Programa Vila Viva oferece uma única opção de habitação: os prédios de apartamentos. Esta opção única, contudo, parece não se adequar ao estilo de vida da maioria dos moradores das vilas pesquisadas: E1: ahh... tem muita coisa que você não pode fazer aqui. (...) Assim, você fazer um churrasco, chamar aquele monte de gente, o apartamento é pequeno já... ah não,... ai é chato. (...) eu tinha área, uma área grandona, todo fim de semana tinha um churrasco lá, um forró, aqui é ruim demais... E4: Eu nunca gostei de apartamento não, é gente, gente, como é que fala, gente matuto, lá a gente tinha um terreninho, um pedacinho, lá tinha plantação, sabe, e eu gosto muito de ter minha hortinha, minhas folhas todas... (...) É, então, eu queria uma morada, eu queria uma casa, é que tivesse um pedacinho, igual onde eu morava, lá, tinha banana, eu comia banana, lá tinha é taioba, serragem, tinha tudo quanto é verdura, ai então é isso aí. E5: E lá tinha a janela, era dois andar, né, tinha a janela lá em cima, tinha uma varanda enorme... E9: Tinha que ver como era bom. E5: Minha área de lavar roupa era enorme, era do tamanho dessa sala aqui. Tudo de ardósia, pintadinha de branco, e a ardósia toda encerada, era muito bonito, né Deja? E8 – aqui nós somos todos, todos que moram no prédio, nós temos que aprender muito a tolerância né. Aprender a conviver com as pessoas, porque no morro, aí você fala num entra, não entra. Agora aqui não, você não gosta de uma pessoa, mas o vizinho é parente, é...então assim, tem que deixar entrar. E3: igual pra Cida.. Cida também pra ela, ela pegou o apartamento, mas pra ela vai ficar muito difícil porque a família dela, os filhos dela tudo rapaz, né, eles é mais gente em casa, pra ela vai ficar muito difícil... (...) ela tem três rapaz e duas meninas. ... E3: ahh... eu gosto de espaço, menino, eu sou muito espaçosa... eu gosto, acho que é todo mundo, né, gosta assim de um lugar que tenha espaço, um lugar que possa respirar. Quando a gente fica mais velho a gente gosta dum lugar que possa sair, tomar um ar, né, ter um quintal procê sentar... L: a senhora tinha quintal antes..

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E3: tinha... tinha pé de manga, no calor a gente ficava lá embaixo dos pé de manga lá respirando o ar, ia muita gente lá pra casa ficar com a gente, né... e apartamento não, apartamento eu vou viver trancada, né. Entrou pra lá tem que fechar, né, num pode sair. Enquanto eu aguentar andar ta bom, né, e a hora que num aguentar... em cima da cama de uma cama, trancada... E10: E é ruim, igual lá na minha casa, tinha um terreirão. Agora predinho, se quiser fazer alguma coisa tem que descer lá pra baixo. Igual eu que gostava de queimar, como é que queima ali? Tanto de gente vai ficar olhando procê igual público. E12: Ah, eu... É... Dá duas opção, agora, depende da indenização, né. Se a gente conseguir um dinheiro que der pra comprar uma casa, ou então um barracão, em algum outro lugar, a gente compra, mas se num dar, a gente vai ter que aceitar o apartamento mesmo, porque aqui em casa é pequeno, né, e aí eu num sei se dava uns vinte, trinta mil... Pode dar menos, né, aí num dá pra comprar uma casa. Aí a gente vai ter que aceitar o apartamento mesmo. E13: É no bairro, eu queria morar aqui, mas acontece que vai ter que sair... Eles vão fazer apartamento e... Apartamento aí eu num tô querendo muito não porque... É, o meu sonho é de abrir uma lojinha. Quer dizer, com a casa aqui dava pra poder fazer isso, eu ia fazer quarto lá pra cima e tirava um cômodo pra abrir uma lojinha pra mim aqui mesmo, né? Mas como é... Num vai ter casa mais, vai ter é apartamento, apartamento num dá pra mim fazer o que eu quero, né? Então eu vou preferir comprar lá mesmo, levar a mudança pra onde que eu vou morar. E14: A gente tá mais acostumado com casa né, com o apartamento cê vai ficar um pouco restrito, né. Meu pai e minha mãe já estão idosos, ficam em casa, né? Então, assim, pra quem já é de idade já fica restrito um monte de coisas, em apartamento mais ainda, porque quando cê tá numa casa cê pode cuidar duma planta, pode desenvolver outra atividade na própria casa, dentro do terreiro, né, e em apartamento num tem como.

Percebe-se que há, em torno da moradia, um sistema de atividades, de reprodução da vida familiar, que não é possível manter nos apartamentos. A frequente menção às reuniões familiares ou festivas, à manutenção de hortas, e, principalmente ao tamanho da habitação anterior em alguns casos, confere ao reassentamento um estigma negativo. Como, em sua maioria, os moradores de vilas e favelas sempre viveram em casas, esta continua sendo a projeção de seu estilo de vida, de uma cultura e de hábitos já arraigados ao longo do tempo. Levando em conta o conceito proposto por Rapoport, a observação e a análise das falas dos moradores possibilitam a compreensão de uma cultura própria a vilas e favelas que tem semelhanças quando inter-relacionadas: a cultura interiorana de cultivo de hortas

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e jardins, o uso compartilhado de espaço públicos ou semi-públicos como becos e quintais, a flexibilidade da moradia perante as alterações do núcleo familiar, a informalidade na relação com os vizinhos. Esta cultura observada é desconsiderada e violentamente rompida quando a habitação é em prédios de apartamentos, cuja limitação imposta vai além do aspecto físico (tamanho e impossibilidade de incriminação no tempo), mas reflete em toda a vida destas pessoas, suas relações sociais e culturais na comunidade. Desconsiderar a concepção de moradia por parte dos moradores reforça o não reconhecimento destes como sujeitos de direito, aptos a participar efetivamente da construção de políticas públicas que visam “garantir direitos”. Assim, desconsiderar estes modos de vida, colocá-los como categoria inferior ou inadequada, reforçam injustiças sociais que os grupos sofrem cotidianamente. Como pontua Fraser (2003) somente através do reconhecimento seria possível combater tais injustiças de matriz cultural. A dominação cultural (impondo um estilo de vida ou uma forma legítima de morar), o não reconhecimento (invisibilidade das reivindicações dos moradores) e o desrespeito (estereotipação dos grupos como não civilizados ou não “preparados” para a vida urbana) são formas de injustiça que podem ser constatadas nos fragmentos de relatos apresentados acima. Como mencionado, os apartamentos são construídos de forma a reassentar uma média de 40% das famílias removidas, isso se deve à inadequação deste modelo único de reassentamento. Inúmeros entrevistados que optaram pela indenização, o fizeram por rejeitar o reassentamento no apartamento, mesmo em situações que a vantagem patrimonial seria evidente na escolha pelo apartamento: E11: ahh.. se eu não conseguir morar aqui... aqui igual eu falei procê, eu gosto de ficar aqui, mas apartamento num dá não, num dá certo. pesq: entre um apartamento aqui e uma casa mais longe, você prefere a casa então? E11: a casa. Pesq.: mas se desse a opção entre pegar a indenização apartamento, o quê você acha que ia escolher? E1: ahh, eu pegava a indenização. Comprava uma casa. Pesq.: por quê? E1: ahh... é muito melhor. Apartamento é chato.

ou o

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E2: dinheiro, porque lá em casa, mesmo sendo eu e meu pai a gente nunca gostou. Minha vó também tem muitas plantas, ai a gente não quis ir não, num quis pegar apartamento não. Mas também a gente não sabe quem ia morar do lado da gente...

No caso da entrevistada E11, assim como a E1, a indenização para suas benfeitorias eram de aproximadamente R$ 15.000,00 (quinze mil reais). Se comparado ao valor estimado para o apartamento, de R$ 50.000,00 (cinquenta mil reais), percebe-se que a vantagem econômica é clara, contudo tal fato isoladamente não é capaz de motivar a aceitação pelo apartamento e, ao mesmo tempo, aceitar uma mudança radical em seu estilo de vida. Logo, há uma percepção diferenciada de “bens”, em termos financeiros. A economia da favela difere em grande parte daquela vivenciada em outros locais da cidade, onde o bem de raiz é uma necessidade básica. Nos locais pesquisados, os moradores parece optar pelo bem estar de vida e de moradia, pela qualidade do bem e não por sua valorização. No aglomerado da Serra, onde os moradores de apartamento já cumpriram o mínimo de dois anos antes que pudessem dispor do imóvel, já é possível ver inúmeros anúncios de ‘vende-se’. Esta parece ser a tendência para os moradores em processo de remoção, que perceberam a vantagem econômica na escolha pelo apartamento: Pesq.: e a senhora acha que tem gente pensando em pegar o apartamento pra depois vender? E3: ahh.. eu acho, eu mesmo sou uma! Ahh.. se eu alcançar até lá, quando chegar os 2 anos, se eu conseguir pegar os documento e tudo eu vou vender, eu num vou morar toda vida no apartamento não.

A inadequação quanto ao tamanho das famílias também é clara, uma vez que não há variações quanto à composição das famílias e os apartamentos. Estes têm, em sua maioria, dois quartos, com uma metragem total de 50 m². Sabe-se que reassentamentos em larga escala em cidades onde a densidade populacional é alta não é tarefa fácil, questiona-se, contudo, a falta de diversificação nas opções de reassentamento. Neste ponto já é possível creditar falhas ao processo participativo promovido pelo Vila Viva, já que um processo genuinamente participativo favoreceria a adequação aos anseios

e

necessidades

aceitabilidade.

da população

e,

consequentemente,

garantiria maior

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Outro fator negativo do reassentamento em prédios de apartamento em relação ao estilo de vida dos moradores é quanto à impossibilidade de incrementar ou promover melhorias no imóvel. Sabe-se que as casas das vilas e favelas são autoconstruídas e, na maior parte das vezes, representa todo o investimento do núcleo familiar de suas reservas financeiras. A tendência dos moradores é sempre poupar seus recursos através da aquisição de materiais de construção, para que possam, aos poucos, realizar melhorias e adequações em suas habitações. Além disto, existe ainda o fato de o núcleo familiar manter-se unido no mesmo terreno, ou seja, casa-se um filho, sua casa já é construída próxima à casa principal, ou elevando-se andares da mesma. Para os entrevistados que moravam nesta situação, manter o núcleo familiar unido era o fator mais importante, sendo que alguns deles tentaram reproduzir a situação anterior mesmo após a remoção. Muitos moradores acabam optando pelo apartamento, mesmo preferindo adquirir uma casa, pelo pequeno valor da indenização. Sem o reconhecimento da posse, a indenização tem um valor geralmente inferior ao valor de mercado das habitações demolidas: E2: a gente já comprou pronta [a casa]. Só que o dinheiro não deu pra comprar a casa não, teve que inteirar. [...] o dinheiro é muito pouco que eles dão. Eles não pagam bem, pagam quase nada. E3: a gente podia pegar o dinheiro, mas a proposta deles foi muito pouca. Muito pouca, num dava pra gente comprar, a gente tentou, né, mas... (...) foi muito pouco, né. Pois é, foi muito pouco o valor que eles deram. Da minha menina, a minha menina tinha uma casa muito boa, a casa dela era grande... com quatro quartos, grande, num deu 50 mil. Eu acho que eles num deram o valor que precisava... E13: Ah, com a URBEL, quer dizer, eles falou pra mim o valor da minha casa, né, quanto que valia de tudo, né? Quanto que valer, fizeram a medida de tudo, né? Aqui na minha casa deu R$25.207,30, o valor da minha casa. Bem menos do que eu paguei aqui, quando eu comprei. E15: (...) E o dinheiro tá muito pouco em relação às casas, porque também a gente não tem nenhum papel que mostre que a casa é da gente, como um documento. Mas em compensação, tem muita casa também que eles valoriza muito: por ser beco, por ser lugar assim, né? Que não tem entrada pra um carro. Mas aqui em compensação é melhor, por quê? Tem comércio, essas coisas tudo. E16: (...) Se a gente conseguir um dinheiro que der pra comprar uma casa, ou então um barracão, em algum outro lugar, a gente compra, mas se num dar, a gente vai ter que aceitar o apartamento mesmo, porque aqui em

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casa é pequeno, né, e aí eu num sei se dava uns vinte, trinta mil... Pode dar menos, né, aí num dá pra comprar uma casa. Aí a gente vai ter que aceitar o apartamento mesmo.

De todo o universo da amostra, somente um casal se mostrou plenamente satisfeito com a mudança para o apartamento: E5: Ele, todo dia que ele descia do serviço, lá do bar dele, né, ele vinha de lá, quando chegava ali, punha a mão pra trás, parava e ficava assim: “Ainda vou morar nesse prédio aqui”. E era esse aqui. (...) Nossa, o pessoal que vem aqui em casa fica: “Ô, N., cê ganhou na loteria!” Falei: “Ganhei nada”... Isso aqui foi um presente de Deus, uma loteria danada.

Tal satisfação, contudo, não advém do tipo de habitação somente (já que pelos relatos a habitação anterior era maior e de melhor qualidade), mas da mudança ocorrida entre a antiga casa que se localizava em um beco e o apartamento de frente para a avenida: E5: Ah, aqui é porque, se você precisa de um carro rápido vem, e lá não, lá no beco, sai do beco, pra vim na rua. (...) É, igual eu te falei, melhorou mil por cento. Aqui cê tá na frente da rua, da avenida. Tem a rua aqui, tem a avenida aqui.

Há, para muitos moradores entrevistados, um caráter negativo associado à moradia em becos, tanto pela falta de acessibilidades e/ou mobilidade, quanto ao caráter estético. A entrevistada E5 chegou a mencionar que tinha vergonha que sua filha trouxesse para o “beco” seus colegas de faculdade. Vê-se que nas favelas existem várias camadas sociais, especialmente relacionadas ao tipo e local de moradia. Os becos em favelas, quase sempre não qualquer tipo de serviço público: acesso à água, coleta de lixo, transporte urbano, dentre outros. Quando a URBEL, pelo relato de um dos entrevistados, oferece menos por habitações em becos, reproduz o mesmo esquema da exclusão. Acaba incorporando linhas abissais entre aqueles que pela exclusão parecem, à primeira vista, iguais. A crítica que pode ser extraída dos próprios relatos dos moradores quanto ao modelo de reassentamento do Programa Vila Viva reflete muito à incompreensão deste do elemento ‘adequação cultural’ inerente ao direito à moradia. Mesmo aceitando que a oferta de apartamentos é uma possibilidade viável de reassentamento, certo que esta não poderia ser a única. A Prefeitura de Belo Horizonte, através de seus canais de participação, poderia ter promovido um maior debate com a população acerca das formas

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de reassentamento adequadas para estes. Ao invés disso, a prefeitura adotou um discurso irreversível que conjuga escassez de terrenos e limitados recursos financeiros para justificar suas escolhas. 5.2 Rompimento de laços sociais (perda de capital social e humano) A importância da manutenção de laços sociais de família e vizinhança para os entrevistados guiaram muitas das escolhas no momento da remoção. A possibilidade de preservar, da melhor forma possível, a estrutura de proximidade da residência entre os membros da família ou vizinhos foi mencionada pela maior parte dos entrevistados. E3: Opção deles foi assim, por exemplo, a gente até queria comprar um lugar, pediu prazo pra gente reunir e comprar, porque meus filhos moravam lá, porque lá era assim espaço grande, então os meninos moravam quase tudo assim junto comigo, assim, tudo no mesmo terreno. E a gente queria reunir pra comprar um lugar pra ficar todo mundo mais ou menos junto... (...) a separação foi assim muito doída, viu. Pesq.: é que você morava com os filhos todos casados... E3: os netos... muito neto, é, os netos mesmo... (... ) é, lá era tipo um condomínio, todo mundo junto. (...) é.. e foi muito doído pra separar, a gente ... Pesq.: e porque vocês optaram pelos apartamentos? Vocês podiam pegar o dinheiro, né? E3: a gente podia pegar o dinheiro, mas a proposta deles foi muito pouca. Muito pouca, num dava pra gente comprar, a gente tentou, né, mas... E2: porque minha vó mora no lote com a gente, ne, então tirou a casa dela, a minha, dos meus tios. Todo mundo que morava no mesmo lote, cada um tinha a sua casa. L: ai todo mundo foi indenizado separadamente. E2: separadamente, só que ninguém quis apartamento não. (...) só que ai a gente comprou um lote do mesmo jeito. As três casas separadas. L: ahhh... a família foi junto então. E2: a família foi junto. E1: ah... num piorou nada assim, mas é que muita gente num vem mais na minha casa... ahh.. é chato ficar sozinha... E5: Aí, tinha janela, sabe, aí todo mundo gritava: “Ô Fulana, cê ta boa?” Aí eu já chegava na janela, precisava nem d’eu abrir a porta: “Ô Ciclana, to boa...” Aí, minha menina morava, já focava em baixo, em baixo era sala, cozinha, banheiro e os três cômodo dela. Aí, todo mundo chamava: “Fulana, cê ta boa? Cê sumiu! Tá doente não?” Eu falava, “não, to não”. Então era assim, era só... Aqui não.

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Pesq – A senhora falou que eram doze cômodos. Quantas pessoas moravam na outra casa? E7 – A lá tava cheio. Lá tinha neto que morava comigo... Pesq – E como que fez com esse pessoal? A senhora pegou aqui, aí filha da senhora, a senhora ajudou... E7 – aí veio só um pra cá, depois ele não quis ficar aqui mais... E8 – espalhou todo mundo (...) E7 – antes era todo mundo junto.

Todo processo de remoção é extremamente traumático para todos os envolvidos, exatamente pelo rompimento dos laços sociais, além dos referenciais espaciais. Por mais que a urbanização seja, de certa forma, algo desejado por moradores de vilas e favelas, sua destruição não é algo que a comunidade imagina ou deseja. Dos entrevistados, muitos deles nasceram e cresceram nas vilas pesquisadas, é ali que estão suas memórias de infância, juventude, sua família e seus amigos. O reassentamento dos removidos, necessariamente, irá provocar grande perda de capital social e humano e, por isso, deve-se evitar ao máximo que remoções sejam feitas sem a consideração de fatores de intercompreensão e de solidariedade, constitutivos da história dessas populações. E13: Tá... Isso aí, é ótimo aqui. Eu, comigo e com os meus vizinhos num tenho queixa com nenhum. Pelo contrário. Só tenho, é... alegria, com eles. São ótimos comigo. Sempre me tratou bem, é... Sempre tratei todas bem... Num tenho reclamação nenhuma. Aqui em casa fica sempre cheio, agora, num sei que milagre que num tá cheio de gente. É que eu tinha saído, mas vive cheio de gente aqui. Toda hora chega um... A minha vizinha que mora ali, que foi comigo lá na, comigo lá na hora que eu fui assinar o papel lá, mais a minha irmã... Ela abriu a boca a chorar. No entanto ela quer ir lá comigo domingo lá, eu vou lá na casa, lá. Limpar tudo lá, pra poder levar a mudança. Ela falou que vai lá e já quer olhar a casa por lá pra poder, quando der pra mudar, mudar pra lá. (...) E13: Pra pegar o cheque. Tá marcado pra terça-feira. Pra gente pegar e lá mesmo já depositar e passar pra conta do rapaz, do dono da casa. Da minha casa. Mas eu já peguei a [inaudível] então num tem problema não... Ele sabe que eu jamais vou fazer sacanagem com ele. Eles me conhece aqui há tantos anos... cê vê, então, como que é o vínculo que a gente tem aqui, né... Amizade que a gente tem aqui. E confiou da gente até pegar a chave pra poder ir lá limpar a casa. E eu nem passei dinheiro nenhum pra ele. E14: Com os meus vizinhos? Ei! Criado e crescido juntos, é maravilhoso, né, só que cê fica assim: a minha vizinha mora do lado... Ela tá indo embora sexta-feira, né... E além de ser minha vizinha ela é minha madrinha, madrinha do meu irmão... Eu... A irmã dela também, que mora

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em cima, vai embora... Eu, eu ajudei ela a cuidar dos filhos dela, igual, ela faz parte... É mais família do que a própria família que está distante, porque tá no dia a dia da gente né... Igual aqui tem muita violência em questão de tráfico de droga, né... O maior problema da gente hoje em remoção das famílias hoje é porque uns vão e outros não... É... Essa primeira chuva que teve agora, mais forte, em Belo Horizonte, desse mês que entrou agora no mês de setembro, que que acontece: já alagou a casa do meu pai e a casa do meu irmão... E14: Ah... “Ah, não, eu tô indo viajar...”, “eu tô indo trabalhar”, “eu vou viajar”, ou senão “cê olha a minha casa...”, “cê olha meu filho...”, e num é nada pago. É uma coisa mesmo, assim, solidariedade um com o outro, né? Bem família... Então isso aí, respeito mesmo, igual meu irmão, quando sofreu acidente, meu pai não conseguiu ficar no hospital, os vizinhos foram, reser... Viraram, né, trocaram de plantão com a gente até ele sair do hospital, então, assim, isso é uma coisa que num vai sair nunca, né... E15: Olha, a minha relação com os vizinhos e os parentes... Particularmente, acho que os vizinho ainda é melhor do que com os parente, porque aqui, graças à Deus, aqui no beco... A família de cada um é os vizinhos, né moço... Porque é um ajudando o outro, todo mundo sabe o quê que é bom, o que não é... Então, particularmente, é bom com todo mundo. Apesar que cada um tem seus atritos, né? Quem não incomoda ninguém, quem que não tem seu problema? Então, fica difícil falar que eu não tenho problema com ninguém ou que ninguém tenha comigo, porque... Mas é boa a relação de todo mundo aqui no beco. Graças a Deus é, do bairro. Pesq: Você já precisou deixar filho com alguém assim... precisou de algum vizinho que você conhecia e tal? E15: Sempre. Sempre eu deixo com vizinho. Hoje mesmo, inclusive, eu tive que deixar porque eu trabalho no bairro mesmo, né? Mas em compensação não tive com quem deixar porque a pessoa que olha teve um compromisso. Devido ser feriado não tive com quem deixar.

As relações sociais são vitais para a própria viabilidade econômica de muitas famílias, que nesta rede de apoio mútuo e solidariedade encontram soluções de geração de renda, de cuidados médicos, de serviços como o cuidado dos filhos ou idosos para que as mulheres possam trabalhar, de crédito (já que muitos não possuem acesso ao sistema formal de crédito), entre outros. Para as famílias de baixa renda, portanto, o impacto do rompimento dos laços sociais importa não somente em prejuízos emocionais, mas também em prejuízos econômicos, pois o capital social e humano é fundamental no processo destas famílias para deixarem o ciclo de pobreza. As relações que se dão entre amigos, vizinhos e parentes são ganhos indiretos para os trabalhadores que moram nas favelas. Há quase uma relação de compensações que permite a sobrevivência daqueles que se encontram em situações de desvantagens

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óbvias. Quebrando-se esses laços há um risco de se ampliar essas desvantagens, apesar de uma aparente vantagem com a melhoria da habitação e de acesso a serviços públicos. 5.3 O processo de implementação do Programa Vila Viva e as remoções 5.3.1 Participação No que se refere à participação no Programa Vila Viva foram comuns os relatos, por parte dos moradores, de que lhe faltaram informações nos momentos de implementação do programa: “Eu acho que não teve nenhum chamado geral”, diz E5, que prossegue afirmando que “eles chegaram com os equipamento, máquina, quebrando casa”, de uma maneira repentina, sem que

a comunidade tivesse conhecimento ou

certeza do que iria lhe acontecer. E7, por sua vez, afirma que houveram reuniões, mas “não saiu do jeito”, da forma como os moradores almejavam que as obras fossem realizadas. Alguns moradores relataram a participação em reuniões que ocorreram no período das mudanças para os apartamentos e em períodos subsequentes. O senhor E9, por exemplo, disse ter participado de uma reunião, a qual, segundo ele, era “pra explicar pra gente, como que era, como que iria ser o apartamento, o pessoal procurar ser amigo um do outro, coisa assim, que vai...” Ao que parece, em tais reuniões explicitavam-se normas de condutas a serem seguidas nas novas habitações, e não uma oportunidade para que os moradores pudessem interferir na conformação dos prédios ou mesmo no programa como um todo. Segundo E7, as reuniões “era só pra chamar a atenção da gente.” É ela quem afirma: Quando nós veio para cá, que nós veio da casa, até hoje eu faço isso, a toalha tá molhada, eu coloco a toalha aqui para secar. Tomou banho, põe a toalha ali para secar... aí quando eles estavam passando, eles paravam o carro, pedia para gente abrir a porta, o portão lá embaixo, a gente abria, eles subiam... “ah eu quero conversar com a senhora”. Quando chegava aqui, já ia pegando a toalha dali e me entregando a toalha na mão...”

Atualmente, as queixas são da omissão do poder público quanto aos cuidados necessários à manutenção do apartamento. Há reclamações da demora em solucionar problemas relativos à infraestrutura dos prédios:

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[...] nós telefonava para lá, porque a nossa casa, nós construímos, nós sabia cada lugarzinho que dá para gente consertar as coisas, os cano. Aqui, nós apanhamos muito para poder aprender, a mexer, a tirar o ar dos canos. Às vezes a água acaba, quando a caixa enche, entra ar. Aí nós ficava dois três dias, achando que não tinha água. A gente pedia eles para olhar pra gente, eles chamavam atenção, xingava a gente. Então até que nós fez reunião e exigimos que eles ensinasse nós o jeito de mexer. Eu falei: ‘não adianta vocês darem a vara e não ensinar a pescar não. Uai, vocês tem que ensinar a gente a fazer as coisas’.

Ainda concernente a esta questão, ressalta-se aqui a reclamação de que rachaduras começam a aparecer nos prédios e a prefeitura se nega a reconhecer e a solucionar o problema. A equipe questionou se os moradores tiveram a oportunidade de alterar o projeto, todos eles responderam negativamente à indagação. Pôde-se constatar, então, que as reuniões realizadas tiveram um cunho mais informativo do que efetivamente deliberativo. Os moradores, dessa forma, não opinaram na concepção do programa, tampouco puderam alterar seu projeto prévio de acordo com suas demandas. Em outras palavras, as necessidades e concepções dos moradores quanto às suas habitações não puderam ser utilizadas no programa de maneira efetiva. E14: Na verdade, seria, eu acho que seria bacana o que a gente sempre batalhou, que antes de isso tudo acontecer a gente queria melhoria da vila, mas não dessa forma. O que a gente sempre buscou foi abrir as ruas, né... Pra gente ter um lugar mais arejado... Com entrada de carro, e tal... E não esse tipo de remanejamento que eles tão fazendo, né... Foi um baque pra muita gente... Cê tem que procurar um local pra você morar, cê tem que procurar, igual, aqui eu, eu num vou sem meu pai, minha mãe e meu irmão, então cê num vai achar um aluguel pras três pessoas, né... A melhora, é lógico, é muito claro que a melhoria vai ser magnífica, né, mas a gente vai sofrer um pouco a consequência, até se acostumar, cê num tá mais numa casa que é sua, né, que cê pode entrar e sair assim, e falar “eu pinto”, “eu quebro”, é seu. Agora não, agora vai levar um tempo pra isso acontecer de novo, pra tudo ficar pronto.

Ressalta-se, por fim, que a participação dos moradores seria de extrema relevância para que fossem implementados projetos que considerassem os anseios e necessidades dos mesmos. Somente por meio de uma participação efetiva seria possível considerar as formas de vida dessas famílias, respeitar as maneiras com que elas concebem a moradia e levá-las em consideração no momento de execução das políticas públicas que tem a

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moradia como um dos eixos principais. Afinal, o direito à cidade, como compreendido no Estatuo da Cidade e como idealizado por Lefebvre, pressupõe a participação efetiva da população. Cabe indagar, contudo, se pelo prazo fixado pelo Poder público de implantação do programa nas vilas e favelas permitiria uma participação real da população. Sabe-se que este processo é lento e, assim deve ser para ser efetivo. Contudo, várias incongruências apontam para a falácia da participação dentro do Programa Vila Viva: a impossibilidade dos moradores discutirem as tipologias dos prédios para reassentamentos ou até mesmo as opções de reassentamento ofertadas, grande lapso temporal entre a elaboração dos PGE’s e o início das obras (o que provoca mudanças das circunstâncias que ficam fora da deliberação pública); o fato do PGE ser elaborado por uma empresa terceirizada pela Urbel, levando a descontinuidade dos processos participativos pré e pós; o despreparo das esferas técnicas de compreenderem a diversidade cultural da cidade; a falta de metodologia de participação clara, que inclua esferas de deliberação, já que a participação no programa é vista, em sua maioria como informativa. De acordo com Boaventura de Sousa Santos a participação efetiva só acontece quando “o sistema político abre mão de prerrogativas de decisão em favor de instâncias participativas” (Santos 2003a) e a intensidade de tal participação é tanto maior quanto mais se garante a possibilidade de participação e deliberação dos grupos sociais envolvidos na concepção, execução, controle e fruição da intervenção (Santos 2007). No entanto, a prefeitura prioriza tão somente o caráter informativo do contato com a comunidade afetada sendo muito raras as situações em que a comunidade efetivamente delibera sobre alguma questão concreta que seja de seu interesse. De fato, no atual modelo de participação, proposto pela URBEL, não há qualquer possibilidade de as críticas, sugestões e alternativas propostas pelos moradores alterar significativamente os rumos da intervenção concebidos pela prefeitura e seus técnicos. Portanto, é possível definir a participação promovida pela prefeitura no caso das vilas Aeroporto e São Tomas como uma participação de “baixa intensidade”, ou seja, uma participação formal que tem como objetivo informar os moradores sobre as ações que serão realizadas onde vivem e sobre os impactos que tais intervenções terão em suas vidas.

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5.3.2. O processo de remoção Foi possível perceber grande diferença com relação à descrição do processo de remoção pelos moradores do Aglomerado da Serra, e o recente processo nas vilas São Tomás e Aeroporto. Em muitos dos relatos recolhidos no Aglomerado da Serra, foram comuns as afirmações de que a notícia da remoção do morador se dava de forma abrupta, ou seja, sem que eles estivessem esperando tal acontecimento. No caso de E4, a moradora afirmou que os responsáveis pela obra lhe disseram que ela teria que sair de sua casa para que ela fosse reformada, mas que logo em seguida poderia voltar para sua residência: ...ele [funcionário da Urbel] pegou e falou: ‘não, nós vão tirar a senhora só pra reformar, dar a senhora mais um cômodo, daí reforçar a casa, o barraco”, eu falei: ‘Tudo bem’. Fiquei satisfeita, aí ele falou assim: ‘a senhora tem que procurar casa de amigo, parente ou abrigo’. Eu falei assim: ‘Não, então eu preferia a bolsa moradia’ (...) Aí depois o A. ficou chamando reunião, falando: ‘ao predinho, ao apartamento,’ se eu não quero um prédio não. (...) Eles me falaram que ia me dar o barraco, que ia só reforçar o barraco.

É a própria entrevistada E4 quem também nos conta sobre alguns antigos vizinhos que, ao serem informados de que seriam removidos, adoeceram, sendo que alguns deles vieram a falecer algum tempo depois: Tem um moço ali (...) quando a mudança dele foi, ele já tava no hospital, de tanto que... depressão. Eu comecei a dar depressão também. Tem um moço ali em cima que morreu, que eles acharam ele morto em casa, também foi que ele não queria sair dali de jeito nenhum. (...) Ele, pode bem dizer, tirou ele a força. (...) Então, ele foi contrariado, eles falam que não, mas foi.

Dona E7 também relata sobre os adoecimentos ocorridos nos momentos em que os moradores eram noticiados sobre as remoções: [...] a maioria das pessoas da minha idade, quase morreu tudo, né. (...) todo mundo ficou... adoeceu né, a gente manchava tudo de roxo. (...) Porque é muita pressão, você ver as pessoas lá, chegando e obriga você sair, você não quer sair... obriga...

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A entrevistada E7 teve que procurar às pressas uma nova moradia, ao saber que sua casa seria demolida. Ela foi para o programa ‘bolsa moradia’, mas revela a dificuldade em conseguir uma casa que fosse aprovada pela Urbel para o adequação do PROAS: Você arrumava um lugar para comprar e eles tinham que ir lá aprovar, às vezes, você gostava da casa mais eles não autorizavam você a comprar aquela casa, e ficava em cima da gente para gente comprar casa, minha menina mesmo foi a última a sair do lugar lá.

A história da entrevistada E5 é um pouco diferente. Sua casa não seria removida, mas começou a sofrer abalos devido à demolição da casa ao lado: “Meu quarto mina água, minha sala mina água. Só que num chove, é só lá na parte de baixo, na parte de cima toda chove. A laje cedeu, as parede trincou...” Durante um ano, ela ficou sem saber o que iria lhe acontecer e disse que, quando procurava o funcionário da Urbel, ele lhe respondia: “Num me procura eu não, deixa que eu procuro vocês. Vai, tampa os buraco lá, tampa os buraco.” Já nas vilas São Tomás e Aeroporto, o processo apresenta mudanças de postura por parte da Companhia Urbanizadora. Pesq: como é que foi a mudança assim? Você falou que não demorou... que vocês não tiveram que sair correndo, vocês tiveram tempo então... E2: a gente teve tempo pra poder sair. Pesq: você chegou a ficar no aluguel, até destruir a casa? E2: a gente procurou a casa, eles deram tempo pra gente procurar, arrumar lá tudo direitinho. Ai a gente marcou o dia da mudança, Pesq: ai o dia que vocês mudaram eles pagaram ou não? E2: não, eles pagam antes. Eles pagam antes e dão 10 dias pra você poder sair. Só que a gente demorou mais que 10 dias pra sair. E3: ahhh.. eles avisaram, foram lá em casa, avisou, marcou com a gente, fez reunião com a gente, eles avisaram direitinho, né, eles avisaram, né. Ai quando foi na data certa, a gente tava procurando um lugar, porque os meninos da C. estudam, né, e trabalham tudo por aqui, né, e acostumaram aqui e num aceitaram mudar pra fora, né, então a gente queria ficar era por aqui né, já tava tudo acostumado, todo mundo ai, né, queria era ficar por aqui mesmo, né.

Uma mudança, contudo, perceptível nas duas intervenções do programa analisadas nesta pesquisa, foi com relação ao trabalho social realizado nas duas áreas, Aglomerado da Serra e Vilas São Tomás e Aeroporto. Nestas vilas foi a implantado um posto de atendimento exclusivo para a comunidade, com profissionais que se dedicavam

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a atender à população, tirar dúvidas e acompanhar o processo. Esta proximidade entre os técnicos da Urbel e a população nas vilas São Tomás e Aeroporto reflete claramente na avaliação positiva que os entrevistados têm de sua relação com o poder público. Contudo, esta proximidade com a população não garante uma maior qualidade de participação, mas somente um processo de remoção mais controlado. Um grave problema no processo de remoção, constatado ao longo do processo de investigação, foi a falta de constância na execução do plano de demolição que levou a situações de grave violações de direitos dos moradores das vilas. A derrubada das casas é iniciada logo que é negociada com a família sua forma de compensação, contudo, este processo não é homogênio. A demolição das casas não poderia ocorrer enquanto todas as famílias não tivessem sido retiradas, mas não foi o que ocorreu, especialmente nas Vilas São Tomás e Aeroporto. Como pode perceber nas fotos constantes do Anexo I, há casas que permanecem com as famílias aguardando a indenização, mesmo após ter iniciado as obras de remoção de casas no entorno e construção dos prédios que servirão para o reassentamento. As pessoas que ficaram nas casas encontram-se em situação precária, próximas a escombros, entulhos, com déficit de energia e água encanada. Tal fato nos foi relatado por uma das entrevistadas, que esperou por oito meses a avaliação do seu imóvel: E11: ah.. eu esperava que eles tiravam todo mundo junto, né, primeiramente, num fazer essa separação, né, ia dar um dinheiro bom pra gente comprar uma casa noutro lugar, ne, porque eles não dão. (...) E11: aqui pra sair de noite, aqui num tem mais luz, num tem mais nada, ne. Ali o poste ali, desligou... o pessoal vai embora eles pensam que não tem ninguém morando ali mais, eles pensam assim... Pesq: água tem? E11: água de vez em quando falta demais... nó.. tem que pedir ali pra arrumar pra gente...

A retirada dos entulhos também não é feita de forma eficiente, logo após a destruição das casas. Os moradores têm denunciado que alguns entulhos nunca foram retirados no Aglomerado da Serra, o que pode ser comprovado pelas fotos no Anexo II.

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Nas Vilas São Tomás e Aeroporto, os entulhos também não são retirados totalmente, e há inúmeras casas que foram parcialmente destruídas (fotos Anexo I). Os entulhos trazem grande insalubridade para as casas próximas, com a atração de animais e insetos nocivos a saúde, como ratos e baratas. Porém, a pior situação se dá naqueles imóveis cuja demolição ocorre parcialmente. Os moradores vivenciam insegurança, pois estes locais têm sido utilizados para prática de crimes e uso de drogas. Algumas situações graves de violência foram relatadas pelos moradores, que veem estas casas de demolição parcial como um descaso do programa com a comunidade. O descaso com o processo de demolição é uma falta grave do programa, que viola direitos básicos dos moradores removidos e também daqueles que permanecem nas vilas, convivendo com a insegurança e a insalubridade. Nenhuma demolição poderia ocorrer sem a retirada de todas as famílias, por representar afronta direta a direitos fundamentais dos moradores como dignidade e saúde.

5.4 O programa e o impacto no direito à cidade Estar inserido num contexto urbano, próximo a serviços e à infraestrutura de serviços constitui circunstância de vital importância para os moradores, e isso influencia sobremaneira na visão que eles têm do programa e nas escolhas que fazem quando deparados com a remoção. Inclui-se no direito à cidade a facilidade de acesso a serviços básicos, tal como aqueles ligados às atividades comerciais, como supermercados, padaria e casas lotéricas11. O morador E6, que foi removido e reassentado em um apartamento no Aglomerado da Serra afirma que antes tinha tudo perto de sua casa, mas agora precisa pegar ônibus e comprar em lugares mais caros, localizados nos bairros ao redor do Aglomerado. Isto se deu pelo fato de, ao remover os moradores, foram removidos também posto de comércio e serviços, que não são objeto de reassentamento (que somente inclui moradias). Desta forma, há no Aglomerado da Serra grande parte dos reassentados sem acesso próximo às áreas comerciais.

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Casas lotéricas são frequentemente citadas pelos moradores, pois elas prestam serviços bancários diversos.

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A moradora E1, por sua vez, foi reassentada em área próxima ao comércio e, para ela, o acesso a esses serviços melhorou: “Ah... melhor, é melhor... tem padaria, tem açougue, lá pra baixo cê num tem é nada [referindo a outros prédios]. Nossa, você ter que subir tudo isso aqui pra fazer compra, ah não... ah, muito melhor”. A garantia de mobilidade segura e eficiente também compõe o direito à cidade. Dos relatos recolhidos para esta pesquisa, percebe-se que, no Aglomerado da Serra, a construção de vias e avenidas trouxe um forte impacto para os moradores: “Pro SAMU entrar, tá muito melhor, né? SAMU primeiro tinha que subir um morrão, carregar a pessoa, né? E agora tá muito, tem bastante coisa aqui, tá bem melhor. Sobre, é... como é que fala? Os carros mesmo, né? Tava muito difícil...” E6: foi bom que antes cê andava em barro né. Que era beco, não tinha acesso nenhum. Agora não, tem avenidas, tem ruas. E1: Num tem mais beco, morava em beco, agora é rua, ônibus passa na porta, o posto é perto agora... E9: É, igual eu te falei, melhorou mil por cento. Aqui ocê tá na frente da rua, da avenida. Tem a rua aqui, tem a avenida aqui.

Percebe-se que a construção de vias em uma favela, para além de alterar a acessibilidade aos lugares, altera também a própria visão do morador com relação à favela, ou seja, o estigma ligado à vida nas favelas também é transformado ao se mudar de um beco para uma via perto de uma grande avenida. Todavia, os becos não deixaram de existir, eles ainda são inúmeros no aglomerado da Serra. Os prédios, contudo, foram construídos sempre em face a uma nova via ou avenida: E6: Foi bom fazer os prédio, foi, porque acabou um pouco da favela, que tinha muito beco, entendeu? Num tinha rua, cê num tinha acesso a muitas coisas. Agora não. Agora, com a avenida aberta aí o fluxo melhorou, a gente tem, tipo assim, é... mais qualidade de vida, tendeu? As ruas são asfaltadas. Isso aí foi bom pra nós.

Se por um lado, o direito à cidade para os moradores dos locais de intervenção do Programa Vila Viva foi parcialmente alcançado, o mesmo não pode ser dito com relação aos removidos que não puderam ser reassentados nas vilas: E2: as ruas, tem rua lá [Justiópolis] que ainda é de pedra, aqui [Vila São Tomás] você tem tudo perto, é supermercado, cada esquina você tem uma

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padaria, um botequinho. Lá não, tem supermercado mas é como se fosse aqui pra mim, daqui até lá na avenida. Aqui tem supermercado, tem açougue, tem sacolão, tem tudo, por exemplo, pra minha avó não dá pra ela ir, tem que levar ela de carro. E aqui ela fazia tudo sozinha. Ai ela fica em casa, porque num tem, a igreja pra ela era aqui na esquina, ela num vai na igreja mais porque é longe... E13: Ó, eu acho melhor aqui [Vila São Tomás] porque é perto de tudo, né, aqui é mais perto, é perto do centro, pra todo lado tem um ônibus [ininteligível] tanto faz, pra ir pra Cristiano Machado ou pela Antônio Carlos, né. Fica mais perto de tudo, né. Até as mercearias e os mercados tem perto, tem o Wallmart ali em cima mesmo, né? Tudo perto aqui. Lá tem perto mas num é tão perto igual aqui, né? É mais longe, né, bem mais longe, mas eu gostei de lá. Pesq: A senhora e a sua irmã tão indo pra onde agora? E13: Nós tamos indo lá pra Novo Horizonte, é Vespasiano. E14: Ah, bem, pra melhor né, cara... Porque, assim... Quando se trata de rua aberta, é bacana isso, porque fica, dificulta um pouco mais esse tipo de violência, né, esse tipo de tráfico... E, também, sem falar que... Cê tá acessível pra... Próxima a tudo, escola... Companheirismo de vizinho, né... Alguns vão, outros não... Tem sacolão... Supermercado, padaria, se ocê subir daqui pra cima tem [Vila São Tomás], a dois quarteirões cê encontra quatro padarias... Se eu comprasse em Santa Luzia, igual o pessoal saindo daqui indo pra Santa Luzia, em ruas que não têm nem asfalto ainda... Longe de escola, longe de padaria, longe de tudo, né...

E9: Gente que pegou o dinheiro e mudou. Só que num demorou nem um mês, tava querendo voltar. Pesq: Por quê? E9: Longe. Que aqui, a gente mora é no centro. Eu, daqui pra cima eu vou lá na cidade a pé. E5: Cê desce a pé pra cidade, né? Cês vai só descendo pra cidade. E na hora de voltar, só uma passagem, cê volta de ônibus. Pesq: Mas eles conseguiram voltar pra cá? E5: Não. E9: Não conseguiram voltar, porque se o barraco aqui era 5 mil, foi pra 40. [comparando o Aglomerado da Serra a outras regiões] E17: oh, o posto de saúde em vista do que tinha lá [Vila São Tomás], nem 5 minuto eu tava lá no posto, praticamente eu morava dentro do posto. Aqui é longe, né, eu tenho que descer isso aqui tudo que o cês veio... que é do lado de lá. (...) O supermercado é aquele que cês viro lá, precisa descer isso tudo aí... cê desce... Pesq: É só aquele lá em baixo?

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Ana: é, é tudo lá em baixo, tem o Estrela, o Rastão, é... tem casa lotérica lá em baixo, tem o Bradesco, tem muita loja... mas só que cê tem que de... tem sacolão, lá deve ter uns dois sacolão, três, não sei, tem açougue, tudo lá em baixo. Mas a gente acostuma né? Acostuma com tudo. Pesq: acostuma. E17: tem que acostumar, né? [comparando a Vila São Tomás e Vale do Jatobá]

Os removidos indenizados só puderam comprar novas moradias em bairros com condições inferiores, provocando queda em sua qualidade de vida. Como narra a entrevistada (E2), em Justinópolis, bairro para onde se mudou com sua família, os serviços são de difícil acesso se comparado à vila São Tomás. 5.5 Qual moradia queremos? A quase totalidade dos entrevistados vê o Programa Vila Viva de forma positiva, isto é, quando questionados sobre as mudanças ocorridas nas vilas eles respondiam que as mudanças vieram para melhor, foi o “progresso” que enfim veio. É certo que os moradores esperavam que um dia viessem as ruas, que fossem retiradas as casas das áreas de risco e acabasse o medo de desabamentos na época das chuvas, que melhorasse o acesso a serviços públicos básicos. Nesta expectativa, portanto, o Programa responde pelas demandas de muitas décadas de abandono. Por outro lado, é unânime a revolta quanto ao processo em que se deu a intervenção nas vilas, à impossibilidade de mudar os rumos das obras, a falta de flexibilidade quanto às negociações frente às remoções e indenizações. Da mesma forma, é unânime a tristeza frente à destruição das vilas, sem que lhes fosse dada a chance de fazer diferente. Esta revolta e esta tristeza descreve um sentimento comungado pelos moradores que queriam que a infraestrutura e os serviços viessem, mas não dessa forma. A fala da moradora resume bem este sentimento: E14: Na verdade, seria, eu acho que seria bacana o que a gente sempre batalhou, que antes de isso tudo acontecer a gente queria melhoria da vila, mas não dessa forma. O que a gente sempre buscou foi abrir as ruas, né... Pra gente ter um lugar mais arejado... Com entrada de carro, e tal... E não esse tipo de remanejamento que eles tão fazendo, né... Foi um baque pra muita gente...

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A moradia pela qual os moradores das vilas e favelas estudadas almejam é aquela que se adéqua ao seu estilo de vida, que reconheça o esforço de sua conquista e seus direitos de posse. A adequação cultural deve comportar a reprodução de um estilo de vida, a manutenção dos laços sociais, a melhoria ou manutenção da qualidade de vida dos moradores segundo os critérios básicos de habitabilidade, a proximidade aos locais de trabalho e serviços públicos básicos. E, ainda, a possibilidade de participarem das decisões sobre sua comunidade, e, por certo, garantir a dignidade da pessoa humana. Parafraseando a arquiteta e urbanista Raquel Rolnik (2012): uma casa é muito mais que um teto e quatro paredes, é um lugar onde se formam vínculos com o espaço e com as pessoas. Assim, o processo de remoção, não se pode dar, jamais, de maneira abrupta, pois isso significa o rompimento com laços sociais e culturais. Ao contrário disso, as remoções, além de deverem ocorrer em apenas último caso, devem prezar pela melhoria dos padrões de vida da população atingida. Os processos que envolvem a transformação do espaço urbano e a consequente reestruturação da vida de cidadãos devem prezar pela garantia dos direitos e pela participação efetiva dos principais envolvidos. O direito à moradia, para ser sustentável, deverá buscar um conteúdo que comporte a diversidade de modos de vida presente nas cidades brasileiras. Para tanto, deve-se evitar reducionismos que levem a construção de políticas públicas ofertando habitações que não comportem todos os elementos necessários de habitabilidade, que garantam a sustentabilidade econômica, social e cultural da moradia. O não reconhecimento do modo de vida dos moradores de vilas e favelas tem como consequência a imposição de um modelo homogeneizante, como o único certo ou correto de via das cidades. Contudo, esta postura tende a reforçar a injustiça social e a exclusão destes grupos, que agora tem que se adaptar a novas formas de reprodução da vida. Resta perguntar quem criou o padrão hegemônico e porque atividades de cunho rural devam ser suprimidas dos usos urbanos.

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6. CONSIDERACOES FINAIS Os recursos para a execução do Programa Vila Viva proveem, majoritariamente, do PAC das Favelas – um programa do Governo Federal. Ao contrário de outras políticas habitacionais e urbanas que vinham sendo constituídas até então, as decisões sobre a alocação de recursos no programa não passam pelas instituições participativas e de controle social, criadas ao longo de anos, mas pelos interlocutores desse novo desenho: as instâncias administrativas federal, estadual e municipal e pelos setores imobiliários e da construção civil (ROLNIK, 2012). Questiona-se, portanto, se a política representa uma ruptura de um virtuoso ciclo da tradição participativa nas cidades em prol de um modelo que coloca no centro dos seus objetivos o crescimento econômico via geração de empregos, aquecimento do setor imobiliário e da construção civil. Rolnik (2012) ressalta as implicações desse modelo que, por ser em grande medida determinado por dinâmicas econômicas e imobiliárias, acaba por substituir a dimensão da moradia como um direito, um ponto de acesso a uma vida digna, para reforçar a dimensão da moradia como uma mercadoria a ser produzida e possuída como um capital no mercado imobiliário. Nesse caso, a perversidade não reside no encolhimento das funções do Estado, mas na concepção das políticas públicas habitacionais e urbanas sob uma lógica privatista. A produção da moradia segundo a lógica do mercado ou da burocracia estatal desconsidera, em grande medida, as formas de morar reivindicadas pelos moradores, bem como os sentidos e as funções que a habitação tem para os mesmos. Como consequência se verifica a construção de unidades habitacionais segundo padrões homogeneizantes e de baixa qualidade, que, não raras vezes, não comportam os desejos e necessidades das populações reassentadas. Ao confrontar a percepção dos moradores sobre o direito à moradia com a concepção oficial do programa, percebe-se que há um distanciamento entre ambas. Ao “urbanizar” as vilas e favelas de Belo Horizonte, apagam-se histórias, dividem-se famílias, homogeneízam o jeito de morar nas cidades. O programa interventivo carece,

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inicialmente, da compreensão das formas de vidas das populações, de sua cultura, de sua história e suas reivindicações. Garantir aos moradores da cidade o acesso a serviços públicos e infraestrutura básica é obrigação constitucional do poder público. Não há como negar que o Programa Vila Viva tenha como objetivo garantir que as populações atingidas tenham assegurado o acesso a esta infraestrutura, serviços, e, consequentemente, a garantia da fruição de seu direito à cidade. A construção de vias, escolas, postos de saúde é vista de forma positiva pelas populações, que ainda veem o programa com esperança, como uma promessa de uma vida melhor. Contudo, o Programa Vila Viva traz também um impacto negativo devido ao elevado número de remoções que ocasiona – com pouca possibilidade de debate público sobre alternativas que reduzam os números; e os as opções de reassentamento – limitadas e inadequadas para a maioria das famílias. Algumas falhas do programa podem ser apontadas mais pontualmente, como se passa a descrever. O Programa Vila Viva tem grande foco nos reassentados em conjuntos habitacionais, onde há um acompanhamento criterioso pelos programas ‘pré e pós morar’. Todavia, seus destinatários constituem um universo de 40% dos reassentamentos. Ou seja, aos demais 60% dos removidos não é possível assegurar os benefícios tanto do direito à cidade nem como do direito à moradia. Só por si, este dado já é bastante conclusivo. Mas, ainda, a participação e o acompanhamento dos reassentados ocorre somente nos casos de opção pelos conjuntos habitacionais. Assim, há uma grande preocupação com a qualidade de vida dos que remanescem no local da intervenção, sem qualquer relação do programa com os removidos indenizados. Mesmo assim, como já dito, as construções feitas para receberem os reassentados, têm demonstrado fragilidades de engenharia: acabamento deficiente apresentando rachaduras de risco nas paredes, tamanho dos ambientes incompatível com as famílias, dentre outros. Retomando, não há um acompanhamento da aquisição de nova moradia para os indenizados que recebem o dinheiro diretamente do programa, levando ao risco de aquisição de moradia em áreas de risco, em outras regiões desprovidas de infraestrutura básica, ou ainda, em áreas que poderão ser novo objeto de remoção (no caso onde há a

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impossibilidade de uma segunda indenização). Como ficou constatado pelas narrativas dos moradores, o baixo valor das indenizações levam os removidos a adquirir imóveis em outras favelas ou irem para locais distantes da região metropolitana. Dessa forma, perdem os locais de trabalho anteriores e toda uma cultura de apoio e de intercompreensão que cultivaram muitas vezes durante décadas e que lhes permitiu sobrevivência, mesmo em condições de extrema precariedade. O programa também não atenta à necessidade de adequação cultural da moradia quando fundamenta o reassentamento em um único modelo de moradia, e ainda, em uma única tipologia de habitação (impossibilidade de reassentados influírem no aspecto físico da habitação). Mesmo que se argumente que é necessário verticalizar para reassentar as famílias em regiões próximas à sua antiga habitação e providas de serviços e infraestrutura, não há um esforço em pensar ao reverso: há como evitar tantas remoções? Os técnicos da Urbel deixam claro que os moradores de vilas e favelas devem se adequar ao estilo de vida nas cidades grandes, que é a vida em apartamento, onde o apartamento é a ascensão natural de moradia. Desta forma, não reconhecem o estilo de vida dos moradores, a diversidade de modos de vida e, portanto, direito à moradia almejado pelos moradores e adequado às suas necessidades. Percebe-se a importância da compreensão da ‘adequação cultural’, como elemento do direito à moradia, para entender as escolhas dos moradores quanto às modalidades de reassentamento previstas no Programa Vila Viva, ou melhor, a grande rejeição ao apartamento como única forma de reassentamento. Outra grande crítica é a ausência de reconhecimento, na indenização, do valor da posse que, na maioria das vezes já é ad usucapione, isto é, passível de aquisição da propriedade. Tal desconsideração configura uma violação dos direitos dos reassentados, que tem como consequência a expulsão dos moradores mais pobres da zona centro-sul para as periferias da cidade, ou para outras cidades da Região Metropolitana, com impacto negativo na vida e no cotidiano das pessoas.

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Ao comparar a execução dos projetos no Aglomerado da Serra e nas vilas Aeroporto e São Tomás, é visível a alteração de procedimentos, especialmente no chamado ‘trabalho social’, com a instalação de um posto de atendimento dentro da comunidade, o que garante maior proximidade com a população. Houve, por parte da Companhia Urbanizadora, a tentativa de fazer com que o processo interventivo fluísse de forma menos conturbada com a presença constante de técnicos sociais no local. Parece que tal estratégia foi bem sucedida nas vilas São Tomás e Aeroporto, mesmo não podendo atribuir a passividade da população somente a este fato. Como já mencionado, nestas vilas as enchentes eram uma realidade para os moradores e, assim, a possibilidade de remoção era tida como algo inevitável e já esperado. No entanto, é importante destacar que as políticas públicas de urbanização e regularização fundiária do Programa Vila Viva não desconstroem por completo as linhas abissais da cidade, embora representem um grande avanço se comparado com as políticas de algumas décadas atrás, que se pautavam em práticas clientelistas e desarticuladas. O poder público ainda atua de forma abissal em alguns aspectos do programa Vila Viva quando deixa de reconhecer os moradores das vilas e favelas como sujeitos de direitos plenos, que devem participar efetivamente na construção e transformação do espaço urbano em que habitam. Exemplos dessa atuação abissal são: a remoção das pessoas sem reconhecer seus direitos de posse adquiridos por tempo de permanência, mas ainda não registrados em cartório; a desconsideração dos modos de vida, organização e relações sociais presentes na comunidade; o não reconhecimento das reais demandas dos moradores ao instituir um modelo de participação pouco efetivo. Por todo o exposto, pode-se inferir que há uma falta de reconhecimento dos moradores de vilas e favelas como sujeitos de direitos, passíveis de formular suas demandas e participar dos processos de tomada de decisão no que se refere a sua própria forma de vida. Ao contrário disso, os projetos são previamente estruturados e padronizados e, portanto, não atendem às peculiaridades dos locais em que serão implementados.

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Conforme já mencionado ao longo deste relatório, a qualidade de uma moradia se faz perceber quando esta atende às necessidades e vontades de seus habitantes, e quando está integrada à cidade, com acesso assegurado a serviços públicos e às redes de acesso à educação, saúde, transporte, cultura e lazer. Ao se trabalhar com projetos previamente estruturados e padronizados, perde-se a atenção às peculiaridades das populações para as quais esses projetos são destinados e deixa-se de reconhecer a diversidade intrínseca às formas de se habitar a cidade.

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ANEXO I

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Fotos das Vilas São Tomás e Aeroporto, tiradas no dia 15/07/2012. A situação permanece a mesmo até a data de finalização deste relatório, ou seja, dia 11/03/2013.

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ANEXO II

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